Sunday, March 04, 2007

Viajámos oito meses pelo mundo ...

Salar de Uyuni, BoliviaDe volta a casa os dias voltam a correr sem se deixarem apanhar e as semanas dobram e voltam a dobrar sem sentirmos as horas com a intensidade da nossa última viagem. Não que estes dias não nos tragam coisas boas e momentos de alegria. Apenas muitas das horas que nos passam pela frente pouco trazem de novidade ... coisa que não acontecia quando andávamos pelo mundo, cada dia em descoberta.

Diferentes? Os dias nos vão dizendo que em certas coisas nos vamos sentido diferentes. Aquilo de que gostamos queremos prolongar ou gozar por mais um pouco e já não sentimos energia para perder tempo com coisas que o distanciamento da viagem nos fez ver que não merecem muita atenção. É tudo uma questão de escala ...

E hoje, numa tarde de Domingo, com o sol a brilhar lá fora e a encher de calor a nossa sala na Calçada da Estrela, sentimo-nos felizes. Felizes por ter viajado por oito meses, felizes por sentir que aqueles de quem sentimos falta são mesmo importantes para nós.

Vontade de gozar Lisboa, gozar os fins de semana na sua plenitude, vontade de voltar ao blog e partilhar o que sentimos. É bom viver os dias sem ansiedade, é bom sentirmo-nos alerta para o que queremos e não queremos ser ... mas às vezes a rotina bem que nos tenta absorver.

Passados quase três meses do nosso regresso, sabe bem estar de voltar. Mas sabe ainda melhor poder revisitar as nossas memórias desses oito meses de viagem.

Viajámos oito meses pelo mundo e foi muito bom. O mundo ficou mais próximo e a vontade de saber o que se passa por lá é agora mais forte. Se já gostávamos da nossa vida, agora ainda a sentimos mais intensamente. E com a Primavera a chegar e os dias a prolongarem a sua luz por mais horas, já nos apetece de novo olhar para o mapa mundo e decidir onde vão ser as próximas viagens ...

Sunday, January 21, 2007

O Fim da Pobreza

Mesmo quando não se anda à procura, em alguns países é inevitável encontrá-la. A pobreza, essa palavra que nos seus múltiplos signficados e interpretações fala de miséria, fome, exclusão social, da falta de meios de subsistência e acesso aos níveis mínimos de educação e saúde. Habitualmente encontramo-la nas ruas, dormindo ao relento às margens da sociedade, nos bairros pobres de cidades grandes tentando sobreviver ao dia-a-dia entre linhas de comboio e esgotos a céu aberto. Encontramo-la também nos campos, vivendo do que lhe dá a terra, sempre dependente do que lhe trazem as estações, a uma caminhada de quilómetros da primeira escola, de um médico ou de uma fonte de abastecimento de água.

Nestes quase oito meses de viagem, vimos a pobreza de perto na Bolívia, esse país isolado de alta montanha onde todas as comunicações terrestres são penosamente lentas, que, excessivamente dependente da sua indústria mineira, nunca recuperou da queda dos preços do alumínio e do zinco nas bolsas internacionais em meados dos anos oitenta. Nos pueblos desertificados das zonas remotas de Uyuni na fronteira com o Chile ou no caos de uma La Paz pintada a cor-de-tijolo, é a mesma Bolívia que vemos ainda à procura de uma nova saída para o futuro, por entre uma época de agitação política de consequências imprevisíveis.

Na Índia, a maior democracia do mundo vive uma época de transição, numa economia que movida pelo crescimento explosivo das empresas de tecnologias de informação e software iniciou já o caminho seguro do progresso. O grande desafio, longe de vencido, está em conseguir que esse progresso não se limite às principais cidades ou às zonas francas de benefícios fiscais, mas se estenda à Índia profunda, maioritariamente rural e com elevados níveis de iliteracia, onde o flagelo das castas e as pesadas tradições mais se fazem sentir, prejudicando sobretudo o estatuto da mulher no acesso livre à vida activa e dificultando o planeamento familiar. O desafio de um progresso que não se limite a criar os primeiros multi-milionários alargando o fosso entre ricos e pobres, mas que torne universal o acesso aos mais básicos cuidados de saúde e educação, sem marginalizar ninguém no acesso à nova economia.

Na China, o novo gigante mundial é o exemplo do degrau seguinte nesta escada do desenvolvimento. Há muitos anos desperta para os benefícios do comércio internacional, a China substituiu já o que sobrava do comunismo por uma economia de estado progressivamente mais aberta à iniciativa privada, trocando as bicicletas por carros, os restaurantes de hutongs por McDonald's com drive-in e o livro vermelho do Mao pela cartilha do capitalismo. Com uma classe média recente, é visível pelas ruas um entusiasmo quase juvenil pelo mais moderno telemóvel, pelo par de ténis mais design, pelos gadgets de última geração que são também o símbolo de uma nova cultura do consumismo. Um desenvolvimento que começou pelas indústrias de mão-de-obra barata e tem o seu reverso nos graves problemas ecológicos que vêm assolando o país, como o provam as frequentes secas no interior agrícola e o facto da China ter neste momento dezasseis das vinte cidades mais poluídas do mundo.

