Bens Digitais - 3ª Ed - 2024
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Sobre este e-book
Há uma defesa enfática de que bens digitais sejam objeto de outros tipos de negócios jurídicos, como compra e venda, doação e empréstimo. E, uma proposta até então nova, de que bens digitais possam também ser dados em garantia.
Indubitavelmente, quem se aventura a escrever sobre Direito Digital, este novo ramo da ciência jurídica, há que se manter forte na premissa da criatividade. O Direito Digital requer mais inovação e menos repetição. E neste sentido, há uma tendência, a nosso sentir, da obra ser demasiadamente autoral, o que para alguns pode vir a soar como traço de arrogância ou desprestígio à metodologia de pesquisa científica. Mas, não. Aqui fazemos uma defesa dedicada a ideias que nos movem há mais de uma década e que promovem uma renovada experiência da ciência jurídica, frente ao universo online.
Uma reengenharia da forma de pensar do jurista está em plena ebulição. Acreditamos que quem se aventura a ler a presente obra está a buscar as novas fronteiras, que cortam de maneira transversal a tradicional sistemática jurídica. Quanto mais a tecnologia evolui, maior é a necessidade de atualização interdisciplinar.
Pensamentos e mentes abertas, obviamente sujeitos a inúmeras advertências, mas que conduzem a um novo refletir sobre o papel do Direito na terceira década do milênio. Para tanto, coragem é elemento fundamental. E com esta, pretendemos prosseguir desafiando a velha sistemática imposta ao Direito, antes do universo do digital marcar definitivamente nossa quadra histórica atual.
Que esta 3ª Edição possa continuar a promover inquietações e reflexões relevantes acerca do maravilhoso e, cada vez mais pulsante, mundo dos Bens Digitais".
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Bens Digitais - 3ª Ed - 2024 - Bruno Zampier
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD
L131b Lacerda, Bruno Torquato Zampier
Bens Digitais [recurso eletrônico] : Cybercultura, Redes Sociais, E-mails, Livros, Milhas Aéreas, Moedas Virtuais / Bruno Torquato Zampier Lacerda. - 3. ed. - Indaiatuba, SP : Editora Foco, 2024.
304 p. ; 16cm x 23cm.
Inclui bibliografia e índice.
ISBN: 978-65-6120-130-8 (Ebook)
1. Direito. 2. Direito digital. 3. Internet. I. Título.
2024-1929 CDD 340.004.678 CDU 34:004
Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410
Índices para Catálogo Sistemático:
1. Direito Digital 340.004.678
2. Direito Digital 34:004
Bens Digitais, Cybercultura, Redes Sociais, E-mails, Livros, Milhas Aéreas, Moedas Virtuais. Bruno Torquato Zampier Lacerda. Editora Foco.2024 © Editora Foco
Autor: Bruno Zampier
Diretor Acadêmico: Leonardo Pereira
Editor: Roberta Densa
Coordenadora Editorial: Paula Morishita
Revisora Sênior: Georgia Renata Dias
Capa Criação: Leonardo Hermano
Diagramação: Ladislau Lima e Aparecida Lima
Produção ePub: Booknando
DIREITOS AUTORAIS: É proibida a reprodução parcial ou total desta publicação, por qualquer forma ou meio, sem a prévia autorização da Editora FOCO, com exceção do teor das questões de concursos públicos que, por serem atos oficiais, não são protegidas como Direitos Autorais, na forma do Artigo 8º, IV, da Lei 9.610/1998. Referida vedação se estende às características gráficas da obra e sua editoração. A punição para a violação dos Direitos Autorais é crime previsto no Artigo 184 do Código Penal e as sanções civis às violações dos Direitos Autorais estão previstas nos Artigos 101 a 110 da Lei 9.610/1998. Os comentários das questões são de responsabilidade dos autores.
NOTAS DA EDITORA:
Atualizações e erratas: A presente obra é vendida como está, atualizada até a data do seu fechamento, informação que consta na página II do livro. Havendo a publicação de legislação de suma relevância, a editora, de forma discricionária, se empenhará em disponibilizar atualização futura.
Erratas: A Editora se compromete a disponibilizar no site www.editorafoco.com.br, na seção Atualizações, eventuais erratas por razões de erros técnicos ou de conteúdo. Solicitamos, outrossim, que o leitor faça a gentileza de colaborar com a perfeição da obra, comunicando eventual erro encontrado por meio de mensagem para contato@editorafoco.com.br. O acesso será disponibilizado durante a vigência da edição da obra.
Data de Fechamento (6.2024)
2024
Todos os direitos reservados à
Editora Foco Jurídico Ltda.
Rua Antonio Brunetti, 593 – Jd. Morada do Sol
CEP 13348-533 – Indaiatuba – SP
E-mail: contato@editorafoco.com.br
www.editorafoco.com.br
À minha mãe Vânia, à minha vovó Duína,
à minha tia Valéria e à minha filhota Anna.
As mulheres da minha vida.
"Aquilo que se transforma chama muito
mais a atenção do que aquilo que continua como sempre foi."
(GADAMER, 2014).
