Biodiversidade, Manejo e Conservação do Sul de Goiás
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Biodiversidade, Manejo e Conservação do Sul de Goiás - Wellington Hannibal
PREFÁCIO
A que se referem os temas centrais deste livro – biodiversidade, manejo e conservação? As respostas podem ser tão diversas quanto os próprios temas em si. Mas talvez elas convirjam, pelo menos em parte, ao entendimento acerca do nosso papel na natureza. Esse papel, por sua vez, passa pela prévia acepção das premissas da nossa própria existência dentro de um amplo e complexo contexto ecológico.
Em uma dessas premissas, o lento e incessante processo evolutivo do ser humano assegura nossa momentânea permanência e o direito
à existência dentro de um contexto ecossistêmico, assim como ocorre para todas as outras espécies viventes (conhecidas ou não) – desde agentes virais, cuja própria conceptualização de vida
é questionada, porém não sua fantástica capacidade evolutiva/adaptativa, até o Homo sapiens, certamente a espécie dominante deste planeta.
Por sua vez, constitui fundamento desse processo evolutivo e, como consequência, da própria acepção de vida, a concepção de que a existência requer associação. Pois, conforme mencionado por Luis Rey, Só por abstração podemos compreender seres vivos dissociados do meio
(Parasitologia, 4ª edição, ed. Guanabara Koogan). Acrescenta-se a importância da associação dos seres vivos com o meio, as relações que todas as espécies estabelecem entre si e umas com as outras, direta ou indiretamente.
Desta ampla rede interconectada (seres-vivos/ambiente), e em conformidade com a natureza humana, somos impelidos a questionar e buscar constante e incessantemente respostas acerca desse entendimento, mesmo que seja de uma ínfima parte desta grande, e ainda pouco compreendida, engrenagem ecológica da qual somos parte atuante, pois estamos constantemente em mudança. Para tanto, não podemos desprezar a importância de aspectos tão diversos e aparentemente alheios à interconectividade dos seres-vivos com o ambiente e entre si. Tais aspectos remontam a questões sociais, econômicas e culturais. Esta obra didática não deixa de lado essas premissas para tecer discussões, estudos e abordagens dentro de uma contextualização primordialmente ecológica. Pelo contrário, elas são parte integrante (de forma implícita ou não) das abordagens centrais deste livro: biodiversidade, manejo e conservação.
Assim, no conjunto desta obra, a expectativa é de que o leitor não se furtará a discutir e principalmente refletir aspectos para além das informações de natureza técnica, principalmente no que tange aos paradoxos. Por exemplo: é inegável a importância social e econômica do setor sucroalcooleiro para essa região. Entretanto, também são inquestionáveis os efeitos colaterais ecológicos que se fazem sentir à biodiversidade no tocante à expansão da monocultura da cana-de-açúcar. De fato, o uso sustentável do etanol passa obrigatoriamente por uma grande amplitude de questões de âmbito, tanto ecológico quanto socioeconômico, conforme enfatizado pormenorizadamente por Smeets e colaboradores, em um artigo publicado quando da 15th European Biomass Conference & Exhibition, 7-11 May 2007, Berliin, Germany (The sustainability of brazilian etanol – an assessment of the possibilities for certified production). Ainda, em um dos capítulos do presente livro, Borges, Andreani e Santos, chamam atenção quanto à perda de habitat devido a sua substituição por monoculturas
no que tange à herpetofauna do sudeste goiano.
Somado a isso, a relevância dos temas abordados neste livro se faz traduzir ainda (e se soma), por exemplo, quando se constata a (virtualmente) imensurável biodiversidade de insetos. Tal biodiversidade é abordada em um dos capítulos, na qual se enfatiza a existência de aproximadamente um milhão de espécies de insetos descritas no mundo (Grimaldi & Engel, 2005). Não seria estranho, pois, se também constatássemos que nosso conhecemos das espécies descritas é ínfimo, e que, portanto, ainda devem existir muitas outras desconhecidas. Assim, as diversas consequências advindas de alterações ambientais, também seriam de igual modo desconhecidas e, talvez por isso mesmo, deletérias. De fato, esse desconhecimento chama atenção, de forma que é inevitável questionar: como é possível pensar na conservação do grupo de maior diversidade de espécies, se pouco se conhece?
, conforme indagam Yamamoto e colaboradores se referindo aos insetos, em um capítulo neste livro.
