Responsabilidade civil do médico
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Sobre este e-book
Ei, doutor, você sabe quais suas reponsabilidades civis? Toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade.
Isso causa sérias distorções e traumas ao segmento da Saúde, prejudicando, em último plano, o paciente, que somos todos nós, seres humanos, sujeitos instabilidade das coisas que conscientemente ou não causamos ao nosso organismo, em detrimento de nossa saúde.
Encontra-se em voga o banalmente chamado erro médico, esse livro traz o conceito de responsabilidade civil na Saúde, trazendo pontos de suma importância que vinham sendo ignorados pelos operadores do Direito. Por falta de conhecimento específico e novo, eles abriam mão, nos julgados, de fomentar as decisões de forma mais proveitosa.
Pontos de suma importância tratados nesse livro:
•Diferença entre responsabilidade civil e responsabilidade penal
•O Código de Defesa do Consumidor na responsabilidade civil médica
•Latrogenia
•Responsabilidade civil pela ortotanásia
•O perito judicial na ação de indenização
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Responsabilidade civil do médico - Alexandre Martins dos Santos
São Paulo
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Rio de Janeiro
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Coordenação editorial
Bruno Garcia
Revisão
Bárbara Cotta, Bruno Aires e Pablo Lima
Capa e diagramação
Danielle V. Cardoso
Conversão para ePub
Cumbuca Studio
Santos, Alexandre Martins dos.
Responsabilidade civil do médico / Alexandre Martins dos Santos - Rio de Janeiro: Editora DOC, 2011. 1ª edição.
ISBN 978-85-62608-33-9
1. Responsabilidade civil do médico. I. Santos, Alexandre Martins dos.
CDD-341.46
Reservados todos os direitos. É proibida a reprodução ou duplicação deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação ou fotocópia), sem permissão expressa do organizador. Direitos reservados ao organizador.
Sumário
Capítulo 1
Introdução
Capítulo 2
Responsabilidade civil
Capítulo 3
Diferença entre responsabilidade civil e responsabilidade penal
Capítulo 4
O Código de Defesa do Consumidor na responsabilidade civil médica
Capítulo 5
Iatrogenia
Capítulo 6
Responsabilidade civil pela ortotanásia
Capítulo 7
O perito judicial na ação de indenização
Capítulo 8
Prontuário médico
Capítulo 9
O exercício da Medicina
Capítulo 10
O paciente criança ou adolescente
Capítulo 11
O paciente idoso
Capítulo 12
Casos julgados nos conselhos de ética
Capítulo 13
Casos julgados nos tribunais de justiça
Anexo I
Código de Ética Médica
Anexo II
Código de Processo Ético-Profissional do Médico
Anexo III
Estatuto da Criança e do Adolescente
Anexo IV
Estatuto do Idoso
Anexo V
Código de Defesa do Consumidor
Bibliografia
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
Encontra-se em voga o banalmente chamado erro médico . Porém, infelizmente, temos vislumbrado que esse boom oportunista – um modismo latino de anglicizar – vem desamparado de um embasamento técnico, seja do prisma legal ou da bioética. Isso causa sérias distorções e traumas ao segmento da Saúde, prejudicando, em último plano, o paciente, que somos todos nós, seres humanos, sujeitos às vicissitudes que conscientemente ou não causamos ao nosso organismo, em detrimento de nossa saúde. Essa atecnia é facilmente explicada, afinal, encontramos poucas literaturas jurídicas que tratam de temas como a teoria da eleição procedimental, a iatrogenia, a simetria humana, a bioética, o biodireito e tantas outras rubricas atinentes ao assunto e que nos têm sido apresentadas nesse iniciar de novo milênio.
Ao realizar esta obra, tive como foco a instrução dos atores desse importante setor sobre temas que envolvem seu cotidiano, criando, assim, uma ferramenta para auxiliar nesta nova realidade onde os profissionais da Saúde estão sendo inseridos.
