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Enquanto eu danço

Summary:

Isak queria dançar, simples assim. Com o apoio temporário de sua mãe e as sempre presentes palavras que o machucavam do seu pai, ele seguiu o seu sonho, o único problema era que no meio do caminho se sentia cada vez menor e mais silencioso, conseguindo externar seus sentimentos através da dança. Nada disso importava quando finalmente saiu do colégio e de casa, deixando todas aquelas palavras para trás e podendo focar apenas no seu sonho. Talvez ele não tivesse amigos ou o mínimo de habilidades sociais, mas estava apaixonado pela dança e isso era tudo o que importava. Até que Isak entrou na sua cafeteria preferida e deu de cara com o rapaz mais bonito que já tinha visto, Even, que era muito mais experiente e com suas próprias questões para resolver, as quais reprimia, usando sexo e desenho como meio de se distrair, é claro que nada disso fez com que Isak quisesse se afastar dele.

Escrito para o Skam Big Bang 2022

Notes:

Oi, gatinhes!

Primeira vez postando minha fanfic em português, estou hiper animada e espero que vocês gostem da história do Isak e do Even!
Queria agradecer muito muito minha beta e best Lele Capitu, por ter lido, corrigido e surtado com a minha história e ajudado extra nos momentos em que eu achava que estava tudo dando errado e eu queria começar do zero hahahah brigada, best, te amo.
Também quero agradecer a artista Lau que desenhou exatamente o Isak que eu tinha imaginado fazendo com que a história se tornasse ainda mais real. E, por ultimo, a Naty, por ter me mostrado um clip do Hyunjin perfeito dançando Play with fire, que deu a ideia para essa fic, Thaaaaank you, Naty

Espero que vocês gostem!

Chapter 1: Maze of Memories

Notes:

(See the end of the chapter for notes.)

Chapter Text

Essa arte perfeita foi feita pela Lau e vocês podem ver mais desenhos dela no seu instagram e twitter, o @ é lau4rt

 

Isak in a dacing pose dressed all black

 

🩰 ISAK 🩰

 

Conheci a dança relativamente cedo.

Era bem criança quando me divertia ao me mover de um lado para o outro e balançar a minha bundinha, fazia isso mais pelo motivo de vovó adorar, sorrir e bater palma para mim. Gostava de deixá-la feliz, ela sempre cuidava de mim e me dava os melhores abraços, então qualquer coisa que a fizesse rir era essencial, mesmo que fosse tentar rebolar e dar uns pulinhos, mas não caracterizaria aquilo como uma dança de verdade.

Não importava como chamava aqueles movimentos, para mim o importante era que fazia vovó contente e depois que ela morreu continuei "dançando", porque a imaginava rindo no céu e essa cena me trazia uma felicidade tremenda. Gostava de a agradá-la, mesmo  estando um pouco mais longe de mim.

Como dançava muito dentro de casa, a próxima a presenciar meus passinhos foi mamãe, que costumava falar que os anjinhos deviam flutuar no céu do mesmo jeito que eu fazia na terra e que isso era um dom especial que Jesus tinha me dado. Por não ser conquista minha, apenas benção de terceiro, deveria agradecer pela dádiva e me esforçar cada vez mais para ser o melhor dançarino, como forma de deixar Deus contente por me escolher.

Enquanto eu e mamãe rezávamos agradecendo meu dom e pedindo perdão dos pecados — sempre tinham inúmeros pecados para pedir absolvição —, Terje, meu pai, dizia que eu não podia continuar dançando, que ela estava me transformando em um viadinho e aí sim não iria para o céu, mas mamãe apenas orava com mais força.

Ela e Deus sempre foram muito amigos, eu não me importava, pois sentia que ela precisava de alguém para conversar, ou melhor, alguém que a escutaria. E por isso, nos domingos nós dois sempre íamos à igreja. Minha mãe segurava minha mão ao caminharmos para assistir à missa e então, na volta, comprava doces para mim e brincávamos no parquinho por algum tempo.

