A Arte de Furtar
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I7wfixl0difse , #* #<*# fczw /fe w-* A homemy que fe conhecefse $ forque .todos fava cmfigo fao como os olhos , que <vendo tudo y nafa jevem a Ji mefmos : edaqui vem nafi darem muita f > t m defuasferfeifoens y nem advertirem em fes de~ feitos 5 e fer necefsario y que outrem lhes digay o que > fafsa na verdade. Se V. fageflade na fe conhece , > nem o tnundoy em que vive y e de que he Senhor, eu * o direy em hreves falavras. He V Magejiade o mais wohrey o mais valentey o mais foderofo, e o maisfeliz homem, do mundo $ e efle mundo he hum covil de ladroens. Vigo que he V Magefade o mais nofav j forque o jez JVeos Rey y e lhe- deu for Aves
* nas forcas do corfo y como nas do effirito: nas do corpo 5 forque nao' ha trabalho y a que naorefijla, nem- outremy que fofsa medir valentia com Jf M a geflade : e nas do effirito $ forque nao ha fortuna , que o quebrantey nem adverfidade y que o perturbe. He o mais foderofo y porque fem arrancar aefpada y fe fez Senhor do mais dilatado Imferioy tirando^ das garras deEeoens } queooccupavao$ com tanta freffay que nao pem tanto huma fjla era levar a nova, quanta V Mageflade foz em arvorar a * vitoria nas mais remotas fartes do mundo. He o mais feliz $ forque em nenhuma emfreza foem fita Real mo y "<fu lhe nao fucceda a pedir for boc$ efe alguma fe nta~ hgra y he a que V. Mageflade nao approvou $ tantor que temosj for nico remdio, far fe acertar em tudoy fazerfe f o que V Mageflade ordenay ain* da que a outros juizos parea defacerto. E dtgOyque, efie mundo he hum covil de Iqdroensy forque fe bem\ o confederarmos y na ha nelle couza.viva y que nao, viva; de rapinas : os animaes y aves y fe\peixes> comendo-fe huns aos outrosy fe fufientao: efe algmisha y que nao fe mant.enhao de outros viv entes y to-: ma feu fafio dos frutos alheosy que nao cultivaro y com que vem 4 fer tudo huma fura ladroeira 5 tantoy : au M was arvores ha ladroens $ e os Elementos fe co^
c^em y e gaflao entre fi y diminmndo-fe for fartes^ fra accrefceniar cada-qual as fus. Affitn fe fortao as creqturas irracionaes y. e infenfiveis y e as racioqqes ainda feor que todas-yforque lhes foheja a malieia y ($ier nas outras falta y e com ei!q trata cada qual de fe acerefcentar afe: e como o bordem de fi nada tem.pwfrio y claro efi y quefe osaccrefcenta.y 'muitos. \ai de fer alheyos. E de todo efie difeurfo nada he conforme ley da natureza 5 a qual quer y que todas as couzas fe cpnfervem fem diminuio de alguma. Nem a Ley Divina quer outra couza 5 antes lhe aborrecem tanto ladroens y que do Ceo y do Paraifo, e do ^Afojlolado os deflerrou 5 e a efie ultimo deflerro fe arerefcentou forca: enotefe que a tomou o roporfua mao y fem intervirritjsofentenca de jufiiay far nos advertir o cqfiigo y que mercceyn ladroens y e como nao devem fer admittidos y nem tolerados nas Republicas. <. . 6)gier Veos y que haja Reys no mundo y e quer que o governem ajjim como elley fois lhes deu fus ve%es y e^os armou de-poder contra as violncias-ye como q major de todas he tomar 'o [eu a feu dono y em aiien\'dar efiafe devem efmerar, E em V Mageflade corre ejla obfigqao mqyor $ pois fez Deos a V Magefiqde o, mais nobre y o mais valente y o mais foderojo y e o mais felz %ey doramido. E deve por cuidado ordnde nefia emfreza y porque a fazenda de V Mageflade he, a mais conihatida dejlesmimigos3 que for ferem mui* ii Jos
tos f com hum brao tao alentado, como o deV M a geflade y podero fer reprimidos y e cafiigadcs. A major dificuldade efi no conhecimento delies $ porque como o oficio he infamey e reprovado por Veos y epela naturezay nao querem fer tidos por taes y e porifso andao todos disfarados 5 mas fera fcil darlhes alcance, fe o dermos a fus mafcaras y que fao as artes de que ufao: defiasfao aqui praa, e lhas defcubro todas, moflrando feus enganos como em efpelho, e minhas verdades como em theatr o, para fazer de tudo hum mofirador certiffimo das horas, momentos, e pontos y em que a gazua defiespiratas faz feu ojjicio. Nao enfina ladroens o meu difcurfo, ainda que fe intitula Arte de furtar -y enfinaf a conhecellos y para os evitar. Todos tem unhas, com que empolgat, e Tias unhas de todos hey de e?npolgar, para as defcobrir por mais que efcondao 5 e fera tao fuavemente, que ningum fe doa. Vay muito no modo, eno efiylo ; a pirola amargo f a nao caufa faflio,fe vay dourada $ epara que efie tratado o nao caufe, ir prateado com tal tempera, que irrite mais a gofio, que a molefiia. Sirvafe V Mageftade de o entender ajjim, e de obfervar com feu grau de entendimento at os mnimos pices defia Arte y porque das contranimas delia, que tambm defeubro ,* depende a confervaao total de feu Imprioy que Veos Nofso Senhor profpere at o fim do mundo com as felicidades, que Jeus venturozos frincipios nos prometiem. >&ct AO
A O SERENSSIMO
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SENHOR
T H E O D O
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Prncipe de Portugal.
D E F R E C A C, A M.
E N H O R.
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a V. A. Real, e Sereniffima pertence a emenda defia Arte por todos os ttulos, que a ElRey nofso Senhor pertence, pois nao affirm como elje o limito em fus grandezas 5 porque de tal Arvore nao podia nafcer menor ramo , e em nafcendo mofirou logo V A. o que havia de fer: e hum Mathematico infigne mo difse olhandoy por lho eu pedir, para os horof- < copos do Ceo, que V. A. havia de ferRey da terra, * e Sua Mageflade, que Veos guarde, guardou efie juizo./ E ainda que eflas razoens nao militafsem, que fao cer- , tifflmas, bafiava vermos, que ha em V A. poder, e ' faber para tudo: e fao duas couzas muito efsenciaes para emendar latrocniosy- o faber para os apanhar, e o poder para os emendar, Vigo que vemos etn V A. * iv poder:
TAmbem
poder: forquei vemos, que afjim ccmo Atlahte canao de fufientar as Esferas do Ceo, as entregou aos homhros de Hercules , far que as govemafse 5 affim ElRey nofso Senhor, Atlante do ncfso Imferio, defcarregou as Esferas delle nos homhros de V.A. nao fora defcanar, que he infatigavel, mas far fe gloriar,, que tem em V. A. homhros de Flercules, que tijudao os de Atlante , e o igualao no poder. A Hercules fintou a Antigidade ornado com huma Clava, que lhe arma as mos, e com cadeas, e redes, que lhe fayem da hoca, e levao freza infinita gente. Com a Clava* fi fignificao fus armas, e poder 5 com as redes, e cadeas fua fabedoria: e com efias duas couzas vencia, e dominava tudo. Ve armas, e fabedoria vemos ornado y fortalecido aV A. afjim forque tem todas as de Pwtugal (que monta tanto, como as do mundo) fua obedincia 5 como tambm, forque ningum as menea com tanto garbo, valor , defireza y e valentia 5 ou feja a cavalo brandindo a lana y ou feja a f levando a efpada y efiuminando o montante 5 e affim fe devorfira, que ha em V A. poder para emendar, e cafiigar. E porque efie naobafia, fenao ha cincia para alcanar , quem merece o cafiigoj digo que vemos em V A. tanta fabedoria, que parece infufa: porque nao ha Arte liberal^ em que nao feja eminente 5 nao ha Cincia efpeculativa, em que nao efieja confummado 5 nao ha habito de virtude moral ,, que -o nao tenha acquirido y efeito natural com o ufo.
im todo o gero de letfs y artes, e virtudes ,fe coni fummou com tanta facilidade y e prefiza , que ns parecia ternafcido tudo com V. A. naturalmente ,:<e nao fer achado for arte $ e affim fe frova , - que ha em V, A. fabW far dor alcance aos latrocnios, d que aqui tratamos : e em os pefcand com a rede da fabedoria y fegu-fe emendallos com a Clava dofoder. -' Sugeito for tanto efia Arte de furtar ao f oder y t fabedoria de V- A. Ao podery far que a ampare y e fabedoria, para que" a emende ; porque f da faledotia de V A. fio que dar alcance dsfubtilezas dos profefsores defia yarte. Em duas couzas peo a V A que ofiente aqui feu poder : em cafiigar ladroens, e m me defender delies y poisficaarrificado com os defi cobrir y mas com me encobrir V A.mdouporfeguro: E em outras duas couzas torno a pedir ofiente V A. fua fabedoria, ^ em emendar fia Arte, em quanto fer>tnce aos ladroens 5 e tambm o efiyl delia , peloue tem de meu. Levarey mal, que me argua outrem, forque na haver, quem me nao feja fufpeito, falvo V A <t)ifio nao haver outremy que efcape-das notasy que aqui emendo. Viro que folio picantey ou lpido : ifso hey que pertendy para adoar por todas as vias odefagrado da matria. Cuidava eu que faliar nifio nmito{ cbwnbad y e ferio, feria o* melhor5 mas fendo o obje&defi.periozo, forque he de perdas , e armws , fazello mais penofo com o efiylo, feria vefiir hum capuz a efie tratado , para todos lhe da~ r\ cm rem
"* N.-/>J.
rem o fezame de o nao foderem ver s efcuras, Veftirey de frimavera omez de Vezembro y fara fazer fratavel, tecendo os cafos, e matrias de modo, que nao fao major pendor para huma balana, que para outra,, para que alivie o curiofo da Arte, e efiylo, o molefio da matria fem tropas de fentenas Cabalijlicas, nem infauferia de palavras cultas , e pentea^ das, que me quebrao a cabea. Alguns livretes vejo defses, que vao fahindo ?nodema, e quando os ley o , bem os entendo,- .mas quando os acabo de ler, nao fiey o que me difseraoj forque toda a fua habilidade pem em palavras. Eja difise ofroverbioy que falavras, e plumas o vento as leva. Outros toda a plvora gaftao em dar confelhos polticos, a quem lhos nao pede $ e bem apertados, vem a fer melanconias do Autor y que por arrufos derao em defvellos, ou por ambio em delrios 5 e poderamos refponder aos taes, o que Apelles ao que lhe taxou as roupagens da fua finturay fahindofe da esfera do feu oficio. Seja o que for y o que fey he, que nada me toca mais, que zelo do bem commu?n_, e augmento da Monarquia, de que he herdeiro , e Senhor V A. Ladroens retardao augmentos, forque diminuem toda a couza boa : diminua-os V A. a elles, e crecer feu Imprio , que os bons defejao dilatado at o fim domu%do$ porque todos amao mais que muito a V. A. que Veos guarde &c.
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P R O T E S T A
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EMOuguela, lugar de Alm-Tejo, entre Elvas, e C a m p o Mayor, ha huma fonte,cuja gua nao coze carne, nemptixe, por mais que ferva. E na Villa do Pombal, perto de Leiria, ha h u m forno, e m que todos os annos fe coze h u m a grande fogaa para a fefta do Epirito Santo; e entra h u m h o m e m nelle, quando mais quente, para accommodar a fogaa, efedetm dentro, quanto tempo he necerio, fem padecer le alguma do fogo, que cozendo o pao nao coze o homem. E pelo contrario na Tapada de Villa-Vio, retiro agradvel da grande Caa de Bragana, adverti huma coua notvel, -que ha^ vera mais de dous mil veados nella, que todos os annos mudao as pontas, bailai! te numero para em pouco tempoficartoda a Tapada juncada delles^ e no cabo nao ha quem ache huma. Perguntey a razo ao Senhor D. Alexandre, irmo delReynofo Senhor, grande perferutador de couzas naturaes ? E m e repondeo, o que he certo, que os mefmos veados e m as arrancando logo as comem. Mais m e admirou, que haja animais, que comao, e poo digerir oitos mais duros que pedras! M a s que muito,feha aves, que c o m e m , e digerem ferro ,
ro, qtiaesfao as hemas! Conforme a etes exem* pios, tambm nos homens ha elamagos, que nao cozem muitos manjares, c o m o a fonte de Ouguela, o forno do Pombal, n e m os admittem, por bons quefeja , e abraao outros, mais grofiros', com quefefazem, c o m o veados, e hemas. fLfeperguntarmos ao Philofofo a razo deltas degualdades5 Dir, que ao effeitos, e monflmodades da natureza, que obra conforme ascomplioens, e qualidades dos ugeitos. O memo digo, fe houver eftamagos, que nao admittao, e cpza bem os pontos-, e matrias _ , que difeuca ete tratado, que nao vem o mal da qualidade 4as couzas,,- que aqui offereo,. nar do m o humor, cora que asmaftigao, mais para as morder , que para as digerir : e c o m o o mantimento , quefenao djgere, o eftamagd o converte e m veneno , aTim os taes de tudo fazem peouha, mas quefejatriaga cordeal,: e antiaoto efcolhidp,^Como triaga,;e c o m o antdoto proponho tudo para remdio dos males, que padece a nola Republica: fe houver aranhas, que faco peconha mor-. tal das Hores aromaticas, de que as abelhas tirao mel ave, nao he a culpa dasflores,que todas medicinaes , o mal vem das aranhas, que pervertem , o que he bom. H e o juzo humano, alim como os moldes, oufinetcs, que imprimem e m cera, e mana fus feuras; e,o molde as tem de ferpen-
ferpentesy toda a maffap por fa quefeja,ficacuberta defvandijas,fc o m o fe as produzira, c ctivera corrupta $ e pelo contrario, fe o finetc he defigurasboas, e perfeitas, tais as imprime, ate na cera mais tofea. Quero dizer, amigo leitor, que fe bordes inimigo i da verdade, fempre vos ha de amargar, e nunca haveis de dizer b e m delia, c o m ellaferde feu natural muito doce, e fomio, porque hefilhade Deos. Verdades puras profeTo dizer, nao para vos offender c o m "cilas-,fenaopara' vos moftrar onde, e c o m o vos offendeis vs a vs m e f m o , e a vola Republica, para que vos melhoreis, fevos achardes comprehendido. [ E nao m e digais, que nao convm tirar a publico affrontas publicas de toda h u m a Naa'; porque a hTofereponde, que fe publicas, nen h u m diferedito m o v e , q u e m as repete, antes vos honra moflfando-vos dipolopara a emenda, e vos melhora abrindo-vs caminho, para conhecerdes o engano, e m que viveis. E aflim protelo, que nao he m e u intento eninar-vos os lanos, que riefta Arte de furtarignora veis, fenao allumiar-vos o conhecimento da deformidade delles, para que os abomineis. N e m cuideis, que vos conheo, q u e m quer que bis, nem que ponho o dedo e m vlTas couzas e m particular: o m e u zelo bate f no commum,- e nao pertende affrontar a nofl Nao; antes a honro muito por duas razens. Primeira, por-
porquitudo comparado cpm>os defeitDs.de outras eQ&Lparte, fica a normaistacreditada,, pois fe deixa ver Q>extefi dos latrobkiios, c o m que aflblo m u n d o todo por mar , e por terra. Segunda? porque, tratamos^deiemtak y (e onde iha. eftsp ti dezejo^delia , ; he a mayor, perfeio / qcos Santos achap nas ReJigioehs mais reformadas: e alim ficamos ns c o m o credito de Reliios reformaqos, em-ompaiiaa de gente difoluta. D o n d e j^ao m e refulta daqui efcrupulo, que m e retarde. 0quefinto he,que nafey, feconfeguirfeueffeitp.o meu: intento, que f trata de que vos emendeis, fe vos achardes comprehendido : e fe cada h u m fe emendar a>fi, j o difTe h u m Sbio, que teremos logo o m u n d o todo reformado: e melhorar aflfim o nolb R e y n o , eemendallo, he o que per: tendemos..::, .., '-\L > t:f6".; ' .r . , ' ; > . . . : :> . -Dir o Critico, e tambm o Zoil [quietueb. abocanha , e roem] que iftoriahe gaza j com que e abrem portas para furtar, mas que he m o n tante, que efeala de alto abaixo muita gente de bempara-a deshnrar. A iffo tenho repondid, que nao tome ningum pot fio que lhe digo, e .ficaremos? amigos c o m o dantes -y porque na verdade a nenhum conheo, e de nenhum fallo e m particular: os ca-. s, que aqui referir y i bailas de batalha campal, que tira a monto fem pontaria. S digo o que vi, d.que li, ou ouvi fempefquizar autores,nem formalidades,
lidades, mais que as que as ctizs da defi':e f rn algumas difcreparem as circunftancias d narrao ,;j nalfejiftrm era tudo muito c o m d fucdido, pouco vay niTo , porque o noTo intento nao he deslindar pleitos para os fentencear, fena moftrar deformidades para as eftranhar, e dar doutrina, e tratar de emenda. E efteja certos todos, que nao dizemos nada, que nao pale affim na verdade e m todo, ou e m parte principal. E nao allegamos Autores para confirmao d o que eferevemos $ porque os delta arte nunca imprimiro , e de fua cincia duas letrasfeacha impref fs nas coitas de alguns, que L. e F e-o que querem dizer, todos o abem. E fe algum m e impugnar a m i m para defender, o que eftas letras denota , mltrar niTo, que he da mema confraria , e negarfelhe-ha o credito por apaixonado, c o m o parte, e darfeme-ha a m i m , que o nao ou; porque f pertendo moftrar nele Efpelho a verdade, e fazer publicas c o m o e m Theatro as mentiras, e embules de ladroens pafldos, e prefentes. Apre tem-fe todos para ouvir c o m pacincia 5 e porque trato de nao moleftar, q u e m fto ler, irey tecendo tudo e m forma, que o curiob dos fuccels adce o azedo da doutrina: e e m tudo tero todos muito que aprender, para empre ferem virtnobs,fequizerem tomar as couzas, c o m o as applico. Qeos vos guarde de varas delgadas, que andao Delas
1
pelas ruas 9 c de trs pos grojTos, que vos eperao, nao tomardes meus avs. ntretamo eltuday o Credo, c epertay a f para o que fefegue. t
D O S
C A P T U L O S
DESTE TRATADO. C A P. I.
COmo para furtar ha arte, que he cincia verdadeira, p. i. C A P. II. Como a arte de furtar he muito nobre. p. 8. C A P- III. Va antigidade, eprqfejsores defiaarte. p. 13.
CA
P.
IV V
Como os mayores ladroens fao, os que tem for offici livrar-nos dos mefinosladroens. p. 19.
A P.
Dos que fao ladroens, fem deixarem que outros o fejao.p. z8.
C A P. VI.
Coo nao efcapa de ladro, quemfe paga por fua mao. P 3 3C A P. VII, Como tomando pouco fe rouba mais , que tomando
muito. ^ . 4 0 .
C C
P.
IX. X.
A P.
A p.
XI.
Corno fe podem furtar a ElRey vinte mil cruzados , e demandalo por outros, tantos, p. 6 3
p.
XII.
Vos ladroens, que furtando muito, nada ficao a dever na fua opinio, p. 6j. .; :
A p. XIII.
Vos que furtao muito accrefcentando, a quem roubaoy mais do que lhes furtao. p. 7 0 .
p.
XIV.
Vos* que furtao com unhas Reaes. p. 7 5 . C A P. XV Em que f mo fira, corno pde hum Rey ter unhas. p.%i.
P.
XVI.
Em que fe mofirao as unhas Reaes de Cafiella, e como nunca as houve em Portugal, p.%6. Manifefio do Vir ei to, que V. Filippe de Cafiella ailega contra os pertendentes de Rortugal.p.%9. Razoens, que ElRey V. Filippe allega contra a Senhora Vona Catharina. f. 95 Repofia da Senhora Vona Catharina contra as razoens delRey V. Filippe. p. 1 0 4 . Mani-
Manifefio do Vireito, da Senhora Vona Catharina ao Reyno de Portugal contra V. Filiffe. f. 123. Razoens da Senhora Vona Catharina contra Filiffe. f. iz6. Refofia deiRey V. Filiffe contra as razoens da Senhora Vona Catharina com feu defengano. f. 140.
C A p - XVII.
Em que fe refolve, que as unhas de Cafiella fao as mais farfantes for injufiias. f. 15 o.
C A p. XVIII.
Vos ladroens, que furtao com unhas facificas.f. i6z.
C A p.
XIX.
Profegue-fe a mefinamatria, e ?nofira-fe, que tal deve fer a faz, far que unhas pacificas nos nao damnifiquem. f. 169.
C A p. X X .
Vos ladroens, que furtao com unhas Militares, f. 175
C A p. XXI.
Mofira-fe, at onde chegao unhas Militares, e quando fe deve fazer a guerra, f.\%\
C A p.
XXIL
Profegue-fe a mefma matria das unhas Militares, t ' como fe deve fazer a guerra, f. 1 < ? 3.
C A p. XXIII.
Vos que furtao com unhas temidas, f. 2 0 0 .
C A P.
XXIV
C A p.
XXV
C A P. XXVI.
Dos que furtao com unhas maliciofias. f.ziy.
C A p.
XXVII.
C A P. XXVIII.
Vos que furtao com unhas de fcuidadas, f. 2 2..9.
C A p. XXIX.
Vos que furtao com unhas irremediveis, p. zzz.
C A p.
XXX.
ue tais devem fer os confelheiros, e confelhos, part v que unhas irremediveis nos nao damniquem f. 243 Que tais devem fer os Confelheiros. f. 245 Tribunal, como, e que tal. f.z$i Voto, e farecer de cada hum. f. 257Refioluao do Confelho. f. z6i
C A p
XXXL
C A P. XXXII.
Mps que furtao com unhas ignorantes, f. 270.
C A p. XXXIII.
Vos que furtao com unhas agudas, f. znG.
C A P.
XXXIV
C A P. "xxxv
Vos que furtao com unhas dobradas, f. 2 8 7
CAP.
C A p. XXXVI. C A P. XXXVII.
Vos ladroens, que furtao com a mao do gato. f.zyG.
C A P. XXXVIII.
Vos que furtao com mos, e unhas fofiias, de mais, e accrefcentadas. f. 306.
C A P. XXXIX.
Vos que furtao com unhas bentas, f. 312.
C A p. XL.
C A P
XLI.
C A P. XLII.
Vos que furtao com unhas fartas. ^.333
C A p. XLIIL
Vos que furtao com unhas mimofias.f. xx.6.
C A p - XLIV
Vos que furtao com unhas defnecefsrias. f. 3 40.
C A p, XLV.
Vos que furtao com unhas domefiicas. f. 346.
C A P- XLVI.
Vos que furtao com unhas mentirofas. f. 352.
C A p. XLVII.
Vos que furtao cofn unhas verdadeiras, f. 3 5^8.
C A P. XLVIII.
Vos que furtao com unhas vagarofas. f. 364.
CAP.
C A p - XLIX.
D ^ que furtao com unhas afrefsadas. f. 372?
C A p. L.
C A p
LI.
Vos que furtao com unhas infenfiveis. f. 3 8 5 C A P. LII. Vos que furtao com unhas, que nao fefientemao ferio , e arranho muito ao longe. f. 3 < ? 1. C A p. LII. Vos que furtao com unhas vifiveis. p. 396
C A p. C A p. C A
P.
LIV LV LVI.
Vos que furtao com unhas nvifiveis. f. 400. Vos que furtao com unhas occultas. f. 407 Vos que furtao com unhas toleradas, p. 412. C A p. LVII. Vos que furtao com unhas alugadas, f. 420. C A p. LVIII. J)os que furtao com unhas amorof as. p. 424.
C A p. C A p C A p.
Vos que furtao com unhas cortezes. f. 425?. Vos que furtao COM unhas foliticas. f. 4 2 3 Vos que furtao cem unhas confidentes. 0. 438.
C A p. LXII. '
Vos que furtao com unhas confiadas, f. 4 4 2 .
C A p
LXII.
C A p. LXV
Vos que furtao com unhas de prata. p. 45 5
C A
P-
LXV
C A P. LXVI.
Vos que furtao com unhas ridculas, p. 4 7 3..
C A p - LXVIL
Primeira tifoura para cortar unhas, chama-fe Vigia,
p. 480. C A p. LXVIIL
Segunda tifoura, Milicia. p. 4 8 4 .
C A p C A p
LXIX. LXX.
Terceira tifoura, Degredo, p. 4 8 8 . VeJengano geral a todas as unhas. p. 495, Primeiro defengano. p. 45)4. Segundo defengano. p. 496. .* Terceiro defengano. p. 501. Conclufa final, e remate do defengano verdadeiro. p. $o6.
TRA-
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TRATADO
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Artes, dizem feus Autores, que emulaoens' da natureza : e dizem pouco; porque a experincia molra, que tamb m lhe accrefeentao perfeioens. D e u a natureza a o h o m e m cabello, e barba, para authoridade, e ornato-, e fe a arte nao compzer tudo, e m quatro dias fe far h u m monlro. C o m arte regara h u m a mulher as minas, que lhe cauu a idade, reftituindo-fe de cores, dentes, e cabello , c o m que a natureza no* melhor lhe faltou. C o m arte faz o efeultor do tronco intil h u m a imagem tao perfeita, que parece viva. C o m arte tira os cobiozos das entranhas da terra, e centro do mar a pedraria, e metais precioos, que a natureza produzia e m tofeo, e aperfeioando A tudoj
tudo ^ lhe dao outro valor. E nao o bbre couzas boas tem as Artes juridiao, para as melhorar mais que a natureza -, mas tambm bre a$ m s , e nocivas, para as diminuir e m proveito de q u e m as exercita, ou para as accrefeentar e m d a m n o de outrem: c o m o fe v nas mquinas da guerra, partos da arte Militar, que todas vao dirigidas a aTolaoens, e incndios, c o m que huns fe defendem, e outros deftruidos. N a o perde a arte feu fer por fazer mal, quando faz b e m , e a propoito efe memo m a l , que profef , para tirar delle para outrem algum b e m ^ ainda quefejaillicito. E tal he a arte de furtar > ~ que toda fe occupa e m depir huns para veftir outros. E fe he famoa a arte, que do centro d terra defentrnha o ouro, que fe defende c o m montes de dificuldades, nao he menos admira- vel a do ladro, que das entranhas de h u m e critorio, que fechado a te chaves fe rlguarr da c o m mil artifcios, defencova c o m outros m a * yores o thefouro, c o m quefemelhora de fortuna,' N e m perde feu fer a arte pelo mal que cau , quando' obra c o m cilladas fegundo fus regras , que todas fe fundo e m eftratagemasy e enganos, c o m o as da Milcia: e eTa he a arte, e he o que dizia h u m grande metre delta profif: Con +. arte
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rtty y cm engano , vivo Ia mitad dei aro : yt cm engano, y arte y tvivo Ia otra .parte. E fe os ladroens nao tiverem arte, bucjuem outro officio: por mais que a efte os leve, e ajude a natureza, fe nao alentarem efta c o m os documentos da arte, tero mais certas perdas, que ganhos , n e m fe podero confervar contra as invafens de infinitas contrariedades, que os perfeguem. E quando os vejo continuar no officio ilr lefos, nao poflb deixar de o attribuir deftreza de ua arte, que os livra at da j uftia mais vigilante , deslumbrando-a por mil m o d o s , ou obrigando-a., que os largue, e tolere, j porque at para l tem os ladroens arte. Affim fe prova, que ha arte de furtar, e que efta feja cincia verdadeira, he muito mais fcil de provar, ainda que nao tenha efela publica, n e m Doutores graduados , que a eninem e m Univerfidade, c o m o tem as outras cincias. Todos os Philoofos, e Doutores Theologos defendem, que merece o nobre titulo de cincia verdadeira aquella arte fomente , que tem princpios certos, por onde demonftra, e alcana, o que .exercita: exemplofejao a Sagrada Theologia, a Philofophia, Mathematica, M u ^ fica, Medicina, e outras,, q u e nacem delas ?
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as quais a verdadeiras cincias, porque nati f enina o que proftfTao, mas tambm provao por feus princpios, e demonfta por con-; fequencias evidentes, p que enfinao. E admittindo ns efta regra, que todos os abios admita tem, devemos excluir do numero das cincias f aquellas artes, que prao na matria, e m que fe occupa j tornando-a alim c o m o fe lhes oflerece, fem difcurrem as razoens , n e m os principios, por onde fe aperfeioa no alcance do feu fim. Exemplo feja a Juriprudencia, que nao fe; detm e m efpecular, ou demonftrar, o que pro-^ p e m feus textos: donde nafee nao haver evidencia publica da raza de feus preceitos: e fe nos m o v e afeguilosa obedincia, c o m que todos nos ugeitamos a elles, mais he por temor s vezes, que por refpeito. E ainda que todos fejao fundados e m razo , que os Prncipes acharo , e cmummente apontao e m feus decretos, pa o por ellas os Jurifconltos ordinariamente tanto e mfilencio, que por f lhe damos alcance, E ha-fe nifto alguns Canoniftas, e Legiftas, c o m o D e o s , que obrigando os homens a h u m a ley de dez preceitos, e m nenhum delles apontou a raza, porque os punha , deixando-a ao difcurfo da ley natural, que nenhum h o m e m deve igno
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ignorar 5 ainda que In alguns tao groffeirs, que nao atina c o m ella. E poriTo nunca ningum diffe, que a doutrina do Decalogo, pelo que pertence obfervancia pratica, era cincia , ainda que o.feja no epeculativo, pelo que defcobre no forri para o abraarmos, e no mal para o fugirmos. D e todo efte difeurfb fe colhe c o m certeza, que a arte de furtar he cincia verdadeira, porque tem princpios certos, edemonftraoensverdadeiras , para confeguir. feus efTeitos, pofto que por rudeza dos difejpulos,. ou por outros impedimentos extrinfecos n" chegue ao que pertende. M a s fe o ladro tem b o m natural,* e he perito na arte, armafeusfylloginos c o m o rede varredoura^a que nada efeapa. C o m h u m a hiftoia notvel fao*demonftraa deft verdade. E m certa Cidade de Epanha houve h u m a viuva fidalga tao rica c o m o nobre : c c o m o as matronas de qualidade por feu natural recolhimento tia pdn ailiftir a trfegos de grandes fazendas: dczejava *efta muito h u m feitor fiel, e intelligente, que lhe podefe governar tudo. E iia dezejava menos h u m ladro cadimo ter entrada -em caa tao caudalo c o m algum horefto titulo^ para fe prover de h u m a vez de remdio para toda a vida. Lanou uas linhas, e armou uas traas e m frm^
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que
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que nenhuma confequencia fruftrou, aflm para entrar c o m grande credito, c o m o para ahir c o m mayor proveito. Achou por uas inculcas, que tinha afenhorah u m ConfeTor Religiofo, a q u e m dava credito, eobedincia per ua virtude, e le-* trs. Pregava efte certa fefta de concur, veftio* fe o ladro de trage humilde, e rofto penitente , e fez-fe encontradio c o m elle indo para o plpito : poz-lhe na m a h u m a bola de dobroens, que dife achara perdida , e pediolhe c o m muita fubmiTa, e modeftia, que a publicafe ao auditrio, e a reftituiTe a q u e m moftrafe que erafeudon o , dando os verdadeirosfinaisdelia , e do que continha. Ficou o Reverendo Padre Pregador attonito c o m tal ca, que houvefe h o m e m no m u n do que reftituiTe e m vida, ediTe aos,ouvintes milagres do iigeito , e que podendo melhorar de capa c o m aquelle achado , < o nao fizera, eftimando mais a paz de lua alma, que o c o m m o d o de feu corpo: e que e m h u m daquelles era b e m empregadas as emolas. E aliim foy, que acabada a pregao, mandaro muitos Cavalheiros eus iibfidios c o m mais de meya dzia de veftidos muito bons ao Reverendo Padre, para quedfle tudo ao pobre nto, que lhe nao pezou c o m elles: e fo? a primeira confequencia , que colheu do feu dif
cur:
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curi: e a gunda affegurar a bola para ficom iia m y , que era h u m a velha tao ardiloa c o m o jelle, que ja eftava prevenida ao Padre do plpito , e muito b e m adeftrada pelo filho : e e m decendo o Padre agarrou delle gritando: a bola he minha! Por final, que he de couro pardo, c o m huns cordoens verdes, e tem dentro eis dobroens, quatro patacas, e h u m papelinho de alfinetes. Ouvindo o Pregadorfinaistao evidentes, e vend o que tudo aflim era , lhe entregou tudo, dando graas a D e o s , que nadafeperdera : e a m y fez e m caa a reftituia ao filho, que aTegurou de caminho a terceira confequencia de eftafar tamb m o Religiofo, que o levou fuafella, onde o regalou, e melhorou de veftido, e fortuna , informando-fe delle m c m o de feus talentos : achando que bia ler, e eferever quanto queria, e contar c o m o h u m Girifalte na unha , e que fobre tudo moftrava b o m juzo:feguio-fefogo a quarta confequencia. de o pr e m caa de fua cpnfeTada c o m mero , e mixto imprio fobre toda iia fazenda havida, e por haver, abonandolho por quinta elTencia defidelidade,e intelligencia; c o m que a feu lvo colheo a ultima confequencia, que pertendia das rendas de fua fenhora, que enacou e m ouro para voar mais leve: e c o m
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dez, ou doze mil cruzados, que dous annos de fervio lhe depararo, fe paTou para outro emiA ferio, fem dizer a ningum :ficaivos embora : Diga agora os profeTores das cincias, e artes mais liberais,feformaro nunca fyllogimos mais correntes. Negar a luz ao Sol , q u e m negar arte de furtar o difeurfo, e fubtileza, com; que aqui lhe damos o n o m e de cincia verdadeira.;
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II.
Como a arte de furtar he muito nobre. Ais fcil achou hum prudente, que feria acender dentro do mar h u m a fogueira,
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que epertar e m h u m peito vil fervores de nobreza. C o m tudo ningum m e eftranhe chamar nobre arte, cujos profeTores por leys Divinas e humanas tidos por infames. El he a valentia defta arte, c o m o a dos Alchimifts, que fe gaba que Cabem fazer ouro de enxofre: de gente vil fazfidalgos,porque aonde luz o ouro, nao ha vileza. A l e m de que nao he implicao acharemfe duas contrariedades e m h u m fugeito, quando
relpei-
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repetadifferentes motivos. Quecoua mais vil., e baixa, que h u m a formiga ! T a o pequena, que naofeenxerga v tao rafteira, que vive enterrada ; tao pobre 5 quefefuftenta de leves rapinas! Q u e coufir mais: illuftre que, o Sol, que a tudo d luf tre , tao /grande, que he mayor que a terra \ tao alto, que anda: no quarto C e o , tao rico, que tudo produz ^ J E .fer;.va mayor nobreza c o m a mayor baixeza e m h u m fugeito, e m h u m a formiga. Baixezas ha, que nao anda em ufo, porque a de n o m e : e nomes ha, que nao p e m ; n e m tirao, ainda; que <feencontrem, porque fe compadecem para differentes efeitos. Fazia D o u trina h u m Padre da Companhia no pelourinho de Faro : ; pergtntou> a.'um menino, corno frha^ mava ?. Repqnde 9 chamome ,em .caa;Abrahao-* finho, e na^ua joarrnico; Alim os ladroens: na Caa da Suplicaa chasna^fe infames,) quan^ do osfentencea:,que- he poucas !;vezes: mas nas; ruas > ^por onde anda de continuo e m alcatas, tem nomeadas muito nobres: porque 'hunsj a G o d o s , outros chama-fe Cabos, e Xarifes outros :-mas nas obras todos a piratas.) cuo r m ^ rjr; Mais claro proponho', se deslindo .tudd. A nobreza das cincias'.colhe-fe "de; trs princpios: primeiro he objeto,. ou -matria ; .em que oecupa.
(IO) occupa. Segundo: as regras, e preceitos, de que confta. Terceiro : os Meftres, e igeitos, que a profeTa. Pelo primeiro principio he a Theologia mais nobre que todas, porque tem a Deos por objeto. Pelo fegundo he a Philobphi; porque uas regras, e preceitos a delicadifimos, e admirveis. Pelo terceiro he a Mufica-,porque a profel A n jos no C e o , ena terra Prncipes. E por todos eftes trs princpios he a arte de furtar muito nobre y porque o feu objeclo, e matria, e m que fe emprega , he tudo o que tem n o m e de preciofo : as uas regras, e preceitos a ubtililimos, e infallivs: e os fugeitos, e meftres, que a profefla, ainda mal que as mais das vezes a , os que fe preza de mais nobres; para que nao digamos que a Senhorias,.. Altezas, e Mageftades. Alguns doutos tivera para fi, que a nobrefa das cincias mais fe colhe da fubtileza das regras , e deftreza, e m que fe fundo , que da grandeza do objeo, ou utilidade da matria, e m que fe occupa : c o m o vimos at na machina do que e m cortia obra couzas delicadas, que e m ouro, que poriTo he mais louvado. Aquclle Artfice, que efcreveo a Iliada d e H o m e r o c o m tanta miudeza, que a recolheo e m h u m a n o z , aflmbou mais Q m u n d o , que fe a efereveTe
(II) velTe c o m muitas laarias e m grandes lminas" de ouro , aquella no enxarceada c o m todo gnero de velas, e cordoalhas, tao pequena, que toda fe cobria, e efeondia c o m as azas de h u m a m o f ca, fez a Mermitides mais famofo, que a outros as grandes efeulturas dos mayores ColoTos. N a formao de h u m moquito moftra Deos mais feu grande entendimento, que na fabrica do Univerfo. Quero dizer, que nao engrandece tanto as cincias a matria, e m que fe exercita, c o m o o engenho da arte, c o m que obra. E como o engenho, e arte de furtar ande hoje tao ubtil, que tranfcende as guias, b e m podemos dizer que he cincia nobre. E prouvera a D e o s , que nao tivera tanto de nobre, nao fpelo que lhe concedemos de fus ubtilezas, fenao tambm, pelo que lhe nega outros da matria, e m que fe occupa, e ugeitos, e m quefeacha; pois vem o s , que a matria he a que mais fe eftima, ouro, prata, joyas, diamantes, e tudo o mais que tem preo-,e os fugeitos, e m que fe acha, a por meus peccados os mais illutres, c o m o pelo difcurfo defte tratado e m muitos captulos iremos vendo. E para que nao engague algum ecrupulofo nefta propofia c o m a mxima, de que nao ha ladro, que feja nobre, pois o tal - ofcio
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officio traz comfigo extino de todos r os foros nobreza : declaro logo, que entendo o m e u dito fegundo o vejo exercitado e m homens tidos, e havidos pelos melhores do m u n d o , que no cabo a ladroens , fem que o exerccio d rteyos defi luftre, n e m abata h u m ponto do timbre de fua grandeza. N a o he alim, o que uccedeo e m R o m a a h u m Emperador? Que- entrando n. Templo a adorar a Apollo, achou'>,{ que> l no memo Altar eftav# Efeulapiofeu:filho>efte c o m grandes barbas,! e aquelle limpinho; porque a& fim os diftinguia a; Gentilidade:antigua. A* verto o Emperador y que as barbas de Eulapic? era de ouro ; e poftias: cobiou >as, e furtou-as y dizendo que nao era bem offilhotiveTe barbas, quando o pay s na tinha reinada perdeo de fua grandeza o Emperador com; furtar as barbai aofeuDeos, antes a accrefeentou, poisficouc o m mais ouro, do que dantes tinha-: eafim aaccref cento outros muitos c o m muitos \outros furtos, q cada dia fizera fem caluninia nas barbas do mundo.-
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CAPITULO III.
D<* antigidade, e profefsores defia arte. ISto, que chama antigidade, he huma droga, que nao tem preo certo -r porque e m tal parte vale muito, e e m tal e m nadafeeftima. C o munidades ha, e m que a antigidade rende \ porque lhes dao melhor lugar, e melhor vianda. E Juntas ha, e m que a antigidade perde; porque efeolhem os mais vigoroos para as emprezas de proveito, e honra. Antigidade, que conta f os annos, e m cada feira vale menos: mas a que accumula merecimentos, para cargos tem mayor preo, e valera mais, fe fora de dura. Q u a n d o olho para os que m e cerca, feftejofero mais antigo, porque m e guarda repeito : mas fe olho f para m i m , tomarame mais moderno. E t t mal tem a antigidade, que anda mais perto do fim, que do principio. Muitas couzas acaba por antigas, porquefecorrompem de velhas: e muitas omea, aonde as outras acaba : ifto he na antigidade; porque f cufta delia lograo
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gra alguns bene efises, c o m o as trempens do Ja* pa, que as mais velhas a de mayor eftima. A nobreza tem efta prerogativa, que a antigidade mais apura, e vale mais por mais antiga. H o m e m novo entre os R o m a n o s era o m e m o , que h o m e m baixo : e o que moftrava imagens d$ feus antepaTados mais velhas, carcomidas, e de-' fumadas, era tido por mais nobre. Nas artes, e cincias corre a mema moeda, que anda mais apuradas as mais antigas, e mais eftimadas T as que tem mais antigos profeflbres. Entre alfayates, e oleirosfemoveo quefta, quais era mais; antigos na fua arte, para alvidrarem dahi lua no^ breza. Vencero os oleiros, porque primeiro fc amaou o barro, de que foy formado A d a , e depoisfelhe talharo, e cozero os veftidos. A q u i entra os ladroens c o m a ua arte, allegando, que muito antes do primeiro h o m e m a exercitaro epiritos mais nobres. M a s deixando pontos, que nos fica alem do m u n d o antes de havei: homens, de que f tratamos; fllemos das telhas abaixo, que he o que pertence nofa esfera. E e m dando nos primeiros profeflores, colheremos logo a antigidade defta arte e da nobreza daquelles, e antigidade defta, Taremos o compu-. to, que bufcamos. M a s c o m o fe profeTa s et
condi-
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condidas, fera dicultofo achar os meftres. Ora nao fera; porque nao ha, q u e m efeape de dif cipulo : e os dicipulos b e m devem conhecer feus meftres. N a matricula defta efela nao ha q u e m fe nao afente. J o diTe a ElRey noTo Senhor, que he efte m u n d o h u m covil de ladroens, porque tudo vive nelle de rapinas , animais, aves, e peixes, at nas arvores ha ladroens. E agora digo, que he h u m a Univeridade, e m cujos gerais cur todos os viventes geralmente. T e m efta Univeridade o duas clafes, h u m a no mar, outra na terra. N o mar drzem que lo de prima Jafon aos primeiros Argonatas, quando paTou Ilha de Colchos, e furtou o velo de ouro tao defendido, c o m o celebrado : e deftes aprendero os infinitos piratas, que hoje emdiacoalha ef es mares c o m a proa fempre nas prezas, que buf ca. N a terra dizem os antigos, que pz a primeira Cathedra Mercrio, e que foy o primeiro ladro , que houve n o m u n d o , e poriflb o fizera Deos das ladroces. B e m fe v a fem-raza defta idolatria, pois nao pode haver mayor ce^gueira, que conceder divindade ao vicio. M a s por peor tenho, a^que vemos hoje e m muitos homens obrigados a conhecer efte erro, que tem a rapina por fua deidade, pondo nella fua bemaven-
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aventurana, porque delia vivem. Enganarafe os antip-os e m darem efta primazia a Mercrio : primeiro que elle foy A d a primeiro ladro , e primeiro h o m e m do m u n d o : e poriTo pay de todos, que deixou a todos por herana natural, e propriedade legitima ferem ladroens. ^Perguntara aqui o curiofo, fe haver algum, que o^nafeja? Reponde-fe que nao : pelo menos na potncia, ou propen , porque he legitima,queferepartio por todos. H e b e m verdade, que huns participao mais defte legado que outros-,bemaffim como. nos bens caftrenfes, queferepartem a mais, e a menos pelo arbtrio do teftador: pofto que c o arbtrio livre he dos herdeiros 5 e dahi v e m ferem alguns mais inignes na arte de furtar. E c o m o nao ha arte,' que fe aprenda fem meftres, que va uccedend o huns a outros, tem efta alguns muitos abios, e empre os teve : e c o m o nao ha ecla, onde fe nao achem difeipulos bons, e mos, tambm nefta ha difeipulos, que p o d e m fer meftresy- e ha outros ta rudes, que n e m para mos difeipulos prefta , porque logo os apanha. D e todos determino dizer alguma couza, nao para os enfinar, mas para advertir, a q u e m fe quizer guardar delles, o c o m o fe deve vigiar ; e a elles qua arricados anda.
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(17) N a o m e calumniem os que fe tem por efeoiliados, queixando-fe, que os ponho nefta refte fem prova, n e m certeza de delitos, quc.cmetteffem nefta matria, fendo certo que nao ha regra fem excepa. Meta cada h u m a m a e m fua conciencia, e achar a prova do que digo, que efte m u n d o he h u m a ladroeira., ou feira da ladra , e m que todos chatina interes, crditos, honras, vaidades, e eftas couzas nao as pode haver fem mais, e menos: e e m mais , e menos vay o furto, quando cada h u m toma mais do jue fe lhe deve, ou quando d menos do que deve. E procede ifto at e m huma. cortezia,, cjue excede por ambio , ou que falta por foberba. Ajuftar brigaoens de juftia^>e caridade, despende de h u m a balana muito iibil, que tem o fiel muito ligeiro : e c o m o ningum a traz na m a , tudo vay a eino , e a cobia pende para fi , mais que para as partes. E daqui vem ferem todos c o m o o lea de Hiopete, que comia os ^outros animais c o m o achaque de fer mayor. E temos averiguado que os profeTores defta arte a todos os filhos de A d a , e que ella he tao antiga c o m o feu pay. M a s de tanta antigidade, e progenitores, ningum m e infira ferem nobres os profeTores defta arte, nem fer ella cincia B verei a-
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verdadeira : porque as cincias devem praticar algum fim til ao b e m c o m m u m , e efta arte f e m deftruir toda fe emprega: contente-fe c o m fer arte, aim c o m o o he a Magia. E e m feus artfices ningum creya, que pode haver nobreza , pois o vicio nunca ennobreceo a ningum, porque por natureza he infame , e ningum pode dar o que nao tem. A verdadeira cincia he a das Leys, e Cnones, que lhes d caa, mete a aco todos os ladroens: e bailava tao herico ato para fe ennobrecer, e fazer eftimar obre todas a pezar dos roins, c o m q u e m tem ua ral : e fe eftes a defacredita , na valem teftemunha, porque os aouta. Contra reoluca tao alentada m e bota e m rofto, o quediTe agora ha nada nos dous capitules antecedentes, que a arte de furtar era cincia verdadeira, e feus profeTores muito nobres. Repondo que nunca tal diTe de minha opinio : e c o diTe, eftaria zombando, para moftrar o engenho dosfcphifmas,ou a illua, c o m que m gente apoya feus erros. Infame he a arte de furtar , infames afeusmeftres, e difeipulos: e ainda que a mais que muitos, muitos mais a , os que anda ls defta lepra, principalmente os que fe lava t o m o Santo Bautifmo, que nos livrou de todos
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todos os males, que herdmos de Ada. O u a o bons, e mos efte difcurfo, la todos efte tratado , e verfe-ha eferitos, e retratados: os bons tera queeftimar, por fe verem limpos de tao infame lepra: e os mos tera que aborrecer, conhecendo o mal -y que he impoflivel nao ie deteftar, tanto que for conhecido.
CAPITULO IV
Como os mayor es ladroens fao, os que tem por offcio livramos de outros ladroens. A pode haver mayor degraa no mundo , que conyerterfe a h u m doente e m veneno a triaga, que tomou, para vencer a peonha, que o vay matando. Ferir-fe , e matar-fe Juim h o m e m c o m a epada, que cingio, ou arrancou para fe defender cie feu inimigo -, e arrebentar-lhe nas mos o moquete, e matallo-, quando fazia tiro para fe livrar da morte, he fortuna muito m de ofrer : e tal he, que acontece c m rr.uitas Pvepublicas do m u n d o , e at nos Reynos mais b e m governados : os quais para fe livrarem
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de
(20) de ladroens , que he a peor pfte que osabraza, fizera varas, que chama de Juftia , ift he, Meirinhos, Almotaceis, Alcaides: puzera guardas, rendeiros, e jurados : e fortalecero a todos c o m Provifoens, Privilgios, e Armas ; mas elles virando tudo do carns para fora, tom a o rafto s aveTas, e e m vez de nos. guardarem as fazendas, a os que mayor eftrago nos fazem nellas , deforte,que nao fe diftinguem ds ladroens, que lhes mando vigiar, e m mais fenao que os ladroens furtao nas charnecasy e elles n o povoado-, aquelles c o m carapuas de rebuo, e elles c o m as caras defeobertas aquelles convfeii rico, e eftes c o m Provia , e cartas de Seguro, Declarome: manda a Ley aos Senhores Almotaceis, que vigiem as padeiras, regateiras, eftalagens, e tavernas, dcc. fe vendem as cousr por leu jufto preo. Anticipa-fe todas as pefloas fobreditas, mando a caa as primicias, e meyas natas defeusintereles, e fica logo licenciadas, para maquinarem tudo , c o m o quizerem. T e m obrigao os Meirinhos. e Alcaides, de tomarem as armas defezas, prenderem os que acharem de noite , e darem cumprimento aos mandados de prizoens, eexecuoens, que fe lhes encarrega,: dillimula, e pail por tudo, pelo dobra , e
pela
(21) pela pataca, que lhes mete na bola -, e fegueme dahi mortes, roubos, e perdas intolerveis. Corre por conta dos guardas, e rendeiros a defena dos paftos, vinhas, olivais, coutadas, que nao as deftrua os gados alheos; q u e m os tem avena-fe c o m elles por pouco mais de nada, que v e m afermuito , porque concorrem os poucos de muitas partes, fica livres para poderem lograr as fazendas alheas, c o m o fe fora prprias, fem iiVorrerem nas coimas. E eiqui c o m o os que tem por officio livramos de ladroens, v e m a fer os mayores ladroens, que nos deftroem. N a o fallo de varas grandes, porque as refidencias as fazem andar direitas , n e m das garnachas, que epera mayores pftos, e nao querem perder o muito pelo pouco : livrenos Deos a todos de oferecimentosfecretos,que correm iia fortuna fem teftemunhas, aceitos torcem logo as meadas at quebrar ofiadopelo mais fraco j e a poder de ns <cgos o-fazem parecer inteiro; at nas refidencias^ onde fe da e m fe fazerem as barbas huns aos outros, fica tudo fem remdio, e c o m a mayor parte da preza e m h u m m o m e n t o , q u e m nos hia reftaurar/dos damnos de h u m triennio. Milhares de exemplos ha, que explica b e m fta epecie de furtos; e melhor que todos o que
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pode-
(22) poderemos pr nos Phyficos: mas manda a Sagrada Ecritura, que os honremos [fropter fanitatem$ e aTim he bem que lhes guardemos aqui repeitos, ainda que a verdade fempre tem lugar. Digamolo ao menos dos boticrios.-Tem.ele$ h u m livrinho, nao he mayor que huiri cartt* Iha , e nada tem defeiadoutrina ; porquefedevia de compor no Limbo: certo he . . que o nao imprimio Galeno, que houvera de fer muito b o m Chrifta, e nao fora Gentio*, porque tinha b o m entendimento. A [efte livro chama elles: Qui pro qo : quer dizer, huma - couza por outra: e o titulo bafta , para fe intender, que contem mais mentiras, que verdades: antes f huma verdade contem , e he que e m tudo enfina a vender gato por lebre, como agora: fe lhe faltar na botica a gua de efcorcioneira, que receita o Medico para o cordeal, que lhe podem botar gua de cevada cozida ; efenao tiverem pedra de baazar, que pevides de cidra tanto m o i > tao: fe nao houver leo de amndoas, que lhe ponha o da canda. E aim vay baralhando tudo, de maneira que nao pode haver boticrio, que deixe de ter quanto lhe pedem : e dahi podeferque veyo o provrbio, com que declaramos a abundncia de h u m a caa rica, que tudo fe acha
acha nella c o m o e m botica. E j lhe eu perdoara tudo, fe tudo tivera os memos effeitos-, e fe elles nao nos levaro tanto pelos ingrediente uppoftos, que nada valem, c o m o havia de levar pelos verdadeiros, que valem muito. D o n d e parece , que naceo a murmuraa, de q u e m diTe, que as mos dos boticrios a c o m o as de M i das, que quanto toca, convertem e m ouro ; porque na ha arte chimica, que os vena e m fazer de maravalhas, metais preciofos: n e m pode haver mayor deftreza, que a de h u m deftes ne trs, ou difeipulos de Efeulapio, que mandaria do pelo feu m o 0 b bufcar h u m moino de malvas ao monturo, c o m duas fervuras, que lhe da n o tacho, ou c o m as pizar no almofariz, as transforma.de maneira, que na lhes ahem das mos, fem lhe deixarem nellas trs, ou quatro cruzados^ na valendo ellas e m fi h u m ceitil: e o mefno corre e m outras mil e trezentas couzas. T e m os Phyico^, mores obrigao? de vigiarem tixdoifto^ e aflim o fazem correndo o.Reyno, e vifitando todas as boticas delle algumas vezes: chama a ifto dar varejo : e dizem bem; porque affim com o ns varejamos h u m a oliveira, para ihe apanhajr a azeitona> affim,elles vareja , as boticas para recolher dinheiro. H e muito para ver a diligencia, B iv com
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com que os boticriosfeaodem huns aos outros neftas occafioens, empreftando-fe vidros, e medicamentos, para que os Vifitadores os achem providos de tudo: e poder ucceder, por mais que tenha tudo b e m apurado, e a ponto, fe na andarem mais diligentes e m peitar, que emfe pr* ver, que lhes quebrem todos os vidros por d c-aquella palha. PoriTo outros fazem b e m , que viita, antes de ferem vifitados, e c o m iTo e cu o trabalho defeproverem,e apuraremj e efeapa osfeusfracos, c o m o vafo mo, que nunca quebra. B e m f e v , c o m o reponde tudo ifto ao titulo defte capitulo- f h u m a cou ha aqui, que a na entendo, nem haver q u e m a declare; que morra enforcado o homicida, que matou * efipinguarda, ou s eftocadas h u m h o m e m , e que matem Boticrios, e Mdicos cada dia milhares dlles, fem vermos poriTo nunca h u m na forca: antes a tao privilegiados, que depois de vos darem com as coitas no adro, e c o m volb pay na cova, demanda voTos herdeiros, que lhes paguem a peonha, c o m que vos tiraro a vida, e o trabalho, que tivera e m vos apreflarem a morte c o m fangrias peores, que eftocadas, por ferem fem neceflidade, ou fora de tempo. H u m ferrador vizinho do Cardeal Paloto deppareceO
de
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de R o m a ; e indo depois o Cardeal a Npoles c o m certa diligencia do S u m m o Pontfice, teve h u m achaque, fobre que fe fez junta de Mdicos , e entre elles veyo o ferrador por mais afam a d o : conheceo-o o Cardeal, tomou-o parte, e perguntou-lhe, quem ofizeraMedico ? Repondeo, que f mudara de fortuna, e na de oflicio -, porque do memo m o d o , que curava e m R o m a as beftas, curava e m Npoles os homens-, e que lhe fuccedia tudo melhor; porque alem de acertar nas curas ta b e m , e melhor que os der mais Mdicos, fe acertava por erro de dar c o m algum doente na outra vida, que ningum o demandava poriTo, c o m o Sua Eminncia, que lhe fez pagar h u m a mulla do feu coche, por lhe morrer nas mos andando e m cura. O que mais luccedeo no cafo, na ferve ao intento : mas do dito fe colhe, que anda o m u n d o errado na matria de Mdicos, e Boticrios, que ha mifter grandilima reforma-, porque tendo por officio affegurar as vidas, na f no Ias tira, mas fobre iTo nos pedem as bolas. N a fazia outro tanto o Sol Pofto aos Caftelhanos nas charnecas; e no cabo foy equartejado poriTo. E eftcs fenhoresfica-ferindo, e aguando a ferramenta para hirem por diante na matana, de que fazem ofKcio. Em
(26) <-' Em Frana ha Ley, que nenhum Medico do Pao vena alario, e m quanto alguma pefiba Real eftiver doente ; porque afim feaprelem e m tratar de fua tide : e os Portuguezes fomos tais, que quando eftamos doentes, fizemos mais mimos, e damos mayores pagas aos Mdicos; em advertirmos, que poriTo meno nos dilatar a faude, e fara grave o mal, que he leve ; c o m o o outro, que curava de h u m epinho certo Cavalheiro, e tinhalhe metido e m cabea que era polma. Auzentou-fe h u m dia, e deixou h u m feufilhoinftrudo, que continuaTe c o m os e m * plaftos do epinho, a que chamava poftma; M a s o fiiho na primeira cura, para e moftrar mais deftro, arrancou o epinho , ceTra logo as dores, e lirou o doente e m menos de vinte e quatro horas. V e y o o pay ; pediolhe ofilhoalviaras, que Tarara o doente c o m lhe tirar epinho. Repondeoie o pay: pois dahi comers para befta. N a vias tu lvagem, que e m quan^ to fe queixava das dores, continuava as viitas, e fe accrefccntava as pagas ? Secafte o leite cabra, que ordinhavamos ? B e m fe acodiria a ifto, fe .fe pagaTem melhor as curas breves, que as dilatadas. E muito neceflrio era haver ley, que nenhuma cura fe pagafe do doente, que mor-
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reffe. Pdera-fe pelo menos pr remdio a tudo, c o m favorecerem os Reys m ais efta Cincia, que anda muito arraftada; porque na fe applica a ella, fenao q u e m na tem cabedal para curar outros eftudos. N o Eftado de Mila todos os M dicos tem foro de Condes: nos Eftados de M a n tua, M o d e n a , Parma, e e m toda a Lombar. dia, fio tidos, e havidos por fidalgos, egoza feus privilgios. ElRey D o m Sebaftia comeou a applicar algum cuidado nefta parte mandando Univeridade de Coimbra, que ecolheTem de todos os Gerais os eftudantes mais hbeis, e nobres ; e que os applicalm Medicina c o m prcn mels de grandes accrefcentamentos. Por mais fcil tivera mandar China dous pares delles c o m as mcmas promels para eftudarem a Medicina , c o m que todo aquelle vaftilimo Imprio fe cura ; que fem controverfia he a melhor do m u n d o , porque abe qualquer Medico pelas regras da fua arte, e m tomando o pulfo a h u m doente , tudo o que teve, e ha de ter por horas, fem, lhe errar nenhum accidente; e logo leva comi- go os medicamentos para a cura, fe he que -o mal tem.alguma : e melhor fora hirmos l bu car eTa Cincia para reparar a vida, que as porolanas que logo quebra. ;^ CA- .
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CAPITULO V /< Vos que fao ladroens, fetn deixarem, que outro$ o fejao. O Lea conta os naturais, que de tal __^ maneira faz uas prezas, que juntamente as defende, que lhes na toque nenhum outro animal, por fero que feja. Mais fazem os Aores da Noroga, que conferva viva a ultima ave, que empolga nos dias de Inverno, para terem c o m ella quentes os ps de noite -, e c o m o amanhece a larga : e obferva para onde foge, e nao vao caar para aquella parte, para nao adabarem a ave, de que recebero algum bem-, e nao reparao, e m que va dar nas unhas de outros Aores. Ladroens ha peores, que eftes animais, e a c o m o elles ospoderofos. Todos a como os Leoens, que na deixa, qu outros animaisfecevem na fua preza; e nenhum com o os Aores, que larga para outras aves a preza , de que tiraro proveito. N a admittir companhia no trato, de que fe pode tirar proveito , he ambio, e he interele, a que podemos dar nome
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n o m e de furto. E he lano muito contrario ao natural dos ladroens, que gofta de andarem.em quadrilhas, e terem companheiros, e ferem muitos, para fe ajudarem huns aos outros: mas ilo he e m ladroens mecnicos, e villoens de trato baixo : ha ladroens fidalgos tao graves, que fe querem fs, e que ningum mais uftente o banco : v-fe ifto por eflas Ilhas, e Conquiftas, e tambm c no Reyno. H a e m certa parte certa droga bufcada , e eftimada de eftrangeiros , que e m certo tempo infailivelmente a buca para fazerem carregao delia. Q u e faz nefte cafo o poderofo, abarca toda de antemo pelo m e nor preo , obrigando os lavradores delia , que lha levem a caa, ni que lhe pez : e c o m o fe v fenhor de toda, fecha-e c o m ella, e talha-lhe o preo a feupdar, de forte que o elrangeiro ha de bebella 5 ou vertella a feu pezar. N o parlei das Ilhas vemos ifto muitas vezes, na coiirama de C a b o Verde, no po do Brafil, na canella de Ceila, no anil, nos baaares, e outras veniagas: e nefte Reyno o vemos cada dia no p a , na pal do Algarve, na amndoa, no atum, e e m quafi todas as mercadorias, que v e m de fora, c o m o taboado, livros, baetas, afedas, telas, cc. as quais-os atraveadors tomad ; porjunto, -k
(30) junto, e fazendo de tudo eftanques, fe fazem Reys , porque f os Reys podem fazer eftanques, e porque f aos Reys pode fer licito o engrolrem tanto. Ifto de eftanques he ponto, e m que fedeve hir muito attento, efpccialmente nas couas neceTarias para a vida, c o m o a mantimentos , e roupas. Q u e haja eftanque e m folima , cartas de j ugar, tabaco, pimenta , e diamantes, pouco vay niTo -, porque fem nada dilo paflremos -y mas que fe permitta , que nos atraveffem o pa , e que e fechem c o m elle os ricos avarentos, para o venderem e m quatro dobros , quando o povo brame por elle , he negocio, que fe deve atalhar c o m todo o rigor, mandando por Ley eftavel c o m pena capital, que ningum venda trigo e m nenhum tempo fobre trs toftoens: n e m fefeguirdaqui faltar o pa n o Reyno , antes obejarj porque os eftrangeirosc o m eTe preo fe contenta ; e os lavradores nunca o vendem por mais, e aTim nunca defiftir de o trazer, n e m de o femear: e deiftindo os atraveadores de fua cobia, todos o tera. D a inefna maneira fe deve pr taxa e m todas as mercadorias , porque na verdade va todas fobindo muito fem raza, e queixa-fe os povos rrf remcio. H u m c h a p o , que valia h u m cruzado,. cufta
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cufta hoje dous e trs: h u m covado de panno, que fe dava por trs toftoens, na o larga por menos defete: huns apatos, que chegava a doze vintns, fobira j a quinhentos reis. E affim fe procede e m tudo o mais. E fe lhes pergunto a cau deftes exceTos? Repondem, que paga dcimas: e he o memo que reponderem , que o fazem fem raza; pois he quererem que lhes paguemos ns as dcimas, e na elles , iem de que o exceTo, e m que fe itisfazem, he ame tade , ou mais, e na a dcima parte. Fique ifto advertido de paTagem, ainda que tambm pertence aos ladroens, que na deixa, que outros o feja j porque ufurpando cada official no feu trato ganhos tao exceilivos, na deixa lugar, a q u e m c o m elles trata, para intereTarem cou alg u m a , n e m aos agentes, e medianeiros, para cizarem-hum vintm. E tornemos aos eftanoues, ou atraveadores, que leva o mayor preo deite capitulo, que acabo c o m dous exemplos, que anda correntes com grande detrimento da companhia da bola fobre a compra, e venda dos vinhos para o Brafil: manda h u m agente diante a Ilha da Madeira, que os compra e m mofto pelo menor preo : e quando chega os navios para tomar a carga, entregalhos cozidos por outro -
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tro tanto mais do que lhe cftara, c o m o fe o> mandara negociar fo para fi , e na para toda a companhia, cujo era o cabedal , c o m que effeituou-o primeiro lano. Chega ao Brafil, onde tem taxa , que na paTem as pipas de quarenta mil reis, atravea-as h u m todas pelo dito preo: e verifica bola que as vendeo pelo que ora o Regimento. E o fenhor, que as embebeo e m i , talha-lhes outro preo, que pala de cem mil reis j e fica, q u e m quer que h e , c o m os ganhos c m felvo, e a fazenda alhea c o m os rif cos, fem deixar que logrem ta grandes lucros , * os que puzera o cabedal, e fe expuzera aosc perigos. Nota para as de mais drogas: q u e m af fim empolga no liquido , que far no folido ? E advir ta todos os atraveadores, c o m o a peores que as feras ; porque os interes, q u g referva parafi, e vda aos outros da preza y que empolga ; nos Leoens he por generofidade , e n elles por villeza, para que lhe na c h a m e m o s aleivozia. Peores a que os Aores pois efteslarga a caa para outros, e eles tudo ufurpa para fi, cm deixarem que os outros medrem. Medraramos todos,fehouveflc ley , que perca tud o , guem abarcar tudo: eferiajufta pela regra,"* que diz : ue qten todo Io quiere, todo Io picrde* CA-
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CAPITULO VI.