SUMÁRIO
RESUMO
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
APRESENTAÇÃO À 3ª EDIÇÃO
APRESENTAÇÃO À 2ª EDIÇÃO
PREFÁCIO À 1ª EDIÇÃO
1. INTRODUÇÃO
2. A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO E CIBERCULTURA
2.1. Considerações Gerais
2.2. O mundo virtual
2.3. A Internet
2.3.1. Histórico
2.3.2. Conceito e características
2.3.3. A noção de conteúdo
2.4. As redes sociais
2.5. A sociedade do espetáculo
3. OS BENS JURÍDICOS
3.1. Noções preliminares
3.2. Bens e coisas
3.3. Bens corpóreos e incorpóreos
3.4. A informação como bem jurídico
3.5. O valor existencial como bem jurídico
4. BENS DIGITAIS
4.1. Delimitação do tema, natureza jurídica e conceito.
4.2. Importância dos bens digitais
4.3. Bens digitais patrimoniais
4.3.1. O patrimônio
4.3.2. Patrimônio geral e patrimônio especial
4.3.3. Os direitos patrimoniais e a propriedade
4.3.4. A propriedade dos bens digitais
4.3.5. A função social dos bens digitais
4.3.6. Patrimônio digital na Reforma do Código Civil
4.4. Bens digitais existenciais
4.4.1. A dignidade da pessoa humana
4.4.2. A personalidade
4.4.3. Os direitos da personalidade
4.4.4. A identidade virtual
4.4.5. Os bens da personalidade como bens digitais existenciais
4.5. Bens digitais patrimoniais-existenciais
5. MORTE, INCAPACIDADE E BENS DIGITAIS
5.1. A morte
5.2. A Morte e os bens digitais
5.2.1. Noções gerais
5.2.2. Sucessão dos bens digitais patrimoniais
5.2.3. Sucessão ou extinção dos bens digitais existenciais
5.3. A incapacidade: perspectiva histórica e releitura à luz do Estatuto da Pessoa com Deficiência
5.4. Incapacidade e os bens digitais
5.5. Conclusão sobre o capítulo
6. AUTONOMIA PRIVADA E REGULAÇÃO ESTATAL
6.1. As novas fronteiras da autonomia privada
6.2. Testamento digital (digital will): por um novo formato de testamento particular
6.3. Diretivas antecipadas da vontade e a possibilidade de regulamento do destino dos bens digitais
6.4. Intervenção estatal: limites de atuação do Estado e o Marco Civil da Internet
6.5. Soluções para o destino dos bens digitais a partir da análise das teorias da argumentação
7. BENS DIGITAIS NO DIREITO ESTRANGEIRO
7.1. A polêmica dos ativos digitais nos Estados Unidos
7.2. A questão na Europa: a busca por regulamentação
7.3. Alemanha: leading case sobre a sucessão dos bens digitais
8. RESPONSABILIDADE CIVIL E BENS DIGITAIS
9. DECISÕES DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS SOBRE BENS DIGITAIS
A) Julgados que expressamente consideram os bens digitais
B) Julgados que se referem a invasão, bloqueio, reativação e uso abusivo de perfis de redes sociais
C) Julgados que se referem a patrimônio digital
D) Julgados que se referem a milhas aéreas
E) Julgados que se referem a criptoativos
F) Julgados que se referem a herança digital
10. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
Pontos de referência
Capa
Sumário
RESUMO
Redes sociais, e-mails, milhas aéreas, moedas virtuais, músicas e livros digitais: lidamos diariamente com uma série de interesses que não estão a merecer a devida atenção do mundo jurídico. Este livro aborda a questão dos bens digitais na sociedade da informação, buscando analisar o contexto sociológico no qual estes ativos surgem, sua natureza jurídica, a importância no atual momento histórico, suas repercussões no âmbito da personalidade humana e em sede patrimonial. Ademais, busca encontrar soluções para problemas que esta nova categoria de bens jurídicos suscita, principalmente quando da ocorrência da morte ou superveniência de incapacidade do titular, visando preservar os interesses envolvidos, tais como o do próprio sujeito, de seus familiares, de terceiros e dos provedores de Internet. Para tanto, envereda-se pelas novas fronteiras da autonomia privada, discutindo a possibilidade de a vontade regular este destino, seja por meio de testamentos digitais ou diretivas antecipadas. Na ausência de manifestação de vontade, discute-se sobre o eventual papel regulamentador do Estado quanto ao tema e, também, as formas de atuação do Judiciário. Por fim, procede-se a uma análise da legislação comparada, dando ênfase aos projetos de lei existentes nos Estados Unidos e Europa sobre os denominados digital assets.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
APRESENTAÇÃO À 3ª EDIÇÃO
Em 2013, um projeto de mestrado apresentado no Programa de Pós-graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, tinha a ousada intenção de defender a possibilidade da transmissão de heranças digitais. Mal sabíamos que para argumentar em prol da então inédita temática, teríamos que percorrer a teoria geral do Direito, chegando à conclusão de que seria necessário, em caráter preliminar, consagrar a existência de uma nova categoria de bem jurídico, que optamos por denominar de Bens Digitais.