Destas diferentes experiências fomos desenvolvendo um novo olhar sobre o subdesenvolvimento, mais informado por termos acesso directo à realidade e sobretudo por termos tempo para pensar nela. Mas na Tailândia, numa livraria de Chiang Mai, um pequeno livro de capa branca, carregadas letras vermelhas e a ilustração de uma planta a germinar chamou a nossa atenção e ao longo da sua leitura levou-nos a realmente aprofundar o nosso conhecimento sobre a pobreza. Com um prefácio do Bono como cartão de visita, este livro de que nunca tínhamos ouvido falar e de um autor para nós desconhecido iria durante o mês seguinte mudar a nossa forma de ver o mundo. O livro chama-se simplesmente "O Fim da Pobreza", e o seu autor Jeffrey Sachs.

Conselheiro-especial do Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, Jeffrey Sachs é segundo o New York Times o mais importante economista em todo o mundo. Com uma longa carreira como conselheiro de países do Terceiro Mundo, esteve na Bolívia durante a grave crise inflaccionista nos anos oitenta, acompanhou a viragem da Polónia e Rússia rumo à economia de mercado depois da queda do bloco comunista e assistiu in-loco aos primeiros passos da China e da Índia como potências emergentes do comércio internacional. Nos últimos dez anos, tem dedicado a maior parte do seu tempo ao continente africano, o coração do Terceiro Mundo onde o desafio da pobreza atinge uma dimensão por vezes julgada grande demais para ser enfrentada.

Estando na linha da frente do combate à pobreza, Jeffrey Sachs conhece como ninguém as suas causas e diferentes formas. Derrubando um a um juízos apressados e preconceituosos, nomeadamente os que resumem as causas da pobreza em África à corrupção dos seus dirigentes ou a uma cultura de preguiça induzida pelo clima quente, analisa em profundidade a dimensão do problema e as suas raízes. Em África o combate à pobreza exige uma ajuda contínua suportada por um plano concreto, como o foi o Plano Marshall para a Europa no pós-guerra, um plano que para ser posto em marcha precisa apenas que o mundo desenvolvido cumpra as suas contínuas promessas de prestar um apoio financeiro sustentado que corresponde a 0.7% do seu PIB. Esse plano existe, está assinado por todos os países que fazem parte da ONU e chama-se a Millenium Declaration. O objectivo é claro, e reflecte a ambição dos governos do mundo encararem o combate à pobreza como o grande desafio da nossa geração, acabar com a extrema pobreza até 2025, atacando o problema em todas as frentes.

"O Fim da Pobreza" não é por isso apenas mais um livro que fala de problemas, é antes de mais um livro que propõe uma solução concreta, expondo de forma simples e com a clareza dos números como a erradicação da extrema pobreza não é uma ideia vaga e utópica na mente de um sonhador, mas uma meta realista e alcançável em 25 anos.

O caminho para lá chegar, vamo-lo descobrindo ao longo do livro, mas passa antes de mais por cada governo do mundo desenvolvido, nomeadamente o nosso, honrar os seus compromissos de ajuda externa. Os Estados Unidos são o exemplo mais visível do incumprimento das promessas, e não apenas durante os mandatos de George W. Bush. Com uma contribuição anual em 2002 de 19 biliões de dólares, apenas 0.15% do seu PIB, os EUA estão bem abaixo do valor de 0.7% repetidamente assumido pelos seus dirigentes em reuniões internacionais. Em 2005, só a guerra no Iraque custou 90 biliões de dólares, de um orçamento militar que totaliza 450 biliões de dólares, cinco vezes mais do que o que seria necessário para honrar o compromisso de ajuda externa. Mesmo Portugal está bem abaixo da fasquia dos 0.7%, e é incrivelmente o quarto país no mundo com o maior índice de gastos militares por comparação com os investimentos em ajuda externa.

"O Fim da Pobreza" é daqueles livros que nos faz crescer e abrir os olhos para o mundo em que vivemos. Um mundo em que morrem diariamente vinte mil pessoas, todos os dias, como consequência da extrema pobreza. O mesmo mundo em que um bilião de pessoas vive no conforto do pleno desenvolvimento enquanto outro bilião sobrevive diariamente tentando afastar a sombra da morte trazida pela fome, pela malária, a turbeculose ou a SIDA.