Como nao efcapa de ladro, quem fie paga por fua mao.
dera e m certa parte h u m cacho de uvas por emola : e c o m o fe guarda mal cevadeira de pobres, o quefepode pizar, tratou de oalegurar logo repartindo igualmente c o m o feu m o o , que o guiava : e para iTo concertou c o m elle, que o comeTem bago , e bago , alternadamente-, e depois de quatro idas, e venidas, o cego para experimentar, fe o m o o lhe guardadafidelidades, picou os bagos a pares : o moo: vendo, que feu a m o falhava no contrato, calou-fe, e deulhe os cabes a ternos: na lhe ef peroa; rnito^o. cego y e ao terceiro invite dcCcarregoulhe c o m o bordo na cabea. Gritou o rapaz: porque m e dais ? 'Repondeo o a m o : porque contratando ns, que comeTemos irualpente eftas uvas bago , e bago, tu comes a trez, e a quatro. Perguntoulhe ento o m o o : e q u e m vos diTe a vs, que fiz eu tal aleivozia ? lfer C eft
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efta claro, repondeo o cego ; porque faltandot eu primeiro no contrato comendo a pares, tu tecalafte, fem m e requereres tua juftia-, e nao eras tu ta Tanto, que m e levaTes e m conta, n e m e mfilencioa minha fem-raza, fenao pagandote e m dobro pela calada. Aqui tomara eu agora todos os R e y s , e Prncipes, Grandes, e Senhores do m u n d o , para dizer a todos e m fegredo, c o m o anda cegos no ponto mais efencial de feu governo, que he o de uas rendas, e thefouros, fem os quais na fe p o d e m fuftentar e m feu fer, n e m confervar uas Republicas , e famlias. Tenha todos por certo, que fe nao guardarem c o m feus ubditos a devida correpondencia nos pagamentos, e remuneraoens dos fervios, que lhes fazem, que fe ha de pagar por fua ma. E boa prova dilo feja, que devendo a tantos, nenhum os cita, n e m demanda, porque ha medo do bafta da potncia, e m que le firma, c o m que lhes podem quebar as* ca1 becas, mas para remirem fua vexaa, u do direito natural, que os enfina a refazer-fe pela calada, e pelo mais quieto m o d o , que lhes he pofivel: e como a tisfaa fica na ua rever, he ordinariamente e m dobro ; porque o amor prprio os faz cuidar , que tudo he pouco para o que
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o que merecem. daqui vem , o que temos vi to muitas vezes nefte Reyno e m Embaixadas, c emprezas, que Sua Mageftade manda fazer , dando fempre mais do neceTario pra os gaftos, c no cabo na ha reultas, n e m fobejos, que ref titua. N e m ha raza que dr a efte ponto mais, que a de dizermos, que toma tudo para fi por paga defeusfervios, fem admittirem, que va eftes atisfeitosfobreoutras mercs, que recebero de antemo . e que podem faltar eftas, crao c o m efte pretexto afobejadiligencia, c o m que fe paga. Duas razoens ha muito evidentes, c o m que fe prova o muito, que agaalha dos cabedais, que pal por fus mos: primeira , que o fogo, onde eft, na fe pode efeonder, logo lana f u m o , e luzes: e aim a eftes, que logo tem fumos de mayores grandezas, e brilha lulres, que manifefta o proveito, c o m que ihira da empreza, e m que apregoa, que fizera grandes gaftos de fua fazenda, para deslumbrarem o luzimento, que a pezar de fua mentira defcobre a verdade. Se gaftafte tanto, e te atenuafte, irm o , como engordafte ? A fegunda raza ainda mais efficaz he, que s vezes manda ElRey.- noo Senhor Religiofos a tais emprezas c o m ) menos cabedal, e nenhumas mercs, porque na lhes
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d ttulos, n e m comendas, e c o m tudo no fim deilas reftituem grandes fobejos. Dir algum que he, porque gata menos, e eu digo que h e , porque guarda mais : e ambos dizemos o m e t m o j mas c o m efta declarao, que todos gafta da fazenda Real, aquelles guarda para fi, e eftes para feu dono : aquelles paga-fe por fua m a , e eftes na trata de paga , fena de ref tituia. M a s deixando efta matria, que m e pode fazer odiofo c o m gente grande , e poderoa, e eu quero paz com todos, affim c o m o trato de os pr e m paz c o m uas conciencias o nos Reys, e Prncipes grandes tomara perfuadir b e m efta ver^ dade, que paguem pontualmente o que devem, fe querem que lhes luza mais fus rendas . porque he certo, que na ha, q u e m fe na pague, * fe acha por onde : e quando na acha, bufca ou-> tro do eu lote, que dava ao Rey alguma coua, e compoetnfe com elle : daime duzentos mil reis, e dezobrigovos de mil cruzados, que deveis a ElRey , porque elle m e deve a m i m outros tantos. J, fe fuceede, que o primeiro deva ao fegundo alguma couza, ahificao contrato mais corrente j porque c o m pecunia mental fe atisfaz tudo ; c f o Rey fica defraudado na Real; porque c o m cilas, e outras traas nada fe lhe reftitue: e vem
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e vem a montar no cabo ao todo dipendis; muito grandes; porque fuccedem ferem mais que muitos eftes lanos, epaarem! de, imarca; as quan? tias idelles/x Efe bucarmos a raiz dftas perdas gran* des, Jaavemola de iachar no decuido das pagas pequenas,, q u e occafionara licena nos acrdo* res, para fe pagarem,de ua m a , -fem repararem n cehffiraLde ladroens, * que incorrem pelo que leva d e mais : efe algum pezar os acompanha, lie de na: acharem mais, parafe pagarem tambm de dous perigos; a que fe puzera ; prirneirp-de perderem* o feuyr&gundo/de ganharem a forca.>, !'[ 'i.-tn .-r.sv rnoA J> cxi;? '. i?pi' Efta ferna, ou tinha, que pelas mosfepega*^ he ta.vulgar,f que-na ha peToa, por ignorante querifeja, que;ha!iba pagar-fedet Jlrifimamente por fua/ma, .at e m cous muito leves- parque mais be oandeu no feu, que o bio no alheo.: i e. o rnefino he, quando, cuida queijo aaeo!lhejpertence por algumferviori& para que lhe pertena^ fe para o appropriar afi^ abe dar dous bolos ao que traz entre mos, melhor que nenhum volatim: qualquet nego* cio, ou mandado, que vos fazem, h u m ernpret rimo que feja, logo" o julga por digno de grand e paga :-.e.em lhes cahindo alguma couza vol
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na m a ; de que poTa cizar, c o m ambas as mos empolga nella, para fe remunerarem alem das medidas: e na baftadizerem, e proteftarern que vos fervem por cortezia, n e m contratardes c o m elles e m o tanto, que lhes pagais pontual* mente: porque a cortezia verdadeira, que pro, feTa', he julgarem todos, que muito mais m e * recm, fem advertirem, que o dado he dado,e o vendido he vendido , e que na p o d e m alterar nas obras, o que aTenta c o m as palavras. E j lhes eu perdoara tudo, aos que fe paga por iia rna, fe levra fomente, o que fe lhes pode dever a juizo de b o m vara , mas paga-fe pel$ fua almotaceria, que fempre he mayor, eoccafiona grandifimas perdas aos proprietrios , como fe v na pefearia do aljofar, e prolas no Oriente, que rendia mais de h u m milho e m outros annos Coroa de Portugal, e para os pefcadcn res, que era mais de quarenta mil, c o m quinhentas embarcaoens grandes j porque havia, querr} pagafle aos miniftros fielmente fem lhes abrir entrada , por onde enfbpafem a m a e m monto ta groTo. Tivera eftes traas para encorporarem e m fi aadminiftraa das defpezas, e recibos, tirando-a de peToas Religios fidelifimas, a titulo de mais fcil expediente: efeguio-felogo ferem os
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os mergulhadores mal pagos,: e os miniftros re^ rfiunerados e m dobro, porque fe pagava eftes poriam, e aquelles pela alhea: fugiro os pefcadores, e os que aodem forados, a ta poucos e m comparao do que era, que na chega a dez mil, c o m duzentas embarcaoens pequenas, e afimficaos lucros ta tnues, que na podem avanar a duzentos mil cruzados; e o os miniftros engorda, porque fe paga por fua ma. N a compra do Salitre, e Pimenta, uccede quafi o memo l nelas partes : vinhanos de Madure o Salitre trazido por particulares a duas patacas o bar, que a dezafeis arrobas y comprava-fe todo para a Coroa de Portugal c o m grandilimo lucro : na achava os miniftros Reaes polpa e m droga ta barata, para empolgarem as unhas: trataro de a haver dos Naiquesi que a os Reys ! daquelle Imprio , os quais bendo a eftima, que fazamos do que elles arbitrava c o m o fe fofe ara, fizera logo eftanq u e , de que na deixa hir o Salitre por m e nos de vinte patacas o bar : e o memo iiccedeo na Pimenta por toda a ndia, por-fe cevarem mais do devido as unhas dos miniftros e m feus pagamentos. ^ t,., ., . , :
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CAPITULO VII.
PArece que fe contradiz o aflumpto defte capitulo, mas eflihe a exceliencia defta arte, que at de implicens tira > coifequeiacias certas para os fins, que profeTa. E podera-fe pro* var c o m o que furta a agulha ao alfyate e m lu-, gar, e occafia, que na pode comprar, ner* haver outra; e poriTo fica impofiblitado para trabalhar aquelle dia, e os que fe feguem , com que perde osfeusjornais, e larios, que vernu fazer quantia grof. E he ponto eftey q u e d e m dado muito que Tuar aos Doutores Moraliftas. fo* bre a reftituia dos lucros ceTantes, e damnos emergentes confiderayeis do ofHcial, a que deu, caufa o ladro c o m ta leve furto, c o m o he o de h u m a agulha, que vai quando muito real e m e y o : e.querem, quafi todos, que feja-furto de reftituia os damnos graves recebidos por ta leve.cau. D o m e f m o m o d o difcurfau n o que furtou
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toti cabra, ou a galinha, de que feu dono et perava muitos frutos. E aTim fuccede furtarem muito, os que toma pouco. M a s na he minha tena occupar a mquina defte capitulo c o m ni^ nheriax. V o e a nol penna a couzas mais altas. Todos abem o dito c o m u m : Que tanta pena merece o confentidor, como o ladro: e nefta toada ha ladroens, que na furtando nada, porque nada lhes fica, furtao quafi infinito , c o m o fe v nas Juftias, e m Guardas, Meirinhos, e outros ofHciais, alim na paz, c o m o na guerra; os quais por dilimularem, ou na vigiarem, da caua a grandiflimos furtos, e intolerveis ladroces : i j e va forros, e a partir, c o m os que m e tem as mos na mala at os cotovelos empolgando nas fazendas Reaes, nos direitos, nos'tributos y nos fardos, que desbaliza, e nas drogas, que fora fazem fer de contrabando 5 ahr digo eu que vay o furtar de monte a monte, e que toma os tais miniftros fobre fi cargas irremediveis de reftituia, cujos antecedentes na' logra, e f c o m as confequencias das tioadas, qe por tudo ha de levar, fe fica. Ponhamos exemplos nas matrias tocadas, e conhecer todo o m u n d o os ladroens, que furtao mais, quando tomao menos.
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Comecemos pelos mais graves. Sabe h u m Meftre de C a m p o , que tem quatro Capitaens no feu tero, que recolhem os pagamentos de feus Soldados a titulo de os repartirem fielmente por elles, c que os joga no memo dia, em que Ihos entrega , ficando afim Soldados, e Capitaens fem bazaruco, e difimula com iTo ? Pois fiba o Senhor Meftre de C a m p o , quem quer que he, queficafendoem conciencia ta igran^ de ladro, como osfeusCapitaens. Refpondeme? negandome a confequencia -y porque nada tomou parafi.Mas a iTo lhe digo, o que j tenho dito/ 1 que ha ladroens, que na furtando nada, furtao muito, e elle he o mayor de todos, pois deuoccafia a mayores damnos, na f na fome, e defnudez dos Soldados, e nos roubos, que lhes occafionou fazerem para fe remediarem -, mas tam-r bem na batalha, que fe perdeo a feu R e y , por na hirem alentados, e contentes. Cafo notvel, e que poderia acontecer ! Veyo do Norte a certo h o m e m de negocio h u m navio de bacalho meyo cotrupto, e tal que def eperou da venda, e gafto de tal droga : foy- a h u m Confclheiro, ou Provedor das fronteiras, meteo-lhe dous mil cruzados e m ouro na m a x para luvas com fen borslado, que em mayores ems
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empenhos o defeja fervir, fe lhe der paTagem a h u m a partidazihha de bacalho para os gaftos da guerra, e o dar barato, por pouco mais-do que lhe cuftou , por fazerfervioa Sua Mageftade. Deixe v. m . eftar o lano, lhe refponde elle c o m os dous mil nas unhas, que hoje o porey e m confelho, e fera SuaMageftade, e v.m. fervidos. Efperalhe pancada, e e m vindo a plo a fome dos Soldados, propem muito fevero, e grave: Senhores meus, bacalho fie muito b o m mantimento para campanha, e povoado y tem-fe de referva, e he do : e eu tenho, porque nada m e efeapa, q u e m nos d h u m a partida grof muito barata. Toca a campainha, aode o porteiro : chamay c efTe h o m e m de veludo rafo, que ahi eft fora : entra elle vendendo bullas, e azehdo-fe de rogar, e que tem dous mil quintais para provimento do p o v o , que ha deficarbramindo ; mas que o tfervio de Sua Mageflade ha de hir diante, c que ter o povo pacincia, e que lhe ha de dar vinte mil cruzados pela dita partida, e que fe lhe derern h u m real menos, fica perdido. Va-fe v.m. para fora, temos ouvido> confultaremos. Sahe-fe elle para fora prometten^ do candenhas a Santo Antnio, ou ao Mexiasy que lhe depare boa hida fua fazenda perdida.
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D h u m brado o promotor do negocio: aqui vera V V . SS. c o m o firvo a Sua Mageftade. Famofo lano refpondem todos, na fe perca, embarque-fe logo todo para Aldea Galega, e con* tem-felhe os vinte mil cruzados; e aflimfeeffeitua. V a diante ordens apertadas aos Juizes, e Corregedores, que prenda almocreves, que embarguem beftas,. tudo e executa: e l va comendo todos do bacalho por eTas eftradas at Elvas, onde o molha, para que na falte no pezoj recolhe-fe nos aamazens molhadofobrecor^ rupto, e ao fegundo dia j enjoa toda a Cidade c o m o cheiro.j os. Soldados na o aceita, n e m os caens o comem. E fe algum na tiver ifta por fadtivel: veja Ia na lhe provem, > que lhe uccedeo a elle. Digarme agora osfenhoresD o u * tores, fe he ifto furto, ou efnola,- que fe.feza Sua Mageftade : no Confelho o appelkdara * pof fervio, e m Elvas lhe chama perda, e poucas letras a neceftarias para lhe dar. o nome. pr* prio, que he furto legitimo. Q u e m fez efte furto he a mayor duvida ? O mancebinho, que recolheo os dous mil cruzados, cuida que nada fez 5 e elle por eftes algarimos v e m a fer, o que tomando pouco furtou muito 5 porque deu occa^ fia a arderem vinte mil cruzados delRey fem ne-
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nenhum fruto. N a alma lhe na quizera eu jazer hora da morte.
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CAPITULO
VIII.
Como fe furta s partes, fazendolhes mercs, e v vendendo-lhes mifericordias. OFfereceo-fe o milhano a galinha para fer feu enfermeiro: e m h u m a doena, e e m cada vifita lhe m a m a v a h u m pinta pela calada , at cure deu f pela diminuio de fua famlia , e caa,' que a merc , que lhe fazia o feu Medico, tinha mais de furto, que de mifericordia. Sa os Miniftros, c o m que fe governa as Republicas, c o m o Mdicos, que aodem a feus trabalhos, que a as uas doenas ^ e accrecentarlhe eftas a titulo de cura, e de mifericordia, he aleivozia, e he ladroce defearada, e acontece de mil maneiras ; toco algumas, que todas na pode fer. M a n d a ElRey noTo Senhor fazer infanteria pelas comarcas cio Reyno para provimento das fronteiras, e do Brafil, ou da ndia : va; os Cabos muito bem providos de dinheiro, que
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lhes d Sua Mageftade para os pagamentos levao feus oficiais e m forma c o m todos os requefitos, para que tudo fe faa authentico c o m raza , e ^uftia. Chega a h u m lugar, toma noticias dos que ha mais aptos, e expeditos para as armas: a logo malfinados, os que tem inimigos , c chovem efeus fobre os que a aparentados: paTa o Cabo cdulas aos meirinhos, que lhos tra* ga alli todos; e fe os na acharem , que lhe traga os pays, ou as mys por elles: e elles que gofta mais do ninho, e m quefecriaro , e levallos guerra he arrancarlhe os dentes-,poem-e e m cobro, deixando eus pays nos piores , que para remirem fua vexaa, e a defeusfilhos,lana mil linhas; e vendo que as de intercefbens na monto, appella para as do interefe: offerece cada qual os vinte, e os trinta cruzados , que na tem, e para os fazer vende at a capa dos hombros ; e tanto que os d por baixo da capa, logo efeapa, e livra ofilhoa titulo de manco , fendo mais efcorreito que h u m veado: e na poucos, os que trinca afedladefta maneira e m cada terra; c o m que vem a fer mais que muito o cabedal dos milhafres, que e m vez de fazerem gente para a guerra,fizerathefouro para a-paz, e para o jugo. Muitos pays houve, que
livra-
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livraro feusfilhosfeis,efetevezes defte m o d o y e m difTerentes annos , c o m que lhes viera a atirar tanto, c o m o fe os regatara de Turquia. O memo uccede nos apreftos das armadas para a corta, e frotas para o Brafil, e ndia. Falta barbeiros, falta marinhagem ? Alto us: va os rgentos por el Ribeira, revolva a Cidade , prenda , e traga toda a couza viva, que pol preftar para os tais minifterios, e c farem o s a efeolha: e c o m o fe o decreto fora rede varredoura para ajuntar dinheiro, va empolgando e m quantos acha geitozos, para pingarem quatro toftoens, porque os deixem: vinde por alli, que bis marinheiro , e vs vinde t a m b m , que is fangrador. H a quedelRey, grita efte, que na eftou ainda examinado! Q u e na fou marinheiro do alto, chora aquelle ! Deixem-nos vols mercs, eiqui duas patacas para beberem : que nao ha patacas, infta os agarradores, todas a falas, viva D e o s , e tudo he falfo, quanto allegais^ b e m vos conhecemos. Pois poriTo m e m o , aod e m os lteados, ha vofas mercs de ur de mifericordia comnofeo, pois nos conhecem-, e feremfervidosde nos darem h u m a palavra aqui parte de fegredo, que importa ao fervio de Sua Mageftade. E tanto que lhe unta as mos c o m moeda
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moeda corrente, 1 ogo; os deixa efeorregar dellas ,T aviando-os, por lhes fazerem merc puridade,que na apparca os oito diasfeguintesat darem vela, e aos circunftantes, que acodira a ver a morte da 'Bezerra, da atisfaa c o m deix e m paTar enhores eftes fidalgos, que familiares. E eifaqui c o m o eftes, e outros fazendo mercs, e vendendo mifericordias, furtao a trecho: e v e m a reultar de tudo, que fazem os provimentos, dos que na tivera fubftancia para feu regate, de quatro mos trapilhos inteis,4 e miferaveis , e porilb depois e m feus portos ha? as faltas, que choramos: n e m fe devem imputar a elles, que a huns coitados, fenao a q u e m tais provimentos faz, esfolando a nol Republica para engordar a fua pelle, e encher a bola. Outro m o d o ha mais admirvel de furtar fa* 2endo mercs, que entra e m mayor curto, e to-> ca e m fugeitos mais altos, affim nas perdas, com o nos ganhos. Aprefta-e as nos para a ndia, na ha Pilotos, n e m bombardeiros , poroue officios, .cujas artes j fe na profel, n e m enfina : cerecem-fe os lacayos dos mayores fenhores a eus a m o s , para que osfaa proverneftes officics, e m fatisfa de feus ervios -, porque bem que tem mayores lucros nelles, que e m pen-^ fer
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fr as mulas, e frizoens dos coches: e tal houve, que dizendo-lhe feu a m o : c o m o podes tuferPiloto de huna, no , fe nunca entrafte nella, n e m fabes que coufe he Baleftilha, n e m Aftrolabio ? N a repare V S. nino, refpon<eo elle, porque asnos da ndia na ha mifter Pilotos , fempre ouvi dizer, que Deos as leva, e Deos as traz. E fiados nifto, ou e m feus intentos, que elles abera quais a, e ns tambm, provm os offcios das nos de maneira, que quando v e m a praxe, e exerccio delles, nenhum be, qual he a lua m a direita: e porilb va dar c o m as iios* por els coitas, e fe deixa render nas occafioens de peleja ; e vemos perdas ta grandes, e intolerveis , que pelo ferem muito, as attribumos aos peccados, que na vemos, e fe poderia muitas Vezes queixar de fe lhe levantarem tantos filfos teftemunhos j c o m o l , na fey onde , fe queixou h u m diabo decerto novio , que deu a feu Meftre por efeu de huns ovos , .que frigio e m h u m papel canda^ que o tentara o demo-, nip -y o qual acodio loo;o por fua innocencia defmentindo-o, que tal fritada na bia, c o m o fe podia fazer daquella maneira. N a nego , que peccados nos podem fazer, e fazfcm muita guerra, mas vejo que ignorancias as que - nos deftroem,. D e quem
e q u e m favorece eftas a titulo de mifericordia, d occafia ,a mayor crueldade : e fazendo emolas, e mercs a feus criados, faz furtos, e d perdas Republica, q*e na tem reparo,
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CAPITULO IX.
Como fe furta a titulo de beneficio.. Eneficios ha fem pei , e benefcios h& c o m ella. Tomara eu os meus defobrigados, para na defejar a morte ao penfionario. Se o beneficio he tnue, e a pen grofa, melhor m e foraferCura, que Beneficiado. Ifto h e , que raei lhor m e eftava curar de m i m c o m trabalho, que renderme a outrem c o m tributo. O intereTe he moeda, que todos os homens cunha , e entre elles corre,^e a falfifica de maneira, que por cobre querem que lhe deis prata. DeosNofTo Se^ nhor eft continuamente enchendo efte m u n d o de benefcios fem eperar outra pena , mais que de louvores e m agradecimento. H e h u m milagre continuo a dipofia, e providencia, c o m que o C e o governa os tempos do atino, fazendo c o m fus v fluencias
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fluenciashlr partos dos Elementos-, anirnais, plantas, c o m que os Racionais fefuftenta, e veftenvffenv poriTo nos penfionar mais que e m louvores", q quer lhe demos , tributo - fcil, porque depende deaffe&os, que naturais,', e poriTo de nenhuma moleftia ao agradecido. O s Reys tambm fao c o m o Deos , e c o m o a natureza nefta parte' a tudo'aode c o m univerfiLprovidencia, dipondo s cos c o m iias Leys de forte, qvie fe nao houver q u e m as quebrante, na haver f o m e , que afBija os pobres, nemadveriddes|,r r que inquietem os pequenos-, todos, altos, e ;bixos fandar tisfeitos, fem as penfoens de tributos, quefeoccafiona de disbarates, que os ambiciofos, e turbulentos m o v e m ; e parafereprimirem he lieceflrio que todos coiicorra, por-r qt as fr$S']de h u m Rey s vezes na bafta , para enffar a violncia dos. grandes, que fempre traz pregoadas guerras c o m a fraqueza dos ^pequenos. A plenci he eponia, que fe ceva na fubftancia da pobreza, e he hydropeia , q ue na* da a farta: e dahi v e m arrebentarem huns de gor* dos c o m a abundncia , e entificarem outros de mgrs c o m a efterilidade. E no*'cbo' cuida os grandes, que' La c o m o s 'nguixgs, que fazem grande mal ao doente, quando lhe chup o O ii fengue,
(52) ngue; cuida que fazem foberano beneficio as pequenos, quando fe fervem delles at os aniquilarem. O beneficio, que vos fazem,fiefervirfede vs ji e apen tomarvos a fazenda, comovfeaj ganharo, quando vos admittira a fervio, que lhesfizeftes.N a fe vo mayor fem-raza ! E eu lha perdoara [porque cuida que vos authoriza, quando vos chega a fi, e que na ha e m vs preo , c o m que lhe poTais pagar efte beneficio} fenao accreentara a efte dilirio outro peor , de vosvenderem tambm por beneficio o deixaremde yos afBigir, quando os excita a ilo a vingana injufta, que concebero contra vs, por na vos profelTardes efcravos feus, at quando na f a natureza, mas tambm a concurrencia dasobrigaoens, que fonha, vos fez livre. E para que nao parea ifto difcurfo fantaftico, .a q u e m o Jer, ponho-o na praxe de h u m exemplo, eficarclaro^ c b e m entendido. N a ha Reyno no m u n d o ta b e m provido c o m o efte noTo de Portugal , porque alem do que d defibaftante para feu fuftento, luftre, e agrado, tem de fus Conquiftas, c o m que fe enriquece , e provm todas as Naoens. E : c o m o o meno de tantas coufes he grande, ha mifter grandes homens, que lhe afifta c o m grande governo
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lip eni todas as partes, aonde chega,feuscornmcrcios. Deftes houve antigamente, e ainda ha alguns tafidalp-os,.que eftimando mais a honra, que th,efpuros, r trataro f de dar o feu a feu dono , c alfim tomaro para fus cafas ricos< fp de b o m nom e , que he melhor, que muitas riquezas, c o m p &l o Sbio. Outros pelo contrario > antepondo as leys da cobia aos repeitos da nobrezar naf fe fazem chatins, maseftendendo as redes at pelo alheo, fe fazem ricos cufta dos pobres, c o m tanta arte, que querem fora lhe fiquem a deyer dinheiro, depois defefervirem delles, e os despojarem de quanto tinh. Soube h u m Governador deftes, que certo negociante tinha htim trancelim de diamantes, que fe avaliava e m cinco mil cruzados: creceolhe aagua na boca, emandpuIhpldir f para o ver por curiofidade : e depois de viftor, torna outro recado, que eftimar lho ^enda : tenhorO. para o dar ern dote a h u m a filha, Ifie reppndep p dono.. Seja affim, diz ofenhorG o vernador , e ^ihi tenv^in. a fua pefTa: e antes de vinte e quatro horas o manda notificar, que fe embarque prezo para o R e y n o , para dar conta diante de Sua Mageftade de certos cargos, e crim e s Iafiemajefiatis, provados c o m mais de viiir |e teftemunnas. Lana o b o m Portuguezfeiascon ?
111
, tas:
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tW:r'Myto devo nada a ElRey; mas r dizem 4a que cada nem por coima defigos> efene deixo hir , hey de gaftar mais de dez mil cruzados n o livramento f e i cabo naficareyb e m liniadd tdby*fobreb e m ffiigido. LveSi Pedto^o7 ttfi* telim, que ta caro m e cufta. C h a m a h u m ,Re^ ligiofo deftro, e de fegredo, entreglho* c o m h u m recado pra fua Senhoria, que lhe faa merc d e fe fervir daquella peTa, e de tudo o mais> que ha e m ua caa, porque eftava zombando, , quando lhe mandou o recado do dote. Aceita o fenhor Governador oenvoltrio, dando a entender, que Cuida relquias, que lhe offerece o Reverendo Padre, e aj unta muito crmirofc: G rande couza he ter h u m amigo e m Arronches. Pode agradecei? a V . P e cavalheiro merc y que lhe fico de o abfolver de culpa, e pena : e d graas a^Dos^ que efcapo de boa. Por efta arte fazendo benefcio da maldade que urdiro,-chupa em-tisfaa, quanto ha preciofo e m ricos, e pobres, F* a-me merc, qlhe^rfifta^ e veray^ilds : va parar Tuas vidas, fazendas:! ^ . "/ b D e outras tretas ufe ainda mais foaves para fe fazerem fenhores do alheo a titulo de benefcios fantafticos, principalmente quando trata de fe voltarem para o Reyno: fingem-fe validos, e
pode-
*Si,
. . . . _ . . .comos.Mwftrosde nods os'Cpnfelhos,; e,at onf as Altezas', e Mageftades: oTerecem-fe ^os fqu^i^ntmdf ms churumc > ,que fara iiia' >pjfte fuespates r. ' r i e c o m o inenhuftaacla r, i ;.que. na tgnhabea requerimentos, rx-odos Jidtpendem c o m donativos, eofertas,. que.dizem.com as peToas; eslles va agalhando tudo,e,pondo em.liftas [queranea* mais-ha dever ]feusnegcios,: -e paxp^as %pym moftra cartas, r quer fingem dos V a lidos , e! Miniftros 5? t onde va tdpar os> pleitos, e j^querimentos,. e fazendo dellas eporas, e garavarW~cfefpeBhacb ospetendentes^ e osdesbaliz de quanto teria, :rjc alfim?s rouba; a; titulo d e lhes jfezerefb benefcios, fem chegarem nunca osaerdsoresa colher os frutos defoasepranas; porque meara e m terra eftril,' inattoimliinho;, 'Deos nos ajude, e nos d a conhecer coraoens fin^itjps , a natureza,., e os elementos produzem tudo para os homens, fem lhes pedirem nada por ta grandes beMficios a e os homcnsi ta intereTeiros, que fem lhe darem nada, lhe querem levar tudo por h u m a mercfingida.N a ha: entfe .elleS beneficio fem pen;, e he ordinariamente ta pezada, que nada m e deixa para alivio. O Reyno efta,fempre eheo para elles;>.para m m f vazio-, os Reys trata de todos, e elles f defi,e n e n h u m D iv de ?"
de m i m }r-:fena quando" m e fehtem c o m churm e , que pol forver. Velos-heis vifitarem-fe huns aos outros c m ai vi trs de grandes ganncias p fe entrarem o: efeote :nos empenhos:-;r que'tra^rn' por m a r , etetra, e que vsfazem merc de vos? admittirem ao trato da fociedade, de qifeeperaY frutos, elucros^-que tirem a-todos o pe O O J O A d": ~e feu intento he pr-vosde lodo; :depojan-] do-vos d&ubftncia, para a ncbrporaremeiBPi-": e c o m pretexto de vs fazerem beneficiado, vs5 deixa Zote deyequie: e quando abris os olhos y achais ^c que o decano^evos converted e m de^ mandas, c o m que acabais* dedepenhar o ruo: traz das canaftrasy eftas va cheas; para elles y\ aquelleficadando-vos couces na alma: Equo n cre~ dite Teucrk Timeo V anos, & dona ferentes. I^c******************************* CAPITULO X. Como fe podem furtar a ElRey vinte mil cruzados a titulo de o fervir. Era he ta derrezoada, que com iimma Habilidade, digo humildade, ajunta foberba um-
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limma,:^.tomando tisfaa atroz de h u m fervio^ intil^ c o m o o que d, fora muito, endo nada;? e o q u e toma fora nada, fendo mais que muito. H por natureza ta humilde, e rafteira, -que fe-nat n v e r ^ q u e n r l n e d a m a , nunca fe levantar d o p da terra : e he por artificio ta foberba, que na: pra, at na fobrepujar a q u e m lhe deu o alento^; nem* defcana, at na deftruir a feus bernfcitores,i roubando-lhes afubftancia, earruinando rlhs o fer e m tisfaa do leve fervio, que lhes faz do ornato de uas folhas. Levanta-fe por beneficio das mais abas arvores, a. que fe enofta; dilata-fe c o m o favor dos mais fortes muros a que fe arrima5 pagalhes c o m fua fref cura, e paga-fe defta runa, e deftruia total de todosfeusMecenas. At aqui ingratido! E tais a homens humildes por natureza, foberbos por artificio, que recebendo de feus fenhores o fer, eibeneficios fem conto, efealmente lhe fazem: huhrleve fervio mais de folhagem, que de fubftancia, e logofepaga delle pondo-os n o ultimo, e dando-lhes co ao mais eTencial, fem repararem ruinas, que a grandes dipendios necerariamente fe fguem. N a tolho que fe paguem fervios: mas eftranho fatisfaoens, que excedem , e que asaffe&em ambiciofos, at onde na ha merecinien-* tos.
tos. Gorando eftes com, a mehia aca pernidoa^ efta roubando a feu R e y , e a feu Senhor.,1 j. querem que poriTo v cliea de merecimentos o am a , que enchem.de rapinas: ' que. tudo eja pouco para prmio de fua aleivozia disfarada; c o m mafeara de fervio. Eainda que nelleshou^ vera-fervios dignos de prmio, fao os pagamenV zos, c o m que fe tisfazem, ta grolss,: que exce-; dera todo o merecimento. Vinte naii. cruikdod diTe no titulo defte capitulo:2 Pois diTe pour c o , quando fey cafos de quarenta, e de: oiten^ ta mil cruzados levados de codilho emccafiesi* que a bedoria do vulgo ficou > cuidando,! q u e recebia ElRey no lano,hum fervio. herqko;de grandifimo interefe. Succedeo o caio, na di^ rey onde, porque na trato defindicariimfoens de inconfidentes, fenao; de advertir Miniftros;fieis^ para que iba, por onde fe nos vay a gua: bafta; fber-fe, que alem -mar recolhem os Reys de Pr-j tugal para i todos os dzimos, c o m o conquiftado4 res; porque os Papas Os largaraaaos Mcftrados', para levarem avante a converfa da Gentilidade, c fuftentarem o culto Divino naquellas partes c o m magnificncia da F, e augmento da Chriftandade. E m h u m a praa pois dels mais opulentas fe p e m e m lano cada trs annos as rendas dos dzimos ,
zinios', a q u e m d ? mais por ellas, e' and oractas huns annos por outros e m cento e quarenta at cento cincoenta mil cruzados. : -Urdio h u m poderpfo os lanos de maneira,' que na obira defefntamil cruzados , e nellesferematou o ram o a h u m Prifte Teu confidente, c o m q u e m hia forro ,-e a partir : epara iTo intimidou todos os lanadores, e prendeo alguns, que tinha por mais affoutos, para os impoflibilitar naquelle tempo y por lhe conftar queria lanar no tal r a m o , cento quarenta e trs mil cruzados, c o m o no triennio antecedente tinha lanado, enoguinte lanaro, porque fe lhes removeo o impedimento. D o n d e fe colhe, que na defraudara a Sua Mageftade mais que e m oitenta e trs mil cruzados, pondo e m ps te-verdade, que lhe*fizeragrandefervio:^para que fe^na perd^Te de todo a arrendaa dos dzimos, vifto na haver q u e m dfe por elles mais* Edeftas ninherias ha: por l muitas guizadas? c o m tais efebeches/ que heneceTario friuito ardil pai r& fhes. dar na tempera:; e ainda que * ha q u e m a entenda, -aTim c o m o ha q u e m a gofte, na ha q u e m a declare, por Te aia encarregar dedegof fos, rricando a vida, e honra ventura de haver, quem faa prevalecei-fus nientiras contra minhas verdades. ' u st- o> .*:: -0- : O utro
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Outro modo ainda mais corrente,, e menos arrifcado que efte, c o m que fe furtao a Sua M * geftade todos os annos os vinte mil cruzados., que propuz n o titulo, fem fefentir a pontada>, nem abrir ponto, por onde fe pofTa emendar, a rotura, E he affim, que os Reys de Portugal Senhores de todos os mattos do Brafil, e confeguintemente de todas as madeiras, que fe talha nelles:,. e he certo que todos os annos fe fabrica mais de cincoenta mil caxas para vir o aTucar, tabaco, gengivre, malagueta, & c . e que nafepaga a ElRey portanto taboado, e madeira, n e m h u m cerni, achando os intereflados, que aTs o fervem nos direitos, que de tantas drogas pag, c o m ofeos na devero por outra cabea: e por efta arte, a titulo de o ervir, lhe defrauda cincoenta mil cruzados, que lhes poder levar por outras tantas caxas, que bem baratas hiria por efte preo: e ainda que lhas na dfe mais que a dous, toftoens { que eria dallas de graa ] faria vinte e cinco mil cruzados, que computados pelos annos, que tem aquelle Eftado de nolo commercio, epal de centoecincoenta, fiizemfommade dous milhes e m e y o : e e m tanto, -eft defiaudada efta Coroa a titulo de b e m fervida : e no cabo os feus M i niftros, que fe prcza de belizes,- e que pefca -J ato-
(6i)<
tomos c o m linces-, na tem dado f dea perda , fe quer para fazerem delia alvitre: n e m eu O vendo portal. / } Miniftros vigilantes, e intelligentes, nap tem preo > c o m tanto, que na depontem de agudos para feu proveito ^ c o m o h u m , que m e vey o noticia ha poucos annos, que de h u m forvo engolio vinte mil cruzados de direitos e m Lisboa, para que na cuidem que f porhi alem feiz:m; os bons Taltos: fez efte cadimo o feu c o m pretexto defervirbem a Sua Mageftade, e ajudara-np fendo dos bifonhos, a quem o faraute da empreza perguntou, quanto queria e m b o m dinheiro de contado, por lhe eperarem quatro palavras tabalias com outras tantas trochadas pelas coftas c o m h u m a ; bengalla ? Conforme ellas forem , ret ppndera elles, na fe devindo no contrato , fera de amigo: Et citrafianguiniseffufionem. Tanto, mas quanto : com cinco mil cruzadosfecontentou -cada h u m , hindo a cinco toftoens cada, bengallada como bofetada e m pea. Accrecentaa va elles a fazenda de h u m a nao e m h u m a baraa[fe era para a Alfndega, ou Cafa da ndia, elles o diga, que a m i m m e equece] e vindo c o m h u m a carga de drogas tais, que fe eftimava fua valia em mais de duzentos mil cruzados; parra em
(62) em parte certa de. penfedo , como quem tratava de dr conta de fi , e decarregar fua conciencia : fahio-lhes o da bengalla ao encontro por entre outros barcos, que levava fazendas depaohadas paia fora, e perguntando, e refolvendo vifta de D e o s , e de todo o m u n d o , para mais alTegurar o campo , lhes diTe ; que fazeis aqui villoens muito ruins ? Deveis de eftar bbados! Pois trazeis c o barco, que hio daqui regiftado : levayo a feu d o n o , e defempachay o caminho : e porque na meneara os remos c o m tanta pref, c o m o o falto necefitava, acerefcentou : eftes m a draos f s pancadas fe governa , e q u e m tni piedade delles, nenhuma tem da fazenda delRey , n e m das partes: e panando das palavras s obras , lhe fez a caridade, c o m o tinha concertado: cnfcTando elles, que tinha fua merc muita raza > e afimficarotodos juftificados, e* s eircunftantes perfuadidos, que tudo hia b e m governado Conforme aos regimentos da cartilha, e o barco^ fem ruim prefumpea foy dr comfigo, onde Sua Mageftade perdeo vinte mil cruzados de direitos < " dahdo-fe e m tudo por muito b e m fervido, enl que lhe pez, porque na havia outra luz , que nanifeftaTe a verdade.
, J
CA-
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... CAPITULO XI. Como fe podem furtar a ElRey vinte mil cruza-* dos y e demandalo for outros tantos. TErrivel ponto he, o que nefte capitulo fe offerece. Furtar, eficar ta fora dereftituir, que pertenda o ladro fe lhe pague c o m outro tanto o trabalho, que teve e m fabricar , e embolar o furto i H e cafo, quefna efcla de Caco fe pratica, e acha refoluto : e poderia acontecer [fe na he que j fuccedeo] de muitas maneiras: ponhamos h u m a , que explicar todas. .Eis Ia vay h u m Coronel mandado por Sua Mageftade, na fey a que comarca : vinte mil cruzados leva para levantar h u m tero perfeito de Infantaria : efcolhe elle os officiais, todos feus criados, creados a m a c o m o eftorninhos, que f palra , e decanta o que lhe metem n o bico., D a comfigo de afuada e m h u m a granja iia, que nunca gran-' geou tanto e m ua vida: e porque era quinta d prazer, regalaro nella uas almas quinze, oir vinte dias, c o m perdizes, cabritos , coelhos,
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galinhas, capoens, perus, e leitoens, a cufta da barba longa. Efcrevem alli os de melhor pena e m h u m livro branco mil e quinhentos nomes de foldados, que nunca vira, c o m os nomes de ptrias, epays, que taisfilhosna geraro^ tudo por captulos c o m finais, e firmas differentes, pondo muitos c o m divers cruzes porfinais,denotando , que na bia ecrever, c o m o acontece. Feito afim o livro da matricula, e authentico c o m todosfeusrequefitos, fem lhe faltar h u m a cifra : annexando-lhe logo cartas, que c o m a rnefena facilidade fizera, e fingiro vindas das fronteiras cheas de agradecimentos do recibo de ta bizarra gente , e que logo a repartiro por varias praas, queeftava muitoarrifeadas : m a s q u e jfica feguras c o m mil e quinhentos leoens, e outros tantos annos viva fua Senhoria para fazer femelhantesferviosa ElRey, e ptria, que lhos Cabero agradecer, e pagar, c o m o merece. E cora . eftas cartas de quitao, e livro de receita, da comio-o na Corte allegando a fua Maeftade o grandiliimo trabalho, quetivera, levando mos d as, e peores noites, botando o bofe pela box a , e labutando c o m repugnancias, efeuzas, e murmuraoens de pays velhos , * mays viuvas, ir-? mans donzellas. Boto a tal, quefena pode fazer efte
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fteofficio por quanto ha no m u n d o : eque nao nos paga Sua Mageftade c o m as melhores comendas de Chrifto p fervio, que lhe fizemos de mil e quinhentos rayos de Marte , tigres dezatdos y que lhe puzemos nas fronteiras, e m que gaftnios driolas fazendas muitos mil cruzados , poiv que os vinte mil , que nos mandou dar Sua Mageftade , claro efta que na baftava, n e m para as def pezas dos, caminhos, ferras, echarncas, que andmos c o m mos galhdps, e peores mantimentos.v Recebe-os ElRey nofo Senhor c o m entranhas de pay. j agradece-lhes liberal o trabalho c o m fua coftumada benevolncia , enche-os de mercs, e depachos confiado a outras emprezas. E acerefcenta elles depois de tisfeitos, e contentes : Senhor he h u m milagre ver, que de tantos infantes, p e m h u m f moftrou m vontade dehirfervir V . Mageftade, tanto monta o b o m m o d o , c o m quefizemosifto. y> Vedes aqui irma leitor, c o m o podeis furtar a ElRey:vinte mil cruzados , e demandallo logo por outros'tantos e m juzo , allegando, que vos pague, naf o que trabaihaftes, fenao tambm o que gaftaftes e mfeufervio.O s fpldados fbra por letra^ fantafticos, e invifiveis : mas os vinte mil fora vifta, reaes , e na encantados. O
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fervio foy roubo occulto, e por elle pedem ] leva tisfaa , e paga manifefta. E fe lhes tarda c o m ella, queixa-fe, e demanda, at que lhes da pelo trabalho do furto mais, do que intereTara na rapina. Defte, e de outros cafos, que va por efta efteira, fe pode colher repofta para alguns zelozos, que eftranha as prolongadas demoras, que cada dia vemos e m depachos. Admitto que he muito mal feito dilatar os requerentes na Corte fora de uas cas: mas peor o faz, q u e m requer, o que lhe na he devido: e para fe averiguar a verdade de todos, e feus merecimentos , he neceTario tempo, porque ha muitos engajios nas juftificaoens dos fervios, quefeallega. E acontece muitas vezes virem das Conquiftas, e das fronteiras carregados decertidoens de grandes fervios, os que mais roubaro a Sua Mageftade, e fora querem que lhes pague c o m comendas, e officios de muitos mil cruzados os latrocnios, que lfizera, e v e m provados atraz delles na retaguarda da tia fortuna , e fe epera, que cheguem para rebater as baterias de certidoens filias, que apprefenta na vanguarda de feus requerimentos.
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r CAPITULO XII.
pos ladroens, que furtao muito, nada fie ao a dever na fua ofiniao. HA huma figura na Rhetorica, que fe chama Gradatio, porque vay c o m o por degros atando as palavras, e pendurando-as humas das outras. Declaremos fto c o m h u m exemplo, que irvir para a prova defte capitulo. T o d o o oldado Portuguez he briozo, todo o briozo he polido , todo o polido cala jufto, todo, o que cala jufto, na admitte apato de fancaria : e os apatos, que os ATentiftas mando s fronteiras para os foldados, fao todos de fancaria , e carregao : logo b e m diz, q u e m affirma, que h fazenda perdida, a que fe gafta e m tais apatos. E que feja de fancaria, prova-fe c o m a mema figura ^ porque os tais de carregao , e toda a mercadoria de carregao he pouco polida , toda a cou pouco polida he delinhada , toda a cou defalinhada he de fancaria: logo b e m dizia eu que he fazenda perdida, porque foldados briozos, quaes os Portuguezes, na ua couE ii zas
"zas defayanca. Eprova-fe maisferfazenda perdida pela experincia ; porque fabemos de poucos, que calaffm nunca tais apatos; e vemos muitos , que recebendo-os a raza de trs e quatro tof toeris o par, porque lhes na da outracuzai os torna logo a vender por cinco, oufeisvintns: e tornando-os os ATentiftas a recolher por efte fecundo preo, os torna a encaixar aos foldados pelo primeiro, revendendo-osfeis,efetevezes. O m e m o fazem c o m as botas, e rneyas, couras, guar linas, carapuas, e outros apreftos, que Sua M a o-eftade lhes permitte levar s fronteiras, para m e lhor expediente da milcia: mas a malcia tudoxorrompe^ e at no provimento do pa bota terra, na farinha cal, na cevada joyo, na palha fifeoj para fazer de efterco prata, e vencer c o m os ganhos o cufto. E a graa de tantas degraas h e , que os authores deftas emprezas, depois de roubarem c o m ellas a ElRey, aos foldados, e a todo o Reyno > porque a todo abrangem tantas perdas ,fica-feboreando da deftreza, c o m que fizera feu officio : e e a conciencia os pica, que vendero gato por lebre, alimpa o bico m e f m a conciencia, que a ningum puzera o punhal nos peitos, n e m vendero nada s efcondidas ,"A e o que fe faz na bochecha do Sol o m aceitao
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taa das partes, vay livre de coimas, edeeicrupulos. Parece que ainda na lra, n e m ouviraS que ha vontades coadas, e forcadas fem punhais nos peitos. Se vs lhes na dais outra couza, n e m ordem, para que a buquem por fua via, claro efta que fe ha de comprar c o m vol ladroce, para remirem e m parte ua vexaa. M a s ifto na vos livra, de queficaisobrigado a ElRey, porque o enganaftes, e aos foldados, porque os defiaudaftes; e ao Reyno, porque o queaftes, enfocando e m vs o dinheiro das dcimas, e paleando tudo c o m h u m quartel, que expuzeftes de antemo, c o m o fe affim os arrifcalis todos\ e c o m o fe ns na viffemos, que quando chegais ao fegundo, j eftais pagos do primeiro. E tendes nas unhas cobranasfeguraspara o terceiro, e quarto, havendovos e m todos, c o m ofeostragihareis c o m voTa fazenda; e fendo a negociao ao todo c o m fazenda alhea, vos pagais nos intex6&sy c o m o fe fora vofl. E lanadas vols contas, achais na voTa opinio, que nada ficais a dever, e que fe vos deve muito, pelo muito que ganhaftes. Muito tinha eu aqui que difcorrer: mas .fiquem eftes torcicollos de referva para o capitulo zo, . Seria immenfoy das unhas militares.
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CAPITULO
XIII. ,
Vos que furtao muito ac cr efie ent ando, a quem rou* bao 3 mais do que lhes furtao. . ' ? EM Braga houve hum Primaz Arcebifpo, que o foy tambm no Oriente: efte coftumava dar todos os provimentos de Abbadias, Igrejas, Benefcios, e officios aos pertendentes, por q u e m intercedia menos padrinhos , e deixava fem nada aos que tinha muitos interceTores. E a raza, e m que fe fundava, para fe juftificar c o m fiia conciencia, era, que ordinariamente ningum intercede por zelo, fenao por interef: donde inferia , que q u e m tinha muitos abonadores, tinha, c o m que os comprava , e que os bufeava, por fe ver falto de merecimentos $ e pelo contrario, q u e m pertendia em padrinhos, hia pelo caminhe da juftia, efiava-fena verdade, e e m feus talentos : e affim achava o b o m Prelado, que provia melhor, quando furtava a volta s abonaoens que excedia , tendo-as por fupeitas. M a s teve h u m Provifor, que lhe deu ria trilha ; e furtavalhe a gua c o m outra treta, abonandohe, os que
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que queria excluir, e desfazendo nos que queria prover, allegando, que affim lho dizia mui^ tagente. E era o m e m o , que ficar de fora, e deftituido aquelle, a q u e m mais accrefeentava, e ornava para fer provido. Valente defengano he efte para Prncipes, que na cuidem, que poder ter roteiro, que Te lhes na contramine. Penfata Ia lege, fenfata Ia malcia, diTe o Italiano , que na ha ley, n e m traa de governo ta onfiderada, a que a confideraa da malcia, e ef peculaa do difeurfo intereldo na d alcance para a perverter, e torcer a feu intento. H u m cafo, que m e pafou pelas mos ha pouco tempo, explica iTo admiravelmente. Crecera queixas de mais de marca nefta Corte contra os Miniftros Ultramarinos: tratou-fe de lhes mandar h u m findicante, que as apuraTe. Efcolheo Sua Mageftade h u m Bacharel de encomenda: tinha os Ultramarinos prevenido c o m valentes fguatesfeuscoiir fidentes, para que armafem os pos de maneira^ que o findicante foTe h o m e m venal, e na incorrupto. O eleito b e m via todos que era Rodamanto. Q u e remdio para lhe impedir a jornada ? Desfizer nelle era impoivel, porque fua opinio vencia, e aamava at prpria inveja,^ Dera e m fazerem elogios, e pregar encomios
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delle a Sui Mageftade, e que o mandaffe logo, que affim convinha. E porque fabia^, que era h o m e m de capricho, e brios, que na havia de evitar a empreza fem os requnitos para ella* e para feu credito, e honra navegar direito, accrefcentara que na convinha darlhe Beca, n e m H a bito de Chrifto antes de hir : porque fe lhe dffeni lo<ro o prmio, na lhe ficava c que efperar, e na fer viria ta diligente, n e m tornaria ta cedo , deixando-fe engodar. l c o m outros lucros, e que perderia h u m fiigeito de grandifimo pref rimo. Quadrou a raza., por hir vefttdade zelo de b e m c o m m u m : e vendo o findicante, que o mandava demaftreado de authoridade, e dos Tequifitos, para fazer b e m feu officio, renunciou a jornada, que era o que pertendia, q u e m tanto o abonou, e accrefeentou de cabedal, e talentos para o esbulhar de tudo. Deixo outras conuencias, que teve a hiftoria, porque eftas baf ta para moftra que ha ladroens, que furtao ao* crefcentando, a q u e m rouba, mais do que lhe furtao. Por efte rumo navega, ^>s q u e , para entabolarem feus aliados, quando competem c o m outros, que lhes va diante nos merecimentos, abona tanto os melhores, que os bota fora da pertena a titulo deferpequena, e que he bem.
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lhes d m couzas mayores, que aquillohe baftante para fulano; e afim o planto no pofto, e fe equecem do provimento mayor, que alvidtava , c promettia, ao que botava fora c o m o applaudirem por melhor. T a m b m fe eftende efta fubtileza por matrias pecunirias, fazendo vos rico para vosfintarem c o m todo o preo da contribuio: abpna-vos por CreTo, e Midas, para vos porem s coftas as perdas que querem lanar das fus. E m Portalegre vi efte cafo por occafia de h u m a alada, cujos gaftos na achou o Dezembargador q u e m os pagaTe depois de feitos, n e m q u e m compra (Te as fazendas dos culpados, porque era poderoos, e aparentados. Fez o findicante feu officio relifirnamente, chamou os homens de negocio mais ricos da Cidade para os obrigar, a que dTem a quantia necefTaria para a alada, e que tomaf fem as fazendas para e pagarem c o m ellas logo , o u c o m feus frutos nos annos, que baftafem, defcontando tambm a raza de cambio os lucros ceTantes do feu dinheiro. Vendo todos o rifeo a quefeexpunhaj porque e m virando o Dezembargador as coftas, havia de revirar fobre elles os culpados c o m toda fua parentlla, que era da governana, e lhes havia de fazer amargar os frutos,
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frutos, perder o dinheiro, e arrifear as vidas, dera na traa deite capitulo de accrefeeatarem os bens, a q u e m tratava de os diminuir: difra de h u m certo, que tinha de feu mais de cem mil cruzados, que ellefpodia com ta grande pezo, e era poderofo a ter as pelas contra tudo, o que fuccedeTe : efeguio-fedaqui, que fazendo-o rico> o metero e m ricos de grandiflimas perdas. N o s lanamentos das dcimas uccede quafi o memo j que vos fazem rico fendo pobre, para que pagueis o de que fe eximem os ricos por poderofos. O oramento he jufto, porque fe m e deplla a fubftancia do que pode a freguezia, e que conf ta at pelos livros dos dzimos: mas quando vay ao repartir da contribuio, baralha as cartas, os que eftafenhoresdo jogo, e fizem hif ' triunfo de ouros, a quem na tem cobre c o m que pague; epos, e epadas, a quem tem prata* para que a defenda7 e na falta logo copas, que apaga as duvidas. E a galhardia he que c o m zelo do (rvio delRey noTo Senhor tapa a boca a todos, para que na grunha. H e terrvel m a , a que fe arma com azeiros Reaes; porque ainda quena fejamais, que apparentes, temem fus unhas at os Leopardos, de cujas garras todos trem e m . Ningum m e repare na fraze dos azeiros > ou
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OU unhas.Reaes; porque he certo que ha unhas?' Reaes muito pernicioas, c o m o explicar o feguinte capitulo.
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C A P I T U L O
XIV.
''- Vos que furtao com unhas Reaes: QUando Alexandre Magno conquiftava m u n d o , reprehendeo n u m CofTario, que houve s mos, por andar infeftando os mares d ndia c o m dez navios: e refpondeo-lhe dif creto: E u quando muito dou alcance, e co a h u m , ou dous navios, fe os acho degarrados por efTes mares; e V . Alteza c o m h u m exercito de quarenta mil homens vay levando a ferro, e fogo toda a redondeza da terra, que ha he fua: eu furto, o que m e he neceflrio, V Alteza o que lhe he iuperflua. Digame agora, qual de ns he mayor pirata, e qual merece melhor eTa reprehen* Quiz dizer nifto, que tambm ha Reys ladroens, e que ha ladroens, que furtao o que lhes he neceflrio , e que ha ladroens, que furtao tambm o iiperfluo: eftes a ladroens por natureza,
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reza, e aquelles o por degraa. Deos nos livre de ladroens por natureza, porque nunca tem emenda , os que furtao por degraa, mais fofriveis , porque na ta contnuos. "Se ha Reys ladroens, he quefta muito axrifeada. Certo he que os ha ; e que na furtao ninherias: quando empolga, c o m o as guias Reaes, que f e m couzas vivas, e grandes fazem preza. Milhafres ha que fe contenta c o m fevandijas; mas a Rainha das aves c o m couzas mayores tem fua ral. Quando ElRey Filippe, que chamao Prudente, morreo-, dizem que_f no Reyno'de Navarra engagou, fe pertencia ao Francez ; com o fe na tivera mais, que duvidar no de Portugal , e outros, cuja poTe,feb e m fe examinara^ pode fer que lhes achara mais de rapina tranfverl, que de linha direita. O s Reys de Portugal tivera fempre efta prerogativa, e beno de Deos, que tudo quanto poTura, e pofluem de Reynos, foy herdado c o m legitima uccefla*?!, ou conquiftado c o m verdadeira juftia. E afirn na topa aqui entre ns as unhas, que chama* mos Reaes: por outra via logra efte n o m e , c o m que fe acredita, e arma,. para empolgaremv mais a feu falvo nas prezas que fazem, as quais a tantas, e de tal qualidade, que na he pbfivci refrillas todas: toco algumas. $a-
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! = Sahe de Lisboa h u m enxame de officiais dos ATentiftas, quando na tem pelas comarcas Varas mayores, que lhe Tubftitua no cuidado de fazer tvo , e cevada para as fronteiras, e todos levamas mos provifoens Reaes, para tomarem a que for neceTario , e lhe amainarem o preo : correm no novo as eiras, e os celeiros cie todos os lavradores, e tambm dos Religiofos 5 e feud o neceTarios milmoyos, vg. recolhem trs mil: e vendem depois e m Abril, e M a y o os dous mil, dobrandolhe o preo, e tambm quadrupiicandoIho conforme a carefta , que elles caura. H u m Fidalgo de Bja m e contou , que vira h u m deftes Doutores fazer h u m a pea digna de conto. 'Atraveou o celeiro de h u m lavrador ricao, e diTe-lhe muitoferio: Efte trigo he muito fujo; na o hey de levar fenao joeirado -y porque na quero comprar m fazenda para os foldados de Sua Mageftade, que he bem andem mimofos , pois nos defendem de nofos inimigos: mandou-o joeirar logo o lavrador, por fe ver livre delle;; e tirou de dez moyos mais de meyo m o y de alimpaduras, as quaes comprou logo o memo miniftro dos ATentiftas a vintm cada alqueire -, e e m as tendo por Tuas , deu c o m cilas no trigo limpo, e mifturando tudo o enfeccu. N a fe vo
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vio mais pouca vergonha, n e m mayorfubtileza 1 At no terreiro de Lisboa fiizem preza eftas guias. Sa neceTarios vinte, ou trinta moyos de cevada para as cavalherias Reaes, e toma mais de duzentos. O memo fazem na palha, que mando vir e m barcos do Riba-Tejo: nafeyfeferapara venderem e m M a y o a cruzado o panai, que lhe cuftou h u m tofta , e a doze vintns o alqueire de cevada, que compraro a trs, ou a quatro v u > tens ? iTa Reaes c o m o eftas fao as unhas de alguns Miniftros, que retarda conultas de officios, para que occupemferventias,os que os peita : e anda os pertendentes das propriedades annos , e annos requerendo debalde., porque tudo efta empatado c o m depachos fubrepticios, de que Sua Mageftade na he bedor , que fe o fora, m a n dara reftituir lucros ceTantes, e damnos emergentes , e pagar s partes, q u e m lhes foy cau contra juftia de fe andarem conumindo, e lutando c o m enganos fora defeiascaias tanto tempo* Nefte pafo m e nega tudo, quanto tenho dito nefte capitulo, os que fe Tentem comprehendi> dos: e para que m e deixem, retrato tudo, e f o digo, para que na acontea, e paTo a couzas notrias. > , Palndo eu ha poucos annos por Montei mor
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m o r o N o v o , vi h u m a tropa de padeiras irem gritando atrs de dous meirinhos, que levava s coftas de quatro negros outros tantos cos de pa amaTado : perguntey, que briga era aquella? Repondera-me, que as encoimara., por fizerem o pa menos de marca, que mandava Sua Mageftade que o fizeTem de arratel, e achou-fe e m h u m meya ona menos. M a s bida a hiftoria mais de raiz, era que na queria dr pa fiado a algunsfenhoresda governana, porque nunca lhes pagava; e affim as enfinava a ferem cortezes. Mais humano fe portou h u m meirinho nefta Corte de Lisboa, que c o m h u m dobra , que lhe fervio de negaa, caou mais de h u m anno tudo, o que lhe foy neceTario para o Tuftento de fua caa. Hia o criado por eTa Ribeira c o m a moeda de ouro de trez mil e quinhentos, comprava aqui a perdiz, acol o cabrito , e o leito no dia de carne; e no dia de peixe a pefeada, aavel, o linguado, e a lagofta-, comprava at a couve, o nabo, a alface, oquejo, o figo, e a paTa , e todo o gnero de fruta, e nunca fe devinha no preo, e fempre offerecia o dobra : e como'todas as regateiras havia medo do a m o , por na o aggravarem, fazia da neceffidadc cortezia ,, e dizia, que na tinha troco,
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troco, que outro dia faria contas, como tive& fem,} e efte dia nunca chegava, \ porque;na era do Kalenciario. M a s tomaria a -, bulla da compo? fia naQuarefira, que hede temer lhe na valeTe, vifto ferem vivos, e conhecidos os acrdores. , - ,. > '-' - '? " * ' E m Portalegre conheci h u m mercador d ley canada, que vendia na p pannos , mas tamb m todo o gnero de doces : mandou pedir efte h u m Vereador quatorze miLreis empreftados.; temeo o trapeiro , que havia defer.oempreftmo a cobrar nas trs pagas ordinrias -y de tarde, mal j e nunca -y e mandou-lhe dizqr que na tinha, di-? nheiro. Baxu logo h u m decreto da Camera corri pena de quinhentos' cruzados para o Fico Real 5 que na vendefe couzas de comer , porque era fupeito ao povo e m todas dias. Outras unhas ha; mais Reaes que eftas : o contrato das Almadra? vas do Algarve paga de dez atunsfetpara a. C o roa, que fe obriga poriTo a defender a cfta aos armadores com gals, ecarmada-, e todos &$ annos osdesbarata os Mouros,, levando-lhes as;aniv coras, rompendo-lhes as redes, queimarido-lhes os barcos : mas os fete atunsfempre;ferpga* E poriTo na haefcrupulo no muito*, f.que<:feiurta nos direitos. Q u e direy dag obras, pias ? M e lhor
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lhor he na dizer nada. Inventou-as ElRey Dom Manoel de glorioa memria, tirando h u m real, ou dous de. cada cento no Conulado, que v e m a fundir cinco mil cruzados cada anno , quando muito, para os eftropeados de frica, para vir vas de Portuguezes , que fervra, para occaioens de miricordia fortuitas : ^e carrega fobrc ellas mais de dez mil cruzados de tenasv, e donativos, que na pertencem inftituia das pias obras: e quando va as partes cobrar, o que fe lhes configna nellas, acha-fe e m branco, e q u e m anda mais diligente, fe cobra h u m quartel, d graas a Deos, e os mais de barato. T a m b m o Emoler m o rfequeixa, que fe lhe remettem petioens aos milhares, na tendo cabedal, qe fe conte por centos. O certo he que muitas couzas na fe emenda, porque.fe na bem, enafefbem, porque ha unhas, que as efcond e m , porque vivem dellas fobcapa de fervirem a Sua Mageftade, e alimfe& z e m Reaes.
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A o cuidem os Reys/ que pelos ferem a Senhores de tudo, c o m o o Gra M o g o r , e o Gra Turco, quefefazem herdeiros de'feus vaallos c o m tal domnio e m feus bens, moveis, e de raiz, que os da a quem querem, deixando muitas vezes sfilhosfemnada. Ifto b e m fe v , que he barbaria : ainda que dizen o fazem para terem os vafTallos dependentes: mas tambm os tera defeortentes -, e * poriTo bemos, que h^, entre elles cada dia rebellions; = c m que perdem Reynos , e tambm todo o Imprio, que f o pfTue, q u e m mais pode. O Rey, quefegoverna com verdadeiras * leys, mas que na fejamais que a da natureza, ha de preumir, que at -d quepoTue, na hefeu,,e que lhe he dado para confcrvarfeusvafTallos e que fe o defraudar fora do b e m e o m m u m c o m gaftos fuperfluos, que poder cmetter niTo crime, a quefed nome de furto. D e trs maneiras pode h u m Reyferladro. Primeira furtando afimemo. Segunda a feus
feus VafTallos. Terceira aos eftranhDS. A fi m e t mo^furta, quando gafta da Coroa y e dos rendimentos do Reyio e m couzas inteis-, aos vafTallos/- quando lhes pede tributo demafiados , e 3e na neceTarios: e aos eftranhos, quan lhes faz guerra fem cauf. E efta ta fora de fe aproveitar c o m eftas execuoens, que executa nellas iia perda, e de feu Reyno total ruina. Ex*rriplo temos de tudo na Monarchia de Caftella ; cujo Rey porque gaftou quinze, ou vinte triiIhoens, fe na fora mais, nas fuperflidades do Retiro p os acha menos agora, quando lhe era heceTaris para os apertos/o e m que fe v : e porque vxou os povos c b m tais tributos, que chegou a quintar as fazendas a feus vafTallos, fe lhe alevantara Portugal, Catalunha, Npoles, Gcilia, e porque faz guerra a Frana, e a outros"Reynos, e Eftads, que lhe na pertencem, por fiiftentar caprichos, eft e m pontos de dar a ultima boqueada fua Monarchia. ? , : - 1,1. Q S R o m a n o s e m quanto tivera errio publico , e m que confervava os rendimentos do feu Imprio y cnfervara-fe invencveis j e tanto que os gaftara e m fuperflidades, e anibioens, perdera-fe a fi, e quanto tinha: e forque para fe terem m a , apertaro demafiada^ F ii mente
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mente com os povos /que dominava > tirarido-lhes a ubftancia , rebellara-fe todos:-e porque cruisfizeraguerra fem caula, metero e m tultima dezeper&a as Naoens % que mancpm-: munadas reiftira at defencaixarem"de feus;ei-? xos todo o Imprio, cumprindo-fe ao p dale-r tra o provrbio : Mole fartay male dilabuntur* A gua o deu , a gua o leva. -As, Republicas oriferva-fe c o m fazenda, vafTallos, eleys:!efe a fazenda fe desbarata, e os vafTallosfeofTendeni ^ e as leys fe quebra, l vay, quanto Martha fiou j e na lhe refta mais, que fiar e m h u m a roca , q u e m fe fiou tanto de fua fortuna, que arrebentando de farto, na prvio, que depois das vaccas gordas vio Phara as vaccas magras , com o confequencia infallivel de prpfperidades mal havidas , que feja mal logradas^ p m o theou? ros encantados, que no melhor depparecem, deixando carvoens nas mos do ambiciofo que na contente c o m fe ver farto, himpou de gordo , e inchou tanto , que arrebentou c o m o a ra de Hifopete. C o n v m que o Rey ande fempr c o m o prumo na m a fondando os baixos, e os altos da fortuna, e da Republica, que tem muitps altibaixos : deve computar o que tem de feu , ,e e m que fe gafta , ps vafTallos, que governa, e
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|>ara quanto prefta os amigou \ c inimigos l que o cerca, e de que valor . E confidcre , que Rey fem zenda he pobre , fem vaTallos he o, c c o m inimigos, he perfeguido : e h u m Rey pobre, f, e perfeguido, facilmente he vencid o , e vay perto de na fer Rey, M a s fe tiver fazenda , e a confervar, fera rico; fe tiver bons vafTallos, e na os ofFender, achalos-ha afeutem* p o : e fendo rico , e tendo vafTallos que o firva, pa tem que temer inimigos: e eftando feguro deftes,flpreeera,prpfpero, reynar poderoo: e a h u m Rey propero c o m riquezas, b e m fervido de valallos, e poderofo e m feu Imprio , pouco lhe frita para bemaventurado. E todos eftes fcens lhe v e m de na ferjadra: ena o fera, fe iia faltar afiy n e m a feus vaTallos, nem aos ef iranhos, c o m o temos dito. E j que chegmos $ eftes termos de altercar,feha Reys ladroens, conv m que na palrnos avante, fem refolvermos h u m a quefta, que actualmente anda na praa d o m u n d o fobre o nofTo Reyno de Portugal, a q u e m pertence, fe a ElRey Filippe IV de Cafiella, fe a ElRey D. Joa tambm IV de Portugal ? ElRey Filippe diz, que injuftamente lho tomou ElRey D. Joa: e ElRey D. joa arfirma, rque violentamente lho tinha uurpado ElRey D.. F iii Fi/
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Filippe : e nefte confliAo de pinioens na ecapa h u m delles de ladro. Sim -, porque tomar o alheo he furtar : e q u e m furta, he ladro; qual a feja , dir o capitulo feguinte. ' > " > ^
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A V I T V L O
XVI,
.*.