Acredito que é possível trazer a lume pontos de suma importância que vinham sendo ignorados pelos operadores do Direito. Por falta de conhecimento específico e novo, eles abriam mão, nos julgados, de fomentar as decisões de forma mais proveitosa, na tentativa de trazer o direito junto à maior proximidade da justiça. Por vezes, os operadores do Direito chegavam a afastar excelentes profissionais do seu exercício sacerdotal da Medicina, por ficarem temerosos com processos milionários onde o paciente alega simplesmente que não ficou satisfeito com o resultado obtido na intervenção cirúrgica. Tudo isso em nome de posições doutrinárias de outros continentes e de outras épocas, como é o caso da velha discussão de obrigação de meio e de resultado, fomentada na França de 1935, por René Demogue, e, hoje, já repensada por lá, enquanto ainda é utilizada por aqui.
Convidamos, portanto, os senhores leitores, da área médica ou jurídica, a repensarem o que vem sendo praticado em nossos tribunais.
CAPÍTULO 2
RESPONSABILIDADE CIVIL
1. CONCEITO
Toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade
. Com esta frase, José de Aguiar Dias¹ nos dá a perfeita dimensão do que seja a responsabilidade civil. Realmente, toda conduta humana, seja uma ação ou uma omissão, gera para seu agente uma responsabilidade pelo ato praticado.
Assim, quando tal ato gera um dano para alguém, caracterizado por um prejuízo material, ou seja, economicamente apreciado, ou mesmo um dano no campo subjetivo da moral, como, por exemplo, da honra, o autor da conduta omissiva ou comissiva terá responsabilidade de ordem civil sobre tal fato.
A responsabilidade civil obriga aquele que pratica um ato ilícito a reparar o dano causado. Logo, o ato ilícito, juntamente com a lei, com o contrato e com a declaração unilateral de vontade, é uma fonte de obrigação.
Tanto é assim que o Dicionário Jurídico² define como responsabilidade civil a obrigação imposta a uma pessoa de ressarcir os danos sofridos por alguém. Pode ser contratual ou extracontratual, pode ser derivada de culpa ou objetiva.
O saudoso Caio Mário³ afirma que o causador da ofensa ou violação do direito alheio responde com seus bens pela reparação do dano, na forma da lei. Desta narrativa, conclui-se que a responsabilidade civil é a obrigação que surge em desfavor do agente, que praticou um ato do qual teve como consequência um prejuízo a um terceiro.
Será através da responsabilidade civil que este terceiro (ou seja, a vítima) poderá exigir do agente causador do dano uma reparação ao prejuízo sofrido.
2. ORIGEM HISTÓRICA
A importância do estudo da origem da responsabilidade civil é condição indispensável para que possamos compreender a relevância dada pela sociedade a esse instituto jurídico, cada vez mais usado. Assim, será possível detectar o motivo pelo qual a responsabilidade civil, que remonta a um período antes da era cristã, ainda hoje, é um tema atual.
Nossa viagem no tempo nos levará à primeira legislação escrita que a História conta, o chamado Código de Hamurabi⁴, que possuía em seu corpo a Lei de Talião. Esse código inspirou Moisés, autor dos cinco primeiros livros da Bíblia, tanto que até hoje associamos a Lei de Talião ao olho por olho, dente por dente
, narrada por Moisés no Livro de Levítico (24:20), como segue:
"Quebradura por quebradura, olho por olho, dente por dente: como ele
tiver desfigurado a algum homem, assim fazer-se-lhe-á".
A Lei de Talião era o princípio da vingança e da proporcionalidade entre a ofensa praticada e a pena a ser sofrida por quem a praticara. Eis alguns de seus artigos:
LEI DE TALIÃO
Artigo 8º – Se alguém rouba um boi, uma ovelha, um asno, um porco ou um barco, se a coisa pertence a Deus ou à Corte, ele deverá dar 30 vezes tanto; se pertence a um liberto, deverá dar dez vezes tanto; se o ladrão não tem nada para dar, deverá ser morto.
