Alice deve estar viva
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Alice deve estar viva - Werner Schünemann
ALICE DEVE ESTAR VIVA
© Almedina, 2021
AUTOR: Werner Schünemann
DIRETOR ALMEDINA BRASIL: Rodrigo Mentz
EDITOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS: Marco Pace
ASSISTENTES EDITORIAIS: Isabela Leite e Larissa Nogueira
REVISÃO: Oficina das Palavras
DIAGRAMAÇÃO: Almedina
DESIGN DE CAPA: Roberta Bassanetto
ILUSTRAÇÃO DE CAPA: Dagui Schünemann
ISBN: 9786587017334
Dezembro, 2021
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Schunemann, Werner
Alice deve estar viva / Werner Schunemann. – São Paulo : Minotauro, 2021.
Bibliografia
ISBN 978-65-87017-33-4
1. Ficção brasileira I. Título..
21-80843 CDD-B869.3
Índices para catálogo sistemático:
1. Ficção: Literatura brasileira B869.3
Maria Alice Ferreira – Bibliotecária – CRB-8/7964
Este livro segue as regras do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990).
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro, protegido por copyright, pode ser reproduzida, armazenada ou transmitida de alguma forma ou por algum meio, seja eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópia, gravação ou qualquer sistema de armazenagem de informações, sem a permissão expressa e por escrito da editora.
EDITORA : Almedina Brasil
Rua José Maria Lisboa, 860, Conj.131 e 132, Jardim Paulista | 01423-001 São Paulo | Brasil
editora@almedina.com.br
www.almedina.com.br
O coração batia com toda a vontade,
eu estava louco de alegria
e não tinha nem ideia
de que a fronteira tinha ficado para trás.
EDUARDO GALEANO
Aos meus filhos Dagui e Arthur.
À Lucciana, meu amor.
AGRADECIMENTOS
Muito especiais a Luiz Antonio de Assis Brasil, cujos comentários e apontamentos foram fundamentais;
Aos meus amigos de tantas jornadas Paulo Heineck, José Pedro Goulart, Tarcísio Filho, Marcos Breda, Tabajara Ruas e Zé Victor Castiel, pelas leituras e apoio;
Ao grande parceiro desde sempre, Giba Assis Brasil, pela contribuição e amizade;
À Debora Mutter, que revisou o livro duas vezes e apontou valores e caminhos;
Aos meus editores Marco Pace e Deonísio da Silva, que acreditaram no projeto.
ROMANCE NO PAMPA E NÃO SÓ¹
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL
Escritor, doutor em Letras
Tenho a honra de apresentar à cena literária da língua portuguesa um autor que até hoje tem percorrido diversos caminhos performáticos, nomeadamente o teatro, o cinema, a televisão, e nisso vem consolidando uma carreira invejável. Digamos, tout court: ele é uma celebridade. Como ator, Werner sabe o valor do texto, e, em especial, a relevância do diálogo, que vem a utilizar com frequência em seu texto. Com isso não estou a dizer que se trata de um neófito, ao contrário: além de grande e histórico leitor, a narrativa é seu privilegiado território de conotação e sua vivência profissional e diária. Nos palcos e nas telas, Werner interpreta personagens; no romance ele as cria. As histórias que não são suas, agora, passam a ser, com toda responsabilidade que isso implica. O resultado está aqui: um romance que merece esse nome, e que dialogará com os leitores assim como suas atuações cênicas encantam seus os espectadores e fãs.
Em O Deserto dos Tártaros, de Dino Buzzati, Giovanni Drogo vê o tempo escorrer enquanto espera que um grande acontecimento – a invasão tártara – venha mexer e até mesmo dar sentido à sua existência. Para Drogo, o episódio decisivo chega tarde, quando o tempo já fez a sua parte. Para Luciano, personagem criado por Werner Schünemann em Alice Deve Estar Viva, o ponto de inflexão chega antes, através de um recado da ex-mulher. Ele está na meia-idade, separado de Alice, distante da filha Laura, acostumado com a rotina de trabalho no mercado de commodities, os estudos para uma entrada tardia na carreira diplomática e os passeios com Togo, o cão que divide com Luciano o apartamento em São Paulo e a solidão.