Ntramos e m h u m pego fem fundo, e m que muita gente de'valor fez naufrgio, * fe aftogou por ignorncia, covardia, e pai* x. H u n s por ignorncia perdero o leme, e tambm o norte: outros por covardia metero tanto panno, que quebraro os maftros : outros por paixofizerap-fetanto ao alto , que dera e m baixos, e baixos miferaveis-, e todos encantados das Seras cahira e m Sirtes, e Carybdes, que os forvra. At os que navegaro eftes mares, c o m o Dedalo os ventos, fe perdero: pelo meyo irs feguro, dizia elle afeufilhoIcro: mas com o he m o de achar o meyo entre extfemos repugnantes , fizera, c o m o caro, naufrgio e m feu
m
feu vp.por falta de azas, ou de>Eftrella, que>? guiafTe. N a eftou b e m c o m gente neutra], qu tira a dous alvos c o m a mema frecha. H e impofivel tomar h u m a no 110 niiemo tempo dous pprtos: o de Caftella eftava enta" aberto, o de Portugal fechado-, efte fem foras para guarnecer, q u e m nellefeacolhia, aquelle c o m armas, que a todos metia medo. Picaro-fe o^ mares> alterara-fe as ondas ; ningum tomou p e m pego ta fundo: e fficaroe m p alguns poucos, que tivera boas bexigas pata nadar, ou gzas. melhores.que caro parafe.acplher.O que mais admira he , que dura o tempo turvo feTe% ta?annos fem haver Piloto, que governafe a cair reira. Muitos fizera carta de marear para ambos os portos, poucos fe governaro por ellas, e: poriTo todos vacilaro na efteira, que havia de feguir; at que os maresejocegara, e o tempo ferenou, e fe virap no C e o Efrellas, que abriro caminho, c p m que fe tomou terra. Sobre efta tomadia ferve outra vez a tempeftade repetida, fe b e m menos efeura, porque j corre vento para ambos os portos, que efpalha as nuvens : e dahi v e m que n e m todos toma o m e f m o , e cada h u m fe recolhe livremente no que lheficamais ageitp. Qual feja mais feguro para F iv "para
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ecapar, elles odiga, que o expermenta. Qua tenha mais raza para dominar, o que vay logrando , iTo direy eu, porque o fy de certo. E na urey de embuos, c o m o alguns, que falia por eferito fem dizerem o mal, e o b e m de ambas as partes, havendo-fe nifto c o m o Advogados/ que f h u m a parte abona. N a vi e m Portugal correr publico nenhum Manifefto, que poi? fifizefeCafiella: n e m fey, q u e m viff e m C a tella Manifefto de Portugal. Se he "por temer cada h u m , que as razoens do outro mafeabem as fus ? N a lhe acho raza : porque a verdade h c o m o as quintas ubftancias, que nda fbre to^ dos os licores; e c o m as mentiras mais fe apura a guiza dos contrrios, que juntos mais fe cfperta. Sondarey pois aqui, c o m o e m carta de m a rear, ambos os portos, na dcixarey alto, n e m baixo , que na defcubra > porque affim acertar cada h u m melhor c o m a carreira direita, e fegura; e fio da boa induftria de todos, que vendo ao olho, onde efta o perigo, que o iba fugir, e que lancem ancora, onde fe pol flvar mais de candos na vida, maisfegurosna fazenda, e mais quietos na conciencia. Ancora lanou Caftella e m Portugal, e ferrou a unha ta rijamente, que o na largou por epao deteffentaannos. Sobre efta
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ta unha botou Portugal harpo c o m ta boa preza/ que fe melhorou no partido , e ainda lutaa fbre efta melhora. Qual deftas duas unhas eleja maisgura, ver o m u n d o todo, fe vir c o m attena, o que aqui efcrevo fem diminuir nas foras de cada h u m , n e m acrefeentar fraquezas* E porque Cafiella comeou a ellender primeiro as unhas, c o m que empolgou nefte R e y n o , direy primeiro as razoens, que allega para a preza r fua,
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Manifefio do direito, que V. Filiffe Rey de Cafiella allega contra os pertendentes de Portugal.
. * 4. *
notrio , que por morte do nofo R e y Cardeal ficou efte Reyno c o m o morgado de Clrigo, que na tem fiicceTor, expolo a herdeiros tranfvcris, quefendomuitos, baralha as razoens de todos, e arma pleitos, e dicordias inextinguiveis. E para procedermos ,com clareza , devemos preiippor, que ElRey D . Manoel de glorio memria cazou trs vezes , a primeira c o m D o n a Ibel,filhaprimognita dos Reys Catholi-* cos.
cos; Secunda com D o n a Maria,filhaterceira dos memosReys. Terceira com D o n a Leonory filha delRey D. Filippe o I. e irma do Empera-1 dor Carlos V.: O sfilhosd o primeiro, e terceira matrimniomorrero,femucceTa : do fegundo teve dez filhos: o primeiro, foy o Prncipe D; Joa, que teve novefilhosda Senhora D o n a Ca? tharinafilhadelRey D. Filippe oi. de Cafiella: deftes morrero oito fem ucefl -, e o n o n o , --c ultimo, que foy D. Joa, houve da Senhora D o n a Joanna, filha de Carlos V ao fatal Rey D. Sebaftia, em quem jicabou efta linha* A fegunda prole delRey D.Manoel foy a Infanta D o lia Ibel,.v que cazou com-Carlos V Emper* dor 5 e de ambos naeo ElRey D. Filippe II. e defte Filippe III. e dele, Filippe I V de C a tella, que hoje faz toda a guerra a Portugal. A terceira prole foy a Infanta, D o n a Brites, que cazou com D. Carlos D u q u e de Saboya, e de ambos naceo Phelisbertp Emmanuel Prncipe-de Piamonte,. opppfitor com feus defeendentes a Pri tugal. A quarta prole, o Infante D. Luiz, que na cazou, e teve de huma Chrifta nova hum. filho natural, que foy o Senhor D. Antnio, tarm bem oppoitor a efte Reyno. Quinta prole, .o Infante D. Fernando, que cazou com Dona Guiomar
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mar Coutinha, filhados Condes de Marialva: e extirguiofe efta linha. Sexta prole, o Infante D . Afonfo Cardeal' Arcebipo de Braga, e Bip de Evor.- Stima prole, o Infante D. Henrique, que foy Cardeal, e Rey fem Tuccefl. Oitava prole, o* Infante D. Duarte : cazou com D o n a Ibel filha d e p . Jayme D u q u e de Bragana,l e tivera trs filhos: primeiro a Senhora D o n a Maria, que cazou c o m Alexandre Farnes Prncipe de Farma , fegundo a Senhora D o n a Catharina, que cazou c o m D. Joo D u q u e de Bragana ; terceiro D. Duarte Cdndeftvel, e D u q u e de Guimarens: da Senhora D o n a Maria naceo o Senhor Rayriuncio Prncipe de Parrna tambm oppofitor: da Senhora D o n a Catharina naceo o Senhor D. Theodofio D u q u e de Bragana, e delle o Senhor D. Joa, que hoje he Rey de Portugal; onde tem jurado por Prncipe afeufilhoo Senhor D. Theodofio , qe houve em legitimo, e Santo matrimnio d Senhora D o n a Luiza , efelarecido ramo da Real Caa dos grandes Duques de Medina, e Sydonia , Propugnaculos invitifimos de toda a Chriftandde contra a Mauritnia na Andaluzia, onde por Tuas hericas obras alcanaro o admirvel appellido de Buenos^ ebailava para o merecerem deflinallos o Ceo para darem a Portugal tal
w
talfilhapara noTa Rainha, e Senhoras As mais proles, que fora a Infanta D o n a Maria, e o Infante D. Antnio, na deixaro fiicefl, porque logo morrero. E das que temos dito fecundas, fe levantaro cinco oppofitores a efte R e y n o , que fica notados e m fus linhis<| e pela ordem da antigidade dellas o primei* ro ElRey D . Filippe-, o fegundo o D u q u e c^ Saboya; terceiro o Senhor D. Antnio; quarto o Prncipe de Parma-,quinto o D u q u de Bra* gana. A Rainha de Frana D o n a Catharina tan> b e m pertendeo oppor-fe, allegando, que defeendil por linha direita delRey de Portugal D. Affbnfei III. Conde de Bolonha, e de Dona.Metilde fua primeira mulher : mas foy efcu ia pertena por improvvel, e ptefcripta , porque os uccek (oxcs do Conde de Bolonha [que na confia os tivefl] nunca fallara nefta matria, depois que aquella linha de Bolonha fe ajuntou a Frana: e a verdade he, que Condefl Metilde na ficara filhos, c o m o confia do feu teftamento, que ef t e m Portugal na torre do T o m b o , fegundo fe ecreve. E o engano eleve no fucceflbr de Metilde, que foy Roberto feu fohrinho filho de ia irma Alis. E efte he o Roberto, de q u e m Frana queria tomar a noTa genealogia, fazendo-o filho
lho de Metilde , e de E). Affonfo III. irma de D . Sancho Capeljo. Quanto mais que na prefente oppofia f de defeendentes delRey D. Manoel fe tratava, que era o tronco ultirno, e e m quanto os houvefe,. na tinha lugar outros pertendentes; e, poriTo tambm fe na fez cafo da pertena o da S Apoftolica, pois na eflava o Reyno: vago det herdeiros, j ,i ;.; v r *-\..-.: D o s cinco Oppofitores defeendentes delRey D. Manoel, foy havido por incapaz no prirneiror lugar .o Senhor D. Antnio Prior do Crato, por dous defeitos, ambos por parte da m y , h u m nofngue* 'outro np nafcimento^ notrios, na os explico, e nunca houve uplemento para elles. O D u q u e de Saboya cedeo aos parentes mais chegados, e tambm de,c o excluiro por Eftrangeiro. O Prncipe de Parma ficou atraz na pertena por trs razoens; primeira , por fer morta Jua m a y , irma da Senhora D o n a Catharina, quehavia de fazer a oppofia. Segunda,; por falta da reprefentaa, que f fe admittenos defeendentes immediatos do primeiro gro, eelle> era ja bifhetp. delRey D. Manoel,. e m comparao da Senhora D o n a Catharina, que era neta, pela mema linha do Infante D. Duarte. Terceira, por ficarem excludas as fmeas cazadas fora
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do Reyno , c o m o fe moftra das Cortes de Lame* g o , celebradas no anno 1141. onde ElRey D. Affonfo I. c o m todos os Eftados ordenou, que as fmeas, ainda que podeTem herdar o Reyno;" perderia o direito a elle cazando fora: eporiTo nas. Cortes de Coimbra de 1382.. excluiro a Se* nhora D o n a Brites,filhanica do 1101T0 Rey D. Fernando, por cazar c o m D. Joa I. de Cafiella: D. Joa I. de Portugal, que lhe fuccedeo, confirm o u efta ley e m feu teftamento no anno de 145 * Excludos affim todos osfobreditos,ficaro no campo fs a Senhora D o n a Catharina, e ElRey D. Filippe : dera-fe duas batalhas^ a pri* nleira c o m o Anjos, a fegunda como-fimens: a primeira c o m foras de entendimento , a fcgnda c o m violncia de brao : na primeira venceo a Senhora D o n a Catharina, porque lhe fobejava razoens: na fegunda venceo Filippe, por ter mais armas: defta na fe trata aqui, porque as armas entre Chriftos na da Reynos , n e m ostira julamente, quando ha razoens, que refoivem 6 direito delles : e poriTo pertende ElRey Filippe vencer tambm nefta parte c o m as razoens fcguift-
Razo-
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I* X } Azon. Por ei camiento dei Rey D o u J t ^ ^ Juan I. de Caftilla con D o n a Beatrs, hija dei Rey DpnHernando de Portugal, quedo ei derecho dei dicho Reyno eii los Reyes Caflellanos, porque ella era Ia nica heredera legitima. II Razon 5 porque no pertenecia ei tal derecho en aquel tiempo a D o n Juan I. de Portugal, porferiligitimo, fino a D. Juan I. de Caftilla, por fer o&avo nieto dei primero Rey de Portugal. III. D e todos los nietos dei Rey D o n Manuel pretendientes de Portugal, que vivian, quando muro ei Rey Cardenal, Phelipo Prudente era ei mas viejo, y legitimo; por efo ei mas hbil a Ia Corona. ^ . 'IV- Porque demas de vencer Phelipo a to4os en general en Ia edad, vencia tambien a cada uno en particular: ai Senor D o n Antnio por legitimo y a Ia Senora D o n a Catalina por varon, a Raynuncio, porfernieto, y ei vihieto dei Rey D o n Manuel , y por efb mas llegado ai ultimo poTeedor-,y ai D u q u e de Saboya con Ia edad de Ia E m peratriz i madre, hermana mas vieja de Beatrs : madre
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* madre dei Saboyano. V Porque fiendo los Reynos dei Dcrecho antiguo de Ias gentes, n fedeve regular Ia fucefion dellos por ei Derecho Civil lleno de futlezas, y fieciones, que tantos anos defpues formaron los Emperadores ; y que fi bien los Reyes fiipremos Io avian introducido n loi Reynos por ei buen govierno de los vallos, no avian por efo alterado Ias fimples regias naturales de Ia fucefion Real, Ias quales afirmabaii averfe defeguiren efte cafo, c o m o fi viera i? cedido primero que naciera Juliniano, que fue ei inventor de l Reprefentacion j a que n obfta aver algunos Dotores querido temerariamente igetar Ia fucefion de los Reynos a Ia Civil Inftituicion: y affi figuiendo efta eonfideracion haci Phelipo ii dorecho indubitable. V I . D a d o que valga Ia reprefentacion en Portugal, efta no fe admite, fino quando ei nieto dei Rey litig^ con fu tio hermano dei tal Rey ; y n entre prim o s hijos de dos hermanos, quales eran Phelipo, , y Ia Senora Catalina 5 y confirmafe con exemplo , y ley: con exemplo, porque por muert de D o n Martin Rey de Aragon, que no. tuv hijos legtimos, pretendieron u Gorona \% Infanta' D o n a Violante fu fobrina,hija dei Rey D o n Jaymes fu hermano mas viejo, y ei Infante D o n H e r n a n -
do
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do de Caftilla fufobrino, hijo de ia Reyna D o n a Leonor fu hermana: y dieron fentencia los Eftdos,y us Juezes por ei Infante D o n Hernando,por fo:varoft/ n haciendo cafode Ia reprefentacion y quefi*valiera,avia de dar ei Reyno a Ia Infanta, pfrferpbrina, y hija de hermano mas viejo $ ei ualfi fuera vivo, avia de excluir a D o n a Leonor jphermana^y madre de Hernando. C o n ley , ft pfrrjue ei Emperador Carlos V Ia hizo particular en Alcmania, que n valga Ia reprefentacion , fin o concurriendfobrinoscon tio vivolj y es opinioi de zori, y muchos Dolores,1i? quefeobferva en Francia:' !i -: o VII. Demas de que Ia reprefentacion folo Ia puede aver-y ^quando ei padre, que fe pretende repreferitar,, viera tenido ei primf lugar en l fucefion, de que fe trata. Donde fupuefto que ei InfanteTDon Duarte en fii vida n tuvo tal lugar, no podia dxar a fus hijos ei derecho, q u e nuncafearadicfenfu perfona. VIII. E n Portugal muerto ei Rey D o n Juan II. le fucedi fu primo D o n M a n u e l , excluyendo ai D u q u e de VifeuDon Alfon : yfivaliera Ia reprefentacion, avia de fer preferido, por hijo de D o n D i e g o hermano mas viejo de D o n Manuel. I X . El beneficio de Ia reprefentacion n feadmite en Ia fucefion de los : ;: ' ~ ' ' * G M a y o-
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Mayorazgosy y bieneS avinculados para andarem en ei pariente mas cerca no de cierta generacion; y es cierto, que los Reynos tienen natuilez& de Mayorazgos en.la manera.diha. jD^ensa&quji los Reynos fe heredan por conefiori vdeJos pueblos, que tranfmitiron ei poder Real,, que $m uyo, a los? primeros Reyes, y,a fu geaefcfon;, y confia que Ia reprefentacion m o tiene. lugar! QU Ia fucefion de Ias cos, que vienen exl owefiiom domimca. c o m o reluelve Barthokh X.. La Ordenaeion de Portugal lih. - %r tit. 17. ; iv; dize> que por rnuerte deloultimo pof* edor entrar en los bienes de Ia Goroha ei hiJQ varon mas viejo, que delia quedare^ y confecutivamente echafueraalnieto;, i , y excluye Ia repre* fentacion. ! Y corifirmafericpn e x e m p j o d e heredamiento de Reyno ; porque en Caft^Ua Dor* Alonfo ei Sbio excluyendo fo meto hija deLPrint cipemuerto, hizo jurar fu fegundo hijo. Item. Mas.uLa.mimaOrdenacion lib. -4.. tk<:6z.;,*;J dipone, y m a n d a , que quedando'pr rnuerte dei que pagava fueros, hijo, hija, no entre en ei prazo nieto, nieta^ aunque fean hijosde algun hijo mas viejo ya difunto. X I . El benefo cio de Ia reprefentacion es privilegio'concedido contra Ias regias ordinrias dei Derecho, y es una ficcion
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ficcidnde Ia ley/.por Ia qual contra Ia verdad fe finge /ic que ei hijo efta en ei lugar de fii-pa- drey y es con l Ia mima perfona -, y por fer privilegio ,o y fingimiento, n puede aver lugar , finor quando. fe hallare exprelTamente itrodcid o por Drecho: y es cierto que n ft introdueido expreTamente, fino en Ia fucefion de los heredamientosr,. y feudos, aunque n fean hereditrios. D o n d e , n o fiendo los Reynos dt Portugal feudos, -ni 'fi defiriendo Ia fucefion dello en todo, c o m o heredamiento prprio, y ordinrio , por fer cp de mayor m o m e n t o / y ms eaM lificada, y de que fe devia hacer exprefl rnencin , n puede aver lugar en l Ia dich- reprefentacion, XII. Para n parecer que huye Phelipo dei Derecho, prueva, qe en los Reynos mas propriamente5 que en ninguna otra co, fe fiicede por ei derecho, quellaman de Ia Sangre, mirando ai primer inftituidor y y que en efte drecho fe confideran Ias perfonas por fi mifhaas fin*reprefentacion', c o m o fi fuefen hijosv dei ultimo pofledor , y defta manera queda Phelipo en lugar de primognito de Henrico. - XIII c . 'Dado que Ia Senhora Catalina pdiefe reprfentar ebgrd' de: fu padre, n podia reprfentar ei exo~:-y era duro de admitir, que
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Ia
(ICO) Ia hembra igual Tolamente en ei grado/ y inferior en Io demas, fuefe preferida ai varon para; governar Reynos , quando ei prprio defeito delia le hacia mas dano que a Phelipo ei de Tu madre. X I V Conforme ai Derecho Ias hembrasi n pueden fer admitidas a ofcios pblicos, ni? tener jurifdicion , ni adminiftracion de Ia RepiH blica ; porque en ellas falta fortaleza , .conftancia, prudncia, liberalidad, y otros dotes necef lrios : y tenemos exemplo en Ia Reyna de C a f * tilla D o n a Beatrs, que fiendo hija nica dei R e y D o n Hernando de Portugal, n fue admitida, yfedi ei Reyno por vacante, ylohered D o n Juan I. donde fe colige, que fon Ias herabras incapazes de reprfentar en Portugal, pues n incapazes de heredar. X V Vifto no declarar. Henrico fuceTor, era devida Phelipo Ia fucefion fin fentencia, por fer fu perfona fuprema , izenta, y libre de qualquier juizio coercivo , y feiamente obligado a juflificar fu derecho con; Dios, y declarado ai R e y n o : ni avia en ei m u n d o , a quien pudieTe pertenecer Ia judicatura de* le cafo, por n tocar ai Papa, por fer matria puramente temporal fin circunftancias , que le pudiele dar derecho: menos pertenecia ai Empe-, radory por n le fer reconociente dei R e y n o de Por-^
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WaT, y much menos a los Juezes, que avia nombrado Henrico , porque era todos parte material, y < integral dei R e y n o , fobre que fe li-' tgava, c o m o Portuguezes : demas de que n avia Portuguez alguno, que n fueTe fopecho, y recufable por ei dio publico, que tienen* todos alaNacion Caftellana:./ni avia lugar, de &> comprometer en Juezes loados, por Ia impofibilidad de hallar peronas, de quien fe pudieTe fiar co tan grande, y tan peligro: y porque Ia obligacion de comprometer n caye fino en co_ dudoiL, y Phelipo1 ninguna duda tenia. ' .XVI. D a d o que fueTe neceTaria fentencia,1 Phelipo Ia tuvo por los mimos Juezess que nombr Henrico 5 porque de cinco que eran, trs le jugaron Ia Corona. X V I I . Sobre,todp allega: Phelipo, que quando ei derecho es dudofo, y corre opinion probable por ntrambas partes,; que Ias armas Io reblven todo/ y que don ellas como Ia poTeion ;> y los pueblos Io admitieron,. y juraron en Ias Cortes de T o m a r por Rey ,K con que Te quito toda Ia niebla, y razon de dudas, XVIII. Llevando>Dios viente e dos herederos,. que precedian ali Rey Catholico y dava a* entender / que queria unir Portugal a los Reynos deCaftilla, para fortificar un brao en fu Iglefia/
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para
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pra refiftir a los infultos de los iifels /y dos hereges$ ymejorar defta manera ei mifmo Reyn o , haciendolo jnexpugnable con tantas fuer*; as juntas contra>:(us en.migos/ yenusconqui-t ftas. X I X . Finalmente allega por fi lapofeiorr preferipta de fefenta anos, bailando treinta - fin contradicion alguna. Y quien Io quitare e Ia tal polefion,' merecer titulo detirano, ydeladrort/ porque de hecho es tirania, y rob iiormey quitar u n R e y n o a ii dueno fin cauf, razon,: ni jufticia. li;, i v- -JH ; . \: .:. : . . . ; , f aKi;S..<I Eftas as razoens, q u e por ' fi allega Q R e y de Cafiella, para entrar na herana d e Portugal. N e n h u m Portuguez abafe, c o m ellas, < que logo lhas desfarey c o m o fl, na; gua : : mas' pri^ meiro quero refppnder ao cndido . Leitou, que m e pergunta, que razo tive para m u d a r deeftylo nefte Manifefto , e faltar por \ outra. linguag e m differente; da e m que himos tirando A luz eafte: tratado. A iTo -pudera refppnder, q u e o M a nifefto he de Cafteila, e poriTo o puz na fua* lingua: mas para explicar melhor a raza mais principal-, que m e m o v e o ,: contarey h u m a hif toria/ que aconteceo e m h u m Tribunal de trs, qe tem o Santo Officio nefte Reyno. Prendero h u m bruxo / por ter trato c o m o diabo, e conful-
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pmfuitalo em muitas duvidas: , BLeprehenderao-no os Inquifidores, porque fendo Chrifta bautifedo^ dava credito ao diabo, fendo obrigado a ter, e crer, que he pay da mentira. Pay da mentira he , repondeo o bruxo, e por tal o conheo : , mas com- tudo iTo, ainda que muita? Vezes m e mentia , na deixava algumas vezes de m e faltar verdade , e eu pelo ufo alcanava logo tu^ do , porque m e faltava e m duas lnguas, que era a Portugueza, e Caftelhana: e todas as vezes que m e faltava e m Portuguez, era certo que dizia verdade-,e f quando m e faltava e m Caifi telhano; era certiffimo que mentia. N a fey ; fe m e declaro Quero dizer, que a lingo Caftelhana he eftremada, e nica para pintar mentiras ' , , c o m o efeolhida por quem he pay, e meftre deltas/'e,a. Portugueza para faltar verdades: e ^orffo puz e m Caftelhano o Manifefto de C a f tella, e porey e m Portuguez a repofta da Senhora D o n a Catharina,
G iv
Repofi
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Repofia da Senhora Vona Catharina contra i. as razoens delRey V. Filippe. I. JTy Epofta contra a primeira raza he, que J L \ ^ na vem a propofito a herana da Senhora D o n a Brites: porque a nol quefta pro-; cede fobre defeendentes delRey D. Manoel , e na fohre os delRey D . Fernando, cujas duvi-das fe averiguaro nos campos de Algibarrota: alem de que a Senhora D o n a Brites na deixou* filhos, e affim necefariamente havia tornar a Portugal o direito, II Repofta contra a fegunda; raza he y que devero advertir, c o m o na fuccet fao ta prolongada de D. Joa I. de Cafiella, oitavo neto do primeiro Rey de Portugal, havia a m e m o defeito de illigitimidade e m feu pay^D. Henrique, alem de outros avs: e mais perto; eflava do ultimo av o nofo D . Joa I. e do ultimo poTuidor no primeiro gro de irma, que o feu no oitavo , e o noTo houve dipenaa da illigitimidade, e na fbemos que o pay, c avs do feu a houveffcm. III. Contra a terceira he que diz b e m , fe todos os Oppofitores fora filhos do mefmo pay, afim c o m o era netos d a
memo
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memo av , ' porque enta o mais velho feria o M o r g a d o , Prncipe , e ligitimo herdeiro : mas fendofilhosde differentes pays, como era , devia-fe o direito f quelle, cujo pay o tinha a Coroa : e c o m o os pays da Senhora D o n a Catharina, e D . Filippe, por onde lhes vinha a uccefl, era de h u m a parte vara , e da outra fmea, claro cft , que o vara havia ter o primeiro lugar: e efte era Infante D. Duarte^ pay da Senhora D o n a Catharina legitima herdeira, por fe achar e m melhor linha, que Filippe , filho da Emperatriz D o n a Ibel irniaa do Infante D.; Puarte. Quatro cous fe confidera aqui y lia n a / fexo, idade, gro: e no primeiro lugar fe bufea a melhor linha, e f quem nella prevalece , prevalecer na cau , ainda que feja inferior ao outro pertendente no fexo, idade, e gro: e fempre a linha, que procede de vara , 7 he melhor, que a que procede de fmea. I V Repofla contra a quarta raza. Admitamos o argumento contra os outros Oppofitores, e negamo-lo contra a Senhora D o n a Catharina por raza da melhor linha, e m que fe achava, com que Vencia a Filippe, como fica explicado na repofla prxima contra a terceira raza. V . Contra a quinta. Quer ElRey Filippe hum
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hum Santo para fi y>>e outro para...a outra gente , admirando a reprefentaa para os vaTallos, e negando-a para os Reys: feadmitte, que fe gpyerna melhor aquelles c o m ellg, * deve admitir y que fe governaro maios Reys, fe: a na admittirem e m fus ucceToens : e affim he,;jque poE fugirem efta calumnia,, a admittem quafi todos os Reys, e Eflados de Europa,, e at osmemos Reys: ebaftaya terem-na admittidp e m Portugal lRey D . Afrpnp I. nas Cortes de Lme^o anncfe de I I 4 1 e confirmada por ElRey D . Joa I. n o feu teftamento ^anrto de 143 6. e. Affonfo Y n o aqno de 147 6. aprovando -o os..trs iE (lados todos fem paixo, n e m occafia de controverla^ que lhes pudeTe perturbar a raza; e fendo affim) ley praticada nefte R e y n o , deve admittilla Filipe p e , e m que lhe pz., E,porque efte ponto, da re-t prefentaa he o. Achiles defta demanda , : con- v m que p expliquemos, para melhor intelligen-i cia delia. Reprefentaa he h u m beneficio inventado pela ley, que por elle ordenou nas heranas , que fe differem ab intefiado , que os filhos entrem no lugar de feus pays defuntos, e reprefentem fus peToas, fuccedendo e m todo o direito, que elles houyera de ter, fe vivos fora. 'Efta reprefentaa na linha direita d e afcen^ i dentes
'(107) dentes n tem limite: e nas trfveris fomente fe concede aos.filhos,ou filhas dos irmos j ou irrmas^ do defunto, de cuja ucceTa fe trata: e ainrfica.fexclufos os niais parentes collaterais,* que fe acharem fora defte fegundo gro, porque na fe elende a elles a reprefentaa. E conforme a iftoficaclaro odircito di Senhora D o n a Catharina, que he melhor/' que i& de Filippe, porque repreenta vara, que houvera de fer R e y , fe fora vivo^ e ellereprefenta fmea/ que na havia de entrar na Coroa, c o m fermaisVe: lha, ainda que vivera. Antes digo mais , : que dado que fora viva a Senhora D o n a lbel, -e morto o Infante D.1 Duarte , ainda a Senhora Dona. Catharina tinha, mais direito ao Reyno J que fua tia, pr' reprfentar a feu pay / quev a vencia no fexo, e havia de entrar na: herana diante de iia irma: e he a raza; porque Fer-^ nando Rey de^Npoles julgou o Rey no";a fa% neta defeufilhomais velho defunto: excluindo ou-* tjrosfilhosmais moos: e Filippe Rey de Inglaterra deu fentena pela fobrinha d o D u q u e de Bretanha,filhadefeuirma mais velho/excluindo os varoens mais moos irmos do memo Duque.? E na temos neceidade de exemplos forafteiros/ quando temos e m caa o nofo Rey D. Manoel/
' : -J com
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com quem f oppoz o Emperador Maximiliano y eftando ambos c m igual gro, e efte mais velho, mas e m linha inferior por fmea, e D . Manoel por vara, que reprefentava-, e julgou-fe/ que porilb prevalecia ao Emperador. u VI. O s Doutores Caftelhanos defendem a contrario admittindo a reprefentaa entre prim o s : e a raza o moftra-,porque o fobrinho, que exclua a feu tio, ou tia, por reprefentaa de melhor gro, ou melhor fexo, muito melhor excluir ar feus primos filhos do tal tio, pois j mais remotos, e na podem repre^, (entar couza, que a outro na tenha j vencido*. A o exemplo fe diz, que na deixou a Infamai D o n a Violante de heroar, por na fe admittir reprefentaa no cafo,, fenao por, fer inhabU por ley particular, que ElRey D. Pedro feu av fez e m Arag, c o m que inhabilitou as fmeas,' para poderem herdar aquella Coroa. E a ley de Carlos V procedeo fomente nas terras ugeitas ao Imprio, ao qual na he fugeito Portugal-r e ainda que e m outras partes fe pratique a opinio de A z a m , c o m o e m Frana, que por coftume antigo na admitte reprefentaa nos^ collaterais e m cafo algum ; na e m Portugal, onde feguimos. o contrario c o m o direito crnum^ ' o; e opiv
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e opinioens de Acurfio, e Bartholo : donde fe v e m a concluir, que o beneficio da reprefentaa ha lugar na ucceTa deftes Reynos, quando os fobrinhos pertendem ucceder a ElRey cu tio irma de feus pays, fem haver outro irmo do m e T m o R e y , que concorra c o m elles. V I L N a he neceTario que o pay poTuife, o que fe pertende herdar por via da reprefentaa -, porque aqui na fe leva a herana por tranmila, e m que na pode o pay fazer b o m aofilho, o que na poTuo : e que no nolo caio na entre a herana do Reyno por tranmif , moftra-fej porque por ella n e m o filho do primognito haveria a herana de feu av, a qual na ha duvida, que lhe pertence: e affim entra o tal por virtude da reprefentaa, que o p e m e m lugar do pay ao tempo da TucceT. VIII. O exemplo de D. Affonfo na v e m a propofito j porque alem de fer illigitimo, fe lhe negou a reprefentaa , na porque ella fe na ufe em Portugal, fenao porque eftava fora do gro , a que fe concede , pois na era irma, n e m filho de irma dei Rey D. Joa, mas filho de feu primo ; c o m que ficava j no terceiro (*ro, e m que fe na admitte reprefentaa nas inhas tranfveris, e affim lhe foy preferido D.
Ma-
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Manoel, porfeachar h u m gro mais chegado. "TX, Concedemos, que na ha reprefentaa :<na herana dos Morgados vinculados, para andarem no parente mais' chegado de certa gerao \ por-. que na procede Jure hareditario, xms, ex con~ ceffione dominica , que os pode dar a quem quizer: e os povos dera aos primeiros Reys.o poder Real, e fua gerao , para que os poiTuifi' fem, e fe deferiTem como herana fua afeusdef^ cendentes: e afim ofenteo meTmo Bartholo. E no que diz que na ucceTa dos Reynos feudais na ha lugar reprefentaa, he commummente reprovado; alm de que o Reyno de Portugal na he feudal, nem podem militar nelle as razoens das Concefsoens dominicas $ como e mfeul u . > gar moftrarey logo., na repofla da raza X . o . i i :TJ X. os ! documentos, ,e Ordenaoens, que? allega, na fe entendem afim. O primeiro luga/ da Ordenao , que aponta., procede nos bens; da Coroa , que fa havidos por Conefsao domi+i nica do Rey , e conforme a Ley Mental, porque fe deu ordem de fuceeder nos bens d a Co-* roa, na e differem Jure hareditario. Donde ElRey D. Joa I. que foy o Autor da. Ley Mental,: poriTo lhe negou a reprefentaa; :E'tratan-! d ? depois cm feu teftamento da fucceTa-delesf -:.HL Rey-
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Reynr, declarou, que f ha via lugkr reprefentaa ; porque: procedia Jure hareditario , e na .exxoncefiionei dominica. A o exemplo do, Rey de Cafiella D . Affonfo o Sbio fe diz5, que foy julgada aquella aca at m Epanha por injuta^ tantoy que permktio Deos lhe tiraTe a Coroa o.fegundo filho, que elle fez jurar em; dio d o neto. - E as Lys de Cafiella difpoem, que morrendo o filho mayor, antes que herde, deixando fil lho, oufilha,v a eftes a herana, e na ao tio irma de feu pay, e h a .muitos exemplos.- A fegunda Ordenao prova fomente na haver reprefentaa nos prazos de nomeao, e m que o foreiro ex comeffiome dominica os pode deixar a q u e m quizer fem respeita.5a:herdeiro, que uceede ab intefiadoy>J<na prova nada no^ que \ vay por herana.; X I . Concedemos tudo, e negamos, f a conequencia, que nada colhe defera herana dos Reynos matria - exhorbitante, e calificada : pois c o m ifo efta , que he verdadeira herana . , ' e c o m o tal fe comprenende fem extenfa algum a nos cafos, e m que o Direito concede efte beneficio da reprefentaa. XII. N a admittimos o direito do fanguey que allega $ porque o Direito dos Reynos, e uas poTefoens procedeo do antigo Direito das gentesy fegundo o qual tudo>
K--- x le
(112) f deferia como herana, fem fe conhecerem outros modos de fucceioens, que por Leys mais novas fbra inventados. Ifto he doutrina com-1 m u a dos Doutores, e praticada e m Epaha pe? los Reys deCaftellaD. Fernando,: D o n Alnfp o VI. e D . Alonfo VIII. D . Jayme Rey de Aragaa o Conquiftador, que dividio os Reynos entre feus filhos, D. Alonfo o Sabio.p e D . Henrique III. de Callella ; aquelle desherdandofeufilho,e efte pondolhe gravames: e e m Portugal o decla-r ra as Bultas dos S u m m o s Pontfices defiu fundao , afentos de Cortes d o R e y D . Joa o L e teftamento delRey D . Affonfo V onde tudofe leva por herana verdadeira, que admitte reprefentaa, c o m o temos moftrdo. >*?^tr . "*:-.. ' . XIII. .Oubeneficio da reprentaa efta concedido na linha collateral da niem maneira/ que na dos defeendentes: na dos defeendentes he certo neftes Reynos, que fuccedem as fmeas a feus pays c o m a prerogativade vara ; de m o d o / quefeo pay, por fer vara, havia de excluir outras peToas, exclua a filha as mefinas, como tios, primos, &c. Prova-fe efta reprefentaa dos defeendentes e m Portugal pela Carta patente delRey D. Affonfo V e m que ordena lhe fucceda o filho, ou filhado Prncipefeuprimognito, e na
(m)"
na feus fegundos filhos, o que tem fora de ley, e direito, por afim o declarar o m e m o R e y : e ha exemplos do m e m o e m outras partes, que fica apontados no fim d repofta da terceira raza. E que nos collaterais feja o m e m o , confta do texto in Auth. de hared. . Si autem. E da raza da equidade, e m que as leys fe fundo, para conceder efte beneficio aos defeendentes, el mema tivera para o concederem aos collaterais: e ha exemplos, c o m o o e m que o Rey Filippe de Inglaterra, por confelho de Letrados declarou, que o Ducado de Bretanha pertencia fobrinha filha do irma mais velho do D u q u e defunto , contra outro irma do memo D u q u e : e ha leys,, c o m o a ley quarenta do Touro e m Efpanna, que diz : Siempre ei hijo, y fius defcendientes ligiytos por fu orden reprefenten Ias perfonas de jus padres: & Molinalib. 3.6.7- refolve que a dita ley procede na uccefa dos Reynos, c o m o na dos Mrgados. N e m he deformidade, nem impofivel, que a fmea reprefente fexo de vara; porque mais difficultofo heizer, que h u m filho tenha a idade de feu pay, que h u m afilhaalcanar o fexo mafeulino; porque a natureza faz muitas vezes das fmeas machos, e na pode fazer, que o filho iguale a feu pay na idade, e .<.* H com
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com tudo o Direito pem filho diante do tia mais velho, f porque reprefenta afeu*paymais' velho que o tio; logo muito melhor poder fazer o que he menos, que a fmea reprefente vara. i XIV O que diz o Direito, que fmeas na entrem e m officios, n e m juridioens, entende-^ onde fe na uccede Jure hareditario. T a m b m os Ecclefiafticos na podem haver dignidades feculares, e c o m tudo poffuem as herdades, como fe vio n neto Cardeal Rey. N e m as fmeas l ta deftituidas, c o m o as fazem, principalmente as b e m criadas: e os bons Confelheiros upprem feus defeitos. E os Doutores da Univeridade de C o * imbra refolvera, que a Senhora D o n a Cathari* na devia fer preferida a Filippe conforme as Leys do Reyno confirmadas por Innocencio IV, que fazem capazes, e habilita as fmeas para a fucceTa deftes Eftdos, e excluem aqiellas, que caza fora do Reyno , c poriTo foy excluida a Senhora D o n a Brites, e na por fer fmea, e tambm illigitima, e fchimatica, e quebrar os contratos jurados, que ao tempo de feu cazamento fora feitos: fehifmatica aqui quer dy zer de humor Caftelhano. X V Se Filippe por fer Rey fora izento de Juizes na pertena dele
Reyno 3
(n5)
Reynoy nao' o mandara notificar o Papa Gregrio XIII. pelo Cardeal Riario Legado, que nao affrontafTe o n o m e Catholico c o mfefazer Juiz, e parte, por parecer . dos feus, que c o m ambio do favor, e temor do degrado o enganava v efena queria Juizes Portuguezes, por confiderar nelles alguma paixo , que elle lhe daria Juizes defintereldos, e incorruptos: e bailava deixar ElRey D . Henrique devoluta a Juizes a quefta, que ellefpudera refolver, para Rey de Cafiellaferobrigado a eftar peta fentena; e na a declarou o Cardeal Rey, na porque tivef fe alguma duvida na matria, mas por evitar a guerra / ' que j o Caftelhano ameaava: e na tinha-duvida; porque quando ElRey D. Sebaftia foy a frica, deixou feito teftamento, e m que nomeava o Cardeal D. Henrique porfeuuccefor no primeiro lugar, e no fegundo a Senhora D o n a Catharina , e na manifeftu ifto, por divertir a fria de Cafiella, que eftava muito podero c o m vitorias, e Portugal muito debilitado c o m a perda da frica, e pefte. Fiado pois o Cardeal por tantos princpios na juftia da Senhora D o n a Catharina, por evitar dicordias nom e o u Juizes, e rquereo ao Catholico: o qual tergiverfendolhe a raza o coHflrahgeo^ eintiH i i mdou
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midoff a que ou lhe julgafe a cau, ou a nao decidiTe: na cofeguio o primeiro, alcanou o fe^ gundo, porque eftava muito poderofo c o m riquezas, e armas. Morto o Rey Cardeal, ficou a Senhora D o n a Catharina f; e o Caftelhano.par fe crar c o m o m u n d o , pz a cauf e m juizo, af gurando a bolada por todas as vias 5 porque efeolheo os Juizes que quiz, os quaes e m Aya. monte, territrio deCalelta, c o m evidente nullidade dera a fentena de manera, que fendo cinco, f trs fe rendero corrupo : e para defombrar a conciencia a todos, umira o tef tamento delRey D. Sebaftia -, e bpa prova he que nunca appareceo; e tambm, he certo, que dizem, e fe efcrevc, que levaro paira Cafiella o livro do Porco efpim, que fe guardava no Car T torio da Camera de Lisboa, e m que eftava o direito da fuccefTa deite Reyno c o m as Cortes de L a m e g o , e m que fe decretava, que na entrais fem nefta Coroa Reys eftranhos. Feitas eftas diligencias , entrou e m Portugal c o m h u m exercito a tomar a poffe como inimigo. D o ditofecolhe, ^ue na repugnou a fer julgado, n e m lhe era upeitos os Juizes, pois os efeolheo, e fiou delles tudo: e dizer que nenhuma duvida tinha, he filio , porque fe a na tivera, na mandara vifitar a Se-
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Senhora D o n a Catharina pelo D u q u e de OTuria c m recados dobrados, quefea achaffe acclamada, lhe dfe o parabm , e fe por aclamar, o pzame da morte de feu tio o Cardeal Rey j e a requerefTe para fer julgada a cauTa da pertena do jfeeyno, que ambos tihha. N e m pedira a Pedro Barboza, Doutor celebre e m aquelles tempos , que efcreveTe fobre o direito, que por vara tinha-a efta ucceTa; o qual lhe repondeo, cure na tinha razoens na pertena da Coroa de -Portugal e m concurrncia de D o n a Catharina -, porif efereveo ao D u q u e de Gandia h u m a carta , e m que por cifra lhe dizia, que lhe dava grande cuidado o direito de ua prima. E picado defte eferupuIo deteve o D u q u e de Barcellos e m Cafiella depois de regatado, apoderando-fe delle/'pl que temia de leu direito: dilatou-lhe tambm v b regate c o m cor de o fazer de graa a titulo de parente, para que c na o declaraf fem por Prncipe, vendo que difficultaria iia vinda c o m os M o u r o s , que pediria por elle os lugares, que temos e m frica. Confirma-fe mais o ecrupulo de Filippe c o m os partidos, que cmetteo Senhora D o n a Catharina, targandoIhe o'Algarve, e s terras, que fora do nfantado, e franqueza para mandar todos os*annos
H i i i
huma
(II8),
huma no ndia por fua conta. E finalmente porque vio, que na tinha b o m partido, fepuzera a quefta nos Juizes, que convinha, fem. fe lembrar que ningum he b o m Juiz e m cau prpria, fe fez Juiz, parte, e arbitro, undq de violncia, com que tudo ficou nullo on-j forme as leys, de que fempre fugio. . X V I . H e verdade, que trs Juizes dera fentena por Filippe com as nullidades, que fica ditas j e alem dels outra muito efleneiaj,- que na acha eferita , e devia de efeapar ra todps os Autores , que trataro efta matria com feren> muito diligentes: e na m e admiroj porque con> mayor diligencia umio Caftella todos os papeis , que podia encontrar iia pertena; mas dous viera minha m a ha poucos dias por.fiurnafoeftranho, andando eu com efte ponto,na fpr-, ja : e tendo o Prncipe nolfo Senhor noticia y C Q * m o eftava na minha m a , mos mandou pedir pelo Conde Regedor, e m e confia, que. os et timou, e mandou guardar : h u m he o Regimento , com que ElRey D. Henrique de parecer., e aprazimento dos trs Eftados, mandoufefizefle aJunta; e declara quando , c o m o , onde, eque, havia de fer onze Juizes, e eftes letrados nomea-' dosrpor elle, e efcolhidos pelos Eftados. Outro
papel
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papel contm outro Regimento delRey Filippe para fazer efte Reyno todo defeuhumor por via dos Prelados y Pregadores, Confefores 5 e por-* que contm violncias notaveisj, farey meno deilas adiante no feu lugar no fim da dcima raza do Manifefto da Senhora D o n a Catharina. O Regimento do Cardeal Rey he feito pelo Secretario jLopo Soares e m Lisboa a n . de Junho de 1575?. todo, da ua letra b e m conhecida, e firmado por ElRey, efelladoc o m ofellogrande das Armas Reaes. E nelle mandavafefizefea Junta e m Lisboa n o Mofteiro de S.Vicente de rra, por fer mais retirado, e obfervante na claufura -, e que delle na hifem, n e m communicaffem c o m pef oa alguma, fenao depois da cau julgada ; e que teria vinte- e cinco alabardeiros de guarda : e os obrigava a que antes de entrarem na Junta, fe confeflafem , e cmungaTem na S; e na ar peita m o r deliafizefemjuramento de inteireza di^ 'ante do Cabido ,; Camera, Procuradores, Prelados , Ttulos & c . e nada difto fe fez : b e m : fe v logo que a fentena , que Filippe houve de trs Juizes, foy defctuoza, fubreticia, capeada^ e de nenhum valor. X V I I . Ainda que Caftella tiveffe opinio provvel nosfeusDoutores, mais provvel era a que H iv eftava
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eftava pela Senhora Dona Catharina ; e afim ti rava toda a duvida, que fe na podia tirar c o m armas, quando as couzasfetinha poftopor confentimento das partes em juizo contraditrio com) Juizes efeolhidos, e louvados, eeftava lite pen~ dente, e Filippe os perturbou, m u d o u , intimi-* dou, e corrompeo at os desfizer, e diminuir. E he opinio de innumeraveis Autores Gaflelhanos, como Vaquez, Molina , Sanches, Suares, Fi-* liufio, Bonacina, e outros, que allega , que fe na pode tomar por armas o Reyno , e m que ha opinio. Quod fiunus [conclue Suares difp. 1.3; de Bello,fecl:.6 n. 4.] tentaretrem totam accupate, aliumque excludere: hoc ipfo injuriam alteri face quam pofset jufie reptere, & eo titulo jufii rem totam oecupare. E o juramento do Reyno nas Cortes do Caflelhano foy irrito , porque e m damno da Republica, e da Senhora D o n a Catharina , e feus defeendentes : e porque faltou o coi> ntimento do Reyno livre , que foy extorto por; medo do exercito, com que c entrou. N e m obfta o na reclamar; porque nunca houve lugar diffo at o dia da Acclamaa, que foy antes dos cem annos, que fe requeria para a prefcripa de boa f fem contradio, e elles bem m f tinha -, e bem reclamou o Senhor D . Theodofio com
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(I2J) ) c o m feus filhos, cuja retratao fe moftrou por efcrito. E ainda que o juramento fora muito voluntrio , ficava o Reyno defobrigado de o guardar , tanto- que os Reys de Cafiella na guardaro os que fizera a Portugal, ajuntando , que queria perder o Reyno, fe afim o na cumprif
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XVIII. A o que diz do brao, que fe fortificava c o m Portugal e m Cafiella para defender a Igreja , repondemos, que fe for o brao, qual o de feu pay, que deuco a R o m a , que ficar bem fortificada a Igreja, e que favoreceo tanto Cafiella a de Portugal, que e m feffenta annos que o dominou, na bemos que lhe levantafe h u m a , n e m que lhe dffe fe quer h u m Calix. Efcalguns polticos cuidava , que melhoraria Portugal de foras contra inimigos, na foy affim; e a experincia moftrou o contrario -, porque Portugal confervava-fe com a paz, que tinha c o m todos os Prncipes 5 e Cafiella com guerra, que mantm a todos: donde perdemos os comrcios-, -que nos enriquecia , e ganhmos guerras c o m todas as JSaoens, que nos deftrua: e para que n e m defta deftruiao nos podeffemos livrar , tiravanos Caftella as foras, levandonos nonas armas-, thefduros, e foldados, parafefer vir de tu. . do
(122); do em uas guerras, e Oiiquiftas, dfmparan-* do totalmente as noTas. ; X I X . Finalmente ao que diz da preferipa e poffe, refpondemos, que a na pode' haver e m Reynos , e he de todos os Doutores, que na fe pode dr e m nenhuma matria fem boa f, titulo, e confentimento das partes tcito, ou expreffo. N a foy boa f a de Filippe -, pois c o m fentena nulla , e armado com exercko tom o u a pofe: n e m houve confentimento da Real Caa de Bragana, pois confia, que reclamaro os Duques D o m Theodofio, e feu filho ao juramento, e m que na fra perjuros, porque ofizeraforados fem inteno de o cumprirem : alem de que he do Direito, que quem c o m armas invade pofe, a perde c o m toda a caufk D o n d e dado, e na concedido, que Filippe * Veffe algum direito, todo o perdeo pela violem cia. E na merece nome detyranno, q u e m toma o que he feu: Et babet jus in -re ;.rantes merece titulo de Prncipe moderado; porque offerecen* dofe-lhe muitas occafiocns de fe reilituir, dilW mulou, eperando conjuno de o fizer comfocego, e fem damno defeuspovos: .os quais hoje governa, conferva, c defende muito melhor que Filippe j porque nafceo, e vive entre feus vaTallos.
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los y falia a fua lingua, conhece-os de nome y bafeja-os como Senhor, defende-os como Rey, caf tiga-os como pay, augmenta-os como poderofo / fem lhes tomar as fazendas ; , . l como fazem Reys } que da e m ladroens,, :r- ; * r ! ^ . ..
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MANIFESTO
VO VIREITO' . n )
DA SENHORA D O N A CATHXRINA1 r'^0 i t ^ de 'Portugal contra V). Filiffe. 5 repoftas da Senhora Dona Catharina, que /demos'-contra as razoens delRey Filippe, baflava por* Manifefto de iia juftia: mas he>ta manifeftoofeu.direito, que por mais razoens, qu demos, fmpre ha mais razoens que dr: Qjpara entendermos bem as mais; fundamentais/ que aqui fe feguem, devemos preuppor, que a..uccefl delRey D. Ja III. filho primognito delRey D. Manoel, acabou em ElRey D... Sebaftiafeuneto , e tornando aosfilhosdo m e f i m o Rey D. Manoel, na achou vara vivo, mais que o Cardeal D. Henrique, o qual morrendo fem uccefl,: efemirma, ouoirma., a quem deixafle o Reynos neeeTariamente havia de hir a h u m de mitos.fobrinhs feus/ e netos defeupay, Vi-
(I24)i Vivia enta quatro, trs, delles varoenspehum a fmea,filhosde dous Infantes, e de duas Infantas : e pela antigidade ds Proles era Filippe prudente, filho da Infanta D o n a Ibel ,?Phili. berto filho da Infanta D o n a Brites /r-lX Antnio filho do Infante D . Luiz, e a Senhora D o n a Ca? tharina, filha do Infante D . Duarte. Rayriuncio tambm oppofitor j era bifheto.na linha do In? fne D . Duarte -, mas ^ a .fe fez cafo da. ia ojfe. pofia, por fer defunta fua my., que a devera fazer, e por na conlituir linha differente da e m que fe achava a Senhora D o n a Catharina, e m m e lhor gro que elle. Efeneflar matria,featentara. fopara a.linha mafculina, o Senhor^Antnio? ficava de melhor partido, por fer vara/ e.fiiKo> de Infante , mas foy excufo por illigitimo , e in? difpendo ; porquei a difpnfa f -feria. licitai e m defeito de oppofitor legitimo: e logofefe-^ jxnia a Senhora .Dona Maria, porferfilhade va-; ra, e mais velha, que a fSenhora D o n a Catha-, . rina fuairma :rmas excluira-na/^por defunta, e a feu filho, que era o Senhor Raynncio Priivh ' ripe de Parma por eftrangeiro^ e porficar*fora do gro, cm quefeadmitte reprfentaa^/e prin- cipalmentcf por na -conlituir linha e m oppofia^! c o m a Senhora D: Catharina y que"ficavac o m aSenhora
(125)
Senhora D o n a Maria na mema linha do Infante D. Duarte pay de ambas. Seguiafe logo a Senhora D o n a Catharina, que era viva, efilhade varal mas esbulha do direito c o m violncia notria, e na a deixou tomar poffe ElRey D. Filippe , dando por raza, que era vara, ainda que filho de Infanta, e que eftava e m igual gro c o m ella: e accrefcenta eftas palavras, que tenho efcritas da fua letra no papel, de que adiante farey meno: ue far entrar en efios Reynos n tenia necefidad de aguardar fentenda de nadie, for fer ei prximofiucefforen ei Reyno, y n reconociente fiuperior en Io temforal $ que faneada, y fatisfecha fu conciencia de fu jufiicia , fudo ocupar Ia fojjefion for fufiolaautoridad , conforme a Verecho $ y que ya es cofia efia, de que n fe fufre diffutar, fina tenerlo for ley , y verdad manifiefia , defpues que los trerEfiados dei Reyno le tienen jurado en Cortes Generales por fu Rey, y Senor natural, como Io hicieron en Tomar. M a s do que temos dito , e diremos ,fecolhe claramente, qua pouco fundamento tem, e quafofilicas eftas razoens de .Filippe, que na verdade fe feguia logo depois da Senhora D o n a Catharina, excluindo o Prncipe de Piamonte, e D u q u e de Saboya , por fer filho da Senhora D o n a lbel, mais velha que a Senhora
(126) -* **C\^
Senhora D o n a Brites my do PiamonteSaboyanow Pofto ifto : por muitas razoens tomou o neto d & Senhora D o n a Catharina o Reyno de Portugal aJFilippe com muita julia: e n e m por ferem muitas, fazem melhor cau. O ponto el e m ferem boas: e enta h u m a at duas bafta, e trs obeja. A s melhores nefte cafo fe reduzem a quatro, que Linha, Ptria, Reprfentar a, Acclamaa : e porque deftas nafeem outras , direy todas por fua ordem, e fao as fe- guintes.
R A Z O E M
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SEJSLHORA D O N A C A T H A R N A
Contra Filippe. * ^
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I T^ Az ao. Porque efte Reyno era devido ao Jj^^neto, ou neta delRey D. Manoel > q u e fe achale e m melhor linha : e enta fera Senhora D o n a Catharina o eftava, comofilhalegitima d o Infante D. Duarte, que houvera deferR e y , fc> vivera c o m a Infanta D o n a Ifabel my de Filipe p e , e precederlhe por vara, ainda que ella* fffe mais velha. II Raza. Porque as Leys de Portugal prohibira paTar a 'Coroa a eftranhos [como j diffemos, ou provmos das Cortes de Lamego] e enta f a Senhora D o n a Catharina
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era natural defte Reyno. E que efta leyfejajuf. ta, prova-fe da ley natural -, porque na ha couza* mais natural, que governarem-fe as comunidades por feus naturais, que lhes bem os coftum e s , e inclinaoens. D a ley Divina; porque n o Deutoronomio mandava Deos ao feu p o v o , que na admittiffe Rey eftranho: Confiitues Reagem y quem Vominus Vus elegerit de* mdio fratrum tuorum,- non poteris alterius gentis hominem Regem facere, qui non fit fratertuus. Deut. 17. Das letras humanas: os Garoens dizia, que na eflar va obrigados a obedecer a ElRey de Inglaterra, fena quando afiftia entre elles. Sandoval na H i f toria dos Reys de Cafiella diz de Affonfo V I . que elle na cazaria uasfilhasc o m eftrangeiros, fe foubera, que na havia de ter filhos: e de feu neto filho de D. R a m o n fazia pouco cafo, por fer filho de eftrangeiro: e na levava e m pacincia , que faltaffe e m Cafiella a ucceffa Reah O- noflo Rey D . Affonfo Henriques affentou c o m os Eftados, e povos, que na Coroa de Portugal na fuccedeffe eftrangeiro , n e m fe admittiTe a ellafilhode filha, que cazafle fora do Reyno -, e e m tempo delRey D . Affonfo V na quizera os trs Eftados, que foffe fua tutora a Rainha D o n a Leonor iia m y y por fer Aragoneza:
(128) neza: e ElRey D. Joa III. teve feita ley para eftes Reynos, e m que na f exclua os eftrangeiros, mas tambm as fmeasfilhasdos Reys deites Reynos, por tirar as duvidas pertendendo algum Rey eftrangeiro , ou outro cazado no R e y n o , fucceder nelle, mas a Rainha D o n a C a tharina a elorvou pelo amor que tinha a CaftelIa , eflando para le promulgar. A efte ponto tira as leys defte R e y n o , que prohibem terem ofcios pblicos eftrangeiros j e poriflo ElRey Filippe jurou que os na daria fenao a Portugue- zes: e podia os Reys Portuguezes fazer eftas leys nefte R e y n o , na f por ferem conformes ley natural, e divina, e m femelhante cafo, fenao tambm, porque as punha e m couza prpria, que podia difpr c o m as condioens,que quizeffem , porque ganharo fora do feu brao, e cufta de feu ngue Portugal aos M o u ^ ros, que injuftamente o polTua , e afim com o e m bens prprios lhe puzera as condioens, que fe lm nas Cortes deLamego. III. Porque f dipenfando-fe c o m a ley, que prohibia eftranhos, podia fer admittido ElRey Filippe, a qual nunca fe tinha difpendo : e havendo-fc de entrar no Reyno c o m dipena, mais direito tinha o Senhor D. Antnio para fer
dipen-
(129) dipendo ; porque alem de fer natural defte R y n o , erafilhode Infante vara, e f neefi^ tava de dipena na illigitimidade, que j e m ElRey D. jba$ o i ; fe tinha dadoj e a raza de ter por fua m y ngue Hebreu, na eftava proJaibida, n e m iflo nos Reys avulta: donde de frimo ad ultimum a Senhora D o n a Carharina fo devia entrar na fucceTa defta Coroa, por na ter necefidade de dipenoens por neta legitima delRey D , Manoel, e Reyno. I V Porq u e o beneficio.da reprefentaa ha lugar na uccel de|les Reynos, afim c o m o por Direito c o m m u m efta concedido nas heranas, que fe differem ab intefiado: e prova-fe -, porque efta geralmente induzido por Direito e m todas as ucceToens hereditrias, porque pfifljio.he hum a mema ouza c o m feu pay : e eftes Reynos herana do ultimo Rey poTuidor: logo b e m fe,fegue,,que ha nelles lugar reprefentaa, (affim c o m o nas heranas, que fe differem ab intefiado. Confirma-fe , porque tambm fe admitte reprefentaa nos Mrgados, e bens vinculados jure fanguinis : logo tambm nos Reynos, pofto que foTem jure fanguinis 5 porque fora inf tituidos pelos povos , e m q u e m fe na pode confiderar, que tivefem mais amor ao filho, I ou
(130) ou irma do Reyy por mais chegados", que d neto, ou fobrinho, por mais remotos. Donde Molina lik 3. caf.-j f 1 n. z%. tendo, quet fucceTa dos Reynos fe differe jure fan^Ms^ admitte o beneficio da reprefentaa/'Era kf dipoem em Epanha, que o netoferapreferi* do aofilhofegundo do Rey: e ha exemplos difi to em Inglaterra, Frana, Ungra ^ Bretanha t e em Araga fez ElRey D. Jaymes II. jnrar pbi feuuCceTor a D. Pedro feu netoyfilhodo^Principe D. Affonfo, fendo vivo o Infame D:'Pedro feu filho fegundo j e nefte ReynT). Joa o I. ordenou em feu teflamento, que os filhos, e netos do Senhor D. Duarte leu'primognito precedefTem o Infante D.Pedro feu-filho fegundoy e ElRey' D. Affonfo V ordenou o memo por fua Carta patente, efcfita aos Eftados, accrfcentand o , que ofilho,oufilhado Prncipe D. Joa feu primognito, fendo legtimos, herdaTem o Reyno, e nafilhofegundofeu.Pofto ifto, bern fe infere, que Senhora Dona Catharina pertencia a Coroa defte Reyno, por reprfentar a feu pay, que fe vivera, havia de fer Rey diante da Senhora Dona lbel, que a perdia, ainda que mais velha, por fer fmea. V. Dado, que em Portugal nahouvefe
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ley, n e m Ordenao expreTa, que admitt^ire* prefentaa. na fucceTa dos Reynos , ha c o m tudo. ley, que o cafo, que na eliver nas O r denaoens dejle decidido, feja julgado pelas leys Imperiais} efe neflas na eliver, pelas Glos de Acurfio j e fe neflas na , por Bartholq, ou pela c o m u m opinio dos Doutores. E o cafo prfente da tnaneira que o refolvemos, ainda, que no eft na Ordenao defte Reyno , colhe -fe d o Direito Civil, eeft determinado por Acurfio, Bartholo, e os Doutores, e admittido, e praticado e m Portugal, e .muitos outros Reynos, com o moframos, V I . Porque as fmeas p o d e m fer admittidas fucceTa. dos Reynos de Portugal y e fe prova, de que a fucceTa deftes Reynos fe differe jure bareditario, c o m o herana do Rey ultimo poffuidor: e confia' conforme a Direito. que as fmeas por teftamento, e ab intefiadoy admittidas s heranas hereditrias, afim pela ley das doze Taboas, c o m o pelo Direito novo dos Emperadores, que fe hoje guarda : e pois nefte Reyno na ha ley, que as prohiba, claro eft, que podem Ter admittidas, afim c o m o o e m todos os Reynos, e Eftados da Europa, de que na innumeraveis exemplos > que traz TiXflquel. tom. x, a. io. n. 4. e afim efta I 11 decla-
(i ga)
3eclarado e m Portugal, efe colhe da doao Teita ao Conde D.Henrique, e fua mulher D o n a There, que dizia: Para elle, e feus fuccefsoresJ E conforme a Direito efta palavra (fuccejsores) dmitte tambm fmeas, c o m o a palavra ( herdeivos ) c o m a qual ElRey D. Affonfo II. e m feu teftamento admitte a fuafilhaD o n a Leonor, para lhe fucceder no Reyno : e no Reyno do Algarve fe prova particularmente da doao delRey D . Affonfo o Sbio de Cafiella a ElRey D . Affonfei o III. Conde de Bolonha feu genro, para feus filhos, efilhaspara fempre. Deites exemplos ha muitos, o melhor m e parece o da Carta, que ElRey D. Affonfo V . efcreveo aos Eftados d o R e y n o , pela qual, quando entrou e m Cafiella,* determinou o m o d o , que fe havia de guardar na fucceTa deftes Reynos, dizendo afim: Se em algum tempo acontecer, o que Veos nao mande l que o Principe, meufiobretodos muito amado, e prezadofilho, falea antes de meu pafsmento defie mun+ do, e dellefiquemfilhos, oufilhalegitimamente havidos , que aquelles, ou aquella herde os ditos meus Reynos de Portugal, e dos Algarves, e nao outro algum meu filho, oufilha.D e tudo o dito fe colhe , que as fmeas e m Portugal hbeis para herdarem efta Coroa, e que a Senhora D o n a Catharina
(m)
tharina na a podia perder por fmea. - V I I . O s Reynos herda-fe mais pelo direito hereditrio, que pelo do ngue. e m Cafiella querem muitos que prevalea o direito do ngue, e que fora delia tenha mais fora o heirditario. D o n d e os Caftelhanos pegaro do direito do ngue, para darem a Filippe o Reyno de Portugal : mas achando , que tambm por efta via tinha a Senhora D o n a Catharina mais direito , pegaro do hereditrio , e parece que os m o v e o o verem, que poffua Filippe, N a varra , Lea , e Calella c o m direito f hereditrio, e na ficava confoante occupar h u m R e y n o c o m direito contrario ao c o m que poTua os outros. D o n d e fe deve notar , que c o m o direito , que allegara contra a Senhora D o n a Catharina, perdia os Reynos, que poffua : c e m qualquer dos direitosficava de peor partido , e a Senhora D o n a Catharina de melhor condio. VIII. Direito do ngue he aquelle, que v e m por inftituia antiga , que dipoz foffe correndo a herana pelos parentes mais chegados e m ngue ao inftituidor, c o m o fe v nos -Morgados. Direito hereditrio he aquelle, que fem attentar para as tais inftituioens, d a.fV I i i i zenda
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zenda do defunto ao parente mais chegado, o u q u e m o tal defunto nomea. D e maneira que no direito do ngue fuccede ao primeiro inlituidor, e no hereditrio ao ultimo poffuidor , e fe bem attentarmos e m ambos eftes direitos, eftava a Senhora D o n a Catharina diante delRey Filippe: no do ngue , por vir por linha mafeulina, que he preferida feminina , por onde ella vinha; e no hereditrio -, porque a inftituia do noffo Reyno era , que fe dffe ao natural, c o m o era a Senhora D o n a Catharina, e na a eftrangeiro, c o m o era Filippe. E prova-fe da caua , porque elegeo Portugal o feu primeiro Rey natural, que foy, por fe eximir do governo de Lea. E que efte difeurfo, e opinio eleja conforme a Direito ^ e raza, confirma Cafiella comfemelhantecafo, e m que tirou a S. Luiz Rey de Frana a herana de ua Goroa , que lhe vinha por fixa my D o n a Branca, filha mais velha do Rey Catholico, e a deo aos filhos de D o n a Berenguera mais moa,' que afiftia e m Cafiella. IX. O D u q u e D. Joa, marido da Senhora D o n a Catharina, era defcendente por linha mafeulina do primeiro Rey de Portugal D . Affonfo Henriques; e he certo, que quando de alguma herana he excluda a fmea a favor de vara, na
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na tem ifto lugar, quando ella he cazada c o m agnado da mema famlia. D o n d e tambm por efta cabea de fucceTa hereditria vinha o Reyno Senhora D o n a Catharina -, e f podia haver duvida entre o D u q u e D . Joa, e a Senhora D o n a Catharina iia mulher, por terem ambos o direito do ngue , e ferem aguados, e precedello ella e m fer mais chegada ao ultimo poffuidor, e elle a ella, e m fer vara : mas toda a duvida fe folta no filho, que de ambos nafceo, o Senhor D . Theodofio , no qual fe ajuntara ambas as razoens, quefecomunicaro afeuneto ElRey D. Joa I V o qual fundado nellas tomou pofe pacifica do R e y n o , que por pays, eavs lhe vinha direitamente. X . Faz muito pelo direito da Senhora D o n a Catharina a fora , e Violncia, c o m que ElRey Filippe invadio efte Reyno , e tomou poffe delle j e j moflrmos-, que a fora e m caus jurdicas tira o direito, a q u e m a faz: e efta fe prova e m Filippe , porque m a n d o u declarar por rebeldes, e traydores, c o m privao de vida, e fazenda a todos, os que c o m opinio mais que provvel trataro da defen de fua ptria, fem lhe terem jurado a elle , n e m promettido fidelidade: e por efte principio deo garrotefecretoa immenfos Religiofos, que nian-
I iv
dou
(ig)
dou lanar no mar com pedras aos pcfeoos.: E que foffe injufta , ou tyrannica efta violncia,; moftrou-o o Ceo negando por muito tempo o peixe aos pefeadores, que fora ao Arcebifpo D. Jorgev de Almeida queixar-fe, que eftava o mar exc-, mungado , porque lanando muitas vezes as re->; des nelle, e m lugar de peixes tirava muitos corpos de Frades. E foy afim , que mandando o rcebipo abfolver o mar c o m as ceremonias da Igreja , comeou a dar pefeado, e ceifou a maldio, que melhor abrangeria a q u e m tal; juflia executou. Mais fez para violentar la f os corpos, fenao tambm as almas, que mandou a todos os Prelados Ecclefiafticos deite Reyn o , que revogaffem logo todas as licenas a to- * dos, quantos houveffe approvados para confef fr , e pregar , e que as na concedefem de novo, fenao aos que foTem conhecidos por de humor Caftelhano; e que puzeffem cenTuras refervadas, de que c o m nenhuma Bulla fe pudeA. fem abfolver , os que de palavra, ou por eferito fignificalem opinio contraria de Filippe. E difto tenho na minha m a h u m papel, ou Regimento, que j atraz toquey, digno de fe imprimir pelas muitas couzas deproporcionadas, que contm, e por fer da m a , e letra delRey
Filippe
Filippe o Prudente, que neles pontos moftrou,-, que o na era muito -, pois mandava aos Prelados inferiores ao Papa, que revogaffem os poderes das Bullas, e as licenas, que f os Sunimos Ponrifices p o d e m tirar : mas c o m o a pertena principal era nulla, na ha que efpantar, de que os meyos para ella foffem tudo nullidades. X I . E porque de h u m abfurdo fe feguem muitos, c o m o diz o Filofofo ; defte da forca, e violncia, fe feguira tantas injuftias, e m que logo fe defempenhou Cafiella, que menos bafta va para lhe tirar o direito, dado , e na concedido, que algum tiveffe, e para corroborar o da Senhora D o n a Catharina, ainda que foffe fraco. Vinte e quatro Captulos cheos de piomels, que Filippe jurou a efte R e y n o , quai todos fe quebraro, tendo no fim delles, que fendo cafo, o que Deos na permittiffe, n e m fe eperava, que o Serenifimo Rey D . Filippe, o u feus SuccefTores, na guardaffem a tal concrdia, ou pediffem relaxaa do juramento , os trs E f tados deftes Reynos na feria obrigados a eftar pela dita concrdia, e lhe poderia negar livremente a fugeia, e vaTallagem, e que lhe na obedecei! e m , fem poriTo incorrerem e m perjuro , crime de lefia Majefiatis , n e m outro m o cafo
algum.
