Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas €10,99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Moby Dick
Moby Dick
Moby Dick
E-book201 páginas4 horas

Moby Dick

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Na cidade de New Bedford, em Massachusetts, o marinheiro Ismael conhece o arpoador Queequeg e, juntos, partem para a ilha de Nantucket em busca de trabalho no mercado de caça às baleias. Lá, eles embarcam no baleeiro Pequod para uma viagem de três anos aos mares do sul. Entre eles, tripulantes de diversas nacionalidades: os imediatos Starbuck, Stubb e Flask; os arpoadores Tashtego e Daggoo, além de Ahab, o sombrio capitão que ostenta uma enorme cicatriz do rosto ao pescoço e uma perna artificial, feita de osso de cachalote. Obcecado por encontrar a fera responsável por seus ferimentos e que nenhum arpoador jamais conseguiu abater — a temível Moby Dick —, o capitão Ahab conduz o baleeiro e toda a sua tripulação por uma rota de perigos e incertezas.Publicado em 1851, originalmente com o título de A baleia e em três volumes, Moby Dick inaugurou uma nova era para o romance norte-americano. Herman Melville alterna descrições da vida a bordo e das aventuras da caça às baleias com reflexões a respeito da eterna luta do homem contra as forças avassaladoras da natureza, construindo um verdadeiro poema épico em prosa.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento30 de abr. de 2014
ISBN9788520938652

Leia mais títulos de Carlos Heitor Cony

Relacionado a Moby Dick

Ebooks relacionados

Clássicos para crianças para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Moby Dick

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Moby Dick - Carlos Heitor Cony

    1

    Em busca da aventura

    Meu nome é Ismael. Há alguns anos — não sei quantos exatamente —, aconteceu que fiquei sem dinheiro ou, pelo menos, quase sem dinheiro. Como era então de meu hábito, resolvi embarcar de novo para percorrer mais uma vez o mundo dos mares e da aventura. Era assim que me livrava dos pensamentos sombrios e de outros pequenos problemas. Sempre que me surpreendia com rugas na testa — ou, sem ter nada o que fazer, contemplando os caixões de defuntos nas agências funerárias —, compreendia que era o momento de fugir para os mares.

    O mar sempre me atraiu. De resto, acredito que ele atua como um ímã poderoso sobre muita gente. Quando, aos domingos, costumo passear pelas ruas de Manhattan, se me distraio e acompanho a multidão, termino fatalmente na praia situada na parte baixa da cidade, onde as ondas servem de paisagem ou brinquedo aos que não têm nada para fazer. Amo os oceanos, não como simples passageiro, mas como marujo. Gosto do trabalho saudável e do ar puro. Servi durante muito tempo na marinha mercante americana. Fui, sucessivamente, marinheiro no castelo de proa e vigia da gávea principal. Saltei pelos mastros e andei pelo cordante como um gafanhoto; lavei e esfreguei o convés. Fiz de tudo o que se pode fazer num navio e, por isso — e para variar —, escolhi a pesca à baleia. Por quê? Por muitas razões.

    A principal é a própria baleia, monstro que sempre me fascinou, bem como os mares selvagens por onde rola o seu imenso corpo — do tamanho de uma ilha — e a terrível ameaça que este gigante das águas representa. Atormentava-me também o desejo de descobrir coisas longínquas; gostando de navegar, de desafiar os mares proibidos e de atingir terras desconhecidas, só tinha uma solução: embarcar imediatamente.

    A caça da baleia atendia a todos os meus desejos. Abriam-se diante de mim as enormes comportas do mundo e da fantasia. Sonhava com intermináveis desfiles de baleias — e, não sei por que, havia nesses sonhos um grande fantasma branco, como se fosse uma alta colina de neve em pleno mar. Tinha que partir — e parti.

    Meti na minha velha mochila algumas roupas de pano grosso e pus-me a caminho do cabo Horn e do Pacífico. Tendo deixado Manhattan no mês de dezembro, cheguei a New Bedford em uma noite de sábado, quando tive a primeira decepção: o pequeno barco que faz o percurso entre New Bedford e Nantucket já levantara âncora. Só poderia partir na manhã de segunda-feira.

    É em New Bedford que a maior parte dos navios baleeiros se detém, antes do início de uma viagem de três ou quatro anos. Como a maior parte dos marinheiros, eu preferia partir de Nantucket, uma cidade que me atraía por diversos motivos. Já havia muito tempo que New Bedford monopolizara o comércio de baleias; Nantucket, porém, continuava sendo o berço daquele gênero de pesca. Dali saíram os primeiros pescadores do país — os peles-vermelhas — que enfrentavam em suas primitivas pirogas a fúria das baleias. Foi também de Nantucket que saiu o primeiro veleiro para caçá-las: segundo a lenda, os porões estavam cheios de pedras, pois a tripulação queria saber se podia arpoá-las do gurupés — o mastro da proa. Para isso, precisava de um pesado lastro em seus porões.