O recado de Alice instaura uma imediata situação crítica, o que faz com que Luciano saia de São Paulo, da sua zona de conforto, e volte para o seu espaço original, o pampa – no Brasil declinamos essa sonora palavra no masculino, e significa não apenas um espaço geográfico, caracterizado pelas grandes propriedades rurais, as estâncias, mas o pampa é, principalmente, uma instituição simbólica e cultural que empolga uma História épica.
Embora as idas e vindas de Alice Deve Estar Viva – a alternância de cenários é tão dinâmica quanto a linguagem do romance –, é no pampa gaúcho, especificamente em uma estância no interior de Bagé, que a narrativa tem início. Esse começo, entretanto, não explora a paisagem de horizontes ilimitados do pampa, pelo contrário: é escuro e claustrofóbico, pois o leitor tem o primeiro contato com Luciano quando o personagem está no fundo de um poço. Schünemann não utiliza essa imagem de maneira aleatória. Ela é uma pista de que os acontecimentos inesperados e as reviravoltas farão parte da trama.
Aliás, o inesperado é uma das marcas de Alice Deve Estar Viva e se manifesta inclusive nos pormenores. A descrição de um amanhecer na estância Los Ríos, herança de Luciano, pedaço de chão que o prende à família, ao passado e à terra natal, é exemplar nesse sentido: No pampa não amanhecia, apenas. Era sempre um espetáculo de cores e silhuetas, coisa de que Luciano mais gostava na Los Ríos. Acordar cedo, maravilhar-se com o dia chegando e depois um bom chimarrão. Porém naquele dia não houve espetáculo. O cinza tomou conta do céu imenso já ao amanhecer e logo a chuvinha gelada cobriu todas as coisas
. É notória a tendência descritiva de Werner; neste caso, serve de contraponto às circunstâncias interiores da personagem central, num jogo de sutis conotações.
A cena na qual Luciano se esconde no poço também é significativa por outras indicações. O leitor familiarizado com algumas das histórias publicadas nesta parte Sul da América não consegue fugir ao colóquio que o texto de Schünemann realiza com seus predecessores. Como o Martiniano Ríos de Mario Arregui e o Daniel Abrahão Schneider de Josué Guimarães, Luciano é levado para dentro do poço porque o perigo e o desconhecido se aproximam. Em Un cuento con un pozo
e em A Ferro e Fogo, o medo vem com as patas dos cavalos dos soldados e dos castelhanos; em Alice Deve Estar Viva, o inimigo é moderno, vem de camionete, parece estar espalhado por todos os lados e está envolvido em tipo de contrabando refinado.
Assim como ocorre no conto uruguaio e no romance gaúcho, no livro de Schünemann figura uma personagem forte: Teresa. Aqui no Rio Grande do Sul temos a tradição de personagens femininas dominantes, de que é emblema Ana Terra, essa inesquecível personagem central de alguns episódios de O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo, incluída no rol dos afetos literários mais fortes dos leitores. Se Ana Terra buscava a paz para construir sua vida e de sua família, e para isso teve de enfrentar guerras, a mãe de Alice aventura-se ao lado do ex-genro na procura pela filha, e faz o que pode para garantir a segurança do clã. Se Luciano é o protagonista, o sujeito que recebe a atenção do leitor desde o começo, e que é acompanhado por quinze dias, Teresa é uma das principais forças a mover os caminhos e os descaminhos da narrativa. Juntos, Luciano e Teresa cruzam estradas e fronteiras atrás de Alice, agem como detetives e vítimas de um thriller policial, mostrando que na vida há tempo para muito mais. Para descobrir o que é esse muito mais, o leitor não pode esperar pelos acontecimentos como Giovanni Drogo. É preciso buscar Alice Deve Estar Viva o quanto antes, lê-lo com os olhos apertados e atentos, com os olhos de quem observa o pampa ao longe, vê a amplidão mas não se desprende dos pormenores.
