Às Portas de Tânger
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Sobre este e-book
Quando o pai dos Benzimra morre, deixa um testamento no qual anuncia à sua família a existência de um filho ilegítimo, fruto de uma relação com uma mulher muçulmana em Marrocos. Para receber a herança, a sua família deve fazer todos os possíveis para o encontrar. Empreendem então uma viagem até Tetuão, passando por lugares como Jerusalém, Madrid, Nova Iorque e Paris, à procura desse irmão perdido; uma viagem que os irá confrontar com as suas origens marroquinas, com o seu judaísmo, que os levará a questionarem-se sobre a sua identidade; uma experiência d qual não regressarão os mesmos. Uma obra que põe a descoberto como vive a sociedade israelita em pleno conflito entre sefarditas e ashkenazim, os laços e as tensões entre o mundo árabe e a Europa, entre a cultura do Médio Oriente e a cultura ocidental. Um mundo cheio de complexidades e refinamentos que são frequentemente distorcidos na versão apresentada pelos meios de comunicação.
Uma história sobre um mundo pouco conhecido, o dos judeus do norte de Marrocos, repleta de intrigas, pontilhada por rasgos de humor e erotismo, que leva até ao incesto, mas deixando sempre a possibilidade de regresso a casa.
Mois Benarroch
"MOIS BENARROCH es el mejor escritor sefardí mediterráneo de Israel." Haaretz, Prof. Habiba Pdaya.
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Às Portas de Tânger - Mois Benarroch
Pensa em mim mas não fiques angustiado, nem sofras, nem queiras alterar caminhos nem destinos.
Esther Bendahan, La Vaca De Nadie
Primeira parte A Viagem Para Casa
Não podes contar as milhas enquanto não as sentires.
Townes Van Zandt
-Que filho da puta! - exclamou, surpreendida por ter pronunciado tais palavras.
Caiu um silêncio pesado no escritório do advogado Ilan Oz, na rua Yehuda 7, em Jerusalém. Um silêncio semelhante ao produzido depois de um atentado terrorista. Os presentes, sentados em volta de uma mesa comprida, pareciam estar chocados. Cinco adultos a tentar compreender do que se tratava, o que é que lhes caíra em cima da cabeça.
- Do nada, enviou-nos esta bomba - prosseguiu Estella, a mãe - depois da sua morte.
- E se não o procurarmos? O que aconteceria se não o procurássemos?
- Segundo o testamento, o dinheiro ficará numa conta à qual não será possível aceder durante cinco anos. Depois desse período de tempo, poderão usufruir dele. O testamento dita que devem fazer tudo o que for possível para o encontrar.
O filho mais jovem, Israel, fez girar, uma e outra vez, o kipá preto que tinha na cabeça.
- Não percebo, quer mesmo que procuremos o seu filho...
- Esse bastardo. - disse o primogénito, Messod - O que significa tudo isto? Nunca falou disto com ninguém?
A mãe, olhando para o advogado, perguntou:
- Não podia ter morrido com o segredo guardado?
O advogado começava a ficar impaciente.
- Não tenho mais nada a acrescentar, é o que está escrito no testamento, a única coisa que vos posso explicar é a parte jurídica do problema, mais nada. E penso que as condições já estão bastante claras. Podem tentar anular o testamento, mas não me parece que seja fácil.
- Devemos fazer todos os possíveis para encontrar o filho dele - disse David.
- Quem é que deve? Todos? Ou basta apenas um de nós? Ou cinco pessoas têm que deixar em suspenso as suas vidas e procurar o filho...?
- Eu é que não vou de certeza a Marrocos para procurar o filho bastardo do meu marido; não...
- Bem - disse Silvia -, não me parece que resolvamos o problema sentados neste escritório. Devemos regressar a casa em pensar nisto tudo, e caso surjam questões entraremos em contacto consigo, senhor Oz... Muito obrigada. - e fez sinal aos restantes para que estes se apercebessem que era altura de irem embora.
- Só mais uma pergunta - disse Alberto -, uma pergunta importante: de quanto dinheiro estamos a falar?
- Tenho aqui números de contas - respondeu o advogado - e não faço ideia de quanto dinheiro há nelas. Há uma conta na Suíça.
- Não resta muito - disse a mãe - cerca de seiscentos mil dólares, um pouco menos, é isso que resta.
- Isso é tudo o que resta da grande fortuna lendária da família Benzimra, dá menos de cem mil dólares para cada um. É isso o que resta da fortuna que podia comprar príncipes, ministros e reis, e tirar qualquer judeu da prisão?