Com pouquíssima bibliografia sobre o tema, tanto no Brasil quanto no exterior, e com uma rara iniciativa norte-americana a partir dos trabalhos da ULC (Uniform Law Comission), partimos rumo à construção da dissertação, que foi defendida no início de 2016, recebendo nota máxima cum laude.
Onze anos após o início de nossas pesquisas sobre Bens Digitais, as ideias continuam a borbulhar. Agora, renovadas por vasta bibliografia construída por nobres colegas de docência, pesquisadores, estudantes de graduação e pós-graduação. Pipocam trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses sobre a apaixonante temática, para nossa imensa alegria. E, assim era previsto. Os problemas deixados por perfis de pessoas falecidas, a digitalização da economia, as moedas virtuais, a ampliação da espetacularização nas redes sociais, o nascimento constante de novas plataformas que atraem milhões de usuários, não escapariam da análise acurada dos juristas na terceira década deste início de milênio.
Esta 3ª Edição chega com uma proposta talvez um pouco mais provocativa e menos definitiva, sobre alguns tópicos relativos aos bens digitais. Se a herança digital já está mais que consolidada, em textos, livros e mesmo na jurisprudência, ainda resta saber como será sua inserção no ordenamento jurídico vigente, papel este que inclusive está designado à Comissão de Juristas encarregada no âmbito do Senado Federal da revisão e atualização do Código Civil de 2002, em especial a Subcomissão de Direito Digital.
Ocorre que os Bens Digitais não podem ser identificados apenas como algo relevante no tópico da herança digital. Os Bens Digitais certamente vão muito além dessa herança digital. Se a proposta inicial deste trabalho, no longínquo ano de 2013, era atacar principalmente este ponto, hoje é necessário ir adiante. O presente livro se propõe efetivamente a descortinar outros cenários trazidos pela titularidade de ativos digitais.
Desde o princípio, entendemos que era importante sedimentar um conceito para os bens digitais. E, humildemente, acreditamos que esta seja uma das principais contribuições desta obra, desde sua primeira edição. Tanto é verdade que esta conceituação agora vem, com algumas adaptações, como proposta da Comissão de Juristas que atualiza o Código Civil (CJCODCIVIL). Se aprovada, a proposta legislativa que advirá do trabalho desta Comissão irá trazer um conceito normativo para Bem Digital.
De igual modo, a tentativa metodológica empreendida de se classificar os bens digitais em três categorias, é um ponto crucial que vem sendo citado, para nossa imensa honra, por vários pesquisadores e autores. Saber quando um bem digital deve ser classificado como bem digital patrimonial, bem digital existencial e bem digital de natureza mista, tem sido essencial para se dimensionar adequadamente a repercussão da titularidade e exercício desta. A citada Comissão, também fez questão de incluir esta classificação na proposta legislativa retratada em seu relatório final, apresentado no início de 2024.
Tivemos a imensa honra de participar virtualmente de reunião desta Subcomissão de Direito Digital da CJCODCIVIL, realizada em 23.10.2023, na sede da OAB/SP, quando novamente reiteramos nosso entendimento sobre conceitos, classificações e necessidade de normatização dos Bens Digitais. Defendemos também que os bens digitais fossem encarados de forma mais ampla, não devendo ser reduzidos à herança digital.
Nesta 3ª edição, também se enfrentará de forma mais aprofundada a problematização de caráter processual, especialmente no caso da penhora. Afinal, um bem digital pode ou não ser penhorado? Quais as possíveis restrições e como vem se posicionando os tribunais brasileiros?
Há uma defesa enfática de que bens digitais sejam objeto de outros tipos de negócios jurídicos, como compra e venda, doação e empréstimo. E, uma proposta até então nova, de que bens digitais possam também ser dados em garantia.
Indubitavelmente, quem se aventura a escrever sobre Direito Digital, este novo ramo da ciência jurídica, há que se manter forte na premissa da criatividade. O Direito Digital requer mais inovação e menos repetição. E neste sentido, há uma tendência, a nosso sentir, da obra ser demasiadamente autoral, o que para alguns pode vir a soar como traço de arrogância ou desprestígio à metodologia de pesquisa científica. Mas, não. Aqui fazemos uma defesa dedicada a ideias que nos movem há mais de uma década e que promovem uma renovada experiência da ciência jurídica, frente ao universo online.
Uma reengenharia da forma de pensar do jurista está em plena ebulição. Acreditamos que quem se aventura a ler a presente obra está a buscar as novas fronteiras, que cortam de maneira transversal a tradicional sistemática jurídica. Quanto mais a tecnologia evolui, maior é a necessidade de atualização interdisciplinar.
Pensamentos e mentes abertas, obviamente sujeitos a inúmeras advertências, mas que conduzem a um novo refletir sobre o papel do Direito na terceira década do milênio. Para tanto, coragem é elemento fundamental. E com esta, pretendemos prosseguir desafiando a velha sistemática imposta ao Direito, antes do universo do digital marcar definitivamente nossa quadra histórica atual.
Que esta 3ª Edição possa continuar a promover inquietações e reflexões relevantes acerca do maravilhoso e, cada vez mais pulsante, mundo dos Bens Digitais.