Mas nada disto é completamente novo. Já vimos até à exaustão imagens da fome em África, relatos da pobreza nos bairros de lata da América do Sul ou nas zonas mais pobres do Sudeste Asiático, e até nos blindámos a tudo isso para sobrevivermos ao dia-a-dia sem nos sentirmos soterrados pela impotência e pormos em causa a nossa sanidade. Afinal, o que é que nós podemos fazer?

O que é novo e radicalmente diferente nas palavras de Jeffrey Sachs é a noção de que vivemos um momento histórico sem precedentes, e que pela primeira vez na História da Humanidade é possível acabar com a extrema pobreza. Na verdade a extrema pobreza é tão antiga como o homem, que sempre teve que enfrentar a dureza dos elementos para sobreviver. Há apenas dois séculos, a esperança média de vida na Europa era de cerca de quarenta anos. Mas no início do terceiro milénio, pela primeira vez o Homem dispõe de tecnologia para fazer chegar a água aos locais mais remotos, para tornar férteis os terrenos mais inóspitos e para curar e prevenir doenças que há apenas cem anos se julgavam incuráveis. Pela primeira vez existe um plano concreto, desenhado e assinado por todos os países do mundo através das instituições das Nações Unidas, com metas claras e uma estimativa de custos que é facilmente suportada, sem grandes sacrifícios, pelas economias do mundo desenvolvido. Pela primeira vez, mais do que uma questão de capacidade é uma questão de vontade. Podemos continuar a olhar para o lado, podemos fingir que vivemos numa pequena ilha isolada do mundo, podemos viver a vida inteira felizes entre uma ida ao cinema e um passeio no parque, mas não podemos dizer que não soubemos que há muito, mesmo muito que podemos fazer.

Sunday, January 14, 2007

Bom Ano!

Depois da "nossa praia" voltámos... voltámos a casa, à família, aos amigos, ao emprego.

E depois das festas do Natal, da passagem de ano, do matar saudades, regressamos de novo à "nossa praia". Já com internet em casa, é tempo de preparar o nosso álbum, rever o nosso diário, matar também saudades da nossa viagem, de quem conhecemos, do que vivemos. É tempo de relembrar essa outra casa que fizemos por esse mundo fora, esses outros amigos que conhecemos nestes oito meses.

Não queremos largar o blog. Como muitos dos nossos "companheiros de blog" nos pediram (uns que conhecemos, outros que ainda não tivemos o prazer de conhecer), há ainda algumas coisas para escrever ... reflexões de uma viagem que nos marcará para a vida e que ainda estamos a digerir.

Obrigado pela vossa companhia! Adorámos viajar com todos e cada um de vós.

E que 2007 seja tão fantástico como este ano que passou e nos deixou plenos de vida, de mundo.

Até já,

Saturday, December 09, 2006

A Praia

...e finalmente Goa. Há cerca de um ano atrás, enquanto desenhávamos o primeiro esboço do nosso itinerário, tínhamos já pensado acabar a viagem em Goa, imaginando esses dias como a antecipação de um sonho. Aqui encontraríamos o descanso ao sol, deixando repousar as descobertas da viagem por entre mergulhos no Índico e longos passeios pela praia.

Nesse sonho, o longo areal em meia-lua de Palolem iria receber-nos de braços abertos, reconhecendo-nos imediatamente da nossa última visita, convidando-nos a estender as toalhas de praia e prolongarmo-nos pelo ondular das ondas, rodeados pelos altos coqueiros ao longe.

Sim, uma semana ao sol seria tudo o que precisaríamos para retemperar energias e acabar os livros que estaríamos a ler. Uma viagem de oito meses não poderia nunca ser digerida em apenas sete dias e o balanço seria feito muito provavelmente ao longo dos meses e anos a seguir à viagem, mas começaríamos talvez nessa semana a deixar assentar as emoções e a percorrer as muitas imagens recolhidas pelo caminho.

Acordaríamos cedo com o sol, tomando o primeiro banho do dia sem darmos tempo ao mar de preparar as suas primeiras ondas, segurando cada momento para que durasse mais. Numa simples cabana de madeira adormeceríamos com o doce embalo das marés, entrando pelo sono quase sem dar por isso. Num dos muitos restaurantes em cima da praia, jantaríamos à luz das velas e das estrelas da noite, deixando a areia deslizar suavemente como o tempo por entre os nossos dedos dos pés. Poderíamos até fazer umas últimas compras pela rua principal de Palolem, afinal de contas correndo tudo bem chegaríamos duas semanas antes do Natal. Nessa altura, ao fim de oito meses de viagem, as saudades da família apertariam certamente e sentiríamos o coração bater mais forte com a expectativa do abraço no aeroporto. Mas gozaríamos saborosamente esses últimos dias sabendo que em breve estaríamos de volta.