 Nem sempre era assim, mas me lembro de todas as vezes que voltei para casa suado e com dor de barriga por causa do açúcar.

Alguns anos depois, vi um vídeo de uns meninos bonitos dançando e copiei os movimentos, sem ao menos perceber. Era legal tentar imitá-los, fazer com que o meu corpo flutuasse, mas não tinha certeza se era igual aos anjos da mamãe, nem se era um dom de Deus, para mim era apenas algo divertido e que não queria parar de fazer.

Quando mamãe viu, fixou toda a sua atenção em mim, às vezes fazia isso, focava em uma coisa e passava meses com aquilo na cabeça, não achava muito normal e, depois de mais velho, percebi que não era — ela tinha um transtorno mental que só foi detectado anos depois —, mas naquele momento, estava apenas feliz que a minha mãe queria me dar toda a atenção e elogios que não ganhava mais da vovó.

Ela me matriculou em uma escolinha de dança aos 8 anos de idade e se sentava com as outras mães enquanto nos assistia. Naqueles minutos tinha total atenção de mamãe e por isso me esforçava o máximo para ser o melhor dançarino, copiando os passos que o professor passava e vendo bater palmas.

Na época, escrevi uma cartinha para vovó e enderecei para o céu. Contei que tinha entrado na escolinha de dança e mamãe estava orgulhosa de mim e esperava que ela também estivesse. Fiz dois desenhos, um em que eu pulava, igual tinha aprendido naquele dia, e outro dela sorrindo. Terje interceptou a carta e nunca consegui entregar no correio.

Quando as competições começaram, fui um dos primeiros a ser escolhido para participar, não estava nem acreditando que era bom o suficiente e que tinha os aplausos de várias mães direcionados a mim. O único problema era que percebi que mamãe já estava perdendo o interesse, não me levava mais em todas as aulas e nem sempre me via flutuar.

Durou 6 meses até ela começar a se distanciar e iniciar seu próximo projeto, mas naquele tempo mamãe não saia do meu lado, dizia que eu era o melhor dançarino que já viu e que não deveria me importar com o que outras pessoas diziam — e com “outras pessoas” ela estava falando de Terje —, devia apenas continuar no caminho que Deus tinha traçado para mim.

Nos dias em que sua presença foi ficando escassa, eu me lembrava das suas palavras bonitas e da risada gostosa de vovó, e isso fez com que continuasse, mesmo sozinho, sem ninguém ao meu lado me incentivando, apenas focava no que já tinha escutado e continuava flutuando.

Treinei, aprendi novos passos, quase virei o pé fazendo o temps levé e me movia com mais segurança, sabendo que aquilo que fazia, podia, enfim, ser categorizado como uma dança que mamãe gostava e talvez até estaria deixando vovó orgulhosa no céu, contando para Jesus como o seu neto tinha conseguido pular na pontinha do pé sem cair.

Quando os meus coleguinhas do colégio ficaram sabendo que estava dançando foi um pouco mais difícil passar despercebido. Sempre fui tímido e calado, tentando ser invisível para os outros porque não era igual a eles. Desde criança já tinha notado que havia algo de diferente em mim, não sabia ao certo se era o fato de dançar ou se por gostar de coisas que eram vistas como de meninas.

Assim, toda vez que o pessoal do colégio me ridicularizava, preferia ficar mudo, pensando no que Terje falaria se visse toda aquela confusão — as palavras dos meninos da escola doíam, mas as do meu pai eram ainda piores —, então me esforçava mais para ser invisível perto deles, mesmo porque as brincadeiras de lutinha e futebol eram chatas demais, preferia dançar, pintar nos meus caderninhos e imaginar universos paralelos onde todo mundo tinha um unicórnio de estimação.

Depois dos 6 meses em que mamãe me deu atenção e do concurso que tinha ganhado, escolhi, muito a contragosto de Terje, que iria continuar dançando e, por um milagre de Deus, fiz isso — talvez minha mãe não estivesse totalmente errada quanto a Jesus e seus amigos.

