Nicodemita
Um nicodemita é uma pessoa suspeita de deturpar publicamente a sua fé religiosa para esconder as suas verdadeiras crenças.[1][2] O termo às vezes é definido como referindo-se a um cristão protestante que viveu num país católico romano e escapou da perseguição ocultando o seu protestantismo.[3][4]
A palavra é normalmente um termo depreciativo. Introduzido no discurso religioso do século XVI, o seu uso persistiu no século XVIII e depois desse século. Originalmente empregado principalmente por protestantes, era geralmente aplicado a pessoas de posição e prática religiosa publicamente conservadora que se pensava serem secretamente humanistas ou reformadas.
Friedrich Heer no seu livro The Medieval World (1961; tradução inglesa publicada em 1962) refere-se ao círculo do século XII em Chartres como mestres do nicodemismo, que ele descreve como "pensamentos perigosos, alusões perigosas a assuntos eclesiásticos e políticos da atualidade e sobretudo a ideias difíceis ou impossíveis de conciliar com o dogma da Igreja ou com as máximas da teologia vigente".[5]
Na Inglaterra, durante os séculos XVII e XVIII, o insulto de nicodemismo era frequentemente aplicado àqueles suspeitos de crenças secretas socinianas, arianistas ou proto-deístas.[6]
Origem
editarO termo foi aparentemente introduzido por João Calvino (1509-1564) em 1544 no seu Excuse à messieurs les Nicodemites.[7] Desde que a monarquia francesa aumentou a sua acusação de heresia com o Édito de Fontainebleau (1540), tornou-se cada vez mais perigoso professar publicamente crenças dissidentes, e buscava-se refúgio em imitar Nicodemos.
No Evangelho segundo João (João 3:1-2) aparece o personagem Nicodemos, um fariseu e membro do Sinédrio. Embora aparentemente permanecendo um judeu piedoso, ele vem a Jesus secretamente à noite para receber instruções. Embora ele se tenha tornado um santo, a sua dupla lealdade era um tanto suspeita.
E havia entre os fariseus um homem, chamado Nicodemos, príncipe dos judeus. Este foi ter de noite com Jesus, e disse-lhe: Rabi, bem sabemos que és Mestre, vindo de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não for com ele.
Notáveis suspeitos de serem nicodemitas
editar- Edward Courtenay, 1º Conde de Devon (c.1527–1556), cortesão de Maria I da Inglaterra[8]
- Tomás Cranmer (1489–1556), primeiro arcebispo anglicano de Canterbury sob Henrique VIII da Inglaterra[9]
- Michelangelo (1475–1564), que esculpiu um retrato de si mesmo como Nicodemos na sua Pietà florentina[10]
- Isaac Newton (1643-1727), eminente cientista e teólogo[6]
- Reginald Cardinal Pole (1500–1558), último arcebispo católico romano de Canterbury[11]
Ver também
editarReferências
Bibliografia
editar- Ginzburg, Carlo "Il nicodemismo. Simulazione e dissimulazione religiosa nell'Europa del Cinquecento", Einaudi, Torino 1970
- Eire, Carlos M. N. "Prelude to Sedition: Calvin's Attack on Nicodemism and Religious Compromise". Archiv für Reformationsgeschichte 76:120-45.
- Eire, Carlos M. N. "Calvin and Nicodemism: A Reappraisal". Sixteenth Century Journal X:1, 1979.
- Livingstone, E. A. "Nicodemism". In The Concise Oxford Dictionary of the Christian Church. Oxford University Press, Oxford, 2000. Entrada disponível aqui.
- Overell, M. Anne Italian Reform and English Reformations, c.1535–c.1585. The Open University, UK. 2008. Excerto disponível online.
- Overell, Anne. "A Nicodemite in England and Italy: Edward Courtenay, 1548-46". In John Foxe at Home and Abroad. D. M. Loades, ed. Ashgate Publishing, Farnham, Surrey, UK, 2004.
- Pettegree, Andrew. "Nicodemism and the English Reformation" in Marian Protestantism: Six Studies, St. Andrews Studies in Reformation History. Aldershot, 1996, pp. 86–117.
- Shrimplin-Evangelidis, Valerie. Michelangelo and Nicodemism: The Florentine Pietà. College Art Association, 1989.
- Snobelen, Stephen D. "Isaac Newton, heretic: the strategies of a Nicodemite." The British Journal for the History of Science, 32:4:381-419. Cambridge University Press, 1999.
- Anderson Magalhães, All’ombra dell’eresia: Bernardo Tasso e le donne della Bibbia in Francia e in Italia, in Le donne della Bibbia, la Bibbia delle donne. Teatro, letteratura e vita, Atti del XV Convegno Internazionale di Studio organizzato dal Gruppo di Studio sul Cinquecento francese, Verona, 16-19 ottobre 2009, a cura di R. Gorris Camos, Fasano, Schena, 2012, pp. 159–218.