AGUAS DA PRIMAVERA - Turguêniev
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AGUAS DA PRIMAVERA - Turguêniev - Ivan Turgueniev
Ivan Turgueniev
ÁGUAS DA PRIMAVERA
1a edição
img1.jpgIsbn: 9786587921037
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Prefácio
Prezado Leitor
Ivan Sergeievich Turguêniev (1818 - 1883, Paris, França) foi um dos mais importantes romancistas e dramaturgos russos.
Nascido em uma família de proprietários rurais abastados, Turguêniev foi vítima de frequentes maus-tratos por parte da mãe, uma mulher enérgica e despótica. Em 1827 a família mudou-se para Moscou, onde Ivan estudou e, aos dezenove anos de idade, publicou uma primeira coletânea de poemas.
O tom de Águas da primavera se equilibra perfeitamente entre o remorso pelas paixões perdidas da Juventude e a consciência irônica de sua qualidade grandemente ilusória. Temendo a proximidade da velhice e o fim de sua vida inconsequente, Dimitri Sanin encontra uma minúscula cruz granada
guardada numa gaveta de sua escrivaninha. Suas lembranças íntimas retornam numa série de quadros vivos de duas paixões avassaladoras.
Turguenieff não deve ser visto somente como um grande romancista, mas o poeta que ele foi; poeta que muitas vezes se trai e se perde no divino sem sentido das ações e dos gestos. Na sua imparcialidade diante do real, no seu estilo de pequenos toques de onde ressuscitam mundos de pensamentos e emoções, Turguenieff merece ser apontado como exemplo do escritor perfeito. Ao lê-lo, sentimos o pulsar da própria vida.
Uma excelente leitura
LeBooks Editora
Sumário
APRESENTAÇÃO
Sobre o autor
Sobre a obra
ÁGUAS DA PRIMAVERA
I
II
III
IV
V
VI
VII
VIII
IX
X
XI
XII
XIII
XIV
XV
XVI
XVII
XVIII
XIX
XX
XXI
XXII
XXIII
XXIV
XXV
XXVI
XXVII
XXVIII
XXI
XXX
XXXI
XXXII
XXXIII
XXXIV
XXXV
XXXVI
XXXVII
XXXVIII
XXXIX
XL
XLI
XLII
XLIII
APRESENTAÇÃO
Sobre o autor
IVÃ SERGUIEVITCH TURGUENIEFF
img2.jpgIvan Serguêievitch Turguêniev nasceu em Orei, na Rússia, em 1818. De família abastada, proprietária de terras na Rússia central, cresceu sob a tutela tirânica de sua mãe, mulher rica e prepotente, o oposto da natureza meiga e sonhadora de Ivan, que se revoltaria em breve contra o tratamento imposto aos servos e contra as condições de vida dos camponeses.
Ivan Turguêniev costuma ser colocado ao lado de Fiódor Dostoiévski e Leon Tolstói como um dos três maiores romancistas russos, embora suas relações pessoais com os outros dois fossem complicadas e, durante 17 anos, ele e Tolstói se recusassem a trocar palavras. Jovem tímido, foi para a universidade em Moscou, São Petersburgo e, depois, Berlim. Voltou para a Rússia em 1841 para se tornar, por insistência da mãe, funcionário público.
Começou a criar reputação com uma coletânea de histórias, Zapiski Okhotnika (Esquetes de um esportista
), publicada em 1852. Baseavam-se em suas experiências ao caçar na propriedade da mãe em Spasskoye, onde ele observou os abusos sofridos pelos camponeses e as injustiças da sociedade russa. A necessidade de melhorar suas condições de vida era sua principal preocupação e anunciava uma nova era. Supostamente, o livro teria influenciado a decisão de Alexandre II de emancipar os servos, embora na época as opiniões liberais do autor o tornassem suspeito aos olhos do regime e lhe rendessem 18 meses de prisão domiciliar.