Os boatos de que era o viadinho que dançava me seguiram até formar no colégio. Era horrível escutar o que aquelas pessoas falavam sobre mim, doía ser diminuído apenas pela sexualidade que escolheram para mim, eu nem sabia ao certo se era isso, um viadinho.

Passei a época inteira do colégio sem beijar ninguém, nem meninas, nem meninos, porque ninguém queria se aproximar de mim e ser vítima de todos os bullyings que recebia, não tinha ao menos amigos para suportar o ensino médio com companhia. Como poderia saber se era mesmo viado se não tinha nunca experimentado nada? Se nunca tive a chance de abraçar um menino e uma menina e ver qual me sentia melhor.

Não tive a chance de analisar e a escolha já tinha sido feita por mim, aos 8 anos de idade, porque eu rodopiava enquanto mamãe aplaudia.

Quando as palavras eram feias demais e ficavam presas dentro da minha mente, eu gostava de ir ao estúdio de dança. Como já fazia uns anos que estudava lá, eles não se importavam quando queria passar algum tempo em uma das salas. E muitas vezes até havia uma plateia quando sabiam que estava praticando. Gostava de fingir que não conseguia enxergar mamãe e vovó, mas que elas estavam ali no meio.

Dançar tinha virado um meio de jogar para fora da minha mente todos os meus problemas, pois sabia que não podia contar para mamãe ou Terje. Ela não saberia como resolver e ele me machucava com palavras piores que qualquer pessoa do colégio poderia arremessar em mim. Então, era invisível, na escola e em casa, dançando no estúdio e contando no meu caderninho de pinturas quantos dias faltavam para me formar e sair daquela bolha de tristeza que tinham construído para mim.

Durante esse tempo, as minhas horas eram ocupadas de treinos, estudos e leituras. E quando finalmente as aulas acabaram já tinha passado na Kunsthøgskolen e com o dinheiro dos concursos e o que a vovó tinha deixado pude me inscrever. Achava que era outro milagre de Deus, e não esperava mais nenhum depois desse.

A escola de dança era tudo o que imaginava.

Lá encontrei pessoas mais parecidas comigo, tinham meninos abertamente fora do armário, que quase faltavam jogar purpurina no chão quando passavam, como Eskild, que dividia o quarto comigo. E também conheci alguns não-binários, que até então não sabia que existiam na cidade, e por fim haviam meninas bonitas que não eram malvadas e só queriam dançar.

Estava onde me sentia mais à vontade, mas mesmo assim continuava sendo invisível e mudo. Depois de vários e vários anos só falando quando era indispensável percebi que não conseguia mais manter uma conversa decente com Eskild ou cumprimentar Eva quando passava ao meu lado com um sorriso gigante, me convidando para ir com eles ao bar depois do treino.

Não saia com eles, não conseguia interagir com ninguém e, se não fosse Eskild, achava que nenhuma pessoa saberia da minha existência. Mas quando estava dançando, quando o meu corpo flutuava igual a um anjo, sentia que podia mostrar os meus sentimentos verdadeiros, poderia demonstrar tudo o que o meu coração silenciado queria falar e descarregar um pouco das frustrações que a minha boca não se lembrava mais como expressar.

Então dançava.

Dançava todos os dias, dançava mais do que os meus colegas, dançava quando todo mundo estava no bar bebendo, dançava até começar a sair sangue dos meus dedos e finalmente dormia com o coração um pouco mais leve e a cabeça mais silenciosa.

Poderia não ser exatamente o que imaginava para a minha vida, ou, talvez não tivesse imaginado um milagre grande o suficiente, no qual pudesse dançar e não ficar debaixo do mesmo teto da pessoa que mais me silenciava. Às vezes pensava que viver fora de casa fosse mais animado e com mais amigos, ou ao menos um amigo. Mas aquilo tudo já era demais para mim.

