Quem irá dizer…
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Quem irá dizer… - Giulia Cavalcanti
Quem irá dizer...
Giulia Cavalcanti
SÃO PAULO
2025
Sumário
Capa
Título
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo extra
Créditos
Landmarks
Cover
1
Coração irracional
Nic
Aexpectativa é a mãe da frustração. Não existe frase mais real do que essa.
O dia era 30 de janeiro de 2022, um sábado. Dois dias antes, eu havia completado 15 anos. Eu sonhava com isso desde pequena. Ter uma grande festa de debutante. Convidar Edu para dançar a valsa comigo. E, quem sabe, fazê-lo perceber o que estava bem ali na sua frente o tempo todo: o crush gigantesco que eu tinha pelo meu melhor amigo.
E, até 2020, estava tudo certo com os meus planos. Meus pais tinham conseguido guardar o dinheiro e eu já tinha até uma noção do tipo de vestido e decoração que usaria para a festa.
Mas aí a droga de uma pandemia explodiu. E o dinheiro acabou sendo usado para segurar as pontas.
Mas essa história não é sobre como a Covid destruiu minha festa dos sonhos — embora isso corrobore a minha questão sobre expectativas —, então vamos seguir em frente.
Apesar de tudo, eu estava feliz naquele domingo de verão. Tinha feito os tão sonhados 15 anos e sabia que uma nova fase da minha vida estava prestes a começar. Em duas semanas, eu iniciaria o ensino médio e, para melhorar, as aulas finalmente voltariam a ser presenciais.
Além disso, durante o período que fomos obrigados a estudar em casa, eu e Edu havíamos nos tornado ainda mais unidos. Nós dois morávamos em casas de uma mesma vila, então ao menos tivemos a companhia um do outro durante a quarentena.
Mas era mais do que a convivência. Eu tinha percebido que as coisas entre nós estavam ficando… diferentes. Havia mais toques — tipo quando Edu segurara minha mão enquanto assistíamos à Maldição da Mansão Bly —, nossas trocas de olhares estavam mais intensas e ele sempre elogiava a minha roupa ou o meu cabelo.
Inicialmente, achei que eu podia estar viajando. Inventando coisa. Projetando o que eu queria ver. Só que aí, no dia do meu aniversário de 15 anos — que acabou sendo um bolinho simples para um parabéns com alguns vizinhos da vila —, ele me puxou de lado e fez o convite.
Era para comemorarmos com uma ida ao cinema no domingo. Só nós dois. O que, por si só, não seria uma grande novidade, se não fosse o filme que ele sugerira: Eduardo e Mônica. O filme, baseado na música do Legião Urbana, havia estreado mais cedo naquele mês e eu estava louca para assistir.
Aqui eu preciso fazer um parêntese. Percebi que deixei passar uma informação importante. O meu nome é Mônica. E acredito que seja fácil descobrir qual o nome do Edu. Então, sim, somos Eduardo e Mônica.
Era quase como se estivéssemos predestinados, sabe?
E é claro que todo mundo nos sacaneava com isso. Meu próprio pai, sempre que nos via juntos, cantarolava: E quem um dia irá dizer…
. Mas a gente nunca ligou. Quer dizer, Edu nunca ligou. Eu, em segredo, achava que seria a música perfeita para quando entrássemos na igreja no nosso casamento.
De toda forma, não foi o convite por si só que me encheu de expectativas. Foi o que Edu disse ao me convidar: Temos que assistir ao nosso filme
.
Nosso filme. Um romance. Aquela ida ao cinema podia ser um encontro!
A possibilidade me encheu de coragem. Eu decidi que, mesmo que o Edu não tivesse me convidado com segundas intenções, eu iria me declarar para ele. Eu tinha que ser a protagonista da minha própria história! Não precisava ficar esperando que ele desse o primeiro passo.
Afinal, era óbvio que Edu gostava da minha companhia. Pelos seus elogios, também sabia que não me achava horrorosa. Eu tinha chances! Não tinha?