A meio da semana, num daqueles longos passeios junto ao mar chegaríamos a Patnem, uma tranquila praia a sul de Palolem, e seduzidos pelo silêncio das noites e por um charmoso hotel chamado Home, passaríamos os últimos dias da viagem preparando-nos para regressar a casa. O pôr-do-sol seria inesquecível, os momentos perfeitos. De olhos cheios de tanta coisa vista pelo mundo e a alma a transbordar intensamente de uma luz visível, estaríamos felizes e completos, de uma forma que nunca julgaríamos possível antes da viagem. Tudo isto o sonhámos, e foi também assim que o vivemos.

Todos nós temos uma praia perfeita onde queremos chegar. Pode ser um trabalho que nos realize, os filhos que vemos crescer, uma casa com jardim de buganvílias ou uma viagem à volta do mundo. Sonhos que subitamente nascem em nós e que como uma voz inquieta nos empurram inevitavelmente para os tornarmos reais. Para nós, passaram-se quase oito meses desde que partimos em busca dessa outra praia que não é feita de areia ou de mar, mas dos sonhos que construimos como um farol ao longe, imagens perfeitas do que entendemos ser a felicidade, um sentido que queremos dar à vida no tempo que nos foi concedido. Um ano depois de o termos sonhado, encontrámos a nossa praia. E estamos prontos para voltar a casa.

Vejam as fotos por aqui...

Friday, December 08, 2006

Os Capitães da Areia de Pushkar

Queríamos entregar-nos a uma experiência de voluntariado nesta nossa viagem onde o tempo nos deixa parar sem pressas. E a Índia, um país que nos enche os sentidos, tinha sido o eleito, de entre tantos outros que também visitáramos com janelas abertas para a pobreza.

Tínhamos reservado duas semanas para trabalhar com uma NGO e seguimos para Pushkar, uma cidade já nossa conhecida e que escolhemos para esta estadia prolongada.

Cidade sagrada estendida em torno de um lago, à porta do deserto, Pushkar ergue-se por entre mais de duzentos templos, com montes a toda a volta, esculpindo o "belo" neste lugar de peregrinação hindu. Berço do templo mais antigo de Bramha, o deus da criação, diz-se que, do lago da cidade, Bramha deu a forma ao mundo. E todos os dias, logo com a madrugada, corpos descem pelos ghats desta cidade de reflexos brancos, para um banho sagrado matinal que lhes purifica o espírito e os abençoa na criação desse novo dia.

Chegados a Pushkar sentimo-nos em casa, reconhecendo caras, sítios e paisagens. Um sorriso que cresceu nos nossos lábios por poder repetir destinos tão longe da nossa morada e revê-los como um bom velho amigo que não víamos há muito tempo. Uma pérola que claramente já foi descoberta pelo turismo mas que não deixa de maravilhar com a bruma especial com que se veste, com o pôr do sol que nos oferece dos ghats, com os terraços with a view por todo o lado, com a tranquilidade que gravita em torno do lago e que ninguém ousa desrespeitar.

Depois de uma noite no luxuoso Pushkar Palace, para relembrar a nossa passagem pela Camel Fair há dois anos atrás, instalámo-nos por duas semanas no Bharatpur Palace, bastante mais modesto, mas grandioso na vista sobre a cidade com quartos de janelas rasgadas para o nascer do sol sobre o lago.

Começando a nossa estadia em festa, com o João a fazer 30 anos em plena Índia e na nossa querida cidade, não nos demorámos a cruzar com a Fundação Fior di Loto. As crianças do sexo feminino são as que mais dificilmente têm acesso a uma escolaridade completa, pelo que esta fundação, à semelhança da Children International, apadrinha meninas de famílias pobres, para lhes garantir o acesso à escola e um futuro de formação. Deepu, um brahmin de Pushkar apaixonado pela vida, contou-nos como em dois anos conseguiram já inscrever 150 alunas na escola e como quer chegar a mil, com o projecto de uma escola da própria fundação a iniciar-se já no próximo ano. Paralelamente a esta actividade eles também apoiam a comunidade nómada que vive em tendas à entrada do deserto. Acesso à água pela construção de poços, cobertores para as noites frias a descoberto, roupa para as crianças vestirem, são algumas das ajudas desta fundação. E como nestas comunidades gypsy a vida de casa às costas não lhes dá estabilidade para uma educação institucional, o apoio passou também por trazerem a escola às crianças. Uma tenda montada nas areias áridas do deserto deu vida a uma sala de aula onde o Yoguesh, o professor, de segunda a sábado lhes ensina hindi, inglês e matemática. Com trinta a quarenta alunos, dos 2 aos 14 anos, a sala e o professor são um só, numa ginástica de ensino esforçada para tentar responder a cada um na sua individualidade de idade e compreensão. Apenas com a ajuda de voluntários podiam as aulas ser divididas e o ensino mais ajustado, pelo que nos juntámos à causa vestindo a camisola de professor, por duas semanas.