Artigo 117 – Se alguém tem um débito vencido e vende por dinheiro a mulher, o filho e a filha, ou lhe concedem descontar com trabalho o débito, aqueles deverão trabalhar três anos na casa do comprador ou do senhor. No quarto ano, este deverá libertá-los.
Artigo 195 – Se um filho espanca seu pai, dever-se-lhe-ão decepar as mãos.
Artigo 196 – Se alguém arranca o olho a um outro, dever-se-lhe-á arrancar o olho.
Artigo 200 – Se alguém parte os dentes de um outro, de igual condição, deverá ter partidos seus dentes.
Artigo 209 – Se alguém bate em uma mulher livre e a faz abortar, deverá pagar dez siclos pelo feto.
Artigo 210 – Se essa mulher morre, dever-se-á matar o filho dele.
Artigo 250 – Se um boi, indo pela estrada, investe contra alguém e o mata, não há motivo para indenização.
Artigo 251 – Se o boi de alguém dá chifradas e se tem denunciado seu vício de dar chifradas e, não obstante, não cortaram os chifres e prenderam o boi, e o animal investe contra um homem e o mata, seu dono deverá pagar uma meia mina.
Artigo 252 – Se ele mata um escravo de alguém, dever-se-á pagar um terço de mina.
Ocorre que no final do século III a.C., através da Lex Aquilia, o povo, mediante plebiscito, aprova uma modificação no princípio da Lei de Talião, onde a vítima ou seu familiar poderia optar entre causar ao agressor o mesmo mal que ele havia causado ou exigir uma indenização pecuniária. Dessa forma, surgia na história da humanidade a responsabilidade civil, onde não seria mais o corpo físico do agente que pagaria a indenização, mas sim seu patrimônio.
Observamos, então, que as indenizações possuem um duplo caráter. O primeiro é chamado de punitivo, que tem como escopo punir o autor do dano para que ele venha a sofrer, agora financeiramente, um dano proporcionalmente igual ao que acarretou. O outro caráter é o pedagógico, que visa a inibir que outros repitam a mesma conduta do agente ao observarem a severa punição a que o mesmo foi submetido.
A pena por responsabilidade na esfera civil, hoje, vem na forma de perda patrimonial para o agente em favor da vítima ou, no caso de morte da vítima, de seus familiares.
3. A RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade civil foi incorporada em nosso meio pelo artigo 159, do Código Civil de 1916, onde se previa a indenização pelo dano que o agente causasse a terceiros. A Constituição Federal de 1988, promulgada após um longo período de escassos direitos civis, resgatou e ampliou muitos direitos em favor do cidadão, sendo, por tal motivo, rotulada como Constituição Cidadã.
Ao lado de tantas inovações, houve espaço para a responsabilidade civil também ser beneficiada com a nova carta constitucional.Assim, os incisos V e X, do artigo 5º, passaram a prever a possibilidade de indenização por dano moral nas ações de responsabilidade civil. Dessa forma, não apenas o prejuízo material seria ressarcido com a responsabilidade civil, mas também todo constrangimento ou abalo provocado no âmbito moral é capaz de gerar uma indenização.
Em 2002, foi aprovada a lei 10.406, que veio a substituir o então Código Civil de 1916. O novo código deixou claro, em seu artigo 186, que o ato ilícito seria não só o abalo econômico, mas, ainda, o abalo emocional, mesmo que independente um do outro.
O dano moral ainda está longe de ser o centro de grandes embates jurídicos, apesar de já admitido seu cabimento, inclusive para pessoa jurídica. A atual celeuma se prende na difícil missão de sua fixação e, vale dizer, não é tarefa fácil quantificar uma indenização por dano moral. Alguns critérios são tomados como base, como a necessidade do ofendido, a capacidade do ofensor, a gravidade do dano moral, a dificuldade de sua reversão, a amplitude e a temporalidade da repercussão do dano, a culpa do agente, bem como a necessidade histórica e natural da humanidade de vingar o injusto sofrido.