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algum. XII. Admittindo ns as injuftias aliegadas e m c o m m u m / q u e logo moftraremos e m particular; e dado, e na concedido, que a Real Caa de Bragana na tivele a efte Reyno o direito , que temos moftrado, eftava o Sere-* nifimo D u q u e neto da Senhora D o n a Catharina obrigado a tratar do b e m deite Reyno , por Ter natural , e o mayor Senhor delle. D o bem da Republica pode tratar qualquer do p o v o , procurando feu augmento , e fegurana: he ley certa deite R e y n o , porferopinio de Bartholo, que na tem nifto, q u e m o contradiga. H e tambm certo e m Direito, que quando h u m Reyno eft affogado , e opprimido c o m injuftias, tyrannias , e infolencias do R e y , que o poffue , e de feus Miniftros , que o Rey mais vifinho he o feu protctor, e a quem toca, e compete acudh> lhe: e com mais raza os Senhores Duques de Bragana Condeftaveis deite R e y n o , defeendentes dos nofo Reys, podia tomar fua conta a liberdade da Ptria, defeusparentes, e criados. Efta doutrina admittem at os Calelhanos, e he de todos. XIII. Eft hoje ElRey D. Joa o I V e m poffe de boa f -y porque dado, que houveffe duvida no direito, ou violncia interpofta de huma
fa9)
hu#ia das partes, a refolua pertencia ao povo , que pode eleger por Acclafnaa, c o m o elegeo o neto da Senhora D o n a Catharina, undo de h u m quafi poftliminio no direito de eleger, que teve radicado do principio, e depois o transferio hereditrio nos Reys -, alfim Portugal decidio a fentena, que o Cardeal Rey na deo, e que o Caftelhano nullamente fulminou. X I V Sobre efte fundamento da Acclamaa voluntria tiverao outro os Portuguezes na menos forozo, para renderem obedincia aos Defeendentes da Senhora D o n a Catharina > e cudirem o jugo de Cafiella, e foy o das injuftias, c o m que e%t os governava : e prova-fe fer b o m e m toda Europa , e m Cafiella c o m o Rey D . Pedro, e m Frana c o m Gilperio, e m Sucia c o m Chriftiern o , e m Dinamarca c o m Herico , e m Portugal c o m D . Sancho Capello, que foy excludo do go^ verno por fua froxida, e teve afeuirma o C o n de de Bolonha por feu fublituto: c o m efte titulofelivraro os Hollandezes, efelivra os Catalans, fe levantou Npoles, fe amotinou Secilia , e Portugal declarou porfeuR e y , a quem por direito o era, para o governar , como natural fem tyrannias>
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REPOSTA
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I. T P J Epofta contra a primeira raza. Terri '< J L ^ . C*/0 [ diz Filippe ] que quiten los Portugueses un Rey Catholico, y tan buen Chrifiiano como eilos, de fufilia,y que feja&en, Io hazen con rafion, colgandola de una lineayy que arrafiren con ella mi po^ tencia, y mi derecho tan bien fundado en igual grado con imprima, a quien devia yo preceder por Varo?i, y mas viejo que ella l M a s efta repoflafedesfaz, c o m o nevoa vifta d o Sol, c o m a ley, e raza da repre* fentaa, que j defcutimos. II. Contra a fegunda*! Admito, que podia Portugal hazer ley, que efirangeros no le heredafsen: mas niego, que Ia hizo ,y Io pruev con exemplo de Ia Reyna de Cafiilla Vona Beatrs , hija nica dei Rey de Portugal V. Hernando $ U qual por rnuerte de fu padre fue jurada en Portu^ gal por Rey na , y Seora fiuya 5 y confrmafe con ei Rey V. Manuel, quando hered los Reynos., y Efiados de Cafiilla en nombre de fu hijo V. Mmiel: yfiendopoderofos para defender fe, Io recebieron amorofamente, no obfiante fer efirangero $ y quando defpues los hered ei Ar chi duque de Aufiria, aunque era Aleman,
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Aleman y hizieron Io mifmo: y que de Ia mifina manera deve Portugal fer unido a Cafiilla. M a s eftas repoftas, e inftancias tem fcil refolua ; porque a certeza da ley confia muito b e m a C a f telta, que a iimio c o m as Cortes de L a m e g o , c o m o fica dito: e a ns baftanos a tradio por certeza, que fe prova c o m muitos documentos. E a Rainha D o n a Brites poriTo a jurou Portugal; porque era natural, e logo a repudiou, porque fe fez Caftelhana: e fe Cafiella admittia eftrangeiros, era, porque na tinha ley e m contrario, c o m o Portugal tem: e t a m b m , porque os fazia naturais c o m a afiftencla continua; e c o m efta faltou a Portugal, na pondo nelle p , mais que para o opprimir, aggravandolhe o jugo c o m o eftrah h o , e poriTo c o m muita raza o acudio. III. ue no tenia necefidad de difipenfacion en efla ley, porque era Portuguez, hijo de madre Portuguezay y fe hizo Portuguez hablando Ia lengua de Portugal en fus Provifiones, y defpachos, conJervando Ias cofiumbres, y ley es de los Portugueses$ con Palcio Real en fu Reyno, y Tribunales, prometiendo afifiir en ei ei tiempo necefsario para fer ten do, y vido por natural, y no por cfirano. M a s ifto fe b e m o diffe, mal o cumprio-, porque nunca veyo a Portugal, mais que a tomar p o f
fe
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fe armado como inimigo , metendo- prefidios Caftelhanos e m todas as foras do R e y n o , e M i niftros Caftelhanos nos Tribunais, armando a que todos foffemos Caftelhanos; porque f afim notava d.fer natural nofo : e para h u m h o m e m Ter natural requer a ley deite R e y n o , quefejanafcido nelle, e que feu pay tenha nelle bens de raiz, e domicilio por dez annos contnuos, e nada difto teve Filippe. I V Al punto.de Ia reprefentacion negamosficciones,y chimeras deLegifias, y tomamos pofsefion por Ia realidad. M a s ja fi defenganado na repofla, que dmos raza quinta do feu Manifefto , alem dos exemplos, que na quarta raza da Senhora D o n a Catharina de no^ voapontmos, que bemmoftra;, q u a m praticada foy fempre a reprefentaa e m todos os Rey? nos.da Europa, e nefte de Portugal muito particularmente, e eftabelecida por ley. V ue los Rey es, como Senores Soberanos, fon fugetos a Ias, ley esy quefiehazen para gover* nar inferiores, y que Ias pueden derogar, quando refultaren en da fio de laCorona, que es Ia prime ra cofa, que fe pretende confervar con ei derecho, E diz muito b e m e m Reys tyrannos, para os quais na ha ley , mais que a de ua vontade, conform e aquelle texto , que f elles guarda : Sic volo >
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fie Jbeo $ fie pro ratione voluntas. M a s dever advertir, que na oppofia prefente na fazia figura de Rey, ainda que o era, fenao de fw lho da Senhora D o n a Ibel, e c o m o tal e m figura de particular pertendia efte Reyno, e na c o m o filho do Emperador , por onde, ainda que era R e y , na lhe pertencia efta Coroa. V L Lo que toca, a que Ias hembras pueden fer admitidas a Ia fucefion de los Reynos de Portugal, lo admite todo en Ias he?nbras de Ia linea retfa, y que lo nieg en Ias colaterales, aquien preceden los varones, qu fe oponen en igual grado, y fie prueva en Portugal de aquel Capitulo de Ias Cortes de Coimbra. M o r m e n te que de tal devido, c o m o o dito D. J o a H e n Tiques havia c o m o dito ). Fernando,, he da parte das mulheres ; que fegundo coftume, e ley de Efpanha, dos filhos a fora na podem ueceder e m tal dignidade. M a s efte argumento b e m fe v que na v e m a propofito -, porque fe tomarmos o texto c o m o foa, tambm afilhado ultimo poffuidor na poderia herdar o R e y n o , contra o que tejnos provado, e [Filippe admitte. D o n d e To fe entende dos parentes collaterais, c]ue na defcem do Sangue Real dos noffos Reys, c o m o na defeia D. Joa Henriques Rey de C a f tella, e poriTo na devia fuceeder a ElRey D . Fer-
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Fernando, polto que fofe feu primo c o m irm a 5 porque efte parentefco era por parte das m a y s , que na defcia dos nofos Reys. ^ V I L Que todos los Reynos tienenfiusleyes, y erechos particulares, que en fus heredamientos obfervan $ y que aviendo variedad en ellos, biek podia llevar unos Reynos por ei derecho de Ia fangre, y otros por ei hereditrio. M a s efcundo n$ agora efta quefta, que devolve muitas fallencias, fetsfazemos c o m averiguar, que afim em, h u m direito, c o m o n o outro, tinha a Senhora Do? na Catharina mais julica, c o m o moftra a oitava raza do feu Manifefto. VIII. ue ay tiempos de tiempos, y que ay leyes diferentes para diferentes Reynos: que Franci no podia heredar Cafiilla, porque tienen efias leyes, y privilgios, que lo vedan: y Cafiilla podia heredar Portugal, porque no avia, impedimiento de ley, que fe lo efiorvafise. M a s a iftp j difemos, que temos leys, que na pafe efte R e y n o a etranhos, e atraz na fegunda raza do Manifefto da Senhora D o n a Catharina fica apontadas : e fe as nega Filippe, t a m b m lhe negaremos as que allega contra Frana-, e queremos , que nos valha nefte cafo, fe foy b o m o eftylo, que enta ufou contra Frana. ,3 I X . To lo heredy yo lo compre, yo lo con-
quifi ,
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fi. To lo hered, porque me lo refolvieron mu-, chos Voores, yo lo compre, para evitar repugnan-: cias: ,yo' lo^onqmfi, para quitar dudas. T como lo heredado,r comprado, y conquifiado es, de quien lo hered, compro, y conquifi : de Ia mifina monera Portugal por todas as cabeas es mio, y no de 0 ? Senora Catalina, que no. Io hered, ~ m lo com-' pr, ni lo conquifiy como yo. Diz b e m que o herdou por dito de Doutores, que corrompeo c o m ddivas, e terrores. M a s na rendeo a opinio, d melhor de todos, c o m o j tocmos no fim da repofla quinze ao feu Manifefto; e o mefino Jurifeonfulto referindofe-lhe h u m a vi, que tivera h u m a pefoa louvada e m virtude , que lhe moftrara Deos a alma de Filippe paffando do Purgatrio para o C e o , repondeo perguntando: Reftituo elle j Portugal Senhora D o n a Catharina? Pois e m quanto lho na ceftituir, na creyo, que eft no Ceo. E efte he o direito,]5 que adquirio pela herana, compra, econquifta que allega. Herdou, o que lhe na pertencia j comprou, a q u e m na era d o n o , que pudeffe vender, conqifto contra direito, e afim o ficou perdendo a tudo pelas memas trs cabeas, por onde jacta, que fe fez Senhor. ,X. Alpunto de Ia fuera. fe dkc^ que vim vi repeiK lere
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lere licet. ye una fuera grande no fe deshace fi^ no con otra mayor. E diz b e m , que fentk) grande. fora intrinfeca no direito da Senhora D o n a Gatha? rina, porque fora extrinfeca na a havia nella;. antes c o m paz, e focego fe punha na raza,, que Filippe na quiz admittir, n e m ouvir j-e poriTo chamamos violncia poffe que tomou f c o m que na verdade perdeo todo o direito, que affeclava. A' X I . Que tal juramento de guardar captulos, y perder ei Reyno, fino los guardafise, refponde, qe nunca lo hizo, nifiemofirara autentico; y que h prometido en Ias Cortesfiecumpria, y quebrantava conforme a Ias convenincias dei tiempo, y buen govierno de Ias cofasy que no puedenfiempremi^ rar a un folo fin3 que los Rey es :pueden alterar para mejor govierno, y mayor provecho de fus Efiados. E falia verdade e m dizer, que na eft authenti* co o tal juramento, que fez nas Cortes d e Tta>, mar e m Abril de 15 81. porque o na deixou imprimir na Carta patente de confirmao dos vin te e quatro captulos. Tralla porm impreTa em Madrid o Autor da Ley Regia de Portugal foi. 1 z?. E o certo he que na he mayor o poder nos Reys,para condemnarem por traydores os vaTallos, que no promettido, e jurado lhes faltarem, que nos
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rios mehios povos, pra lhes negarem a obedincia, e os exclurem, quando os Reys lhes falta c o m a palavra dada, e quebranta o juramento de fua prome. Eft nos povos a eleio , e creaa de feus Reys, e nella contrata c o m elles haverem-nos de adminiftrar e m fua confervar a, e utilidade. D o n d e todas as vezes, que os Reys lhes falta, no que lhes promettera de os defender, e confervar, os podem remover, enegarlhes a obedincia, c o m o Portugal fez a ElRey D . Filippe, depois de o admittir intrufo, e violento. XII. Ridcula he a repofta, que Caftella d XII. raza- da Senhora D. Catharina; porque eonftarde opprobrios: Uamandonos. rebellados, prejuros, traidores, tiranos : y luego vendr ei heon con fus garras invencibles a hacer jufiicia, y po~ ner ei derecho en fu lugar y puncloy ejrc M a s b e m claroficado que temos difcurfado, a q u e m pertencem eftas nomeadas, que mais fe confirma c o m as ameaas das. novas violncias, que nos promette: e entre tanto nos confolemos c o m o que l dizem e m Caftella: ge dei dicho ai hecho v gran trecho.; quanto mais, que onde as da : e na ha p , que na ache forma de feu apato. XIII. -Niega Phelipo efiar ei pueblo en pofis ( K ii ion
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fion de eligir Rey es $ porque- no tenian mejor pr legio de eligir Rey en Portugal, que enlos.otros Reynos de Hefpanha, los quales fon de fucefion, en quanto vive deficendiente legitimo de Ia familia. Re y en efia parte tiene Portugal menor Mbertady que los otros Reynos 5 porque procede de donacion de lo Rey es de Cafiilla, y de conquifia de los Rey es de Portugal: y como ei pueblo no di ei Reyno, no puede aver cafo, em que fea pofible eligir. v B e m eft: affim he. M a s nas duvidas na ha duvida , que tem o povo direito para as decidir, quan* d o na ha, q u e m as refolva limpamente, efefente offendido: porque feha notai cafo os Reynos , c o m o vagos, e reduzidos ao primeiro principio natural de fua intituia, antes * de terem Reys, e m que os povos podem eleger q u e m quizerem : e b e m fe prova, que os de Portugal nun-r ca quizera a ElRey Filippe pois nunca lhe dera h u m viva, c o m o nota at feus Chroniftas,. n e m na mayor pojana do horrendo triunfo, c o m que entrou peta rua N o v a de Lisboa. E vimos as acclamaoens de vivas, c o m que ElRey D . Joa o I V foy fublimado ao T h r o n o , para def engano do m u n d o todo, que Cabe muito b e m , que a concorde, e voluntria acclamaa dos povos he o melhor titulo, que ha para reynar-, por-
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porque afim fe inftituraos Reynos, e fizera: os primeiros Reys. D o n d e havendo duvida entre herdeirosv-e-oppofitores a humaiCoro, o m e lhor direito, que ha para as decidir, he a vontade do p o v o , que primeiro fez os Reys. \ v XIV Finalmente reponde Filippe: ue no fe pueden prefumir tiranias de un Rey Catholico, ni injufiicias de un Monarcha tan pderofo, * qpfHe nada necefita, para ajufiarlo todo , dando medik>^ con fuavidad a lo violento, y falida fcil a lo dudofio. diz b e m -, porque e m duvida, de f todos os Reys fe ha de prefumir b e m : mas quando asr couzas evidentes, na ha efeu, que as livre. A evidencia das injuftias, que Caftella ufou c o m Portugal feffenta annos, que o teve fugeito^ moflrar o capituloffeguinte:e nefte damos fim aos Manifeftos de h u m a , e outra partey, e m que fica averiguadas, e b e m manifelas as unhas de Portugal y e Caftella; e b e m curto de vitofera4 e b e m cego de paixo, q u e m c o m a luz deftas verdades na vir,* que Portugal na tem uqhas^ e que Gaftella fempre as teve, e para efte R e y n o muito grandes.
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JSw que fie refohe, que as unhas de Cafiella fao as mais farpantes por^njufiifas.
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O que temos dito fica aflas claro, que Portugal nunca teve unhas para furtar,, e que Caftella fempre ufou deltas. E porque pode haver, q u e m na alcance tantas razoens-, afim porque fendo muitas confundem, c o m o porque ha corujas, que na v m luz, poremos aqui h u m a demontraa ta clara, que todos a vejao ;jt c o m os olhos fechados, e a entenda, > ainda que efleja dormindo. Celeiro , que faz h u m cef to, far cento, diz o provrbio. E fe ifto he verdade, c o m o o he^ mais ofera,fedilermos; C e f t;eiro , que faz h u m cento de ceftos, quero dizer de furtos, he mais que certo , e na he neceftria para os provar, trazermos aqui Cerros, n e m C o roas , c o m o a de Navarra, de quefeintitula ainda Rey o Francez , n e m Mila, que o memo appellida por feu: n e m Npoles, fobre que fulmina o Papa, que lhe pertence : n e m Caftella, e Lea, fobre que reclama hoje os Lacerdas e m M e -
dina
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dina Caeli i n e m Secilia, que tem Senhor, que i na logra por falta de poder: n e m raga , que l tem no feu Limoneiro o direito, que o certifica da violncia que padece, n e m os mais : que fc c o m eftes fe forem para feus donos,ficarFilippe c o m o a gralha de Hifopete. N a nos he nCeiTario difcorrermos por Reynos alheos> dentro no noffo daremos pilhagens aos milhares, e m que ennguentou tanto luas unhas Caftella, que bafta, para provar , que as tem muito grandes | e que na repararia e m levar efte Reyno de h u m golpe, fem fer feu; pois na reparou e m o desbanjarpof partes,'depois de o poTuir c o m unhas tyrarnicsj 'Das injuftias nafee a tyrannia, na para eftr oci, mas para obrar mais injuftias. E he afim que os Autores a dividem e m duas, quand o a definem. A primeira-fe d, quando fe occupa h u m Reyno c o m violncia contra as leys. A fegunda, quando o Rey 1 o governa contra as m e f mas leys. A primeira manifeta fica nos dous Mnifeftos, e e m uas repoftas. A fegunda. femanifeftar nas injuftias feguintes. l : > Q u a n d o Portugal pafou para Caftella, hia aperfeioando ifqasConquiftas c o m novos modos de tratos, que fe-dobriaj hia-fe-ampliando, e propagando nofla nta F. T u d o parou logo-, K iv ecom
(152) e c o m o tempo foy tornando para traz.- Tinham o s poderos armadas, immens armas, muita gente deftra para tudo y quafi de repente , e Tem o cuidarmos, nos achmos fem nada. Pz-nos mal Caftella c o m todas as Naoens-, cm/que fediminuo o trato, as rendas das Alfndegas faltaro, as mercadorias encarecero os eftrangeiros na podendo vir a noffos portos bufear nofTas drogas, hia bufcalta,s a noffas Conquiftas, lanandonos deltas-, porque na tnhamos foras, para lhe refiftir ; e ainda que tnhamos os -anti-? gos brios, faltavanos a direea do governo, e o <abedl, que nos devorava Caftella.-Capitulou por vezes pazes c o m os Hollandezes dTLinhapara o Norte, deixando fora deltas, o queficapara o Sul, onde cahe o principal de noftas Conquiftas, c o m o q u e m fe na dohia deltas.x D e u licena a eftrangeiros para hirem commerciar a nos C o n quiftas c o m grande perda, afim de particulares nofos, c o m o das rendas Reaes: e no. ann de 1640. m a n d o a publicar nos Eftados de Flandes obedientes, que podia livremente navegar a quaefquer portos noTos: e mandou , que as nof s bandeiras varialm de cor, para differeaa^rem das fitas. Diminuira-fe as nos da Indi; depachava-fe ta tarde, que arribava ^ pro-
via-fe
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vi-f ta mal, que perecia, e as que vinha , governava-fe de m o d o , que dava coita: at as armadas na lograva effeitos, por m direca j c as que nos manda va fazer, e preparar a titulo de acodirem a noTas Conquiftas, feitas, as tpmava para as de Caftella , e l perecia. A gente, que cfealiftava, mandava , que c fe bufeaffe o dinheiro para a pagarem -, e o m e m o para as armadas, c o m que os hiamos fervir. A s noTas Fortalezas andava ta mal providas, que as toma va os inimigos , c o m o fe vio na Bahia , Pernambuco, Mina., O r m u z , cc. Tomaranos mais de.,fetemil peitas de artelharia : e h u m a vez fe vira na Ribeira de Sevilha mais de nove centas peitas de bronze c o m as armas de Portugal.r Tomara-nos todos os galeoens, gals, e armadas , de que reultouficaremnofos mares quados,. e na efcapar embarcao no , at os pefeadores nos tomava os M o u r o s : at os direitos , efintaSparticulares, que os homens de negocio dava para fabrica de armadas, que os defendefTem y incorporaro e m fi , e comia-nos os ordenados das gals fem as haver -, e tudo, quanto adquiramos de armas, tomava para Caftella. Dizem que nos acodia c o m Tuas armadas, com o fe vio na retauraa da Bahia. Repondemos
(i54) m o s que ofizerapara affegurarem as Tuas ndias; e que fe pagava muito bem. E pelo contrario, quando ns os ajudvamos, que era mais vezes, fcmpre foy noffa cuta , c o m o fe vio na noTa armada , que foy a Cadiz no anno 1657- Os fervios da noTa Coroa feitos de Cafiella , pagava-fe c o m prmios de Portugal, e os fervios feitos nol Coroa nunca tinha prmio. C o m fto, e c o m as continuas levas de gente de mar e guerra, para as emprezas de Caftella , ficava as noTas demparadas, efeperdia. Mandava obedecer nols armadas s uas Capitanias, e Almeirantas contra noffos foros j" c o m que nenhum h o m e m de b e m queria fervir, por na perder honra. .* Tinha Portugal privilegio antigo, que fe lhe na poria tributo, fenao admittido e m Cortes j e jurando Caftella de nos guardar todos nos pz a titulo de regalia fem Cortes o/real dgua , accrefeentou a quarta parte das cizas, no al novos, e intolerveis tributos e m Caftelhano} e fobre as caixas de acar. Incorporoufe na fazenda Real o rendimento das teras dos bens dos Concelhos, que os povos concedero para^fortificar muros, e Caftellos. Fazia eftanques d muitas mercadorias, c o m que obrigava o Reyno
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no a comprar o peor, mandando para fora o melhor. Andava ifto de tributos ta defaforado, quefeatrevia os Miniftros a lanalos fem ordens. Reaes; c o m o o das barcas pefcadoras, que obrigaro e m Lisboa a hir regiftar s torres, para pagarem novas impofioens, alem das muitas, que j tinha. Quizera introduzir nefte Reyno a moeda de Belha, os depachos e m Caftelhano, o papel fellado, e nos Concelhos de Madrid na nos queria depachar fenao nelle. Metero os roubos de contrabando, e levava para Caftella. o procedido delle, na fe dependendo o feu e m couza alguma de Portugal. O tributo do bagao da azeitona, q u e m ha que o na julgaffe por tyrannico, alem de ridculo: e ainda mais ridicu-, lo o das maarocas, cujos executores apedrejaro as mulheres no Porto. A violncia das meyas anatas, que fe pagava at de ttulos vas, e fantaf ticos, e inteis, e do que era devido por juftia. Fizera praticar nefte Reyno couza nunca vifta entre Portuguezes, venderem-fe a q u e m mais dava os officios, que antigamentefedava de graa, fem olharem fe as peToas era dignas. E porque as indignas , as que por dinheiro fobem aos officios, ficava a Republica mal fervida, e perturbada : o fobir fem mritos, e o na cahir por i erros
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i
erros igualmentefevendia. Fazia jurar na Chanceifaria, os que comprava os officios, que nada * dava por elles, n e m os que pertendia pot in-> terpofta peToa : prohibia s partes virem c o m embargos a tais provimentos, e fe algum dava mais pelo officio j comprado, lho largava fem reftituirem o dinheiro ao primeiro comprador, a q u e m tisfazia c o m que apontafTe, e pedifTe outra couza. Vendia Hbitos at gente indigna delles, e pertendera inventar novas honras, para as vender , e habilitar c o m ellas gente infame s mayores. D o s Nobres tomaro grandes pedidos y e dos que poTua bens da Coroa a quarta parte: negaro os quartis das tenas, e dos juros era muito ordinrio. Obrigava os Nobres, Com-*. munidade, e Prelados, que deffemfoldadosvcftidos, armados, e pagos Tua cufta, para fora,; do Reyno. Ultimamente pertendia tirar de Portugal toda a nobreza, todas as armas, e foras para a guerra d Cataluna; para o obrigar affim exhaufto, dermado, e ugeito ao que quizefTem. Avaliaro as fazendas de todos os Portuguezes, para as quintarem : mas amotinoufe vora^ refitira os povos de Alem-Tejo, e logo todo o Reyno c o m que ceflra outros muitos tributos, de que eftava j provifocns .pelas Co-: ; ' marcas.
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marcas. Crefeia as rendas Reaes c o m tributos por h u m a parte, e por outra multiplicava-fe as perdas: deftrua-fe a Monarquia, e tudofegaitava e m appetites: filtava as armadas, e nos tanques do Retiro navega va baixeis. Triunfando os Hollandezes de Epanh pelas companhias, que contra ella levantava ; a da noffa ndia fe confiimio, e deppareceo, fem os povos receberem ganho, n e m fe lhes reftituir fe quer, o que lhes tinha feito contribuir, n e m fe tomar conta aos Miniftros, que o devoraro. As necehdades, e m que nos punha c o m efte m o d o de governo, tomava por achaque de novas impofioens para as remediarem-, do caftigo fazia remdio, para que at o remdio foTe caftigo. O s Juizes Caftelhanos julga va, e fentenceava os Portuguezes, que fe acha va e m C a f teltaj e elles tinha e m Portugal Juizes Caftelhanos. Ghamava a Madrid as demandas dos Portuguezes ; cmettia-nas a Juizes Caftelhanos; e fe algum refiftia a ifto, era punido. Q u a n d o fe lhes devaava de algum cafo commettido nefte Reyno por Portuguezes, e Caftelhanos ^ pagava tudo os Portuguezes, fe hia culpados, e os Caftelhanos era remettidos a feus Juizes, que fempre os abfolvia livres de culpa, e pena. Inventa-
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vcntara h u m a companhia de S. Diogo,, onde fe matriculava c o m quantos delles defeendia ; para que gozando dos privilgios de izento, fenao extinguiffe o n o m e Calelhano, antesfeaug-* mentaffe entre ns, e foffe mais elimado.,- e ap-< petecido. Punha olheiros Caftelhanos nas nols, Alfndegas, na os havendo Portuguezes nas de Caftella e m noflb favor, fendo h u m Miniftro Caftelhano tido por menos limpo de mos, que cem Portuguezes: e applicava-fe a h u m f delles mais ordenado, que a todos os Miniftros noffos do Tribunal, e m que fe punha, efeJhes pagava defta Coroa. Faltaro-nos c o m as promefas ds nos libertar nos direitos dos Portos fecos; e c o m outras mil de huns, e outros, que na conto^ Levaro para Caftella o provimento dos Corregedores , Provedores, e Juizes do primeiro ban? co, para os fazerem dependentes,, e os divertirem para l: tudo contra o promettido, e jurado* Faltou-fe Real Caa de Bragana c o m algumas preeminencias, e cortezias devidas fua grandeza, e concedidas por Reys pafldos. Entregaro o mcno deite R e y n o ^ & feu total governo a dous Miniftros, cunhado, e genro, quecorref pondendo-fe h u m e m Madrid, e outro e m Lisboa, c o m intelligencias diablicas, nos tyrnizava. Puze ra
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zera por Vice-Rey a Duqueza de Mantua ef trangeira, e que na era parenta do R e y n o gro, que fe requeria para tal governo: puzera-lheCollaterais, e Confelheiros Caftelhanos, que fe na doefem de ns dependentes, para que fugeitaTemfeusvotos. Fizera que todos eftes votos foflm fechados, e fecretos, para que fe pudel attribuir aos tais votos tudo,o que tyrannicamente ordenafTem. Afim fe fizera os dous fbreditos, cunhado, e genro, c o m o o valido, fe-* nhores abfolutos. DiTe o Rey Filippe h u m d ao C o n d e D u q u e a folas: Que haremos con efios Portuguezes i li acabaremos con ellos de una vez? O valido, que fabricava'fazemos Caftelhanos, e Provncia, para affim nos extinguir, repondeo: Vexe V. Magefiad efio a ?ni cuenta, que yo fe le dar buena dellos. Manifetou ifto h u m Grand e , de q u e m enta fe na acautelara pela defeftimaa da idade. > * ' -, = Affim fe portava Caftella c o m Portugal n o governo temporal, e meno da Poltica de feus Eftados. E que direy do que obrou contra o go^verno epiritual, e Ecclefiaftico ? N a s duvidas, que fe movia c o m os Colleitores, fe dvamos fentena e m favor da Igreja, ramos privados por Caftella dos cargos, fe contra ella, dexavanos etar* excmun-
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excniungdos, e com interditos, fem remediar* nada7, para que na f os corpos, fenao tambm) nofts almas padceTem. Tirava dinheiro, das pefoas' Eccleiafticas c o m eperan as, q u e lhes dava dignidades:.. n e m tivera pejo deprovocan os Bipos c o m cartasy que ao que mais dfe levantaria c o m mayores honras , e dignidades^ N a f e tinha porillicito, n e m indecente, o qu trazia comfigo algum lucro: e daqui vinha darem-fe os prmios da virtude. maldade, porqu tinha efta dinheiro, c o m que as comprava. Os depofitos das Ordens militaresy que reultava, das comendas vagas, conumia-fe. e m ufos. profanos, contra os Breves Apoftolicos. Promettia^ fe as comendas, antes de vagarem. Osrendimep^ tos das Capellas, os legados pios, e at das Mifi s das Almas fe tomava a titulo de emprelimo \ e a reftituia era e m trs pagas, de tarde, mal, e nunca. As Capellas era prmio, de q u e m as accuva, eficava as Religioens perecendo, e s Almas do Purgatrio fem fuffragios penando. porque o colleitor Caftra Cani refilip a ift, c o m o Miniftrofielda Igreja, foy prezo, arrat tado, e deftcrrado c o m grande affronta de todo o Eftado Ecclefialico, e efcandalo da gente Catholica. D a rpidencia dos Prelados nenhum cafo
fe
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f fazia, gaftando-os e m minifterios temporais c o m grande d a m n o efpiritual de uas ovelhas. A ulla da Cruzada fe applicava a outros ufos fora da defen de frica, para que foy concedida: at das rendas da Igreja tomava fubfidios, e mezadas : para alguns pediro Breve, allegando que os povos queria, fendo afim, que recla-. mara, fempre. Multiplicava as proviens das Mitras, c o m que hia muito mais dinheiro para R o m a , e elles multiplicava as fimonias. E eu tenho dado conta das injuftias, c t roubos, que Caftella executou e m Portugal; e porque eftou j rouco de repetir tantos, deixo muitos mais, e concluo c o m a minha confequencia, de que, q u e m tjtez, que nao faria ? Q u e m teve unhas ta farpantes para defl ruir h u m R e y n o , que appellidava feu, peores as teria para o agarrar, ainda que lhe conftaTe, que era alheo. E e m conclu: -Caftella fe tem havido e m tudo c o m Portugal ta derrezoada, e cruel, que lhe pudera dizer Portugal, o que na Ilha de C u b a diTe h u m ndio Regulo Cacich chamado Hatuey, atormentando-o Caftelhanos, queimando-o vivo. c o m fogo lento,, para que lhes dTe ouro : cathequizava-o h u m Religiofo de S. Francifeo nefte eftado, e tendo-o j reduzido a receber
o bau-
(I2) obautifmo, para hir ao Ceo: perguntou, fehia l Caftelhanos? E repondeo-lhe o Religiofo, que fim , diTe, que na queria receber o bautifino, n e m hir ao C e o , por na ver l ta m gente* Fr. Bartholomeu das Cazas Autor Caftelhano, e da O r d e m dos Pregadores, refere efte exemplo c o m outros muitos das crueldades, que ura em ndias: e ns dizemos, na tanto como. efte Regulo, mas pelo menos, que na queremos nefte m u n d o trato, n e m commercio c o m tal gen* te j e affim m e defpido delia, e de uas unhast para continuar na emenda das que nos toca.
CAPITULO
XVIII.
Vos ladroens, que furtao com unhas pacificas. NAs Republicas, que logra muitos annos paz, na ha duvida, que c o m a ociofidade fe fomenta , e cria vicios; porque c o m o as charnecas , onde porque nunca entra nellas a fouce roadoura, tudo fao malezas. Mal grande he a guerra, mas traz hunf b e m comfigo, que
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qe traz a gente exercitada, e divertida d alguns inales mais perniciofos, e h u m delles he o de fur-' tos domefticos. E daqui v e m na haver no temp o da guerra tantos ladroens formigueiros, n e m de eftfdas, c o m o no da paz; porque os que tem inclinao a furtar, applica os damnos ao inimig o , onde na temem caftigo, e deixa a fua Republica ille. M a s c o m o na ha eftado, n e m tempo, que efeape defta praga mais, ou m e nos , todos os tempos tem unhas, que os infef ta, afim na paz, c o m o na guerra-,defta diremos logo: da paz digo agora, que na elou b e m c o m ladroens,que furtao metendo epinguardas no rofto, deparando piftlas, esfolando caras, c o m o o ladro Gaya, e o Sol Pofto, que hia s ef tradas mais para matar, que para roubar. Mais humanos , os que c o m boa paz udando a gente lhe pedem a bola por bem p arafeumal. Tal foy aquelle, que na charneca de Alda Galega pondo chapos pelas moutas c o m pos, que parecia epingardas de longe, pedia ao perto* aos paffageiros c o m cortezia da parte daquelles fenhores, que lhesfizeffemmerc de os foceorrer c o m o que podeTm : e afim dava quanto trazia, para que os deixaTem paffar e m paz: e tais era, os que e m tempo de Caftella pedia do-" L ii nativos
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nativos pelas portas a titulo de foccorros, eempreftimos, fem nos porem os punhais nos peitos: mas q u e m na dava at a camiza, quando outra couza na tiveffe, fempre ficava temendo o tiro, que fere ao longe. Pedir emola c o m potncia , he pedir foccorro nas etradas publicas c o m carapua de rebuo , e armas deftra, he querella levar por fora, e c o m unhas pacificas. Outro houve ta pacifico , que fazia exhibir aos paffageiros o dinheiro, que levava : e logo lhes perguntava , para onde hia ? E lanando as contas ao que lhes bailava para a jornada , iffo lhes reftitua , c o m nunca Deos queira que voffas mercs lhes falte o neceTario para feu caminho , e c o m o mais ficava. Trs furtaro e m h u m a feira de m a c o m u m outras tantas peTas de panno de Unho, duas c o m trinta varas cada h u m a , e a terceira de trinta e feis. Ficou-fe h u m c o m ef ta, porfero capatz, e deu aos companheiros as outras, a cada h u m fua : achara-fe defraudados nasfeisvaras, que levava de mais, e arguira-iio, que na guardava igualdade, n e m jutia, com tafieiscompanheiros. Refpondeo que tinha raza , e que na era elle h o m e m , que fe levantaffe s mayores c o m o alheo ; e partindo as feis varas deu a cada h u m duas dizendo: Ajude Deos a cada
a cada qual c o m o cpc he Ccu prorata. T a pacificas c o m o ifto tinha efte ladro as unhas. Por. mais pacificas tenho as unhas dos que paffeando c m Lisboa vencem praas nas fronteiras -y podemo-los comparar c o m as rameiras , que cheirando aalmifcar, e fazendo praa de lizonjas, e afagos, eftafa as mais inexpugnveis bolas, e efcorcha: os mais privilegiados depofitos. r. i i N a fey, fe pertencem a efte Capitulo as piratagens-yque.feu por effes Almoxarifados, e Alfndegas de todo o Reyno nos pagamentos dos juros.,.tenas-, e mercs, que fobre as rendas Reae^fe.ea>rrega.V a os acrdores pedir os quartis ra feu tempo, e a.repofla ordinria, que acha , he : N a ha dinheiro , e c o m efte cabe p e m dei r at aos mais poderofos requerentes: m a s fe apertados da necefidade, que na tem ley, promettem a ametade do quartel, ou a tera parte, logo lhesfobeja, e vos depacha, paTandolhesvs pirovimento, ou eferito, de c o m o recebeftes tudo , e afim o carrega na depeza, tirando para fi do recibo as refultas, c o m que fe guarnecem e m beila paz livres de demandas, e contendas. B e m conhecido foy nefta Corte h u m h o m e m honrado, que fe fez dos. mais ricos delia . . pela maneira feguinte. Lanava nas rendas Reaes-p
L iii
fem-
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fempre mais que os outros, e poriTo fempre as levava: mas punha' no contrato h u m a clauula, de que na fe fazia cafo, porque pagava adiantad o , e era de muita importncia para elle, que lhe havia de aceitar nos pagamentos a tera parte e m papeis correntes. Divulgava logo/ quo q u e m tivefe dividas para cobrar delRey, que vielTcm ter c o m elle, e que viftadhas pagaria^ fe foTem de receber os crditos deltas. Chavla-lhe e m caa os acrdores , que fempre os hadefef perados de nunca cobrarem, porqueaa fazenda Real he parte rija: via-lhes os papeis; 'marchava e m todos: concertava-fe por fim de contas , qi lhes daria a ametade , e tais havia, que por cem mil reis lhe larga va papeis lquidos de mil cru-* zados, e por mil cruzados lhe largava facilmente dous contos-, e por efta arte ta quieta, ^e pacifica , fem fe abalar de fua caa, veyo a medrar mais, que os que leva grofos cabedais ao^ Brafil; e navega c o m grandes rifcos ndia. Venha aqui o D u q u e de Lerma, que com grande valimento, e mayor paz governou a M o narquia de Epanha por muitos annos, livrando todos feus Eftados de muitas guerras. A traa, que tomou para ta louvvel empreza y - foy < le furtar h u m milho Coroa c o m approvaca
de
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do Rey todos os annos, e efte deperidia e m peitas, c o m que comprava o fegredo de todos os Reys, Prncipes, e Potentados da Europa: tinha e m todas as Cortes da fua m a h u m Confelheiro, que lhe correfpondia c o m os avifos de f tudo, o que fe tratava , e a cada h u m dava poriTo cincoenta mil cruzados, que era muito boa propina. Corria eftes cannos muito occultos; e tanto que tinha affopro, quefemaquinava guerras , logo lhes divertia a gua c o m cartas, e embaixadas a outro propoito ta b e m armadas-, que dermava tudo, apagando temores, exr tinguindo ufpeitas, e grangeando de novo amizades : tanto monta a deftreza, e ardil de h u m b o m Miniftro, gaz, e prudente! E afim dizia efte ao feu Prncipe: Senhor as couzas levadas por m a l , arrebenta e m guerras, e levadas por b e m , florecem c o m paz. H u m anno de guerra gaita muitos milhoens de dinheiro , abraza muitas fazendas de particulares , extingue muitas vidas dos vallos: e a paz futenta tudo e m p, a , e illefo: e c o m h u m milho, quefegaf ta cada anno e m peitas, compramos efte b e m ta grande, e nos livramos dos gaftos de muitos milhoens , e das inquietaons , que traz eomfig a guerra. Nefte pafo m e pergunta o L iv curiofo
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curiofo Leitor: aonde efta aqui as unhas pacificas ? Perguntaftes b e m : mas reponderey melhor: que efta nos Senhores Confelheiros, que gualdripara o milho a cincoenta mil cruzada* cada h u m , vendendo por elles ofegredodos feus Prncipes, que he h u m a joya, que na tem pr^ porque depende delle o augmento dosfeusEfta-. dos, que muitas vezes fe apoya na execuo prompta de h u m a guerra juta. M a s podemos-lhe dar efeuza nas confequencias da paz, que fempre he mais proveito para os povos-, cujo b e m , e confervaa deve ter fempre o primeiro lugar nos difcuros de todo o b o m governo, fe na trouxer comfigo mayor perda, c o m o a c o m que nos enganou Caftella. Alguns Efladiftas tivera para fi, que fora grande ventura paffar a Coroa de Portugal a Caftella pela paz, c o m que nos confervava fua potncia dentro no Reyno. H e verdade, que na entraro c inimigos c o m exrcitos , que nos inquietaffem o fomno: mas l lavrava ao longe a concrdia inimiga, e c o m o lima furda nos hia gaitando, e confumindo, fem darmos f do d a m n o , fenao quando j quai que na tinha remdio. Deos nos livre de tal paz: paz fingida he peor , que guerra verdadeira, e efta he melhor ; porque a boa guerra faz a boa paz.>
A boa
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A boa paz he a melhor droga , que nos trouxe o comercio do C e o terra, e c o m o tal a appau^ ira os Anjos e m Belm depois da gloria de Deos: poriTo he b e m que digamos os frutos delta, e os documentos, c o m que fe grangea.
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'
C A P I T U L O
XIX.
Profiegue-fie a me fina matria, e mofira-fe , que tal deve fer apaz, para que unhas pacificas nos nao damnifiquem. OOfticio do Prncipe he procurar , que feus vaTallos viva e m paz : e porifo quando ojura, leva na m a direita o Cetro, c o m que ha de governar o povo e m paz. Os R o m a n o s trazia o anel Militar na m a equerda, que he a do efcudo , para denotar, que as Republicas b e m governadas tem mais neceffidade de fe defenderem , para confervarem a paz, que de offenderem a outros para acenderem guerras. O alvo de todo o governo poltico deve fer fempre a pazj porque a guerra he caftigo de peccados: e afim
afim fe devem confiderar fempre as cufis, ou houve para fe'romper a paz-, e tratem de as reparar. Para fer firme a paz ha de procurar,; os que a fazem,. de terem a Deos propicio x c itello* h a , fe lhe pedirem, que lhes d juzo, e entendimento para adminiftrar jutia. Ser a paz de, dura,- fe as condioens delia forem honeftas, e fe fe affentar c o m vontade verdadeira fem enganos. Melhor he a paz c o m condioens honeftas,que guerra perigo c o m intereles -incertos. Q s Lacedemonios, e Athnienfes dizia : Prpuvefle a Deos que nols armas eftivelrn fempre cheas de tas de aranhas. Q u e m trata de p a z , fe a na puder concluir, faa pelo menos trguas 5 porque por meyo das trguas fe alcana muitas vezes a pazj porque da tempo a fe confidef^ rem,; e alcanarem de ambas as partes os inconvenientes da guerra : e deve-fe advertir, f q u e m pede a paz, he gente i de fua palavra : e q u e m eft vitoripfo; deve^onedella, porque fe lhe admit^ tem' mais facilmente as condioens que quer. A guerra faz-fe para ter paz, e poriTo he melhor fempre admittir efta, que fizer aqueila,. As condioens da paz a de grande m o m e n t o para Ter de dura. O s Romanos na paz, que fizera c o m os Carthaginezes, puzera-lhes por condio,,' ] l " que
(iyi))
que lhes entregaTem' a armada;,;-;que - tinhape": puzera-lhe o fogo, eficarotodos quietos. Ning u m fe deve fiar muito na paz feita c o m inimigo porfiado j porque a malcia., e a ambio c o m pretexto de paz ?fei valem de enganos, e ^cautelas ,> peores que a guerra : -e poriTo o Prncipe prudente no tempo da paz na deve deixar- os enfayos da guerra, e exerccios militares; netn que osfeus vatallos (fe d m ao oc > , ! e regalos >, porque , c o m o diz Tito Livio, na fazem tanto damn o Republica os inimigos y rquanto fazem os regalos, e deleites. N a mayor paz ter as armas , e* armadas''preti;enfra os inimigos-. Paz deformada tije Criais arrifeada, que a mema guerra, N a efta,OCQOS O S galeoens no eftaleiro, n e m asf armas c o m bolor nos. armazns: dalli fem fe moverem, efta reprimindo os mpetos do inimig o , que fe acanha f c o m cheirar, que ha de achar refiftencia. O Emperador Tutiniano tem, que os Prncipes ha de eftar ornados c o m as armas da guerra, e armados c o m as leys c i t a paz, para governarem b e m os povos, que tem a feu cargo. Comea a ruina de h u m a Republica c o m o deprezo das leys1; onde acaba o exercido das armas. Q u a n d o Xerxes rende Babylnia, na matou, n e m cativou, os que lhes refiftira : mas
O
(172) f mandou para fe vingar delles, que na* exerci taTem mais as armas, e que fe occupaffem e m tanger, cantar, e danar, e e m ferem jgrais^ e taverneiros , e c o m iftoconfeguio,f que-agen- te daquella Cidade ta infigne norrniindovfoffe vil , e fraca. Tal foy a' paz j que o governo deFilippe trouxe a Portugal c o m o perdo geral; que deu a todos os que lhe refiftira : e houve Eftadiftas ta bios /> que' tivera iflo p o r felicidade. <>: i* v' y- >" *! " > D a maneira que os corpos, e fublancias terreftres nafcem, crecem, e morrem v e> quando na tem de fora, f quem os gafte /ndenffo e m fi cria, q u e m as confome :./afim as Republicas quando na tem inimigos de fra v dentro! em.fi cria, q u e m as deftroe. Dizia o Emperador Car-. los V . que da maneira, que no ferro nafee a ferrug e m , que o gaita, fe o na, u, e no po o gurgulho, que o c o m e , fe o na m o v e m , e at o mar fe corrompe e mfim e m o , onde lhe falta as mars que o abalem \ afim nas Republicas nafcem bandos, e diTenoens, que as inquieta, e confomem, fe c o m a paz deixa entrar ncllas a ociofidade. O Prncipe dos Filofofoshocap. y.* lib;. 5. da fua Poltica adverte trs coutas.partos da ocior (idade, que aTola as Republicas. 'Primeira: admit^ tirem-fc
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tirem-fe poucos ao governo, havendo muitos dignos. Segunda: exclurem os ricos viciofos aos pobres virtuofos. Terceira: levantar-fe h u m valido c o m o meno de tudo. D e tudo refulta, que c o m tyrannia fe izenta, c o m ambio rouba, e c o m foberba atropela os inferiores; e fazendo-fe odiofos m o v e m revoluoens, c o m o e m nuvem prenhe de exhalaoens, que na focega, at que( na arrebenta c o m trovoens , e rayos , aTolaoens, e runas. Plato diz que a Xepublica* ocio cria muitos pobres, que logo da e m la-droens, ecrilegos, meftres de maidadesV C o n v m que afim c o m o as abelhas na cnfentem zangas na ua Republica; afim os que governa anoffa, na devem confentir. gente ocio expofta a vicios , novidades , e inquietaoens. Ariftoteles , que fempre contradiz a feu M e ftre Plato, afirma que mais mal fazem Republica os ricos no tempo da paz , que os pobres y porque c o m o poder e eximem da obedincia das leys , e c o m a ociofidade efta preftes para motins, e c o m as riquezas aptos para os futentar: impedem a reformaa dos oftumes., relaxa a modeftia do povo c o m gaftos perfluos. n o comer, e vetir, incitando o vulgo a defobedecer. E fe o Prncipe os na vigiar para os trazer; a todos
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a todos e m regra c o m temor, e amor, drlhe-ha^ c o m a Republica y e c o m a Monarquia atravz, e vem aferconfequencia infallivel, que peccados pblicos tolerados afota ^as Republicas como fogo: na os dos Reys, os que fazem o mayord a m n o , fenao o defcuido, c o m que tolra as demazias dos povos, que Deos caftiga com Pharaes, Caligulas, e Neroens, que lhe fervem de algozes : e quando o Prncipe he b o m , permitte, que tenha Miniftros tais, c o m o eftes E n v peradores, eque os na pola atalhar, porque o engana c o m a hypocreia mafcarada c o m cor de virtude, e zelo. Livrarfe-ha deftes enganos,, farfe-ha admirvel, e florecer invencvel o Rey[diTe h u m Sbio] que guardar inviolvel quatro*" leys. Primeira, que na confinta que os grandes o p p n m a o aos pequenos, e lera tido por jufto.*: Segunda, que na difimule nenhuma defobediencia, por leve que feja, fem caftigo pezado: e farfe-ha temido. Terceira, que na deixe paflfnenhum fervio fem prmio: e fera b e m fervido* Quarta, que ningum de fua prefena fe aparte deconfolado : e fcr de todos muito amado. E h u m Rey jufto, temido, b e m fervido, c amad o , confervar fua pefoa fegura, feu Imprio > inexpugnvel, fua fizenda c o m augmcntos, e eus
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feus vafTallos fem faltas. E e m chegando a eftd auge, lograr propero feu Cetro e m paz, livre dos damnos, e unhas, que chamamos pacficas.
CAPITULO XX.
Vos ladroens, que furtao com unhas Militares. SAnto Agotinho lib. i. de Civitate Vei cap. 3 j diz, que afim c o m o os Mdicos cura aos doentes c o m dietas, evacuaoens, fangrias, e fogo , afim Deos cura os peccados do m u n d o c o m fomes, que as dietas, c o m peites, que as evacuaoens, e c o m guerras, que o as ngrias, e o fogo. E v e m a fer os trs aoutes, que Deos moftrou a David, c o m os quais cof tuma caftigar os homens: e por mayor fe pode ter o da guerra -, porque a nada perdoa, tudo leva, grado, e profano, fazendas, honras, e vidas. E c o m o na gua envolta acha mayor ganncia os pefcadores , afim nas revoltas da guerra acha mais, e m quefeempolgar fus unhas, que chamamos Militares. N a reftauraa da Bahia entre-
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entregou o Monarca dous, ou trs milhoens a D . Fadrique, de Toledo para as depezas dx guerra. H o u v e depois degoftos entre elle, e o Conde de O li vares, que governava tudo: e ajudando-fe efte do valimento para fe vingar do Fadrique, mandou-lhe tomar contas ^ e alcan* ando-o e m meyo milho apertou c o m elle, que o pagaffe, ou dfe defearga: deu elle efta em h u m a palavra, que gaitara o refto e m MiTas s Almas, e m emolas, e obras pias, para que Deos lhe dTe a vitoria, que alcanou, que muito mais valia. E pudera dizer tambm, que grande parte fe foy por entre os dedos das unhas rnilit& res, que a forveraj porque o dinheiro, que corre por muitas mos, he c o m o o pz, e breu, que logo fe pega aos dedos, e mete por entre as uhas. Sera eftas por ventura fua, ou degraa noTa as unhas dos pagadores -, os quais fe fe manc o m u n a , ou decuida huns dos outros , na volta de duas planas fazem tal revolta no dinheiro delRey, que o deixa e m paffamcnto, e os Toldados e m jejum, fazendo-lhes de todo o anno quareina ? Se na eftas, pode fer que ajudem-, porque efcrevenio defpezas, onde na houve recibos dos foldados, recebem para fi todos os ref tos.
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tos, que c o m ferem grofos, na fe enxergao* no fim das contas," quecapa fua malcia corri' titulo de milcia: e ficando efta ta defraudada n o cabedal, e poriflo nosfoldados,vale-fe tambm das unhas, que mais propriamente a Militares, para que na falte aos foldados o neeeflario, e t a m b m o Tuperfluo; e daqui v e m , que o.mef m o he fer foldado, que na vos fiardes delle. T e m a guerra grandes licenas , na lho nego, mas nunca he licito fazer preza no alheo fem titulo , que cohonefte a pilhagem ., e na pode haver efte, onde fe na falta c o m o neceflrio. O s povos concorrem c o m o tributo das dcimas para a fftentaa dos foldados, que he baftante,- e de fobejo -, e poriTo osfoldados. obrigados a defender os povos, que na padea injurias > damnos, n e m perdas. E fobre efta obrigao y hirem da mefma milcia unhas, que deftrua os povos, he grande injutia, a qual vem. a ca^diir, fobre os que occafiona nos foldados c o m defeito das pagas tais necefiidades, que os obri-\ ga a bufear iremdio para na perecerem- < e f o quefelhes offerecc logo mais m a , he meter arma at- o cotovello pelo alheo, quando fe lhes faltatcom prprio. Meta todos os Miniftros, Cabos : , e Oficiais as" mos e m fus conciencias, M e acha-
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c achar, que tanta pena c o m o o ladro rnere^ ce, q u e m lhe d occafia femelhante para o fer. E fe achar que fallo efeuro, na m o tache -, porque o tempo anda carregado -, acenda h u m a canda no entendimento, e ver logo, que he obrigado a reftituir, na f o que embofou, mas tambm o que o foldado furtou, por elle lhe na pagar. N a os pagadores, nem os foldados os, os que joga unhas militares: tambm os fe-* nhores Capitaens, c Cabos mayores tem iias unhas, tanto mayores, quanto o os cargos. Offerece-fe h u m deftes a Sua Mageftade, que lhe d h u m a gineta, e que elle levantar a Bandeira de infantes iia cuta. Contenta o alvitre no Concelho, porque forra de gaftos a fazenda Real: bbe a confulta -, defce a provi : parte o upplicante c o m ella, aguarda duzentos, ou trezentos mancebosfolteiros,filhosde pays ricos, e pouco poderofos: chovem interceffoens, e lo-f go as peitas, para que os largue : vay largando os que da mais, na por effe titulo, mas porque diz lhe prova que tem o pay aleijado, a m y cega, ou irmas donzellas: e o menos, que tira de duzentos, que liberta, quinze, ou vinte mil reis por cabea 5 e ajunta afim quatro.
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tro, ou cinco mil cruzados: gafta delles mil c quinhentos, quando muito nas pagas, e comboy de cem infantes, que na fe pudera livrar da violncia por miferaveis, efica-fec o m trs mil cruzados de ganncia ao menos, c o m que vay luzindo na marcha, e p e m e m ps de verdade, que tudo he fiia cufta: e deite fervio, e outros femelhantes faz outra unha, c o m que alcana- h u m a comenda. E c o m o eftas pilhagens tem propriedade de crefeerem ao galarim, v e m a engrofTar tanto , que por meyo deltas d caa a officios, e benefcios, c o m que enche, e ennobrece toda a fua gerao : e vem a fer tudo deftreza fua; que aonde outros acha a forca, por furtarem fem arte, elle acha thronos c o m eperanas de mayores accrefeentamentos. N o s Vice-Reys d a ndia vimos e m tempos panados exemplos deita fortuna properos, e trgicos $ porque os que l na furta va , para c remirem fua vexaa, ^morria no Caftello c o m ruim nomeada; e os que trazia milhoens furtados, de tudo fe efeoimava galhardamente c o m n o m e de muito inteiros. Emfim o que reza efte pargrafo j na cor-v re. Seria immenfo, fe quizefe egotar aqui todas as unhas militares, afim e m na pagarem o que devem, c o m o e m cobrarem o que na he feu, M ii ajudan-
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ajudndo-fe para iffo da jurifdia das a r n m Acabo efte capitulo c o m h u m a habilidade dos ATentiftas, e contratadores, a que poucos da. alcance , e nenhum o remdio. H e certo e m todas as economias humanas, [ e tambm nas divinas ] que quem mayor cabedal mete, .mayor* prmio merece: e poriTo ningum repara nos grandifimos lucros, que os ATentiftas colhera da obrigao que toma de prover as fronteiras -y porque fe fuppoem que emprega niffo ao me-! nos h u m milho de dinheiro 5 e a h u m milho de emprego claro eft que deve correponder h u m grandiofo lucro ; e tal lho deixa recolher;, femfeadvertir, que he mayor o arruido que as nozes j porque cem mil cruzados, que tenha de cabedal, bafta , efobejapara todo o meiio de dous milhoens. :E he afim , que Sua Mageftade lhos vay pagando pro rata aos quartis dentro no memo anno; de forte,, que quando os acaba de gaitar, os acaba tambm de cobrar: e a diffi-^ culdade eftfno principio, e no primeiro .quartel das pagas, que fe fazem antes de cobrarem da fazenda Real alguma cou ; e para darem principio s primeiras pagas da milcia , bafta os cem mil cruzados, que temos dito, c o m que entra de cabedal: e quando na cheguem ao fiado,
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fiado, e ao puxado, remedea primeiro quartel ; e quando vem o fegundo, j tem cobrado das confignaoens delRey, o que baila para navegar por diante, e fupprir atrazados , e afim fazem os gaftos c o m a fazenda Real, e cuida o m u n do , que os fazem c o m a fua, e que poriTo merecedores do que ganha, que he mais que muito. Alvidrem agora l os Eftadiftas,fehe mayor guerra, a que nos faz o inimigo nas fronteiras c o m ferro, e fogo, fe a que nos fazem eftes amigos c o m o dinheiro.
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CAPITULO XXI.
Mofira-fe, *// onde chegao unhas militares, e como fe deve fazer a guerra. E a guerra hum de trs a coutes, com que Deos caftiga peccados nefte m u n d o , ja o diTe : e poriTo traz comigo grandes trabalhos, afim para quem a faz, c o m o para q u e m a padece j e h u m dos mayores he o dos latrocnios, e pilhagens, que de parte a parte, e ainda entre
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(182) fi as partes exercita. E porque nem tudo "o que fe toma he furto, e na guerra muito menos, declararey tudo, o que permittem as leys da guerra , e logoficarclaro, at onde podem chegar as unhas militares. J que o Reyno de Portugal he ta guerreiro, que nafceo c o m a epada na m a $ armas lhe dera o primeiro bero, c o m as armas crefeeo, deltas vive, e vetido deltas c o m o b o m Cavalleiro ha de hir para a cova no dia do Juizo $ b e m he , que iba tudo, o que permittem , e tambm o que prohibem as leys verdadeiras da guerra, que ordinariamente tira a confervar o prprio, e deftruir o alheo, para que c o m a potncia na deftrua o contrario. H e erro cuidar, que ha prohibia de guerra entre Chriftos 5 e he herefia dizer que he intrinfecamente m o , ou contra a caridade fazer guerra : porque ainda que fe iga delia muitos males, ta menores, que o m a l , que c o m cila fe pertende evitar. A guerra, ou he aggref /fiva , ou defenfiva. A defeniva na 10 he licita, mas he obrigao fazella: he licita pelo preceito natural : Vim vi repellere licet. E he obrigao, fezella, q u e m tem a feu cargo defender a Republica. A aggrefiva na he m o fazer-fe, antes pode fer b o m , e neceflrio na he mo,
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m o , porque temos muitas na Sagrada Ecriptura mandadas fazer por D e o s ; e he neceffario fazer-fe, porque a raza a dita para evitar injurias. Para qualquer deltasferjuta, neceTarias trs circuntancias. Primeira, que Te faa c o m poder legitimo^ fegunda, comcau-, terceira', que fe guarde a moderao devida. S o R e y , ou Prncipe , que na tem Superior , e feus Miniftros c o m vontade expreffa, ou preTumpta de Tua cabea , p o d e m fazer guerra; porque lhes pertence a defen. O m e m o dizemos dos Eccleiafticos, que tem poder upremo no temporal; porque milita nelles as mefinas razoens, e na ha direito, que lho prohiba: e c o m o p o d e m pr Juizes nos Tribunais , que fentenceem cauas criminais , pod e m pr exrcitos e m c a m p o , que confervem ille a ua Republica -y porque na intcnta c o m ifo direitamente homicdios, fenao adtos de fortaleza, que he virtude. M a y o r duvida h e , fe p o d e m os Ecclefiafticos tomar armas, e pele^ jar ? N a guerra defenfiva na ha duvida, que podem-, porque o direito Natural permitte, e o Pofitivo na prohibe aos Ecclefiaiticos defenderem fus vidas , e fazendas. A guerra aggreli-vahe prohibida pela Igreja aos de Ordens Sacras,
iv
por
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por r indecente ao eftado : mas dado, que* quebrantem efte preceito, na fera obrigados a retituir o que pilharem , fe a guerra for jufta ; porque ainda que pecca contra Religio, na; pecca contra jutia : e pela mcma raza na fica irregulares, fe na matarem peffoalmentey c o m o n e m os que exhorta peleja , ou aconfelha aos feculares, que va guerra. Se a guerra for injuta , todos fica irregulares, at os feculares, e os que na cmetterem homicdio, porque baila, que o corpo do exercito o cmetteffe. O Papa pode dar licena aos Ecclefiaticos para militarem, porque pode difpenr nos preceitos da Igreja : e e m tal cafo na incorrem irregularidade , porque difpenfados n o principal, fiV ca livres no acceforio. O Papa ainda que na tem juridia temporal fora do feu domnio, tem direito para avocar afias caufas da guerra dos Prncipes Chriftos, e julgalas, e fao obrigados a eftar pela fua fen&ena, fe na for injuta: e daqui v e m que raramente uccede fer jufta a guerra entre Prncipes Chriftos, porque tem o Papa, que pode determinar fus caufes : mas muitas vezes na convm interpor o S u m m o Pontfice fua authoridade , para que na fe figa outros inconvenientes m a ; yores,
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yores, qual feria rebellar contra a Igreja a parte desfavorecida : e e m tal cafo na obrigados os Prncipes a eperar definioens do Papa, n e m pedillas, e p o d e m levar a couza por fora de armas 5 e fica de melhor partido para a conciencia o Prncipe, que na deu occafia ao Papa, para fe abter no juizo da tal demanda. A guerra, quefefaz fem legitima authoridade, he contra a jutia, ainda quefejac o m cau legitima-, porque o ato feito fem juridia na he valiofo : e fera obrigado a retituir os damnos da guerra, q u e m a faz, fe na recompenou c o m elles alguma perda, que o inimigo lhe tivele dado. Se o Papa prohibir ao Prncipe a guerra , c o m o contraria a o b e m c o m m u m da Igreja, peccar contra jutia o Prncipe fazendo-a, e fera obrigado a retituir os damnos ; porque no tal cafo j na tem titulo para levar a couza por fora, pois eft dada fentena. A Gentilidade antiga teve para fi, que baf tava para fazer guerra o titulo de adquirir n o m e A e riquezas; mas ifto b e m fe v , que he contra o, lume natural ; pois nunca he licito tomar o alheo fem cau, que o poTuidor dTe. A trs cabeas fe reduzem todas as caus juftas. Primeira : e h u m Prncipe toma a outro, o que na he feu.
