Américo Vespúcio: A história de um erro histórico
De Stefan Zweig
()
Sobre este e-book
Por que homenagear Américo Vespúcio se não foi ele o primeiro a pisar em solo do Novo Mundo e se tampouco era considerado o grande navegador da época? Para o austríaco Stefan Zweig, várias coincidências levaram a esse nome. Algumas delas absurdas, outras com certa procedência — tais como uma raríssima obra de apenas 32 páginas intitulada Lettera al Soderini, assinada por Vespúcio, que fazia referência às terras recém-descobertas. O pequeno livreto serviu de guia aos pesquisadores daquele período, de diversas partes do mundo. O tempo se encarregaria do resto. Passou a ser "A carta de Américo Vespúcio", depois "A carta de Américo", "O continente de Américo", e daí para "América" foi mera decorrência. Outros autores não tiveram a mesma condescendência de Zweig. Alguns carregam nas tintas e não se inibem ao chamar Vespúcio de verdadeiro impostor. A verdade é que, ao contrário de outros navegadores, Américo Vespúcio (1454-1512) vinha de uma família que tinha acesso à corte de Florença, na Itália. Era um homem letrado, com conhecimentos de geografia, astronomia e cosmografia. Obteve boa educação, vivendo na França e na Espanha. Em resumo, era uma figura controversa. As polêmicas em torno de seu nome sempre se confundem em datas e localizações, chegando a ultrapassar os mares. Aportam até nós quando de sua passagem pela costa do Brasil, de São Paulo e da região conhecida como São Sebastião, assim denominada pelo navegador florentino Américo Vespúcio.
Stefan Zweig (Viena, 28 de novembro de 1881 — Petrópolis, 23 de fevereiro de 1942) foi um romancista, poeta, dramaturgo, jornalista e biógrafo. A partir da década de 1920, tornou-se um dos escritores mais famosos, lidos, vendidos e traduzidos do século XX. Entre suas obras estão Três novelas femininas, Maria Antonieta e o polêmico Brasil, país do futuro.
A notícia de sua morte chocou a intelectualidade da época. Suicidou-se com sua segunda esposa e secretária, Charlotte Elizabeth, em Petrópolis, Rio de Janeiro. Durante a Segunda Guerra Mundial, o austríaco refugiou-se no Brasil. Acreditava piamente que aqui, do outro lado do oceano, o mundo estaria a salvo dos horrores nazistas, e a civilização ocidental finalmente sobreviveria. Numa Quarta-Feira de Cinzas, retornou à sua casa, em Petrópolis, depois de passar o feriado de Carnaval no Rio. Foi nesse passeio que caiu em si e entrou em profunda depressão ao constatar que os horrores do nazi-fascismo já haviam estendido seus tentáculos a todos os cantos do mundo. O casal morreu ao ingerir grandes doses de barbitúricos. ARNALDO KLAJN. DOMÍNIO PÚBLICO.
José Américo Câmera é jornalista pós-graduado em Jornalismo Comparado Brasileiro, além de arquiteto. Durante vinte anos, circulou pelas grandes redes de televisão brasileiras como pauteiro, repórter, chefe de reportagem, editor, editor-chefe e diretor de jornalismo. Passou pela Rede Globo, Rede Record e Rede Manchete, atual RedeTV! Nessa época, ingressa paralelamente na vida acadêmica, onde leciona na cadeira de Telejornalismo, aos alunos do quarto ano.
No início dos anos 2000, deixou a capital e o burburinho das redações, fixando-se no litoral norte de São Paulo. Passou a se dedicar à arquitetura, mas sem abrir mão do compromisso com a informação. Manteve coluna semanal sobre arquitetura e urbanismo no Imprensa Livre, o mais tradicional periódico da região, e, em duas gestões, esteve à frente da diretoria de comunicação na prefeitura de São Sebastião. Nesta empreitada como tradutor, concentrou-se em dois propósitos. O primeiro, acrescentar parcas informações sobre a obscura passagem de Américo Vespúcio pela costa brasileira. O segundo, enaltecer Stefan Sweig, um dos mais renomados autores do século XX no mundo inteiro, lamentavelmente ainda pouco familiar aos brasileiros.