APRESENTAÇÃO À 2ª EDIÇÃO
Após publicarmos a 1ª edição de Bens Digitais em 2017, é chegada a hora de ofertamos à comunidade jurídica esta nova edição. Fruto de nossa dissertação de mestrado em Direito Privado defendida no início de 2016 na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, aprovada com nota máxima cum laude, a obra teve ótima aceitação no meio acadêmico. Isto denota a relevância de se considerar a existência de uma nova modalidade de bem jurídico, derivado dos recentes paradigmas enfrentados por uma sociedade cada vez mais hiperconectada ao universo online, mediado pela internet.
A virtualização da vida é uma realidade contra a qual não há como se opor. E, sendo assim, descortinam-se cada vez mais hipóteses de regulação estatal ou privada, dos novos cenários que aos poucos vão surgindo. Nesta edição, procuramos trazer alguns temas inéditos, não contemplados na anterior, tais como a possibilidade de empréstimo de ativos digitais e a evolução da temática na comunidade europeia, tanto em nível legislativo, quanto jurisprudencial.
Abordamos, ainda, a necessidade do Brasil avançar nesta seara dos Bens Digitais. Os projetos de lei existentes são absolutamente insuficientes para a regulação da vastidão de possibilidades que a sociedade em rede exige e anseia. Defendemos, assim, que nosso País caminhe na mesma direção que os Estados Unidos e Canadá, aprovando um microssistema próprio de tutela desta novel categoria de bens. Não serão meros ajustes tacanhas no Código Civil que terão o condão de regular de forma efetiva esta realidade do mundo online.
Além disso, optamos por inserir um capítulo próprio relativo à responsabilidade civil no universo dos bens digitais. A partir de pesquisas feitas ao longo dos últimos anos, percebemos a necessidade da mais aquecida área do Direito Civil também fornecer suas contribuições no âmbito dos ativos virtuais. Para tanto, traçamos novas hipóteses de responsabilização, a partir das cláusulas gerais existentes em nossa legislação.
É correto dizer que muito mais poderia ter sido dito nesta 2ª edição, uma vez que as reflexões sobre o tema são diárias e inquietantes. Todavia, optamos por inserir apenas aquelas ideias que já passaram por um processo de maturação mais aprimorado. Precisamos, confessadamente, explorar mais detidamente a possibilidade de titularidades transversas de bens digitais, a objetificação destes ativos como garantias pessoais ou reais, a complexidade relativa aos bens digitais públicos, o condomínio de bens digitais, o exercício do poder familiar neste cenário, entre outras questões.
Fica aqui registrada a promessa de que em breve, nas novas edições desta obra, iremos inserir estas e outras tantas questões que vêm nos desafiando enquanto juristas e pesquisadores do tema. Muito se tem evoluído, especialmente no exterior. Há que se manter atento.
Temos uma satisfação incomensurável em ver a 1ª edição sendo citada em tantos trabalhos acadêmicos, servindo inclusive como referencial teórico. Quando iniciamos as pesquisas sobre ativos digitais sabíamos que o Brasil necessitava enfrentar esta discussão. Todavia, não imaginávamos que o tema teria tanta aceitação entre os estudantes e demais operadores do Direito. Fica, desde logo, registrada a nossa enorme gratidão a todos que leram e utilizaram de alguma forma esta obra. Muito obrigado.
Aos estudos!
PREFÁCIO À 1ª EDIÇÃO
O prefácio de um livro tem diversas finalidades.
Com efeito, por meio dele, pode-se fazer, a título exemplificativo, uma introdução ao tema da obra, um elogio do trabalho desenvolvido ou uma apresentação do autor.
E por que não tentar fazer tudo isso junto?
O tema do bens digitais
é atualíssimo.
Assim, como não elogiar um trabalho que se propõe a enfrentar, a partir da compreensão da sociedade da informação e do fenômeno da cibercultura, todo o tratamento jurídico da matéria, dissecando-a com base na classificação tradicional dos bens jurídicos para propor uma verdadeira sistematização da disciplina normativa dos bens digitais, inclusive enfrentando a tormentosa questão dos efeitos jurídicos da morte ou incapacidade de seu titular.
O texto tem uma abrangência e profundidade de tal magnitude que não descura de temáticas como a autonomia privada e regulação estatal, tratando, inclusive, da questão no direito estrangeiro, na perspectiva norte-americana e europeia.
Um desafio para poucos, sem a menor sombra pálida de dúvida.
E foi com ele que seu autor logrou êxito para a obtenção, com louvor, do título de Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, em banca que tive a honra de compor, na condição de avaliador externo.
A dissertação é finalmente convertida em publicação, após sofrer as maturações necessárias do tempo e da reflexão sobre as ponderações da avaliação e da prática jurídica.
Trata-se, portanto, de um estudo que tem tudo para se tornar uma referência no Brasil, não somente pelo seu maravilhoso conteúdo, mas também pelos evidentes méritos profissionais de seu autor, um experimentado e respeitado professor, amplamente testado e reconhecido no cenário jurídico nacional em diversos cursos de pós-graduação e preparatório para concursos.
Registre-se que Bruno Torquato Zampier Lacerda é, além disso, Delegado de Polícia Federal, Classe Especial - Departamento de Polícia Federal, extremamente respeitado pela sua atuação humana e comprometida.