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feu. Segunda: fe caufou le grave na fama, ou na honra. Terceira :fenega o direito das gentes, c o m o a palagens, e comrcios -, porque o Prncipe tem obrigao de confervar osfeusillefos neflas couzas. D a mema maneira pode foccorrer o Prncipe ao que fe meteo debaixo de ua tutela, fe tiver alguma deltas caus por fi. Q u e m fizer guerrafernalguma deltas caus, pecca contra jutia, fica obrigado a retituir os damnos: e tendo cau jufta, fe fe feguirem da guerra m a yores damnos fua Republica, que lucros ua vitoria, na pode fazer e m conciencia a tal guerra , porque he obrigado a olhar pelo mayor b e m da ua Republica : e na fe fegue daquiferneceffaria certeza da vitoria, porque efta he contingente, e menor poder a alcana muitas vezes. O s Prncipes Chriftos p o d e m fazer guerra aos Prncipes infiis, que impedem s uas Republicas receber a Ley de Chrifto ; porque nefta parte defendem nnocentes, que tem direit o para a tal guerra pela injuria, que fe lhes faz. E por efta via conquiftou Portugal os Reynos , e Eftados, que tem Ultramarinos. O exam e das caus da guerra pertence ao Prncipe, ue a faz, e na aos VaTallos: os Confelheiros obrigados a tomar plenrio conhecimento de todos
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todos os fundamentos , porque a Republica he c o m o o corpo h u m a n o , onde cabea pertence o governo , e aos mais membros obedecer-lhe. Se a matria, de que fe trata, for duvido igualmente por ambas as partes, prevalecer a que eliver de pofe j porque affim fe j ulga as demais caus cveis e m todos os Tribunais , e Te nenhuma das partes eliver de poffe, partirfe-ha a contenda, fe for de coufa partivel, e fe o na for, lanai*' fe-hafortes,ou pagar a ametade outra parte, que quizerficarc o m tudo. Afim o dieta a raza natural, e o direito c o m u m . O s foldados, e vafTallos na fao obrigados a examinar as caus da guerra : e podem hir a ella, fe lhes na confiar, que he injuta , por-^ que os ubditos obrigados a obedecer afeuSuperior , e devem preuppor, que elle ter averiguado tudo e m raza , e direito, c o m o he obrigado. E o m e m o fe ha de dizer dosfoldados.ef tipendiarios, que na fao fubditos , que fe pod e m deixar hir, por onde va os outros j alem dei que pelo etipendioficaubditos. O m o d o , que , fe deve guardar na execuo da guerra, depende de trs gros de gente, que ta : o Prncipe , os Capitaens, e os Soldados, e m trs tempos dif tintos, que : antes da batalha, no a&ua confliclo ,
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flido , e depois da vitoria. E em tudo ifto fe devem confiderar trs couzas -, o que fe pode fizer ao inimigo, o c o m o fe deve haver o Prncipe c o m os Soldados, e c o m o fe devem haver os Soldados c o m o Prncipe.. O Prncipe he obrigad o a fu (tentar os Soldados, e cites apelejar por elle fem fugir, n e m largar os feus pftos: e daqui fe fegue , que na p o d e m fazer pilhagens ao inimigo fem licena do Prncipe, e que ferao obrigados a reftituillas : mas depois da vitoria p o d e m partir os depojos fegundo o colume.Antes de fe comear a guerra, he obrigado o Prncipe a propor as caus delia Republica contraria 5 e pedir-lhe por b e m a tisfaa , que pertende : e fe lha der, he obrigado a defiftir -, mas poder demandar os gaftos feitos: e fe a na der , procede a guerra jutamente , e c o m direito mayortatisfaapela nova injuria de na aceitar o contrato pacifico , e poder pedir, e tomar o que parecer neceTario, para ter o inimigo enfreado no futuro. Depois de comeada a guerra at fe alcanar a vitoria, he licito , e jufto fazer ao inimigo todos os d a m n o s , que fe julgarem neceffarios para a tisfaa , ou para a vitoria, fem often de innoccntes. Depois de alcanada a vitoria, tambm
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tambm.he licito dar aos vencidos todos os danv* nos, que bailem , para vingana, e tisfaa: dos damnos que dera: e na fe devem computar aqui as pilhagens dos foldados, porque afim o tem o ufo, e fe lhes deve, por exporem fus vidas: mas deve Ter permittindodho o Prncipe, que pode ainda depois da vitoria matar aos inimigos rendidos, fe na fe der por tisfeito \ e cativallos, e tomar-lhes feus bens. E daqui v e m o: direito, que faz aos vencedores fenhores de to-, dos os bens dos vencidos: e tudofedeve regular peta offenta pretrita, e paz futura. Se entre os bens dos inimigos fe acharem alguns de amigos, devemfe-lhes retituir. Se os damnos feitos aos inimigos bailarem para a tisfaa, na fe pod e m extender aos innocentes. Innocentes f os meninos, e as mulheres, e os que na p o d e m tomar armas, e todas as pefoas Religios, e Ecclefiafticas. O s peregrinos, e hopedes, na fe conta por membros da Republiea-, mas fe, os tais damnos na bailarem, b e m fe p o d e m extender < aos bens, e liberdade dos innocentes, porque fao partes da Republica. Entre Chriftos j o ufo tem, que os cativos na feja eravos. * . mas p o d e m fer retidos para caftigo , para regate , ou troco. E porque efte privilegio fe introduzio em
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e m favor dos fieis, p o d e m fer efcravos, os qus apoftatara para o paganifmo, na para a here, fia , porque de alguma maneira ainda retm o n o m e Chrifta. N a f as peffoas Ecclefiafticas y mas tambm os bens das Igrejas izentos da jnridia da guerra pela reverencia, que fe lhes deve-, e porque a Igreja he outra Republi-? ca efpiritual diftinta, e izenta da temporal. E accrefcenta-fe, que tambm os bens, e psfoas feculares, que fe recolhem nas Igrejas, fica livres pela immunidade : mas fe fizerem da Igreja fortaleza, para fe defenderem, p o d e m fer arrazados, depojados, e mortos; porque na urao b e m do favor. Ser jufta a guerra, e m que fe guardarem todas as cautelas, que temos dito : e por remate fe pergunta quatro couzas: Primeira, fe he licito ur de cilladas na guerra ? Refponde-fe que he licito occultar os confelhos, e efeonder as traas, mas na mentir. Segunda, fe he licito quebrar a palavra dada ao inimigo ? N a he licito, talvo Faltando elle e m algum concerto. Terceira, fe fe pode dar batalha e m dia Santo ? Sim, fe for neceflrio , e a obrigao da Miffa fegue a mefma regra. Quarta, fe pode o Prncipe Chrifta chamar infiis, ou dar-lhes foccorro para guerra
julta ?
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jufta? B e m pode ambas as couzas, fe na houver perigo nosfieisfeperverterem -y porque q u e m pode ajudar-fe de feras, tambm poder de animais racionaes. Guerra Civil entre duas partes da mema Republica nunca he licita da parte aggrefiva -, e muito menos contra o Prncipe, fe na for tyranno: porque falta e m ambos os cafos a poteftade da juridia 5 e daqui fe fegue, que pode o Prncipe fazer guerra contra a ua Republica c o m as condioens requefitas, que temos dito. Defios entre particulares nunca lcitos -, afim porque prohibidos, c o m o porque ning u m he fenhor da vida alhea, n e m da fua, para a pr e m ta evidente perigo. N e m vai o argumento de defender fua honra, para na fer tido por covarde, fe na hir ao defio; porque ifo leys do vulgo imperito, que na devem prevalecer contra as do direito: e mayor honra heficarh u m valente tido por Chrifta entre prudentes, que por delmado deferindo a ignorantes. Ser licito o defio c o m authoridade publica, c o m o quando a batalha, e vitoria de dous exrcitos fe pem e m dous foldados ef colhidos por confentimento de todos, c o m o e m David, e o Gigante : porque a cau he jufta, e o po-
(192) e o poder legitimo: e fendo licito pelejar todo o exercito, tambm o Ter a parte delle-, c o m tanto, que na feja evidente a vitoria no todo, e a runa na parte. O primeiro h o m e m , que meneou arma of feniva para matar, foy Caim contra feu irma Abel. O s Afirios fora os primeiros, que capitaneados por ElRey N i n o fizera guerras a Naoens etranhas. P a , h u m dos Capitaens de Bacho, inventou as alas nos exrcitos, e enfinou o ufo dos etratagemas, e o vigiar c o m fentinelas. Sinon foy o primeiro, que ufou fachos. Lycaon introduzio as trguas; Thefeo os concertos-, Minos deo principio s batalhas navaes-, e os Theffalos ao ufo da cavallaria. Os Africanos invenrara as lanas -y os Martinenfes as epadas: e eferemir eftas armas enfinou D e m e o . E fobre todos campearo Contantino Anclitzen Friburgenfe, e Barthoio Suarz M o n a c h o , que defcobrira o invento da plvora, e mquinas de J artilharia, e fogo, para deftruia do gnero humano. E todos quantos na guerra empregaro fus foras, e induftrias,, b e m examinados, nen h u m a outra couza pertendera mais, que accref centar-e a fi cufta alhea : e v e m a fer s unhas militares, a que dcdiquey efte capitulo , para
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para que fe faiba at onde fe podem extender, e aonde he bem, quefeencolha.
CAPITULO
XXII.
Profegue-fie a mefima matria do capitulo antec Sponja de dinheiro chamou hum prudente guerra, e iTo he o menos, que ella forve; vidas, fazendas, e honras ta o feu pafto, em que como fogofeceva: e tudofetolera pelo bem da paz, que com ella fe pertende, e alcana, quando na a pica a tyrannia do interefe. A boa guerra faz a boa paz: e poriTo he mal neceflrio o da guerra. C o m ofepode fazer, j o diTe no capitulo precedente : como fe deve executar direy agora, para que as unhas militares na desbaratem, e malogrem milhes de ouro, q nellafeerhprega. Traz a guerra comfigo muitos perigos, trabalhos, e gaftos > e poriTo nenhum Principe a deve fazer, alvo quando as condioens da paz, fao mais prejudiciais a feu Eftado, e reputao. .Sendo neceflrio fizer-fe,feconfiderar os damnos, que delta refulta, nuncaferefolver em a fazer , e naferefolvendo, acerefeentar as foras ao inimigo , e debilitar as fus. E afim convm, que
JM
refol-
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refolvendo-fe e m tomar armas, fe refolva todos1 a vencer, ou morrer c o m ellas. M e c a primeira e m confelho Tuas foras c o m as do inimigo: e conhecellas-ha e m abendo, qual tem mais dinhci* ro, porque efte he o nervo da guerra, que a comea , e a acaba. Trs couzas lhe fao muito net ceflarias para a vitoria, e fem ellas na trate da batalha, porqueferavencido : a primeira he dinheiro-,a fegunda dinheiro; a. terceira mais dinheiro : c o m a primeira ter quanta gente quizer de peleja , e tendo mais gente que o inimigo^ vencer mais facilmente. C o m a fegunda ter ar^ mas de fobejo: e q u e m as tem melhores, agra a vitoria. C o m a terceira ter mantimentos ,e exercito b e m provido, tarde, e nunca he vencido* Veja logo qne Capitaens tem, porque fe na forem esforados, prudentes, e venturofos, perr dera tudo: e na baila ifto j porque he necelrQ tambm que os foldados feja alentados, efeoIhidos, e b e m difciplinados. Q u a n d o Jlio Ceia* deu batalha a Petreyo e m Efpanha, dile que pelejava c o m h u m exercito fem Capito : e quando pelejou c o m P o m p o , dile que dava batalha a h u m Capito fem exercito. Tanto monta fer tudo efcolhido, e na introduzido a cafo, e de tumulto i Faa rezenha das armas, que tem, e
iba
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iba as do inimigo, porque a vitoria fegue ordinariamente, a q u e m tem melhores armas. O s foldados b e m armados, e vertidos cobra brios, e concebem esforo : apato, e camiza nunca lhes falte: he concelho de h u m grande Capito Portuguez. Trs eperanas deve ter o foldado fempre certas, para pelejar c o m esforo, eferleal a feu Prncipe : primeira do foldo ordinrio. Segunda da remunerao extraordinria. Terceira da liberdade, quando lhe for neceflria. A primeira alenta -, porque pela boca fe aquenta o forn o : e na devemos querer, que feja os foldados c o m o os fornos da Arruda, que f h u m a Vez na femana os aquenta, e iko lhes baila para cozerem o pa de domingo a domingo: tem-fe ifto por prodgio grande, e por mayor fe deve ter, que aturem osfoldadosmezes, e mezes, fem receberem h u m real de foldo, parafeveftirem, e manterem. A fegunda os fiz confiantes; porque o dezejo de montar, e crefeer he natural, e c o m -a certeza, de que ha de melhorar de pofto, e ai "V canar bons depachos, fazem pelos merecer, e, nao temem arrifcar as vidas \ porque o etimulo da honra he o melhor alicate que ha para avanar a grandes emprezas -y e tambm o do intereffe, Aterceira os faz leais , porque fe fe imagina ca< * N tivos
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tivos, e que nunca poder renunciar o trabalhoj da milcia, vetem-fe da condio de eferavos, e; he o m e m o que de dio afeusSenhores, e hamfe c o m o forados da gal. E na f he conveniente efta raza, mas tambm he jufto que os foldadosfejavoluntrios, e que tenha caminho parafelibertarem, quando lhes for neceTario, porque na eferavos comprados: n e m o pre*> o de quatro mil reis na primeira praa iguala o da liberdade , e m que nafcera, e de que efta: de pofle : n e m a obrigao de fervirem patri& prepondra, quando de ferem livres reulta acodirem mais, efervirem melhor. Hajacorrepondencia igual de ambas as partes: ifto h e , que o Prncipe pague, c o m o o foldado ferve, e acodi-t r logo innumeraveis afervilo,femferneceflrio bufeallos : porque mito c o m o as p o m b a s , que aodem todas ao pombal, onde acha born provimento, e fogem da cata, onde as depenna. . Se examinarmos as cautas, porque os folda-. dos fogem das fronteiras para fus caias, e tamb m para o inimigo , acharemos, que pela mayor parte fao duas defeperaoens , h u m a da liberdade, e outra do provimento, e que para ambas as couzas tem jutia : para o provimento, porque q u e m ferve, o merece j e para a liberda^
de,
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d e , porque nenhuma Naa do m u n d o os obriga mais, que a tempo limitado: Frana e m fe* acabando a faco , mas que na feja mais que de trs mezes, logo os defobriga, e liberta , por, mais foldo, e pagas, que tenha recebido- e tambm Portugal u o memo eftylo c o m os foi-, dados das uas armadas, que e m fe recolhendo , os deixa ir para uas catas: e na ha ma^or raza para na fe praticar o memo eftylo, cornos que fervem na campanha pondo-lhefeuslimites. Caf. telta na faz exemplo , porque fe obriga eus foi-. dados para fempre, tambm lhes d privilgios; equipolentes: efe.os.leva amarrados c o m cordas, e algemas, na eTes os que melhor peleja ; x de tais extorfoens lhe vem perder tantas facoens, Quanto mais, que fe ltrata osvaf feios c o m o eferavos, Portugal fempre fe prezou de os tratar c o m o filhos. N e m fe achar Doutor Theologo, queapprove o ufo de Caftella, e que na diga que he injuftia, indigna at de Turcos, na dar liberdade aos foldados depois. de algum tempo ; quando at aos forados das gals fe concede depois de dez annos, m a s q u e feja condemnados a ellas por enormes delitos por toda vida. . . ...<]. rur jfTer o Principe amigos, e epias na terra N iii . cio
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d o inimigo, e conhecimento dos lugares, por onde marcha, e ha de ter encontros, he muito neceflrio. Faa muito por fuftentar a reputao ; ; e credito de fua peffoa, porque ter quem o firva ~e todos fe lhe fueitar. Alexandre M a g n o divulgou, que era filho de Jpiter , para fer ref peitado , e obedecido , jutifique a cau que tem para fazer guerra, e divulgue-a c o m Manifelos-, porque d animo aos foldados, que o fervem, e acovarda os contrrios. A s caufas da guerra ao todo e m geral ordinariamente ta quatro. A primeira para cobrar, o que o inimigo tomou. Segunda para vingar alguma afronta.: Terceira para alcanar gloria , e fama. Quarta por ambio. A primeira , e a fegunda jutas : a terceira he injuta : a quarta he tyrannia. Q u e m for vencido, deve examinar a cau de fua ruina, fe foy por feita dos Capitaens, fe dos foldados, para emendar o erro: e fe o na houve, n e m no inimigo mayor poder, deve aplacar a D e o s , tendo por' acerto, que o irritou contra fi c o m as caus da guerra. E fe c o m tudo foy por eftar o inimigo mais poderofo , deve difimular at fe melhorar de foras : porque melhor he fofrer dez annos de guerra furtandolhe o corpo, que h u m dia de batalha , e m que fe perde tudo. Confervarfe-ha e m
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p neflas demoras confervando o amor dos foldados , e a benevolncia dos povos ; efta ganha-fe administrando jutia , e aquelle uando liberalidade. Quefta h a , qual fera melhor, fe fazer a guerra na terra do inimigo, fe na prpria. Fbio M x i m o affirmava, que melhor era defender a ptria dentro nella. Scipia dizia, que mais til era fazer-e a guerra fora de Itlia. As conjunoens das emprezas, e urgncias dos tempos enfina, o queferamais conveniente. Ajudar h u m Prncipe a outro na guerra, quando he amigo, ou confederado, he muito ordinrio. D o m Fernando Quinto Rey de Cafiella favorecia fempre ao que menos podia, para na deixar crefcer o contrario : n e m entrava e m ligas, de que na eperava proveito. O s R o m a n o s , diz Appiano \ que na quizera aceitar por vaTallos muitos povos , porque era pobres, e de nenhum proveito. N o proveito do interefl , e credito^ da honra , devem levar fempre a mira os que fazem guer-j ra. E executados b e m os documentos, que temos dado, tera menos era que empolgar unhas militares : ifto h e , que na haver tantas perdas, quantas a guerra mal governada traz comfigo.
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CA-
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CAPITULO
XXIII.
E X c e l l e n c i a he de todas as unhas o ferem temii das 5 e tanto mais, quanto mais fero he o animal que as mena. Q u e m ha, que na tema as* unhas de h u m tigre aflnhado, e as garras de h u m lca rompente? At as de h u m gato teme qualquer h o m e m de b e m , por valente que feja, quanto 'mais as de h u m ladro, que ecala o que mais fe guarda, e o que muito mais fe elima. Temidas todas as unhas militares, de que at agora tratmos, porque as acompanha a potncia, e violncia das armas fulminando favor* C o m tudo armas offenfivas nas mos de h u m P2[m e u nao as temo , e ha foldados Pigmeus, que , na paffa de formigueiros : livrenos Deos das *que m o v e m Gigantes: deftes fallo: Gigantes ha ladroens, e ladroens Gigantes: e afim ta as unhas fus ta agigantadas, que nada lhes pra diante , e poriTo c o m raza todos as temem, e tremem. Eftes os poderofos por nobreza, por oficio, por titulo, e outras calidades, que os
(201) os fazem affotos, intrpidos, e izentos: e quando da e m furtar, na ha outro remdio, que o de pr e m cobro com''temor, e pavor, ou apreftar pacincia, e render ua reveria as armas, e as fazendas , e comprar c o m a perda deltas o ganho da vida prpria. Sabeis o que faz h u m deites,.. irma leitor ? V-ife falto de vetido, e libres para feus criados: chama a fua cata o alfayate mais caudalofo, e diz-lhe : B e m vedes com o andamos, afim eu, como toda a minha famlia : bem m e beis o humor: compray l pannos, efedasao coftume, fzeime tudo moderna, e o preo de tudo corra por vofl conta, at que m e f venha dinheiro da minha comenda : tomay logo as medidas, e fazeime prazer, que dentro de oito dias venha tudo feiio : quando na entendey, que o fentirey muito, j m e emendeis. Vay-fe o official, fem levar por principio de paga mais que as medidas-, e ameaas, de que lhe ha de medir o corpo c o m o h u m polvo, fe deferepar h u m ponto de tanta coftura. V e m a obra feita no dia afijM finalado , vetem-fe todos c o m o palmitos , e f cr; alfayateficadepido, e empenhado at morte y ' . e fe fallar mais no cuto, cuta-lhe *a vida. O u tros milhafres deftes de unha preta, e mais alentados, poder haver,. que empinem mais o vo i e para
(202) e para .que os na tenha por lagarteros empolguem no mais b e m parado. Va-fe a cata do mercador mais grofo, efeolhem as peitas que querem de tllas, fedas, e pannos, tudo aofiado,e que ponha tudo e m receita para os quartis dos juros, que ha de cobrar dia de S. Serejo: leva para ua cata, corta largo cufta da barba longa, e raga bizarro brilhando na Corte: chega o temp o de cobrar o mercador , o que o poderofo j rompeo , para correponder a Mila , Flandes, e Inglaterra : repoadelhe, que na feja importuno , fe na quer que lhe feja molefto, e que lhe cute mais cara a venda, que a elle a compra; e afim fe vay deixando equecer c o m a fazenda alhea, e fe o acrdor boqueja, lanalhe h u m a mordaa, de que lhe ha de mandar cortar as orelhas, e tirar a lingua pelo cachao. ? Outros fazem a iia ainda melhor, c o m cortezia , e mais pela manta. J tabem os homens de negocio, que tem dinheiro, fazem-lhe h u m a vifita a titulo de amizade, c o m que os deixa devanecidos: ainda que alguns ha ta advertidos, que logo dizem : de donde v e m a Pedro filiar galego? E .gunda logo c o m outra, a titulo de neceflidadc, que reprefenta , e para a remediar pedem cmpretado., e tambm a raza de juro, que
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que para elles tanto monta cinco , ou feis mil cruzados , de que lhe pafl eferito, porque fe obriga a pagar tudo dentro e m h u m anno , e da fiana , quantos moinhos de vento ha e m Lages, e que l tem hunsfigueiraisno Algarve, cc. E c o m o no tempo dosfigosna ha amigos, affim no tempo da pagar* porque alem de que nunca mais lhe cruzou a porta , mandalhe dizer na primeira citao , que lhe ha de cruzar a cara, fe faltar na divida, ou fe queixar jutia. E o pobre do h o m e m , porque lhe na paguem c o m cruzes os feus cruzados, dar outrosfeismil, e que ocdeixem lograr fixas queixadas fins , e levar uas brancas limpas ao outro m u n d o , ainda que v c o m a bola limpa, e fem branca. O u tros, ee eftes j mais que muitos, parafeforrarem de tantos cutos, erifcos, recopila os lanos j epera m paragens efcus, ou adeshoras as peffoas, que tabem tem moeda copio, poenilhe duas piftolas, ou dous etoqes nos peitos'^ e que faa alli logo h u m eferito: e eitaquj papel y e tinta, e lanterna de furta fogo, fe h de noite , c o m todo o encarecimento a ua mu^lher, ou ao feu caxeiro, que entregue logo logo vifta ao portador dous mil cruzados e m ouro : e afim fe efta a p quedo , at que volta hum
(204) hum delles com a repofta em effeitor E anda, ta affoutos, que e m uas prprias catas envetem aos que fentem capazes deftes ataltos. Tetemunha eja o Abbade de Pentens e m Traz dos M o n tes < , a q u e m levaro por efta arte huma mula. carregada de dinheiro, deixando-o a elle amarrado e m h u m a tulha. Q u e direy dos que lana: e m remataoens de fazendas , que fazem pr: e m hia por mil tranquilhas ? H a nefte Reyno Ley, que prohibe aos Miniftros da Juflia., -que na lancem nas fazendas, que fe execuo [ e guardafe .exacliflimamente nos officiais da Santa Inquifica ] porque c o m orefpeito, que fe lhes deve > e temor, que outros lanadores tem delles, defrau^ da muito nos preos, e fica as partes enormemente leias : mas c o m o as leysta.,-tasde aranha , que caa mofeas, e na pefca tritoens: logo eftes bufea traas: Ve penfata Ia lege, peny fiata lamaliciay: e fazem os lanos por ..terceiras peflbas, manifftando pela boca.pequena y; que ? 'o lano he de hum poderofo , c o m que todos, fe ."acanha : e affim lanando cincoenta, no que vai duzentos, leva as couzas por menos da ametade do jufto preo ; , defiauda , e rouba as partes , na f no fubtancial dos bens moveis, e de raiz , que fe vendem , fenao tambm os direitos Reaes,
(205) Reaes, e ascizas, que fe diminuem muito corrv ta grande diminuio nos preos. T a m b m as unhas temidas, que empolga affoutas nos tributos Reaes: tais ta, as que fe levanta c o m as dcimas, porque na ha juftia, que fe atreva a executalas 5 e porque ta mais que muitas, fundem as dcimas muito pouco : a muitos os que as cobra, e poucos os que executa a fi memos: ta muitos os poderofos, quefeeximem, e pouco o cabedal dos pequenos, que as paga. Entre pefToa Real nefta empreza, a quem todos refpeitem, e tema, e logo crecer as dcimas e m dobro: nem ha outro remdio para unhas temidas , que opporfe-lhe quem ellas tema. Eferito eft efte remdio no que fez h u m Rey de Portugal a certo fidalgo, que tomou huma pipa a h u m lavrador, e lhe entornou o vinho, qe tinha nella para recolher o feu, que tinha por mais privilegiado. Era o lavrador de boa tempera, que na fe acanhava a medos, n e m ameaas $ deu comfigo na Corte, lanou-fe aos ps delRey, contoulhe o cafo: mandou-o ElRey agatalhar c o m h u m tofta por dia, e h u m cruzado para fua mulher, efilhos cufla do fidalgo, que mandou logo chamar Beira: veyo muito contente eperandograndes mercs, que todos cuida as merecem.
(20&J
recm. Seis mezes andou requerendo entrada," fem achar audincia , e no cabo o fez ElRey apparecer para ante fi c o m o lavrador: e perguntandolhe, fe o conhecia ? Lhe mandou pagar a pipa, e o vinho e m dobro ; e todos os cuftos-,e que na lhe dava mayor caftigo por outros ref* peitos -y mas que advertifle, que e m fua cabea levava a vida , e taudc daquelle h o m e m , e que lha havia de tirar dos hombros, fe alguma degraa lhe iiccedia; e que rogaffe a Deos, que nena adoecefej porque tudo havia de reTultar e m mayor degraa ua. E reultou daqui, que as unhas temidasficarotmidas: e efte ne o reme-* dio q u e a s a a m a , n e m ha outro. ; Efte m e C n o remdio de apereza m e dife h u m prudente, que fe devera applicar s unhas de Hollanda, e Inglaterra. A o ladro moftra-fe os dentes, e na o corao. E b e m fe v , que quanto mais bufcamos eftas Naoens c o m embaixadas , e concertos, tanto mais infolentes, e def rrazoadasfemoftra, pagando comdefeortezias^ : e ladroces noflbs primores; porque lhes cheira eftes a covardia, e confidera-fe temidos, e blafona, Se elles na nos mando a ns Embaixa^ dores, fendo piratas, e canalha do Inferno, porque lhos havemos ns de mandar a elles, que fomos
(207) fomos Reyno de Deos, e Senhores do m u n d o ? Efta raza na tem repofla ; e a que da alguns Polticos do tempo, he de cobardes bifonhos, que ainda na tabem, que caens f s pancadas fe aman. M a s dira que na temos pos para epancar tantos caens. A ifo fe reponde, que antigamente h u m f galeo noflo bailava para envetir h u m a armada groffa, e botando fogo, e depedindo rayos, a rendia, e desbaratava toda. Sete gurumetes noflbs e m h u m a bateira baftava para envetir duas gals; e rendero h u m a , e puzera outra e m fugida. Poucos Portuguezes mal armados comendo couros de arcas, e folas de apatos utentava cercos a muitos mil inimigos , que vencia : e fempre foy nofo timbre c o m poucos vencer muitos. Hoje fomos os m e f m o s , e afim fica repondido, que temos pos, e o m que epancar a todos. Ainda m e infta que efta mudadas as couzas, porque ainda que fomos os memos, os inimigos muito diflforentes: aquelles era cobras, e eftes ta leoens,i e mais dftro que ns na artelharia, de que tenf* mayor copia 5 e degaleoens, enos, com que ina effes mares, peja noTas barras, e tudo nos toma fem termos cabedal, c o m que reflitamos. Refpondo, que porifl o na temos, porque
(20.8) que lho deixamos tomar: o certo he que com noR fubtancia engrota: haja entre ns. piratas para elles, afim c o m o elles o todos.para ns: d-fe licena aos Portuguezes poderofos para armarem navios, que andem ao corfo, c o m a fe deu antigamente aos de Viana, que em quatro dias alimpara os mares. A mefma Viana arm a hoje c o m o enta, fe quer trs navios, o Porto quatro, Lisboa feis, Setuval trs, o Algarve outros trs, e ElRey ajuntelhe dous galeoens por Capitanias: e eitahi h u m a armada de vinte velas c o m duas equadras; e arme-fe h u m a bola fo para ifto de gente voluntria., e livre, e veremqs logo as notas barbas fem vituperios. M a s dira ainda os zelofos Crticos, que ifto de bolas he perniciofo invento, que hereges introduziro, c que na do Brafil ha muito que emendar. Negolhe todas as confequencias. A do Brafil he muito boa, e f poderia ter de mal, fe entraffe nella- alguma gente, que tratafle f defeuinterefe, o u fios pudeffe fer fapeita: mas feria inconvenientesfiiceisde emendarr; e o tempo os curaria. Ser o cabedal delia tirado daqui, ou dalli, he ponto que m e na pertence: Doutorestem a Santa Madre Igreja, que eft e m R o m a , e poder fupprir, e tirar os ecrupulos. Quanto mais / que
(209) que o que aponto de n o v o , nada leva deTes ef cabeches, porque ha d fer de gente efeoimada. E prouvra a Deos que tivera osfidalgosPortuguezes etomago, para fazerem outra bola f para a ndia, pois he empreza fua: e ferlhes-ha fcil, fe puzera nella f, o que gafta e m vaidades, e o que perdem na taboa do jogo, e da a rameiras,. e confomem na cura de males, c o m que eftas lhes paga: eficariaelles de ganho , e o noffoReyno fem tantas perdas temido, e venerado. Deos fobre tudo.
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CAPITULO
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XXIV.
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Vos que furtao com unhas tmidas. ' i .! Enho por mais cruis, e damninhas eftas \ . . . unhas, que as pafladas-, porque os tmidos, e covardes, para fe aflegurarem fazem m a ^ , yor eftrago, que os temidos, i e valentes, que leo; va carta de feguro e m feu brao. H u m ; leaf contenta fe com a preza, que lhe baila para aquelle dia, ainda que tenha diante das unhas muito -mais, e m que as poflaempregar,.A rapoz,quan. >, O do
(210) do d em hum galinheiro, tudo degola, e epedaa at o fuperfluo. N e m ha outra cau defta diparidade, fenao que a rapoza he covarde, e o lea he generofo, e valente. Taes f as unhas tmidas, niayores, damnos cau comfeutem o r , que as temidas c o m fua potncia. E daqui v e m as mortes que da, e as caras que esfola ladroens formigueiros por efls eftradas: temem o fer defeobertos, que lhes d m na trilha, e pa~* rafeaflegurarem, nada deixa com vida: a m e f m a arte, que os enfina a furtar, para Tutenta-* rem a vida, lhes deu efta regra, para a aflegurarem # que arredem telemunhas com as memas garras. N e m pra aqui os damnos, que adiante pafl; porque nas mefmas rapinas executa crueldades: c o m o aquelles de Arrayolos $ que furtando h u m relgio de ouro, que hia de Lisboa para h u m Rey de Caftella, por na ferem conhecidos pela qualidade do furto, < que era notrio , ofizerae m pedaos, e o lanara de hujna- ppnte abaixo e m h u m rio. E os que furtaT a:prata de.S/ M a m e d e na Cidade de vora, pela mema cau enterraro amaada na eftrada de Vilta Viota, junto,ao poo de entre as vinhas, fem fe aproveitarem delta para nada.. : ; > D h u m ladro deftes tmidos e m huma:Alfandega
(2H).
fandega, tiromiolo a duas caxas de acar, e na repara e m derreter h u m a dzia deltas c o m gua que lhes botou por cima, para quefecuide, qu o memo caminho levaro as duas, cuja fubftancia elle encaminhou para fua cata, e que as humidades do mar, e do itio obraro aquelle m a recado. Tira h u m marinheiro dous almudes de Vinho de h u m a pipa, e para que na fe finta a falta, bota-lhe outro tanto de gua lgada, e faz ifto memo a vinte, ou a trinta, porque afim fe foy brindando, e a feus companheiros toda a viagem , e na repara no d a m n o , que deu de mais de quatro mil cruzados, por poucos almudes, de que fe aproveitou , porque no fim tudofeachou corrupto. D a mefma covardia naf ce na reparar h u m ladro deftes tmidos, e m fizer rachas h u m eferitorio de madre prola, que vai mais que o recheyo, quando na pode levar tudo debaixo do brao -, nem e m pr fogo a h u m a cata,.para*, que fe cuide, que e,foy no incndio a peita rica, c o m que elle fe foy para fua cata, cc. >: O remdio ingular, que ha para todos ef tes, he a forca , porque c o m o ta tmidos j f o medo delia os pcle enfrear : e fe a nenhum ,fe perdoar, todos andar compftos, c o m o l dile * 1 O ii hum
(212)
TiunlPoeta: Oderuntpeccaremaljormidinepoen<e. E h u m a Rainha de Portugal dizia, que ta bem parecia o ladro na forca, c o m o o Sacerdote no Altar. Ainda que eu na fou de opinio, que fe enforquem homens valentes, quando ha outros caftigos ta rigorofos c o m o a forca , quaes os degredos para as conquiftas , onde podem fer de preflimo : e e m feu lugar difcutiremos melhor efte ponto , quando tratarmos das tefouras, c o m quefecorta todas as unhas. Agora f digo, que havendo-fe de enforcar alguns, feja os tmidos , covardes, gente intil, que baftar para documento, e freyo, que hftente e m regra os mais.
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C A P I T U L O
XXV
Vos que furtao com unhas disfaradas. S Padres da Companhia de Tefus creara no eu Convento de Coimbra h u m gato ta dftro no feu officio de caar , que at as aves do ar iigeitava jurifdia das fus unhas. Efte c o m o fe tivera o difeurfo, que os Filofofos neea
(212) ga a animais,. que.carecem de entendimento* revolvia-fe e m lama, e c o m ella frefca dava corn-* figo no guarnel do p a , e epojando-fe nelle levava pegado na lama, e entre as unhas quanto podia, e deitava-fe ao Sol c o m o morto, at que ospardais acodia aos gros de trigo, que lhes pfferecia por efta arte: e c o m o os fentia de geito j tirava o disfarce s unhas de repente, e agarrava h u m , ou dous, c o m que fe fazia prato todos p dias regalando a vida, c o m o corpo de Rey c o m aves de penna. Trs disfarces fe nota aqui , hum da lama, c o m que fe vendia pelo que na era; outro d a difimulaa de morto, c o m que armava a tirar vidas , e outro da iguaria, que offerecia s aves, para fazer deltas vianda. Traa he efta muito ordinria e m caadores, e pefeadores, que disfara o anzol, e o lao para aflegurarem a preza Tua vontade. E os ladroens por eftes modos distara tambm as unhas para o m e m o intento, e para fe afegurarem a fi, que ifo tem de tmidas; e at as mais temidas, e affoutas bufea disfirces,para evitarem pejos,e cfcandalos. E vimos^ a concluir, que na ha ladro, que Te na disfarce; para furtarj porque at os mais defearados, que tal>< tea nas charnecas, cobrem o rofto c o m mafearas, e rebuos: e os de capa preta, que no povoado O iii nos
(214) nos ltea , fe na cobrem a cara com carapuas de rebuo , ao menos o disfara com mil mcaras, de que u, cores, e capas, que toma para encobrirem fua maldade , e fazerem a fua boa. ' * ' , Chega o pertendente ao Miniftro, por cujas mos fabe, que correm os depachos decerto officio , ou beneficio, que pertende, e fazem h u m concerto entre fi, que perder o Miniftro duzentos mil reis, fe na lhe houver o ofcio; e que lhe dar o pertendente cem mil reis, fe lho alcanar : aflgura-fe c o m eferitos, quefepaffa de parte parte, cuja letra, ou folfa, n e m eu a y defeantar, n e m o diabo lhe entende o compafl: e c o m efte disfarce acredita feus primores , e encobrem os barrancos, que fe feguem -, e o que he fimona, ufura, ou furto mero, taes enfeites lhe p e m , que parece virtude. E c o m dizerem , que fe arrica a perder mais nos duzentos , gualdripa os cento, a que chamamos; menos, eficamuito ferenos na conciencia, peta regra dos contratos onerofos ; c o m o fe no [eu houvera algum rifco, quando elles tem todo o jogo na ua m a , e baralha as cartas, e fazem o que querem a dextris, e afinifiris. Senhor, diz o outro, eu darey a v. m . huma
(2i5)
h u m a Quinta, que tenho muito boa, e dizima a D e o s , ou a Vofl Senhoria [que tambm entra Senhorias nifto ] j que rhe omnipotente na Corte, fe m e livrar de h u m a tormenta de accutaoens , que atualmente chovem fobre m i m , e m que m e arrifco a tahir confifeado , ou c o m a cabea menos. Sou contente, reponde o Miniftro: mas ha m e Vofla Merc de fazer h u m a efcritura de venda, e m que confefle, que lhe comprey a tal Quinta c o m dinheiro de contado. Feita a eferitura, toma c o m ella pof fe da propriedade -7 e mete velas, e remos, para livrar o donatrio ; e na defeana, at o pr e m gmeas efcoimado, e limpo, c o m o h u m a prata, Eporque ia ha couza occulta, que tarde, ou cedo, fenao revele, e os murmuradores tudo deslinda, veyo-fe a defeobrir o feito, e o por fazer na matria : chegaro accutaoens, a q u e m puxou pelo ponto: dera-lhe logo c o m a ef x:ritura nas barbas: fizera mentirofos os zeladores, eficara~ferindo; fe na he que ficou chorando, oqueperdeo a Quinta, por ver quacjr caro lhe cuftou o disfarce da eferitura , c o m qui o feu valido capeou o conluyo. Outros conT h u m fguate de nonada, c o m h u m aafate de figos disfara fidelidade, para confiardes delles cem " ~J O iy do-
(216) clobroens empreftados, que vos paga com ml figas. D o zelo, e fervio delRey fazem luvas, que encobrem unhas, que agarra emolumentos grofifimos dos bens da Coroa. Etou-me rindo, quando os vejo fervorofos, e diligentes no mano da fazenda Real: na dormem, nem com e m , antes fe c o m e m com o cuidado, e diligencia , que moftra e m tudo, na perdoando a trabalho ; e eu etou c comigo dizendo: afim tu barbes, c o m o tu tens mais amor ao proveito delRey, que ax ti m e m o : que tens tu amor fazenda delRey, eu o creyo, e que lhe armas alg u m b o m lano para ti capeado com efls merecimentos. Q u e m introduzio cmbios no m u n d o , disfarce inventou para palear uuras, quando pafl dos limites : e pratica de remir vexaoens c o m peitas nas pertenoens de benefcios, capa he, eom que fe disfara fimonas. M u d a os nomes s couzas, para enganarem remoros. D e f mentem humas maquinas c o m outras: arquite-, ta caftellos de vento, para renderem fora da pnciencia, e zombarem do preceito: Sed Vomi%us non irridetur.
CA-
(217)
CAPITULO
XXVI.
unhas disfaradas muito cheira a maliciotas, mas tem eftas de mais, queaquellas h u m grande palmo, fe na he covado : e poriTo lhe damos particular capitulo. N a ha furto fem malcia, n e m peccado fem malcia ; donde fe colhe, que fe o furto he peccaminofo, tamb m ha de fer maliciofo : e porque e m tudo ha mais, e menos, poremos aqui os de mayor malcia. Por taes tenho os que efcondem, e repreza pa , para que na fe veja abundncia, e apparea a carefta, e fub o preo. O m e f m o fazem os mercadores c o m fedas^, e pannos: moftra-yos f h u m a peita da cor, ou lote, que bufcais, e jura-vos por efta alma, ponde a m a na dos botoens da roupeta, que na ha e m toda a rua N o v a mais que efte retalho, eafim vo lo talha pelo preo, que querem -, e e r r j gaitando aquelle, apparece logo outro, e outro ; cento delles: c o m o o ramo da Sibylla de Eneas, que quanto mais nelle cortava, tanto mais renaf cia
(218) cia cada vez mais formofo. Mas que muito que faa ifto na rua N o v a , quando at os que na profefla a ley velha, fazem o m e m o nas carnes, vinhos, e azeites, que v e m vender a Lisboa: v e m trazendo tudo aos poucos, porque fe o trazem junto, ha abundncia, e e m a havendo abatem os preos: e para que uba, e encha bem as bolas c o m aflblaa do povo , ajuda-fe da malcia, que eft defeoberta, e er remediada, fe fe der por perdida toda a fazenda, que andar retida, e atraveada c o m femelhantes ef tanques. ' o ;Arrendales h u m a vinha por h u m anno } puxafles por ella na poda, efizeftes-lhedar para Vos, o que havia de dar no aan feguinte, e furtaftes t o m unhas maliciotas ao proprietrio & fubtancia de h m anno, 3 e pciefer"qu de mui* tos. E m Bja vi h u m a eftalajadeira comprar por dez reis duas cves murcianas lanou-as e m hum a tigela c o m dus5 pimentoens bem pizados, e outros dez reis de azeite, deu-lhe duas fervuras, e fem fe erguer de h u m tanho, fez trinta pratos, a*vintm cada h u m , c o m que banqueteou hope^ ds, e almocreves, que fe dera por b e m fervidos : mas mais bem fervida ficou a malcia d hopeda, que c o m h u m vintm, que dipendeo, inte-
(2I.) intereffou feis toftoens, que emblou. Na fey fe diga,, que fe etende tambm a malcia deitar unhas a crime Iafiemajefiatis, quando chega a'tanto atrevimento, que fazem, e vendem cartas, e provifoens faltas, c o m firmas, efello^ Reaes ? H u m freguez deftes conheci no Limoeiro por fazer moeda falta, e cercear a verdadeira: pedio-me lhe houvefl h u m pequeno de chumbo e mfegredo-,etabidaa couza, tratava de livrar-fe appellando para outro foro: dizia que era Religiofo de certa O r d e m de Itlia; e j tinha armada a Patente, e f lhe faltava o fello, e queria o c h u m b o para fazer delle ofinete. ^ E m matria de contratos ha tambm unhas muito maliciotas. Pedio e m vora Cidade h u m Javrador do termo a certo ricao h u m rnoyo de trigo fiado, para femear: fou contente, ms fiaveis-mo de pagar para o novo pelo mayor preo, que correr na praa todo efte anno, e nifo ficaro c o m afnto feito. Succedeo, que nunca fobiootrigo de trezentos e vinte: mas-o : Cidado mandou pr na praa meyo moyo. feu efeolhido com ordem vendedeira, que o na df fe por menos de cinco toftoens: e para que na eftiveT s mofcas, mandou logo feus confidentes c o m dinheiro, que para ifl lhes- deu, que com
(220)
compraflm todo aquelle trigo, como, para.l pelo preo, que a medideira pedifl: e aflim recolheo outra vez para ua cata o feu pa, e o feu dinheiro, e tomou tetemunhas de como fe ven-, c^era toda aquella femana a quinhentos, reis na praa. Veyo o lavrador a feu tempo pagar pon? tualmente a raza de trezentos c vinte, que era o preo verdadeiro :tahio-lheo feuacrdor deT foslayo c o m a tramoya , convenceo-o em Juizo c o m as tetemunhas, e fez-lho pagar a quinhen* tos,, e m que lhe pz. E ainda fez mais, que na tendo o lavrador dinheiro, lhe tomou o preo da divida e m trigo, que enta^ valia a dous tof toehs:, e tudo b e m fomado veyo fazer a quantia de dous moyos e m e y o , que recolheo e m boa tisfaa do m o y o , que tinha empreftado havia poucos mezes. - J. Quafi melhante a efte he outro contrato,, que vi fazer muitas vezes no Reyno do Algarve: V e m os lavradores da Serra s Cidades prover-fe do que lhes h e neceflrio. dos mercadores, que lhes da tudo fiado at s colheitas do figo, e paa, mas c o m trs encargos muito onerofos* Primeiro, que lhesencaxa, o que leva da loge, pelo mais alto preo a titulo de fiado. Segundo, que ha de pagar m paa, e figo avaliando-o
(221) pelo mais baixo a titulo do beneficio, que recebero , quando lhes gaitaro as mercadorias, que lhes apodrecia e m cata. Terceiro, que lhes ha de pr tudo na Cidade ua cuta. Mais maliciof eft outra onzena, que vi exercitar na Ilha da Madeira. Embarca-fe alli muitos paftageiros para o Brafil, e os que na tem cabedal para fe_ aviarem d e matalotagem, e outros apreftos, ped e m aos mercadores dinheiro empreftado a correfponder c o m acar: Repondeo h u m : vendo pannos, na emprefto o dinheiro , c o m que trato :fev.m. quer pannojiado darlho-hey , bufcar q u e m lho compre, e far feu negocio o m o dinheiro, de que necefita. Seja c o m o v.m. quizer : ouro he, o que ouro vai, e porferfiado, talhoulhe o preo por cima das gavias: e feita a compra, de que havia de fazer os cincoenta mil reis revendendo-a, ajuntou o mercador: para que v.m.fena canfe c o m hir mais longe, eu lhe comprarey efle panno pelo preo, que o coftumo comprar e m Londres , e contarlhe-hey logo o dinheiro , que he outro beneficio etimavel, e abateo- ^ lhe e m cada covado mais, do que lhe tinha levantado na venda 5 e pagou-fe logo do cambio , que havia de vencer naquelle anno o feu empreftim o , paraficarlivre daquelle cuidado, e aTegurou
V
(222) rou o capital com boa fiana: e ficaro enfiando' ao paflgeiro os cincoenta mil reis mais de cento: e o mercador intereflando na correpondencia, e revenda do acar, c o m que do Bnvfil lhe pagou mais de duzentos; e a ifto char m o eu malcia refinada mais que acar e m ponto.
CAPITULO
XXVIL H
Ve outras unhas mais mahciofias. ' GRande malcia he a das unhas, que agora tocmos-, mas ainda ha outras mais maliciofas. Se houvefe contratador , que tiveffe pe^ zos grandes para comprar, e pequenos para veiv der, e todos marcados pela Camera, na ha du-vida, que o poderamos marcar por ladro de unhas mais que maliciotas y- e para que na fe tenha ifto por impoflivel entre gente de vergonha, conheci h u m na longe de T h o m a r , que tomava muita fazenda s partes c o m dous alqueires que tinha , h u m grande, c o m que comprava, e outro pequeno , c o m que vendia. E m varas, e covados ha muito que vigiar nefta parte, e nifto de medir, e pezar, alguns ta dtros, que arreme-
(22g) remeando na balana o que peza de pancada , e dando h u m Tolavanco na medida, ou apertando mais, e menos a razoura, e eftirando a peita c o m o covado, e vara, defrauda as partes e m boa quantidade, c o m b e m m conciencia. Peo licena ao noflb Reyno de Portugal para efeiever aqui a mais deteftavel malcia, que h a , nem pode haver entre Turcos , quanto mais entre Catholicos, e Portuguezes ; a qual por fer publica, e notria, a ningum far ef candalo referilla. N e m eu a crera, fe m e na confiara j por muitas vias: e a primeira foy e m Barcellos, aonde fuy de Braga ha muitos annos ver as Cruzes, que milagromente apparecenr e m h u m campo nos dias da Santa Cruz, afim de M a y o , c o m o de Setembro, e fefta feira de Endoenas. A ver efta maravilha veyo tambm de Viana Joa Daranton Inglez Catholico, do qual m e contaro, que enfadado da fortuna, que o pereguia c o m grandes perdas, fe embarcara pa_ra o Brafil c o m ua mulher, e quatro filhos, e todo o cabedal, que tinha, que fempre checar ria a dez mil cruzados. O Piloto do navio cora leus adjuntos, Meftre, e marinheiros, confidentes dera com as fazendas das partes e m fus catas defembarcando-as de noite fecretamente; Dera
(224) Dera vela, e deixara-fe andar mais de oito dias pela coita c o m na fey que achaques, fem acabarem defe fizerem ao alto, at que os paf fageirps entraro e m fufpeitas, que bufcava piratas para fe entregarem; e os requerero aper^ tadamente que fizeffem Tua viagem. Dera enta c o m o navio coita meya noite, que he o fecundo remdio , que tem parafeefcoimarem dos iirtos, quando na acna ladroens que os roubem. O navio fe fez e m dous c o m a primeira pancada: a gente do mar fe afogou quafi toda c o m o Piloto , e f Joa Daranton fe talvou com toda fua famlia por jufto juzo de D e o s , para dar nas catas dos mareantes, onde achou fua fazenda. E tenho-vos defcoberta a maranha, irm a Leitor, e afim pata na verdade e afim coftumao fizer efte talto homens do mar nefte Reyno , no Brafil, na ndia, e e m todas noflas Conquiftas, c o m afronta grandiflima da nofa N a c a encargo irremedivel d e Tuas conciencias, e ecandalo atroz de eftrangeiros ^ que c o m ferem ladroens por natureza, profifla, e arte , na fabemos, que ufem de ta horrenda, e deteftavel malcia , e m o d o de furtar. ' -^ Eftando eu na Ilha da Madeira, chegou a viftahuma Urcaa de S. T h o m , a qual fe dei<* xou
(225) xou andar trs, ou quatro dias barlaventearido J fem tomar o porto, at que o Governador, que enta era o Bipo D. Jeronymo Fernando, a mandou reconhecer , e notificar que entraTe, c o m o entrou e m que lhe pezy etabidaa cau pelo aran -, zel da carga , confiou que lhe faltava as mais* das drogas, que tinha deixado,, onde lheferviao. mais que na Urca , e poriTo bufcava mais os piratas , que o porto , parafeentregar, e ter defcarga , que dar aos correpondents, fe lhe pediflm a carga : porquetatisfazh u m deftes a todos com dizer, e moftrar que foy roubado : ofeuganho mayor confifte na mayor perda , rouba mais, quando ta roubados : e quando da coita, e fazem naufrgio, trazem mais fazenda para fi a lvamento. O que mais m e aflbmbra, e deixa eftupidos todos os meus fentidos, e potncias, he ver que na repara h u m deftes lobizomes e m dar com huma no da ndia a travz, e affogar dous, ou trs milhoens delRey , e das partes, pelo interefle de quinze, ou vinte mil cruzados, que poz e m polvorota. H e a maldade deftas unhas maliciotas mais detelavel, quando toca no bem c o m u m , e da Coroa, que nos conferva, c fuftenta 2. todos. N a fey e.o fonhey, ou fc m o contou peflba
fide-
(226) fidedigna: cafo he que me aflbmbra! Valha o que valer: fe na Tuccedeo , fervir de documento, para que na acontea. Poderia Ter.aT- , fim : Q u e h u m Miniftro, que tinha por oficiQ I pagar quartis de juros, e tenas a todo o mun? d o , foy onegando muito a titulo de na haver dinheiro , e e m poucos annos c o m efta, e outras indutrias ta maliciotas, c o m o efta, ajuntou mais de cem mil cruzados, de que deu oitenta mil a ElRey noflb Senhor, gabando-fe que os poupara aos poucos, e que era frutos [ melhor differa I furtos ] da pontualidade , e primor, que guardava e m feu Realfervio.Etimou Sua Magefta- > de o lano, tendo-o por legitimo , tanto, que lhe deu por elle h u m a comenda de cem mil reis. N o cabo de ua velhice apertou c o m elle o ecrupul, e tratando de fuatalvaa, fe foy Meta da Fazenda , e diTe que devia mais fua alma, que a feu corpo ; e que para defeargo de ua conciencia declarava ai li, que toda , quanta fazenda tinha , era furtada dos bens da Coroa, e das tenas, e juros de todo o Reyno ; que mandafm logo tomar poTe de tudo e m n o m e de Sua Mageftade. Tinha efte h u m filho, que jferviao memo ofcio do pay, e lograva a fazenda , que era muita. Sabendo o que patava, p e m e m ps de. verdade
(227) Verdade, que feu pay eftava doudo: prendeo-o eni cata, amarrou-o c o m h u m a cadeya, fem o deixar faltar c o m gente, e tal trato lhe deo, que era baftante, para lhe dar volta o miolo , e c o m efl a arte evitou a reftituia , que o pay queria fazer a ElRey , e s partes, do que malicjotamente tinha furtado. Diga-me agora os zelofos tabios, que ifto tivera por doudice , precindindo delia: quaes fora mais maliciotas , as unhas do pay, que ajuntou tanta fazenda para o filho, ou as unhas do filho-, que impediro a reftituia do pay ? Venha o d e m o a ecolha, taes m e parecem n u m a s , c o m o as outras, e por taes tivera as de q u e m tabendo ifto, fe o difimulafl por repeitos, -que na cabem aqui. Trs gneros de gente abominava os R o m a n o s , aflim no governo da paz , c o m o no da -guerra; ignorantes, maliciofos , e degraados. Ser h u m Capito , h u m Piloto, e h u m Miniftro tabios, e venturofos, he grande couza, para confeguirem b o m effeito Tuas emprezas: mas Te com- iffo forem maliciofos , defeloura tudo -, e dos que ta tocados defta tarna , fe devem vigiar os Prncipes, Reys, e Monarcas, mais que de peite5 porque nunca fe vio peite, que leval de coalho todo h u m Reyno , ou Republica:- e
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huma
(228) huma traio forjada com malcia degola de hum golpe todo h u m P v eyno, ou Imprio : e por ferem ta arrifeadas unhas maliciotas, fe devem vigiar mais, que nenhumas outras -, porque torcem todo o governo parafeusintentos, deslumbrando os dicurfos do Prncipe c o m razoens palliadas , e empatando as execuoens rectas com cores de mayor b e m da Coroa : e bem examinado , he mayor d a m n o -, e fe algum bem reiilta, he para os particulares, que mechem a treta. Mil cafos pudera tocar, que deixo, por na ferir a q u e m fe poder vingar rafgando efta folha, que n o mais nada lhe temo , mas direy h u m por todos, e feja o fomenos. Correo h u m pleito mais de vinte annos nefte Reyno , e na Cria de Ro-r m a entre a Mitra de vora, e o Convento de Aviz, fobre os benefcios de Coruche, que ta muito pingues, qual os havia de prover. Chegou Aviz a tomar pofe : veyo vora c o m fora esbulhalo delia : interpozfeubrao ElRey, c o m o Gra-Meftre, favorecendo Aviz , que lhe pertencia : acodio o zelo por parte de vora : Senhor, veja Vofta Mageftade o que faz -, porque manha querer VoTa Mageftade prover h u m Infante nefte Arcebipado, e Ter b o m que ache nelle eftes benefcios, para ter Sua Alteza que dar a feus; criados,
(22) criados. E melhor differa: Senhor ficando eftes benefcios e m Aviz, ta todos de VoTa Mageftade, que os poder prover e m q u e m quizer, c o m o Gra-Meftre-, e ficando e m vora, ta as vacncias de R o m a oito mezes do anno pelas alternadas , e f quatro ta de vora , e e m Se vacante he tudo de R o m a , e de vora nada : e afim fempre lhe fica melhor a Vota Mageftade ferem os benefcios de Aviz. E efta he a verdade-, mas a malcia calla tudo ifto, e f reprefenta o que lhe arma parafeuintento, palliando tudo c o m razoens affe&adas, e fophifticas, at dar caa ao que pertcnde e m favor da parte, que lhe toca , ou que o peita.
sU >U >U -*s ^ ^ >^ >Xf *4^ ^ >s ^ >4f' ^ -4^ ^ "4r >^ ^ "4^ >U *4s *4s *4e: ^ ^ *4? *4e *J^ >k "^k ^k x^ xp> >p- >f- sf* >p Tf* f* yf^ >f* >f- ^ j > > >p (>' >T^ xp ^^ ^ sf* ^* sf* ^r* ^r* ^* *Y* ^*> ^* ^* ^"^C^i^^i*
CAPITULO
XXVIII.
P(?J- que furtao com unhas defcuidadas. . A T agora reprehendemos a malcia, e vigilncia de todas as unhas 5 porque na ha furtar fem malcia, n e m malcia fem cautela. D o n d e fe fegue , que o ladro defeuidado, ou na he ladro fino, ou anda arrifeado a pagar a
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cada
(2?0) cado palo o capital, e as cultas: com tudo torn o a dizer, que ha unhas defeuidadas, e que ta peores, que as maliciotas, e muito vigilaates, nos damnos que cauta. T e m obrigao,os que aprfta nos, e armadas, de as proverem muito b e m de tudo e m abundncia-, e elles defcuidando-fe dasquantidades necetarias, ciza de tudo h u m tero, fe na for a ametade: dizem elles, que para ElRey: mas Deos tabe para q u e m , e ns tambm. Defeuida-fe na eleio da qualidade das couzas , e at dos lugares , onde as devem arrumar, fe defeuida. E reulta de tudo faltar o bifeouto, e gua no meyo da viagem , porque acerta os tempos de a fazerem mais comprida \ faltar plvora, bala, e corda na occafia da melhor peleja ^ na fe acharem as couzas , quando necetarias, e ferem s vezes tais, que melhor fora na as haver, porque ta corruptas , e de tal forte, que caua mayores males, e doenas c o m feu ufo. O memo uccede nos medicamentos, de que na ha provimento por defeuido, que mal e pode livrar de malcia emita, e maldade fupina : porque na ha Miniftro ta ignorante, que nataiba, que no mar e adoece , e que fe morre, onclc na ha remdio conveniente para atalhar o mal. Outros
(231) Outros defeuidos , e efquecimentos ha muito geraes, e damninhos, que correm nas pof fes de fazendas, Mrgados , e Capellas , as quais fe toma muitas vezes fem titulo legitimo, por eftarem auzentes as partes, a q u e m pertenciay ou porque pudera mais os que as tomaro: e remordendo-lhes a conciencia no principio, fe deixa hir ao defeuido, at que equece o efcrupulo -7 e afim pafl o equecimento de filhos a netos. Muitas fazendas Reaes, e bens da Coroa anda defta maneira fonegados , tanto, que fe fe fizer h u m exame geral de ttulos, poucos ha de apparecer cabaes, filvo fe fe acolherem pofle immemoravel, a qual na vai contra Reys 9 porque tem privilegio de menores,, e fora de mayores; mas n uta delia s vezes, por na inquietar feus Eftados. Rendellos, e esbulhalos h u m , e h u m , fcil couzaferia-, mas na fc acabaria e m cem annos a empreza : inveftillps todos juntos he perigofo , porque muitos unidos fara guerra a efte m u n d o , e mais ao outro : e para fe defenderem, naturalmente feajunta, ainda que feja entre fi contrrios. Peleja h u m elefante c o m h u m rinoceronte : acmette-os h u m leo na mayor fora da batalha, e logo p e m ambos de parte o dio, efeamiga e m h u m corpo, pa-
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ra
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ra reftirem ao mayor contrario; e tanto fe effora, que o vencem c o m as foras unidas. H u m Rey de Caftella mandou pedir a todos os Fidalgos,e Grandes dos feus Reynos todos os tituls, efcrituras, e provifoens do que poflua, porque por defeuido dos tempos andava muitas couzas deftradas, e detanexadas da Coroa. Fizera feu confelho , e louvara-fe todos no D u q u e do Infamado, que eftava pelo que elle repondefe: e repondeo, que moftraffe ElRey os ttulos, c o m que poffua, quanto tinha de feu nos Reynos, e Eftados, que governava : e que elles fe obrigava a moftrar outros ttulos muito melhores do que poTua. Ficou entendido o m o tim,e recolheo-fe o decreto do Rey c o m boa ordenana por duas razes,que Te deixa ver. Primeira, porque de dous males fe deve efeolher o menor: c menor mal achou , que era poffurem alguns, o que fe lhes tolerava por defeuido, ainda que na foffe feu, que dar occafia a todos fe perderem , e na ganhar a Coroa, n e m o Reyno nada c o m iflb. Segunda, porque fe fe examinarem b e m os bens, que poffuem os Reys, ningum ha ta arrifeado a poTuir o alheo -, porque a potncia os faz izentos, e a cobia he cega , e amiga de embolar, e tudo parece devido mayor fupe-
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perioridade. Perigofo foy fempre bolir c o m o ca que dorme: e poriTo muitas vezes as couzas pata por alto at asfepultaro equecimento : mas iffo na tira Ter furto, o que por efta via fe .arrafta. E eftastaas unhas, que chamamos decuidadas; porque at quando mais lembradas, a avareza por h u m a parte, e o m e d o por outra , as p e m em. eftado de defeuidadas, e equecidas: e afim fica tudo fem remdio.
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CAPITULO
XXIX.
Vos que furtao com unhas irremediveis. Digo que ha unhas irremediveis, na porque admitta nefte m u n d o demazia, que na tenha remdio parafeemendar; mas porque muitas vezes na ha quem lho applique : e quando as unhas crefeem e m mos poderotas,tamuito ms de cortar. Declararme-hey c o m h u m a parbola , que ainda que he tnue, tem muita ubtancia, para todos m e entenderem. E he, que a Republica dos ratos entrou e m confelho, e fez h u m a junta, fobre que remdio teria para fe verem
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rem livres das unhas do gato f Prefidio h u m arganz^ de b o m talento : afentara-fe por iias antigidades os adjuntos: votou o mais velho: M u d e m o s de eftancia ; vamo-nos para os Armazns delRey, onde na ha gatos, efobejabaf timento, bifeouto arrodo , queijos a fartar , chacinas de toda a forte: e onde muitos homens de bem acha feu remdio, fem lhes cutar mais que tomallo; tambm ns o acharemos, que k nos contentamos c o m menos. Enganais-vos , dile o Prefidente, comer cuta delRey nunca he barato, n e m feguro , porque q u e m a galinha delRey come magra, gorda apaga ; e nos feus Armazns ha unhas peores, que as dos gatos, que nada lhes efeapa. Votou o outroj devia de er "alentado : Sou de parecer, que cortemos as unhas ao gato. Acodio o Prefidente: Clay-vos l murganho : cortarlhas-heis vs ? N a dizeis nada , porque logo lhes ha de nafeer outras mayores, e mais peonhentas. Ifto de unhas ta c o m o enxertos de mato bravo * ,tac o m o ortigas, e tojos, que nafcem fem que os femeem: por mais unhas que corteis, nunca vos haveis de ver livre de unhas. Vote outro. Levantou-fe enta h u m de cauda larga muito reverendo, e difl: O m e u voto he, que lancemos h u m cascavel
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cavei ao pefcoo do gato-, e afim fentiremos, quando v e m , e pornos-hemos e m cobro ; como j fazem os Tapuyas no Brafil, quando ouvem as cobras, que chamaq de cafeavel. B ei lamente dizeis, acodio o Prefidente -, mas q u e m ha de lan-. ar o cafeavel ao gato ? Lanarlho-heis vs ? E u na, repondeo elle: n e m eu, nem eu : Pois malhadeiros, fe nenhum de vs ha de fizer, o que diz, para que m e votais aqui couzas impof fiveis ? N a vedes, que nos deftruiremos a ns, e nota P^epublica , fe intentarmos couzas, que na podem fer, porque nos ha de dar na cabea todos efls remdios ? E acabou-fe a junta -, e v m a fer, que a mayor, e mais irremedivel ruina de h u m a Republica Tuccede, quando os medicamentos, que applica para a vida, fe lhe convertem e m veneno para a morte5 e ifto he, quando os confelhos, que toma para fe defender , dipara e m maquinas para fe deftruir : e na cahe no erro, fenao quando v os effeitos depropoitados nas foras gaitadas com paradoxos , e no cabedal confumido e m defvarios. E eftastaas verdadeiras unhas irremediveis , porque trazem. a peonha no remdio: e enta mais irremediveis, quando ta incontraftaveis os Tui.zes, que mena as perdas c o m applaub deo-anancias. " parab l
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Para eu me declarar ainda mais, c todo o m u n d o m e entender melhor, vinha-me vontade de armar aqui h u m Concelho de Eftado, ou de Guerra, ou do que vs quizerdes, para verdes o m a l , que nos refulta das unhas, que chamo irremediveis 5 e q u e m m e tolhe a m i m agora fazer aqui h u m concelho ? Faa-fe , efejalogo. Arrojem-fe cadeiras para todos. Eya Senhores Confelheiros, aflntem-fe Votas Senhorias por uas dignidades. Quantos ta por todos l D e z , ou doze 5 melhor fora duzentos, ou trezentos ? H e ifto aqui parlamento de Inglaterra ? Onde fe da tantas cabeadas , por ferem muitas as cabeas , que merecia cortadas, por cortarem hum a , que bailava. N a havemos mifter tantos Confelheiros: bafta quatro, ou cinco: va-fe os mais para as fus Quintas, onde na lhes faltar que fazer e m uas ganncias : e quem nos ha de preidir nefte concelho ? Ifto eft claro: hadeprefidir a ley: qual ley-, a do Reyno, ou a de Machavelo ? Ainda ha memrias dcfle ca ! V-fe preidir no Inferno. Sabeis vs quem h e efte perro ? H e o mais m o Herege , que vomitaro nefte m u n d o as Frias de Babylonia: e c o m iei1:e ^ e > n e <fe temer, que o trazem na aleibeira iru^de quatro, e mais de vinte e quatro.