Meia hora a pé nos separava da escola, um percurso passeio por entre caminhos de areia que usávamos para ir planeando as aulas. Com quinze crianças cada um, estávamos entusiasmados com o desafio de ensinar crianças com um vocabulário tão limitado de inglês. Gina, Rakesh, Sara, Moorea, Lu nah, Sucia, Leela ... nomes que iríamos aprender depressa para nos aproximarmos deles. Meninos de olhar brilhante, éramos recebidos com grandes sorrisos e festa mal nos descobriam, vindo ao longe. Aqui, no meio do deserto, eles adoravam a escola, as duas horas de aulas onde recebiam atenção e as gozavam com a leveza de uma tarde de brincadeira. E tendo apenas duas semanas para poder deixar uma semente de inspiração, ao fim da primeira tarde tínhamos arranjado forma de memorizar as caras e nomes da nossa turma, conquistando-lhes um sorriso vindo de dentro por descobrirem que sabíamos quem eles eram. Nós, éramos a Pepa Madam e o Jo.

Queríamos ensinar-lhes a geografia do mundo, mergulhá-los na matemática, inspirá-los para uma profissão no futuro, mas percebemos na primeira aula que tínhamos de ir bem atrás. O Yogesh tinha-lhes dado as bases do abecedário e dos números, um trabalho de mérito para todas aquelas crianças em simultâneo e onde as nossas letras são uma realidade tão distinta dos seus caracteres hindi. Com uma disciplina exemplar eles cantarolavam a lenga-lenga das letras e números. A for apple, B for bee, .... mas quando lhes trocávamos a ordem criava-se o caos! Com a melodia baralhada perdiam-se nesse espaço abstracto de caracteres e algarismos e trocavam tudo. Um desafio para nós, recente professores, que se tornou numa aventura apaixonante. Cada um com a sua turma, uma de mais velhos e outra de mais novos, "ganhámos" quinze crianças para ensinar mais de próximo, com jogos inventados para lhes treinar o pensamento, desafiar o raciocínio e lhes dar auto confiança. As cores, as partes do corpo humano, os animais, as bases da soma e da subtracção, disciplinas que criámos com eles fazendo as horas passarem despercebidas à sombra daquela tenda no deserto. Ganhávamos o dia ao fim de cada aula, recompensados pela vontade e o esforço para aprender. "Me, me, me" diziam eles na hora dos exercícios. Duas horas que invariavelmente se esticavam para as três, com pedidos de trabalho de casa ou mais um exercício: "one more, just one more".

Uma ligação que foi crescendo, inocente e autêntica, e que foi pesando com o aproximar da despedida. Meninos do deserto, expostos precocemente à dureza da vida, estas crianças tinham uma doçura inesgotável. Sempre com a mesma roupinha, suja dia após dia, estas crianças não choravam, não barafustavam, não pediam coisas ... apenas pediam atenção. Queriam aprender e os seus olhos brilhavam a cada "very well" ou certo no caderno. Crianças sorridentes mas carentes. Filhos de músicos, dançarinas ou vendedores de artesanato, que ali estavam à entrada do deserto enquanto os pais se deslocavam à cidade para ganhar algum nas suas artes.

Com o último dia preparámos uma surpresa. No sábado anterior tínhamos tirado fotografias no final da aula. Cada um sentado na cadeira do professor, tinham vivido a excitação da fotografia de escola, alguns trazendo mesmo o caderno ou o lápis para serem captados pela objectiva. E nesse último dia tínhamos, para cada um, um diploma especial daquelas duas semanas de aulas. Uma cartolina preta, dobrada em dois, protegia as suas fotografias impressas, fixando cada um daqueles sorrisos encantadores. Com a ajuda do Yoguesh preparámos um exercício numa folha em branco, onde escreveram o nome, a idade, a sua cor preferida e o que gostariam de ser quando crescessem. Recolhidas as folhas, juntámos as turmas e chamámos um a um. De pé, cada um apresentou-se à turma, partilhando a sua cor preferida e o seu sonho de profissão. E depois juntávamos a folha à fotografia, uma espécie de inspiração para não se esquecerem dos seus sonhos de criança. Para alguns seria a sua primeira fotografia pelo que a receberam tão emocionados quanto nós. Futuros professores, polícias, médicos, actores, dançarinas e enfermeiras, músicos e engenheiros. Todos ali desfilaram no seu sonho de criança, uns querendo voar mais alto, outros ainda conduzidos pela tradição da família. Meninos do deserto, aprendemos com eles nas aulas, crescendo com a sua energia e com a felicidade inocente de quem não conhece vícios e tem tudo pela frente.