Claro que a ideia daquilo atrapalhar a nossa amizade continuava a me amedrontar. Mas eu não precisava fazer uma superdeclaração de amor. Eu podia só revelar que tinha uma queda por ele. Uma quedinha, no diminutivo. Algo pequenino, fácil de superar caso seus sentimentos não fossem recíprocos. Isso provavelmente diminuiria o impacto da revelação.
Nos dias posteriores, Ana, uma amiga da escola, teve que aturar vários dos meus surtos. Será que era tudo imaginação minha? Será que eu estava interpretando errado os tais olhares e sorrisos? E, pior, se aquele fosse mesmo um encontro, mas acabasse sendo péssimo quando nos beijássemos?
Eu não tinha muita experiência. A não ser que contássemos a lambida que eu tinha dado na cara de um dos meus coleguinhas do jardim de infância. Ele estava com a boca suja de chocolate e meus pais eram bem rígidos sobre consumo de doce na época.
Sendo sincera, até hoje em dia havia poucas coisas que eu não faria por um bom doce.
Era esse o tipo de crise que Ana tinha que lidar e, para a minha sorte, ela era muito boa nisso. "Respira, Nic", ela mandava, com toda a calma. Vai dar tudo certo. Só de ver vocês dois juntos dá para perceber que o Edu é doido por você
.
Eu achava que Ana estava exagerando — até porque nos últimos dois anos ela mal havia nos visto —, mas mesmo assim suas palavras tranquilizavam meu coração.
No entanto, quando o sábado chegou, eu estava quase explodindo de nervosismo. Aquele tinha o potencial de ser o melhor dia da minha vida.
Como eu teria de usar máscara, uma maquiagem caprichada não fazia muito sentido, então decidi chegar algumas horas mais cedo no shopping para ao menos fazer as unhas.
O que logo se mostrou uma péssima ideia quando, assim que eu saí do salão, senti o celular vibrando no bolso. Era impossível recuperar o aparelho sem estragar o esmalte. Só que a vibração constante informava se tratar de uma ligação e, como todos sabem, ninguém mais liga para ninguém a não ser que algo muito importante tenha acontecido.
Com todo o cuidado do mundo, pesquei o aparelho com a pontinha do polegar e do indicador, mas não teve jeito. O esmalte foi arruinado.
Eu ainda estava xingando quando atendi e ouvi Edu dizer com uma voz ansiosa:
— Nic?
— Oi, Edu — cumprimentei, sentindo uma onda fria de nervoso descer pela minha espinha. — Tá tudo bem?
— Você já tá no shopping? Eu passei na sua casa e sua mãe disse que você tinha saído.
Eu, que não queria confessar que tinha ido mais cedo para me arrumar para nossa sessão de cinema, apenas disse:
— É, eu tinha que resolver algumas coisas aqui antes do filme.
— Ah, menos mal. Eu ia me sentir péssimo se você tivesse ido até aí só pelo cinema… — ele comentou, aliviado, piorando a minha sensação de que algo estava errado.
— Pera. Como assim?
— Você não vai acreditar no que aconteceu. — Sua voz se tornou animada enquanto ele me contava: — A Malu me ligou ainda agora e me chamou para ir ver um filme lá na casa dela!
Naquele momento, toda a energia nervosa gerada pela antecipação do nosso suposto encontro pareceu se retorcer até se tornar uma bola e cair no meu estômago, pesada e quente.
— Caramba, não acredito. — Foi tudo o que consegui responder, sem nenhuma entonação.
Porque eu não acreditava mesmo. Maria Luísa era uma garota da nossa sala por quem Edu tivera uma quedinha uns anos atrás. Mas nós éramos apenas crianças e, como ele nunca mais comentou sobre isso, imaginei que aquela história havia sido superada.
Só que, pelo visto, eu estava errada. Sobre tudo. Meu coração teimoso e irracional