Desta feita, o leitor irá se deparar com temas tão diversos quanto relevantes, que instigam um pensamento crítico embasado em premissas estabelecidas em critérios científicos. Referidos temas incluem, em abordagens de igual modo abrangentes, aspectos concernentes a uma ampla gama de estudos relativos: ao solo, no que diz respeito ao manejo, propriedades químicas e à produção sucroalcooleira; às espécies de plantas, abrangendo levantamento florístico de espécies em uma área de conservação ambiental; aos animais, onde é abordada a biodiversidade de insetos, bem como da ictiofauna, herpetofauna, de aves e de mamíferos; e à educação ambiental, certamente um tema com papel de destaque, considerando que conhecimentos previamente levantados são contextualizados no âmbito educacional. Neste caso, a aquisição dos conhecimentos provenientes dos temas acima mencionados seria incompleta sem sua aplicabilidade didático-prática.
A abrangência deste livro não reflete em si uma pretensa intenção (ou mera tentativa) de tecer todas as respostas concernentes à ecologia e todas suas associações, mesmo restritos ao sul goiano – o que já seria consideravelmente desafiador, tendo em vista a complexidade e riqueza de diversidade sociocultural-ecológica do sul goiano. Assim, a aparente modéstia, na concepção de restrição espacial, do livro Biodiversidade, manejo e conservação do Sul de Goiás
pode ser considerada um de seus pontos fortes. Ele fornece um lampejo, academicamente bem elaborado, fidedigno à região e, portanto, mais preciso dentro de um amplo contexto ecológico, o que nos oferta subsídios que contribuem nesta grandiosa e incessante empreitada humana em busca de conhecimento. Afinal, o direito
à vida envolve não somente a nossa perene capacidade adaptativa e de associação com o meio e com outros seres-vivos, mas também a incessante busca do entendimento acerca do nosso papel na natureza.
Lourenço Faria Costa
Quirinópolis, 7 de junho de 2016
Vonedirce Maria Santos¹
Introdução
Originária do Sudeste da Ásia, a cana-de-açúcar é uma planta da família das gramíneas, cuja variedade mais conhecida no Brasil é designada "Saccharumspp". É uma cultura semiperene, de sistema radicular fasciculado, cultivada em extensa área compreendida entre os paralelos 35º Norte e Sul. Entre as substâncias encontradas na cana-de-açúcar, a mais importante é a sacarose, base para a produção de açúcar, álcool, rapadura, melado, aguardente e outros subprodutos.
O ciclo produtivo da cana é, em média, de cinco anos, durante os quais, sofre vários cortes, mas atinge a maturação em um primeiro período de crescimento em torno de 12 ou 18 meses, após o qual, outros se seguem, anualmente, sem necessidade de replantio, o que só acontecerá após cerca de 4 ou 5 cortes anuais. É denominada cana-planta até o primeiro corte ou colheita. Se for plantada de setembro a outubro é colhida após cerca de 12 meses e é denominada cana de ano. Se plantada de janeiro a março ela cresce e atinge a maturação para o primeiro corte por volta de 18 meses e, portanto, é denominada de cana de ano e meio. Após a primeira colheita a cana sofre uma rebrota que é chamada de cana-soca. As demais colheitas ocorrem anualmente por volta do mesmo período (mês), sendo chamadas de ressocas. As rebrotas da cana sofrem cerca de 4 a 5 cortes quando então é renovada com uma cana de ano ou de ano e meio, dizendo-se reforma da cana (Rudorff et al., 2004). A tabela abaixo ilustra essa evolução decrescente da produtividade da cana na região Centro-Sul do Brasil, em seus sucessivos cortes.
Tabela 1: Ciclo típico de produtividade de cana na região Centro-Sul do Brasil
Fonte: Macedo (2005).