No nosso último adeus escondíamos a lágrima da saudade antecipada. Outros voluntários viriam e o Yoguesh continuaria sempre com eles. Mas nós já não estaríamos lá para os receber com o seu caderninho e lápis na mão, chamando Pepa e Jo do alto da duna. Com o destino por escrever estes pequenos sonhadores tinham pela frente a grande aventura de querer e lutar por voar mais longe. Uma aventura difícil na sua vida de casa às costas, essa vida de tradição gypsy. Mas alguns destes aventureiros tinham no brilho dos seus olhos o espírito de um vencedor. Gostaríamos de os ver vencer, gostaríamos de os acompanhar nessa aventura, gostaríamos de ficar ...

Mas a nossa viagem era outra e tínhamos de voltar. Deixávamos contudo um pouco de nós com estes Capitães da Areia, com todos e cada um deles que nos acenava lá do alto, à entrada do deserto.

Conhecam por aqui os nossos Capitaes da Areia ...

Thursday, December 07, 2006

De mão dada a Tanima

Chegámos a Calcutá numa manhã de Domingo. Na segunda cidade mais populosa da Índia fomos agradavelmente surpreendidos pelo descanso dominical, com um trânsito fluído e o parque Maidan cheio de famílias gozando o sol, jogando criquete ou andando a cavalo. Claro que algumas coisas não dormem com o final da semana, como as ensurdecedoras buzinas ou a dolorosa pobreza; infelizmente essas ainda preenchem diariamente a rotina da cidade, o cenário do país.

Com um dia apenas para descobrir os principais atractivos da cidade, escolhemos visitar o Victoria Memorial, onde os ingleses deram largas ao espaço e à forma, erguendo um edifício majestuoso em homenagem à primeira rainha imperatriz da Índia, e conhecer o Centro Madre Teresa de Calcutá, onde pobres e abandonados, na desprotegida infância ou solitária velhice, são acolhidos pelas missionárias da caridade, com um inesgotável amor e amparo maternais. Duas visitas distintas, marcando o ainda extremado retrato da India: exuberância e pobreza vivendo lado a lado num choque sem mistura, como que passivas vítimas de um fatal destino.

E com estas primeiras impressões da cidade preparamo-nos para o que verdadeiramente nos trouxera a Calcutá: uma visita a Tanima.

Tanima, uma menina de oito anos que para nós era ainda pouco mais que uma fotografia. Uma entre tantas que vimos no site da Children International, uma entre tantas para apadrinhar pelo mundo fora por um futuro melhor.

A Children International, com a ajuda de padrinhos de todo o mundo, procura dar a mão a crianças desfavorecidas para que possam contrariar uma vida de pobreza que receberam sem pedir. Garantindo-lhes escola, nutrição e acompanhamento médico, estas crianças podem aprender e crescer saudavelmente, no seio das suas famílias, desafiando um destino de ileteracia e trabalho precoce a que o seu estado de sobrevivência normalmente conduz. Apoiadas na infância e adolescência, estas crianças podem percorrer um caminho diferente dos seus pais, avós, bisavós ... podem escrever o destino pelas suas próprias mãos, provando que a condição de pobreza não é como o sistema castas que infelizmente ainda hoje marca o destino dos filhos, mesmo antes do seu nascimento.

E a Tanima é a menina que apadrinhámos pela Children International e que quisemos visitar nesta nossa viagem pelo mundo. Acompanhados pela Ulmira, assistente da organização, seguimos estrada fora por essa Índia ainda mais profunda, aquela que não aparece em postais mas que está mesmo ali ao lado. Numa viagem de uma hora saímos da cidade e entrámos num cenário rural onde as aldeias se resumem a um par de ruas, com uma mercearia e café de apoio, e onde as casas se abrem para a rua em singelas construções.

E numa dessas aldeias virámos para entrar, tínhamos chegado. À saída do jipe os nossos olhos absorviam tudo à volta que nem esponjas, com o entusiasmo do iminente encontro. Um grupo de crianças olhava-nos atentamente à distância e uns olhos negros, grandes e profundos cruzaram-se timidamente com os nossos revelando a sua identidade no meio de todos os outros. Era aquela a Tanima, a menina do vestido cor de rosa.

Com ela estavam os pais, a irmã, os avós, os tios, os vizinhos. Todos com um enorme sorriso, querendo ver-nos e partilhar a visita.
Muito observados sentimo-nos acima de tudo bem vindos. E pela mão de Tanima, entrámos na sua casa, na sua rotina, na vida de uma família pobre da Índia. Uma vida muito simples onde uma única divisão aconchega os sonhos do casal e das duas irmãs ao final do dia. Uma vida onde não há televisão, onde as necessidades se resumem ao básico, ali, no meio de um cenário tropicalmente verdejate, isolado de quase tudo. Mas mesmo enfrentando uma vida difícil todos os dias, com pouco mais de 40 dólares por mês para o sustento de toda a família, os pais de Tanima receberam-nos de braços abertos, com um sorriso cheio e o olhar agradecido por estarmos a ajudar a sua pequenina filha com queda para a poesia.