Stefan Zweig
Stefan Zweig was born in 1881 in Vienna, into a wealthy Austrian-Jewish family. He studied in Berlin and Vienna and was first known as a poet and translator, then as a biographer. Between the wars, Zweig was an international bestseller with a string of hugely popular novellas including Letter from an Unknown Woman, Amok and Fear. In 1934, with the rise of Nazism, he left Austria, and lived in London, Bath and New York-a period during which he produced his most celebrated works: his only novel, Beware of Pity,and his memoir, The World of Yesterday. He eventually settled in Brazil, where in 1942 he and his wife were found dead in an apparent double suicide. Much of his work is available from Pushkin Press.
Leia mais títulos de Stefan Zweig
MARIA ANTONIETA - Stefan Zweig Nota: 5 de 5 estrelas5/5Brasil, um país do futuro Nota: 3 de 5 estrelas3/5
Autores relacionados
Relacionado a Américo Vespúcio
Ebooks relacionados
AMOK e FOI ELE - Zweig Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCenas londrinas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAntologia Nota: 0 de 5 estrelas0 notasOs melhores contos de H. P. Lovecraft Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCésar Nota: 0 de 5 estrelas0 notasOs Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister - Goethe Nota: 0 de 5 estrelas0 notasLiberais & liberais: Guerras civis em Pernambuco no século XIX Nota: 0 de 5 estrelas0 notasObras Completas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Paz Conquistada Pelo Sabre: A Guerra Da Crimeia 1853-1856 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasJornada dos vassalos Nota: 4 de 5 estrelas4/5O legado do Führer Nota: 0 de 5 estrelas0 notasRui Barbosa Leitor de John Ruskin: O Ensino do Desenho como Política de Industrialização Nota: 0 de 5 estrelas0 notasContos de piratas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasOs Navegadores do Século XVIII Nota: 5 de 5 estrelas5/5A história de Mora: A saga de Ulysses Guimarães Nota: 5 de 5 estrelas5/5Fiódor Dostoiévski - Volume 1 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO misterioso caso da Royal Street: e outras histórias Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO selvagem da ópera Nota: 4 de 5 estrelas4/5Góticos II: Lúgubres mistérios – Contos clássicos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasÀ sombra do meu irmão: As marcas do nazismo e do pós-guerra na história de uma família alemã Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDiário do Bolso - Os 100 primeiros dias Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA AGONIA DA ALEMANHA - Georges Blond Nota: 2 de 5 estrelas2/5Fernão de Magalhães: A magnífica história da primeira circum-navegação da Terra Nota: 0 de 5 estrelas0 notasCrônicas do Paradoxo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Ano 1000 E O Juízo Final Nota: 0 de 5 estrelas0 notasTapacurá: Viagem ao planeta dos boatos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasViagem ao Brasil: 1644-1654 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO fundador Nota: 0 de 5 estrelas0 notas100 poemas escolhidos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAs Vozes dos Sinos Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Biografia e memórias para você