Turguêniev foi em frente e escreveu uma sucessão de romances, contos e peças que mereceram aplausos dos círculos literários da Rússia. Costumavam refletir sua própria frustração com o amor, pois teve um longo relacionamento com uma cantora de ópera francesa casada, Pauline García-Viardot, por quem era apaixonado. Suas obras mais famosas são a peça Um mês no campo e o romance Pais e filhos, que lhe trouxe fama internacional. Reações adversas a Pais e filhos na Rússia fizeram com que o escritor deixasse sua terra natal e se mudasse para a Alemanha, depois Londres e finalmente Paris.
De volta à liberdade e à vida itinerante, Turguêniev atravessaria então o melhor período de sua carreira literária. Escreveu poemas (Conversa
e O escudeiro
) e dramas (Negligência
, Pobreza
), passando por uma respeitável produção teatral, onde se destacou o clássico Um mês no campo
, de 1850, além de uma longa lista de contos e romances. Turguêniev morreu na França, após ter acabado de ditar, para Pauline Viardot, seu último conto: Um fim
.
Sobre a obra
ÁGUAS DA PRIMAVERA
Dias alegres Dias felizes — Correm eles Como águas da primavera
(Da velha romanza)
O tom de Águas da primavera se equilibra perfeitamente o remorso pelas paixões perdidas da Juventude e a consciência irônica de sua qualidade grandemente ilusória.
Temendo a proximidade da velhice e o fim de sua vida inconsequente, Dimitri Sanin encontra uma minúscula cruz granada
guardada numa gaveta de sua escrivaninha. A descoberta evoca a extraordinária e vergonhosa história de seu duplo caso amoroso 30 anos antes, quando passou por Frankfurt, voltando de seu giro pela Europa.
Suas lembranças íntimas retornam numa série de quadros vivos. Primeiro ele recorda da paixão por Gemma, filha de um pasteleiro italiano, que tem um irmão dedicado, uma mãe viúva protetora, um criado de família operisticamente leal, Pantaleone, e um noivo alemão insosso. Sanin trava um duelo ridículo com um oficial que falou mal de Gemma, substitui o noivo insosso e consegue apaziguar as dúvidas da mãe. Tudo parece preparado para um final feliz. Mas eis que, tentando vender sua propriedade para levantar dinheiro para o casamento, Sanin cai na companhia de russos decadentes: um velho colega de escola, Polozov, e sua mulher charmosa e dominadora, Maria Nikolaevna. Logo Maria, cavalgando um pouco à frente, conduz Sanin floresta adentro: Ela avançou imperiosa, e ele seguiu, obedientemente submisso, destituído de qualquer centelha de vontade e com o coração na mão.
Sanin é um homem comum, e seu romance, com sua virgem ingênua e a mulher fatal experiente, reencena uma história que soa familiar. O tratamento teatral de Turguêniev deixa claro o aspecto previsível e quase absurdo do romance. Mas sua observação precisa, lúcida e simpática nos conscientiza de que para o jovem Sanin Isso é Intoleravelmente real, e em comparação nada em sua vida posterior terá importância.
ÁGUAS DA PRIMAVERA
Era quase uma hora da manhã, quando ele regressou ao seu gabinete de trabalho. Dispensou o criado que tinha acendido as velas e, atirando-se a uma poltrona, ao lado da lareira, escondeu o rosto, nas mãos.
Nunca experimentara tamanha lassidão física e moral. Passara a noite com senhoras amáveis e cavalheiros cultos. Muitas dessas senhoras eram lindas; a maioria dos cavalheiros se distinguia pelo talento e pela finura do espírito; ele mesmo chegou a conversar com desenvoltura e até com brilho... e, apesar de tudo, nunca se sentira tão irresistivelmente dominado, oprimido por esse "taedium vitae", esta aversão pela vida de que já falavam os antigos romanos.