Honrado pelo convite para a redação deste prefácio e da lembrança viva do brilho com que foi defendido o trabalho do qual foi originado o livro, cabe-me, sem dúvida, recomendá-lo ao leitor destas linhas, na certeza de que tem, em mãos, um manancial fundamental, constituindo-se na mais importante e atualizada obra do Brasil sobre o tema.
Salvador, 11 de agosto de 2017
Rodolfo Pamplona Filho
Juiz Titular da 32ª Vara do Trabalho de Salvador/BA. Professor Titular de Direito Civil e Direito Processual do Trabalho da UNIFACS — Universidade Salvador. Coordenador dos Cursos de Especialização em Direito Civil e em Direito e Processo do Trabalho da Faculdade Baiana de Direito e dos Cursos de Especialização on-line em Direito Contratual e em Direito e Processo do Trabalho da Estácio (em parceria tecnológica com o CERS Cursos on-line). Professor Associado da graduação e da pós-graduação (Mestrado e Doutorado) em Direito da UFBA — Universidade Federal da Bahia. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo — PUC-SP. Máster em Estudios en Derechos Sociales para Magistrados de Trabajo de Brasil pela UCLM — Universidad de Castilla-La Mancha/Espanha. Especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia. Membro e Presidente Honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia, Academia Brasileira de Direito Civil — ABDC, Instituto Brasileiro de Direito Civil — IBDCivil e Instituto Brasileiro de Direito de Família — IBDFAM.
1
INTRODUÇÃO
A forma de vida atual, em uma sociedade globalizada e informatizada, impõe novos desafios a vários segmentos científicos, em especial às denominadas ciências do espírito. O Direito, como integrante deste gênero, é influenciado pelas mudanças sociais ocorridas nas últimas décadas, tendo assim, portanto, que estabelecer seus limites de atuação e não intervenção. Tal premissa é parte indissociável do processo de formação da linguagem jurídico-legal.
Em um mundo cada vez mais conectado aos computadores e às redes digitais, a pessoa natural, assim como outros entes, vai se virtualizando. Faz-se necessário verificar se já é possível se trabalhar com novos conceitos, como o de personalidade virtual e de bens digitais, com reflexos e efeitos próprios, como resultado de um processo de modernização e adequação da ciência jurídica à realidade presente.
Tratar as dezenas de novas questões que o mundo digital nos apresenta somente a partir das concepções tradicionais conhecidas poderia implicar, além de insegurança jurídica, uma produção de respostas inadequadas e insuficientes, bem como na desproteção da pessoa humana, em total desrespeito ao preconizado pelos ordenamentos jurídicos ocidentais.
A dogmática jurídica vem desconhecendo quase que por completo este novo momento social, insistindo no mais das vezes em trabalhar hipóteses que fazem referência a uma sociedade calcada apenas na realidade e não na virtualidade. Esta cautela, ou mesmo omissão, do Direito no que diz respeito às influências tecnológicas favorece a criação de um espaço hermenêutico para um pensamento crítico de nossa ciência, quer sob o viés da formulação de normas adequadas, quer seja pela aplicação judicial do normativo ora existente.
É fato que o mundo virtual traz uma série de conflitos, conhecidos ou inéditos, aos quais os juristas não poderão se furtar de darem sua contribuição, a fim de preveni-los e solucioná-los. A ciência social do Direito não deve ficar alheia a tal fenômeno, que possui um caráter universal e notadamente democrático.
Para além de lesões a direitos neste novel ambiente, outras situações merecem especial atenção, tais como a titularidade de ativos digitais, a fluidez dos direitos da personalidade, o exercício da autonomia privada, sobremaneira por meio de declarações de vontade virtuais com efeitos em vida ou post mortem.
A sociedade imersa em um enorme paradigma virtual faz com que as emoções, ideias, conceitos, noções de tempo, espaço e, até mesmo, do que seja realidade transformem-se constantemente. O virtual concorre com o real, sem que haja substituição. Porém, há uma multiplicação de suas oportunidades de atualização. Questões filosóficas e sociológicas surgem paralelamente aos dilemas jurídicos.
Os níveis de contato interpessoal se avolumam, grande parte em virtude da rede mundial de computadores, a internet. O ser atual é hiperconectado, sendo que muitos vivem mais tempo diante de seus gadgets¹ do que do mundo concreto que os cercam.
Para a compreensão deste novo momento da história, é preciso analisar esta sociedade da informação, especialmente a partir do entendimento da evolução da internet, com o advento da denominada web 2.0² (rede que incentiva o fornecimento de serviços gratuitos, incrementando a colaboração, a cooperação e a interatividade entre os usuários, fazendo com que a pessoa natural passe a ser senão o maior, um dos maiores colocadores e difusores de conteúdo), o fenômeno das redes sociais, os contratos eletrônicos e as demais formas de declarações de vontade online.
Tais instrumentos de interação e conexão, se visualizados numa linha temporal, farão com que o sujeito passe a ser titular de um verdadeiro legado digital. São blogs, redes sociais, vídeos, músicas, contatos, correios eletrônicos, álbuns de fotografias, dezenas ou centenas de senhas que descortinam a vida do indivíduo. Por certo, estas novas realidades implicam no surgimento de novos problemas.
