O Saci
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O Saci - Monteiro Lobato
Título – O Saci
Copyright da atualização © Editora Lafonte Ltda. 2019
ISBN 978.85-8186-347-4
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Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida por quaisquer meios existentes
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Projeto Gráfico e Diagramação Idée Arte e Comunicação
Ilustrações Jótah
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Em
férias
Quando naquela tarde Pedrinho voltou da escola e disse a Dona Tonica que as férias iam começar dali a uma semana, a boa senhora perguntou:
— E onde quer passar as férias deste ano, meu filho?
O menino riu-se.
— Que pergunta, mamãe! Pois onde mais, senão no sítio de vovó?
Pedrinho não podia compreender férias passadas em outro lugar que não fosse no Sítio do Picapau Amarelo, em companhia de Narizinho, do Marquês de Rabicó, do Visconde de Sabugosa e da Emília. E tinha de ser assim mesmo, porque Dona Benta era a melhor das vovós; Narizinho, a mais galante das primas; Emília, a mais maluquinha de todas as bonecas; o Marquês de Rabicó, o mais rabicó de todos os marqueses; e o Visconde de Sabugosa, o mais cômodo
de todos os viscondes. E havia ainda Tia Nastácia, a melhor quituteira deste e de todos os mundos que existem. Quem comia uma vez os seus bolinhos de polvilho não podia nem sequer sentir o cheiro de bolos feitos por outras cozinheiras.
Pedrinho tinha recebido carta de sua prima, dizendo: "Nosso grupo vai este ano completar século e meio de idade e é preciso que você
não deixe de vir pelas férias a fim de comemorarmos o grande acontecimento".
Esse século e meio de idade era contado assim: Dona Benta, 64 anos; Tia Nastácia, 66; Narizinho, oito; Pedrinho, nove. Emília, o Marquês e o Visconde, um cada um. Ora, 64 mais 66 mais oito mais nove mais um mais um mais um, fazem 150 anos, ou seja, um século e meio.
Logo que recebeu essa carta, Pedrinho fez a conta num papel para ver se a pilhava em erro; mas não pilhou.
— É uma danada aquela Narizinho! — disse ele. — Não há meio de errar em contas.
O sítio
de Dona
Benta
O sítio de Dona Benta ficava num lugar muito bonito. A casa era das antigas, de cômodos espaçosos e frescos. Havia o quarto de Dona Benta, o maior de todos, e junto o de Narizinho, que morava com sua avó. Havia ainda o quarto de Pedrinho
, que lá passava as férias todos os anos; e o da Tia Nastácia, a cozinheira e o faz-tudo da casa. Emília e o Visconde não tinham quartos; moravam num cantinho do escritório, onde ficavam as três estantes de livros e a mesa de estudo da menina.
A sala de jantar era bem espaçosa, com janelas dando para o jardim, depois vinha a copa e a cozinha.
— E sala de visitas? Tinha?
— Como não? Uma sala de visitas com piano, sofá de cabiúna, de palhinha tão bem esticada que cantava
quando Pedrinho batia-lhe tapas. Duas poltronas do mesmo estilo e seis cadeiras. A mesa do centro era de mármore e pés também de cabiúna. Encostadas às paredes havia duas meias mesas, também de mármore, cheias de enfeites: três casais de içás vestidos, vários caramujos e estrelas-do-mar, duas redomas com velas dentro, tudo colocado sobre os pertences
de miçangas feitos por Narizinho. Hoje ninguém mais sabe o que é isso. Pertences eram umas rodelas de crochê que havia em todas as casas, para botar bibelôs em cima; para o lavatório de Dona Benta, Narizinho fizera pertences de crochê; e para a sala de visitas fizera aqueles de miçanga de várias cores da bem miudinha.
Antes da sala de visitas havia a sala de espera, com chão de grandes ladrilhos quadrados, cor de chita cor-de-rosa desbotada
. A sala de espera abria para a varanda. Que varanda gostosa! Cercada dum gradil de madeira muito singelo, pintado de azul-claro. Da varanda descia-se para o terreiro por uma escadinha de seis degraus. Nas férias do ano anterior Pedrinho havia plantado em cada canto da varanda um pé de cortina japonesa
, uma trepadeira que dá uns fios avermelhados da grossura dum barbante, que depois ficam amarelos e descem até quase ao chão, formando uma verdadeira cortina viva. Aquela varanda estava se transformando em jardim, tantas eram as orquídeas que o menino pendurara lá e os vasos de avenca da miúda que ele foi colocando junto à grade.
O jardim ficava nos fundos da sala de jantar, um verdadeiro amor de jardim, só de plantas antigas e fora da moda. Flores do tempo da mocidade de Dona Benta: esporinhas, damas-entre-verdes, suspiros, orelhas-de-macaco, dois pés de jasmim-do-cabo, e outro, muito velho, de jasmim-manga. Plantado na calçada e a subir pela parede, o velhíssimo pé de flor-de-cera, planta que os modernos já não plantam porque custa muito a crescer. Até cravo-de-defunto havia lá, flor com que Narizinho se implicava por ter cheiro de cemitério
. Bem no centro do jardim havia um tanque redondo com uma cegonha de louça, toda esverdeada de limo a esguichar água pelo bico. Mas a cegonha já estava sem cabeça, em consequência das pelotadas do bodoque de Pedrinho. Um velho regador verde morava perto do tanque, porque era com a água do tanque que