Tair ibne Huceine

general iraniano e governador durante o Califado Abássida

Tair ibne Huceine (em persa: طاهر بن حسین; em árabe: طاهر بن الحسين; Puxanje, 775 - Marv, 822), também conhecido como Tair, o Ambidestro (em árabe: ذو اليمينين; romaniz.: Dhu'l-Yaminayn), Tair, o Caolho ou Tair Alavar (em árabe: الأعور; romaniz.: al-A'war), foi um general iraniano e governador durante o Califado Abássida. Especificadamente, serviu sob al-Ma'mum durante a Quarta Fitna e liderou os exércitos que derrotariam al-Amin, fazendo al-Ma'mum califa. Ele foi então recompensado com a nomeação para governador do Coração, que marcou o começo da dinastia taírida.

Tair ibne Huceine
Emir taírida
Tair ibne Huceine
Dirrã de Tair ibne Huceine
821-822
Antecessor(a) -
Sucessor(a) Talha ibne Tair
Nascimento 775/776
  Puxanje
Morte 822
  Marv
Nome completo  
طاهر بن حسین; طاهر بن الحسين
Descendência Talha ibne Tair
Abdalá ibne Tair al-Coraçane
Casa Taírida
Pai Huceine
Religião Islão sunita

Vida

Primeiros anos

Tair nasceu em 775/776 em Puxanje que era uma vila próxima da antiga cidade de Herat, no Coração. Veio do ceio duma família nobre dehqan[1] que distinguiu-se desde a Revolução Abássida, e foram anteriormente recompensados com governos menores no Coração Oriental por seus serviços aos abássidas. Seu pai Ruzaique foi um maula de Talha ibne Abdalá al-Cuza'i, um nobre árabe da tribo Cuza'a, que serviu como governador do Sistão. O filho de Ruzaique, Musabe, foi governador de Puxanje e Herat. O filho de Musabe, Huceine, que era pai de Tair, também exerceu a função de seu pai em Puxanje e Herat, posição posteriormente assumida por Tair.[2]

Sob o governador do Coração, Ali ibne Issa ibne Maane, houve revoltas na província devido sua crueldade e perseguição de outras famílias nobres, incluindo a de Tair, que foi maltratado. Provavelmente ele envolveu-se na rebelião de Rafi ibne al-Laite iniciada em Samarcanda, Transoxiana, muito embora seja mencionado como tendo participado na expedição liderada por Hartama ibne Aiane em 808 contra Rafi.[3][4] Na ocasião, o califa Harune Arraxide havia deposto Ali ibne Issa e enviou o general Hartama contra Rafi,[5] obrigando o último a retornar à obediência.[6][7] Durante o evento, Tair perdeu um olho num acidente, o que lhe rendeu o apelido de Alavar (al-A'war - "o Caolho"). Alegadamente Tair ofendia-se facilmente quando alguém mencionada seu problema ocular; Tair teria ameaçado um poeta que humilhou-o ao mencionar a perda de seu olho num poema.[3]

Guerra Civil Abássida

 
Dracma de al-Amin (r. 809–813)
 
Dirrã de al-Mamun

Em 810, o califa al-Amin (r. 809–813), e seu irmão, al-Ma'mum, conflitaram pela sucessão califal, o que culminaria numa guerra civil; em janeiro de 811, al-Amin formalmente começou a Grande Guerra Civil Abássida quando nomeou Ali ibne Issa como governador do Coração, colocou-o como chefe dum exército incomumente grande de 40 000 soldados, recrutado de dentre os membros do grupo de elite conhecido como abna, e enviou-o para depor al-Ma'mum. Quando Ali ibne Issa partiu para o Coração, relatadamente carregou consigo algumas correntes de prata com as quais prenderia al-Ma'mum e enviaria-o para Bagdá.[8] As notícias da aproximação de Ali deixaram a população do Coração em pânico, e mesmo al-Ma'mum considerou a necessidade de fugir. A única força militar disponível para ele era um pequeno exército de aproximados 4 000–5 000 soldados sob Tair. Tair foi enviado impedir o avanço de Ali, um missão amplamente considerada como suicida, mesmo por seu pai. Os dois exércitos encontraram-se em 3 de julho de 811 em Rei, nas fronteiras ocidentais do Coração, numa batalha que mostrar-se-ia uma vitória esmagadora dos coraçanes, na qual Ali foi morto e seu exército foi desintegrado e obrigado a fugir para oeste.[9][10][11] Foi nesta ocasião, alegadamente por ter dividido um homem ao meio utilizando a mão esquerda, que Tair recebeu o epíteto de "o Ambidestro" (em árabe: ذو اليمينين; romaniz.: Dhu'l-Yaminayn). Além disso, foi louvado pelos cronistas como aquele que "ataca com a fúria dos carijitas" (ihmilu hamlatan khdrijiyyatan) e pelo uso de espiões.[5]

