O Capital Nostálgico na Indústria Criativa
De Tadeu Carvão
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O Capital Nostálgico na Indústria Criativa - Tadeu Carvão
NOVOS TEMPOS DA NOSTALGIA
Embora o fenômeno nostalgia
tenha sido referenciado historicamente, numa primeira instância, como uma doença recorrente no exército e compreendida em bases na melancolia e na dor, hoje, ela pode ser entendida em outras temporalidades, como algo que não poderá ser mais experimentado ou nem alcançado no futuro, por um desejo de retornar ao passado que nunca foi experimentado, pelo arrependimento de algo que nem mesmo aconteceu e poderia ter acontecido ou até mesmo por um futuro que nunca acontecerá (NIEMEYER, 2018, p.29). Tanto que hoje a expressão Nowstalgia
¹ (nostalgia invertida) tornou-se num fenômeno na rede social Tik Tok. Do status de doença
para uma resposta emocional
, a nostalgia (nostos - voltar à casa e algos - dor) vai além do resultado de ser apenas a saudade de um objeto, pessoa ou lugar. Ela também pode ser entendida como um anseio por um tempo diferente
(BOYM, 2017, p.154), um sentimento nostálgico associado a um tempo fora do tempo
- tempo da nossa infância, dos ritmos mais lentos dos nossos sonhos - distante da agenda atual sobrecarregada de compromissos na contemporaneidade. O sentimento nostálgico associado à cultura de uma época e de um tempo diferente nos modos de viver vem sendo despertado pela circulação de produtos midiáticos que resgatam acontecimentos, estimulam a memória e o compartilhamento de lembranças nos dias de hoje. É razoável dizer que exista um jogo estratégico mercadológico relacionado às manifestações do sentimento nostálgico que nos questiona quanto ao papel da mídia, da comunicação e da tecnologia na formação de uma audiência cada vez mais
nostálgica e que, nesse processo de midiatização do passado, não há limites quanto ao empréstimo de referências passadas. No campo da tecnologia, Inteligências Artificiais (IA’s) dão vida a fotos antigas, criam imagens de vídeos realistas em alta qualidade e
ressuscitam celebridades, como no caso do comercial publicitário
Gerações" criado pela Almap/BBDO para a Volkswagen em que Elis Regina faz um dueto com sua filha Maria Rita. O rosto da mãe foi substituído pelo de uma atriz (Deep Fake²/Deep Nostalgia³). Na área da comunicação, o acúmulo de referências nostálgicas pode ser evidenciado de diferentes formas em narrativas midiáticas - processo de nostalgização
(NIEMEYER, 2018) - narrativas nostálgicas
. No contexto midiático, narrativas passaram a ser digitalizadas, catalogadas e disponibilizadas em plataformas digitais, graças aos serviços de streaming (D2C⁴) tornando acessível programas de auditório, telenovelas e séries de sucesso de uma época. Existem várias formas de operacionalizar a nostalgia no contexto midiático. Talvez, a mais clássica delas tenha sido a reexibição de programas, heranças da televisão aberta. As reprises tornaram-se estratégias de marketing de emissoras de TV como forma de otimizar custos e ainda obter índices elevados de audiência. Não foi sem querer, querendo
que o seriado Chaves tornou-se num fenômeno para o público infantil, além das reprises das telenovelas latinas no SBT durante décadas. Deve-se ainda contabilizar, o sucesso das séries Barrados no Baile
e Melrose Place
na Rede Globo, além dos clássicos da Sessão da Tarde
e o Vale a Pena Ver de Novo
, no ar até hoje. O canal VIVA, emissora que apresenta produtos de entretenimento do Grupo Globo reprisa telenovelas, séries e programas na íntegra - Vale Tudo
, telenovela dos anos 80 reprisada duas vezes – talvez um sinal de força no viés nostálgico - além de um remake para a TV aberta, até programas de auditório consagrados como o Cassino do Chacrinha
e o saudoso Os Trapalhões
. Tais produtos do tempo
podem ser também encontrados no GloboPlay, streaming do Grupo Globo, em seus acervos de séries, filmes, telenovelas, etc. disponíveis na plataforma. Ainda no âmbito nostálgico, narrativas relacionadas às saudosas personalidades brasileiras são produzidas em diferentes formatos (cinebiografias, séries, etc.), tais como: Chacrinha (cinema e seriado), Hebe (cinema e seriado), Elis Regina (cinema, seriado e campanha publicitária) e Mussum (cinema), além de artistas internacionais consagrados na música: Elton John (cinema) e Freddie Mercury (cinema). São inúmeras possibilidades de voltar ao passado através da comunicação, tecnologia e da mídia. Dentre outras evidências que legitimam o sucesso de produtos nostálgicos na contemporaneidade, destacam-se: o retorno da Polaroid⁵ a uma era digital; a Ploc
, festa famosa pelo repertório musical com clássicos nacionais e internacionais dos anos 80. O vinil, ao ultrapassar as vendas de CD pela primeira vez desde 1987⁶. Foram mais de 40 milhões vendidos em 2022. O sucesso do álbum Future Nostalgia
de Dua Lipa⁷ e os recordes de bilheteria e arrecadação do fenômeno Barbie
. Poderosa e onipresente, a nostalgia é referenciada até numa cor de tinta: a verde-nostalgia
⁸. No Brasil, Xuxa Meneghel tornou-se uma personalidade central no que diz respeito à nostalgia, sobretudo, na década de 80. Hoje, a apresentadora conversa com os altinhos
(ex-baixinhos
) através de documentários sobre os bastidores da rainha dos baixinhos
dentre outros produtos nostálgicos e adaptados aos valores contemporâneos. Inclusive, para comemorar os 40 anos da criação da Yes Brazil, famosa marca da moda dos anos 80, convidou a apresentadora para um desfile⁹ ao som de Gilberto Gil com roupas originais de seu acervo. Sempre existe um bom motivo para resgatar o passado. Cada emoção adormecida