No primeiro mês estudando dança encontrei um lugar bonitinho perto da Kunsthøgskolen e resolvi entrar para tomar qualquer coisa que o meu dinheiro conseguisse comprar. Pedia o menor copo de chá e sentava para curtir a minha independência — ou a possibilidade de estar numa cafeteria sem sentir nenhum tipo de pressão, ficar ali apenas porque queria.

Foi naquele instante vi um rapaz da minha altura, com cabelos escuros e sobrancelhas grossas, com dois amigos ao seu lado, eles pediram um café e ficaram algumas mesas na minha frente, sempre conversando e rindo. Sabia que estava sendo um pouco esquisito, mas gostava de os assistir. Os via se divertindo e queria fazer parte daquilo, mesmo sabendo que não me encaixaria ali.

Assim, voltei na outra semana e na próxima, para assistir a minha história preferida, Sobrancelhas e seus amigos. Gostava de imaginar, no meu universo paralelo, como seria estar ali com eles, conversar sem me sentir pressionado, sem ter medo do que poderia falar e mais ainda do que responderiam, adorava esse universo.

Um dia acabei chegando mais tarde do que tinha planejado e não os encontrei, entretanto, enxerguei uma pessoa que nunca tinha notado antes. A menina que sempre vendia o menor copo de chá não estava trabalhando, e tive que conversar com o homem mais bonito que já tinha visto na vida — achei que talvez não precisasse analisar muito sobre sexualidade, porque no momento em que vi aquele loiro gigante de lábios perfeitos, sabia que estava atraído e que gostava de meninos como ele.

— Oi — disse bem baixinho esperando que escutasse.

— Boa tarde! É boa tarde ou boa noite? — falou olhando para o relógio da cafeteria. — Boa noite, eu sou o Even, o que você vai querer hoje? A gente tem vários tipos de café e chás, e também, olha, vai sair uns bolos de chocolate super gostosos daqui 5 minutinhos, é o meu preferido, você gosta? — sorriu e fiquei alguns segundos hipnotizado.

Sabia que tudo aquilo era apenas para que os clientes saíssem de lá contentes e dessem uma gorjeta boa para o menino mais bonito de todos os universos paralelos — talvez devesse dar uma gorjeta extra, pensei enquanto procurava algumas moedas no bolso.

— Só um chá de camomila, pequeno, para viagem — respondi baixinho, mexendo na carteira procurando o dinheiro, com medo de que se olhasse nos seus olhos iria me perder novamente.

— Saindo um chá, para...? — olhou para mim.

— Isak.

— Isak! — e como o meu nome soou bem na boca do Even.

Esperei enquanto terminava de preparar a minha bebida me movendo minimamente de um pé para o outro. Mesmo sendo o único ali, o loiro anotou o meu nome no copo, deu outro sorriso maravilhoso e me entregou o chazinho.

— Obrigado. — respondi e comecei a caminhar para fora da cafeteria, porque estava apavorado demais para conseguir beber lá como era o costume.

Voltei para o meu quarto com aquele menino na cabeça, o jeito como sorriu, o seu cabelo perfeito em um topete que o Elvis Presley teria inveja, sua voz grossa e os longos, longos dedos, cheios de anéis me entregando o copo, ao lembrar disso fitei o chá e vi que ele não tinha escrito apenas o meu nome.

 

Issy, espero que você volte aqui no meu turno mais vezes ;)

 

 

🎨 EVEN 🎨

 

Eu gostava de trabalhar no turno da noite, preferia ter a liberdade de dormir o dia inteiro e acordar uma hora antes do meu horário na cafeteria e quando saia às 22:00 poderia procurar uma boate, me divertir, beber muito, beijar alguém e talvez fazer sexo ou voltar para casa e desenhar até o sol nascer. Conhecer pessoas novas e passar a noite com elas era ótimo, mas pintar, desenhar, criar imagens era ainda mais prazeroso.

Arte, para mim, sempre foi um meio de sair de dentro da minha cabeça e colocar os sentimentos para fora. Às vezes fazia desenhos lindos com todas as cores que conseguia criar e outros eram só com tons de preto e cinza. A grande maioria não era muito colorida.