Se fosse mais moço, teria chorado de irritação, de tristeza, de aborrecimento. Uma amargura corrosiva, como a que produz o absinto, enchia toda a alma; um não sei quê de importuno, de odioso, de pesado, envolvia-o por todos os lados, como uma noite sombria de outono; e não sabia desembaraçar-se dessa obscuridade, desse amargor. Recorrer ao sono seria inútil; sentia que não poderia dormir.
Foi mergulhando em longas e lentas reflexões, descosidas e tristes. Pensou na vaidade, na inutilidade, no vulgar mentira das coisas humanas. Todas as épocas da vida — acabava de completar cinquenta e dois anos — se lhe desenrolavam uma após outra, na objetiva da sua imaginação e nenhuma delas lhe merecia a complacência.
Sempre a agitar-se no vácuo, no nada, sempre a dar golpes de espada na sombra, sempre, meio ingenuamente, meio inconscientemente, a ludibriar-se por utopias vãs. Pouco importa o que entretém a criança, uma vez que ela não chora
, diz o provérbio. E depois, subitamente, como a neve que nos cai sobre a cabeça, ver chegar a velhice e, com ela, o medo da morte, esse medo que nos vai minando, nos vai corroendo, sem cessar, até que, enfim... o abismo!
É uma felicidade ainda quando a vida decorre assim, porque, frequentemente, antes da hora final, como a ferrugem no ferro, chegam os achaques, as enfermidades, os sofrimentos.
A vida não se lhe representava como esse mar tormentoso que descrevem os poetas; imaginava-a imóvel, repousada, transparente, até nas suas mais obscuras profundidades; ele sentado à proa de uma pequena embarcação vacilante e, embaixo, no fundo do abismo sombrio e limoso, semelhantes a peixes enormes, de formas monstruosas, todas as misérias da vida: a doença, os sofrimentos, a demência, a cegueira, a pobreza... E eis que sob o seu olhar, um desses monstros emerge das trevas, sobe, vem subindo, tornando-se cada vez mais visível... cada vez mais horrivelmente distinto... Ainda um instante, e, impelida pelo dorso do monstro, a barca vai adernar!... Mas de novo aquela forma se esbate, passa a tornar-se vaga, o monstro desce, ganha o fundo e aí repousa, agitando apenas a sua sombra na transparência das águas... Entretanto, há de vir o dia fatal em que fará soçobrar a barca.
Sacudiu a cabeça, levantou-se, em um arranco, da poltrona, deu duas voltas pelo quarto, indo sentar-se à escrivaninha. Abrindo, uma após outra, todas as gavetas, pôs-se a vasculhar os papéis, as velhas cartas, na maioria cartas de mulheres. Por que tocava naquilo? Ele próprio não o sabia, pois que não estava a procurar coisa alguma. O seu único fim era libertar-se, em uma ocupação qualquer, dos pensamentos que o obcecavam.
Tomou, ao acaso, algumas cartas.
Uma delas continha uma flor seca, com um velho lacinho de fita.
Encolheu os ombros, lançou um olhar para a lareira e pôs as cartas de lado, preparando-se sem dúvida a arremessar às chamas aqueles despojos inúteis.
Suas mãos continuavam, febrilmente, a revolver as gavetas. De repente, arregalou os olhos e trouxe, para junto de si, uma caixinha octogonal, de formato antigo, da qual foi levantando devagarinho a tampa.
Sob um duplo acolchoado de papel de algodão amarelado estava uma pequena cruz de granadas.
Durante alguns instantes fitou essa cruz, com ar de incerteza, e, repentinamente, deixou escapar um grito surdo... O que se esboçou nas suas feições não foi nem tristeza, nem alegria: foi como se encontrasse, de surpresa, um ser outrora enternecidamente amado e perdido de vista, desde muito tempo, mas reconhecível ainda, apesar de completamente transformado pelos anos.
Levantou-se e tornou a sentar-se perto da lareira escondendo de novo o rosto nas mãos...
— Por que hoje? Por que justamente hoje? pensava ele.
E uma infinidade de coisas tão remotas vinha em revoadas, à memória.