O clima ideal para a produção da cana-de-açúcar é o tropical, com duas estações distintas: uma quente e úmida que proporciona a germinação, perfilhamento e desenvolvimento vegetativo; seguida de outra fria e seca, que promove a maturação e o consequente acúmulo de sacarose (Bray, 1980). A diversidade de climas determina calendários agrícolas dos períodos de plantio e colheita, os quais são distintos para as diversas regiões. Assim, a época de plantio ideal para a região Centro-Sul do país é de janeiro a março, enquanto na região Norte-Nordeste vai de maio a julho. A cultura canavieira suporta razoavelmente temperaturas elevadas de 34-35o C. Porém, valores constantes e acima de 38º a 40º C podem afetar seu desenvolvimento pelo efeito inibidor das atividades fisiológicas como a abertura de estômatos e troca de CO2 com a atmosfera. A temperatura basal, ou seja, mínima para o efetivo crescimento da cana fica em torno de 20º C. A temperatura ótima situa-se entre 22º e 30º C, sendo que nessas condições a cultura apresenta seu máximo crescimento (Doorembos; Kassan, 1979).
Vários fatores interferem na produção e produtividade da cultura da cana-de-açúcar, sendo as principais a interação edafoclimática, a cultivar escolhida e o manejo da cultura (Cesar et al., 1987). Pode ser cultivada em vários tipos de solos, com texturas diferenciadas, em terrenos com declives de até 12%. Suporta, porém, temperaturas elevadas, mas com boa disponibilidade de água no solo, sob características climáticas favoráveis e condições térmicas e hídricas satisfatórias. A cana é exigente quanto à umidade, precisando de 1.500 mm de chuvas anuais. A disponibilidade de água no solo governa a produção vegetal, assim sua falta ou excesso afetam de maneira decisiva o desenvolvimento das plantas (Reichardt, 2005), pois alteram a absorção dos nutrientes e da própria água. A cana-de-açúcar demanda elevado consumo de água, necessitando de 250 partes de água para formar uma parte de matéria seca na planta com 125 mm de armazenamento no solo, indicando o limite acima do qual a faixa é considerada com deficiência hídrica sazonal, tornando-se recomendável o emprego de irrigação suplementar (CTC, 2009).
É uma planta muito dependente das condições físicas e químicas dos solos até a profundidade de 80-100 cm. A produtividade dessa cultura é excelente quando cultivada em solos com pH entre 7 e 7,3, porém ela se desenvolve bem em solos de pH 5,5 a 6,5, exigindo correção em caso dos solos mais ácidos (Mapa, 2007).
Nos primeiros dois anos de cultivo, sua produtividade está mais relacionada às características químicas e físicas dos horizontes superficiais do solo e do manejo agrícola (calagem e adubações). Após o terceiro corte as características dos horizontes subsuperficiais influenciam mais na estabilidade da produção e produtividade da cultura (maior exploração do solo e maior disponibilidade hídrica). Portanto, a disponibilidade de água nos ambientes produtivos é um dos fatores que mais interferem no crescimento e desenvolvimento da cultura, pois em condições de déficit hídrico há redução do crescimento radicular. Nessa condição a produtividade pode reduzir significativamente, mesmo em solos com horizontes férteis abaixo da camada arável, em caso de forte limitação hídrica em estágios de desenvolvimento que requerem maior demanda por água pela cultura (Manzatto, 2009).
A cana-de-açúcar propaga-se vegetativamente por meio de toletes, que ao serem colocados nos sulcos de plantio, sofrem indução para brotação das gemas para formação do sistema radicular. Hoje, a maioria das canas cultivadas são formas hídricas de Saccharum officinarum L, (cana nobre) com outras espécies de características mais rústicas. A raiz formada é do tipo fasciculado, cujo tamanho e profundidade estão relacionados à variedade, ao tipo e ao preparo do solo, à idade e ao número de cortes da planta. De maneira geral, a maior parte das raízes encontra-se nos primeiros 50 cm de profundidade (CTC, 2009). O colmo é aproximadamente cilíndrico, geralmente ereto e fibroso, constituído de nós e entrenós (gomos), podendo apresentar no seu ápice inflorescência do tipo panícula. Porém, em culturas comerciais, o florescimento é altamente indesejável, pois pode provocar alterações, como menor ganho de peso, menor densidade de caldo e maior porcentagem de fibra (Iaia et al., 1985).
É função do colmo conduzir nutrientes e fotos assimilados, bem como sustentar a parte aérea e armazenar açúcar e fibras. A cana-de-açúcar apresenta de 7 a 15% de sacarose e de 11 a 16% de fibras (Magalhães, 1987). O teor da fibra é muito importante para manutenção energética das indústrias que processam a cana. Um teor de fibra baixo obriga a indústria a consumir outro tipo de combustível, a madeira, por exemplo. Porém, um teor de fibra muito alto trará problemas de extração de sacarose. Portanto, o canavial deverá ser planejado levando-se em conta o teor de fibras, procurando manter um teor médio, no início, meio e fim de safra em torno de 12,5%.