Nas perfeitas lições de Manuel Castells,³ na sociedade em rede há uma nova visão sobre o tempo: o tempo intemporal. Nesta perspectiva, este tempo intemporal pertenceria ao espaço de fluxos, ao passo que a disciplina tempo, o tempo biológico e a sequência socialmente determinada, caracterizaria os lugares do mundo, estruturando e desestruturando as sociedades. Assim, fluxos induzem tempo intemporal, enquanto lugares estariam presos ao tempo. Ao longo da história, o tempo transformou os espaços, as sociedades, as culturas. O espaço de fluxos, aqui denominado de tempo intemporal, dissolve o tempo tal qual o conhecemos tradicionalmente, fazendo com que os eventos sejam simultâneos, trazendo uma efemeridade eterna.
É exatamente neste tempo intemporal que se desenvolve a titularidade de ativos digitais, tal qual será explorado neste trabalho. Não há um espaço predefinido para que a vida virtualizada transcorra, tal qual havia no passado desconectado da rede. Indivíduos tem agora uma tendência a transcenderem o tempo biológico. A título de exemplo, ao se analisar o mural (feed) de uma rede social, tem-se a clara impressão de que todas as fotos postadas transcendem à noção de espaço e tempo biológico, mesmo porque podem ter sido postadas num curto espaço de tempo, embora os eventos dignos de registro possam estar a anos de distância uns dos outros. E neste mural, é possível que haja uma precária tentativa de eternização de momentos, aparências, felicidades ou qualquer outra representação imagética que demonize o transcorrer natural do tempo, tal qual este era conhecido. Ou seja, é possível que bens digitais venham sendo utilizados até de forma inconsciente como uma tentativa de invalidação do tempo da existência terrena. É a sociedade em rede no limiar do eterno.
Assim, algumas importantes perguntas podem ser lançadas desde já. Este legado digital, dissolvido no elemento tempo, integraria uma concepção moderna de patrimônio? Sendo considerado um patrimônio, este carregaria consigo a concepção clássica, vinculada a interesses econômicos, ou poderia envolver também bens com nítido extrapatrimonial? Estaria estruturado dentro da concepção de uma universalidade de fato ou de direito? Seria então possível revisitarmos o conceito clássico de bens jurídicos e iniciar uma nova categoria de bem jurídico: os bens digitais? Como se exercitaria a titularidade desses bens?
Do ponto de vista da responsabilização civil, vivemos o ápice da denominada sociedade de risco
. No conceito elaborado na década de 1980, o autor Ulrich Beck explora que a tecnologia, fruto do desenvolvimento cada vez mais célere da ciência, acabou por criar um tipo específico de modelo social no qual o sucesso na produção de riqueza teria sido ultrapassado pela produção do risco, ou seja, a ameaça de concretização de danos se sobrepõe à lógica da acumulação de bens.⁴ Somos uma sociedade do medo, premidos por uma invisível sensação de insegurança, como se a qualquer momento ameaças globais e catastróficas pudessem se materializar; aquecimento global, guerras nucleares, ciberterrorismo, pandemias, entre outras, espalham a cultura do pânico, trazendo à cena uma enormidade de doenças correlatas, como transtornos mentais. O medo parece ser mais intenso quanto mais intangível. Ele se espalha, flutua, se torna mais penetrante.
A inevitável e constante ampliação da digitalização da vida, dilui a concretude do mundo real e presencial, reorientando o significado de nossos universos. Até que ponto esta transformação digital vem contribuindo para a construção e reverberação desta sociedade do medo?
Antigamente, sabia-se que o direito de propriedade era exercido sobre bens materiais, tangíveis, domináveis por atos concretos de seu titular. Nesta linha de raciocínio, um atentado à propriedade era visivelmente identificado com as tradicionais formas do esbulho e da turbação. Hoje, ameaças invisíveis se multiplicam. Vale questionar: atualmente seria mais fácil proteger dinheiro num cofre de um banco, ou o dinheiro transformado em investimento em criptoativos, armazenados numa carteira digital? Qual dinheiro está submetido a maior grau de risco?
Logo, a confirmação da existência de bens digitais, como será tão defendida nesta obra, também é ponto nodal nesta sociedade do risco, sendo absolutamente fundamental se pensar em novas formas de lesão e proteção dos ativos virtuais. O caráter meramente repressivo da antiga concepção de responsabilidade civil se mostra insuficiente frente aos novos tempos digitais. É preciso se antecipar, através de normas de prevenção, para que os bens digitais possam dissipar os perigos reais e, quiçá, os imaginários. A função preventiva da responsabilidade civil tem aqui um renovado desafio, qual seja, evitar que a insegurança se converta em negação das novas categorias jurídicas. Quanto mais previsão, menos medo. Quanto mais reconhecimento, maior há de ser a segurança, inclusive do ponto de vista jurídico. A afirmação da presença dos bens digitais é importante para a adequada tutela dos interesses hoje crescentes e que num futuro próximo tendem a dominar nossa economia.