Eis o que ele recordava...
Mas antes, é preciso que vos diga seu nome e sobrenome. Chamava-se ele Dimitri Pavlovitch Sanin.
Eis o que ele recordava:
I
Era pelo verão de 1840. Sanin acabava de completar vinte e dois anos. Voltava da Itália à Rússia e, de passagem, encontrava-se em Frankfurt. Quase sem família, possuía uma fortuna que, se não o tornava independente, lhe dava, entretanto, para viver sem preocupações. Um parente afastado, deixara alguns milhares de rublos que ele resolveu gastar no estrangeiro, antes de entrar a serviço do Estado e colocar no pescoço a canga de funcionário, necessária para assegurar a existência. Sanin pôs o seu projeto em execução e, com tanta justeza o executara que, no dia da sua chegada a Frankfurt, tinha precisamente, em dinheiro, o bastante para regressar a São Petersburgo. Em 1840, as estradas de ferro eram raras e os senhores turistas viajavam em diligência. Sanin mandara reservar lugar em uma delas, mas essa não partia senão às onze horas da noite. Tinha muito tempo à sua disposição. Por felicidade, o dia estava magnífico e Sanin, depois de almoçar no célebre hotel do Cisne Branco, saiu, a flanar pela cidade. Foi ver a Ariadne
de Dannecker, que lhe pareceu medíocre; visitou a casa de Goethe (aliás desse poeta, só lera o Werther
, e, assim mesmo, em uma tradução francesa); passeou pelas margens do Meno e se aborreceu, como acontece com todo turista que se preza. Enfim, pelas seis horas, fatigado, com os calçados poeirentos, encontrou-se em uma das ruas menos importantes de Frankfurt, uma rua que, entretanto, estava destinada a ficar indelével nas suas lembranças. Na fachada de uma das pouco numerosas casas, notou uma tabuleta, anunciando aos transeuntes a Confeitaria Italiana de Giovanni Roselli
. Ali entrou para tomar um copo de limonada. Atrás de modesto balcão, nas prateleiras de um armário pintado, havia, como em uma farmácia, várias garrafas com etiquetas douradas e largos vidros cheios de biscoitos, bombons de chocolate e balas. Não se via ninguém nessa sala; só um gato cinzento ali ronronava, abrindo e fechando os olhos e arranhando preguiçosamente o fundo de uma alta cadeira de palha, colocada atrás da janela; um cesto de madeira jazia perto e, ao lado, um grosso novelo de lã vermelha, fulgurava aos raios oblíquos do sol poente. Um rumor confuso, estranho, vinha da sala vizinha. Sanin esperou que a campainha da porta acabasse de soar e disse, em voz alta:
— Não há ninguém aqui?
No mesmo instante, a porta da sala se abriu. Sanin ficou atônito.
II
Uma moça, com cerca de dezenove anos, cujos cabelos negros caíam esparsos pelos ombros nus, precipitou-se no recinto, estendendo os braços igualmente nus. Ao ver Sanin, correu para ele, tomou-o pela mão e procurou arrastá-lo, exclamando em uma voz entrecortada:
— Depressa! Depressa! Por aqui! Salve-o!
Sanin não obedeceu de momento, a moça, não porque hesitasse, mas o espanto foi tão grande que o impediu de desprender-se do lugar. Nunca vira uma beleza semelhante! A pequena tornou a voltar-se para ele e a sua voz, o seu olhar, o movimento das suas mãos unidas de encontro ao rosto pálido, que tinham tal expressão de desespero, enquanto ela repetia: Venha! Venha, por favor!
, o rapaz a acompanhou, sem relutância, precipitando-se ambos pela porta aberta.
Na sala, na qual ele entrou correndo atrás da moça, jazia em um divã antigo de crina de cavalo, um rapazinho pálido, de uma palidez de cera ou de mármore antigo. Havia uma semelhança surpreendente entre ele e a moça; sem dúvida era o irmão dela.
Trazia os olhos fechados; a