Assim como altas temperaturas são fundamentais para um bom crescimento da cana (é uma planta C4), as noites frias são determinantes no acúmulo de sacarose. Desta maneira, durante o período de maturação deve haver grande diferença entre a temperatura máxima e a mínima para que existam condições ideais a um bom rendimento de sacarose (Planasulcar, 1986).
Obviamente, é difícil fornecer todos os nutrientes em quantidades certas requeridas a determinados estádios de desenvolvimento da cultura, por isso, a utilização de adubações é prática frequente dos agricultores. A cana-de-açúcar necessita do suprimento adequado de nutrientes como: C, O, H, N, P, K, Ca, Mg, S, B, Cu, Fe, Mn, Mo e Zn, o que nem sempre é possível obter em quantidades adequadas, conforme o solo e local de cultivo. Assim, carências nutricionais em cana são mais frequentes do que se imagina. Outro aspecto refere-se à colheita da cana. Em breve o manejo da cana, segundo a legislação vigente, não poderá mais ser praticado através da queima, como mostra a tabela abaixo.
Tabela 2: Redução da queimada dos canaviais: Lei Federal nº 2.661/1998
(*) Áreas mecanizáveis: declividade < 12% e área > 150 há. (**) Áreas não mecanizáveis: cronograma a definir. Fonte: CTC, 2005.
Métodos e Técnicas
Seleção da Área de Pesquisa
A microrregião de Quirinópolis está localizada na região Centro–Oeste do Brasil, mesorregião Sul Goiano, posicionada a Sudoeste do estado de Goiás (SEPLAN-GO). É a microrregião de nº 18, composta por nove municípios: Cachoeira Alta, Caçu, Gouvelândia, Itajá, Itarumã, Lagoa Santa, Paranaiguara, Quirinópolis e São Simão (Figura 1). Possui uma área total de 16.130.133 km² e situa-se às margens do lago de São Simão, no rio Paranaíba, distante 280 km de Goiânia. Encontra-se interligada às principais regiões do estado de Goiás e do país por uma malha rodoviária constituída, principalmente, pelas GO 164, que liga à BR 452 e GO 206 que liga à BR 384. Conta atualmente com sete usinas canavieiras (Figura 1).
Figura 1: Microrregião de Quirinópolis, Goiás, e localização das usinas sucroalcooleiras instaladas desde 2004
Fonte: Banco de dados do SIEG (2015).
Na tabela abaixo encontram-se identificados os municípios que compõem a MRQ, com suas respectivas áreas (km2), e área de ocupação agrícola (ha).
Tabela 3: Municípios que compõem a microrregião (018) – Quirinópolis-GO
Fonte: IBGE (2009).
A microrregião Quirinópolis é de economia agrícola, marcada, sobretudo, pela atividade pecuarista, mas também de cultivo intensivo de grãos (soja, milho). A partir de 2004 sofreu uma mudança rápida nesse quadro com a entrada do cultivo da cana-de-açúcar em áreas antes ocupadas pela cultura de grãos (soja) e pela pastagem, redefinindo assim um novo cenário da paisagem em relação às atividades agropecuárias. Desde então, a atividade agroindustrial canavieira encontra-se em intenso desenvolvimento na microrregião, particularmente nos municípios de Quirinópolis e Gouvelândia, com a instalação de um parque sucroenergético, composto, ao todo, por sete usinas que se encontra em diferentes status e categorias, conforme mostra o quadro abaixo (Quadro 1).
Quadro 1: Status e Categorias das Usinas na Microrregião de Quirinópolis-GO
Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Sec. de Produção e Agroenergia. Departamento da cana-de- açúcar e Agroenergia (Posição em 11/05//2010).
A busca pela sustentabilidade socioecológica do processo de exploração agrícola dos cerrados, ou a busca por uma nova condição de equilíbrio, passa necessariamente pelo manejo adequado dos solos. Neste sentido, será apresentado a seguir o estudo sobre o sistema de manejo, através dos Ambientes de Produção, realizado nas áreas de cultivo de cana-de-açúcar, localizadas na MRQ, com o objetivo de obter subsídios ao controle dos impactos ambientais.
A expansão da cana