Na
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N a queremos, que nos prefida a ley de ta m o h o m e m , que tem aflblado, quantas Republicas o admittira. A noffa ley, e Ordenao do Reyn o he a melhor , quefetabeno m u n d o , ella he a que ha de prefidir, e afim propem para tratar trs couzas. Primeira, a fortificaa defta Cidade de Lisboa. Segunda, o preidio das fronteiras. Terceira, o comercio de alem-mar. E quanto primeira, diz o primeiro Confelheiro, que na havemos mifter fortificaa, onde efta nof fos peitos. Se o fenhor Confelheiro, que tal vota, tivera o peito de bronze, tamanho c o m o o camp o de Alvalade, dizia muito b e m , e duzentos peitos tais baftava para fortificar , e defender Lisboa, e o Reyno todo : mas he de temer, que na tomou nunca a medida a peitos mais que de perdizes, e galinhas, e que na occafiaferetire, ou v calar as eporas, para atar as cadas. Diga o fegundo, c o m o nos havemos de fortificar l Parece-me, diz elle, que tomemos todas as bocas das ruas c o m ceftas. Tende m a , na vades por diante : ceftos ? Cheyos, ou vazios ? Cheyos de terra. Melhor fora de uvas, teria os foldados que comer. S h u m bem acho neies vofos ceftos , que na deixar curtar os guarda infantes pelas ruas ta Jivremente , c o m o anda. Diga o terceiro,
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terceiro: Sou de parecer, que nos cerquemos c o m trincheiras de faxina. Eperay: fortificamo-nos ns para dous dias, ou para muitos annos} N a vedes vs, que a primeira invernada ha de levar tudo iffo de enxurrada , e que haveis deficar porta inferi. Diga o quarto: Digo que melhor he nada j e eu digo que boca , que tahe com nada , que a houvera de condemnar a que nunca entrafle por ella nada , e enta veria c o m o lhe hia c o m nada. O u a m o s a q u e m prefide, o que lhe parece, e iflb taremos. Parece-me, diz a ley, que a fortificaa fe taa de pedra, e cal, c o m muitos , e bons baluartes, e artelharia nelles, porque tudo ornais heimpoffiveldefendemos. O h c o m o diz b e m ! M a s ha defer cuta do publico, e nao do particular, para fer pofivel , e todos os mais votos ta juizos occultos, que va dar e m roubos manifcftos, e irremediveis. Irremediveis digo, porque os apoya o Confelho, de donde f podia fhir o remdio. E na oblaote cila opinio, que he a mais fegura, accrefeento , que fortificaoens grandes, que demanda quinze, ou vinte mil homens de guarnia , que mais barato he na fe tratar deltas 5 porque pofta cita gente em c a m p o , fiz h u m exercito capaz de dar batalha, e alcanar vitoria , e Portugal affim fe defende mpre. Vai
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c V a m o s fegunda couza. Q u e prefidio po.-} remos nas fronteiras ? Vinte mil Portuguezes, diz o primeiro voto, e he o de todos. E de donde havemos ns de tirar vinte mil Portuguezes ? V e m c m o h o m e m , na vs que fe fizermos ifo duas, ou trs vezes, que ficar o Reyno. depovoado, e ermo? Q u e m ha de cultivar os campos ? Q u e m ha de guardar os gados ? Q u e m ha de trabalhar nas ofticinas de toda a Republica ? E faltando ifto, que has de comer, que has de vetir, e calar ? Q u e Naa vifte tu nunca, quefizefeguerra f c o m osfeusnaturais ? O s mais guerreiros Reys do m u n d o fe ajudaro de eftranhos, quefempre.tamais comparados comnof, CO-, porque l na ha Frades, nem Freiras, e porilo ta tantos c o m o moquitos, e aodem muito b e m ao cheiro dos noflbs ramos: efemor-, rem, na pomos capuzes por elles, n e m deixa filhos, que pea mercs. Trata-fe aqui da confervaa dos naturais -, e porifo elles fazem os gaftos. D e maneira, que quereis, que fiia os gaftos, e dem osfilhospara ficarem fem fazendas , e fem herdeiros, e o Reyno extinclo de tudo. Efle voflb voto eft muito b o m para darmos atravz c o m toda a Republica, mas para a coneivarmos, e defendermos, he impoifive. M u i tas
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tas Republicas depois de feus Capitaens, e Soldados ferem vencidos , vencero c o m eftrangeiros , c o m o os Chalcidonenfes c o m Brafidas, os: Sicilianos c o m Gelippo, os Afianos com Lindro, Callicrate, e Agathocles, Capitaens Lacedemo-' nios. E fe alguns Capitaens eftrangeiros tyrannizava as Republicas , que ajudaro,, como os da cata O thomana, foy, porque na tivera foras, os que os chamaro, parafedefenderem delles: para evitar efte inconveniente, na: confentia os R o m a n o s , que os que os vinh.ajudar, foiTem mais que elles; e para evitar h u m mal irremedia* vel, ha-fe de devorar algum inconveniente, quan- do he menor, que o mal que Te padece. : ; f *. < ^ . V a m o s terceira couza. Q u e medizeisdo comercio de lera-mar ? O primeiro Confelheiro diz , que na podemos c o m tantas conquif tas, que larguemos algumas $ como agora Pernambuco , porque : Atalhou o Prefidente a raza , que hia dando : e perguntou-lhe muito ferio : Almoaftes vs j ? Pois havia de vir em jejum ao Confelho ? Ailim parece , e mais que na bebeftes gua de neve. H u m confelho vos dera eu maistaudavelpara vs, do que effe vofo he para ns: que vos guardeis dos rapazes, na vos apedrcgem , fe louberem que fotes de parecer
(241) cer que larguemos aos inimigos, o que noTos avs nos ganharo c o m tanta perda de feu tangue. Senhor , tenho que dizer a ifo, replicou o Confelheiro. Calay-vos, na m e infleis 5 que vos mandarey lanar h u m grilho neta lngua : bem: fey. o que quereis dizer : na tendes que m e vir aqui c o m convenincias de cortar h u m brao , para na perdermos a cabea: ta ifldifeurfosvelhos, e caducos. A.mxima das convenincias he ter m a cada h u m no que he feu at morrer, liao largar a mos lavadas, o que outrem nos- ganhou c o m ellas entanguentadas. Sois muito'bacharel : na m efejaisPetrus in cunBis$ olbay que vos farey Joannes in vinculis. Ide-vos logo por aquella porta fora. O h de fora ! Eft ahi algum porteiro ? Chamai-me c quatro archeiros, que m e d m c o m efte zelote no Limoeiro, e vote o fegundo. O fegundo diz , que fe trate do que ha de trazer as nos, e frotas do Brafil, e ndia. Porque aqui na fe trata [ acodio o Prefidente] do que ha de levar, fenao do que ha de trazer , vem a trazer pouco mais de nada, e falta l as foras para confervar o conquiftado. Levem, difle o terceiro, muito bacalho, muito vinho, azeite , e vinagre. Eperay : ides vs l fazer alguma cetada, ou merenda ? Ainda nao
Q,
diTe-
(4)
diflemos tudo , acodio o quarto. Levem muitos foldados, farinhas, traparias, e munioens, e ifto baila. Aqui acodio a ley Prefidente, dando h u m grito : Jutia de Deos fobre tais Confelher* rosl Porque na dzeis todos, que levem Pregadores Evanglicos , que conquiftem o Gentio para D e o s , e Deos vos dar logo todos os bens temporais deltas conquiftas , que venha para vs: Quarite primam regnum Vei, <& hac omnia adjicientur vobis. Matth. 6. Sentena he de eterna verdade, que etabaleamos primeiro o Reyn o de Chrifto, e logoficareflabelecido o noTo R e y n o , e tudo nos fobejar. H e Portugal pa* trimonio de Chrifto, que fundou efte R e y n o , para lhe propagar ua f. E cana-fe debalde, quem trata de fus conquiftas por outro caminho : furta a D e o s , e ao Reyno o cabedal, que emprega c m outros intentos, que nunca ha de fer bem uccedidos, porque va fora dos eixos prprios, c do centro verdadeiro. Todos os remdios, que applicar , para indereitar as rodas da fortuna, ha de fervir de mayor depenhadeiro -, e acabem o s de cahir nifto, pois fomos Chriftos Catholicos : na demintamos noTa prpria profita; e acabemos de entender, que de ns nafee o m a l , e poriTo na tem remdio ; porque o eltorva, quem
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q u e m lho houvera de dar. E j que as perdas ta irremediveis 5 porque nafcem de Confelheiros , que tem por officio dar-lhes o remdio, e na ha outros, que emendem eftes, e os melhorem ; ponhamos aqui h u m Capitulo, que nos defeubra o fegredo da abelha, e jarrete todas eftas unhas.
s|/ *Ay -As -As w b *A* >Ay >,Lr >JL> <As >As -X' ^ U >*U- *As As NJU -si*' >AS <AS >i^ >! ^1^ xic' >!< '^ -^ **A^ "*le' ~4 -J' ^4^.
CAPITULO XXX.
Que taes devem fer os Confelheiros, e confelhos , para que unhas irremediveis nos nao damnifiquem. Um Alvitrifta, ou Eftadifta foy a Madrid , haver vinte annos , e dile, que tinha achado h u m remdiofingular, para fe dar fim brevemente s guerras de Flandes c o m grande gloria de Caftella. Etimou-fe o alvitre, c o m o merecia : fez-fe h u m a junta de todos os Grandes, e Confelheiros, para ouvirem o difcurfo do novo Apollo, que o recopilou e m breves razoens ; e diffe a todos fem nenhum empacho : Senhores, todos vemos muito b e m , que na prevalece E f panha contra Hollanda h u m a hora , mais que a
Q^ i i
ou-
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outra \ ha tantos annos ; e tabemos-, que o noffo poder he mayor, que o feu: donde Te colhe que todas as ventagens, que nos fazem, procedem , de que fe tabem governar melhor que ns : pelo que eu era de parecer, que a Magcf tade delRey Filippe mande feus Confelheiros para Flandes, e que venha os Confelheiros de Flandes para Epanha-,e logo tudo nos hir vento e m popa, e Hollanda de cabea abaixo, e tera melhora as perdas irremediveis, que nos affola $ porque as obra os Confelhos, por cuja conta corre applicar-lhes o remdio. Afim pata, que o que aflla as Republicas fem remdio, os confelhos quando erra. Efta palavra Confelho tem dous fentidos, h u m material, eoutro formal: nofentidomaterialfignificaos Confelheiros juntos , e o Tribunal , e m que fe aflenta : no formal he o votq de cada h u m , e a refolua , que de todosfecolhe : e vem a fer quatro couzas diftinctas. Primeira , Confelheiros ; fegunda, Tribunal-,terceira, o parecer de cada h u m ; quarta, a refolua de todos. Digo logo de cada h u m a , o que releva.
Que
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Qrue tais devem fer os Confelheiros. QUefta he, fe ha, de ter o Prncipe muitos Confelheiros, fe h u m f ? H u m f he arrifcado a errar, mas que feja h u m Architofel. Ter h u m valido, de q u e m e fie, para o ajudar, he prudncia, e he neceflrio. O s Papas tem feus Nepotes, e os Prncipes devem ter feus confidentes para cada matria 5 c o m o h u m para a paz, outro para a guerra , h u m para a faz nda, outro para o trato de fuapefoa, cc. E na feja h u m o para tudo, porque na pode afiftir a tantas couzas, n e m comprehendelas: e fendo vrios, eftimula-fe c o m a emulao a fazer cada qual ua obrigao por excellencia. Os Confelheiros devemfermuitos fobre cada matria, porque huns alcana , e upprem o a que na chega os outros j mas nafejatantos, que fe confunda, e perturbem as refoluoens -, quatro at cinco bafta. Outra quefta he, fe devem fer os Confelheiros letrados, fe idiotas j ifto he, de capa, e epada? H u a s dizem, que os letrados, c o m o muito, quetabem, duvida e m tudo, e nada refolyem , e que os idiotas c o m a experincia fem epeculaoens da logo no que convm. Outros tem para fi, que as letras da luz a tudo,
Q. i
e que
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e que a ignorncia eft ugeita a erros: e eu digo, que na feja tudo letrados, n e m tudo idiotas: haja letrados Theologos, e Juriftas, para que na fe cmetta erros: e haja idiotas, que com a fua atucia, tagacidade, e experincia defeubra as couzas, e d m expediente a tudo. Poucas vezes acontece, que concorra na mefma peffoa engenho para difeorrer fobre o que fe conTulta, e juizo para obrar, o que na conTulta e determiaa : muitos ta de fraco juizo confultados, mas para executar, o queferefolve,tadeftrifimos. Muitos excedem na agudeza dos pareceres que dao, mas na execuo delles ta ta ineficazes, que os perdem. E poriTo digo, que he melhor terem todos lugar no Confelho, para fe ajudarem, e fupprirem huns aos outros, eficartudo bom. Outra queftafefeguea efta [ dado que na pode nefte m u n d o tudo fer perfeito, e cabal, porque na ha, q u e m na tenha feu p de pava] fe he melhor para a Republica fer o Prncipe b o m , e os Confelheiros mos , ou ferem os Confelheiros bons, e o Prncipe m o > Se o Prncipe fe governar por feus Confelheiros, diz Elio Lampridio, que pouco vay e m que o Prncipefejam o , fe os Confelheiros forem bons -, porque mais deprefl fe faz b o m h u m m o c o m o exemplo de muitos
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muitos bons, que muitos mos bons c o m o exemplo, e confelho de h u m b o m : e c o m o a refolua, que e fegue, he dos bons, tudo fica b o m . M a s fe o Prncipe governar fem repeito aos Confelheiros, melhor he fer o Prncipe b o m , ainda que os Confelheirosfejamos ; porque o exemplo do Prncipe tem mais fora para reduzir ua imitao, os que o fervem j e c o m o diz Plato, e refere Tullio, quaes ta os Prncipes, tais ta os vaTallos: fe o Prncipe he virtuoo, todos- trabalha por ferem virtuofos , e fe he vieiofo, todos fe da ao vicio. Q u a n d o o Prncipe he Poeta, todos fazem trovas: quando he guerreiro , todos trata de armas: por montro fe tem e m h u m a Corte haver, q u e m faa, ou diga couza, de que o Prncipe na gofte. E dado que os Confelheiros na fe reformem c o m o exemplo do Prncipe , n e mfejaquaes pede a raza, para ifl tem o Prncipe o poder na efeolha dos ugeitos, na fe limitando aos que o cerca, fena eftendendo o conhecimento at os mais remotos, e lanando m a dos mais aptos. E para iflo dev e m os Prncipes confiderar, que da bondade de feus Confelheiros depende a ua fama, honra, e proveito ciefeuspovos. Se o Prncipe errar na ef colha dos Confelheiros, perde a ua reputao , c
iv
pode-
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podemos prefumir , que errar em tudo. De ter bons Confelheiros , fe fegue b o m fucceffo e m fus emprezas, b o m n o m e e m iias obras, e: grande reputao c o m os eftrangeiros j dos quaes fera venerado, e temido, afim c o m o amado , e obedecido dos feus. E para que o Prncipe pota acertar na efeolha dos Confelheiros , digo e m duas palavras as fus qualidades, de que os A u tores , e Eftadiftas fazem grandes volumes. O Confelheiro ha de fer prudente, e fecreto, tabio, e velho, amigo, e fem vicios: na cabeudo, n e m temerrio , n e m furiofo. Q u a tro inimigas tem a prudncia. Primeira , Precipitao , fegunda Paixo , terceira , Obftinaa, quarta, Vaidade : a primeira arrifea, afegunda< cega , a terceira fecha a porta raza, a quarta tudo tifiia. Trs inimigos t e m o fegredoj Bacho, V e n u s , e o Interefe. O primeiro o defeobre , o fegundo o rende, o terceiro o arrafta. E perdido o fegredo do governo , perde-fe a Republica. A fabedoria , e velhice fe ajuda muito, efta c o m a experincia, e aquella c o m o etudo ; c o m tanto , que a velhice nafejacaduca, e a tabedoria intil. Se for amigo do Prncipe, e da Republica , tratar do b e m c o m u m , e na do particular, e m que confifte a mxima da mayor virtude, que
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que deve profetar h u m Confelheiro , c o m que extinguira todos os vcios , que o p o d e m desfutrar. E para aTegurar efte ponto , devem os Prncipes acautelar-fe de pefoas, 'que tenha aggravado $ por mais talentos que tenha , na fiem delles os pftos, e m que p o d e m ter occafia de fe vingarem : Plato diz, que os Confelheiros ha de eftar livres de dio , e amor. Virglio canta, que o amor , e a ira derruba o entendimento. Salutio efereve, que devem eftar apartados de amizade , ira , e mifericordia ; porque aonde a vontadefeinclina, allifeapplica o engenho , e a raza nada pode. Cornelio Tcito tem, que o m e d o desbarata todo b o m governo , e confelho. Carlos V queria, que deixaffem porta do Confelho a diTimulaa , e o repeito. Thucidides, que entenda a matria, e m que vota , que na fe deixem corromper c o m peitas, e que fiba propor os negcios c o m graa, e deftreza. Innocencio III. quer que taiba trs couzas. Primeira ,feo quefeconfulta, he licito fegundo juf tia. Segunda, fe he decente fegundo honeftidade. Terceira, e cumpre fegundo Direito. E afim votar fem temor de repeitos, que os pota encontrar : porque , c o m o diz Santo Agoftinho, melhor he padecer por dizer verdade , que receber
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ber mercs por lifongear: e he confelho de Chrifto , que temamos a perda da alma, e na a do corpo. D e v e m ter os Confelheiros todos feus bens nas terras do Prncipe, a q u e m fervem, e todas fus epetanas pftas nelle; e o Prncipe na de* ve manifelar fua opinio, para votarem livres, E ptos nefta liberdade, na feja fceis de variar no parecer, n e m afferrados ao que dera 5 mova-fe por raza : porque na m u d a , nenl varia o confelho, diz Tullo, q u e m o varia, q m u d a para efeolher o melhor. Covardes ha, para que na lhes chamemos traydores y que capea fua m tena no confelho, c o m aftucias, que nunca lhes falta , encobrindo fua natural fira- queza, que nelles pode fempre mais, que .a raza , e que a experincia , que muitas vezes lhes moftra, que na tivera caus para temer,, e que lhes obejou m vontade para enganar, e poriTo vara. Livrarfe-ha deftes o Prncipe, fe os vigiar, na lhes admittindo o confelho para effeituar couzas illicitas , n e m meyos illicitos, para confeguir couzas licitas: e afim h e , que nefta pedra de toque va fempre esbarrar feus quilates. Alguns Autores querem que os Confelheiros taibao muitas lnguas, ou pelo menos as dos
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povos, que o feu Prncipe governa, ou tem por aliados, e amigos ; porque corre perigo defcobrirem os interpretes o fcoredo, ou declararem mal as Embaixadas. Pedro Galatino diz que era obrigados os Juizes de Ifiael a taberem fetenta lnguas, para na faltarem por interprete aos que diante delles litigava. D e v e m ter lio dashitorias, e corrido r muitas terras, e Naoens ; taber as foras do feu Prncipe, de feus vifinhos , amigos, e inimigos. Seja liberais -, porque o povo paga-fe muito defta virtude, e a a m a , e a adora: o avarento fempre he aborrecido, e por acodir ua cobia tudo faz venal. Favorea os que o merecem, fem que lho pea : tenha a porta aberta para ouvir a todos, fem efcandalizar c o m palavras, n e m dar occafia de defeperarem as partes. E finalmente feja o Confelheiro b o m Chrifta, e ter todos os requifitos porque a pureza da Religio Chrifta Catholica na permitte vicio, que na emende. Tribunal como, e que tal. ARiftoteles no lib. i da fua Rhetorica diz, que toda a Republica para fer b e m governada deve ter cinco Tribunais. Primeiro da Fazenda
(252) da publica, e particular. Segundo da Paz. Terceiro da Guerra. Quarto do Provimento. Quinto da Jutia. E nefta parte eftamos melhor que a Republica de Ariftoteles; porq temos doze Tribunais , que bem examinados, fe reduzem aos cinco apontados. Para o primeiro da Fazenda publica, e particular , temos dous-yh u m fe chama tambm da Fazenda, e outro he o Juizo do Civel com ua Relao, para ondefeappella, e aggrava. Para o fegundo da Paz temos cinco, trs delles para o tagrado , e ta o Santo Ofricio, o do Ordinanario, e o da Conciencia ; e dous para o profano, que ta a Meta do Pao, e a Cata da Supplicaa. Para o terceiro da Guerra temos dous , h u m que fe chama tambm da Guerra, e outro Ultra*? marino. Para o quarto do Provimento temos outros dous j h u m he o da Camera, c outro o dos trs Eftados. E para o quinto da Jutia temos outros dous, que jficatocados, e ta a Me do Pao, e a Relao. E para melhor dizer, todos os Tribunais tira a h u m ponto de feadminiftrar jutia s partes, Efinalmentefobretodos h u m , que os comprehende todos, e he o do Efta do. O s Romanos tinha h u m Templo dedicado Deidade do Confelho, e era efcuro, para deno-
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denotar, que os confelhos devem fer fecretos, e . que ningum deve ver, n e m entender de fora, o que fe trata nelles. Licurgo na permittia e m Lacedemonia, que foflem magnficas, n e m fump-, tuotas as catas, e m que fe fazia os confelhos, e punha os Tribunais, para que nafedivertifim, n e m enfoberbecefem os Confelheiros. E at nef ta parte fe acomoda Portugal muito aos antigos: e por credito feu na digo, o que m e parecem os apofentos, e m que arma osfeusTribunais. E m outras couzas tomramos que imitara os antigos, c o m o no magnfico, e grandiofo de obras publicas, fontes, pontes, torres, pyramides, columnas, obelifcos, eoutras maquinas, com que fe cnnobreccm as terras, efeaffamara Gregos, e Romanos. E e m Lisboa, Promontorio mayor, e melhor do m u n d o , na haver h u m a obra publica , que leve os olhos! Se e m minha m a etivera, j tivera levantadas columnas mais mageftotas , que as de Trajano, e Agulhas mais grandiotas, que a de Xifto , humas de mrmores, e outras de japes, que nos fobeja , ta altas, que ven a o s montes, e cheguem s nuvens, e e veja at dos mares 5 c fobre ellas as Eftatuas delRey nofl Senhor D. Joa o IV. e da Senhora Rainha, e do Serenilimo Prncipefeufilho,que enchei-
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encheflem, e authorizaflm c o m Tuas Reaes Ma-* geftades os terreiros, Rocios , e praas, para* eterna memria, e gloria da felicidade, com que dominaro efte R e y n o , e nos livraro do jugo de Caftella fem arrancar epada, nem dar m o f trs de aca violenta, c o m o rayos, que obra feu effeito , antes que fe oua o trovo. N e m feria ifto gaftos fuperfluos, quando o credito, e admirao, que delles reulta, cauta nas N a oens etranhas afombro , c repeito, c o m que fe enfrea; confiderando, que q u e m tem pof fes , e magnanimidade para couzas ta grandios na paz, tambm as ter , para as que ta mais* necetarias na guerra. M a s elles v m , que na* temos h u m Cais, que prefte , que na ha h u m M o l e e m nofos portos, n e m fortificaa acabada e m noTas fronteiras ; perdem o conceito , . que devero ter de ns, e toma orgulhos, c audacias, para nos fizerem das fus, confiados mais e m noflb defeuido, e detalinho , que e m feu poder. D e donde v e m ifto ? H e que na ha q u e m cure do publico : e poriflb j na m e epanto do pouco apparato, e lutre dos nonos Tribunaes, que correm nefta parte a fortuna das obras publicas. E f h u m b e m tem, que he eftarem quafi todos juntos dentro de h u m pateoj. com
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corri que fica menos trabalhofos os requerimentos das partes, para forrarem de tempo, e pautadas na bufea dos Miniftros j que tambm fora b o m viverem arruados todos , e na ta epalhados, e remotos huns dos outros, que far muito h u m requerente muito ligeiro, fe der caa a dous, ou trs no memo dia , para lhes lembrar * o feu negocio. A o b e m de eflarem juntos os nof fos Tribunaes, fe devera ajuntar outro de ferem comunicveis por dentro c o m o Pao Real-, d e forte, que pudefle ElRey nofo Senhor fem fer vifto, n e m fentido, ver, e ouvir o que nos Tribunaesfeobra. O Emperador dos Turcos tem hum a gelofia coberta c o m h u m fendal verde, por onde v, e ouve tudo, quanto os Baxs fazem, e dizem , quando fe ajunta e m confelho os quaes f c o m cuidarem, que os eftarepreitando o feu R e y , adminifta jutia, e na gafta : o tempo e m praticas , que na pertencem ao fervio defeuSenhor, ou ao bem publico. E m conclu : as Republicas ricas devem moftrar fua grandeza na mageftade de feus Tribunaes c o m catas amplas de frontipicios magnficos, e b e m guarnecidos por dentro, claras, e umptuozas j porque a excellencia dos apparatos exteriores eperta no interior dos nimos epiritos grandiozos
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diozos, e refoluoens alentadas: alojamentos hir-* mides acanha os brios, embta os difcurfcs at nos intentos generofos lana grilhoens, e algemas. Tamara lib. i. cap. 7 dos coftumes das gentes diz, que havia e m Frana antigamente h u m coftume, que eu*na poffo crer, que o Confelheiro , que acodia muito tarde ao confelho, tinha pena de morte, a qual logo^fe executava. E que fe algum fe defentoava ,. ou fazia arrodos no Tribunal, lhe cortava o, topete. Devia de tomar ifto dos Grous y que quando fe ajuntaa na Afia , para fe mudarem de h u m a regio para outra , depenna, e mata o que vem ultimo de todos. Juntos os Confelheiros no Tribunal, a primeira aca, que devem fizer, antes de tratarem nenhum negocio, he orao ao Eipiritp Santo, offerecendolhe h u m Padre noTo, ou .huma Ave Maria pedindolhe, que os alluitie a todos illuf trando-Ihes o entendimento , para que iba ef colher, o que for mais conveniente ao Divino fer? vco, e mais proveitozo para o augmento da Republica, e b e m de eu Prncipe. Dar principio a couzas grandes fem implorar auxilio do C e o , he aca de Satyros, ou de A'theos. >
Voto,
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Voto, *parecer de cada hum.
j.
he h u m b o m avifo, quefetoma fobre couzas duvidoas , para na errar nellas : toma-fe fo-, bre couzas, que na efta na nota m a , na Te toma fobre couzas infalliveis, porque eftas pe-' d e m execuo , e na confelho $ deve fer de couzas pofiveis, e futuras y porque as impofliveis prefentes, e pautadas j na tem remdio. N a deixa o confeliio deferb o m , por tahir o Tuccefb m o n e m o "mo confelho deixa de o fer, por ter b o m ucce-flo , porque os fucceffos ta da fortuna , e dependem das execuoens y que muitas vezes por Terem m s , damna a bondade dos confelhos , e tarabem por ferem boas, emenda s vezes o erro do confelho. O s Carthaginenfes enforcava os Capitaens, quevencia fem conelho, na caftigava aos vencidos, fe confultava pri^ meiro, o que depois obrava. N a guerra, que os Gregos fizera a Troya, mais montaro os confelhos de Neftor, e UlyTes, que as foras de Achilles, e Ayas. Henrique III. de Caftella dizia , que mais aproveita va aos Prncipes os confelhos dos tabios, que as armas dos valentes^ porque mais iluftres couzas fe obra c o m o en ' < R tendi-
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rendimento da cabea, "que com as foras dos braos : e allegava o que diz Tullio, que mais aproveitaro a Athenas os confelhos de Solon, que as vitorias de Themiltocles. H e muito prejudicial taberem os Confelheiros, o que o Prncipe quer; porque logo buca razoens, com que o juftifiquem. O Confelheiro na ha de approvar tudo , o que o Prncipe differ , porque ifo Ter Ter lifongeiro, e na Confelheiro. Muitos na tem nos confelhos repeito ao que fe diz, fenao a quem o diz ^fehe amigo, va-fe c o m elle:fenaohe do feu h u m o r , ou parcialidade, reprova-no : e he muito prejudicial m o d o de governar efte. Pequenos erros> que no principio na fe fentem, ta mais perigofos, que os grandes, que fe v m , porque o perigo, que fe entende, obriga a bufcar o remdio ; mas os erros, que fe na fentem, ou difimula, crefeem tanto pouco a pouco , que quando fe advertem, j na tem remdio^ com o a febre thifica, que no principio na fe conhece, e quando fe defeobre. na tem cura. Confelhos bons ta muito bons de dar, mas muito mos de tomar : . muitos os d a , e pouco os toma. Confelhos mos tem duas razes: ou nafeem de dio, ou de ignorncia: por peores tenho os primeiros, porque a ignorncia procede
da
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da fraqueza, e o dio reulta da malcia: e a ma^ licia he peor inimigo que a fraqueza. E at nos bons confelhos podem reinar o dio, e a maliL cia, quando muitos os da, e poucos os toma , ou feja no termo quo, quando fe d confelho, pois todos olana de fi} ou feja no ter*m o ad quem, quando fe recebe, pois poucos o admittem. Q u e feja tomados com aborrecimento , he couza muito ordinria: que feja dados c o m dio, na he ta c o m m u m , mas he grande mal , porque nunca pode fer boa a planta, que nafee de m raiz , ou fe enxerta em roim arvore. E com fer m o o confelho deslindado nefta form a , era muito b o m para fer dinheiro peta propriedade que tem , e j diffemos, que muitos o da , e poucos o toma. E m huma couzafeparece muito o confelho com o dinheiro, e he, que ambos ta muito milagrofos. Trs milagres muito grandes achou h u m difcreto no dinheiro 5 na ha quem os na experimente, e por ferem muito" ordinrios , ningum taz memria delles. Primeiro , que nunca ningum fe queixou do dinheiro , que lhe pegafle doena. Segundo, que nunca ningum teve nojo delle. Terceiro, que nunca cheirou mal. Digo que nunca ningum fe queixou delle, que lhe pegaTe doena; porque an-
R i i
dando
(200) ' dando por mos de quantos leprofos, Tarnofosi; morbogallicos, e empftados ha no mundo, e patando deltas para as mos do mais mimofo fidalgo , e da mais delicada donzella, nenhuma doena Cabemos, que lhes pegaffe, mais que fome de lhe darem mais. D o n d e colho que na he b o m o dinheiro para pa , que fe fora pa, nunca houvera de matar a fome. Digo mais, que nunca ningum teve nojo do dinheiro ^ porque o recolhem, e m bolcas de mbar, e feda, o guarda no feyo, e at na boca o metem, fem terem aco delle, n e m fe lembrarem, que tem andado po mos*de regateiras, ramelozas, e de lacayos rabugentos, -e de negros rapofmhos. E digo finalmente , que nunca cheirou mal a ningum , poroue bem pode elle fahir da mais immunda coaca , repira nelle bemjoim de boninas , a.r.da que venha entre enxofre, ha-lhes de cheirar a mbar, algalia, e aimifcar. Tal he o confelho : fchebom, nenhum malfiz : fehemo, ningum tem nojo delle, nem lhe cheira mal ; ainda que venha envolto em fumaas do Inferno , parecemlhe perfumes aromaticos do Paraifo: e enta mais, quando vem deslumbrando com tais nevoas, qae tolhem a vifta de feu conhecimento. D e tudo o ditofecolhe, que le divide o confelho e m b o m , e mo:
(2I) e mo : fe he bom, recebe-fe com aborrecimento,1 fe he m o , d-fe por dio. Q u a n d o fe recebe c o m aborrecimento, nada obra, por b o m que feja : quando fe d por dio, pertende arruinar tudo, e alcana o intento, tanto que fe aceita. Deos nos livre de fer odiofo o confelho, tanto m e d por repeito de q u e m o d, c o m o por parte de q u e m o recebe : e m manquejando por algum deftes dous plos, ou na temos f nelle, ou executa a peonha que traz; e de qualquer m o d o cau runas, e grandes perdioens. Para fe livrar o Prncipe de todas eftas Scylas, e Charybdes , deve conhecer b e m de raiz os talentos, e nimos de feus Confelheiros: e faa poriTo, porque niTojeft a perda, ou ganho total de Teu Imprio. Refolua do Confelho.
delia nafee a execuo , e defta o b o m effeito, que he o fim, que fe pertende nos Confelhos. N a s emprezas devem-fe executar as refoluoens, que tem menos inconvenientes, porque he impofivel na os haver: e q u e m fe na aventurou, n e m perdeo , nem ganhou : e h u m perigo c o m outro fe vence , e atraz do perigo vem o provei.u-u R iii to.
(22) to. Na devem os que confulta deixar de excl cutar, o quefedetermina, porque haja perigo na execuo ,fehe mayor o proveito, que de exe-r cutar-fe fe fegue, que o perigo, que de nao executar fe, encorre. Prudncia he confultar com madureza , e executar c o m diligencia: 0 Confelho na almofada , diz o Provrbio , e a execuo na efirada$ e poriTo fe dizia dos Romanos, que aflntados vencia. Prncipes ha, que para que na lhes va m a no que determina , na admittem a Confelho, os que tabem lho na ha de approvar, para que na lhes debilitem os anim o s , dos que epera os ajudem no feu parecer: prejudicial m o d o he efte de governar. Tanto que e comea a executar o queferefolveo, nafedev e m lembrar do confelho, que deixaro de eguir^ para que na lhes esfrie ogofto, que d alma a execuo : c efta na fe deve cmetter nunca a q u e m foy de contrario parecer -, porque por fazer a fua opinio boa, d a travz c o m toda a empreza por modos illigitimos , que feu capricho lhe inculca , e capa j c o m aprefl, j c o m o vagar , que prova fofifticamente ferem meyos necetarios. Negcios ha, que he melhor deixalos h u m pouco, que executalos logo-, porque executados fe malogra, ou concluem tarde ; e dif-
imu-
(*6?)
%,
fimulados fe esfria mais cedo: muitas doenas fra o tempo fem mzinhas, e na o Medico c o m ellas: muitos negcios fe perdem ; porque na fe executa e m feus lugares, e conjunoens: deve eftar a empreza tazoada parafeeffeituar, c o m o a horta dipofta para fe femear. Q u a n d o o governo comea a defeahir, por^ que ta mais os que refolvem mal, que os que refolvem b e m , pouco impedimento baila, para que na fe execute, o que na conulta fe examina , e ainda que alguns aconfelhem bem, na bafta a ordenar , o que os mais defordena : n e m ferve de mais o eftar no Confelho, que participar da culpa , que tem os que governa mal: e f lhe fica por remdio ao Prncipe retratar tudo , conhecido o erro: e he h u m remdio muito prejudicial, porque diminue muito na authoridade do Prncip e , e augmenta mpetos de deobediencia nos Miniftros para as execuoens, que mais importa. O Prncipe conulte , e cuide bem o que decreta, porque na parece bem retratado, talvo for e m quadro c o m b o m pincel , mas c o m penna n e m de palavra, na fica gentil-homen. Se o erro for pequeno , melhor he fuftentallo, fe na fe feguir delle grande damno , ou alguma offenta de Deos ; porque prepondra mais o credito do
R iv
Prin-
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Prncipe : e fe for de qualidade , que pea emenda, haja algum Miniftro fiel, que o tome fobre fi, e tambm a pena, que o Prncipe moderar, ou perdoar a titulo de defeuido ; e afimfedar tisfaa a todas as partes,ficandoille a authoridade mayor. Se houvefle Prncipe, que facilmente fe retratafle, allegando que na he rio, que na haja de tornar a traz ? Repondera-lhe que ha trs R.R.R. que na torna atraz, por mais montes de dificuldades, que fe lhe ponha diante: e ta : Rey , Rio , e R a y o , e o Rey muito mais , porque e dr e m dobrar-fe, e m dous dias perder o credito, que confifte e m utentar ua palavra ; que c o m o dizem palavra de Rey deve fer inviolvel: efeo na for, faltarlhe-ha os fubditos c o m a inteireza da obedincia, e m quefeapoya a Mageftade, e na o conhecero por R e y , nem por Roque. Efeguirfe-hadamnos irremediveis, os quaes pertendemos atalhar e m todo o difeur deite Capitulo y que b e m confiderado v e m a fer, que do b o m confelho fe fegue o b o m governo, que futenta as Republicas lletas; e do m o reulta aflolaoens de Reynos, e runas de Imprios j e o m u n d o todo he pequena pelota para o bote, ou rechao de h u m lano de m o governo. CA-
C A P I T U L O
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XXXI.
A no Brafil, e C a b o Verde tantos bugios", que a praga, e porque os eftima era Portugal, e e m muitas partes porfeustregeitos, ufa l h u m m o d o de os caar fem os ferir muito fcil, e recreativo. Lana-lhes cocos abertos, e providos de mantimento nas paragens, onde anda mais freqentes , mas abertos c o m tal proporo , que caiba a m a do bugio aberta, e na fechada, e c o m efte animalferta ardilofo, que cuida os Tapuyas, que tem entendimento ; tanto que empolga no miolo do coco, nunca o larga , n e m be abrir a m a para a tirar fora. D a fobreelles os caadores de repente, tanto que os fentem enfrascados no fevo, e porque tem feu valhacouto nas arvores, fogem para ellas, e faltandolhes as mos para treparem , deixa-fe apanhar, por na largarem a preza do mantimento. Mais ardilozas ta as cobras, que para ecaparem de aniiraes inimigos, que as perfeguem, fazem minas , e m quefeguarecem, largas no principio, e etrei-
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etreitas no cabo com fua tahida apertada, po onde efeapa, deixando entalado feu inimigo, e logo voltando-lhe nas coftas pela primeira via ,? lhe tira a vida a feu talvo, e logra o depojo do cadver. Fazer h u m a faco de grande porte he valentia , carregar nella de grande preza he felicidade , deixar-fe render c o m a preza nas m o s , e perdella c o m o credito, e vida, he degraa , e he ignorncia de bogo. Levarem-me a preza , e illa tirar das garras do inimigo, mas que feja c o m embofeada, e etratagema, he prudncia de ferpente : e eftas ta as unhas de que trato, que ta-* b e m pefear c o m fabedoria , fem deixar rafto de que lhe p e g u e m , n e m porta aberta, por onde o cacem. H a outras unhas, que p e m fua fabedoria e m fazerem b e m o falto , e darem logo outro, c o m que fe ponha e m cobro $ c o m o os que anda de terra e m terra vendendo unguentos para todas as enfermidades: e m Caftella os vi applaudindo feus medicamentos pelas praas , e para prova de fua efHcacia patava c o m eftocadas uas prprias tripas [fena era as de alg;um carneiro ] e untando a ferida fe dava logo por tas : e a gente immenta , que ifto via , comprava fem reparo as unturas, que vinha a fer azeite c o m cera,
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cera, e alecrim pizado 5 e os vendedores patava avante a outra terra, deixando os compradores ,com as bolas vazias de dinheiro, e cheyas de unguentos, que na preftava para nada. Melhor fuccedeo a h u m , que vi e m vora [ Caftelhano era ] fez h u m theatro na praa, poz nelle dous caixoens de canudos do unguento milagrofo, que fervia para todos os males: bailou fua mulher, e h u m afilha,que volteava por cima de h u m a meta , fizera entremezes, a que acodio toda a Cidade : diTe elle no cabo tais gabos da mzinha, que na ficou pefloa, que a na compraTe a tofta cada canudo, at vazar de todo os caixoens, que encheo de prata : e ao outro dia deu comfigo e m Caftella, levando de caminho outros lugares: e fey que cegou h u m a pefoa c o m a mzinha, porque a poz nos olhos; e outro acabou de entrvar de h u m a perna, potque a untou c o m elle. O urras unhas ha ta tabias c o m o eftas, para pilharem dinheiro vendendotabedorias.Nefta Corte andou h u m brixote veftido de vermelho na era de 641. promettendo h u m a receita, fe lhe dffem tantos, e quantos, c o m que fe confervaria carne freica mais de h u m anno, frutas, e hortalias : excellente invento para as nos da ndia, mas nada vimos, que confeguifle effeito. E u o vi
em
(268) em vora fixar cartis imprefos pelos cantos J que tinha huni medicamento para confervar os vinhos, e melhoralos: e h u m curiofo lhe deu alg u m dinheiro para fazer a experincia e m h u m tonei; e fora melhor fazella e m h u m quarto, para na perder duas pipas de vinho, que fe lhe danou c o m abuxinifrada deara, e outros materiaes, que lhe mexeo. Outro mais tabicha que todos veyo vendendo, que tabia fizer bombardas de parafuzos, que pudeflem levar cincoenta foldados cada h u m a e m rofeas, e.armalla, edif parar aonde quizefem:. poem-fe a epeculaaq e m praxe y arrebenta o fogo pelas juntas, e crifm a a quafi todos. Outro ta tabio empilhar di* nheiro c o m o efte prometteo fazer peitas de arteIharia ta leves, que pudefe levar duas h u m a azmola, c o m o colaes e m carga campanha , e que as havia de fazer de couros crus, e cofidos, ta fortes , que diparaTem quatro tiros fem rifeo algum de arrebentarem: poz~fe a maquina e m effeito j c eu a vi e m Elvas lanada e m h u m monturo , porque arrebentando c o m meya carga de prova nos defearregou a todos deite cuidado, O utro gabando-fe de engenheiro conumad o , prometteo humas barcaas , que hindo do Rio de Lisboa abrazaria todos efes mares, e quan-
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quantas armadas inimigas nelles houvetem : encheo os de palhas, echamios, que eftava promettendo quando muito h u m a boa fogueira de S. Joa, e day c por cada invento deftes tantos mil cruzados. Tal c o m o efte foy outro e m C a m p o mayor, que fe gabou fabia fazer h u m a arca de foguetes e m forma de grandola 5 e que havia de tahir delia defoslayotodos juntos, comorayos, a ferir as barbas do inimigo c o m ferroens de fettas. Por mais louco tive outro, que trouxe a efte Reyno h u m fegredo de armas de papel , que difle tabia fazer, tintadas c o m certo leo, que as fazia impenetrveis a prova de moquete, e ta leves c o m o a camita. Q u e haja no m u n d o embufteiros, na he para m i m couza nova , mas que haja e m Portugal quem os oua, e dmitta, he o que choro , fem acabarem de cahir, que tudo fonhos.deScipia, enredos de Palmeirim, gigantes de palha, c o m que nos arma, mais a levar o ouro do Reyno, que a defender a Coroa delle, e nifto he que pem toda a fua fabedoria, que trazem fcrita na unha. ,? Outras unhas anda entre ns ta tabias, que deponta de acudas: e podemos dizer deltas, o que dile Feito S. Paulo : Multa teditera ad infaniam convertunt. "lrV zG. Q u e os fazem cloudos
(270) doudos as muitas letras que alrota. Eftes oi Eftadiftas, Alvitriftas, Crticos, e Zoilos, que tem por ley feu capricho , e por dolo Tua opinio j e para a fuftentareiu, na repara em darem atravz c o m h u m a Monarquia: e ha gente ta cega , que levada f do fequito, que os tais por outra via ganharo, at a feus erros chama tabedoria, fem advertirem nos grandes damnos $ que defeusconfelhos nos reulta.
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CAPITULO
XXXII.
Vos que furtao com unhas ignorantes. DItotas unhas ta eftas, porque depois de fazerem immenfos damnos no que desfazem, c desbarata c o m feus ataltos, fica fem obrigao de retituir, fe a ignorncia he invencvel-,que fe he crafla, ou fupina, corre parelhas c o m as dos ladroens mais cadimos. H a humas ignorancias, que fomos obrigados a vencellas pelas regras de noflb oficio, que nos efta advertindo tudo : e q u e m he ignorante na arte, ou officio, que proeta, todos os damnos, que dahi refulta s partes,
(271) tes, a elle Te imputa, e a quem conhecendo fca ignorncia, e devendo emendallo, o confente. C o m o pode fer Medico , q u e m nunca eftudou Medicina ? C o m o podeferPiloto, quem na entende o Atrolabio ? C o m o pode fer Advogado, q u e m nunca leo a Ordenao ; e o meTmo digo de todos, quantos officios ha na Republica. At o alfayatefena tabe talhar, deita-vos a perder o voffo panno : e h u m tarralheiro, fe na tabe dar a tempera ao ferro, u ao, damna-vos a peita, que lhe mandates concertar. E na ignorncia de todos fe v e m a refundir innumeraveis, e infofriveis perdas, que cauta a todo o Reyno e m vidas , honras, e fazendas, que ta as couzas, que mais fe eftima. B e m provido eft tudo com Examinadores para todas as Artes, fe na houvera peitas, e intercefoens, que corrompem at os mais efeoimados Rodamantos. E fe ilo na baila, logo acha h u m tabio na fua cincia, quefeexamina por elles, mudando o n o m e por menor preo, c lhes alcana cart^, de examinaa, c o m que fica graduada a ignorncia do candidato , e elle dado por meftre peritifimo. C o m o ha dr haver no m u n d o , que fe tolere, e permitia provarem curis e m Coimbra mais de h u m cento de Etudantes todos os annos, fem porem p na
(272) na Univeridade \ Anda na fua terra matando caens, e efcrevem a feu tempo ao amigo, que os approvem l na matricula, reprefentando fus -figuras , e nomes : e daqui vem asfentenaslatimotas, que cada dia vemos dar a Julgadores, que na tabem, qual he a ua m a direita , mais que para embolarem c o m ella eportulas, e ordenados , c o m o fe fora Bartholos, e Covas-Rubias. Daqui matarem Mdicos milhares de homens, e pagarem-fe, c o m o fe fra Avicenas; e Galenos. E a graa, ou mayor degraa he, que n e m o diabo, que lhes enfinou eftes enredos, lhes taber dar remdio, talvo for levando-os a todos, que he o que pertende. N oferviodelRey na fe devem tolerar tais ignorancias, porque fe feguem deltas damnos gravifimos. Q u e m perdeo as nos, que vinha da ndia carregadas at s gavias de riquezas ? Dizem que o tempo : e he engano : na as perdeo, fenao a ignorncia dos Pilotos, que/fora dar com cilas e m baixos, e cachpos. Q u e m desbaratou a frota, que hia para b Brafil ? Dizem que s piratas: e he engano : na a desbaratou, fenao a ignorncia dos marinheiros, que na fouberao velejar a propofito. Q u e m perdeo a vitoria m campanha ? Dizem que a remita da cavallaria:
c/s-st/s (273)
ClJtyit*
e he engano: na a perdeo, fenao a ignorncia dos Coronis, que na foubera dipr as couzas, c o m o convinha. Gente bifonha, e mal diciplinada ocafionara c o m ignorancias intolerveis perdas * ' e o que fe deve faber, e advertir, nunca tem boa efcuza : mas na ha morte em achaque, todos tabem dar fahida a feus erros, fazendo homicida fortuna, que eft innocente * ' no delito. M a s c o m o o m a l , e o b e m face v e m , logo fe deixa ver a fonte da culpa : e he grande latima, que arrebente efta ordinariamente da ignorncia. H a alguns ladroens ta ignorantes , que fempre deixa rafto c o m o lmas, e a mema preza os defeobre; c o m o o que furtou o trigo, fem advertir, que era o taco roto, e pelo rafto delle, que hia deixando, lhe dera na trilha , e o apanharo. Outros porque fe carrega tanto, que na podem fogir, ta alcanados. Outros porque fe veftem do que furtaro, ta conhecidos - e todos f por ignorantes ta decobertos. Antes he propriedade da ignorncia, que por mais, que fe efeonda, na pode muito tempo eftar occulta. C o m o fuccedco na Alfndega do Porto por defeuido do Provedor, e incria de feus Miniftros, que a balana, e m que fe pza S os
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ds acares, e drogas, que paga direitos pelo pezo, fe falfificou de maneira, que a emquefe punha QS pezos, tinha menos duas arrobas, que a outra, e m que fe punha as caxas, e fardos, fem fe dar f deite delrio, fenao depois de ElRey perder muitas mil arrobas nos feus direitos. Ifto de balanas deve andar fempre muito vigiado, e na excluo daqui a cata da M o e d a : pudera referir acjui muitos m o d o s , que ha de furtar nellas, e deixo, porque na pertencem a efte capitulo, feu lugar tera. N a farey minha obrigao, fe na enxirir aqui h u m a ignorncia fatal, que anda moente, e correnre nefte R e y n o , na emenda da qual tem o s muito que aprender nas outras Naoens, ainda que ellas obra c o m injutia, o que ns podem o s imitar fem nenhum eferupulo. E he, que nen h u m a gente ha ta deinazelada, que fazendo h u m a frota, ou armada para alguma empreza , na aTegure os gaftos delia por todas as vias ; de tal forte, que e o primeiro intento na Tucceder, recupere no fegundo, ou no terceiro. C o m o agora : faz o Hollandez, ou o Inglez h u m a armada , para hir dar e m certa parte de ndias, onde tem a malhada h u m a grande preza : e fe efta lhes ecapa das unhas, por ventura de huns, ou det graa
1 i
j ,
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graa de outros, j leva deftinada outra faco j e outra e m outras paragens, feja quaes forem , para onde vira logo as proas, e na fe recolhem para feus portos, fem trazerem, c o m que refaa ao -menos os gaftos, quando na encha as bolas. S Portugal he nifto ta prdigo, que tem por tirhbre [chamara-lhe antes inadvertencia, ou ignorncia] entregar todos os gaftos de uas armadas ao vento, fem mais fruto , qtie o de dar h u m pafleyo c o m bizarria por Vai das guas, e tornar-fe para cata c o m as mos vazias, e as fraqneiras depejadas. Quanto melhor fora levar logo no Roteiro, que fe na acharem piratas, que os buquem at dentro e m feus portos; que va a Marrocos, que va s barras de nofos inimigos , que eperem, que aya, e que na fe venha fem recuperarem por alguma via os gaftos, pelos menos, os que va fazendoy e a eftes fem fruto chamo tambm unhas ignorantes.
S i i
CA-
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CAPITULO
XXXIII.
Vos que furtao com unhas agudas. '. TOda a unha, que arranha, he aguda 5 e toda a unha, que furta, arranha at o vivo: logo todas as unhas, que furtao, ta agudas. B o m eft o argumento, e bem conclue ofyllogifmo. M a s na fallo defl agudeza, fena da fubtileza com que alguns furtao, fem deixarem rafto, n e m ppada de que lhes pegue : e aqui bate o ubtil, e o agudo defta arte. O etudante, que vendeo a Imagem de S. Miguel da Capella da Univeridade de Coimbra, c o m ofefora fua, a h u m h o m e m do c a m p o , na andou ubtil, porque ainda que fez o contrato no pteo , e a entrega na Capella fem tetemunhas, e e acolheo c o m dez mil reis nas unhas, logo fe defeobrio a maranha, e o apanharo pelosfinais,que deu o villa, e lhe fizera pngar o capital, e mais as cuftas. E menos agudo andou o outro, que talhando o preo das galinhas , a q u e m as vendia na feira, e levando-o a q u e m dizia lhas havia de pagar, o poz e m huma Igreja, onde eftava o Padre Cura coafetando, e chcgan-
^77)
chegando-fe a elle, lhe pedio por merc purida-, de, fe lhe queria ouvir de confita aquelle hom e m , e repondendo alto que fim, e queefperafie, que logo o despacharia, fe deu o vendedor por tisfeito, cuidando o mandava eperar, para lhe dar o preo da compra, e teve lugar o ladro de fe acolher c o m o furto $ mas na advertio, que o podia conhecer o Confeflbr , com o conheceo, de que refultoutahiro ladro da alhada c o m mais perda, que ganncia. Mais agudo andou outro , que vendo entrar peta ponte da mema Cidade de Coimbra h u m forafteiro b e m veftido, armou a lhe furtar o fato na volta : e armou b e m para feu intento 5 porque o eperou no bocal de h u m poo, que efta na etrada, por onde havia de palar, chorando fua degraa , e que lhe cahira naquelle inftante hum a cada de ouro dentro no poo, e que daria h u m dobra , a q u e m lha tiraTe. Moveo-rfe a compaixo o patageiro, que devia de fer h o m e m de bem , fe na he que o picou o intereTe, e poriTo na prefumio malcia : gabou-fe que ta-bia nadar como h u m golfinho, e que lhe tiraria a cadca de mergulho: defpio-fe, fem fedefpedir do veftido, que logo fe depedio delle; porque o matalote, da cada, tanto que o, vio debaixo da S i i i gua
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gua , tomou as de Villa Diogo com todo fato, e cabana, deixando a feu dono como fua myopario, fem lh deixar rafto, nem pegada, por onde ofeguifle: n e m podia, ainda que quizifle, pelo deixar prezo fem cada, nem grilho , c o m o pinta as almas do Purgatrio. M e nos cruel andou h u m a Matrona e m Madrid , c na menos ardilota, que mandou fazer duas bocetas c o m fechaduras, ambas iguaes, e femelhantes na guarnia , e pregadura : meteo em h u m a trs mil cruzados de joyas, e na outra outro tanto pezo de c h u m b o , e pedras, que achou na rua, e efcondendo efta na m a n g a , fe foy c o m a outra a h u m mercador rico, que lhe df dous mil cruzados a cambio fobre aquellas joyas: celebraro o contrato, fem reparar ella na quantidade dos redditos, porque na determinava de os pagar , n e m elle no capital, porque fe aflgurava c o m as joyas. Virou-fe contra h u m efcritorio para tirar o dinheiro, e c o m mayor velocidade a fenhora harpa trocou as bocetas, pondo na meta a das pedras chumbadas, e recolhendo na manga a das joyas , e levando a chave comig o , para que lhe na enxovalhaflem as joyas, ou atiralem c o m as pedras, fe foy c o m os dous mil cruzados, onde nunca mais appareceo, nem
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n e m apparecer, fenao no dia do Juzo, v ".ii N a andou menos aftuta outra Senhora na mema Corte, para fe veftir de cortes os mais preciofos, que achou na calhe M a y o r , cuta do mercador , que lhos cortou por Tua boca Tua m e ^ dida. Aluga-fe e m Madrid amas , afim c o m o e m Lisboa ecudeiros, para acompanhar: tomou h u m a , que tocava de m o u c a , e chamando-lhe madre mia, fe foy c o m ella, aonde fez a compra de tudo o melhor que.achou, fedas, telas, e guarnioens, que paflara de quinhentos cruzados , fem reparar e m medidas, n e m e m preos: e quando foy " paga dile : tue no trahia caudal bafiante ^"porque no penfava, que bailaria co fias tan> lindas , que alli quedava fu madre , y que luego bolvia con todo ei dinero : quede-fe aqui madre mia y que yo voy con efia nina, que 11eva Ia ropa , y buelvo luego- en hora buena, repondera ambos mercador; e velha, ignorantes da tretaj de que a velhafelivrou e m duas audincias, provando, que era de Alquiler, e mouca , e fervia a q u e m lhe pagava: e o mercador pagou as cultas fobre o capital, que lhe acolheo, e na alcanou ainda. E m Lisboa certo pica tinha hum a mulata mais arniga que ua, porque era forra, e grande conferveira y trato, c o m que vivia, e o S iv futen-
(280) luftentava a elle pafeando fem nenhum trabalho e fe algum tinha, era c o m os Confeflbres, quando fe defobrigava nas Quaremas. Tratou por h u m a vez dar de m a ao trato, e para ifo fallou c o m h u m Sevilhano, Capito de h u m navio, fe lhe queria comprar h u m a mulata de grandes partes ? E para que tomafle conhecimento dellas o convidou a jantar , e que o preo deliaferia,o que Tua merc julgafle e m fua conciencia. Avizou-a que tinha h u m hopede de importncia, e que fe efmerafe para odiafeguinte no jantar, a que o tinha convidado : meteo a innocente velas, e remos , e fez de pefoa c o m todo o empenho h u m banquete, que fe pudera dar a hum;Emperador , efervio meta, c o m o criada , dando-fe por autora de todos os guitados, e acipipes. Ficou o Caftelhanotatisfeito,tanto , que talhou a compra e m duzentos cruzados, que logo contou e m patacas ao pica : e ficaro de acordo, que lha entregaria no dia de ua partida levando-. lha a bordo -} e afim o fez enganando-a fegunda vez j porque o Sevilhano a queria regalar no feu navio e m retorno do banquete. Poz-e ella de vinte e quatro, c o m ofefora a bodas, eficounos piozes, voltando-fe o amigo para terra dizendo comfigo : veremos agora, e m e nega a abfolvi-
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a os Padres Curas. O navio deu vela : gri? tava a trifle , que era forra 1 Confolava-a o Catelhano : ue luegofie,le iria aquella pafion , como fie viefise en Sevilla, que era tan buena tierra corno Lisboa, y que iva para fer fienora, mas que efclava, de una cafa muy noble, y rica, &c. Eftas ta as unhas agudas, que fazem a fua fem deixarem coimas: e deftas ha milhares, que na fazenda delRey fazem grandes etragos c o m alvitres, e confelhos, que defponta de agudos, e leva a mira e m encherem as bolas$ c o m o fe vio nos das maarocas, e bagaos, de que na refultou mais que gaftos da fazenda Real para M i niftros. E deftes ha- alguns ta dftros, que prov m todos os officios e m feus criados, para lhes pagarem fervios prprios c o m falarios alheos: e ta os peores, porque c o m as coftas quentes e m feus amos, procedem affoutos nas rapinas. O u tras unhas ha deftas, que por na encontrarem fazenda Real, e m que empolguem, aproveita-fe da authoridade do R e y , para dar no povo c o m admirveis traas, e habilidades, que a arte lhes enfina : e b e m de exemplos a efte propofito deixmos referidos no cap. 4. e m que moftramos , c o m o os mayores ladroens ta, os que tem por oflicio livramos de ladroens. w CA-
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CAPITULO
XXXIV. 1
>
Vos que furtao com unhas fingelas. > MElhor difTera rombas, ou grofeiras, para as contrapor c o m as agudas, de que atgora falamos : mas tudo v e m afero memo, e muito mais ainda; e logo contraporemos eftas c o m as dobradas, que fe guir. E paraintellip-encia de h u m , e outro capitulo, devemos pre^ iippor, que afim c o m o ha unhas dobradas, tamb m as ha fingelas. Dobradas ta, as que fe aprela de vrios m o d o s , e irivenoens, com tal arte, que nunca lhes efeapa a preza. E daqui fe infere, que asfingelasera as que na tem mais, que h u m m o d o , e caminho, por onde furtao na arma mais que a h u m lano, e fe erra o tiro , fica fem nada. E accrefeento mais, porquefingeloquer dizer fimpfcs, que furtar ninherias , e de m o d o , que vos apanhem, tamb m he fer ladro de unhasfingelas.Furtar cinco , ou feis mil cruzados abrindo portas com gafas, ou animando efcadas, e detelhando as cazas para decer por cordas, e dar no thefouro, modos
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modos ta de furtar, que tabe qualquer ladro, antes de fer graduado, ou marcado, que he o memo. M a s levar o thefouro fem gaiias , fem efcadas, fem cordas, n e m fobretaltos, aqui e t o ubtil da arte, e o naferaprendiz ingelo. Furtar efle thefouro , e dar comfigo na forca, porque o apanharo c o m o furto nas mos, ou c o m as mos no furto, iflb he furtar deladroenszinhos novatos, que na tabem , qual he a fua m a direita. M a s furtar efle thefouro, mas que feja de h u m milho , e outro e m cima, e ficar ta enxuto c o m o h u m inhame ; e ta efeoimado, c o m o h u m novio cartuxo, fem deixar indicio, de que lhe peguem, aqui bate a quinta efleiicia da ladroce , e o que afim fe porta, b e m fe lhe pode patar carta de examinaa, c o m foro , e privilegio de meftre graduado nefta cincia: e deites doutores ha mais de h u m milho, que cur as Cathedras, e efelas de Mercrio, e Caco. E q u e m eftes ? Perguntaftes b e m , porque com o na trazem infignias de feus gros , n e m final manifefto de fiia profita , a mos de conhecer , e enta melhores meftres, quando peores de achar : fendo afim , que e m achar o mais efcondido, e e m arrecadar o achado , ta infignes. Sera
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Sera eftes, os que vos tayem naselradasT> c e m carapuas de rebuo, e epingardas noroGto? Tiray l, que ainda que lhes chamais Tal-; teadores por antonomaia, a formigueiros por profita; e ta fingelos, que nunca levanta cata de fobrado, n e m tem bens de raiz, nem ajunta moveis, que na caiba de baixo do brao j ta c o m o o caracol, que traz a cata comfigo, e c o m o o Philofopho, que dizia : Omnia mea me-: cumporto. T u d o , quanto tenho de m e u , trago comigo. E ainda menos, pois o que trazem, tu-t do vem a fer alheo. Sera osalfayates, que lanando o giz alem das medidas, e metendo a te-, zoura por mais duas dobras, do que corta, tira a limpo, fujando a conciencia , h u m giba de corte , e corta h u m calo de veludo pra ^ e h u m a anagoa para fua mulher ? E tambm ta ladroensfingelos, porque ta caeiros, criados m a , na mata , n e m ferem : quanto toma , cabe e m h u m a arca, que chama rua , e porifla jura , quando lhes perguntais pelos retalhos, que iobeja, ainda que feja muitos, e grandes, que os botaro na rua : eficaisfemefeandalo do que vos leva. Sera os Tabelliaens, e Eferivaens, que ha fem numero nefta Corte, e e m todo. .0 Reyno, que c o m h u m a pennada tira, e da cem mil cru^ zados
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zados q u e m querem ? Efles grandes ladroens ta, masfingelos',principalmente quando fe applica a f i o que furtao, porque logo fe lhes^enxerga , c o m o aquelle, que fez humas catas e m Lisboa, junto a S. Paulo, que ainda hoje fe chama da Pennada: porque vendo-as ElRey D . Sebaftia, diTe: Boa pennada deu allioTabelliao! D e mais de q u e , c o m o pocm por eferito tudo, ta fceis de apanhar feus erros de officio : e fe dobra o partido c o m outro, para fe jutificarem, fica revelia de q u e m far, que perca o feito, e o por fazer: e l ir quanto Martha fiou, porfefiarem, de quem lhes na deu fiana a lhes guardar fegred o no conluyo. Sera os foldados de cavallo, que quando ,fe v m montados e m ginetes, que na ta de feu ,gofto, lhes da tal trato, que e m quatro dias da c o m elles noalmargem, e no monturo, para que os proveja de outros ? T a m b m ta ladroens fingelos; porque dando c o m iTo grande d a m n o a Sua Mageftade, fic com pouco proveito. Outros ha nefte gnero mais eferupulofos, que por na ferem homicidas da fazenda Real, lhes ata iedas nos artlhos dos ps, ou das mos c o m tal arte, que os fazemmanquejar, at que os prov m de ucros. E o furto eft no d a m n o , que fe
d a ElRey, e milcia y porque fe vende o cavai lo manco por dous, ou trs mil reis, para hum a atafona, ou nora, tendocuftado quinze,ou vinte. E dahi a quatro, ou cinco dias, vay o foldado transformado e m alveitar, e diz ao comprador: quanto m e quereis dar, e darvoshey efte rocim ta e m duas horas ? Concerta-f e m dez, ou doze toftoens , applicalhe h u m emplaf to de herva m o u r a , para difimuiar a tezoura, que vay por baixo, e corta a edella, que lhe pefcou os toftoenszilhos, eficao cavallinho ta como h u m pero no m e m o intante^ e q u e m o mancou, e defmancou, ta quieto na conciencia, como mar de rotas. O s infantes coitadinhos, quererii alguns Crticos epeculativos, quefejade unhas dobradas, porque ta multiplicados osfeusfurtos: mas na tem raza, que aflsfingelosanda , c agatalha h u m a marra, ou h u m cabrito , mas que feja h u m carneiro, ou h u m a vaca, quando va de marcha por efes campos de Teu Chrf fio, h e , porque os acha degarrados, para que os na coma o lobo y e aflas tnue vay tudo, e afls fingelo. A n d e m elles tartos, quero dizer pagos , e podeferque tenha tudo emenda. A obrigao, que a todos corre, j o diTe no capitulo 2.1 das unhas Militares. CA-
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CAPITULO
XXXV.
Vos que furtao com unhas dobradas. A' diflmos, que unhas dobradas ta, as que fe arma de vrios m o d o s , e invenoens, para furtar c o m tal arte, que nunca lhes efcapa a preza. H a na Dialectica h u m argumento, que cham a m o s Dilema j porque joga c o m duas propofir oens, c o m o c o m po de dous bicos, que neceffartamente vos haveis de epetar e m h u m delles. Tais ta os ladroens, que chamo de unhas dobradasy porque as agua de forte, que por hum a via, ou por outra lhes haveis de cahir nellas: c o m h u m exemplo ficar ifto claro, e corrente. Q u a n d o Sua Mageftade, que Deos guarde, manda fazer cavallaria para as fronteiras, he certo, que lia grandifima variedade nos preos, e que nunca,feajuta os avaliadores, humas vezes por alto, outras por baixo 5 c o m que fica armado o Dilema, de que na pode efcapar o furto:. quando levanta o ponto, no efeudo delRey vay dar o tiro , quando o abatem, na bola dos vendedores decarrega o golpe. E fuccede ordinariamente a pefea, fem os Miniftros delRey ferem ta-
bedo-
(288)bedores das redes, com verem abertamente os lanos: ainda que pela experincia bem pudera advertir na depropora dos preos: furta-fe a ElRey, que manda comprar os cavallos, ou furta-fe aos vendedores: e a reftituia de ambos os furtos, fe b e m a averiguarmos, v e m a ficar s coftas dos avaliadores , que ordinariamente ta os alveitares das terras, onde fe fazem as refenhas, e_ecolhas dos potros, cavallos, e dragoens mais aptos para a guerra: e uccede afim, que fe o vendedor he poderofo, intimida os ferradores, ou os peita, para que ponha e m quarenta , o que ria vale vinte , eficadefraudada a fazenda Red e m mais de a metade y e fe o vendedor na tem ardil, n e m poder, para agencear, e feguir efta trilha, avalia-lhe o que vale trinta e m quinze, 3 e m dez, levados do zelo do b e m c o m u m , a que fe encofta, para engolir o efcrupulo: ealim por h u m a via, ou por outra ordinariamente fe afafta , e poucas vezes fe ajuftao c o m o legitimo preo, errando o alvo, ora por alto, ora por baixo. E he certo, que Sua Mageftade, que Deos guarde , na quer nada dilo : na quer o primeiro-, porque deiraudaeus thefouros: na quer o fegundo porque ofTendefeusvallos , que tamb m na contentes de ferem enganados em mais
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mais da ametade do jufto preo: c o m que fiei certifimo, que he furto manifefto por h u m a via, e por outra. Nefta gua envolta efcorrera s vezes os executores tambm c o m os poderes Reaes, tomando para fi os r melhores potros por preos muito baixos: e talvez fuceede tomarem h u m , e dous, e tambm trs por dez mil reis, e por oito cada h u m , a titulo de irem fervir com elles s fronteiras, e dahi a quatorze mezes o vendem b e m pentado por feflnta, e por cem mil reis, por fer de boa raa', e melhores manhas. Se nifto ha furto, perguntem-no afeusConfeflres, e vera o que lhes repondem c o m Navarro. M a s m hora, que tal perguntem. , * c Outro m o d o ha mais feguro de furtar c o m unhas dobradas, e pode fer, que mais proveitofo : e he, quando dous va forros, e a partir no intereTe, e fuceede na mema cavallaria, quando delia fe fazem refenhas para as pagas c tambm acontece o memo na Lifnteria. T e m h u m Capito oitenta cavallos fomente, pata moftra de cento e vinte, porque pedio quarenta empreftados a outro Capito feu amigo, a troco de lhe fazer a barba do memo m o d o , quandofizera fua refenha : e afim embola ambos oitenta praas de aufentes, que bem efmadas por-/mezes, fazeni ***r^ T fomma
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fomma de mil e duzentos cruzados cada mez fe durar a tramoya h u m anno, chega a p W e m a pouco menos de quinze mil cruzados: e fe urem delia muitos oabos, teremos depor de portas adentro pilhagens, e pilhantes peores/que os que nos vem de Caftella faltear oshoys,covelhas. M a s o General das armas [peo. a fua Excellencia licena para. o-nomear aqui}; o( Conde de S. Loureno contraminou j tudo, e tem as couzas ta correntes c o m notas, e contra divizas, que na pode haver engano . . : c o m o tambm nas innumeraveis praas de infnte_,quefegualdripavao c o m achaque de doentes, e vinha a fer peor que praas mortas , porque tais doentes , e tais: foldados na os havia no m u n d o : e mandando os ver cama, e na os achando, defeobrio a maranha: e ainda deu alcance a outra peor, em que punha de cama foldados tas c o m nomes mudados. N a d a efeapa fubtileza defta arte de furtar : mas o zelo, e deftreza do Conde General excede, e vence todas as artes noferviodelRey nofl Senhor E m Viana de Caminha m e enfinou h u m Caftella a furtar c o m unhas dobradas c o m mais def treza 5 porque jogando o po de dous bicos, trancava ambas as pontas infallivelmente. Concerta-
(2I) ertava-fe c o m os navios;,- que vinha de^foj^a, & quanto m e haveis de dar por cada fardo, ou caxa, e porvos-hey tudo feguro, onde quizerdes? Admittia de noite barcadas de fazendas na fortaleza, que comunica c o m o mar/^e c o m a terra/ e davalhes patagem fegura para as loges dos mercadores. E feito efte primeiro talto, dava ordem ao fegundo por via de humalcaide, c o m q u e m hia forro , e a partir nas ganncias das prezas, que lhe inculcava: davalhe ponto, eavizoinfallivel das paragens, onde acharia tais, e tais fazendas furtadas aos direitos. E affim era,,que ficava: no cabodefraudados os marcadores e m duas perdas/ h u m a das groftas peitas*, que dava ao Catella, e outra do muito mais, que era forlados a dar ao meirinho, para que os deixafle: e $iefta fegunda botada, tornava o Catella a em* polgarra fegunda unha-, f e afim furtava c o m unhas dobradas etfeclivamente fem errar o tiro de ne-1 ixhuma. ">rirc.ii,-1. , .. . . <s: r. c' ; >
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CAPITULO
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XXXVI.