Uma pequena ajuda nossa que pode fazer toda a diferença, para a Tanima, para os seus pais, para os seus filhos no futuro. Emocionados com a recepção sentímo-nos de coração cheio e partilhámos o dia com eles, brincando com a Tanima e os meninos vizinhos, almoçando na rua com a família anfitriã e visitando a escola da aldeia.

A escola, uma casa ruída pelo tempo, que entre salas cobertas e a descoberto acolhe 250 crianças todos os dias, divididas por cinco professores. À chegada, uma pequena revolução infantil despoletou à nossa volta. Olhares curiosos de quem ainda não tinha visto brancos ao vivo ou tocado uma máquina fotográfica, um acotovelar incessante para poder chegar mais perto. Sem conseguirem controlar a excitação dos miúdos, os professores acabaram por lhes soltar forçadamente as rédeas, enquanto eles nos envolviam e diziam "namascar! namascar!". E no meio de todas aquelas crianças a Tanima sentia-se naquele dia especial. Nós éramos os seus amigos que ali estavam a visitá-la.

De regresso a sua casa esperava-nos uma refeição preparada com o esmero de quem deu tudo o que tinha para a condimentar, entre peixe, carne, arroz, legumes e docinhos. Comemos e partilhámos com as outras crianças que, espreitando entre as pernas dos seus pais, nos olhavam num misto de timidez e brincadeira, entusiasmados com aquele dia.

Sem uma língua comum para partilharmos sonhos e projectos, a Ulmira foi a nossa ponte neste dia traduzindo e voltando a traduzir, entre perguntas e respostas que se lançavam no ar. Mas mesmo sem a transparência da língua, percebíamos no olhar de Tanima que por detrás da timidez revelada se escondia um olhar esperto e desafiador, uma menina lutadora com o sonho de ser professora. Orgulhosos dos prémios que esta menina de oito anos já trouxera para casa, por tão bem declamar poesia, os pais de Tanima pediram à filha para nos presentear com um poema. E ela assim fez. Com os olhos inundados de expressão, a Tanima libertou a timidez e recitou-nos um poema, num sopro de ternura infantil. Palavras que não nos diziam nada mas que entoadas numa melodia sentida nos revelavam alegria, tristeza ou suspense. Acabando o poema com um "namascar" amparado pelos suas maozinhas juntas em posição de cumprimento, a Tanima sorriu-nos com os seus olhos negros, num timido orgulho da sua arte.

À despedida, sentíamo-nos cheios de emoção. Pessoas que não conhecíamos e que nos receberam como família. Pessoas que pouco têm e que mesmo assim sabem dar. Pessoas que lutam todos os dias pela vida e que sabem desafiá-la com um sorriso no olhar. Uma lição de vida para nós, contentes por ter vindo e vivido a experiência. Os dezoito dólares que todos os meses dávamos à Children International faziam uma diferença no dia-a-dia daquela família e é tão fácil fazer essa diferença...

Padrinhos orgulhosos, ficámos contentes que ela pudesse ir à escola, se inspirasse na poesia e tivesse mais próximo o alcance dos seus sonhos. Sonhos que se tornaram também nossos pela mão que estendemos a Tanima.

Wednesday, December 06, 2006

Bodhgaya Vibes

No trajecto entre Varanasi e Calcuta', a pequena vila de Bodhgaya chamou-nos a atencao enquanto planeavamos o nosso itinerario pela India. No coracao da regiao mais pobre do sub-continente, a provincia de Bihar, Bodhgaya e' o destino de peregrinacao mais importante para os budistas de todo o mundo. Foi aqui, ha 2550 anos, que Siddharta Gautama atingiu a iluminacao debaixo de uma 'arvore, iniciando o caminho do Buddha. Uma Meca para os budistas, um lugar sagrado onde todos os anos chegam milhares de tibetanos refugiados em Darhamsala, que por aqui encontram novo refugio quando chegam os rigores do Inverno ao Norte da India.

Entrando no Bihar, tinhamo-nos preparado para o pior. Por toda a parte, incluindo guias de viagem, diziam-nos que esta e' a provincia mais pobre da India, o que, conhecendo a India, significava que nos deviamos preparar para redefinir a nossa nocao de pobreza. Mais do que isso, alguns comentarios que pareciam revestidos de uma estranha forma de preconceito descreviam-nos as pessoas originarias do Bihar como "maus figados", algo que ouviamos desconfiados por contradizer a imagem que ja ha dois anos tinhamos construido do povo indiano, um retrato cheio de olhares doces e sorrisos generosos. Apesar de tudo, nao queriamos deixar de conhecer Bodhgaya, que o Lonely Planet descrevia como mantendo a mesma atmosfera tranquila do tempo da iluminacao de Siddharta, e como de qualquer forma nos ficava em caminho resolvemos ir ver.

