Nietzsche e a Educação Como Experimentação de Si
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Nietzsche e a Educação Como Experimentação de Si - Silvia Cristina Fernandes Lima
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Revisão: Márcia Santos
Capa: Matheus de Alexandro
Diagramação: Larissa Codogno
Edição em Versão Impressa: 2019
Edição em Versão Digital: 2019
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
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Sumário
Folha de rosto
Apresentação
Introdução
Capítulo 1: A crítica à moral: para uma educação como experimento do pensamento
1. Moral e educação
2. Humano, demasiado humano e a aproximação com a ciência
3. Conceitos e sentimentos morais
4. O procedimento genealógico: moral do senhor e moral do escravo
5. Vida como vontade de poder. Vontade de poder como critério de avaliação
Capítulo 2: A experiência como projeto educativo
1. A experiência na construção do pensamento filosófico
2. A experiência fisiológica com o mestre educador
3. A experiência como espírito livre
Capítulo 3: A experimentação como proposta educativa: as experiências/vivências de Zaratustra em seu processo formativo
1. A obra Assim falou Zaratustra. Quem é o Zaratustra de Nietzsche?
2. A obra Assim falou Zaratustra como romance de formação
3. A experiência formativa de Zaratustra a partir do prólogo: o primeiro aprendizado
4. A experiência das três metamorfoses como percurso para o além-do-homem
5. Os ensinamentos de Zaratustra nos discursos: a crítica ao último homem e a educação moderna
6. As experiências de Zaratustra
7. O pensamento do eterno retorno: a afirmação dionisíaca da vida
Considerações finais
Referências
Página final
Lista de abreviaturas
A – Aurora
ABM – Para além do bem e do mal
AC – O anticristo
AS – O Andarilho e sua sombra
CI – Crepúsculo dos ídolos
Co. Ext. II – Consideração extemporânea II: Da utilidade e desvantagens da história para a vida
Co. Ext. III – Consideração extemporâneas III: Schopenhauer como Educador
DD – Ditirambos de Dionísio
EH – Ecce homo
FP – Fragmentos póstumos
FT – A filosofia na era trágica dos gregos
GC – A Gaia Ciência
GM – Genealogia da moral
HH – Humano, demasiado humano
HH II – Humano, demasiado humano (v. 2): Miscelânia de opiniões e sentenças (MS) &
NT – O nascimento da tragédia
VM – Acerca da verdade e mentira no sentido extramoral
Za – Assim falou Zaratustra
Apresentação
Por um caminho impensado pela pedagogia, evidenciou que a educação está atrelada à moral.
Com alegria e entusiasmo apresento a publicação de Silvia Cristina Fernandes Lima, dada sua importância para a educação. Este trabalho é resultado da pesquisa de doutorado da autora, em que tive a honra de orientar, na Faculdade de Educação, da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais. Experiência interessante como orientador, porque a elaboração do trabalho nos colocou no papel de quem vivenciava a possibilidade da crise
provocada pelo pensamento do filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900), que a todo momento nos inquietava com suas reflexões sobre o desmascaramento da Moral e dos valores estabelecidos pela tradição do pensamento ocidental.
A preocupação de Silvia foi a de buscar compreender o papel da educação na formação do homem contemporâneo, para isso, pesquisou o pensamento de Friedrich Nietzsche, "filósofo da suspeita, como crítico da modernidade, irá denunciar, diagnosticar a relação intrínseca que se estabeleceu entre educação e moral" (Lima, 2017, p. 10, grifos do original). O trabalho demonstra que o filósofo coloca em cheque alguns aspectos do pensamento educacional da modernidade do século XIX,
através de um procedimento genealógico, o filósofo vai desmascarar a moral, evidenciar que os sentimentos, os conceitos, a linguagem, enfim a educação, estão imersos numa concepção moral que pretende uniformizar, massificar, fazer das pessoas rebanhos. Nesse modelo que está posto, segundo o filósofo, o homem é como que lançado fora de si mesmo, é obrigado a controlar seus instintos, suas paixões, a privar a si mesmo, em função de uma demanda social. (Lima, 2017, p. 10)
Com base no princípio da oposição ao pensamento metafísico, a autora busca em Nietzsche a reflexão da formação que se dá com a "experimentação de si mesmo, com o cultivo e dureza de si, na superação de si, na experiência de ser aquilo que se é. Do mesmo modo que são as experiências e vivências que possibilitam o tornar-se o que se é". (Lima, 2017, p. 14, grifos do original). Os textos da tese se fundam nos escritos intermediários e maduros de Nietzsche, onde o tema da experimentação aparece com mais frequência. Pode se observar que o trabalho mereceu dedicação e reflexão profundas para identificar o que era essencial nos escritos do pensador, principalmente a partir de Humano, demasiado, humano, e Aurora, em que, Nietzsche evidencia a educação como parte do domínio da moralidade.