A vitória inesperada de Tair foi decisiva: a posição de al-Ma'mum foi assegurada, enquanto seus principais oponentes, os abna, perderam homens, prestígio e o líder mais dinâmico deles. Tair agora avançou para oeste, derrotando outro exército abna de 20 000 soldados sob Abdal Ramane ibne Jabala após uma série de duros confrontos próximo de Hamadã, e alcançou Hulvan no inverno.[12] Al-Amin desesperadamente tentou segurar suas forças ao firmar alianças com as tribos árabes, notadamente os Banu Chaibam da Jazira e os Banu Cais da Síria. O veterano Abdal al-Malique ibne Sali foi enviado para a Síria para mobilizar suas tropas junto do filho de Ali ibne Issa, Huceine. Contudo, os esforços de al-Amin fracassaram devido a prolongada cisão inter-tribal entre os Cais e Calbes, a relutância dos sírios em envolverem-se na guerra civil, bem como a falta de vontade dos abna em cooperar com as tribos árabes e fazer concessões políticas as eles.[11] Estes esforços falhos para assegurar o apoio árabe produziram efeitos negativos para al-Amin, com os abna começando a questionar se seus interesses eram melhor servidos por ele.[13] Em março de 812, Huceine ibne Ali liderou um golpe de curta duração contra al-Amin em Bagdá, proclamando al-Ma'mum como o califa legítimo, até um contra golpe, liderado por outras facções dentro dos abna, restaurar al-Amin ao trono. Fadal ibne al-Rabi, contudo, um dos principais instigadores da guerra, concluiu que a causa de al-Amin estava perdida e resignou de seus ofícios cortesãos. Aproximadamente pela mesma época, al-Ma'mum foi oficialmente proclamado califa, enquanto seu vizir Fadal ibne Sal adquiriu o título único de Dul-Riasatain (Dhu 'l-Ri'asatayn - "ele [que controla] as duas chefias"), significando seu controle sobre a administração civil e militar.[11]

 
Iraque e regiões vizinhas no século IX

Na primavera de 812, Tair, reforçado com mais tropas sob Hartama ibne Aiane, recomeçou sua ofensiva. Ele invadiu o Cuzistão, onde derrotou e matou o governador mualabida Maomé ibne Iázide, após o que os mualabidas de Baçorá renderam-se para ele. Tair também tomou Cufa e al-Mada'in, avançando sobre Bagdá do oeste enquanto Hartama do leste.[11] Ao mesmo tempo, a autoridade de al-Amin colapsou com os apoiantes de al-Ma'mum tomando controle de Moçul, Egito e Hejaz e líderes tribais locais árabes apossando-se de boa parte da Síria, Armênia e Azerbaijão.[14] Com a aproximação do exército de Tair, a cisão entre al-Amin e os abna foi solidificada quando o califa, movido pelo desespero, virou-se para o povo comum da cidade por ajuda e deu-lhes armas. Os abna começaram a desertar para Tair em massa, e em agosto de 812, quando o exército de Tair apareceu diante da cidade, ele estabeleceu seus quarteis no subúrbio de Hárbia (Harbiyya), tradicionalmente um forte abna.[13]

O estudioso do islamismo Hugh N. Kennedy caracteriza o cerco subsequente da cidade como "um episódio quase sem paralelo na história da sociedade islâmica precoce" e "o mais próximo [que a] história islâmica precoce viu duma tentativa de revolução social", com o proletariado urbano de Bagdá defendendo sua cidade por quase um ano numa viciosa guerra de guerrilha urbana.[15][16] De fato, foi esta situação "revolucionária" na cidade bem como a fome e a experiência profissional dos sitiantes que provocou a queda da capital: em setembro de 813, Tair convenceu alguns dos cidadãos ricos as pontes flutuantes sobre o rio Tigre que conectavam a cidade com o mundo exterior, permitindo que os homens de al-Ma'mum ocupassem os subúrbios orientais da cidade. Tair então lançou um assalto final, no qual al-Amin foi capturado e executado sob ordens de Tair enquanto tentava procurar refúgio com Hartama, um antigo amigo de sua família.[14][17]