Como disse ao princípio, temos um romance, e, agora acrescento, um novo nome da literatura, trazido à consideração do público. É um drama no pampa, mas não só: é do Brasil e, mais do que isso, trata da alma humana e das suas contradições, o que, ao fim das contas, é o que justifica uma boa narrativa.
Boa leitura! Porto
Alegre, Primavera de 2021.
-
¹ Prefácio à primeira edição portuguesa.
DIA 1
Quando recebeu o recado de Alice, não podia imaginar que deixaria São Paulo e, dois dias depois, estaria escondido no fundo de um poço da estância em Bagé.
O recado era para que se encontrassem na estância. Não atendeu os chamados anteriores, desde a separação as conversas costumavam ser tensas. Luciano estava levando a vida de forma que considerava muito satisfatória. No entanto o recado viera através de Seu Antero, e este sempre era atendido. Teria que voar a Porto Alegre e alugar um carro para chegar na estância a alguns quilômetros de Bagé. Nunca se cansaria daquela paisagem, o pampa sempre seria belo com aqueles seus horizontes plurais. Mas fazer a viagem a contragosto diminuía o prazer. O trabalho no mercado de commodities não se largava assim no mais. Não se tratava de renegar ou esquecer os lugares onde passara a infância e, a contragosto, a adolescência. As grandes descobertas. Os cavalos. As ‘sangas de banho’, onde aprendera a nadar. E onde tinha descoberto Alice, Alice menina, Alice garota, aos quinze anos, mulher. A sua mulher.
Era uma Carmelo, filha de Érico e Teresa Carmelo, da estância Gerônimo. Estância Gerônimo era lindeira com estância de Luciano, a Los Ríos. Nome castelhano desde quando se sabia, sempre na família. Duas estâncias. Luciano numa, Alice na outra, de onde vinha para banho de sanga. Alice paixão, namoro, amor. Tudo mantido secreto até que completasse 15 anos, quando os comunicados às famílias deixaram pais e mães não orgulhosos, mas satisfeitos. Tanto que Luciano achou um pouco suspeito. À noite, Seu Érico trouxe os espumantes para um brinde e até D. Teresa, sempre bela e reservada, bebeu. Luciano e Alice passaram a se ver todos os dias, dormindo lá e cá. Então decidiram universidades. Foi o êxodo para capitais, estudos, vida a dois em São Paulo, uma filha logo e depois mais nenhum, nada de gatos, apenas cachorros. Vários até o que tinha agora e que atendia pelo nome de Togo. Grande companheiro na solidão das noites paulistas esperando Alice chegar dos plantões, amigo de passeios e carinhos mútuos. Um cão resolve vários problemas, mas introduz outros na vida do casal, que o afeto os ensinou a desconsiderar.
Caminhada com Togo. Felicidade do cão. Quando ainda havia um casal, o prazer de andar ao ar livre, nada de celulares, fones, era um acordo. Só mãos dadas, de que Luciano gostava mais do que ela. Também perguntas e conversas. Quando Alice se foi, Togo ficou na casa. Passou a ser apenas ele passeando com seu cão. Togo sentia a ausência de Alice. Luciano cantava e assobiava, imaginando distrair o amigo da tristeza que ele próprio também sentia. Chegava em casa e primeiro tinha uma boa conversa com Togo, rolavam pelo chão, simulavam lutas, dois amigos de fato. Com o tempo Luciano também aprendeu a ocupar o vazio mantendo diálogos com amigos que se admiravam ou com desafetos que mandava à merda. E conversas imaginárias com Alice, muitas. Acostumado com os balbucios e sussurros de Luciano, Togo sabia ignorá-los. Sem mais Alice. Togo.