- Assim é - disse Israel - os ashkenazim enriquecem aqui e nós ficamos pobres, mais uma geração e não irá sobrar nada.
- Já começámos com isso. - disse Alberto - Já começámos...
- Bem, não é altura para isso; muito obrigada, senhor Oz, caso precisemos de alguma coisa entraremos em contacto consigo.
✺
- Onde vais, filho?
- Vou sozinho.
- Vês alguém?
- Vejo-vos a todos, mas estão muito longe.
- E quando regressas?
- Já regressei, regresso sempre.
- Onde regressas?
- Ao mar.
- Agrada-te?
- As ondas não deixam rasto.
- Está sempre uma rocha à espera.
- Eu sou a rocha.
Madrid
FORTU/MESSOD
Espero sempre que aconteça alguma coisa, espero sempre alguma coisa. E, quando acontece alguma coisa, espero sempre mais alguma coisa. Passei trinta anos longe de Tetuão, sem lá ir. Estava sempre lá, um lá eterno, um lá que não se acaba, uma palavra do passado, uma palavra do esquecimento, uma palavra da memória. Fugi desta viagem durante trinta anos. O Alberto contou-me que esteve lá, disse que foi estupendo, que cada minuto foi uma maravilha. Mas outros, muitos outros, falaram do lixo e do quão sujo estava tudo, que toda a cidade é uma imundice e que está repleta de mouros, como se nunca lá tivessem vivido mouros. E talvez não, talvez não tivessem sido parte da nossa vida, apesar de terem vivido connosco, ao nosso lado, sempre foram círculos tangentes que não penetravam as nossas vidas, eram universos paralelos, que supriam as nossas necessidades, a Fátima que fazia as tarefas domésticas e comprava laranjas ou peixe. E nós éramos o mesmo para eles, os que impulsionam a economia, os que dão trabalho. Anseiam por nós, perguntam porque é que nos fomos embora, se nos sentíamos mal, e penso que não. Nem todos nós nos sentíamos mal, mas alguns sim, como a mãe e a avó; as mulheres sentiam-se desconfortáveis na cidade, falavam de Israel como algo obrigatório, sempre as mulheres, foram as mulheres que decidiram ir para Israel, os homens, como eu, preferimos algo mais conhecido, Madrid, Paris. Quem teve razão? Não sei, mas quando cheguei a Israel numa visita, em 1977, senti que era demasiado tarde para mim, demasiado tarde para mudar de vida e deixar Madrid, deixar o cheiro das lulas, as conversas ao redor das tapas, era demasiado tarde, disse ao meu pai, disse à minha mãe, ele percebeu, ela não. Queria-me ao pé dela, ele preferia estar noutro sítio, em Palma de Maiorca, para onde o meu primo queria que fosse a dirigir ou a comprar um hotel, ou no Canadá.
- Isso não é para nós - disse-me vezes sem conta.
- Percebo-te, talvez seja para a próxima geração.
- Os netos, sim, talvez seja para eles, mas olho para os teus irmãos, inclusive a tua irmã, e nenhum deles se sente realmente em casa, nenhum se sente realmente bem, nem sequer o teu irmão Isaque, que nunca foi muito tradicional, está melhor em Nova Iorque.
- Não penso que estaríamos melhor em Nova Iorque, penso que estaríamos melhor em Madrid, ou em Paris, ou em Jerusalém, mas Nova Iorque não está demasiado longe? Talvez não, o sítio mais longínquo para alguém nascido em Marrocos é Jerusalém, dá para acreditar?
- E disse isto em voz alta, sentado ao lado da minha querida irmã Sílvia.
- O quê? - disse - em que é que da para acreditar?
- Não sei, não consigo parar de pensar, não consigo parar de pensar o que significa esta viagem, qual o seu sentido, e o que é que procuramos, um irmão, u irmão do qual não abemos nada, às tantas procuramos um irmão morto, talvez já tenha morrido, as pessoas morrem jovens como tu já sabes. Trinta anos são muitos anos. E, em Marrocos, com todas as drogas, sabe-se lá quantos matam.
- Eu também não paro de pensar.
Pedi um uísque à hospedeira, uma garrafa inteira, copos e gelo. Convidei todos a juntarem-se. Apesar de o J&B não ser o meu uísque favorito, todos nós gostamos de uísque, e era uma ótima desculpa para acalmar os nervos.