Quando era criancinha escutei uma amiga psicóloga da minha mãe explicando que as minhas pinturas escuras significavam que tinha muita coisa dentro de mim, aquilo representava excesso; achava que estava errada, para mim o uso da cor escura era porque precisava de preto para compor o desenho e nada mais.

Sempre que passava uma temporada só com cores escuras ou desenhos muito coloridos, pensava nessa conversa e me perguntava se havia algo de real. Não me sentia cheio, talvez pelo contrário, tinha a impressão de que o meu coração estava vazio — e eu estava bem assim.

Os desenhos incompreendidos não eram a única atitude inexplicável para os meus pais. Eu também gostava de ficar acordado a noite inteira e eles não entendiam o motivo de passar a madrugada toda sem dormir, mesmo sabendo que tinha aula no outro dia, ou porque esperava a casa ficar escura e silenciosa para começar a desenhar, ler e até fazer as atividades do colégio.

Em geral, eles não me entendiam.

Por não me compreenderem, preferiam apenas ditar as regras, principalmente a minha mãe. Eu deveria ficar o dia em casa, ao invés de andar com os amigos que fazia na rua — sim, a maioria das minhas amizades não eram do colégio, apenas pessoas que conhecia quando saia —; também tinha que estudar para passar em uma universidade, mas não qualquer uma, precisava de um diploma da UiO, ou alguma faculdade tão importante quanto, em um curso que me sustentaria no futuro; e de tempos em tempos minha mãe perguntava porque nunca tive uma namorada.

Ela gostava de controlar tudo para que a minha vida parecesse perfeita e padrão, do mesmo jeito que os dois se esforçavam para que a deles também aparentasse desse modo, não importando se a verdade fosse outra. Por isso, meus amigos deveriam ser da mesma classe social que a minha, os cursos que escolheria seriam de assuntos que renderiam dinheiro e o requisito para namorar  era que a pessoa fosse do gênero feminino.

Não arrumei uma namorada, mas conheci uma pessoa quando estava no colégio, o nome dele era Anders. Ele era do basquete, tinha braços fortes, cabelo curtíssimo e quase do meu tamanho, além disso, era um dos meninos mais populares do colégio, só não entendi porque quis namorar comigo, não importava o motivo e sim que foi o meu primeiro relacionamento com alguém do meu gênero e o último envolvimento amoroso que gostaria de ter na minha vida.

Sempre soube que não era hétero e depois de algumas pesquisas na internet percebi que estava me sentindo cada vez mais confortável com o rótulo de pansexual. Para mim, rótulos eram um jeito de sairmos da invisibilidade, mostrar que existimos e éramos orgulhosos de nós mesmos. No momento em que me entendi contei para os meus amigos, Mika e Elias, e até ganhei um botton pansexual do primeiro, que eu amava e usava em todas as roupas, mesmo porque meus pais não sabiam o que significava.

Meu namorado, por outro lado, não gostava de nada disso. Ele ainda estava no armário, por issonão tínhamos qualquer tipo de contato dentro do colégio, ficando afastados um do outro. E mesmo de longe tinha meios de me controlar, o que na época achava que era cuidado, mas depois aprendi o que significava.

Quando estávamos juntos comecei a me perguntar, por sua causa, tentando entender se o que sentia pelas meninas era atração sexual mesmo ou não. Depois disso, Anders me fez questionar outras coisas na minha vida, como, se prestava sendo artista, ou que valor tudo aquilo que gostava tinha e, por fim, se merecia amor de verdade ou era sortudo por ganhar as migalhas de afeto dele.

Com a pressão de todos os lados para focar em um curso que não fosse artes e toda a minha análise quanto a sexualidade, resolvi falar com meus pais sobre ser pansexual, queria tirar algo das minhas costas, não ter que estar sempre tão cheio de mim mesmo — ok, talvez a psicóloga estivesse um pouco certa.