Nesta linha de intelecção, ao se afirmar a existência de bens digitais, seria possível pensar no abuso de direito no exercício das faculdades contidas nessa titularidade? De que maneira se daria a proteção a estes bens em caso de ameaças ou efetivas lesões? Haveria aqui novos paradigmas de responsabilização civil? Seriam necessárias novas ferramentas para se restabelecer, tanto quanto possível, o estado anterior da vítima? Estaria se descortinando a possível figura do dano digital ou apenas uma forma virtualizada de manifestação de figuras clássicas, como a dos danos material, moral, estético, existencial, perda de chance ou dano social?
No que toca ao destino destes bens, seria possível ao sujeito que titulariza tais ativos virtuais declarar, ainda em vida, quais são os efeitos post mortem para esta gama de interesses? Caso positivo, o que fazer então com estes bens acumulados ao longo dos anos, se a pessoa se vê privada de sua plena capacidade ou falece? Seria possível pensar em testamentos para correta destinação, conforme a vontade do titular, destes bens digitalizados? Testamento digital diante de uma herança virtual? Haveria impedimentos em nossa ordem jurídica atual à confecção deste tipo de negócio jurídico unilateral? Portanto, a título de exemplo, qual destino deveria ser dado aos perfis de redes sociais após a morte do titular da conta?
No sentido exposto, ainda avulta indagar se a manutenção, exclusão ou transferência do perfil poderia ser também objeto de disposição de última vontade? Se sim, este testamento estaria adstrito ao cumprimento das solenidades previstas no Livro das Sucessões para os testamentos em geral ou será que poderiam ser realizados pelas próprias ferramentas existentes nas plataformas digitais? Os herdeiros teriam direito a acessar as contas virtuais do falecido, tais como correios eletrônicos, mensagens privadas em redes sociais, serviços bancários via internet, dentre outros? As músicas, vídeos, livros adquiridos online, e que se mantêm em plataformas deste viés, podem ser objeto de transmissão? O que dizer das milhas adquiridas em programas de fidelidade e de moedas virtuais, tais como o bitcoin.
Indo até a teoria geral do negócio jurídico, se é viável imaginar que os bens digitais possam ser objeto de testamentos, por que não referendar que ativos virtuais também possam ser objeto de outros tipos de negócio, tais como a compra e venda, a doação ou o empréstimo? Seria possível imaginar a construção de pactos antenupciais nos quais os nubentes expressamente mencionem o compartilhamento ou não deste tipo de bem jurídico? E pensando no universo das garantias, que tal prospectar acerca da possibilidade de um bem digital ser ofertado em garantia real no tradicional modelo do penhor, ou de uma nova modalidade de garantia, ao credor da dívida? Seria viável que um Banco ofertasse mútuo a uma celebridade digital, com milhões de seguidores numa plataforma de vídeos, obtendo como garantia o próprio controle daquele bem digital, para que com a administração deste ativo viesse o pagamento? Haveria a chance de estarmos diante de uma novidade, a anticrese de bens digitais
quando estes se consubstanciassem em plataformas digitais monetizadas com publicidade?
A mente do jurista que opera o Direito Digital há que manter constantemente aberta a uma renovação das clássicas concepções de institutos jurídicos, bem como à criativa elaboração de novas modelagens legais e contratuais que sejam verdadeiramente aptas à satisfação de interesses de sujeitos, imersos numa sociedade em rede.
Já quanto ao papel do Estado, o atual ordenamento jurídico limita ou deveria limitar a autonomia individual neste ponto? Como proteger os interesses dos titulares de bens digitais, em vida ou após a morte? Há a necessidade de criação de um microssistema de tutela dos bens digitais, tal qual vem ocorrendo em alguns países mundo afora? Será suficiente a criação e um livro complementar para o Direito Digital, no âmbito da revisão e atualização do Código Civil de 2002?
Relativamente aos provedores de conteúdo na internet, como Meta, Google, Twitter (atualmente denominado de X
), TikTok, entre outros, é de se indagar se com a morte do titular, o material póstumo deveria ser retirado imediatamente do ar de ofício. Ou, ao revés, se a retirada estaria condicionada à manifestação da família do morto? Havendo divergência entre eventual manifestação em vida e a da família, qual deveria prevalecer? Haveria enriquecimento injustificado quando da retenção do perfil pelo provedor, inviabilizando o acesso pela família do falecido? Os termos e condições de serviços estipulados unilateralmente pelos provedores são contratos de adesão suficientes para regulamentar a realidade dos bens digitais? Pode o Judiciário pronunciar a nulidade de cláusulas abusivas presentes nestes contratos, quando tais instrumentos ignoram a titularidade de bens digitais?
Como visto, são inúmeras as dúvidas e questionamentos surgidos neste preciso momento histórico, às quais se pretende através do presente trabalho se trazer elementos para um princípio de solução. A ideia posta é de se tentar construir conceitos, classificações, analisar categorias jurídicas, a fim de que se possa ofertar possíveis soluções aos conflitos cada vez mais comuns entre provedores e consumidores.