O trabalho faz uma reflexão permanente a respeito das experiências (Erfahrungen) e vivências (Erlebnisse) de Zaratustra, como exemplo de formação para o tornar-se o que se é. Desta forma, problematizou o pensamento pedagógico e realizou uma reflexão que fundou seu doutorado e resultou na publicação deste livro. Com isso se pensou em contribuir para a formação da educação com reflexões e questionamentos sobre a moral, que é tão complexa e sombria para nosso tempo.
A indicação da leitura deste trabalho se dá pela profundidade do texto e das reflexões postas para os leitores. Trata-se de uma viagem na reflexão genuinamente filosófica do pensamento de Nietzsche. Somente uma pesquisadora e escritora, com a capacidade de Silvia Cristina Fernandes Lima, é que se poderá atingir a maturidade filosófica e o desenvolvimento de reflexões sobre temas complexos como a educação, moral e o conhecimento de si. Trata-se de uma pessoa que enfrentou o desafio e o preconceito dos que acham que a educação já está estabelecida em toda sua regra moral e valores que não libertam o ser humano.
Armindo Quillici Neto
Professor de Filosofia da Educação no curso de Pedagogia, do Instituto de Ciências Humanas do Pontal e na pós-graduação em Educação, da Faculdade de Educação, da Universidade Federal de Uberlândia
Introdução
A pedagogia é a ciência que tem como objeto de estudo a educação e como tal ela investiga o campo de conhecimento que contribui para a construção do ser humano como membro de uma determinada sociedade, bem como os processos e meios do processo educativo. Por meio de conhecimentos científicos, filosóficos e técnicos a pedagogia procura investigar a educação, explicitando objetivos e processos de intervenção metodológica, no intuito de organizar a transmissão e assimilação de saberes e modos de ação. De acordo com Libâneo (2007) a pedagogia não é certamente a única área científica que tem como objeto de estudo a educação, a sociologia, a psicologia, a economia, a linguística. Elas também podem se ocupar dos problemas educativos. Contudo, é a partir de seus próprios conceitos e métodos de investigação que elas o analisam, de modo que, à pedagogia caberia dar o aporte necessário a essas áreas, funcionando, assim, como uma ciência integradora.
A pedagogia ocupa-se com a educação intencional e, nesse sentido, demanda uma concepção de homem e de sociedade. Nesse aspecto, as teorias da educação possuem uma função primordial. É a partir delas ou sobre elas que vão se edificando os modelos e sistemas educativos. Segundo Durkheim:
Cada sociedade faz do homem certo ideal, tanto do ponto de vista intelectual, quanto do ponto de vista físico e moral; que esse ideal é, até certo ponto, o mesmo para todos os cidadãos; que a partir desse ponto ele se diferencia, porém, segundo os meios particulares que toda sociedade encerra em sua complexidade. Esse ideal, ao mesmo tempo, uno e diverso, é que constitui a parte básica da educação. (Durkheim, 1955, p. 40)
Podemos perceber que a educação está intimamente relacionada com a tradição, com os costumes de determinada sociedade. Ao nascer e no tempo oportuno a criança vai sendo inserida no modelo intelectual, moral e físico dessa sociedade. Na interpretação de Durkheim, a função da educação nada mais é do que formar o ser social.