Assim que contei a Anders, ele me avisou que era contra, pois não tinha contado para ninguém sobre a sua sexualidade e isso era motivo o bastante para que eu ficasse calado. Além de não querer que meus pais o retirassem do armário para a sua família, mas mesmo tendo muitos problemas com eles, sabia que se importariam muito pouco em passar para frente a notícia de que meu namorado era gay. Sem falar que não era bom espalhar para todo mundo que estávamos juntos, então, não havia motivos para eles fazerem isso.

Mas quando eu colocava algo na minha cabeça acabava fazendo de um jeito ou de outro. Não me arrependi, de verdade, só queria ter tido uma noção do quanto as coisas mudariam depois que falasse.

Contei no jantar, expliquei que estava saindo com uma pessoa, que era muito boa comigo, me tratava bem e começamos a namorar. Meus pais ficaram em silêncio escutando e até pararam de comer, assim que fizeram isso notei o erro que tinha cometido.

— E essa pessoa é um homem. — finalizei minha notícia.

— Um homem, meu filho? — minha mãe perguntou com os olhos arregalados.

— É, mãe, tô namorando um cara! — disse, aumentando um pouco o tom de voz.

Meus pais ficaram chocados e voltaram a ficar em silêncio.

Falar que o clima estava ruim era eufemismo. Queria ter contado, mas esperava que eles nem ligassem para o assunto, quem se importaria com isso no ano em que estávamos?

— Filho, — papai começou a falar. — você tem certeza que é uma boa ideia namorar esse rapaz?

—Anders! E sim, tenho certeza absoluta disso, pai. Eu amo ele e ele me ama, que diferença faz se é homem?

— Mas meu filho ...

— Even, — minha mãe disse interrompendo meu pai — você não acha que é demais sair falando para todo mundo que você tem um relacionamento com um homem? Não sei, filho, é melhor a gente guardar só para gente esse tipo de coisa. Talvez você esteja exagerando, eu sei que gosta de ser diferente, mas assim não está demais? E se os seus colegas não gostarem de ter alguém assim por perto?

 — Eu não me importo nem um pouco com o que eles vão achar, não ligo nem se vocês concordam ou não — menti, levantando da mesa — Vocês deveriam me amar do jeito que sou e não pedir para que esconda que sou um pansexual apaixonado por outro homem! — Não devia ter escolhido essa palavra, pois eles não sabiam o que significava e ficaram ainda mais confusos se olhando.

Subi correndo para o meu quarto e comecei a chorar enquanto arrumava uma mala e ligava para Anders. Escutei meus pais subindo, mas tranquei a porta para empacotar minhas coisas em paz.

— And, — disse choroso quando finalmente atendeu.

— O que foi agora?

— Eu contei pros meus pais.

— Você fez o que, Even? — gritou e eu tinha feito o segundo erro da noite.

— Contei para eles, amor, que a gente tá namorando. — respondi gentil, tentando o acalmar. — Lembra que eu falei que ia fazer isso?

— E você lembra que eu mandei você não contar? Às vezes você é tão burro, todo mundo vai saber agora!

— Não vão, não, — chorei mais — meus pais não vão contar, eu só queria que eles soubessem, queria que todo mundo soubesse que a gente tá junto.

— Pois é, e eu falei que não queria isso, não falei? Acabou, Even, a gente não pode mais se pegar. Nem pense em chegar perto de mim no colégio.

— Anders, não ... —  e foi assim que o meu primeiro namorado terminou comigo.

Liguei mais algumas vezes, enquanto chorava e empacotava a minha vida, mas ele não atendia e depois da terceira tentativa tive a impressão de que fui bloqueado. Com o resto de dignidade que me restava, caminhei para fora do meu quarto, escutando a minha mãe gritando e o meu pai seguindo todos os meus passos e decidi, no instante em que a porta se fechou, que não iria abrir mais o meu coração.