Negar o caráter vingativo do dano moral é negar os últimos 4 mil anos de história da humanidade, uma vez que a punição deixou de ser corpórea e passou a ser pecuniária. Apenas o local onde o homem sente a dor do castigo é que mudou: deixou de ser em seu lombo
e passou a ser em seu bolso.
3.1 – A responsabilidade civil como fonte de obrigação
Em um primeiro momento, é preciso trazer a lume a justificativa lógico-jurídica para que da responsabilidade civil nasça o dever de indenizar. A lei máxima do nosso país, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso II, traz a determinação legal de que a pessoa somente será obrigada a fazer ou se abster de fazer algo quando houver uma determinação legal para que se faça ou para que abstenha de fazer determinada conduta.
Constituição Federal
Artigo 5º:
II – Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Entendo ser didática a apresentação de um singelo, porém, clássico exemplo para melhor fixar a norma constitucional acima transcrita.Vamos à seguinte interrogativa: um cidadão maior de idade, em pleno gozo de seus direito civis, é obrigado a votar? Para saber se existe tal obrigação, deve-se pedir auxílio à legislação apropriada, que é a lei 4.737/65, promulgada pelo então presidente do Brasil, Humberto Castelo Branco, que assim determina em seu artigo 6º:
Lei 4.737/65
Artigo 6º – O alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros de um e outro sexo.
Podemos concluir, assim, que o alistamento eleitoral é obrigatório, bem como o voto. Logo, todos são obrigados a votar, uma vez que existe uma lei que assim obriga. Da mesma forma, para que haja um dever de indenizar, baseado na responsabilidade civil, é necessário que haja uma lei neste sentido. Em verdade, a obrigação possui doutrinariamente quatro fontes, que são a lei, a Declaração Unilateral de Vontade (DUV), o contrato e o ato ilícito.
Podemos ver que, por imposição de algum dos quatro itens acima, surge uma obrigação a ser cumprida por alguém. No caso deste estudo, a responsabilidade civil, ou seja, a responsabilização de alguém na esfera civil, ocorrerá toda vez que um ato ilícito for praticado, cuja definição veremos mais adiante.
É oportuno apresentar um julgado de março de 2010, ocorrido na 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, onde o desembargador Maldonado de Carvalho apresentou o voto que foi acolhido por unanimidade nos autos de apelação, 0315485-81.2008.8.19.001, conforme transcrito in verbis:
APELAÇÃO – PRIMEIRA EMENTA
Desembargador Maldonado de Carvalho
Julgamento: 16 de março de 2010 – 1ª Câmara Cível
Direito civil. Cobrança. Acordo verbal entre advogados. Percentual ajustado em razão de indicação, pelo autor, dos serviços profissionais prestados a diversos clientes do réu. Dano moral e assédio moral. Prova testemunhal e documental. Inexistência de relação jurídica entre as partes. Ausência de prova quanto ao exercício de atividade jurídica por parte do autor, que realizava, apenas, acompanhamento de processos, através da retirada de boletos. Pedido contraposto. Indenização por danos morais. Ingratidão do autor para com o réu que o sustentou juntamente com colegas após período de permanência em hospital. Inexistência de dever de indenizar.
O réu por pura liberalidade e, até mesmo, por mera caridade, aquiesceu com a presença do autor em seu escritório. Se o autor indicava clientes ao réu desinteressadamente, tal conduta não poderia ser caracterizada como fonte de obrigação. Se o fazia mediante comissão, pois é esta a natureza do valor supostamente ajustado entre as partes, incorria em infração disciplinar prevista no inciso IV da lei 8.906/94, pois ostentava a condição de advogado, não podendo angariar ou captar causas. O fato de uma determinada pessoa outorgar procuração judicial a outrem não significa, necessariamente, que o contrato foi realizado com esse outro profissional, isso porque são distintos o ato de contratação do profissional liberal e a outorga de procuração ad judicia. É o contrato que consubstancia a relação jurídica de direito material estabelecida entre as partes. É pelo contrato que os pactuantes adquirem direitos e contraem deveres⁵. A procuração constitui mero ato processual. O rompimento de uma amizade, assim como de uma relação amorosa, por incompatibilidade ou por pequenas diferenças, não dá ensejo ao pagamento de indenização por danos morais, uma vez que constitui fato corriqueiro da vida, e, desacompanhado de circunstâncias especiais, não acarreta dano moral indenizável. Provimento do primeiro recurso. Improvimento do segundo.