Governo do Coração e morte

 
Coração sob os taíridas em 836

Em 814, após a vitória na guerra civil, o novo califa al-Ma'mum nomeou Tair para a posição de governador da Jazira e Síria. Nessa posição, recebeu a missão de subjugar Nácer ibne Xabate al-Ucaili e seus apoiantes, muitos deles pró-aminidas. De início Tair fez sua base em Harrã, mas o desregramento de suas tropas forçou-o a fugir à noite e acampar em Raca, no Eufrates, que tornar-se-ia sua base de operações. Apesar de sua habilidade, Tair falhou em fazer qualquer progresso contra Nácer e os contingentes árabes tribais, que continuaram a aterrorizar a região por mais uma década. Além desta posição, Tair tornar-se-ia nesse período saibe da churta, ou seja, o comandante do efetivo policial responsável por proteger a capital, uma posição que seria ocupada pelos taíridas até ao menos o começo do século X, bem como recebia a incumbência da recolha das receitas provenientes da tributação do Savad, o rico e fértil distrito do Iraque Central.[18] Seu harém, situado na porção ocidental de Bagdá, era um dos edifícios mais opulentes desta parte da cidade e logo tornar-se-ia sede dos governadores taíridas e então dos próprios califas; pelo tempo de seu filho Abdalá, o harém adquiriria estatuto quase real e, consequentemente, direitos de santuário.[19]

Em 821, foi reconvocado de seu posto e então recompensado com o governo do Grande Coração e de todas as demais províncias califais orientais. Alegadamente teria recebido esta posição por instigação própria como forma de ser removido da corte devido ao fato de al-Ma'mum ter se voltado contra ele. Essa versão, contudo, é improvável e provavelmente sua nomeação deveu-se a uma pequena intriga arquitetada pelo vizir Amade ibne Abi Calide Alaval contra o governador incumbente do Coração, Gassane ibne Abade, um protegido e parente do vizir anterior, Haçane ibne Sal.[20] Logo que chegou no oriente, Tair começou a consolidar sua autoridade sobre a região, nomeando vários oficiais para certos ofícios, incluindo Maomé ibne Huceine Cusi, que foi nomeado como governador do Sistão. Tair então declarou independência do Califado Abássida em 822 ao omitir quaisquer menções de al-Ma'mum durante os sermões da sexta-feira e sobre algumas moedas cunhadas por ele.[2] Ele faleceria em 822 em Marv,[4] possivelmente por envenenamento sob ordens de al-Ma'mum ou do vizir Amade ibne Abi Calide. No entanto, al-Ma'mum nomeou o filho de Tair como seu sucessor no governo.[20] Diz-se que Tair teria dito suas últimas palavras em persa, sua língua nativa.[2]

Legado

Diz-se que Tair foi bem educado em árabe e persa.[4] Em data desconhecida durante sua vida encomendou do teólogo cristão Teodoro Abucara a tradução do texto pseudo-aristotélico De virtutibus animae para o árabe.[21]

Referências

  1. Daftary 1998, p. 57.
  2. a b c Bosworth 1975, p. 91.
  3. a b Daniel 2015.
  4. a b c Bosworth 2000, p. 103.
  5. a b Bosworth 1975, p. 92.
  6. Pellat 1986, p. 231.
  7. Kennedy 2004, p. 145.
  8. Rekaya 1991, p. 332–333.
  9. Kennedy 2004, p. 148.
  10. El-Hibri 2011, p. 285.
  11. a b c d Rekaya 1991, p. 333.
  12. Daniel 1979, p. 179–180.
  13. a b Kennedy 2004, p. 149.
  14. a b Rekaya 1991, p. 334.
  15. Kennedy 2004, p. 149–150.
  16. Rekaya 1991, p. 333–334.
  17. Kennedy 2004, p. 150.
  18. Bosworth 1975, p. 94.
  19. Bosworth 1975, p. 94-95.
  20. a b Bosworth 1975, p. 95.
  21. Griffith 2008, p. 61; 107.

Bibliografia

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