Sai da casa dos meus pais, sem apoio, sem namorado e tentando grudar os pedaços de mim que ficaram jogados pelo caminho, alguns ainda estavam em casa, outros nas mãos de Anders, mas aqueles que conseguia encontrar, tentei remontar dentro de mim. Algum tempo se passou e percebi que era pansexual e gostava de desenhar, o resto ainda não tinha certeza.

Desde esse dia não falei mais com meus pais, nem com Anders, e não tive interesse nenhum em namorar outra pessoa. Levou um bom tempo para perceber que aquele relacionamento era horrível e talvez tóxico, e tinha muito medo que outra pessoa pudesse fazer o mesmo, tirando o meu gosto pelo desenho de novo, por isso achei que seria melhor se não me envolvesse com mais ninguém.

 Foi por esse e outros motivos que sai de casa antes da maioria dos meus amigos, antes do que uma pessoa normal faria, antes de ter um lugar para ficar ou algum dinheiro no bolso, mas não gostava de pensar nesses dias, eles não foram muito fáceis e tive que dormir na casa de Mika até conseguir alugar o menor apartamento já feito (ou era assim que enxergava o meu novo lar), mas fazia algum tempo que morava aqui e com muita tinta, desenhos e boa vontade esse lugar virou o meu preferido em Oslo.

Sentia que enfim tinha um lugar onde poderia ser eu mesmo, sem me preocupar com absolutamente nada — fora pagar todas as contas que a vida adulta dava.

O problema de ser independente tão cedo assim era que tive que abrir mão de certas coisas, como por exemplo ir para a faculdade. Quando ainda estava no colégio queria estudar artes, descobrir o que mais conseguiria fazer além dos meus desenhos, só que sem um milagre econômico não conseguiria. Também tinha vontade de viajar pelo mundo, ver o que mais existia lá fora, conhecer novas culturas, conversar com outras pessoas e encontrar coisas bonitas. Mas, de novo, sabia que isso seria impossível com o meu salário como bartender.

Nada disso importava agora.

A minha vida inteira tinha mudado ou aceitava ou chorava para sempre, por isso procurava as coisas boas em que poderia focar, como trabalhar a noite e beijar pessoas na balada, ou bolo de chocolate com morango ou, e o mais importante, meninos bonitos e tímidos que vinham comprar chá.

Isak, o menino do chá, era a pessoa mais bonita que já tinha visto nos meus 21 anos de vida, com aqueles olhos verdes gigantes e um sorriso imperceptível, fez com que o resto da minha noite passasse devagar demais e ele estivesse em todas as cenas na minha imaginação.  A maioria das pessoas com que ficava eram extrovertidas e barulhentas, mas tinha algo naquele menino quietinho, que mesmo sendo quase tão alto quanto eu, se fazia menor e tímido.

Escrevi um recadinho em seu copo na esperança de que voltasse e deixasse com que o paquerasse em paz, mas nada aconteceu, e quando meu turno terminou estava louco para descontar todo o flerte acumulado durante o trabalho.

Resolvi ir ao Indieseksuell e procurar um loirinho tímido para poder me divertir pela noite, mas não encontrei, mesmo porque queria Isak, queria passar a mão no seu rosto, experimentar os seus lábios e apertar aquela bundinha que parecia, de verdade, o emoji de pêssego. Depois de ficar com duas pessoas, voltei para casa sozinho.

Desenhei por algumas horas, fiz uma paisagem da Casa da Ópera que tinha achado no Instagram e comecei um rascunho sem muita pretensão de ser nada de verdade, mas quanto mais rabiscava, mais percebia que o menino do chá estava aparecendo no papel e depois de mexer um pouco com a aquarela, consegui chegar na cor dos seus olhos e os pintei, indo dormir podendo olhar uma última vez para Isak, mesmo se não fosse o real e mesmo se não fosse tão bonito quanto.

Notes:

Espero que vocês tenham gostado, comentem para eu saber o que acharam e deixem kudos para mim <3
se quiser surtar sobre a fanfic meu Instagram e Twitter são @marobah_