Sexo Com Lúcifer Nota: 5 de 5 estrelas5/5Marry Queen Nota: 4 de 5 estrelas4/5A mulher em mim Nota: 5 de 5 estrelas5/5Como Passar Em Concurso Público, Em 60 Dias, Sendo Um Fudido Na Vida Nota: 5 de 5 estrelas5/5Além do Bem e do Mal Nota: 5 de 5 estrelas5/5Diana: Sua verdadeira história Nota: 3 de 5 estrelas3/5Pele negra, máscaras brancas Nota: 5 de 5 estrelas5/5Coragem de viver Nota: 5 de 5 estrelas5/5Aprendendo com os sonhos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMocotó: O pai, o filho e o restaurante Nota: 4 de 5 estrelas4/5Para sempre Nota: 4 de 5 estrelas4/5Todas as sextas Nota: 4 de 5 estrelas4/5Will Nota: 4 de 5 estrelas4/5NIKOLA TESLA: Minhas Invenções - Autobiografia Nota: 5 de 5 estrelas5/5Diário Libidinoso Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO que aprendi com o silêncio Nota: 3 de 5 estrelas3/5Caderno de receitas: Lembranças do Bennett Nota: 0 de 5 estrelas0 notasTécnicas Para Dissertação Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Epopéia De Gilgamesh Com Comentários Nota: 0 de 5 estrelas0 notasViolão, Guitarra, E Contrabaixo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasColeção Saberes - 100 minutos para entender Jung Nota: 3 de 5 estrelas3/5Guia Do Cafajeste Nota: 0 de 5 estrelas0 notasNem covarde, nem herói: amor e recomeço diante de uma perda por suicídio Nota: 0 de 5 estrelas0 notasManual Prático De Reiki Da Sagrada Chama Violeta Nota: 4 de 5 estrelas4/5As Confissões - Rousseau Nota: 0 de 5 estrelas0 notasModéstia à Parte: Coisas Que o Mundo Inteiro Deveria Aprender Com Portugal Nota: 5 de 5 estrelas5/5Coleção Saberes - 100 minutos para entender Freud Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Avaliações de Américo Vespúcio
0 avaliação0 avaliação
Pré-visualização do livro
Américo Vespúcio - Stefan Zweig
NOTA DO TRADUTOR E ORGANIZADOR
Sangue de Dante,
alma de Cervantes
José Américo Câmera
_____
Em princípio, Dante Alighieri, o poeta maior da língua italiana, não deveria ser mencionado neste trabalho. Primeiro, porque viveu dois séculos antes do nosso protagonista, morrendo no ano de 1321, em Ravena, Itália. Depois, porque sua trajetória passa ao largo das grandes navegações, não havendo menção a qualquer elo entre a pessoa de Dante e aqueles eventos. E neste trabalho ele é citado vagamente duas ou três vezes.
Aparece nesta abertura por um único, singelo e forçado motivo: o autor de A divina comédia dá nome a uma tradicional escola particular, no centro de São Paulo. Foi lá, no Dante
, na Alameda Jaú, que eu me alfabetizei e onde, por infindáveis oito anos, estudei seu idioma. E numa escola de "oriundi" o bullying para cima de quem se chama José Américo não poderia ser outro que não Américo Vespúcio. Então, claro, desde os anos 1960 me acostumei com a ideia distorcida de um xará tão famoso a ponto de carregar o nome de um continente.
Se o sangue é de Dante, a alma é de Cervantes. Aquele vulcão dentro de cada espanhol sempre me causou curiosa fascinação. Madri me alucina com a boa mesa, o vermute, o cozido madrilenho e seus impecáveis churros. Madri me mata com a praça Callao e seus cinemas, protestos e a livraria La Central. É lá que passo minhas solitárias tardes em terras de sangue quente. Foi lá que garimpei Américo Vespúcio – a história de um erro histórico¹.
Então, muito menos pela coincidência do prenome e mais pelo encantamento da passagem de Vespúcio pela costa do litoral norte de São Paulo, debrucei-me nesta tradução.
Se o motivo por si só já me atiçava, a ideia tomou forma e se potencializou posto que o autor do livro é Stefan Zweig, um judeu austríaco com riquíssima e vasta obra literária, que morreu de forma trágica no Brasil.
Nunca tive a pretensão de fazer qualquer pesquisa sobre Américo Vespúcio, Stefan Zweig ou, menos ainda, sobre o Canal de São Sebastião. Daí ter convidado para integrar o trabalho e suprir essa deficiência dois competentes jornalistas que admiro sobremaneira.
Para apresentar Zweig, convidei o decano do jornalismo Henrique Veltman. Ele aceitou de pronto. Henrique é contemporâneo de Alberto Dines, biógrafo do autor, que lamentavelmente já nos deixou. Ambos judeus, ambos afinados com a erudição de Zweig. Seu texto me encheu os olhos. Exatamente o que imaginava quando fiz o convite.