'A chegada, o tempo do Buddha parecia bem distante. Para la dos muitos templos, era dificil sentir uma atmosfera tranquila, com vendedores ambulantes e riquexos sempre a oferecer um souvenir ou uma boleia, carros e motas armados de potentes buzinas a competir por atencao sempre que saimos do hotel, e sobretudo a persistencia de mendigos e miudos de rua por toda a parte. Mais do que chocados com a pobreza, uma visao habitual para quem viaja pela India, entristecia-nos o que parecia ser uma forma de mendicidade "profissional", miudos que pedindo uma moeda para comer nao agradeciam sequer quando lhes davamos comida. Criancas que os pais preferem ver na rua do que na escola, roubando-lhes o futuro habituando-as 'a esmola facil na vida dura das ruas.

Nao tinhamos ainda conhecido o outro lado de Bodhgaya, esse mundo interior dos templos que visivelmente nao tinha contagiado o ambiente da cidade, mas cedo decidimos que nao queriamos ficar. Ficamos dois dias apenas, entre um comboio de Varanasi e outro para Calcuta, procurando pelos templos a tranquilidade a que vinhamos.

No templo principal de Bodhgaya, o Mahabodhi Temple, descobrimos a energia invulgar deste local de culto, erguido no exacto local da iluminacao do Buddha. A toda a volta, monges em trajes vermelhos ou laranjas recitavam um mantra acompanhando a voz grave e monocordica de um dos mestres, um som hipnotizante que vibrava atravessando-nos o corpo e o espirito. Outros monges dedicavam-se a uma estranha reza, deitando-se ao comprido sobre um tapete para em seguida se levantarem, erguendo as maos de palmas unidas para o ceu. Repetiam este gesto vezes sem conta, o suor sobre o rosto e os musculos sentindo cada esforco, deitando-se e levantando-se numa demonstracao profunda de fe. Aqui passamos uma tarde simplesmente a ler, enquanto a brisa levava e trazia os mantras, parecendo acompanhar a nossa respiracao.

Em Bodhgaya vimos tambem num curto passeio todos os estilos de arquitectura de templos budistas, nos templos aqui edificados pelas diferentes comunidades espalhadas pelo mundo. Visitamos o templo Tibetano, o do Butao, o Nepales, o Tailandes e ate' o templo Chines, revisitando tambem alguns dos locais por onde ja tinhamos passado, entre Pequim e Bangkok. Mas foi no templo Japones que nos prolongamos, juntando-nos a uma sessao de meditacao. Todos os dias, ao nascer do sol e ao por do sol, dao-se aqui sessoes de meditacao zen orientadas por um mestre japones, no interior do templo onde a imagem de um Buddha dourado e o perfume do incenso nos inspiram ao recolhimento. O proprio mural pintado a toda a largura do templo convida 'a meditacao, numa representacao de todos os povos do mundo unidos numa oracao comum 'a paz universal.

Ao por do sol, demos entao o nosso primeiro mergulho no mundo da meditacao, uma curta experiencia mas que ja' deu para pelo menos sentirmos a temperatura da 'agua... O controlo da respiracao, o exercicio da concentracao e a manutencao da postura correcta desafiaram-nos ao longo da sessao, mas sentimos progressos que nos agucaram a curiosidade. O mestre Hirade Zenkai, originario de uma vila nas proximidades de Kyoto, orientava a sessao, percorrendo a sala com a sua voz suave que prenunciava sempre um sorriso, corrigindo por vezes a nossa postura ou sugerindo exercicios de concentracao.

No final, contou-nos historias simples para levarmos connosco, ilustracoes de sabedoria que ouviamos com a reverencia de um discipulo para o seu mestre. Comoveu-nos sobretudo o relato profundamente pessoal da historia de um filho que teve, mas que morreu cedo antes de fazer um ano, e que ilustrava a sua forma de ver a vida. Acreditando na reencarnacao, mestre Zenkai passou a partir desse momento tragico a ver o seu filho em tudo o que conhecia, imaginando que teria voltado ja' na forma de uma 'arvore, uma flor, um passaro, um cao, ou talvez na forma de um homem ou de uma mulher. Nao sabendo em qual das formas teria regressado, gostava de tratar todos como se se tratasse do seu filho, abracando qualquer forma de vida com o carinho de um pai. Uma historia triste que nos abracou tambem, contada sem magoa e com o olhar sereno de quem vive em paz. Uma paz que trouxemos connosco e que marcou a nossa passagem por Bodhgaya.

'A despedida, sentimos que nao vamos voltar, mas que mesmo assim ganhamos algo na visita. Nunca sabemos o que vamos encontrar ate' nos desafiarmos a conhecer a realidade com os nossos olhos. E como na meditacao, e' muitas vezes bem para la das aparencias e do tumulto que se esconde a mais preciosa das sabedorias.