1974. A família dispersou-se: uns dirigiram-se para Jerusalém e eu fiquei em Madrid a concluir o curso de Medicina. Depois o sonho foi-se esfumando, a distância entre nós foi aumentando, a linguagem começou a mudar, a sua linguagem, a minha, a linguagem dos meus irmãos. Falavam de coisas que não entendia, que não podia entender, que não queria entender, discriminação, racismo, opressão, mas a minha mão não queria sequer ouvir falar de emigrar para outro país, para um sítio fora de Jerusalém, propus muitas vezes que viessem para Madrid.
- Ides adaptar-vos bem aqui, o dinheiro não é problema.
Mas passou um ano e mais outro, uma desculpa e depois outra, os irmãos mais pequenos teriam mais problemas em adaptar-se a Madrid do que se tivessem chegado diretamente de Tetuão.
- Temo amigos novos - dizia a minha mãe - e falam hebreu, é isso que importa, o importante é que falemos hebreu.
Talvez tenha razão nisso, mas não tinham muitos amigos, isso sei-o, sempre o soube. Muitos dos amigos estão aqui em Madrid... não sei porque é que continuo a pensar em tudo isto. Talvez para fugir de mim mesmo, da situação em que estou, da morte do meu pai, do testamento bizarro que nos deixou, corro nos meus pensamentos e volto sempre a estre irmão desconhecido, o meu meio irmão. Que lhe direi eu quando o encontrar? O quê? Talvez nada, simplesmente. Sou eu quem deve falar, o filho mais velho, sou eu quem deve começar.
- Aqui estás tu, Yosef, filho do meu pai, não sabia que o meu pai tinha outro filho, mas se ele se lembrou de ti e te colocou neste testamento, aqui, assina e irás receber cem mil dólares, talvez um pouco mais, é apenas isso, somos irmãos, muito obrigado, estamos felicíssimos por te ter encontrado mas nuca mais nos iremos ver. Irás receber um cheque do nosso advogado, dentro de um ou dois meses, quando resolvamos todas as questões jurídicas, é tudo...
Talvez aconteça isto, e talvez.... O quê? Irei chorar, dir-lhe-ei que é substituto de Israel, que nasceu no meio da guerra dos seis dias e morreu na guerra do Líbano. Foi o único israelita da família, amou a terra e a sua língua, o único, e morreu no Líbano, e agora tu, tu, Yosef, tu, Yosef, és meu irmão, percebes, és meu irmão, e já está.
É assim que tudo irá acontecer, ou talvez não, talvez descubramos a sua morada e lhe enviemos uma carta, as cartas são mais simples, é mais fácil, quem sou, tenho quarenta anos, para que preciso de um irmão agora, já tenho um filho, para que preciso de um irmão?
- É isso que todos nos perguntamos - disse Sílvia.
- E quê, e se procurássemos a sua morada e lhe enviássemos uma carta, se estiver de acordo irá enviar-nos uma carta do seu advogado, se não, fizemos o que nos pediu no testamento, certo?
- Não te passou pela cabeça que o Pai queria que o encontrássemos, que o víssemos. Não te lembraste disso?
- Não sei o que é que ele queria. O Pai está morto e não lhe podemos perguntar nada. O talvez tenhas falado com ele e te tenha dito algo sobre tudo isto, era mais próximo de ti que de todos nós, e de Ruth, não de mim, não tanto de mim. Falou disto contigo?
- Não. Nunca. Nunca de uma forma precisa, mas há algumas frases que me disse que talvez estejam relacionadas com tudo isto, ou têm agora um novo significado, talvez, talvez esteja a imaginar. Há um ano atrás disse-me que iria morrer antes da Mãe, pra cuidarmos dela, e insistiu que não falava de dinheiro, às vezes dizia-me que deixara muito mais que dinheiro em Marrocos. Tinha frases estranhas que agora talvez tenham um significado diferente.
Chega a comida, a Sílvia pergunta se a comida é paga à parte e a hospedeira diz que neste voo todas as rações são pagas à parte. Há que fazer durante o voo. A comida nos aviões é mais uma ocupação que uma alimentação. Preenchem as longas horas sentados e sem nada para fazer. Mas os pensamentos não me largam enquanto tento abrir com todas as minhas forças a embalagem com a comida sem deixar que nada caia na minha roupa ou na da minha irmã, ainda resta algum uísque, mas falta tempero à comida, não são como os almoços na Air France para Nova Iorque, aqui chega-nos da partir de Nova Cork. Isaque, o nosso homeopata, irá certamente começar a discutir comigo novamente acerca de como enveneno os meus pacientes, mas a verdade é que