Para um apanhado sobre a região, não abri mão do nome de Priscila Siqueira. Moradora de São Sebastião como eu, Priscila é combativa, afiada na escrita e sempre esteve ao lado dos caiçaras na desigual relação de forças entre o pescador e a especulação imobiliária. Da mesma forma, sempre se perfilou contra o tráfico humano e lutou pelo respeito incondicional às mulheres. Com todo esse engajamento, Priscila Siqueira é referência quando o assunto aponta o litoral norte de São Paulo. Seu poder de síntese dá claramente a dimensão da riqueza desta parte de nossa costa.
Nós, jornalistas, também somos meio navegadores. Adoramos viagens, discussões éticas e equívocos históricos. Daí oferecer esta tradução, feita com todo o cuidado do mundo e principalmente muito respeito, ao leitor.
APRESENTAÇÃO
Um autor e suas
circunstâncias
Henrique Veltman²
_____
Stefan Zweig nasceu em 1881 numa próspera família de judeus de Viena. Teve uma educação clássica, segundo os padrões da época para os homens de sua condição social. Estudou Filosofia na Universidade de Viena, onde se doutorou em 1904. O interesse pela arte suplantou os outros aspectos de sua formação, tanto que, quando foi chamado a abraçar os negócios da família, o jovem Stefan se recusou a fazê-lo.
Partiu logo para a literatura, e seu primeiro livro foi uma antologia de poemas chamada Silberne Saiten (Cordas de Prata
), publicado quando ele tinha apenas 19 anos. Foi o início de uma bem-sucedida carreira que incluiria poesia, teatro e jornalismo. Nos anos 1920, os livros de Stefan Zweig estavam sendo publicados na Europa e nos Estados Unidos. Suas tiragens alcançaram milhões de exemplares; em certo momento, ele se tornou o autor mais traduzido do mundo.
Zweig teve, desde sempre, uma vida dramática, mas cheia de glamour. Viveu a sangrenta Primeira Guerra Mundial, o fim do império austro-húngaro, a Conferência de Versalhes, o fim e o nascimento de novos estados. Eram the roaring twenties, a década de 1920, um período de efervescência cultural em Nova York, Chicago, Paris, Berlim, Londres e em muitas outras grandes cidades, uma época intensa sustentada pela prosperidade econômica do momento. Os franceses chamaram o período de années folles, loucos anos, enfatizando o dinamismo social, artístico e cultural da época.
Esse pano de fundo levou o autor a manifestar o seu horror ao racismo e ao nacionalismo e, por consequência, a canalizar sua dedicação a um ideal cosmopolita acima de fronteiras. Esse modelo levaria à reconstrução da Europa.
Por volta dos anos 1930, embora escritor de sucesso, era um judeu atormentado com a ascensão de Hitler. Quando a Segunda Guerra Mundial começou e a Polônia foi invadida, o austríaco Zweig já havia obtido a nacionalidade britânica, o que lhe permitiu grande liberdade de movimento.
Esteve nos Estados Unidos; ao Brasil veio primeiramente como turista, e mais tarde instalou-se aqui graças a um visto de permanência. A essa altura, já havia escrito Brasil, país do futuro, que serviu amplamente como propaganda do governo. O autor negou qualquer ingerência de Vargas e sua ditadura no conteúdo do livro, publicado ainda em 1941. Na época, a imigração judaica enfrentava fortes restrições impostas pelo Catete, mas nada impediu a concessão de um generoso visto de entrada e permanência.
Brasil, país do futuro é uma senhora obra; fala de nossas políticas, de economia, de cultura. Como intelectual respeitável e observador sensível, Zweig soube conhecer, sentir, viver este nosso país. E acrescentou uma coleção de dados e informações.
Zweig subiu morros para conhecer as favelas cariocas, participou de festas populares na Bahia e no Recife, perambulou por São Paulo. Ao lado da mulher, Lotte, foi morar numa casa na cidade de Petrópolis.