Ora, se a educação está enredada num modelo ideal de homem e sociedade de tal modo que dificilmente se pode mudar, como a pedagogia por meio do aporte teórico pode contribuir para a reflexão do pensar e fazer (teoria e prática) educativo? A nosso ver é analisando, estudando, refletindo historicamente a gênese do processo educativo, evidenciando os reais motivos que movem a sociedade a conceber um determinado tipo de formação e não outra. É preciso refutar as bases em que foram assentadas tais concepções. Diante disso, elegemos o pensamento do filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900), pois, como filósofo da suspeita, como crítico da modernidade, irá denunciar, diagnosticar a relação intrínseca que se estabeleceu entre educação e moral. Através de um procedimento genealógico, o filósofo vai desmascarar a moral, evidenciar que os sentimentos, os conceitos, a linguagem, enfim a educação estão imersos numa concepção moral que pretende uniformizar, massificar, fazer das pessoas rebanhos. Nesse modelo que está posto, segundo o filósofo, o homem é como que lançado fora de si mesmo, é obrigado a controlar seus instintos, suas paixões, a privar a si mesmo, em função de uma demanda social. Outro problema que podemos identificar a partir da filosofia de Nietzsche é a falta de conexão da educação com a vida. Para ele a educação deve preparar as pessoas para o enfrentamento da dor, do sofrimento, mostrando que a vida é em sua essência permeada de adversidades e desafios, conflitos, e por isso, requer sempre superação.
A reflexão a partir dos escritos de Nietzsche nos remete à urgência de rever o modo como concebemos o homem, isto é, o modo como a pedagogia, enquanto ciência da educação, concebe o homem. A pedagogia, na medida em que se ocupa do estudo da educação, pode ser considerada como pertencendo ao grupo das ciências humanas. Dado, então, o modo como as ciências do homem surgiu, talvez o problema esteja no modo como é construída a concepção do homem. Segundo a análise de Foucault, o campo epistemológico das ciências humanas não recebeu um a priori a partir do qual pudessem se assentar, de modo que:
Era necessário que o conhecimento do homem surgisse, com o seu escopo científico, como contemporâneo e do mesmo veio que a biologia, a economia e a filologia [...] o homem tornava-se aquilo a partir do qual todo conhecimento podia ser constituído em sua evidência imediata e não-problematizada; tornava-se a fortiori, aquilo que autoriza o questionamento de todo conhecimento do homem. (Foucault, 1990, p. 362-363)
Segundo o filósofo, o campo da epístemê moderna restringe-se ao domínio de três dimensões: (1) ciências matemáticas e físicas; (2) ciências biológicas, da economia e a linguagem; (3) filosofia. A partir desse triedro epistemológico, as ciências humanas são excluídas no sentido de não compreenderem um campo específico, contudo, elas são incluídas pelas três dimensões, de modo que, é no interstício desses saberes
(Foucault, 1990, p. 364), que elas encontram seu lugar. É a partir do solo comum da objetividade do conhecimento científico que as ciências humanas se inserem. De certo modo, é possível dizer que as ciências humanas se sintam aí num espaço privilegiado, tendo em vista, a relação que estabelecem com as outras dimensões. Com efeito, é notadamente esse modelo de repartição que concede às ciências humanas um status de precariedade.
Para Foucault, o que concede a precariedade, a incerteza enquanto ciência, ou mesmo o posicionamento secundário com relação às outras ciências se dá não tanto pela complexidade de seu objeto (o homem), mas sim por sua configuração epistemológica de relação constante com o triedro epistemológico. Ora, na objetividade do conhecimento, no rigor, nas regras, ocorre a objetivação que anula o homem, ocorrendo, assim, um esvaziamento da existência. Nas ciências humanas o homem é tomado como objeto a partir do modo como forma representação: as ciências humanas não são uma análise do que o homem é por natureza; são antes uma análise que se estende entre o que é o homem em sua positividade e o que permite a esse mesmo ser saber o que é a vida
(Foucault, 1990, p. 370). Ou seja, não é o homem na sua imanência, enquanto ser que faz a própria vida que é o objeto de estudo das ciências humanas. Trata-se de um modelo puramente formal, em que, o ser humano assume o lugar de reduplicação. Isto é, a relação que ele estabelece com as ciências (sociologia, psicologia e ciências da linguagem) e o que essa relação pode valer para as ciências mesmas.