    Antes de partir para Nantucket, eu teria duas noites e um dia livres em New Bedford — e nos meus bolsos só havia algumas moedas. Meu primeiro problema foi saber onde poderia comer e dormir. A noite estava escura e fria, e eu não conhecia ninguém na cidade. Caminhei pelas ruas a passos largos, sem rumo definido. Encontrei um albergue curiosamente chamado Aos Arpões Cruzados, que era muito caro e barulhento. Logo adiante, vi a luz de um outro albergue: Ao Espardate. O calor que vinha de dentro derretera a neve de sua calçada, pois havia em toda parte, exceto ali, um espesso tapete de neve lisa na qual os meus pés afundavam. Também aquela hospedaria era cara e ruidosa. Quase sem perceber, dirigi-me ao cais. Soprava um vento áspero que me cortava o rosto. As ruas estavam desertas, as casas todas fechadas. Notei uma luz que passava através de uma porta apenas encostada. Entrei. Penetrei num vestíbulo onde tudo era sombrio. Tropecei em alguma coisa e caí. Levantei-me coberto de cinzas e prossegui em direção à luz. Empurrei uma porta pesada e cem vultos negros voltaram-se para mim: era uma igreja negra. Saí precipitadamente e recomecei a minha caminhada pelas ruas. Afinal cheguei a um albergue perto do porto. Parei diante de sua porta estreita quando um rangido metálico fez-me levantar a cabeça: uma placa de ferro balançava-se ao vento. Era pintada de branco e representava um grande jato de espuma, com estas palavras abaixo: Ao Jato da Baleia — Peter Coffin, taverneiro.

    Coffin quer dizer caixão de defunto — e a idéia de um ataúde associado à pesca da baleia me pareceu de mau agouro. Mas Coffin é um sobrenome muito comum em Nantucket e o taverneiro deveria ser natural daquela ilha. O estado do velho casarão era lastimável e situava-se em um ponto miserável, onde soprava permanentemente o terrível vento leste. Não perdi muito tempo: empurrei a porta e entrei em uma sala escura, baixa e cheia de fumaça, onde as paredes revestidas de madeira davam a idéia da carcaça de uma velha embarcação. Pendurado numa delas, havia um grande quadro, de tal modo estragado pela fumaça que mal pude perceber o que representava. Examinei-o de todos os ângulos e tive a impressão de reconhecer uma enorme baleia. Havia ainda, espalhadas pela sala, maças e lanças, algumas delas recobertas de dentes, outras guarnecidas de cabelo que me parecia humano. Havia também arpões retorcidos que guardavam, na eternidade de ferro, o duro impacto contra o corpo dos monstros marinhos — e esta horrificante decoração fez-me tremer.

    Passei sob um arco muito baixo e penetrei numa sala menor, tão sombria quanto a precedente. O teto ali era baixo e a impressão que eu tive era de que o velho albergue balançava-se ao rude ataque do vento glacial. De um lado da sala havia uma mesa muito grande e coberta de caixotes arrebentados, onde empilhavam-se estranhas coisas, lembranças dos quatro cantos do mundo. O balcão — que tinha a forma de uma cabeça de baleia — ficava no canto mais escuro da sala: do teto, pendia o osso recurvo e amarelado do maxilar de uma baleia. Alguns marinheiros reunidos em torno das mesas examinavam vários tipos de conchas do mar e de dentes de baleias. O dono da hospedaria, um homenzinho seco, sentado atrás do balcão, servia monotonamente bebida a eles.

    Pedi-lhe um quarto.

    — A casa está lotada, rapaz, não tenho mais nenhuma cama — respondeu o taverneiro. Depois de me fitar demoradamente, deu um tapa na testa como se acabasse de ter uma grande idéia:

    — Topa dormir na mesma cama com um arpoador? Você não vai à pesca da baleia? É melhor ir-se habituando.

    Aceitei a idéia, mas sem nenhum entusiasmo, e pedi para me servirem qualquer coisa: já estava morto de fome. Sentei-me num banco de madeira, em cuja ponta um velho marinheiro tentava esculpir um pedaço de pau. Percebi que ele procurava fazer um belo barco de velas enfunadas, mas seu esforço não estava sendo bem recompensado. Pouco depois o dono da estalagem nos chamou para comer e passamos para a sala vizinha. Fazia um frio desgraçado nesse local, pois, conforme o taverneiro nos explicou, a casa era pobre e não podia dar-se ao luxo de acender fogo em todos os aposentos. Levantei a gola do paletó e, para começar, bebi um bom gole de chá bem quente.

    A ceia foi razoável: carne, batatas e pudim. Comi um pouco mais do que o necessário, pois não sabia ao certo o que o futuro me reservava para os próximos dias. E comecei a esperar pelo arpoador com quem dividiria a cama naquela noite. Depois de algum tempo perguntei ao taverneiro:

    — O arpoador não chegou?