O escritor previu uma evolução tecnológica e o fim das favelas; viu beleza na miséria, riqueza na tristeza, alegria na dor. Apaixonou-se pelas montanhas, planícies, praias, pelos mangues. Talvez seu contemporâneo Lasar Segall, com sua visão sobre o Rio de Janeiro e as prostitutas da Zona do Mangue, o desmentisse. Mas não me consta que os dois tenham se encontrado…
Mas mesmo o Brasil que ele vislumbrou como uma nova possibilidade para a civilização não foi suficiente para sustentar sua disposição de viver. Após ver seu mundo ruir sob o genocídio, o escritor e sua mulher deram cabo da própria vida em pleno carnaval de 1942.
Eu diria que o livro é perfeito no retrato do Brasil que era e havia sido, mas precário em relação ao país que viria a ser.
Em artigos e livros, autores como Alberto Dines e Benjamin Moser salientaram que o suicídio dos Zweig, somado à percepção da personalidade depressiva do escritor, confundiu e alterou o registro que a história fez dele e de sua obra. O curto período em Petrópolis acabou funcionando como uma estranha nota ao pé de página da sua trajetória: um herói da cultura europeia desterrado para o fim do mundo e que, em desespero, se mata. Essa foi a tônica dos jornais da época, aqui e no exterior.
Essa morte logo ultrapassou o tormento pessoal para adquirir um significado político. Muitos intelectuais reprovaram o ato. Thomas Mann, por exemplo, escreveu:
Ele não tinha consciência de sua responsabilidade perante centenas de milhares de pessoas para as quais seu nome era importante e diante das quais sua capitulação provavelmente teria um efeito deprimente? Perante os muitos outros, refugiados como ele, mas para os quais o exílio era uma experiência incomparavelmente mais dura que a sua, celebrado como ele era, e sem preocupações materiais?³
Enquanto a cultura europeia era massacrada, o mínimo que se esperava de seus expoentes era que não se massacrassem entre si…
Essa carga simbólica, aliada aos aspectos pitorescos da vida de Zweig, atraiu levas de biógrafos. Segundo Benjamin Moser,
o primeiro problema com o qual [os biógrafos de Zweig] se deparavam era o fato de que ele já havia escrito uma autobiografia, O mundo que eu vi – um dos melhores exemplos de livros de memórias do século XX […]. Nele, a força do estilo de Zweig se mostra plenamente. Sua argúcia para o detalhe eloquente, seu conhecimento do mundo e suas lembranças de grandes personalidades da cultura de seu tempo são amparados por uma corrente emocional poderosa, que ajuda o leitor a imaginar o inimaginável desespero de uma geração forçada a ver toda sua sociedade varrida pelo fanatismo e pela guerra.⁴
O mundo que eu vi, escrito nos Estados Unidos antes de sua vinda para o Brasil, recorda a Europa, o continente ao qual o autor nunca retornaria. Zweig se concentrou tanto no trabalho de escrevê-lo que sua mulher chegou a temer por sua saúde. Embora descrito com detalhes vívidos, esse mundo perdido é só em parte lamentado.
Diante do tema, é surpreendente que o livro não seja mais sombrio, e a impressão que deixa é de tal força que quase se tem pena dos biógrafos de Zweig. Quem contaria sua história melhor do que ele próprio?
Na Europa Ocidental ele ainda é, mais de setenta anos após sua morte, possivelmente o mais popular dos escritores de sua geração.
Seus temas foram sempre grandiosos. Além de ficção e poesia, esse homem produziu uma grande quantidade de biografias, cobrindo uma galeria de personagens que soa quase disparatada e que inclui Maria Antonieta, Erasmo, Balzac e Napoleão.
Anos atrás, numa banca de livros usados na avenida Ipiranga, em São Paulo, comprei a edição quase completa dos livros de Stefan Zweig, vinte volumes, da editora Delta. O dono da Delta, Abraham Kogan, foi um dos responsáveis pela primeira visita de Stefan Zweig ao Brasil.
A atração que as personagens exerceram sobre Zweig e aquilo que as une é que todas, sem exceção, resistiram à história e terminaram vitimadas por ela. Suas trajetórias, quando lidas à luz do que aconteceria