Algumas sociedades empresárias, inclusive, já perceberam o quanto podem ser lucrativos novos serviços que buscam atender demandas de consumidores diante desses temas. Os testamentos virtuais (ou online) permitem inúmeras funcionalidades, tais como:
a) deixar fotos, textos ou vídeos que serão publicados apenas após o falecimento;
b) determinar quem poderá acessar suas contas bancárias por meio do serviço internet banking;
c) designar alguém para gerenciar suas redes sociais, postando mensagens fúnebres ou qualquer conteúdo desejado.
A proposta do presente estudo é desenvolver uma linha coerente de respostas a essas inquietantes perguntas que se avolumam e começam, paulatinamente, a chamar a atenção de nossa sociedade. Em artigo publicado no Jornal Zero Hora de Porto Alegre, Martha Medeiros (2015) assusta-se com as revoluções proporcionadas por nosso tempo
Ainda não estou preparada para tanta modernidade. O máximo que engulo é o Facebook congelar alguns perfis a pedido de herdeiros, a fim de que eles possam lembrar do ente querido depois que ele se foi – mas até isto me perturba. Na mesma matéria entrevistaram uma moça que mata a saudade da mãe através da rede. Ela declarou: Se eu apagar o perfil da minha mãe, é como se ela não tivesse existido
. Antigamente os cartórios registravam nosso nascimento e, a partir dali, tudo o que viéssemos a fazer, sentir, manifestar e construir seria suficiente para que fôssemos lembrados por quem nos amou. Já não basta. Agora, filhos podem esquecer os finados pais caso não vasculhem, de vez em quando, a página que eles deixaram. (Medeiros, 2015).
Todavia, tais questões que já reverberam na sociedade organizada ainda não estão merecendo a devida reflexão e estudo por parte do Direito Privado no Brasil. Poucos são os escritos destinados a enfrentar a temática.
Para não dizer que as questões tecnológicas são completas estranhas no ninho jurídico brasileiro, há que se destacar que no Direito Civil a repercussão dos bens digitais no ambiente virtual tem sido objeto de análise quase exclusivamente na esfera da responsabilização. Cresce em nossos tribunais o número de julgados em que se analisam ofensas praticadas por meios eletrônicos, tais como: divulgações indevidas de imagens, pornografia de revanche,⁵ invasões ilícitas de conteúdos protegidos, delimitação de deveres primários e secundários para provedores e usuários. Para tanto, a concretização da cláusula geral de tutela da pessoa humana prevista no art. 12 do Código Civil e na Constituição da República de 1988, tem sido um instrumento de grande valia, tanto na via inibitória, quanto na reparatória. (Brasil, 2002).
O Direito Penal Pátrio também tem regulamentado algumas repercussões de condutas indevidas no mundo digital, criando novos tipos penais inibidores de preconceitos de raça ou cor no ambiente eletrônico e protetivos da privacidade, tal como ocorreu com a edição das Leis apelidadas de Azeredo
e Carolina Dieckmann
, respectivamente as Leis 12.735/2012 (BRASIL, 2012a) e 12.737/2012 (Brasil, 2012b).
A Lei nº 12.965/2014 (Brasil, 2014a), aprovada no Congresso Nacional em regime de urgência constitucional após intensa participação da sociedade civil, estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Denominada popularmente de marco civil da internet
, esta lei não chega a abordar esses pontos polêmicos aqui levantados e, assim, há uma clara e imperativa demanda por tratamento destas questões. No capítulo 6 deste estudo, serão abordados alguns destes aspectos trazidos pelo marco.
Como destacado por Leonardo Poli
O impacto da tecnologia digital sobre o Direito é um tema complexo, uma vez que envolve vários ramos da Ciência do Direito, como o tributário, o civil, o comercial, o criminal, o processual e o internacional (POLI, 2003, p. 05).
Ao contrário do que aqui se passa, no Direito Estrangeiro os temas levantados nas perguntas retro elaboradas têm gerado discussões palpitantes, ganhando o reconhecimento não só da doutrina, como também do próprio legislador, em especial nos países de tradição anglo-saxônica.
No capítulo 7 perpassaremos pelas principais legislações já aprovadas recentemente, ou em vias de aprovação em tais países, destacando o nível de profundidade alcançado pelos debates em torno dos denominados digital assets
.
Pelo que se expõe, resta clara a premente necessidade de um melhor tratamento jurídico a ser dado a estas novas questões geradas por uma sociedade da informação, regida por computadores que a todos conectam. Segundo Fernando Tomeo (2014)
O que está se passando na Internet, e em particular nas redes sociais, é um fenômeno puramente humano que afeta a comunicação, os afetos, a emoção. E o Direito deve ajustar-se a esta nova realidade (TOMEO, 2014, tradução nossa).⁶
A cautela dos operadores do Direito em enfrentar os temas que exsurgem com as novas tecnologias abre um espaço hermenêutico para um pensar crítico. Quiçá se está diante de uma nova e promissora área de estudos, que poderá redundar, em breve, na abertura de um novo ramo da ciência jurídica, com discussões que podem perpassar por vários dos tradicionais segmentos. Num tempo em que surge o paradigma virtual, mudam-se as ideias, as sensações, as emoções, o sentido tradicional de tempo e espaço. Se a sociedade está mudando, fácil perceber que tal transformação, fatalmente, não iria