Dentre as fontes apresentadas acima, o presente estudo tem interesse no ato ilícito, que é o fato gerador do dever de indenizar. O ato ilícito praticado poderá acarretar obrigações das mais diferentes ordens. Imagine que um policial, em serviço, por total descuido com seu equipamento de trabalho, alveje uma pessoa com o disparo de sua arma de fogo, provocando a morte do indivíduo. O policial cometeu um ato ilícito, o qual lhe trará consequências (leia-se obrigações) em diversas áreas: no campo administrativo (responsabilidade administrativa), que poderá acarretar seu desligamento do serviço público; no campo penal (responsabilidade penal), que poderá ter como resultante a pena privativa de liberdade; e, finalmente, teremos no campo civil (responsabilidade civil), em decorrência de sua conduta, a obrigação de indenizar os dependentes da vítima.
Assim, o ato ilícito, como fonte de obrigação, gera para o seu agente causador o dever de reparar civilmente o dano causado, independente da responsabilidade em outras áreas (penal, administrativa, fiscal, política etc.). O ato ilícito é definido pelo artigo 186, do Código Civil, como aquela ação ou omissão que o agente pratica por um ato volitivo seu, violando um direito alheio e causando dano de ordem material ou moral, conforme transcrito abaixo:
Código Civil
Artigo 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Assim, uma vez identificada a prática de um ato ilícito, que é fonte de obrigação, surgirá para o autor do fato uma obrigação, que vem narrada no artigo 927 do Código Civil, a de reparar o dano, o que será estudado com maior vagar nos capítulos seguintes.
Código Civil
Artigo 927 – Aquele que por ato ilícito (artigos 186 e 187) causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo.
3.2 – Indenizações
O Código Civil de 2002 tratou de destinar um capítulo exclusivamente para tratar das indenizações, demonstrando assim o relevo que o tema passa a apresentar para a nossa sociedade contemporânea. Portanto, o capítulo II do título IX, nos artigos 944 a 954 do Código Civil, preceitua e regulamenta a indenização por responsabilidade civil em nosso ordenamento jurídico. Este capítulo se prenderá aos artigos 944 ao 951, que se referem ao objeto desse estudo, conforme transcrito abaixo:
Código Civil
Artigo 944 – A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.
O legislador deixou claro que a indenização deve ser proporcional ao tamanho do dano, assim, a indenização deverá guardar como paradigma o dano sofrido. A vítima deverá demonstrar claramente nos autos todo o dano material sofrido, sob pena de não receber aquilo que efetivamente não prova ter sofrido, necessitando assim juntar todos os recibos ou os orçamentos realizados por conta do dano que se busca indenização. É oportuno destacar que mais adiante serão apresentadas exceções a esta regra, previstas nos artigos 953 e 954 do Código Civil.