É sobre esse solo positivo, objetivo, que está assentada a pedagogia e, consequentemente, há o reflexo desse modelo na educação, visto que, preocupa-se muito mais em saber o papel que o homem irá representar dentro da sociedade, a sua formação para o trabalho, o seu comportamento para viver em sociedade. Conforme Gallo:
Para que a Pedagogia pudesse reivindicar um estatuto científico, foi necessário que os saberes se constituíssem enquanto representação do real e que o próprio homem se fizesse alvo de representação, através das ciências humanas. Só quando ele próprio torna-se objeto científico é que se pode arriscar fazer ciência sobre sua formação. (Gallo, 1997, p. 97)
Trata-se de um modelo que pretende ser universal e ordenação do mundo, com conteúdo e metodologias unificadas, pois essas que trazem mais resultados no que tange aos dados quantitativos. Uma educação que não vê o homem no limiar de sua existência, que apaga todas as diferenças. Nesse modelo, compreende-se que o conhecimento já está dado, basta que o aluno o acesse e o memorize. A emergência da pedagogia, enquanto ciência da educação, ocasionou a criação de um conjunto de procedimentos e técnicas como instrumentos de aquisição dos saberes, num processo de pedagogização dos conhecimentos.
Compreendemos que a filosofia de Nietzsche possibilita tanto um posicionamento crítico frente ao modelo de educação da modernidade, como também traz à tona uma nova concepção de formação. Diante do exposto, não queremos apresentar a filosofia de Nietzsche como um sistema educacional, mesmo porque Nietzsche pretende justamente criticar todo o pensamento que busca a sistematização e universalização. Nossa proposta neste trabalho é tentar mostrar que talvez seja necessário irmos além dos modelos, buscar a simplicidade de ver o homem como um ser que é inventor de si mesmo e, por isso, é único e singular. Queremos tomar o pensamento de Nietzsche, não para responder o que é a educação, ou mesmo a partir de sua filosofia trazer um novo modelo teórico a ser seguido. Veremos que o pensamento de Nietzsche nos lança muito mais numa provocação, suscita a problematização, a suspeita de tudo o que, até então, concebemos como verdade. Evidencia a necessidade de destruir os valores morais decadentes que suscitam a renúncia da vida em nome de um além-mundo, ou mesmo a crença no progresso com o melhoramento do homem. Após desmascarar a moral convida-nos a nos tornar aquilo que somos, ou seja, sem máscaras, sem representação.
Para esses que querem tornar-se a si mesmos o filósofo dá o exemplo por meio de seus escritos, exemplificando como ele por meio de suas experiências (Erfahrungen) e vivências (Erlebnisse) tornou-se o que é, bem como, narrando e descrevendo a trajetória dramática de experiências e vivências da personagem central de sua obra, Assim falou Zaratustra, trazendo à tona as metamorfoses do protagonista a partir de suas experimentações para então, tornar-se o que é, anunciador do além-do-homem e mestre do eterno retorno do mesmo. A partir desse quadro intentamos refletir sobre como alguém se torna o que é¹ (Wie man wird, was man ist). A máxima do poeta lírico grego Píndaro está presente como subtítulo de Ecce homo, a autobiografia de Nietzsche, descrevendo, ao nosso olhar, o seu próprio torna-se o que é, assim como se constitui como o modo pelo qual o filósofo concebe a formação. Para refletir sobre como alguém se torna o que é, queremos fazê-lo a partir da própria concepção que Nietzsche tem de sua filosofia, a saber, uma filosofia experimental, (FP. Início do ano 1888, 16[32]). Nossa hipótese é que a experimentação em Nietzsche tem um duplo sentido: (1) o aspecto perspectivista de sua filosofia – refletir sobre determinado ponto a partir de vários anglos e pontos de vista, fazendo experimentos com o pensar, sem, com isso, construir um sistema único e fechado; e (2) as experiências (Erfahrungen) e vivências (Erlebnisse) como elemento formativo – são elas que vão possibilitar a elevação ou o perecimento do homem, como também o colocar-se a si mesmo como experimento diante da vida. Nietzsche, no Ecce homo, descreve assim sua filosofia:
Quem sabe respirar o ar de meus escritos sabe que é um ar das alturas, um ar forte. É preciso ser feito para ele, senão há o perigo nada pequeno de se resfriar. O gelo está próximo, a solidão é monstruosa – mas quão tranquilas banham se as coisas na luz! Com que liberdade se respira! Quantas coisas sente-se abaixo de si! – filosofia, tal como até agora a entendi e vivi, é a vida voluntária no gelo e nos cumes – a busca de tudo o que é estranho e questionável no existir, de tudo o que a moral até agora baniu. Uma longa experiência, trazida por tais andanças pelo proibido, ensinou-me a considerar de modo bem diferente do desejável as razões pelas quais até agora se moralizou e se idealizou. (EH, prólogo, § 3, grifos do original)
Ao conceber uma filosofia experimental, Nietzsche quer denunciar e se opor às representações do pensamento metafísico que confere uma supremacia ao racional, sob o modelo estabelecido por Sócrates e Platão que domina o pensamento filosófico e o modo de conceber a educação. Para o filósofo alemão é com o conjunto do corpo e não somente com a razão, a consciência que se dá o conhecimento. Nesse sentido, as pequenas experiências e vivências cotidianas são importantes no processo de formação. É fazendo experimentos com o seu pensar, se colocando como experimento diante da vida que ele, Nietzsche, se tornou filósofo e convida-nos a realizarmos o mesmo processo, pois compreende que: só se vive a experiência de si mesmo (Za, O andarilho). Diante do posicionamento de Nietzsche, de uma filosofia experimental, nossa hipótese neste trabalho é que a formação se dá com a experimentação de si mesmo, com o cultivo e dureza de si, na superação de si, na experiência de ser aquilo que se é. Do mesmo modo que são as experiências e vivências que possibilitam o tornar-se o que se é.