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Como ha ladroens, que tem as unhas na lingua* MElhor diflera nos dentes, porque^tem duas ordens, c o m que dobra a preza, e afferra melhor que a lngua 5 e tambm porque tud o , quanto e furta, vem a parar, ou defapparecer nos dentes. Epada na lngua j eu ouvi dizer , que a havia, e tambm pudera dizer fetta; porque fere ao longe c o m o fetta, e corta ao perto c o m o epada, e peor, porque muitas vezes de feridas incurveis, c o m o epada columbrina, efetta. hervada: mas unhas na lngua he couza nova. Ainda mal, de que he ta velha, e tantas vezes renovada e m gente ulica. Vllosheis andar no Pao fazendo mizuras a cada paflb, c tirando a gorra lgua, chapo queria dizer, que j fe na uta gorras: na lhes taxo a cortezia , que he virtude muito prpria da Cortej mas noto a intenta, e palavrinhas, c o m que a acompanha 5 as quaes examinadas na pedra de toque da experincia, a unhas de ao, que na f arranho crditos alheos, mas empolga para
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para fi, que he o principal intento, e m tudo 6 preciofo, que cuida fe poder dar a outros. E para iflb na ha provimento, que na defdenhem, n e m depacho, que na menofcabem , at o que he nos outros paga de jutia , fazem negoceaao de adherencia, para levarem a gua ao feu moinho , e fazerem canno das minguas alheas para as enchentes prprias, de que anda fequiozos. Faamos praa de exemplos, e correr a verdade deite capitulo clara c o m o gua. Olhaime para aquelle Capito, que entra na Audincia c o m h u m brao menos 5 porque lho levou na guerra h u m a bala : vede dous foldados, que vem c o m elle, h u m c o m h u m olho vatadq de h u m a eftocada, e outro com h u m a perna quebrada de huma mina y porque para os fazer afinalados ua fortuna os marcou com taes degraas. E c o m o nos mayores rifcos tem fua ventura a va* lentia, allega a feu R e y , o que e mfeufervio padecero, para que os remunere com os depachos, que merecem : h u m pede a C o m e n d a , outro a tena, outro o Habito : todos merecem muito mais. M a s o invejofo , que eft de fora, e ta de fora que nunca entrou e m tais baralhas, temendo que lhe voe por aquella via o pataro, a que tem armado a colelia, e que fe lhe v T l i i da
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da rede a preza ] que pertende pefear, puxa da et pada da lngua $ porque nunca arrancou outra para cortar o direito, que v va adquirindo, e diz do torto : olhay, o c o m que vem agora c o tortles Folifemo! Por h u m olhinho que perdeo, Deos tabe aonde, pode fer que bebendo em alg u m a taverna , quer que lhe d m mais do que vai toda a fua cara : ainda lhe ficou outro olho, iTo lhe baila. Pois o outro Briareu , devia de querer cem braos, baftandolhe huma ma para empinar, quanto tem furtado c o m ambas , e por h u m bracinho , que lhe cortaro, quer que lhe talhem h u m a C o m e n d a , que na fonhara feus avs: e o outro que por h u m a perninha lhe dm h u m habito. Quanto melhor lhes fora a todos trs tomarem o habito de h u m a Religio, para fazerem penitencia de quantas maldades obraro , para acharem eftas manqueiras, de qe vem fazer gadanho para eftafarem mercs, que f ns merecemos a ElRey, c o m o fe v ao perto. E por efta olfa fe deixa efte, e outros tais c o m o elle, hir delcantando femelhantesletras, at queayem c o m a ua por eferito, etorvando, e tirando os dei pachos a q u e m os merece, para os incorporarem em li. E ainda mal, que lhes iiccede. Teftemunha feja h u m Capito, que eu vi depedirfe d e h u m a m i -
(295) go nefta Corte, parafe voltar para as fronteiras c o m quatro mezes defemelhantesrequerimentos: e perguntandolhe o amigo, c o m o fe hia fem et perar o feu depacho ? Repondeo palavras dignas de fe imprimirem : V o u - m e defta Babylonia para a campanha y porque m e he mais fcil, e honrofo eperar l as balas do inimigo c o m o peito , que aqui c o m os ouvidos as dos ditos, e repotas dos Miniftros, e ulicos de Sua M a geftade. Vedes aqui, amigo leitor, c o m o os que tem as unhas na lngua, na defeana, at que nao enxota toda afortede requerentes benemritos, para lhes ficar o campo franco a fus pertenoens, que por efta arte alcanay e aflim furtao, e pet ca c o m os anzes, e unhas da lngua o que na merecem , e de jutia fe deve dar, a q u m arricou a vida, e na a quem a traz empapelada: e eftes tao os ladroens, que tem na liilgua as -unhas; c o m que empolga no que na he feu, -nem lhes he devido. Fcil tinha tudo o remdio, e eferito eft, e marcado comfellosde c h u m b o , que os prmios da guerra na fe appliquem a fervios da paz. Se os S u m m o s Pontfices largaro a efte Reyno os dzimos de innumeraveis C o m e a -
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das~ que he ngue de Chrifto para os CavaU leiros, que cuta de feu ngue propaga a F,. e defendem a ptria : c o m o fe pode permittir, que logre eftes prmios, q u e m nunca defendeo a F , n e m honrou a ptria ? N a feyfeo diga l Q u e vi j Comendas e m peitos inimigos de Deos, e algozes da ptria. Calate lngua , na te arrifques: olha que temo chamem muitos a ifto murmuraa , tornando-o por i: porque tudo o que pica detagrada : e o que detagrada, hefinalque lhe toca. Toquemos a recolher, e vamonos dizer antes tape a h u m gato. 3
CAPITULO
XXXVIII.
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LAdroens ha, dos quaes podemos dizer, que tem mais mos que o gigante Briareu, porque na lhes efeapa conjuno, lugar, n e m tempo : e c o m o fe tivera mil mos, dextris, e jinifiris, na erra lano : e ifto vem aferfurtar c o m mos prprias, que na he muito , mas furtar at c o m as alheas, he detrcza prpria defta
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ta arte, que vence na malcia a fubtleza de todas as artes. Diz Laclancio Firmiano, que a mayor maldade, que commette o demnio, he a de tomar corpos fantafticos para commetter abominaoens: porque na pode haver mayor malcia , que defpirfe h u m a criatura de feu prprio fer, e vetirle da natureza alhea,taindofede fua esfera, para poder mais offender a Deos. Tais ta os homens ladroens, que fe ajuda de mos alheas: tayem-fe de fua esfera , e va mendigar nas alheas m o d o s , e intrumentos, c o m que mais furtem. N a fe contentar h u m ladro c o m duas mos, que lhe ' deu a natureza, e c o m cinco dedos que lhe poz e m cada h u m a , armados c o m muito formos unhas, e hir bufear mos alheas, e empreitadas, para mais furtar, e poupar as uas para outros lanos, he o f u m m o da ladroce. N o c o m ofeverifica ifto , eft ainda a mayor difticuldade, que fera fcil de entender, a quem olhar para a m a de Judas, quando no officio das trevas apaga as candas. Obrigao he que corre por conta dos Sacriftaens: mas porque na chega s velas, ou por fe na queimarem, valem-fe da m a alhea : e afim vem a fer mos de Judas todas, as que ajuda ladroens e mfeusartifcios. Ainda e na deixa ver, e m que cabea vay dar
(29) dar a pedrada deite difeurfo. OsfenhoresATen^ tiftas m e perdoem, que elles ha de fer aqui o primeiro alvo dele tiro. Diga-me Vofls Senhorias [ e na eftranhcm o titulo , que he cortezia , que nos introduziro c os Berlanguches, que logo entrar tambm nefta refte ]feElRey nofo Senhor lhe concede licena para recolherem comprado no novo o pa, que baile para o pn> vimento das fronteiras, o que p o d e m fazer por fi, e feus criados, para que empenha niTo os Juizes, Ouvidores, Corregedores, e Provedores de todo o Reyno? E porque eftes ta efeoimados^ e ha m e d o de tomar peitas, fora lhas fazem aceitar, alcanando-lhes licenas de Sua Mageftade para iTo ? Q u e he ifto ? D o n d e v e m tanta liberalidade, e m q u e m trata de ua ganncia ? IntereTe he tudo prprio: mos de gato arma, c c o m taguates lhes agua as unhas, para as prezas ferem mais copiotas patando dos limites, de cujas crecenas fazem negoceaa , e venda a fe tempo c o m excefo, levando de codilho a Tubtanci aos povos famintos, obrando tudo com as mos da juitia, que he, o de que m e queixo; que a jutia chegue a fer entre ns m a do gato, para que na lhe chamemos m a de Judas, que atia efte incndio , e m quanto os fobreditos tem as
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as uas de referva e m luvas de mbar para agataIharem os lucros, que com tantas mos negoceara. D m o s h u m a de m a aos Berlanguches, j que lha prmettemos, e elles na querem , que lhes faltemos c o m o promettido. H a perto da noCta barra de Lisboa huns ilhos, que chamamos Berlengasj e porque pata por elles todos os eftrangeiros , que vem do Norte, chamamos a todos Berlanguches. Eftes pois dera e m nos virem meter na cabea, que f elles tabem fazer ba T luartes, attacar petardos, diparar bombas, artificiar maquinas de fogo, e engenhos de guerra. Sendo afim , que de tudo, quanto obra , na vim o s at agora fruto, mais que de immentas patacas, e dobres, que recolhem para mandar ua terra: at agora na vimos b o m b a , que mataTe gigante, nem petardo, que arrazafle Cidade, n e m maquina de fogo, que abrazafe armada, n e m queimafl fe quer h u m navio. PoriTo dile muito b e m o Doutor T h o m Pinheiro da Veiga [ que e m tudo he difereto] repondendo petio de h u m deftes engenheiros, que demandava h u m milho de mercs pelas barcas de fogo, que arquittou contra os Parlamentarios, que nos pejaro a barra do Tejo no anno de 1(350. que o quei-
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queimaTem com ellas, por nos gaitar a noTa faze da c o m engenhos, que no cabo nada obraro. So-, m o s c o m o crianas os Portuguezes nefta parte: admiramo-nos do que nunca vimos, e etimamos f, o que vem de fora, e apalpado tudo, he tarei-; lo j porque no fim das contas f o nofTo brao he o que obra tudo, e leva ao cabo as emprezas. Aqui m e pergunta h u m curiofo petas unhas do gato} E eu lhe repondo, que olhe para os thefouros delRey , e para as notas bolas, e vera tudo arranhado c o m eftas invenoens dos Berlanguches , peores para ns, que m a de gato y pois nos furtao , eleva com feus gatimanhos, oqu( fora melhor dar-fe aos filhos da terra, que o tra balha, e o merecem: e no cabo anda depidos, e os Berlanguches ragandocochonilhas, < brilhando telas. Baila h u m tofta, para qualquer h o m e m de b e m patar h u m dia : hora demof lhe a elles dous, c o m que podem beber vinhoi c o m o boys gua , para que he dar-lhesfetenta( quatro mil reis cada mez de ordenado ? Deforde nada couza chamara eu a ifto, pois lhes vem a tahir a mais de h u m tofta para cada hora, e mais de dous mil e quatro centos reis para cada dia, e h u m conto para cada anno. Parece ifto conto de velhas, e dilcurfo de gigantes encantados : Gigantes
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gantes de ouro ta ifto, que fe nos va do Reyno,conquiftados por Pigmeus de palha, de que fazem a m a do gato , que de palha borritada c o m plvora v e m afero fogo, c o m que abraza mais a ns, que a noflbs inimigos: e elles o ta mais verdadeiros, que os Caftelhanos y porque eftes nunca nos dra tal taco, n e m entraro c por tais esfolagatos. E para que na parea que f e m etranhos damos c o m efte difeurfo , viremos a proa delle para notas conquiftas, e acharemos mos de gato faanhos, de que uta Portuguezes. J toquey efta treta uccintamente no . ultimo do capitulo I X . a outro propofitO} mas agora a contarey mais diffu a efte intento, e m que tem mais artificio. Quer h u m Capito , ou Governador tornar para ua cata rico fem efeandalos, n e m revoltas: mete-fe de gorra c o m os mais opulentos do feu deftrito, vendendo bullas a todos de valias, e pedreiras, que tem no Reyno : moftra cartas uppoftas, c o m avizos de depachos, hbitos, comendas , e officios, que fez dar a feus afilhados : e c o m o todos, os que anda fora da ptria, tem pertenoens nella, crefee-lhes a todos a gua na boca ouvindo ifto; e va-fe para fus caias difcurtando o caminho, que tera para terem entrada
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da com ta grande valia, que tantos/compadres tem c m todos os Confelheiros, e logo lhes occorre a eftrada coimbraa das peitas j porque ddivas quebra penedos \ e arma logo h u m prefente para adoar o fenhor Capito, ou Governador , e o hir dipondo ao favor, que pertendem: c j e imagina dando alcance gara, que ta alto lhes vooufeiupre: crefeem as vifitas, chovem os donativos de huns, e de outros; e quando chega a mono de navios para o R e y n o , chega os me* moriaes, e acha aosfobreditosfenhoresfazendo liftas para a Corte, eferevendo cartas, arrtu m a n d o negcios de mil pertendentes, e de tud<i fazem rede para pefcar os donativos, c o m que naturalmente fe depenha. Chega h u m , e diz : Senhor, b e m tabe VoTa Senhoria que ha vinte annos firvo a Sua Mageftade minha cuta, e que he j o tempo chegado de lograr alguma merc poriTo : e para que eu deva ela tambm a VoTa Senhoria , efpero que m e favorea por m e y o de feus validos, a q u e m proteftoferagradecido. Tenta m a v. m. aode a Senhoria, para que veja como trago a v m. na cata dianteira, e luas couzas diante dos olhos. Senhor Secretario, la v . m. l a cartas, que ecrevi hbntem para Sna Mageftade, e para o Concelho da Fazenda, e Ultramarino. E o Se-
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o Secretario, que eft de avizo , puxa pelas primeiras duas folhas de papel, que acha efcritas , e c o m a deftreza, que coftuma, relata logo de cada h u m a feu capitulo , que de repente vay c o m p o n d o , talhado para as pertenoens do fupplicante, e m que o defcreve ta valente, leal, e bizarro, que n e m a my, que o pario, o conheceria por aquelle rerrato. T o m a d h e as petioens, e memoriaes Sua Senhoria, e manda ao Secretario, que s anexe aquelle ponto : e ao fobredito diz , que durma defcanado, que e m boa m a jaz o pandeiro: e elle mais felicito, que nunca, vay-fe para cata, e manda logo o melhor que acha nella, para na fer ingrato ; e por efta maneira de mil modos c o m eftas abuifes caa os mais gordos tralhoens da tetfra, e metem nas redes os mayores tubaroens do alto : papos de almifear e m M a c o , bocetas de batares e m Malca, bitalhos de diamantes e m G o a , alcatifas de feda e m C c h i m , barras de ouro e m Moambique, pinhas de prata e m Angola, caxas de acar no Brafil y e e m cada parte de tudo tanto, que enchem navios, que v e m depois dar coita : Mole parta, male diJabuntur. A gua o deu, a gua o leva. E fica desfeitas c o m o tal na gua todas as maquinas das pertenoens dos innocentes, e elles no limbo da
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fupentax, e no Purgatrio do arrependimento ] porque dera ao gato, o que na comeo o rato. T a m b m para ElRey nofo Senhor ha mos de gato, que lhe arranho a fazenda, e arrafta a grandeza de uas datas, e mercs , e ta os exemplos tantos, que m e na atrevo a contaloss afim por muitos, c o m o por arrifeados. Dire) h u m imaginado, que poderia acontecer, e ervir de molde para muitos. Vaga e m Coimbra huira Cadeira : v e m conultada e m trs oppofitores. C primeiro he o melhor, o ultimo o umenos: teu efte por fi mais amigos na Corte: temem faltar Sua Mageftade, porque conhecidos, e bem que epecula muito b e m os que Ta apaixonados para na admittir Tuas informaes: bufea hum m a de gato, e arma os pos, que venha i cahir nella : epreita a occafia , e m que SU Mageftade v as confultas: falla-lhe, como t cafo : Senhor, para quefecana Vofla Mageftade e m apurar gente, que na conhece; confultas d Univeridade ta muito apaixonadas pelos ban dos das oppofioens, que muitas vezes pem no primeiro lugar, q u e m havia de vir no ultimo: aqui anda o Lente Fulano, que tem grande conhecimento de todos os ugeitos, e he defintereftadoneftas matrias: informe-fe VoTa Mageftade
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delle, e ver logo tudo claro c o m o gua. Ten^ des raza. Toca a campainha: aode o M o o Fidalgo : manday recado a fulano, quemefalle tarde. Aqui eft na Sala , reponde o m e f m o : Eteos o trouxe fem duvida, aodem os onjuraclos, que de propofito o trouxera, e deixaro no pofto b e m inftrudo. Sayem-fe todos para fora, e entra o louvado: comunica lhe Sua Mageftade a duvida : refolve-a elle fazendo-fe de novas no ponto , que traz eludado : e aftirma que os conhece a todos melhor que as uas mos y que nunca Deos queira, que elle diga a feu Rey n u m a couza por outra, que n e m por feu pay mudar h u m a cifra contra o que entende : e com eftes entalmos apeya os melhores, do primeiro lugar, e levanta oulti-, m o aos cornos da Lua : e como na preume malcia , q u e m na trata enganos, perfuade-fe ElRey , que aquella he a verdade , e tomando a penna depacha a conulta, e d a Cadeira ao que menos a merece: e faa-lhe b o m proveito.: e eftes ta os m o d o s , fuave leitor, c o m que cada dia fe tiratardinhascom a m a do gato.
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XXXVIII.
Dtf # furtao com mos , #AJ- pofiias de mais e accreficentadas." DE hum ladro fe conta, que tinha huma m a de po ta b e m concertada, que parecia verdadeira, e devia defera direita, porque encoftando-a equerda por entre as dobras da capa, fe punha de joelhos muito devoto nas Igre^ jas de concurfo junto aos que lhe parecia, que poderia trazer b e m providas as algibeiras , e"com a outra m a , que lhe ficava livre, lhes dava taco ubtilmente; e ainda que os roubadosfentiaalg u m a couza, olhando para o vifinho, de quem fe podia temer, e vendo o c o m ambas as mos levantadas c o m o que louvava a D e o s , peruadia, queferiaapertoens da gente, o que fentia. Afim hie declaro nifto , que chamo furtar com mos pofiias, de mais, e accrefcentadas: e melhor ainda m e declararey , c o m os que occupa muitos officios na Republica, c o m e n d o , e devorando a dous carrilhos, c o m o montros, a Tubtancia d o R e y n o : c o m o fe lhes na bailara a ma
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m a , que toma e m h u m a occupaa, metem ps, e mos no meyo alqueire com feu Senhor, e ajunta moyos de rapinas, porque dando-lhe o p tomaro a m a j e j lhes eu perdoara ,feTo h u m a m a metero na mata, ifto he, fe f c o m h u m officio fe contentaro : mas manejar trs, e quatro com mos pofiias, he quererem agarrar efte m u n d o , e mais o outro. A Santa Madre Igreja Catholica R o m a n a , que em tudo acerta, tem mandado com fua milagrota providencia , que nenhum Clrigo coma dous benefcios curados, por amor da afliflencia, que na fendo Santelmo, nem S. Pero Gonalves , que apparece na mema tempeftade em dous navios , he impoffivel tlla em duas partes y e na quer, que coma , e beba o ngue de Chrifto, fem o merecer pefoalmente. E como ha de haver no m u n d o , quem c o m a , e beba o ngue dos pobres , e a fazenda delRey, e fubtancia da Republica , h u m h o m e m cular occupando dous pf tos, e dous officios incompativens: e porque ta mais que muitos, chamo tambm a ifto ladroens, que furtao, e c o m e m a dous carrilhos , e ainda mal que c o m e m a trs, e a quatro , como monftros de duas cabeas. Muitas cabeadas fe da, e telra e m Republicas -mal governadas: masque na V ii nota
nota ta b e m regida, e dipoftafefofraoeftas.' he para dar os b e m entendidos c o m as cabeas por etas paredes. Ver que faa dous officios, e trs e quatro , e fete occupaoens h u m f h o m e m , que efeatamente tem talento para h u m cargo, he ponto, que faz fugir o lume dos olhos: e pouca vifta he neceflria para ver, que na pode eftar ifto fem grandes ladroces: e a primeira he , que c o m e os ordenados, c o m que fe pudra Tufteirtar,tatisfazer,e ter contentes quatro , ou cinco homens de b e m , que o merecem. A fegunda, e mayor de todas, que c o m o he impofivel afitir h u m f fugeito a tantas couzas diferentes, pafta-lhe peta malha mil obrigaoens de jutia, na dando tisfaa s partes, trazendoas arraftadas muitos mezes, c o m gaftos immenfos fora de uas ptrias: e no cabo depacha mil disbarates por eferito, para ferem mais notrios y porque na u m tempo , para verem tantas couzas, n e m memria, para comprehenderem as certezas, que fe lhe pratica : e quando va a alinhavar as refoluoens, efeapa-lhe os pontos, e embaraa* fe as linhas, que tinha lanado huns, e outros; e perde-fe o fiado , e o comprado, e o vendido 5 e v e m a fer mais difficultofo encaminhar h u m defarranjo deftes, que comear a demanda de novo. Per-
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Perdem-fe petioens, omem-fe provibens, falta os Orculos, repondem fta por balhfta, fazem-vos do C e o cebola, metem-fe n o efeuro dos fegredos, c o m myfterios, que na ha: e Deos nos d boas noites. Baldara-fe as peitas, frutrara-fe as interceflbens, perdera-fe os gaftos, e a pacincia , e appellay para o barqueiro, que de Deos vos pode vir o remdio y porque fe o bufcardes na fonte limpa, que reprende c o m ua clareza tantas guas turvas , arricais-vos a h u m a enxurrada de Miniftros, que vos tira o l e o , e mais a Crima. Finalmente digo , que afim c o m o ha here1 fias verdadeiras, que encontra verdades catholicas j afim ha herefias polticas , que encontra as verdades, que efcrevo : e afim c o m oferiaherefia de Calvino, e Lutro dizer que he mal feito ordenar a Igreja, que nenhum Clrigo coma dous benefcios curadosy afim he herefia na poltica do m u n d o admittir que h u m homemfinho de nonnada occupe dous officios, que requerem duas afiflencias. H e nota de alguns Efcriturarios, que nunca Deos provo dous officios juntos e m h u m f ugeito: e parafignificara importncia difto mandava, que ningumfemeaTedous legumes na mema terra : e quando occupava algum fervo
V iii
feu
(3io)
eu em huma empreza, dava-lhe logo com ella os talentos necetarios, e foras convenientes: e ifto na podem fazer os Prncipes da terra, que fe b e m Senhores dos cargos, para os darem a q u e m quizerem, na o a dos talentos, nem os podem dar, a q u e m os na tem, como pode Deos j e poriTo deve hir attento nos provimentos , que fazem , porque at h u m f, e fingular requer h o m e m capaz, para fer bem fervido. E para que fe veja, c o m o as couzas va muitas vezes nefta parte , contarey o que uccedeo ha poucos annos e m huma praa, onde foy provido por Capito mor certo Cavalheiro, que preumia de grande foldado: e no primeiro dia, e m que tom o u pofle do feu feliz governo, lhe fora pedic o n o m e para as rondas daquella noite. Eftava elle e m boa convertaa de amigos, e fenhores, que o vifitava c o m o parabm de fua boa viada : perguntou ao C a b o , que era o que demandava ? Q u e m e d VoTa Senhoria o n o m e para efta noite, he o que peo , repondeo elle: e o fenhor Capito inflou muito admirado: ainda m e na b e m o n o m e nefta terra ? E muito mais o ficaro os circuntantes do feu enleyo. Acodio o Sargento: bem tabemos o n o m e de VoTa Senhoria, o que peo he o n o m e para a ronda. Aqui areou mais
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mais o Capito. E para na fe arrifear a reponder outro depropofito, difle-o peor, porque o m a n d o u embora fem refolua, e que no dia feguinte trataria o ponto c o m mais detafogo. E eitaqui que tais fuccedem fer os enhores, que occupa grandes pftos: e fendo tais, que fara, fe os puzerem e m muitos. H e engano manifefto dizer-fe, e cuidar-fe, que na ha homens para os cargos, e poriTo os multiplica e m h u m Miniftro. H e o nofo Reyno de Portugal muito frtil de talentos muito cabaes para tudo: prova boa feja todas as cincias, e artes, que e m Portugal acharo feus Autores. A nobreza, e fidalguia, authoridade, e chrit tandade entre ns anda e m feu ponto. Todas as Naoens do m u n d o podem andar comnofeo foldada nefta parte : mas na apparecem os talentos por trs razoens. Primeira, porque n ha, q u e m os buque. Segunda, porque ha , q u e m os devie. Terceira, porque na ta en treme tidos , e ifo tem de bons. N a ha q u e m os buque, porque na ha q u e m os elime. H a q u e m os devie , por Te introduzir intil. N a fe ofTerecem, por na padecerem repultas. E daqui vem andarem Scipioens valentes pelos ps das moutas comendo terra, c Teriftes cobardes pelos thronos cevando V iv vaida-
(212) vaidades : anda Anibaes prudentes guardando gado, eNabaes eflultos dominando opulencias. A n d a Heitores leaes arraftados roda dos muros da ptria, que defendero, e Sines traidores embolando vivas, e triunfando e m carros. Seja ouvidos varoens definterefldos, tabios, e Religiofos, e elles delcobrir as minas, o.ide et t o ouro dos talentos mais preciofos: elles conhecem as talhas de barro, que conferva melhores vinhos, que jarras de ouro.
CAPITULO
XXXIX.
Vos que furtao com unhas bentas. UNhas bentas, parecer couza impofiveb, porque todas rnalditas, e peonhentas, c o m o as dos gatos, que ha pouco difcurfmos, M a s c o m o na ha regra fem excepa, deftafetira algumas: tais ta as da gra befta, de q u e m dizem os naturaes grandes virtudes: e c o m tudo iTo tambm affirma os mefmos, que at etas virtudes ta furtadas s conjunoens da Lua,- para que nenhuma unha fe pol gabar, que efcapou
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daElrella, que os Aftrologos chama Mercrio ladra famofo. E entre tantas unhas na ha duvida , que ha algumas bentas , na porque tirem almas do Purgatrio com perdoens de conta bentay mas porque lanadas as contas , lanando bnos, e apoyando virtudes, e clamando mi^ fericordias, e amores de Deos, purga as bolas, que encontra , melhor que pirolas de efcamona. A mais de quatro Crticos fe m e vay o pentamento nefte pafo, na de patagem, mas de propoito, c reixa velha, a certos fervos de Deos, a q u e m murmuradores chama por dedem da Apanhia , levantando-lhes que mando olhar a gente para o C e o , e m quanto lhe apanha a terra. M a s ifto he praga, queffeacha, e m quem na vai teflem u n h a conforme afentenade Luiz Rey de Franca , que f hereges, e amancebados falta mal dos tais fugeitos: eftes, porq os reprehendem c o m ua modeftia -y e aquelles, porque os convencem c o m ua doutrina. E o certo he, que eTes mefim o s Zoilos, que murmura , quando querem a ua Tazenda Tegura , ou o feu dinheiro bem guardado , que nas mos deftes Anjos da guarda depofita tudo. As unhas, que uiirpa a titulo de bentas, aquellas, que empolgando piedades, fazem apre-
(?i4
a preza e m latrocnios. Explico ifto com algum exemplos, que dara noticia para outros muitos Seja o primeiro de dous foldados da fortuna, que vendo-fe mal velidos [ degraa ordinria em to dos ] acordaro valer fe do Sagrado, para que o profano os remediaTe. Houvera s mos numa Hoftia, que pediro e m certa Sacriftia para h u m a Mifla das almas: da comfigo,. e com ella na rua N o v a : pedem a h u m mercador, dos que chama de negocio, lhes moftre a melhor pefa de Londres: encaxalha-lhe e m h u m a dobra a Hoftia difimuladament, moftra-fe defcontentes da cor, e pedem outra : vitas afim algumas, appel* a para a primeira, e mando medir vinte a > vados, regateando-lhe primeiro muito b e m o pre* o , c o m o he coltume. M a l era medidos qua? tro, quando apparece a Hoftia, a que elles fingindo lagrimas & proftrara batendo nos peitos Fica o mercador fem ngue, temendo lhe imputem de novo, o que e m Jerutalem tomaro fobre fifeusantepatados. N a he neceflrio declarar os extremos, que de parte parte pautaro : ReTultou por fim de contas, que levaro a b o m partido a peTatoda, fem outro cufto, que o de jurarem, que'ningum Caberia o cafo Tuccedido. N a feyfe h e ifto furtar com. amhas bentas ? Selo-ha mil efmolas
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efinolas pelo menos, que cada dia vemos pedir c o m capa de piedade, e muericordia, para pobres , para Mitas, e rmandades, as quaes va arder na meta do jogo, ou da gula. H u m mulato conheci, que tinha h u m a opa branca, que comprou na roupa velha por dous t otoens, c o m a qual, c o m h u m a bacia, e duas voltas, que dava por quatro ruas todos os dias pedindo para as Mitas de NoTa Senhora, ajuntava , o que lhe bailava, para patar alegremente a vida. T a m b m efte furtava com unhas bentas. ' Q u e direy de infinitos, que a titulo de pot resfefazem ricos ? Abrem chagas nas pernas, e nos braos , c o m cauftcs, e hervas: moftra uas dores c o m brados, que movero as pedras : Mira lap[agaymirala llagal Pelas Chagas de Chrifto nofo Redemptor, que m e dm h u m a efenola! Dizia h u m deftes na ponte de Coimbra de outro, que tinha h u m a perna muito chagada: boto a tal, que tem aquelle ladro huma perna, que vai mais de mil cruzados ! E affim h e , que muitos mil ajunta eftes piratas: e l fe conta de h u m aleijado , que morrendo e m Salamanca, fez teftamento, e m que deixou a ElRey Filippe I. ou II. de Caftella a albarda do jumento, e m que andava-, eachara-fe nella cinco, oufeismil cruzados e m . ouro.
(gi6)
m
ouro. H u m Fidalgo piedofo lanou prega na fua terra, que tal dia dava h u m velido novo por amor de Deos cada pobre : ajuntara-fe no feu pateo infinitos^ e a todos deu velidos novos, . mas obrigou-os a que logo os vetiflem, e tomoulhes os velhos , e nelles achou bem cofida, e et condida por entre os romehdos mayor quantidade de dinheiro vinte vezes, que aque tinha gaitado nos velidos. Eftes tais na ha duvida, que ta adroens, que c o m unhas bentas esfola a Repu* blica, tomando mais do que lhes he necetario, e fora melhor diftribuillo por outros, que por nao pedirem padecem. . . . . 4 T a m b m e m mulheres ha exemplos de unhai bentas notveis. Innumeraveista, as que profeC benfedeiras, e tem mais de figanas, que dei beatas. Entra e m volta cata h u m a deftas c o m no* m e detantinhay porque dizem delia, que adevinha, faz vir m a as couzas perdidas, e dep* ra cazamentos a orfns, e depachos aos mais defi eperados pertendentes. Pedis-lhes remdio pai voflbs dezejos : pede vos huma cada de ouro empreitada para feus entalmos, quatro anis de diamantes, meya dzia de colheres, e outros tan^ tos garfos de prata, cinco moedas de trs mil e quinhentos , e m memria das cinco Chagas: mete tudo
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tudo e m h u m a panela nova c o m certas hervs, que diz colheo meya noite, vepora de S. Joa , e enterra-a muito b e m coberta de traz do vofo lar,' fazendo-vos fechar os olhos, para. que-na lhe deis. quebranto : e a h u m virar de pentamento, emborca tudo nas mangas do. fayo , eficavazia a olha, ou para melhor dizer chea de preceitos, que ningum bula nella , fobpena defeconverter tudo e m carvoens, at pautarem nove dias e m honra dos nove mezes , e nellesfepata para Caftella , ou Frana, c o m a preza nas unhas , que chamo bentas, pois por tais as tivetes, quando a poder de benas vos roubaro. Vedes vs ifto piedofo leitor , pois tabey de certo, que Tuccede cada dia por muitas maneiras a gente muito de b e m , e obrigada a na fe deixar enganar ta parvoamente. M a s deixando ninherias, vamos ao que importa. Admirtimos todos nefte Reyno as dcimas para a defenta delle, e a todos contentou muito efta contribuio , porque na ha couza mais racionavel, que aTegurar tudo c o m a dcima parte dos rendimentos, que vem a fer pequena parte comparada c o m o todo. Dizem os Eclefiajticos nefte pafo, que ta izentos de gabellas por Diplomas Pontifciosy e eu na lho nego 5 mas quize-
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quizera-lhes perguntar , fe gofta elles de lograr os lucros, que das dcimas reiilta, que Ta terem as fus fazendas feguras, e as vidas quietas das invafoens dos inimigos, que os nonos Soldados rebatem, alentados c o m as dcimas? N a o p o d e m deixar de reponder todos, que fim. Pois fe afim he, c o m o na verdade he, lembrem-fedo ditado, e do Direito que diz: Quifentitcommo* dum, debet fentire , & nus. E vem afero que diz o nofo provrbio , que q u e m quizer comer, depenne. Q u e fe depenne , q u e m gofta de viver fem penas y e eftando ifto ta pofto e m boa raza ,fegue-felogo a confequencia verdadeira, que deva dar feu confentimento na contribuio das dcimas: e vindo elles nifto, c o m o obrigados pela raza fobredita : Et fcienti, & con* fientienti nonfit injuria 5 diga-me, onde encalha o feu efcrupulo ? Encalha nos Diplomas, de que fazem unhas bentas, para urripiar do c o m u m , o que afTecta para feus cmodos particulares } E na fe vio mayor fem-raza, que quererem con^ fervarfeiasqueixadas tans cuta da barba longa. E fe ainda perfiftem na fua teima , ou interee, que alim lhe c h a m o , e na eferupulo y reponda-ine a efte argumento. Se he licito aos Reys Catholicos tomarem a prata das Igrejas, para as confer-
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eonfervarem, e defenderem e m extrema necefidade: porque na lhes fera licito recolherem dcimas dos Ecclefiafticos, para os defenderem n o m e m o aperto ? Licito he, na ha duvida; porque efta confequencia na tem repofta : e delta fe colhe outra, que reprehende de muita cobia, e avareza, o que elles querem, que eja eferupulo, e excomunho: e v e m a fer rapina verdadeira, a c o m que fe levanta s mayores fazendo unha da Religio , para agarrarem o capital, $ os redditos, fem entrarem nos rifcos, que fempre grandes lucros trazem comfigo. E vedes aqui as verdadeiras unhas bentas: bentas na opinio de fua cobia, e malditas na de q u e m melhor o entende : e para que elles entenda , que tabemos tamb m o repeito , que fe lhes deve , e que na ha diplomas, que encontrem efta doutrina, direy claramente, o que enfina os Theologos nefta parte , e h e , que obrigados os Ecclefiafticos a concorrerem igualmente para ps gaftos pblicos das caladas, fontes , pontes , e muros: porque todos igualmente fe fervem , e aproveita deftas couzas: e ha de fer e m trs circunftancias. Primeira quando a contribuio dos leigos na baila. Segunda, c o m exame, e ordem dos Prelados. Terceira, fem fora na execuo. M a s logo fe aceret
- (320) accrefeenta^ que os Prelados ta obrigados axecutalos: e iflohe, o que queremos na contribuio das dcimas: e melhor fora na fe chegar a iTo, pois e m gente tagrada fe devem achar mayores primores. N a poflb deixar aqui de acodir a huma queixa, que anda mal enfarinhada com reaibos de unha benta, e topa no Fifco Real, quando pelo Santo Officio recolhe as fazendas dos comprehendidos e m crime de conficaa. Poderia alguns zelofos dizer, que fe gaita tudo no Tribunal, que o arrecada, e que he tanto, o quefecoiinaca,' que excede feus gaftos: e que dosfobejosnunca reulta nada para Sua Mageftade , que c o m grande piedade remette tudo nas conciencias. de ta fieis, Miniftros. Matria he efta muito delicada com fer pezada : e por credito da inteireza, que ta Santo Tribunal profeta, convm que lhe demos tisfaa adequada e m capitulo particular, que fcr o feguinte.
CA-
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>
CAPITULO XL. Refponde-f aos que chama Vifico ao Fifico. Or fbula tenho , o que fe conta do Sayvedra , que dizem meteo nefte Reyno, por enganos de breves falfos, o Tribunal , e Fifeo da Santa Inquifia y porque na ha memria difo nos Archivos do Santo Officio, nem na Torre do T o m b o y onde todas as couzas memorveis fe lana : nem ha outro teftemunho, mais que dizello o meTmo Say vedra, por crar com iTo outros crimes, que o lanaro nas gals. O certo he, que o Rey Catholico D. Fernando lanou de Caftella os Judeos na era de 1482. porque tinha juramento os Reys de Epanha, por preceito do Concilio Toledano, de na confentirem Hereges cmfeusReynos. Muitos deftes, ou quafi todos, dera comfigo em Portugal. Admittio-os EiRey D. Joa II. por tempo determinado, que fe iria def te Reyno y fobpena deficaremfeuseferavos, os que fe na foflem. Muitos fe fora : e os que fe deixaroficar,correro a fortuna de eferavos, e como xs eiu vendidos: at que ElRey D. Manoel os X tornou.
(322) tornou a notificar com as mefmas, e mayores pe^ nas, que lhe depejafTem todos o Reyno: alguns obedecero, e os mais pediro o Santo Bautilmo^ e c o m ifo aplacaro as penas: eficarota mal intrudos, que ElRey D. Joa III. vendo, que na f profeva a Ley de Moyfes publicamente, mas que tambm a enfinava at aos Chriftos velhos , alcanou do Papa Clemente V I L o Tribunal do Santo Officio no anno de 15 31. e o fez confirmar por Paulo III. no anno de 1536- com Breves Apoftolicos na conformidade, e m que ate hoje dura, e durar c o m o favor Divino por todos os feculos , porque a efte Santo Tribunal fe deve a inteireza da F , e reformaa de coftumesj c o m que efte Reynoflorecee m tempos-ta calamitofos, que abraza todo o Orbe Chrifta com corrupoens, eherefias. A mayor pena, que tem os Hereges alem da de morte, he a que lhes executa o Fifco da confifeaa , e perda de todos feus bens: e he muito jufta , porque as herefias nafeem, e cva-fe com a cobia das riquezas, c o m as quaes fe fazem os Hereges mais infolentes, e pervertem outros, e c o m lhas tirarem, fica mais enfreados, e f o S u m m o Pontfice pode applicar os bens confifeados, a q u e m lhe parecer mais convenientej porque
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he cau meramente Ecclefiaftica. O s bens-dos que forem Clrigos, applica-fe por Direito Igreja , os dos Religiofos fua Religio, os dos leigos a feus Prncipes, onde os tais bens exiftemy e na onde fe condemna. E m Epanha, e Portugal pertencem os bens dos leigos aos Reys por particular conceta , e os dos Clrigos, mas que tenha beneficio, por coftume geral e m toda a parte , pertencem ao Fifeofecular.D e tudo itofe colhem trs conclufoens certas. : Primeira concluta : que os Prncipes feculares na podem remittir aos Hereges as penas do Direito Canonico, n e m do coftume Ecclefiafticoj n e m ainda das leys, que os mernos Prncipes puzera,fefora approvadas pela Igreja, porque pela approvaa fica Ecclefiaticas. Segunda: que na p o d e m os Inquifidores remittir os bens confifcados fem confentimento do Prncipe, porque lhos concedeo o Papa ao feu Fifeo y mas o Papa p o d e , porque he Senhor Supremo. Terceira : que depois de dada fentena, de tal maneira fica os bens confifcados endo prprios do Prncipe pela doao do Papa, que pode delles dipr, edallos a q u e m quizer, mas quefejaaos mernos Hereges, a q u e m fe tomaro, depois de reconciliados ; mas antes de reconduzidos, na podem pe-
Ias
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Ias trs razoens; que fica tocadas p que com as riquezasfecva, e crefeem as herefias, e os Hereges fe fazem infolentes, e pervertem outros: e t a m b m , porque he cau Ecclefiaftica, e na tem direito aos bens, que lhes na efta ainda fentenceados. "Deftas trs conclufoens fe colhe huma confequencia certa, que a confifeaa he pena Ecclefiaftica, e que c o m o tal na pode o Prncipe fecular impedir a execuo delia fem licena do S u m m o Pontfice, que lha pode dar como Senhor Supremo da Ley, que tem domnio alto fobre i] tudo. D e tudo o dito formo agora h u m argumento, c o m que acudo queixa, que nos obrigou a fazer efte capitulo. O s Reys e m Portugal fi Senhores dos bens confifeados, depois de fentenceados, de tal maneira, que os p o d e m dar at aos mem> Hereges reconciliados: ergo foVtiori^bder dar a adminiftraa, e domnio dos tais bens abfolutamente aos Senhores Inquiridores, para que os gaitem , c o m o melhor lhes parecer $ e que lhes tenha dado efte poder, he notrio, e fe prova do fato, e da permifl continua fem repugnncia, n e m contradio. E ainda que "a mata d o Fifeo he muito grande, na ta menores os gaftos da fuftentaca dos penitentes, das agencias
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de feus pleitos, das fabricas dos edifciosy dos ordenados dos Miniftros, das maquinas dos cadalfos, e mil outras couzas, que emprezas ta grandes trazem comfigo, que he fcil conhecellas, e difficultofo julgallas y porque o menos, que aqui fe pondera , he o que vemos, : o mais, o que fe nos occulta c o m o eterno fegredo, alma immortal do Santo Officio. N e m fe pode prefumir que haja efperdios, onde ha tanta exaca, e pureza de conciencias, que apura o mais delicado de nofla Santa F: antes e pode ter por milagre o que vemos , e experimentamos, que f c o m a conffeaa dos Ros fe iiflente maquina ta grande, ta iiluftre, e ta poderota ! E dado, que pafl alguns annos. a receita alem da depeza, fuccedem outros , e m que a depeza excede os bens confifeads: e a providencia econmica iguala as balanas de h u m anno c o m os contrapezos do outro: e vimos a concluir , que tudo , o que fe pode metafificar de fobejos, he pequena remunerao para ta grandes merecimentos. N e m ha no m u n d o interefe , c o m que fe pofta gratificar, o que efte Santo Tribunal obra e m fi, e executa e m ns. O que obra emfi, hehumaobfervancia de modeftia , e inteireza, que albmbra , e confunde aos mais reformados talentos,- porque A
X 1 1 1
omef-
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o memo hc entrar hum homem Ecclefiftico, ou fecular no fervio do Tribunal da Santa Inquifia, queveftir-fe logo de h u m a compofiao de acoens, palavras, e coftumes, que fazemos p o u c o , os que os vemos, quando na lhes faltam o s de joelhos. O que e m ns executa, bem fe deixa ver na reformaa dos vicios, na extino das herefas, e no augmento das virtudes. Seria Portugal h u m a charneca brava de maldades, feria h u m a fentina de vicios, feria huma Babylonia de erros , fe o Santo Ofcio na vigiara as maldades, na catigara os vicios, e na extinguira os erros. H e Portugal h u m Promontorio comm u m de todas as Naoens: nelle entra , e fayem continuamente todos os hereges do m u n d o , fem que os vicios das Naoens nos d a m n e m , fem que os erros das herefasfenos peguem. N a ha Reyno, n e m Provncia na Chritandade, que fe pota gabar de intacto nefta parte : f Portugal perfevera illefo. A q u e m fe deve ta gloriota fortuna ? A o Santo Officio , que tudo atalha vedando livros, aamando Seitas, caftigando erros, e melhorando tudo. E vendo os Reys Serenifimos de Portugal a importncia de ta grandefervio,c o m o a Deos, e Republica fazem tafieisMiniftros, na fizera muito e m lhes largarem todo o Fifeo ua
dipofia.
E fe
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E fe ^ainda fe na derem portatisfeitosos zelofos na fua queixa, oua , o que repondeo ElRey Filippe o Prudente e m Madrid a outra femelhante, que involvia notas c o m titulo de exceflbs no ufo do poder : Vexadlos, que mas efiimoyo tener mis Reynos quietos, y Catholicos con treinta Clrigos que todos efisos interefises, y refpetos. Fallou c o m Prudente que era y porque interefes, e repeitos temporaes, na tem comparao c o m lucros fobrenaturaes. Efte mefmo Rey patando peta Praa de Valhadolid c o m todo feu acompanhamento, e p o m p a Real, encontrou dous Inquiridores, e e m os vendo ,fetahiodo coche , e c o m o chapo na m a os levou nos braos, dizendo : Affi es bien, que honre yo, a quien tanto me honra amy, y defende mis Reynos como vos l Sabia conhecer, o que ns na ignoramos : e poriTo affoutamente concluo, que cada h u m diz da feira, c o m o lhe vay nella. Quero dizer, que f gente fupeita poder grunhir, onde detapaixonados canta a gala, e o parabm ao Santo Oricio c o m os vivas , que merece. E ns defeantemos por diante os exceflbs de outras unhas, pois nas do Fifeo na achamos o vifeo, que f gentetatyricapela toada de orelha de Midas lhe apoda. X iv
CA-
~
" s
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CAPITUL o XLI.
Vos que furtao com unhas de fome. Ns gazetas de Picardia fe efereve, que houve h u m m o o ta inclinado afeuaccrecentamento, que aflentou praa de pagem com h u m Fidalgo, que tinha fama de rico : mas ao fegundo dia achou, que aflentara praa de galgo , porque nem cama, n e m vianda fe uva naquella cata 5 e poriTo o fenhor delia era rico, porque adqueria c o m unhas de fome o que enthefourava. Succedeo h u m dia, que indo o novo pagem comprar h u m a moeda de rabas para a ca de todos, encontrou h u m a grande procifl de Religiolos, e Clrigos, que levava a enterrar h u m defunto, e de traz da tumba fe hia carpindo a mulher, e lamentando ua degraa, e ouvio que dizia entr< lagrimas, e fupiros: aonde vos leva m e u ms logrado ? A' cata, onde fe na c o m e , n e m bebe, n e m tereis cama, mais que a terra fria? E m ouvindo ifto o rapaz, voltou para cata c o m o h u m rayo fogindo , trancou as portas , e dile efpavorido a feu a m o : Senhor ponhamo-nos em armas ,
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mas, que nos trazem c h u m h o m e m morto ! Ttv deves de vir doudo, diTe o a m o , pois cuidas,. que a nota cata he Igreja. B e m fey , dile o m o o , que efta cata na tem Igreja mais que o adro, que he v m. ao meyo diay e poriTo entrey e m fufpeitas, fe veria c enterrar aquelle finado: e confirmey m e de todo, porque a gente , que o traz, vem dizendo, que olevao cata, onde fe na c o m e , nem bebe, nem ha cama, mais que a terra fria : e como aqui ningum come, nem bebe , nem tem cama , bem digo eu, que c o trazem , e quefizbem de fechar as portas, pois afs bafta os defuntos, que c jazemos mortos de fome, que he peor que de maleitas. C o m eftahiftoria fe explica b e m , que couza unhas de fome, que poupando furtao boca, taude, e vida, o que lhes he devidoy e afim chamamos unhas de fome a huns, que tudo efcondem, e que tudo guarda, fem tabermos para quando, e he certo , que para nunca , poiv que primeiro lhes apodrece , que taya luz o que referva : e quando vos da alguma couza, he fempre o peor, e o que na prefta, ou de m o d o , que melhor fora na vos darem nada. Sa eftes c o m o a rapoza de Hifopete , que banqueteou; cegonha com papas etendidasfobreh u m a lagem, .( . . . para
- (3lol
para que as na pudeTe tomar com o bico. Efe m e perguntardes, onde eft aqui o furto, que parece o na ha em guardar cada h u m o que he feu, e e m poupar at o alheo ? Repondo, que o caro he barato, e o barato he caro. Direis que toa ifto a depropofito : mas eu na vi couza mais certa, fe a entenderdes, c o m o a entendo , e j m e na haveis de entender, fe m e na declarar c o m exemplos. Seja o primeiro do que cada dia vemos e m provimentos de nos da ndia, e de galeoens, e navios, que manda ElRey noflo Senhor ao Brafil , Angola, e outras partes : provm-fe de:chacinas podres, bacalho corrupto ^ bifeouto mafeavado , vinho azedo, azeite borra; porque acha tudo ifto afim mais barato na com* pra , e tayedhes mais caro no effeito, porque adoecem todos os patageiros , morre a ametade, malogra-fe a viagem, perde-fe tudo , porque fora providos c o m unhas de fome : e por pouparem o que fe furta, fizera c o m que o barato cutae caro a todos. Segundo exemplo feja do que fuceede nas armadas : manda as Sua Mageftade prover para trs mezes c o m liberalidade Real: encolhem os Provedores as mos pra encher as unhas, e da provimento para trs femanas: eique na fegunda femana
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femana j falta a gua , e na terceira j na hi pa. Torna-fe a recolher fem obrarem o a que. hia , e por milagre chega c c o m vida. Eitaqui que couza ta unhas de fome, que por matarem a ua pem e m defeperaa a alhea. O s provi-. mentos Reaes, c o m o os de toda a cata bem governada, devem fer como os de Deos, que fempre nos d remdios fuperabundantes. N a dev e m hir as couzas ta guizadas, nem ta cerceadas, que nada fobeje : o que fobcja no prato, he o quetatisfazmais, que o quefecome. Trs aou-tes tem Deos , com que caftiga o m u n d o , e o primeiro he fome : aoutar quer nota Monaiquia, q u e m mete e m uas foras fome. N a d a poupa , q u e m aguarenta a fartura, porque vos v e m a levar o rato, o que na quizetes dar ao gato. Perdem-fe .immenfos thefouros de gloria, e intereflenos comrcios do mar, enas vitorias da campanha por falta do provimento liberal, e conveniente. Deos nos livre da ganncia, que nos occafiona ta grandes perdas. - , T a m b m rouba com unhas de fome, os que por forrarem de gaftos, aguarenta os ordenados , privilgios, e favores aos Miniftros, e Oficiaes delRey, ou das Republicas. Nos marinheiros das nos da India^ temos b o m exemplo. Concede-
lhes *'
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lhes o Regimento antigo trinta mil reis de praa", h u m lugar na no capaz de fua pefoa, e fato, quatro fardos de canela livres, e fem taxa, para que engodados c o m eftes interefles, e liberdades, abracem o trabalho, que he defmedido. V e m o Regimento moderno , aguarentahes tudo a titulo de poupar fazenda Real : e fegue-fe dahi na haver, q u e m a ueira arrifear ua vida por ta pouc o , e irem forados, e poriTo negligentes e m tudo. N e m h a , para que bufear outra cau de f perderem tantas nos de pouco3 annos a efta parte. A s nos no mar c o m o os carros, que camir nha carregados por terra : fe tem q u e m os guie, e governe c o m cuidado , e cincia, efcapa de atoleiros, e barrancos, onde fe fazem empeda* os, fe os deixa meter nelles. C o m o na ha de dar as nos coita, e e m baixos, e os que as guia, e govcrna, va defeontentes, e ignorantes ? V a defeontentes, porque va forados, e va forados , porque na va b e m remunerados : e daqui v e m ferem ignorantes 5 porque ning u m etuda , n e m toma b e m a arte, de que nao epera mayor proveito: e afim nos v e m a euftar o barato muito caro y porque houve unhas de fom e , que tabricara runas, onde armaro in- ter eTes.
Aqui
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iv.xAqui m e vem a curifidade de perguntar qual he a raza , porque nenhuma n o , n e m galeo, nofl, ou v de viagem , ou de armada;, nunca leva boticas, nem medicamentos communs, para as febres d Linha, nem para as feridas de h u m a batalha, n e m para o mal de Loanda, n e m para nada? H u m a de duas y ou he ignorncia, o u efcaceza : ignorncia na creyo quefeja, porque na h a , quem na taiba, que fe adoece no riar mais, e mais gravemente que e m terra: h e logo efcaceza , por na gaitarem dous, ou trs mil cruzados nos aprelos para a taude / e vida dos patageirs, e foldados, fem os quaesfeperde tudo : perde-fe a gente, que he o mais precoo, morrendo c o m o moquitos, e alojando-os ao mar ^aosfeixes^ "e perde-fe tudo, porque tudoficafem < m e m o defenda das inundaoens do m a r , e violncias dos inimigos. Muita ventagem nos fazem nefta parte os eftrangeiros, em cujos navios vemos boticas, e aprelos muitas vezes, para curar doentes , e feridos, que valem muitos mil cruzados: e ns ecatamente levamos h u m barbeiro, n e m h u m ovo para h u m a etopada.
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C A P I T U L O
XLIL
Dor <p furtao com unhas fartas. ARapoza, quando talta hum galinheiro faminta , cva-fe b e m nos primeiros dous pa* res de galinhas que mata , e c o m ofev farta, degola as demais, e vay-lhe lambendo o ngue por acipipe. Ifto m e f m o fuceede aos que furtao c o m unhas fartas, que na pra nos roubos, por fe verem cheos, antes enta fazem mayor carniaria n o ngue alheo: ta c o m o as fanguixugas, que chupa at que arrebenta. Anda fempre doentes de hidropefia as unhas deftes: enta ten$ mayor fede de rapinas, quando mais fartos deltas* E ainda m a l , que vemos tantos fartos, e repimpados eu fia alhea , que na contentes, da mema fortuna fazem raza de eftado , para fuftentarem fautos fupertluos, engoifindo-fe mais pa* ra iflo nas pilhagens, para luzirem defperdiando; porquefno que deperdia acha gofto, e honra : chamara lhe eu decredito, e amargura de conciencia, fe elles a tivera. O l h e m para m i m todos os Miniftros delRey,
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R e y , que hontem andava a p, e hoje a cavallo : efteja-me attentos a duas perguntas, que lhes fao, e reponda-me a ellas, fe fouberem , e fe na fouberem, eu reponderey por elles: Se os officios de votas mercs da de fi at poderem andar e m h u m m a c h o , ou e m h u m a Taa, quando muito, e Tuas mulheres e m h u m a cadeira : c o m o anda votas mercs e m liteira , e ellas e m coche? Se a Tua meta Teferviamuito b e m c o m > pratos, taleiro, ejarro de loua pintada de Lisboa , c o m o fe erve agora c o m baixelas de prata, talvas de baftioens, confeireiras de relevo ? N a m e dira, de donde lhe viera tantas colgaduras de damafco , e tela, tantos bofetes guarnecidos, ecritorios marchetados, c o m pontas de abbada e m cima ? Dera de fartos e m fome canina ? J que lhes na d do que dir a gente, na m e dira, onde acharo eftes thefouros, fem irem ndiay ou que arte tivera, para medrarem tanto e m ta pouco tempo, para que os defculpem o s ao menos c o m a vifinhana ? J o fey, fem que m o diga : houvera-fe c o m o a rapoza no galinheiro, e m que entraro : cevara-fe na f no neceflrio, fena tambm no Tuperfluo. N a fe contenta c o m fe verem fartos, e cheos, com o eponjas, querem engordar comacipipes : e por- r
poriTo lana o p alem da m a , e elendem a m a at o C e o , e as unhas at o Inferno, eme-; tem tudo a taco, quando o enca : e ta como o fogo, que a nada diz, baila. Efe querem faber a cau de fus demazias, la c o m attena o capitulo, quefefegue.
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CAPITULO
XLIII.
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Vos que furtao com unhas mimo fias. ASim como ha unhas fartas, tambm as h mimotas, quetauas filhas, c poriTo peores, por mal difciplinadas, porque para regalarem afeusdonos furtao mais do neceflrio. Furtar o neceflrio, quando a necefidade he extrema, dizem os Theologos, que na he peccado , porque enta tudo he e o m m u m , e na ha m e u , nem teu, quando fe trata da confervaa das vidas, que perecem por falta do que ha mifter, para fe futentarem : mas furtar o fuperfluo para amimar o corpo, e regalar a alma, he cafo digno de rcprehenta : e ainda mal, que fuceede muitas vezes. C o m o agora : Ponhamos exemplos r por-
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porque exemplos declara muito. H e certoy qu a qualquer Miniftro delRey baila o ordenado, que tem c o m as gages licitas do officio para patar honeltamente conforme a feu eftado. Pois fe lhe bafta h u m vetido de baeta, para que o fiz de veludo ? Se lhe fobeja h u m giba de tafet, para que o faz de tela, quando ElRey o traz de olandilh ? Para que raga hollanda, onde baila linho ? Para que come galinhas, e perdizes, e tem viveiro de rolas, fe pode patar c o m vaca, e carneiro ? Para que dipende e m doces, e confervas, o que bailava para cazar muitas orfans 2 Bailando paas, e queijo para aflentar o etomag o , fem lhe cautar as azas que padece pelos muitos guizados, que na pode digerir. Para que tantas moftras do Reyno, e de Canrias, baftando h u m a de Caparica, ou de mais perto ? Por verdade affirmo, que vi e m cata de h u m nefta Corte mais de quinze fraqueiras, e na era Flam e n g o , e outro que mandava borrifar o ar c o m gua de flor para aliviar a cabea, que melhor e aliviaria , na lhe dando tanta carga de licores. Muitos mimos eftes, e que na podem eftar fem empolgar as unhas na fazenda , que lhes corre pela m a , e poriTo lh~s chamo unhas mimotas. tyuien cabrasriotiene y y cabritos viende % Y donde*
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donde le vienen? M e u irma Miniftro, ,ou oficial, ou q u e m quer que bis, fe vota cata hon* tem era de egrimidor, c o m o a vemos hoje guir aa de Prncipe ? E at vota mulher brilha diamantes , rubis, e prolas fobre eirados broslados) Q u e cadeiras ta eftas, que vos vemos de broca^ d o , contadores da China, catres de tartaruga, lminas de R o m a , quadros de Turpino, brincos de Veneza, cc. E u na fou bruxo, nem ade-vinhoy mas atrevome fem lanar peneira afirmar, que voltas unhas vos grangeara todos efles rega-los para vofo corpo , fem vos lembrarem as tioadas, c o m que fe ha de recambiar no outro m u n d o : porque he certo, que vs os na lavraf tes, n e m os roates, n e m vos nafeera e m caa com o pepinos na horta ; e mais que certo, que ningum volo deu por vofls olhos bellos, porque os tendes muito mal encarados. Logo bem fefegue,que os furtaftes : e vstabeiso c o m o , e eu tambm: e para que outros o taib, volo direy , porque eftou certo o na haveis de confet tar, mas que vos d m tratos. .. . Entregara-vos o livro das depezas, e receitas Reaes, enxirites-lhe h u m a folha porttil no principio , outra no m e y o , outra no cabo: ^acabou-fe a lenda , levantaftes as folhas com quanto
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to nellas fe continha, que era partidas de m i ^ tos contos-, eficafteslivre das contas, e encarregado nos furtos, que f no dia do Juizo reftfe-, tuireis y- porque ainda que vos vendais e m vida , > na,ha e m vs fublancia, porque a efperdiaftes, n e m vontade, porque a na tendes, para, vos defcarregar de ta grande pezo. Por efta, e outras artes de na menor porte, que deixo, fazem feu negocio as unhas mimotas ; e tudo lhes he neceflrio, para manterem jogo afeusappetites: e na houvera melhor Flandes,feo bicho da conciencia. as na roera. H u m licenceado deftes ficado do ecrupulo correo, quantos Mofteiros ha e m Lisboa antigamente bufcando h u m Confefor , que oabfoivefle: e a raza que dava paraferabfolto era, que na tinha mais que duzentos mil reis de ordenado, e gages, e que havia mifter mais de quinhentos mil para governar fua cata y e que na havia defercontente ElRey , que a ua famlia, perecefe. Repondia-lhe todos [porque todos etudava pelos mernos livros ] he verdade que na quer Sua Mageftade quefeuscriados morra de fome y mas tambm he verdade, que na quer, que o roubem : e fe efle ofticio na V0S rabrange, -moderay os gaftos, ou largay-o, q u e na ~itar, q u e m ofirvac o m o que elle d de Ci fenf .. Y li eTes4
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efles furtos: fois obrigado a retituir, quanto tendes furtado : aqui perdia a pacincia o upplicante, allegando, que era muito o que eitava comido, e bebido, e que na havia pofes para tanto: mal mudarey de eftylo, dizia elle, at agora tomava a ElRey diminuindo nos pezos, e nos preos, e nas cifras, daqui por diante accrefcentarey tudo, etahirdas partes cabedal, c o m que tatisfaa, j que na ha outro remdio: e c o m o as partes muitas, e de m i m defco^ nhecidas, tomarey a bulla da Compofia daqui a cem annos, eficartudo concertado. M a s na faltou q u e m o advertiTe, que na vale a tal bulla, a q u e m furta c o m os olhos nella $ e que m e lhor remediaria tudo aguarentando os m i m o s , e regalos, e m que diffipava tudo.
CAPITULO
XLIV
Vos que furtao com unhas defnecefsanasl EXcudas ta no mundo quantas unhas ha ] que o arranho c o m ladroces, e poriTo bem $enecetarias todas. M a s efte capitulo na as comprehen-
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pirehende todas, porque f trata das fuperflidades , que deftroem as Republicas, peor que ladres as bolas, a que da caa. E b e m pudramos aqui fazer logo invecliva contra os trajes, invenoens, e coftumes de velidos, que fe va introduzindo cada dia de n o v o , eponjas do noflb dinheiro, que o chupa, e leva para as Naoens eftranhas, que c o m o a bugios nos engana c o m as fus invenoens : cada dia nos v e m c o m novas cores, e teceduras de ln, e feda, que na Tua terra cuta pouco mais de nada, e c no Ias "vend e m a pezo de ouro: e como o q vem de longe, fempre nos parece melhor, e o que nos nafee e m caa, na agrada-, deprezamos os nofospannos^ e fedas, quefemprefefizerano Reyno c o m m e lhoria. Innia marcada , e poltica errada foy fempre , antepor o alheo ao prprio c o m difpendio da comodidade. Haver quarenta annos, que Caftella lanou h u m a Pragmtica c o m grades penas, que ningum veftiTefeda,fena fofle fidalgo de baftante renda : e attentava nifto, ao que hoje f na attenta, que na gaftaflm Tuperfluamente os vatallos furtando boca, e aos filhos , e Republica, o que punha e m luzimentos defoecetarios Queixa-e hoje, que na tem : para pagar as dcimas, c o m que ElRey lhes ckg.
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fende|
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fende as vidas, e ns vemos, que lhes fobej para gaitarem, no que lhes na he neceflrio para a vida. Apoda efte tempo c o m o antigo : cham a ao paflado idade de ouro, e ao prefente feculo de ferro : e ns tabemos, que quem enta tinha h u m anel de ouro c o m h u m par de colheres, e garfos de prata, achava que poflua muito. Enta mandava ElRey D . Diniz , o que fez quanto quiz, as arrecadas da Rainha Cidade de Miranda quando fe murava, dizendo: na parem as obras por falta de dinheiro, empenheme effas arrecadas , que cutara cinco mil reis, ou venda-fe , e va os muros por diante, que logo ir mais foccorro. Eftes era os thefouros an 1 tigos! E hoje na ha mecnico , que na tenha cadas de ouro , tranfelins de pedraria, e baixeilas de prata. N a tornou o tempo para traz, mas a cobia he, a que vay adiante pondo e m couzas uperfluas, e particulares, o que houvera de empregar no augmento do bem c o m m u m , e defen da ptria. Efta he a opinio de muitos polticos Eftadiftas, que na tabem adquirir augmentos para o c o m m u m fem minguas dos particulares. A minha opinio he , que todos luza, porque a Sppulencia dos trajes ennobrece as Naoens, e
cau
cau venerao nos Eftrangeiros, e terror no* adverfarios: pelos trajes fe regula a nobreza de cada h u m , e naturalmente deprezamos mal vetido, e guardamos refpeito ao b e m ataviado : e quafi que he ifto de f : pelo menos afim o diz Santiago na fua Canonica, ainda que reprehende aos que defpreza os pobres , porque as vezes: Sub fordido pallio latet fapientia. O luzimento c o m moderao he digno de louvor , ofuperfluo c o m prodigalidade he o que taxamos. Dou-lhe, que na valha nada efta invecliva: faamos outra, que porventura valer menos na opinio dos poderofos, que ella ha de ferir de m e y o , a meyo. Ele certo que fe gaita nefte Reyno todos os annos das rendas Reaes quafi h u m milho, ou o que fe acha na verdade, e m talarios de officiaes, e Miniftros, que ahftem ao governo da jutia, e meno das*couzas pertencentes Coroa : e he mais que certo, que c o m a ametade dos tais Miniftros, e pode b e m fer que c o m a tera parte delles , fe daria melhor expediente a tudo y porque n e m fempre muitos alenta mais a empreza, e fe ella fe pode effeituar c o m poucos, a multido f ferve de enleyo. Se baila h u m Provedor e m cada Provncia, para que ta: cinco oufeis? Se baila h u m Corregedor para vinr
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fc te lguas de deftrito, para que ta tantos, quantos vemos ? Tantos efcrivaens, meirinhos, e alV caides , e m cada Cidade, e m cada Villa, e Aidea, de que fervem $ fe baila h u m para eferevinhar, e meirinhar efte m u n d o , e mais o outro ? Efte alvitrefedeu ao Rey de Caftella na ha muitos annos, e na pegou 5 pode b e m fer , que por fer b o m para ns. Se emarmos b e m as rendas Reaes das Provncias , e as defeutirmos, acharemos que l fica todas pelas unhas deftes galfarros dependidas e m falarios, e pitanas. Entremos nas fete Catas defta Corte, mas que feja na Alfndega , c cata da ndia, acharemos tantos officiaes, e miniftros , que na ha q u e m fe pofl revolver c o m elles: e todos tem ordenados: e todos ta necetarios, que menos podeferfizefemmelhor tudo. A h u m Mifter de Lisboa ouvi dizer, que bat tava na Camera t?es Vereadores, e que tinha fete, e que fora melhor poupar quatro mil cruzados para as guerras , e accrefcentava: para que na meta do Pao oito , ou dez Dezembargadores, fe ba ta quatro , ou cinco l N a cata da Supplicaa, para que ta vinte, ou trinta, bailando meya dzia ? E e m todos efs Tribunaes, para quetatantos Confelheiros, que e eftorva huns aos outros. Engorda particulares c o m larios, c emmagre-
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mgrecem s rendas Reaes no c o m m u m , ; e na; ha poriTo melhores expedientes: muita couza fntaftica fe Tutenta mais por ufo, que por ur^ gencia. Etive para dizer a efte Licurgo, o que. difl Apelles ao apateiro, que lhe emendava o vetido , e roupagem de h u m retrato : Ne fiutow ultra crepidam. Q u e m te mete Joa topete c o m bicos de canivete ? Q u e muitas vezes nos metemos a emendar, o que na entendemos. E e m Tribu^ naei mayores, que conta de ancianidade, tem muitas licenas, e privilgios a velhice , que ha mifler ajudada , e alentada , e porifb fe permittem mais Miniftros, e mayores ajudas de cuto.: Deos nos livre de Miniftros, que antes de lhe chegar o tempo de os apofentarem, vencem larios fem os merecerem, e fem trabalharem. A s guerras de Flandes etivera muitos annos de quedo, futentando exrcitos grofifimos c o m immenfos gaftos, e foldados de Cabos, que os comia c o m h u m a m a fobreoutra, pondo e m ps de verdade, que tudo era neceflrio, porque dalli vivia. Das gals, que o etreito de Gibraltar nunca vio, e das de Portugal,, que na cxiCtem , fe efta vencendo praas , que paga as rendas Ecclefiafticas 5 e ningum repara niftoj porque fe repara c o m efles lucros, os que houvera
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vera de zelar eftas perdas. Chegaro os motins. de Flandes h u m dia a eftado , que fe havia de concluir c o m h u m a batalha, e m que metero os levantados o refto. Entraro e m confelhos os Caftelhanos, e tahio por voto de todos, que pelejat fem , porque eftava de melhor , e mayor partido. Advertio-os o Prefidente, queficavatodos fem rendas, e fem remdio de vida, fe as guerras e acabava: e retratara-fe todos, mandando dizer aos advertarios, que guardaflem a briga para tempo de menos frio. E praza a Deos na ucceda ifto m e m o cada dia entre ns nas occaioens, que fe offerccem opportunas, para concluirmos c o m guerras: porque h u m a boa lana o ca do m o i n h o : e quando vem a occafia, deixa-lhe jurar a calva, para que lhesfiquenas unhas a ga* delha, que os futenta.