Com efeito, a indenização do dano moral esbarra aqui em um grande obstáculo para que a vítima possa receber uma justa indenização, uma vez que seu valor não será aquilatado tendo como base um documento fiscal, um recibo ou um orçamento, mas, sim, apenas o sentimento do julgador. Buscando o bom senso, o julgador acaba, na extrema maioria das vezes, por fixar um valor ínfimo de indenização por dano moral, sob o rótulo de se evitar o enriquecimento sem causa. Não posso aqui deixar de criticar severamente tal posição, já que, se não existisse causa, deveria a ação ser julgada improcedente. Porém, uma vez que o autor da ação de indenização tem sua pretensão reconhecida pelo Estado-Juiz, não há que se falar em falta de causa para enriquecimento. Se as ações de indenização por dano moral fossem abrilhantadas com condenações razoáveis, com certeza teríamos um melhor serviço prestado, como, por exemplo, pelas operadoras de telefonia móvel, que tanto maltratam os consumidores. Nos poucos casos em que essas empresas são levadas às barras dos tribunais, ainda recebem levíssimas condenações, diante de uma projeção matemática, onde são estudadas as probabilidades de uma demanda pelo consumidor e o custo de prestar um bom serviço. Assim, muitas empresas podem se sentir atraídas a simplesmente pagar pequenas quantias em raras ações de indenização que se arrastam por anos, mesmo em sede de juizados especiais.
Também merece destaque o parágrafo único do artigo 944 do Código Civil, que permite ao julgador reduzir o quantum indenizatório, caso verifique que a culpa do agente foi mínima e, por outro lado, o dano gerado, grande. Não podemos, no entanto, confundir com a culpa da vítima, que também é causa de redução ou exclusão do dever de indenizar, e vem determinada no artigo 945, exposto a seguir.
Código Civil
Artigo 945 – Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.
Toda vez que a vítima concorrer com o dano, ou seja, se a vítima praticou uma conduta antecedente, omissiva ou comissiva, adequada por gerar o resultado danoso no todo ou em parte, tal conduta deverá ser considerada quando a indenização for fixada. Na hipótese de a conduta da vítima ter sido a única a causar o dano, estaremos então diante de uma excludente de responsabilidade civil, qual seja, a culpa exclusiva da vítima.
Código Civil
Artigo 948 – No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:
I – No pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;
II – Na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.
O artigo acima nos remete ao chamado dano reflexo ou dano ricochete, que é aquele onde a conduta (ação ou omissão) é dirigida a uma pessoa (vítima direta), porém tal conduta gerará um dano também a outra pessoa (vítima indireta). Temos como clássico exemplo o do pai de família que sai para trabalhar, sofre um atropelamento e morre. A vítima do caso é sem dúvida o pai de família que faleceu, contudo, os seus dependentes econômicos (filhos e esposa) também sofreram um dano, seja de ordem material, posto que perderam o seu provedor, seja de ordem moral, posto que prematuramente perderam um ente querido. Neste exemplo, os filhos e a viúva são vítimas por reflexo ao dano sofrido ao pai de família, e terão direito a todas as indenizações elencadas no artigo 948, além de outras, como dano moral, por exemplo.
Para que haja deferimento da indenização por dano reflexo, se faz necessário que dois pressupostos sejam presentes no caso. O primeiro é que tenha ocorrido a morte, uma vez que o artigo fala em homicídio. Se a vítima direta não tiver morrido, não se pode falar em dano reflexo, já que deverá a própria vítima pleitear sua indenização junto ao Poder Judiciário, mesmo que ela esteja em coma. Nesse caso, tal ação poderá ser proposta por um procurador. Porém, o titular do direito, ou seja, o autor da demanda será a vítima direta. O segundo pressuposto é que haja dependência econômica entre a vítima direta e a reflexa. Em alguns casos, o judiciário já se posicionou permitindo indenização diante de uma dependência econômica futura e incerta, como é o caso de lucro cessante pela morte de filho menor, que eventualmente viria a trabalhar quando alcançasse a maior idade e ajudasse na renda familiar.
Código Civil
Artigo 949 – No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.
Na hipótese do artigo acima, não podemos falar em dano reflexo, pois não ocorreu a morte. A vítima tem o direito de ser indenizada em todas as despesas do tratamento. Isso inclui o custo de cirurgias, próteses, medicamentos e terapias, eventuais viagens e hospedagens, para ela e um acompanhante, se for o caso. Deverá a vítima ser indenizada também pelo lucro cessante, ou seja, aquilo que deixou de ganhar devido à lesão sofrida,