Para responder nossa hipótese optamos por trabalhar com os escritos intermediários e maduros de Nietzsche, no qual a nosso ver, o tema da experimentação aparece com mais frequência. Intentamos seguir o procedimento genealógico descrito por Nietzsche, em que, por meio de uma análise histórico-psicofisiológica, evidencia o entrelaçamento da moral na educação, a gênese de um processo moral de uniformização e formação de rebanhos. Com essa análise podemos perceber que a educação, enquanto instituição, é um espaço, no qual a moral se acomoda e se perpetua seguindo a tradição, no processo que Nietzsche chamou de moralidade dos costumes. A partir de Humano, Demasiado, humano, e Aurora podemos vislumbrar que os sentimentos e conceitos também estão permeados de moral, principalmente, os conceitos de vontade livre e compaixão. Procuramos, então, analisar como se dá essa relação. Ainda, a partir dessas obras, observamos a aproximação de Nietzsche da ciência como um método de crítica à metafísica.
No que tange à problematização da moral, consideramos crucial também a reflexão a partir da obra Genealogia da moral, no intuito de compreendermos a criação de valores na moral de senhores e o processo de inversão desses valores realizado pela moral escrava. Nesse trajeto intentamos mostrar a moral decadente que se inicia com Sócrates/Platão como um vértice que influenciou uma parte considerável dos filósofos posteriores. Em seguida, com o cristianismo que segundo Nietzsche nada mais é do que um platonismo para o povo
(ABM, prólogo). Para finalizar a análise com relação a moral e sua influência na educação, refletimos sobre o conceito de vontade de poder, tendo como leitura interpretativa a reflexão de Müller-Lauter, que corrobora nosso pensamento de que Nietzsche crítica e supera o pensamento metafísico.
Já no segundo capítulo, buscamos estudar os conceitos de experiência (Erfahrung) e vivência (Erlebnis), procurando evidenciar o modo como Nietzsche foi se constituindo filósofo a partir de suas próprias experiências e vivências. Pretendemos pontuar a importância de dar atenção aos aspectos corriqueiros de nossa vida, a escolha do clima, do lugar, da alimentação tal qual nosso filósofo descreve em sua autobiografia. Nessa análise, traz-se à tona o chamamento de Nietzsche sobre a importância do corpo, entendendo-o como uma grande razão
(Za, Dos desprezadores do corpo) por meio do qual se dá o pensamento. Para descrever o tornar-se o que é, de Nietzsche, e ao mesmo tempo eleger esse movimento como um exemplo de formação para tornar-se o que se é consideramos importante refletir sobre a terceira Consideração extemporânea, em que Nietzsche elege Schopenhauer como mestre educador. A experiência com o pensamento de Schopenhauer possibilitou a Nietzsche conhecer a si mesmo melhor, possibilitou-lhe naquele contexto um olhar mais crítico com relação à academia. Com isso, foi possível a Nietzsche refletir sobre a educação de seu tempo e conceber sua concepção de educação como cultivo de si, como dureza de si.
Certo de que não se honra um mestre permanecendo sempre seu discípulo, Nietzsche experimenta o espectro do espírito livre, que com ousadia enfrenta e rompe com toda a tradição. Ao refletir sobre o