pode ser acordada
, dependendo do desejo de reviver um momento específico. Um dia, numa mesa de bar, amigos (as) comentavam a respeito de reviverem um momento da adolescência no show da (extinta) dupla Sandy & Junior
. Outros(as) lembravam dos passinhos coreografados nos bailes funk das antigas. Naquela mesa, as lembranças vieram à tona de cada um deles. Quem não tem uma história para contar sobre uma determinada época? Assim, a nostalgia conecta diferentes gerações. O programa É de Casa
, da TV Globo (Grupo Globo) apresenta um quadro chamado: Choque de Gerações
, em que pais, mães, avós(ôs) - gerações Baby boomers e X
- e filhos(as) e netos(as) - gerações Z e Alpha¹⁰
- tentam adivinhar costumes (gírias, por exemplo), celebridades, dentre outros aspectos culturais relacionados ao presente e passado através de dicas. Outro exemplo é o programa Dois em Cena - Encontro de Gerações
, do VIVA¹¹ (Grupo Globo), em que experiências entre atores veteranos e da nova geração são trocadas ao reverem seus trabalhos artísticos. Além do Canal Nostalgia
¹² com mais de 14 milhões de inscritos no YouTube. Tais possibilidades de reaver o tempo e espaço no contexto midiático, seja através de uma série, de um filme, de um programa de televisão, etc., e os impactos gerados na audiência tornaram-se pontos de partida para discussões a respeito da presença de um capital
encontrado tanto nos produtos midiáticos, quanto na recepção. Um indicativo para esse boom nostálgico na indústria criativa são os índices de crescimento de narrativas nostálgicas. Cada vez mais novas produções deste gênero vem despertando o desejo de um mercado de espectadores interessados em referências passadas, como no caso do fenômeno Stranger Things, que mistura o cotidiano dos anos 80 com suspense.
O capital nostálgico
surge, a partir de uma pesquisa acadêmica referente a série norte-americana Stranger Things
, primeira temporada, realizada durante meu mestrado, em 2016. A proposta da pesquisa não estava concentrada apenas na potencialidade nostálgica da produção seriada, mas principalmente pela repercussão gerada nas redes. As referências nostálgicas em Stranger Things
tornaram-se uma evidência da força da nostalgia no campo da comunicação. O sucesso da série deve-se, certamente, às formas de costurar
tais referências nostálgicas na trama, sobretudo, nos modos de ambientar os anos 80 em cenários, figurinos, personagens e trilhas sonoras que marcaram a história da cultura pop. Pelo lado da recepção, incita o resgate de lembranças pela geração que vivenciou o período histórico e, ao mesmo tempo, desperta a curiosidade nas gerações atuais quanto às manifestações culturais da época.
As novas tecnologias proporcionaram diferentes maneiras de produzir, transmidiar e consumir narrativas midiáticas nos últimos anos e, neste processo, viabilizaram novos formatos de conteúdo e formas de empregar a nostalgia. Pode-se emprestar personagens de narrativas clássicas de filmes e torná-las vivas em séries; é possível até mesmo mixar dois universos de recortes de tempo
distintos numa só narrativa; transformar marcas de sucesso de uma época em filmes, séries, documentários, etc. Tais transformações ocorridas no mercado criativo e entendê-las tanto no processo de apropriação nostálgica, tanto na recepção suscitam questionamentos a respeito do impacto das narrativas nostálgicas no contexto midiático contemporâneo: como estão sendo construídas, alteradas e embutidas as potencialidades nostálgicas nas narrativas midiáticas? Discute-se aqui não somente um processo de apropriação nostálgica, mas também quanto às possibilidades de reinventar, adaptar e modernizar personagens, objetos, cenários, etc. evidenciados numa época e enquadrá-las em diferentes formatos audiovisuais. Tais possibilidades merecem atenção e um devido cuidado neste estudo quanto aos impactos gerados na audiência relacionados ao empréstimo de recursos nostálgicos, da viabilidade de reformulá-los, das possibilidades de reassistir narrativas na íntegra ou assistir adaptações de versões originais em diversos formatos, por exemplo. Esta atenção é reforçada, uma vez que a espectatorialidade contemporânea é composta por diferentes gerações, as quais vivenciaram e não-vivenciaram experiências passadas. Dessa maneira, busca-se entender como narrativas nostálgicas impactam na espectatorialidade contemporânea, sobretudo, pertencente a diferentes gerações? De uma maneira geral, sabe-se que a intenção das narrativas nostálgicas é despertar um sentimento saudosista ao ponto de criar uma conexão emocional e, ao mesmo tempo, promover trocas sociais a respeito de um período histórico. Pode-se pressupor que o sentimento saudosista está embasado na montagem de recursos nostálgicos organizados nestes narrativas com o objetivo de (re)construir o passado. Nesta perspectiva, é razoável dizer que existe uma estratégia, um esforço, um investimento, um capital
quanto ao uso de cada recurso nostálgico embutido no contexto de cada narrativa midiática com o objetivo de estimular o sentimento nostálgico e a participação de espectadores.
Trata-se, inicialmente, de entender um capital
, contextualizado nas práticas de investimento, a partir de um conjunto de recursos, dependendo do campo
(BOURDIEU, 1986) de atuação. Neste estudo,