    — Não, mas não deve demorar. É um homem de cor, só come carne crua. O senhor facilmente o reconhecerá.

    Aquela resposta não melhorou o meu ânimo. Iria dormir com um estranho mas não tinha jeito de escapar. Voltei à sala anterior, a qual tinha a vantagem de ser um pouco aquecida e, logo em seguida, ouvi vozes do lado de fora. A porta abriu-se com estrondo e entrou um grupo de marinheiros barulhentos.

    — É o pessoal do Crampus — explicou o taverneiro. —Estão voltando de uma viagem que durou três anos, com o navio repleto de óleo! Viva a rapaziada!

    Os marinheiros, cobertos de peles e com os pés calçados em imensas botas, mais pareciam ursos polares. Foram diretamente ao balcão, onde o taverneiro serviu-lhes generosamente rum e aguardente. A bebida logo os embriagou, puseram-se a dançar entre si e a cantar. Um deles, no entanto, havia ficado num banco, sem participar da alegria e da bebedeira geral. De repente, notaram todos que o companheiro tinha ido embora — e resolveram ir atrás dele. A taverna voltou ao seu silêncio habitual, e agora parecia um túmulo, pois a ausência dos ruídos e dos marinheiros tornava a solidão maior. Tinha tempo, portanto, para pensar em meu arpoador — e quanto mais pensava nele, mais me aborrecia. Estava cansado e não gostaria de dividir a cama com outro — um canibal ainda por cima! Era tarde e um arpoador correto, que leva a sério a sua profissão, já deveria estar recolhido àquela hora da noite. E se ele só aparecesse de madrugada?

    — Patrão — comuniquei ao taverneiro —, acho que mudei de idéia. Prefiro dormir aqui mesmo, em cima do banco. Eu posso me arranjar.

    — Como quiser, meu velho. Vou dar um jeito de melhorar o banco. Tenho uma plaina lá nos fundos. Espere um pouco.

    Voltou com a plaina e começou a alisar o banco nodoso, que há muito já deveria ter sido mais confortável.

    — Mas você compreende — disse ele, apanhando lascas de madeira que caíam ao chão — que um banco, ainda que bem aplainado, não pode ser igual a um bom colchão.

    — Não se preocupe — respondi. — Vou me arranjar muito bem.

    Coloquei o banco junto à parede, mas sem encostá-lo, pois queria deixar espaço para as minhas costas. Afinal me estendi. Além de gelado, o lugar era desabrigado: não sei de onde vinha uma corrente de ar frio. Eu me preparara para suportar a rudeza do banco, mas o frio não estava nas minhas previsões e possibilidades. Acabei preferindo o arpoador.

    Os outros hóspedes chegavam, em grupos, e logo subiam para seus quartos. Mas nada de aparecer o maldito arpoador.

    — Ele volta tão tarde assim? — perguntei.

    — Não. Até que ele dorme muito cedo. Mas hoje deve ter tido muito trabalho, batendo de porta em porta.

    — Mas que espécie de trabalho é esse? Ele não é arpoador? Ou faz outra coisa na vida?

    — Ele vende a cabeça. Vai de porta em porta procurando quem queira comprá-la.

    Eu não compreendi aquilo muito bem e exclamei meio zangado:

    — Que história é essa? O camarada está vendendo a própria cabeça num dia de sábado? Quer que eu acredite nisso?

    Estava certo de que o taverneiro estava brincando e fiquei furioso.

    — Esse arpoador não está vendendo a própria cabeça — explicou ele, com certa ironia. — Acaba de chegar dos mares do sul, onde comprou uma coleção completa de cabeças embalsamadas. São as melhores, pois foram preparadas na Nova Zelândia. Provavelmente, está tentando vender a última, pois amanhã é domingo, dia do Senhor, e não fica bem vender cabeças humanas nas ruas, no meio do povo que está indo à missa.

    Era mais um detalhe que me assombraria o suficiente, caso eu já não estivesse assombrado o bastante.

    — Esse homem deve ser muito perigoso! — observei, e o taverneiro percebeu que me havia metido medo.

    — Que nada! Não é um mau sujeito, paga a sua pensão regularmente. É um homem às direitas. Então, não vai subir? É muito tarde, vá logo para o quarto, a cama é ótima!

    Hesitei durante um minuto mas acabei aceitando o conselho. A cama, com efeito, era boa e muito larga, podia facilmente acolher quatro homens. Além de uma pequena mesa de madeira branca, nada mais havia no quarto, que era frio como uma geladeira. Num dos cantos, notei um velho saco de lona, que deveria pertencer ao arpoador. O taverneiro, tão logo me mostrou o quarto, recolheu-se a seus aposentos. Eu fiquei sozinho e comecei a tirar a roupa. Deitei-me, mas não consegui dormir.

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1