Mas no início, há vinte e poucos anos, as coisas davam certo e a vida começara vibrante. Alice num bom hospital, ele uma boa posição numa corretora de mercados agrícolas. Somados, um faturamento razoável. A filha, Laura, veio em seguida. A alegria de ser pai. Ver a alegria de ser mãe na reservada Alice. O mundo tinha mais luz do que Luciano podia suportar. Quando Laura tinha dez anos, surgiu a ideia de voltar aos estudos e tentar carreira diplomática. Queria entrar para o Itamaraty. Alice guardava silêncios enfáticos ao ouvi-lo falar sobre o assunto. Foi levando o curso de comércio exterior ao longo de quatro anos. Depois estudaria francês, alemão. Aos poucos a vida deixava de ser animadora. Luciano não largou as aulas de comércio exterior, alvo predileto de Alice:
Só você acha que pode virar diplomata aos 50.
Pelos meus cálculos, dá pra começar mesmo aos 60. Eles sempre vão precisar de especialistas.
Eles quem?
Ué, o Itamaraty.
Eles precisam de juízo, não de caixeiros viajantes.
Era como o chamava quando queria magoar. E, nessas conversas, era frequente que quisesse. Conversas em que Luciano pensava – mas não dizia –expressões como vai se foder, vai tomar no cu. Não utilizava esse vocabulário com naturalidade nem frequência. Mas era difícil resistir ao mau humor de Alice. Se tudo desse certo e ele entrasse para o Itamaraty, não iria acompanhá-lo. Essa era a fonte do mau humor. Ele em Brasília, ela em São Paulo. Ele numa embaixada europeia, ela em São Paulo. Ele numa embaixada africana, ela sempre ali – em São Paulo. Daí esta implicância? Daí. Continuava linda desde sempre, linda e intransigente. Numa das últimas conversas, Luciano sugeriu que queria para si mesmo realização profissional semelhante à dela. Alice olhou o marido, deu um riso seco e continuou a escovar o cabelo.
Não vou suportar viver períodos enormes sozinha.
Isso não é bem assim.
É bem assim.
No entanto não foi por isso que um dia Alice foi embora, mas porque estava cansada dele. Foi o que disse. Baixou a cabeça esperando que ele dissesse algo. Perplexo, Luciano percebeu que falava sério. Talvez fossem mesmo necessários muitos anos de convivência para alguém ser surpreendido pelo parceiro. É quando as defesas estão baixas, quando parece que a vida continuará em movimento contínuo, moto perpetuo, desde que nada seja mexido. Tudo findo, a vida parecia ter enguiçado. Não parecia que fosse suportar. Arrasado, Luciano não sabia o que dizer e não disse nada. Que ela pudesse querer separar não fazia parte de seus pensamentos. Como podia não ter percebido nada? O que queria dizer com embora? Viver em casas separadas? Tentar outro tipo de casamento? Alice não resistiu ao silêncio dele:
Conheci uma pessoa.
Eis como a conversa podia piorar. Era hora de falar. Atordoado, a primeira bobagem que veio à tona, Luciano disse.
Pessoa masculina?
Sempre achou que um dia Alice teria um romance com uma mulher. Mas naquele momento só obteve um olhar azedo de volta.
Assim, Alice foi embora e com ela levava a vida inteira. Não havia lembrança de Luciano sem Alice, e isso parecia tão natural. No entanto tinham uma filha. Laura era estudante em Londres e falava na inevitável separação dos pais há anos. Achava absurdo que ainda estivessem juntos. Os pais riam, era equívoco juvenil e Luciano jurava que era mesmo. Laura insistia, convicta de que não serviam um para o outro. Bem, se estava errada antes, não parecia estar agora. Luciano admirou sua premonição. Naquela tarde ligou para a filha.
A mãe me contou. Sei lá o que dizer. Poxa, pai. Enfim. Como você está?
Então Alice se apressara a contar. Para ser a