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CAPITL o XLV.
Vos que furtai com unhas domefiicas. JOa Eufebio Efcritor infigne, e Autor emditillimo da Companhia dejefus, jfeferena
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ua Philofophia natural, que ha no mundo" N o v o humas plantas, que poder fer c o m o c meles, cujos frutos ta viventes, e imita a epecie de borregos, ou cabritos: eftes e m quanto verdes e(ta amortecidos, e va crefeendo c o m ouco da planta: c o m o amadurecem, levanta-fe vivos, e c o m e m a herva circumvifinha, at que fe depedem da vide, e m que nafeera : e fe os na yigia, nada lhes pra e m toda a horta, tudo abo^ canho, e tudo he pouco para a fome, c o m que yem da priza materna, e v e m a fer o que diz o Provrbio : Criay o corvo, etirarvos-ha o olho. Tais as unhas domefticas, que na contentes c o m o que lhes dais, ebaila, querem dominar tudo, quanto encontra na cata, e m que as admittiftes, e tudo he pouco para fua cobia,; e voracidade. Criados, e eferavos afeusfenhoresj filhos afeuspays, e mulheres a feus maridos, e tambm aos que o na ta, na ha duvida que furtao muito, e por mil maneiras y e que ta eftas verdadeiramente unhas domefticas , porque de portas a dentro vivem, e fazem fus pilhagens muito afeutalvo , os criados fobindo o preo no que feus amos dhes mando comprar 5 os filhos desfrutando as propriedades, e os celeiros nas uncias de feus pays-,e as mulheres ecorchando os
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os efcritorios c o m chaves faltas. Dera eu de confelho aos a m o s , pays, e maridos, que feja mais liberaes, para que de fua efeaceza na refultem perdas mayores , que as com que a liberal^ dade coftuma reparar tudo. M a s nataeftas as unhas domefticas , que a m i m m e cano y porque o que eftas pefca, pela mayor parte na mefm a caa fica, e e m couzas ufuais fe gaita. As que m e toca no vivo , declararey com huma repofla , que dey a h u m velho afluto, que m e fez efta pergunta. . r Folgara taber, dizia o b o m velho mais taga que zelofo, que couza he h u m Rey dando audi4 encia publica ? Devia de querer , que lhe repondefle, que era h u m pay da Ptria, quefeexpunha a todos para os amparar, e remediar c o m o a filhos: e fazerme deita repofla alguma inve&iva parafeuinterefl : mas eu furteylhe a gua ao intento , e repondilhe. H u m Rey dando audincia a feus vatallos debaixo do feu docel h e p Mrtir S. ; Vicente noflb Padroeiro pofto; no Eculeo , cercado de algozes, que o efta desfazendo c o m pntens de ferro , e unhas de ao y porque todas, quantas petioens lhe apprefenta, a garavatos , eganchos, quearma a lheder,' rar a fubtancia da Coroa: e he couza certa , que
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que nenhum lhe vay levar couza de feu proveito , e que todos lhe va pedir o que ha mifter, allegando fervios c o m o criados, e merecimentos c o m ofilhos5 e que ElRey he Pelicano, que c o m o ngue do peito os ha de manter a todos: fem attentarem , que padece o R e y , e o Reyno mayores necelfidades que elles, e que fe deve acodir primeiro ao c o m m u m , que ao particular. E atrev o m e a chamar a eftas pertenoens furtos d o m e C ticos nefte tempo, e m qu devramos vender as capas para comprar epadas, c o m o dile Chrifto afeusDifeipulos, e na depir ao Reyno at a camiza. O nofb Reyno he pequeno, e afim tem poucas datas: e he muito frtil de fugeitos, e talentos $ e porifl na ha nelle para todos : mas tem as Conquiftas do m u n d o todo, aonde os manda fer enhores do melhor deltas, para que venha ricos de merecimentos, e gloria, c o m que comprem as honras, e melhores pftos da ptria: e pertendellos por outra via r furto domeftico notrio, e digno de caftigo. r Senhores pertendentes, levem daqui efte defengano, que o R e y , que Deos nos deu, he de cera, e he de ferro : he de cera para ns, e he de ferro para fi , e para nofos inimigos: he de cera para ns pela brandura, e clemncia, com
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c o m que nos trata , nenhum vatalo achou nun* ca na ua boca m repofta, n e m nosfeusolhos m o femblante: exercita naturalmente o confelho , que Trajano guardou por arte, com que fe conervou , e fez o melhor Emperador , que nunca nenhum vatalo fe apartou delle defconfolado;. n e m defeontente. H e de ferro parafi-y bem vem o s c o m o fe trata. E tambm o he para noTos inimigos c o m valor mais invencvel que o ao y e para utentar o mpeto advertario necefitaj que o ajudemos c o m notas foras: e fera muito etolido, quem nefte tempo tratar de lhe diminuir as fus. O dinheiro he o nervo da guerra, e onde efte falta, arrifca-fe a vitoria, e o prol do bem c o m m u m , de que he b e m fe trate primeiro que do particular-, que totalmente fe perde, quando fe na aTegura o c o m m u m : e para que a ns, e a nadafena falte, he b e m que ns na faltemos da noTa parte, contentandonos c o m o que o temp o d de fi, e c o m a eperana certa da profpi ridade, que he infallivel depois da fortuna ap$ra , beatificando c o m exceflbs, o que malogra na adverfidade. E para todos os Reys m efejalicito pr aqui tambm h u m a advertncia, que na feja tauto de cera, que fe deixem imprimir^ n e m tanto de ferro,
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foro, que na fe pola dobrar: na fe deixem imprimir de confelhos peregrinos: na fe deixem dobrar a exaces rigorotas , porque eftas recompenta-fe c o m furtos domefticos, lima furda dos bens da Coroa-, e aquelles tem por alvo lucros particulares c o m detrimentos comuns O diclame, e acordo de h u m Rey vale mais que mil alheos: na reprovo confelhos: anteponho o do Rey a todos, porque he menos arrifeado a erros: efta refolua para m i m he evidente, na f pelf, experincia, mas tambm pela certeza, que nos afegura o c o m m u m dos Santos, e Theoogos.^ jque os Reys tem dous Anjos de guarda, h u m que os guarda, outro que os enina, e poriflb ta mais illuftrados, que todosfeusConfelheiro^ -Ponde quando as opinioens fe baralha, o majs figuro he feguir o. difeurfo do R e y , Te na for intimado por outrem, que Rey. nafeja.E afirh pedir os Reys, o que lhes he neceflrio, e na tomar, o que lhes he fuperfTuo: dara a feus vatallos o que merecem, e na o que lhes na he devido:, e e m nenhum haver occafia de fe recompentar c o m furtos domefticos.
CA-
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XXVI.
CAPITULO
Vos que furtao com unhas mentirofas. PEflbas ha, que tem unhas marcadas com pintas brancas, a que chama mentiras ; mas na ta eftas as unhas meiitirotas, que mais tem de pretas, que de cndidas , e furtao de mil e quinhentas maneiras, fempre mentindo. Tetemunhasfeja,os que c o m certidoens faltas pedeoa mercs a Sua Mageftade allegando fervios, que nuncafizera, e dando tetemunhas, que tal nap vira : e porque laa nifto muitos enganos, nao m e efpanto da exaca, c o m que femelhantes par peis fe examina, ainda que feja c o m moleftia das partes. Outros ha, que leva as mercs com fervios equvocos, que tem dous rolos, como Jano, c o m h u m olho para Portugal, c o m outro para Caftella. Joga c o m pao de dous bicos : contemporiza c o m ElRey D . Joa, e fazem obras, que lhe podem fervir d defculpa com ElRey D . Filippe: c tem h u m p, e l outro^ c o corpo, e l o corao. Epor vida delRey m e u Senhor, quefefora pofivel ao Doutor
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tor Pedro Fernandes Monteiro dar de repente J e m quantos eferitorios, e algibeiras ha nefte Reyno , que houvera de achar e m mais de quatro cartazes Caftelhanos, que promettem ttulos, e Comendas, a q u e m 3er ordem, c o m qe fe baralhem as couzas; ifto he, que taya as nos tarde , que na haja gals, que fe malogrem armadas , e frotas, que fe desfaa a bola, que na fe faa cavallos, n e m infantes, que na fe pag u e m eftes, n e m d m cevada a aquelles, que na fe criem potros, que na fe peleje nas occafioens de urgncia, que na fe fortifiquem as praas, que fe alterem as dcimas, que fe gale o dinheiro e m couzas fuperfluas, e fantafticas y e e m concluta, que na fe paguem fervios. E quando pratica, ou vota eftas couzas, o fazem c o m tais tintas, e deftreza, que fazem crer ffta por balhfta aos mais acordados. E tudo lhe perdoara, porque no cabo na meengana, fe no fim na quizera, que lhes paguemos c o m benefcios claros os malefcios efcuros, que c o m feus en> buftes nos cauta. Outros ha, que c o m ferem muito leais, furtao a trecheo c o m unhas mentirotas ; porque fora fazem parecer fervio trbalhofo, e digno de grande merc, o que pudramos reprehender d Z grande
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grande calaaria : fem tahirem da Corte, a e m de uas catas, e Quintas, empolga nos prmios de campanha , leva s barretadas, o quefedefignou para as lanadas: e na fe correm de tomarem c o m mos lavadas, o que f<$ parece bem e m mos^ que fe enopara no ngue inimigo: cheos como colmas ao perto, fe efta rindo dos que por fervirem longe efta vazios. Falta a eftes enhores a generofidade, que fobejou ao Sereniffimo D u que D. Theodofio, dignifimo Progenitor do nof fo invidifimo Rey D. Joa o I V de glorio memria, o qual convidado por ElRey Filippe III. de Caftella, quando veyo a Portugal na era de 6zo. que lhe pedifle mercs, repondeo palavras dignas de cedro, e de lminas de ouro: Vfos, e nofls avs enchero nofl cata de tantas mercs , que na m e deixaro lugar para aceitar outras. E m Portugal ha muitosfidalgospobres de mercs, e ricos To de merecimentos, e m q u e m V Mageftade pode empregar Tua Real magnificncia. Efte grande Here apurando afim verdades notrias enfinou harpas domefticas, .que acabem j deferfanguixugas de ouro, efponjas de honra, cameleoens fingidos, e Protos falfos. Outros ha, que feguindo outra marcha, empolga effe&ivamente c o m mentiras e m grandes montes
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montes de dinheiro, que ufurpa a feu Rey., fua ptria : por tais tenho, os que vencem praas mortas fem aleijoens, n e m merecimentos: os que fingem praas fantafticas, que tem na lifta , e nunca exiftira no tero : os que embola os falarios de foldados, e officiaes defuntos, e aufen-^ tes: na Ilha da Madeira vi dous meninos, que nos braos vencia praas de Capitaens: os que dizem, que trazem nas fabricas dos galeoens, e das fortificaoens duzentos obreiros, trazendo f cento e cincoenta. O s que va para a India,a q u e m ElRey paga trs, ou quatro criados, para que o(tentem authoridade e m feu fervio, e va fem ellesfervindo-fedos marinheiros, efoldados5 e affim c o m e m os ordenados dos criados, que nao leva : os que introduzem officios c o m ordenados fem ordem delRey-,efintaos fubditos c o m qualquer achaque para couzas, que nafeobra. Todos eftes, e muitos outros, que na relato, ta milhafres de unhas mentirotas. M a s os mayores de todos a m e u ver, ta os que trata e m eferavos, Efte ponto de efcravaria he o mais arrifcado, que ha e m todas noTas Conquiftas: e para que todos o entenda , havemos de prefuppor, que o natural dos homens he, que todos feja livres, e f p o d e m fer eferavos por dous princpios. PriZ ii meiro
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meiro de delido. Segundo de nafeimento. Por delicio ta verdadeiros eferavos nofls os Mouros,que cativamos , porque elles contra jutia tazenx feus eferavos os Chriftos, que toma. E os negros tem entre fi leys julas, c o m que fe governa, por virtude das quaes cmuta e m cativeiro o caftigo dos crimes, que merecia morte , e tambm os que toma e m uas guerras, aos quaes podem tirar a vida. Por nafeimento To podem fer cativos defeendentes de eferavas, mas na de eferavos,t pela regra: Partusfiequiturventrem. Polia efta doutrina, que he verdadeira, va Portuguezes a Guin, Angola, Cafraria, e Moambique, enchem navios de negros, fem examinarem nada difto. E para eftas emprezas tem homens ladinos, que chama pomheiros, e os negros lhe chama tangomaos$ eftes leva trapos, ferramentas, e bugiarias, que da por elles, e os trazem nus, e amarrados, fem mais prova de feu cativeiro, que a de lhos vender, e entregar outro negro, que os caou, por fer mais valente : e fuceede muitas vezes fugir h u m negro da corrente aos Portuguezes, ir-fe aos mattos, e apanhar o m e m o , que o vend e o , e levallo a outros mercadores, que lho compra a titulo de efcravofeu por nafeimento. O u tros os tem e m crceres, c o m o e m aougues, para os
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os irem comendo^: e eftes, para fe livrarem d morte injuta, roga aos Portuguezes, quando l chega, que os comprem, e que querem fer feus ecravos, antes que ferem comidos. E ainda que efta compra parece menos efcrupulota, por fer voluntria no padecente , que he fenhor de fu liberdade, c o m tudo tem ua raiz na violncia, que faz o voluntrio extorto. Portuguezes houve, que para caarem eferavos c o m melhor conciencia, fe veftira e m hbitos de Padres da Companhia, dos quaes na fogem os negros pela experincia, que tem defeiamuita caridade, e enganando-os afim c o m capa de doutrina, e pretexto de Religio os trazem, e metem na rede do cativeiro. E e m concluta todo o trato, e compra de negros he matria efcrupulota por mil enganos, de que uta, afim os que l os vendem, c o m o os que os om-
pra.
Q u e direy dos Chins, e Japoens! H a ley entre ns, que na os cativemos 5 e c o m tudo vemos e m Portugal muitos Chins, e Japoens eferavos. T a m b m para os Brafis ha a mema ley, e bemos, que na fe repara e m os cativar. E na fey que diga a eftes cativeiros tolerados fem exam e ? Direy, o que ouvi pregar muitas vezes a Varoens doutos, e de grande virtude, e experincia, Z lii que.
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que a raza, porque Portugal eteve cativo fefenta annos e m poder de Caftella injuftamente, padecendo extorfoens, e tyrannias, peores, oue as que fe uta c o m eferavos, foy, porque injuftamente Portuguezes cativa Naoens innocentes. Jufto juizo de D e o s , que feja taqueados c o m unhas mentirotas, os que c o m as memas rouba tanto.
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C A P I T U L O
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XLVIL
SE ellas ta unhas, verdadeiras unhas devem fer; e afim na haver unha, que na feja unha verdadeira, e todas pertencer a efte capitulo. Nego-vos efta confequencia : porque h u m a couza heferverdadeira unha, e outra couza he fer unha verdadeira. Verdadeira unha he qualquer unhaj mas unha verdadeira hef,a que trata verdade , e deftas f trata ete capitulo: e parece muito, q haja unhas, que faltando verdade furtem , porque onde ha furto, ha engano, que a verdade na permitte: mas efta he afinezadefta arte, que at Faltando verdade vos engana, e eftfa. V e m h u m , pertendente Corte c o m dous, ou trs negcios de fum-
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fumma importncia j porque quer lhe d m h u m i comenda porferviosdefeusavs; e pelos de feu pay quer lhe dm h u m a tena grota para Tua my, que eft'viuva-, e quer por contrapezo fobre tudo iflb, que lhe d Sua Mageftade para duas irmans dous lugares e m h u m Mofteiro. T o m a ef? te tal o pulfo s vias, por onde ha de requerery informa-fe das valias dos Miniftros, corre-os todos c o m memoriaes. H u m lhe diz, que traz fua merc requerimentos para trs annos: e falia verdade^ mas que forrar tempo,fefouber contentar os M i niftros : e falia verdade. Outro lhe diz, que fe na vem armado de pacincia, e provido de dinheiro para gaitar, que fe pode tornar por onde veyo j porque nada ha de effeituar: e falia verdade , mas que elletabeh u m canno occulto, por onde fe alcana as couzas: e falia verdade : e fe v.m. m e peitar, logo lhe abrirey caminho, por onde navegue vento e m popa: e falia verdade. Outro lhe diz: Senhor, ifto de memoriaes he tempo perdido , porque ningum os v : e falia verdade: trate v. m . de couzas, que leve o gato, e melhor que tudo de gatos, que levem m o e d a , e far negocio 5 porque os finos de Santo Anta por dar da , e afim o diz o Evangelho: Vate, &,.dabi-r tur vobis: e falta verdade. A mulher de fulano pr Z v de
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de muito com feu marido, e efte com tal Miniftro , e efte c o m tal Prelado, e efte com fulano, e fulano c o m ficrano, que tem grandes entradas, e tahidas: e affim ZCCQ h u m a cada, que nem com vinte de ouro poder contentar a tantos o pobre requerente. E parta afim na verdade, que bate todas eftas mouras, de cata e m cata, fem lhe baftar,quanto dinheiro fe bate na catada Moeda.Contarey h u m cafo, que m e veyo s mos ha poucos dias, e apoya tudo ifto bellamente. Veyo h u m pertendente da Beira requerer h u m officio,fena era beneficio ; trouxe duzentos mil reis, que julgou lhe baftava para feus gaftos: dipendeo-os e m peitas: errou as poldras a todos c o m o bifonho, e achou-fe e m branco, e fem branca na bola j mas rico de noticias para armar melhor os pos e m outra occafia. Para achar efta c o m b o m fuccefo, tornou ptria, fallou c o m duas irmaas,! que tinha, defta maneira : Irmas, efenhorasminhas , haveis de taber, que venho da Corte ta cortado, que l m eficatudo, efeperanas trag o de alcanar alguma couza : fe vs quizerdes, que vendamos o m e u patrimnio, e as volas legitimas , e que faamos de tudo at mil cruzados, tenho por certo ha de obrar mais que os duzentos mil reis, quefem e fora por entre os de-
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dos". Aqui na ha fena fechar os olhos, lanar o refto , e morrer c o m capuz, ou jantar c o m charamelas. Viera as irmas e m tudo : deu comfigo em Lisboa c o m os mil cruzados dftra, e lanou-os e m h u m canno de gua clara, que lhe tirou a limpo fua pertena c o m efte prefuppofto : Sev m . m e alcanar h u m officio, ou beneficio,; que renda duzentos mil reis, darlhe-hey trezentos para humas meyas, fem que haja outra couza de permeyo. Ajutara fus prometas de parte a parte com as cautelas cotumadas de afinados de dividas, e empreftimos: tudo foy h u m a pura verdade: e todos ficaro ricos empregando unhas verdadeiras y h u m nas datas delRey, e o outro nas do pertendente, que foy brindar o jantar de fus irmaas c o m charamelas. N o s Advogados, e Julgadores ha tambm excellentes unhas, e todas verdadeirasy- porque nafepode prefumir, que minta gente douta, e que profeta jutia , e raza. O que m e admira he, que tomem dous Advogados h u m a demanda entre mos, e entre dentes; h u m para a defender, e outro para a impugnar , efte pelo Autor, e aquelle pelo R o , e que ambos affirmem a ambas as partes, que tem julia. C o m o pode fer, fe fe contrataria, e h u m diz que fim, e outro que na ?
na ? NeceTariamente h u m delles ha de mentir }, porque a verdade confifte e m indivifivel, c o m a diz o Filofofo. C o m tudo ifo ambos falta verde j- porque cada h u m diz ua parte, que tem jutia 5 iftohe, que terfentenaporfi,fe, quizerem os Julgadores: e falta verdade. Dada a fentena contra a parte mais fraca, c o m o ordinariamente acontece, queixa-fe, que lhe roubaro a jutia : melhor diflera, que lhe roubaro as peitas, pois de nada lhe fervira. Repondem os Juizes, que dera a fentena, afim como a julgaro : e falla verdade. D i z o Advogado da parte vencida, que na andou diligente de ps, n e m de mos o requerente: e falia verdade. E to-dos falhando verdade fe enchero de alviaras,donativos, e eportulas: e eftas ta as unhas verda-j deras. Outras ha mais verdadeiras, que todas, e) ta as dos que agencea, e defendem caus Reaes. D e v e ElRey quinze mil cruzados a h u m a parte por h u m a via, e deve por outra a mema parte cinco mil a Sua Mageftade 5 cita-fe, e dematv da-fe por feus procuradores e m Juizo competen- te: e taye logo fentena, que pague a parte os cinco mihcruzados a Sua Mageftade. .Replica, que fe paguem os cinco mil dos quinze, que lhe deve
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deve a.Coroa, e que lhe d m os dez, que refta, ou pelo menos ametade. Torna a fentencear, que pague os cinco, c o m o eft mandado , e que demande de novo a Coroa pelos quinze, que diz lhe deve, efenao,que o executem at lhe venderem a camiza, fe na tiver por onde pague 5 e que ElRey ha mifter o que fe lhe deve : e afim he na verdade. E tambm he verdade, que quebra a corda pelo mais fraco. E fegue-fe deite lano, e de outrosfemelhantes,que na conto, abrirem-fe huma, e mil portas francas, por onde entra unhas verdadeiras na fazenda Real recompentando-fe, para remirem ua vexaa. E quando na encontra cabedal da Coroa, e m que e empreguem, deC carrega-fe no foro da conciencia com outros acrdores, a q u e m devem y e dizem-fe huns aos outros : Senhor, vs deveis a ElRey quinze mil cruzados , de que elle na tabe parte , e poriflb nunca wos ha de demandar por elles: ElRey deve-me a mimoutros quinze, c o m o muito b e m beis: eu devo-vos a vs outros tantos: tomay-me por paga , os que m e deve Sua Mageftade , e afim ficareis defobrigado a lhe retituir , o que lhe deveis, e todosficaremose m paz, E affim parta na verdade, de que fuceede ifto cada dia c o m grandifimo detrimento da fazenda Real, onde feus Miniftros negan-
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negandotahidaspara pagar, abrem entradas a et tas unhas para a deftruir.
C A P I T U L O
XLVIII.
ja diligente, e apretado, para que o na apanhem com furto na ma. C o m tudo il ha unhas, que e m ferem vagarotas tem a mxima d feu proveito :tacomo o fogo lento, que porif* fo menos fe fente, e melhorfeata. Qual he> raza , porque arnba nos da ndia tantas vezes? Porque partem tarde. E qual he a raza,, porque partem tarde ? Porque as avia de vagar ? Porque e m quantofeapreta , tem unhas vagarotas,^ e m que empolgar. M a s deixando o mar, onde poflb temer alguma tempeftade, faltemos e m terra, e feja vela, e com vigia , porque tambm acharemos pegos fem fundo nefta matria, e m que podemos temer alguma tormenta, porque natabons de vadear. Deos m e guie, e m e de* fenda. Que
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Q u e couzas ta as demoras de h u m Miniftro,! que na defpacha ? Sa depertadores contnuos, , de que lhe deis alguma couza, e logo vos depachar. E porque o tal he pefoa grave, e que fe: peja de aceitar efcancara donativos, remette-vos ao Teu official, quando apertais muito c o m ellej e o, ofhciaTtraz-vos arraftado h u m m e z , e dous m e zes , e s vezesfeisc o m efeuta ordinria, que na acha os papeis, porque ta muitos os de feu a m o , e que os tem corrido mil vezes c o m diligencia extraordinria, que os encomendeis a Santo Antnio : e a verdade he, que os tem na algibeira, edereferva, eperando, que acabeis j de lhe dar alguma couza. Allumiou-vos Santo Antnio c o m a candenha, que lhe offereceftes: dais h u m diamante de vinte e quatro quilates ao fobredito, e d-vos logo os papeis pepontados de vinte e quatro alfinetes, c o m o vs quereis: e o m e n o s , que vos roubou c o m feus vagares, foy o diamante, porque fendo obrigado a depachar-vos no primeiro dia, vos deteve tantos mezes c o m gaftos exceTivos fora de vofl cata, onde tambm perdeftes muito c o m ta dilatada aufcncia. E m Itlia ha coftume, eley, que ut ente a Jutia osprezos, e m quanto etiverem na cada: e he b o m remdio , para que lhes aprelem as caus, E m Portugal
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tugal ainda a jutia na abrio os olhos nifto : prendem milhares de homens por d c aquella palha 5 feacerta defermiferaveis, como ordinariamente ta quafi todos, na priza perecem fem c a m a , e fem mantimento, porque a Mifericordia na abrange a tantas obrigaoens da jutia, que as p o d e m temperar todas f c o m lhe apretar as caus. Se houvera ley, que pagaflem os Miniftros as demoras culpaveis, pode fer, que elles, e os feus officiaes andaTem mais diligentes. Miniftros ha incorruptos, e que fazem Tua obrigao nefta parte, e at neftes fazem feu onv cio unhas vagarofes. Explico efte ponto c o m huiri cafo notvel. Importava a h u m a parte, que fe detivelTe o Teu feito h u m anno nas mos de Rodam a n t o , e m cuja cata nunca nenhum feito dormio duas noites: armou-lhe por confelho de h u m Rbula eperto c o m outro feito, que comprou na Confeitaria muito grande, pezava mais de huma arroba , e altou fobre elle o feu, que era pequeno, e deu c o m elles, c o m o fe fora h u m f, e m cata do Julgador y o qual e m vendo a maquina emoreceo, e mandou-a pr de referva para as ferias, com h u m letreiro e m cima, que afim o declarava. A outra parte requeria fortemente, que na tinha o feito que ver , e que e m h u m quarto de, hora o
podia
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podia depachar : agaftava-fe o Dezembargador c o m tanta importunaa, e ameaava o requerentef que o mandaria meter no Limoeiro, fe mais lhe filiava no feito, que era de qualidade , que havia mifter mais de h u m m e z de eftudo, e que poriTo o tinha guardado para as ferias: chegaro eftas dahi a h u m anno, vio o feito, defeobrio-fe a maranha do parto fuppofto, e alcanou o grande mal, que tinha feito parte c o m as detenas, que pudera evitar, fe detatara o envoltrio. O que nefte paflo etranho mais que tudo, he fofrerem-fe nefte Reyno Letrados procuradores , os quaes fe gaba, que fara dilatar h u m a demanda vinte annos, fe lhe pagarem. O prmio, que tais letras merecia, era o de duas letras: L. e E. imprefls nas coftas, e na lhe efperarem mais, para o que ellas fignifica. D e C a m p o Mayor veyo h u m Fidalgo reque rerferviosa efta Corte: aconfelhou-fe c o m h u m Religiofo letrado fobre o m o d o , que havia de feguir, e comunicou-lhe tudo : Perguntoudhe o fervo de Deos, que cabedal trazia para os gaftos? Repondeo, que h u m cavallo, e dous homens de fervio, e oitenta mil reis, que fez de h u m olival que vendeo. Traz v. m . provimento para oitenta dias quando muito, lhe dile o Religiofo, vifto
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vifto trazer tantas bocas comfigo: e f para entabolar fus pertenes ha miler mais de trezentos dias;" e fe o na tabe, dirlho-hey : H a v. m . de fazer h u m a petio , que ha de gaitar mais de oito dias, aconfelhando-fe c o m Letrados: fegue-fe logo efperar dia de audincia geral, e ter entrada, e nifc to ha de gaitar outros oito, fe na forem quinze. Sua Mageftade no m e m o dia , e m que lhe da as petioens, logo lhes manda dar expedientey mas na tayem na lifta fenao dalli a feis, ou 'fete dias , * que v. m . ha de gaitar epreitando na tala dos T u defeos, para ver aonde o remettem. Acha- que ao Confelho da Fazenda. Corre logo os Secretas rios, e feus officiaes, e gaita dez, ou doze dias perguntando-lhes pelos feus papeis -y at que ap* parecem, onde menos o cuidava. Bufea valias para os Confelheiros, e gaita outros tantos e m alcanar as entradas c o m elles: e no cabo da-lhe por depacho , que requeira no Confelho de Guerra, e he o m e m o , que gaitar outra quarentena , at haver o primeiro depacho, que he: Jufitifique: e e m jutificar fus certidoens gaita muitos dias, e na poucos reales. Torna o jutifica^ d o , e torna a rebatello c o m Vifia ao Procurador da Coroa, ou da Fazenda, que ordinariamente reponde contra os pertendentes, porque efe he o feu
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o eu officio: e c o m ete depacho m o , ou b o m ^ torna os papeis Meta dahi a muitos dias: e gafc ta-fe logo mais que muitos na fabrica da Confulta, porque fe paita s vezes femanas, fem haver Confelho de Guerra. Feita a Confulta, a Vios que te Ia depare buena, fbe a Sua Mageftade, ou para melhor dizer a outros Secretrios, os quaes a detm l quanto tempo querem, e o ordinrio he dous, e trs mezes, efepata de feis, he neceflrio reformar outra vez tudo , e he o m e m o , que tornar a comear do principio : e ifto fuceede fem culpa muitas vezes; porque eta l outros papeis diante, que por hirem primeiro, tem direito para o tempo, e por ferem muitos, o gafta todo, Deceo por fim de contas a Confulta depachada, c o m parte do que v m . pedia, ou c o m tudo : he vifta no Confelho de Guerra c o m os vagares cot tumados, e dahi a tempos remettem a execuo delia Meta da fazenda, onde fe m o v e m novas duvidas, e^ a bem livrar, quando o Alvar taye feito dahi a h u m mez , para hir a afinar por Sua Mageftade, negoceou v. m . muito bem. Torna aflinado dahi a dous mezes, lana -fe nos Regiftos, e delles vay correr asfeteeftaoens de Chancellarias, Mercs, direitos novos, evelhos,J-ou meyas natas , cc. E tenho dito a v. m. o que
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pata,
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pata; ou ha de patar, e ainda lhe na dile tu-d o : mas fe o quizer taber mais de raiz, falle com pefloas, que ha nefta Corte de trs, de cinco, e de oito annos de requerimentos, e ellas lhe dira o c o m o ifto pica. A repofta, que o Fidalgo deu ao Religiofo , foy , quefeficaflembora, que fe tornava para C a m p o Mayor. Alguns requerentes ha ta pouco confiderados, que attribuem eftes vagares pela do R e y , corno fe os Reys tivera corpo reproduzid o , e de bronze, que pudefl afitir a todos os negcios, e m todas as partes, e a todas as horas. O s mais penitentes Religiofos tem feu dia de futq cada femana, e uas horas de defcanfo entre dia, para que fe na rompa o arco, fe eliver fempre entezado c o m a corda do rigor : e delRey nofo Senhor bemos, que na dorme entre dia, n e m joga, n e m gaita o tempo e m couzas fuperfluasy e fe algum entretenimento tem, he muito licito , e f lhe d as horas, que furta do defeano, que lhe era devido y e o mais todo o gaita no expediente das guerras, e e m compor as tormentas de negcios innumeraveis, fem admittir regalos, nem otentaoens de feitas, que o divirta. Cada h u m quer , que fe lhe afifta ao feu negocio , c o m o ^ fe outro na houvera, e daqui nafcem as queixas, que
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queporiflo ta muito detarrazoadas. DaVilla do Ges veyo a efta Corte certo h o m e m de b e m c o m h u m a appellaa e m cafo crime, e no primeira dia, e m que lhe deu principio/ paftando pela terreiro do Pao, vio h u m a m o de homens 5 chegou-fe a elles, e perguntou-lhes, fe eftava faltando fobre o feu pleito ? Repondera-lhes, que o na conhecia , n e m tabia que pleito era o feu. Pois e m Ges [acodio elle] na fe falia e m outra couza. Afim pata, que cada h u m cuida que T nelle, e no feu negocio fe deve faltar. Senhores requerentes, levem daqui averiguado efte ponto , para taberem , de q u e m fe ha de queixar : que os negcios ta muitos, e que na m a de Sua Mageftade na fazem detena : veja l, onde encalha a carreta , e untem-lh s rodas, fe querem. que ande y e c o m ifo fer apreftdasc unhas vrgarotas, e ainda c o m ifo duvidofeferaodiligentes , porque pode acontecer , o que Deos na queira , ou na permitta , que haja Secretario , ou Official , ou Confelheiro, que n depache cada dia mais que fete, ou oito papeis,' cctefcendo-lhe cada dia quinze , ou vinte de novo. E fe ifto afim for, j na m e epanto dos montes de papeladas, que vejo por efls OfRcinaS', riem das queixas, que ouo por eftas ruas. Trabalhem ; A a ii os
(37^),
os Officiaes, e Miniftros , que bons ordenados c o m e m , e na d m c o m o feu defeano trabalho a tanta gente. D e h u m m e contaro, que tendo feis centos mil reis de ordenado , quatro centos. para fi, e duzentos para Officiaes, nunca teve mais que h u m , a q u e m dava cincoenta mil reis, e m a m a v a os cento, e cincoenta para i, e porif fo na fe dava expediente a nada. ?
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CAPITULO
XLIX.
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Vos que furtao com unhas aprefsadas. P A r a intelligencia deite capitulo contarey a hiftoria, que aconteceo a h u m Fidalgo Portuguez c o m certa D a m a do Pao na Corte de M a drid. Foy elle , c o m o hia todos , requerer feus depachos, e levou para elles, e parafeuluzimento quatro mil cruzados e m boa moeda. Gaitou h u m anno requerendo fem effeituar nada : olhou para a bola, e achou que tinha gaitado mais de mil cruzados. Lanou iias contas: fe ifto afim vay, l hir quanto Martha fiou, eficareyfem o que epero, e fem o que tenho. B o m remdio,
v
bufque-
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bufquemos unhas apretadas, j que na m e aju^ da unhas vagarotas. Informou-fe, que D a m a havia no Pao mais b e m vifta das Mageftades; e c o m o as de Caftella ta de poucas ceremonias, facilmente fallou c o m ella, e difle-lhe claramente que tinha trs mil cruzados de feu , e que daria dous a Tua Senhoria, fe lhefizefledcpachar logo h u m a comenda por grandes fervios, que offcrercia. V ac fus papeles Se%or mio, lhe dile a D a m a , y buelvafe a ver conmigp daqui a quatro dias, y traiga los dos mil en oro $ porque ei oro me alegra, quando efioy trifie. Contou as horas o b o m Fidalgo ate o termo peremptrio, e voltou pontualmente c o m os dous mil e m dobroens, e achou a D a m a c o m o depacho nas mos, fem lhe faltar h u m a cifra , c pondo-lhc nellas o promettido, rccebeo o que na houvera de alcanar por outra via. E eftas a as unhas apretadas, de que tallo, e deftas ha muitas. Outro Portuguez Soldado da ndia na m e m a Corte gaitou annos allegando innumeraveis fervios, para o depacharem c o m h u m pedao de pa honrado para a velhice. V e n d o quefelhe go^ rava fus pertenoens pelas vias ordinrias, tratou de fe ajudar de unhas apretadas , que he o ultimo remdio, ou para melhor dizer, o primei^ A a lii ro
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ro, e m q u e m trata de remir ua vexaa, e achouas c o m pouco dipendio do feu cabedal, que era j b e m limitado, no pincel do melhor pintor de Madrid : mandou-fe retratar muito ao vivo quafi morto, c o m quantas feridas tinha recebido no fervio delRey, que patava de vinte, todas penetrantes , e e m todas ellas as armas offenivas, com que os inimigos o feriro , que porferemdivertas, fazia c o m o ngue h u m efpectaculo horrendo no retrato. N a cabea tinha h u m a alabarda, no rofto dous piques, e nos braos quatro frechas, que lhos atraveflava , fobre a m a equerda h u m alfange, que lha decepava; e de h u m a parte, e outra dous bacamartes, e h u m moTquete vomhtando fogo, e mandando balas aos pares, que lhe rompia o peito : h u m a perna de todo quebrada c o m h u m a roqueira, e dez, ou doze punhaes, e epadas pelo corpo todo, que o fazia h u m crivo. C o m efta pintura, e feus papeis, fe apprefentou diante delRey Filippe e m audincia publica, e defenrolando-a lhe diTe e m alta voz : Senhor, eu fou o que moftra efte retrato : nelles papeis authenticos trago provas de c o m o recebi te* das eftas feridas no fervio da Coroa de Portugal na ndiay e a melhor prova de tudo trago efcrita e m m e u corpo, que Vota Mageftade pode mandar
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dar ver, e achar, que e m tudo fallo verdade. Seja VoTa Mageftade fervido de m e mandar defpachar, c o m o pedem eftes fervios, e merecimentos. Enterneceo-fe o R e y , pamara os circuntantes, etahiologo dalli defpachado o pertendente c o m h u m a comenda grande , a que poz embargos a inveja, e lha fez comutar e m outra pequena 5 porque na era Fidalgo, ou porque na encheo as unhas apretadas, que tudo alcana , qu tudo eitorva. Acabo efte capitulo com h u m exemplo da nofl Corte de Lisboa , que anda nas hilorias de Portugal. N a porta da Cata da Supplicaa eft h u m a argla, e m que h u m Rey nofo mandou enforcar h u m Dezembargador, porque aceitou h u m a bola de dobroens, que huma velha lhe offereceo para lhe favorecer , e apretar certa cauta de importncia , que lhe movia h u m a parte rija. Foy o Rey e m pefoa Relao para averiguar a peita , que tirou a limpo por excellente m o d o , e na Te tahio dalli fem o deixar colgado. Louvo a reprehenta : na approvo o rigor. Antes fou de opinio , quena devem er enforcados homens Portuguezes: e porque na tenha algum:efta concluta por intil, feja-me licito provll aqui c o m o apolrophe feguinte. :
Aa iv
Em
(376):
E m R o m a havia ley, que nenhum Romano fofl aoutado, porque fe tinha todos por muito nobres 5 ou porque a infmia acanha os elpiritos bellicos, que os Romanos queria nos feus fempre vigorofos. Portuguezes a gente mais nobre do m u n d o por feu valor , e porfeusilluftrs feitos, e hericas emprezas 5 e quando merea morte por delitos, tem Portugal conqtiif^ tas, aonde os pode mandar por toda a vida, que he h u m gnero de morte mais penofo , que o d forca, porque efta acaba-fe e m h u m a hora, c aquella dura muitos annos com trabalhos peores* de fofrer, que arnefenamorte. Coftumava os,, nofos Reys antigos mandar aos condemnados morte, que lhe foflem defcobrir terras : efemor-%, ria na empreza, empregava bem a vida, e fe efeapava, era com proveito da ptria. Q u a n d o vejo enforcar mancebos valentes por quafi nada, tenho grande latima, porque m e parece que fo* ra melhor mandallos ndia, ou a frica. C u * ta muito h u m h o m e m a criar, e he muito fcil emendar-fe de h u m erro. Se Deos caftigara logo, quantos o offendem mortalmente, j na houvera gente no m u n d o , e ha Dezembargadores, que da entenas de morte, por Tutentar capricho. E fe na fua m a etivera, depovoaria o Reyno. Vi
. (377)
h u m Padre da Companhia de Jcfus propor huns embargos, para livrar h u m pobr etc da forca: faltava com h u m deftes Miniftros, que era o Relator , na efcada da Relao^ e allegava-lhe, que o ro na peccra mortalmente no homicdio, por quanto fora motus primo primus , e em ua jufta defcza y e que tinha ua merc naquella raza , de que pegar para favorecer a Mifericordia. Perguntou-lhe o Dczembargador muito tabio , fe era Theologo? Repondeo o Padre muito modefto, que fim. Pois he Theologo [difl o Dezembargador j picado] e allcga-me que pode h u m hom e m matar outro fem peccar mortalmente ! O Padre lhe inflou muito fereno: v m . vay agora matar h u m h o m e m , porque vayfentencearefte a morte , e cuida que vay fazer h u m a d o de virtude : e o algoz, que o ha de enforcar, na tem neccffidade de fe confetar difo : h u m bbado, hurn doudo, e h u m colrico mata vinte homens , e na pecca : logo bem digo eu, que' pode h u m h o m e m matar outro fem peccar. N a foube o fenhor Doutor reponder a ifto com toda a ua garnacha , e deu as coftas, e levou avante a Tua opinio , fem querer amainar da ua teima. Eitaqui como morrem muitos ao detamparo, entregues ao cutelo deftestabios,porque na tem, quem
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quem acuda por elles, n e m cabedal, para lhes modificar a pena , que he a Tua epada, e s vezes unha. N e m m e digazelofos, que convm caftigat-fe tudo c o m rigor , para que haja emenda , porque lhe direy, que o eu zelo , quando mais fe refina, he c o m o o do outro, de quem dile o Poeta: Vat vniam corvis, vexat cenfura co~ lumbas 5 e ainda mal que tantos exemplos vemos, e m que fe cumpre ao p da letra, o que difl o outro : Quidquid delirant Grai, pleluntur Achivi. E vem afero que ns chamamos, Jutia de Guimarens. N a nego , que ha crimes, que fe dev e m caftigar com morte a fogo, e ferro , quaes ta os de Laja Majefiatis Vivina, e humana. E e m taes cafos he bem, que moftrem os Reys com a ultimo upplicio o poder, que Deos lhe deu at fobre os Sacerdotes. E porque a praxe defta doutrina pareceo e m algum tempo efcandalota, n o que toca aos Sacerdotes, he bem que a declarei m o s : e quem a quizer entender b e m , la o ca-' pitulo quefefegue.
CA-
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CAPITULO L.
, Mofira-fe, qual he a jurifdiao , que os Reys tem fobre os Sacerdotes. E o Sacerdcio izento da juridia dos leigos, por direito Divino, e humano. E c o m ifto eft , que ha muitos cafos, e m que os Ecclefiafticos fica fugeitos s Leys Civis, c o m o os Seculares: e para melhor intelligencia defta verdade , havemos de prefuppr, que efte m u n d o he c o m o o corpo h u m a n o , que na fe pode gover* nar fem cabea: e at os brutos, diz S. Jeronymo pift. 4. VuBores fequuntur fuos: in apibus prncipesfiunt5 grues unum fequuntur ordine literato. O s Grous feguem h u m que os guia, as abelhas tem h u m a que as governa: e todos os animais reconhecem domnio e m outros. O s homens levados deite diclame da natureza , que he ley muito foroza, para na ferem mais eftolidos, que s brutos,fizeraReys, e efcolhera Magiftrados, a q u e m fe ubmetera, para ferem regidos. Deos n o principio creou o h o m e m livre, e ta livre, que a nenhum concedeo domnio fobre outro : e : at
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at Ada cabea detodos, porfero primeiro,^ deanimaes, aves, e peixes o fez Senhor. Mas a todos juntos e m comunidades deu poder, parafe governarem c o m as leys da natureza. E nefta conformidade todos juntos, c o m o fenhores cada h u m de fua liberdade, bem a podia fugeitar a hum f, que efcolheflem , para ferem melhor governados c o m o cuidado de h u m , fem fe cantarem outros* E a efte efcolhido pela comunidade d Deos o por der, porque o deu comunidade, e transferiu* do o efta e m h u m , de Deos fica fendo. E nefte fentido fe verifica as Eferituras, que dizem t que Deos taz os Reys, e lhes d o poder. E fe algum cuidar, que f de Deos , e na do povo/ recebem os Reys o poder , advirta, que efle h o erro, c o m que fe perdeo Inglaterra, e abrio a porta s here/ias, c o m que fe fez Papa o R e y ; admittindo, que recebia os poderes immediatarnente de D e o s , c o m o os S u m m o s Pontfices. N e m vai aqui o argumento de Saul ecolhido por Deos para Rey , porque o poder, e a acclamaa do povo o recebeo, e Deos na fez mais, que efcclhello, e apprefentar-lho c o m o digno da Coroa. E advirta tambm os povos, que por fazerem o R e y , e lhe darem o poder , na lhesficalivre o revogar-lho , n e m limitar-lho, porque a ley da verda-
(3*1)
verdadeira jutia enfina , que os pactos legtimos fe devem guardar, e que as doaoens abfolutas valiotas na fe p o d e m revogar. Defta poteftade livre, e ligitima dos povos, para fazerem R e y , nafce poderem fer muitos os Reys, afim c o m o as Naoens o ta ^ e na fer neceflrio, que feja h u m f para toda a Chriftandade, ainda que feja h u m a e m Tua cabea efpiritual. E tambm fe colhe, que o Papa na he Senhor temporal de tudo , porque Chrifto f o poder epiritual lhe deu y e o temporal f os povos lho podia dar, e confta que na lho dera. Poftas afim eftas duas potftades fecular, e Ecclefiaftica, derivadas de feus princpios , c o m o tem o s dito: para chegarmos ao nofo ponto, de qual he o poder, que os Reys tem fobre os Sacerdotes , he neceflrio averiguarmos as potftades, que ha no Sacerdcio, para afim conhecermos, por onde pode o Rey entrar na jurifclia Eccle^ fiaftica. i H a no Sacerdcio duas potftades, h u m a , que Te chama das Ordens, e outra da Jurifdia. A das Ordens de Chrifto a recebem , e f para o. culto Divino, e adminiftraa dos Sacramentos, e efta claro eft, que na tem lugar .nella os Reys. A da Jurifdia fe drtingue e m duas, huma
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i
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ma para o foro interno, e outra para o externo: A do foro interno tambm he notrio, que na1 pode pertencer aos Reys. A externa tem outras duas, h u m a he efpiritual, e outra temporal, e ta diftinctas, c o m o o C e o , e a terra $ porque h u m a he terrena, e outra ceeftial. A efpiritual de Chrifto procede, que a comunicou f aos Sacerdotes , e nunca houve Rey temporal Catholico , que prefumifle tal poteftade. A temporal ha^ duvida, de donde, e c o m o procede fede Chrifto, fe dos homens ? E ainda fe divide e m duas; h u m a , que domina os bens dos Ecclefiafticos, e outra, quefeetende s pefoas dos mernos. E fobre eftas duas he a nofla quefta, fe as tem oS Reys de alguma maneira fobre os Sacerdotes, e? Ecclefiafticos. Q u e foTem os Ecclefiafticos exemptos do fo-> rofecularpor Chrifto immediatamente, he quefta controverta: que o Direito Canonico, e o s S u m m o s Pontfices os exima, he certo : e daqui b e m podemos dizer, que Chrifto os exime, porque os Papas os eximem c o m o poder, que re-> cebera de Chrifto. E daqui fe colhe conclu certilima , que na poder nunca fer privados deite privilegio fem confentimento do S u m m o Pontfice, que o concedeo ; afim porque legitimamen-
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piamente o podia conceder, c o m o tambm, porque os Emperadores, e Prncipes Catholicos o admittira. E deita mema excmpa fe colhe, que podem fer fugeitos aos Reys, e Magiftrados feculares nos cafos, que permittirem os S unimos. Pontfices, que os eximiro : porque a exemp- a na lhes v e m das Ordens, c o m o fe v nos Clrigos cazados, que na goza o privilegio do foro Ecclefiaftico , porque os Papas lho tiraro.E procedendo nefte fentido, digo, que ha muitas razoens, e occafioens, que habilita os Reys y para procederem contra os Ecclefiafticos: as principaes ta, Coftume, Concrdia, Privilegio, Jufta defenta. Coftume 5 porque efte tolerado pelos Papas tem fora de ley. E afim vemos os Clrigos fugeitos s leys Civis, que olha pelo b e m c o m u m y c o m o os que taxa os preos das couzas, as que irrita contratos, as que prohi * b e m armas, cc. Concrdia : porque quando confentem o Ecclefialicp,^eiap fecular e m h u m a couza , a nenhum fe faz injuria : e efta deve fer a raza /porque e m Frana ta julgados os Ecclefiafticos, afim c o m o os leigos, no juizo fecular e m caus cveis, e crimes y e nefte Reyno pod e mferAutores, ainda que na pol Ros. Privilegio : porque fe o Papa- o conceder nos cafos, que
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que p d e , he valiofo; c o m o fe v nos feudos,' cujas caufas fe demanda fempre no Juizo fecular , e nos bens da C o r o a , quando fe da a Clrigo c o m tal obrigao y. moeda falta, e crime Lafa Majefiatis tem e m alguns Reynos o memo privilegio. Jufta defenta : porque Vi vim repellere licet. E para defender h u m Rey fua pefoa, e a Teus vaTallos innocentes , pode proceder contra a violncia dos Ecclefiafticos. E efta he a raza, porque vimos nefte Reyno muitos Ecclefiafticos, afim Clrigos, c o m o Religiofos, e tambm Bifpos prezos, e confifeados, por conpirarem contra a peflba Real , e b e m c o m u m de todo o Reyn o : e no tal cafo , por todos os princpios de necefidade, coftume, concordata , privilegio, e jufta defenta, foy tudo licito, e b e m obrado, ainda que de outro principio na conftaTe, mais at. do da jufta defenta: e aflas moderado, e m o dfto andou ElRey nofo Senhor e m na fazer mais, que retellos prezos, para afim reprimir fu& audcia, efora. T u d o , o que tenho dito nefte capitulo, he a doutrina mais verdadeira , que ha neflas mateT rias : e fe algum admittir outra contraria a efta,' arrifcarfe-ha a cahir nos precipcios, e m que fe depenhra muitos Hereges. E baile ifto para defen-
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denganarmos a piedade fuperticiota de alguns eferupuloospoucotabios,"que tomando as couzas cargaferrada,appellida e m uas conciencias zelos fantafticos, c o m que fe inquietaifemfun-> damento , e vamos por diante c o m as unhas, de que nos divertimos. *
mAs -As >ls mis v4-" >*L< NIC AS ^4S" NL-* ->1S mis mis -mis mis mis mis m{s mi. As mjs mis mis mis mis >ls mis st^ *A' *-4< ^ *fc
^^^^^^^^^>^^./^^/^/^^V^.^S/p./^
CAPITULO LI. j
Vos que furtao com unhas infienfiveis. ; DO apide efcrevem os Naturaes, que morde , e mata c o m tanta fuavidade , que na e nte: e poriTo Cleopatra efeolheo efta morte enfadada da vida pelo repudio de Marco Antnio. Tais ta as unhas infenfiveis: tirao a vida aos Reynos mais robuftos, e egota a alma aos thefouros mais opulentos, c p m tanta uavidade, que na fe fente o d a m n o , fenao quando eft tudo morto. Eftas ta as unhas dos Eftadiftas , Alvitriftas, afpides d o Inferno, que perfuadem aos Reys c o m razoens uaves, efofifticas,q u e lancem fintas, que ponha tributos, que pea donativos aos povos fem mais necefidade, que a
Bb
de
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de iaa cobia. Digo que ta fuaves as razoens qiie da , porque na ha couza mais fuave, que recolher dinheiro $ e digo que afofifticas,porqu as vetem de apparencias do zelo do bem c o m u m -y e na realidade ta cutelos, que degola as Republicas. Declaro ifto c o m h u m difcurfo, ou confequencia , que vi fazer ao diabo : cafo he, que m e paflbu pela m a haver vinte annos: Navegm o s de Lisboa para a Ilha da Madeira, quando de repente entrou o demnio no corpo de h u m marinheiro natural de Setuval, grande palreiro : dez , o u doze homens muito valentes na baftava ao ter m a , at que acodio h u m Sacerdote Religiofo , que c o m os Exorcifmos o Tubjugou. Muitas perguntas lhefizera? A todas deu repofls ta ladino , que bem moftrava tahirem de entendimento mayor que ruticidade de h u m marinheiro. E que (ode epirito m o , moftrou-o b e m nas faltas oceultas, que defcobrio a h u m foldado meyo Caftelhano, que c o m demafiada fanfarrice o atruou chamando-lhe perro , apoftata, e outros nomes affrontofos, que at o diabo os na forre 5 e porib lhe revidou, pondo-lhe e m publico couzas na menos affrontofas, que elle tinha obrado e m fecreto, de q corrido, por na ouvir mais, fe retirou. H u m dos ircuntantes [devia de fer Sebatianilta] dezejo de taber
fberfe era vivo ElRey D.Sebaftia,: tudo era per>: tar c o m o Padre Exorcifta,que lho perguntafle.Mas o Padre lhe repondeo humilde, que feu ofricio era apertarferiamentec o m o epirito maligno, que dei- xafle aquelle h o m e m , e na fazer perguntas efcuzadas. O diabo, que nada lhe cahe no cha, acodio a tudo, e pode fer o faria por divertir os Exorcimos: dile eftas palavras formaes: Se vs tendes Rey , para que quereis outro Rey ? Sabeis, qual he o ver^dadeiro*Rey ? H e o dinheiro, porque ao dinheiro obedece tudo : porque q u e m o d-he fenhor, e q u e m o toma he ladro. O Reyf, que faz mercs^ corrobora feus vatallos , o que lhes toma o dir nheiro, debilita feus Eftados, e abre caminho para perder tudo. Sabeis' c o m o he ifto ? H e corno as fintas, com'que agora anda , para defender O Reyno , e erra o m e y o da melhor defenta, que feria epalhar dinheiro pelos pobres, para terem todos que defender, e vigor, convque ferviri Mais arengas inflou a efta : tudo deixo, porque o dito baila para o intento. * * ' B e m fey que o diabo he pay da mentira: e tambm fey que o obriga Deos muitas vezes a faltar verdades, para advertir homens, que na m e recem melhores mentageiros, c o m o fe vio na Pitonfia de Saul, e na que jurou S. Paulo 5 e a expe* B b ii riencia
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riencia nos tem moftrado a certeza, com qu faU lou efte efpirito,- pois vimos que os tributos, e fintas de Caftella, de que at o diabo fe queixava enta, viera afera nica caufa de fua total runa. Suave, e infenfivelmente foy desfrutando tudo o pingue defeusReynos , e poriTo os acha agora ta debilitados, que na fe podem futentar afiy n e m refiftir a feus contrrios. Se tivera de referva os vinte, o u trinta milhoens, que gaitou nas fuperflidades do Galinheiro -, ou fe os deixara eftar nas mos de feus vaTallos, outro galo lhe cantara , e na os achara todos galinhas, quando lhe ferviaferemLeoens , titulo, e nomeada, de que
fe prza.
Conforme a ifto, na foy pequeno indicc de perpetuidade a refolua generofi, c o m que ElRey D. Joa o I V nofl Senhor, que Deos guarde, e propere, m a n d o u levantar todos os tributos, que Caftella nos tinha pofto, tanto que o m o u poTe pacifica deftesfeusReynos de Portugal. N e m fe condemna c o m ifto as dcimas, que poz para a defenta de fua Monarquia , porque he tributo, que Deos approva, e a Ley Divina pede a todos osfieis,para a confervaa , e augmento da Igreja Catholica : taistaos dzimos de todos os frutos temporaes, O que fe eftranha, e deve
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e deve reprehender, e caftigar e m exaca ta juP ta , he o rigor, e detaforo , c o m que alguns M i niftros vexa as partes, executando-as por pouco mais de nada, at nos giboens, que trazem velidos as pobres mulheres, e at nas enxadas, c o m que ganha feu fuftento os pobres maridos, e at na pobre manta, c o m que e cobrem, porque na acha outra couza. E deftas violncias fazem fervio , para ferem depachados c o m mayores officios devendo fer caftigadosfeveramentey porque n o m e m o tempo difimulara c o m dcimas de ricos, e poderofos, tais, que a nica de qualquer delles faria quantia mayor, que a de todos os pobres , que esfolara : e porque fe na d f difto, chamo tambm a ifto unhas infenfiveis: affim porque o na adverte, quem o devera emendar, c o m o porque o na fente , q u e m fe deixa ficar c o m a contribuio, que por abranger a todos , o na defobriga na concienciay porque logra o b e m , que da contribuio .dos outros refulta , femfentiro grava me. Outro exemplo ha melhor que todos de unhas infenfiveis nas armadas, que e aprfta , e tayem por eta barra fora : todo o tempo que fe detm no rio , que ordinariamente he muito, e he h u m perpetuo canno, por onde detagua, e
B b iii
defova
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ctefova todo o provimento formiga por tantas mos dobradas, quantos ta os foldados, officiaes , e patageiros, que continuamente eftao a mandar para terra pelos filhos, parentes, e amigos , que os vifita todos os dias os lenos, e tacos de bifcouto, que ao p do Pao delRey fe eft vendendo 5 as chacinas, e frafeos de vinho, azeite, vinagre, meadas de murra, cartuxos de plvora. E fe algum nota algum lano deftes, repondem rindo : Rica he a ordem : ifto na he nada. H e verdade, que nada he h u m leno de bifcouto, e quafi nada h u m taco delle, mas tan? tos mil vem afermuito. B o m fora porem-fe guardas , quando tayem, afim c o m ofep e m , quand o v e m , aos navios de carga $ pois mais vay a Sua Mageftade e m afegurar fua fazenda, que 9. alhea, e na feja c o m o h u m , que vendeo por feis mil reis h u m a amarra delRey, que tinha custadofetentamil , que affim guarda elles, o que lhes mando vigiar.
C:
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CAPITULO LIT.
Vos que furtao com unhas, que nal fe fentem ao perto, e arranho muito ao longe. QUem bem confiderar a montruota fabrica do Galinheiro de Madrid, que no capitulo antecedente picmos, ao qual depois chamaro B o m retiro, para lhe emendarem o primeiro n o m e , que merecia y achar nelle h u m efpelho claro deite capitulo y porque he certofega& tara nelle mais de vinte milhoens , que c o m pedidos , fintas, e tributos, fora roubando aos poucos, que enta o na fentia , porque lhes hia dando os xaques aos poucos, e formiga; at que veyo o tempo a dar volta, convertendolhe a bella paz e m feroz guerra, para a qual acharo menos os milhoens, que tinha devorado o Galinheiro c o m o milho : e fe os tivera de referv a , na lhes cantaro tantos gaios contrrios n o poleiro. H e couza muito ordinria na efentirem damnos ordinrios , que parecem leves , fenao quando de pancada chega depois delles a B b iv mina
(392) ruina ~ como na cata, quefevay calando pouco ^ e pouco com a goteira. N a Villa de Montemr o N o v o conheci h u m Juiz de fora b o m letrado, que deu em hum m o d o de furtar, qual etou certo na achou em Bartholo, nem Acurfio. D e toda a carne, que fe comia em ua cata, apartava os fos y e os tornava ao aougue , mandando de potncia abfoluta, como Juiz que era, que lhe dTem outra tanta carne por elles, allegando, que na comprava fos, nem era ca para os comer. O marchante os foy ajuntando, e no cabo do triennio tinha huma meda delles, que pezava muitas arrobas : deu-lhe com elles na refidencia allegando a perda, que lhe dera na fua fazenda , ainda que a nafentiraao perto, por fer aos poucos, que vinha afermuito confideravel ao longe, tomando-a por junto. Achou-lhe o Sindicante raza , e fezlhe jutia, mandando que o Juiz pagafe logo o preo de outra tanta carne , como pezava os fos: e deu-lhe h u m bolo na bola muito baf tante, e outro no credito que perdeo, e m forma que nunca mais entrou noferviodelRey, at que morreo e m vora viuvo. A m b o s Juiz , e marchante , fe arranharo no fim das contas aperamente, ainda que o nafentirano principio: mas foy com
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c o m differena, que o marchante achou cura para as fus arranhaduras, e o Juiz na achou remdio , e peorou do mal at morrer. Nas armadas, e frotas defta Coroa fuccedem cafos notveis de grandifimas perdas, por furtarem, ou pouparem ninherias. Parece que na vay nada e m prover de vafilhas, para os foldados tomarem fus raoens de gua, e mantimentos -, efegue-fedahi, que por na terem, e m que guardem a gua, quando fe reparte, ha de bebella, ou vertella a deshoras : c o m e m depois o toucinho talgado, e mal atado e m epeto, que fazem dos arcos das pipas, e fica eftalando fede. N o bifcouto ha tambm mil erros, por falta de indutria , ou fobeja malcia : a cama he a que acha pelas taboas , ou calabres do navio : e c o m o a vida humana depende de todos eftes abrigos , e elles ta tais / adoecem todos , e morrem aos centos, e fente-fe no fim da jornada o mal grande, que fe urdio no principio com faltas leves , e fceis de remediar na primeira fonte. Sepulta , e forve o m a r , o que c o m h u m a bochecha de gua fe pudera lvar. N o s exrcitos, e campanhas fe experimenta o m e m o , que por falta de corda, ou de bala, ou de plvora, fe perdem vitorias -y e por na mete-
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meterem mais cevada nas garupas, ou mais mantimento na bagagem , fe recolhem fem conclurem a emprcza, que era de mais ganho, e proveito, que o que fe poupa na referva. L chorou o outro , que por poupar h u m cravo de huma ferradura , perdeo h u m a gloriota vitoria, e foy afim ^ que por falta do cravo cahio a ferradura, e por falta defta mancou o cavallo, e faltou o Capito, que hia nelle , e m feu officio, e faltou logo o governo, e perdeo-fe tudo. E m h u m a viagem, que fiz por efles mares, foy tal a injuria no provimento , que por na comprarem pipas novas fizera aguada e m humas, que tinhafervidode chacinas, e talmouras : e a graa he que allega fer melhor a gua de pipas velhas : e era tal a deftas, que fora melhor beber a do mar. Seguio-fe defta bolada ta judiciota , que eteve toda a gente do navio arrifcada a morrer de fede, fe Deos nos na levara c m breves dias a parte, onde tivemos gua, e refrefcos, c o m que emendmos erros de unhas, que na fefentindoao perto, arranho muito ao longe; Tomara aqui todos os Reys, e Prncipes do m u n d o , para lhes dar efte avizo de f u m m a importncia , que faa muito cafo do que parece pouco, quando he repetido ; porque de muitos gras fe faz h u m grande monte. Parece que nao
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fie nada h u m detabrimento hoje , e outro ma-. nha : parece ninheria negar h u m a merc a efte, que a pede por fervios, e h u m a emola aquelle , que a pede por necefidade : e vem-fe a conglobar de muitas repultas h u m motim dedefconfolados, quefeacha menos na occafia de prefi rimo : e o peor de tudo he, que eftes corrompem outros, e os damna c o m fus queixas, e vay muito e m correr linguagem de b o m Prncipe tem o s : ou dizer-fe , mas que feja por entre os dentes , que falta fua obrigao. A obrigao do Prncipe he lutar c o m efte gigante, que he o impoivel de trazer a todos contentes, e para ifo ha de fer Proto, eAchelo, que fe transforme e m lca , c e m cordeiro ; que fe vifta humas vezes das propriedades de fogo, e outras das de gua. sSocega-fe efte m u n d o b e m c o m h u m a poltica, a que os prudentes chama tagacidade, e por efta toca de vicio, chamara-lhe eu antes advertncia, Kjue tem mais de virtude: advirta nos princpios o fim que podero ter , e pouca vifta he necefaria para conhecer, que de m femente, ainda -que feja pequena, na pode nafcer b o m fruto : e que h u m a pequena faifca depretada pode cautar orandes incndios , e afim fuceede, que o que ^ na e fente ao perto, ctamna muito ao longe. CA-
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CAPITULO LM.
Vos que furtao com unhas vifiveis.
RAra he a unha, ou nenhuma, que na procure fazer-fe invifivel , para que na a apanhem c o m o furto nas m o s , e a agarrem melhor , do que ella agarrou a preza. M a s ha algumas, que por mais inviiveis, que fe faa, fempre fe manifefta e m feus efTeitos ; tanto, que por mais luvas de tahidas, e efcuzas, que lhes calceis, na pode o juizo aquietarfe , e eft fempre latindo j e gritando : Latet anguis in herba. Aqui ha harpas. Entrey hoje e m cata de h u m h o m e m , que conheci hontem pagem afado de h u m Miniftro opulento : vejo-lhe colgaduras, e quadros, et critorios, e cadeiras, bugios s janelas, e papagayos e m gayolas de marfim, epelhos de criftal na fala , relgios de madre prola, e outras alfa* yas, que as na tem tais o Rey da China : e fico palmado fem taber, q u e m m e diga a ifto 1 E digo c comigo : Quien cabras no tiene, y cabritos viende de donde le viene ? Efte h o m e m na foy ndia, n e m achou thefouro, porque fe o achara, ElRej havia
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havia levar pelo menos a ametade delle. Ifto he thefouro encantado : e fe quereis, que volo de cante, direy o que dizem todos- que efte hom e m he h u m grandifimo ladro : perdoe- m e fua aufencia: e ifo eft aTs provado, e manifefto neftes effeitos: n e m ha mifter mais devaa. E m minha cataetou eu trancado, porque q u e m na fe tranca no dia de hoje, na vive eguro: e etou tirando devaas, que tais as foubera tirar a jutia delRey, que deve de andar dormindo, pois na d f do que olhos fechados, e trancados vm. Vejo que anda a cavallo c o m dous lacayos aquelle Miniftro, que na tem de ordenado mais que oitenta mil reis: fey que anda e m coche o outro, e fua mulher e m andas, fem eremde ordenado, n e m de renda mais que, quarw do muito, at duzentos mil reis. Elles na trazem navios no m a r , nem tem bens patrimoniaes na terra , n e m os pavoens de Juno e m cata, que lhes ponfia ovos de ouro ! Pois que he ifto ? Sa unhas vifiveis, e bem fe moftra e m eftes effeitos, e e m outros, que calo de tafularias, amitades, & c . H u m molde, de c o m o ifto fe obra vifivelmente, porey aqui, que eu vi ha poucos dias na cata da ndia: depachava-fe a fizenda de h u m patagei|:o: e viera a juizo trs, ou quatro efcritorios b e m enar-
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enfardelados c o m feus couros, e lonas, porque o merecia, e debaixo deftas capas, para virem mais b e m acondicionados, trazia vrios godrins muito bons, que os elofava , e era de preo. H a h u m regimento naquelle defpacho, que fiquem* as capas dosfiirdos,que fe abrem, para os officiaes , que afiftem a eftas vftorias: abriro os efcritorios at a ultima gaveta, e dados por livres^ lanaro mos dos godrins chamandolhes capas, c o m elles feficaro, que b e m valido vinte mil reis. Levantando mil falfos tetemunhos aoregi^ m e n t o , que na verdade f as capas de couro, lona lhes concede, e na o mais, que v e m regik tado, c o m o 'fazenda. E m Villa Vicota conheci h u m criado da graude, e Real Cata de Bragana, que gaitava 05 dias , e as noites e m continuas queixas de nao lhe mandar pagar o Serenifimo Senhor-Duque D* Theodoio feus ordenados: e chegaro a tanto a$ queixas, que le foy valer do Confefor, para que puzeTe a Sua Excellencia e m efcrupulo aquelle ponto c o m todas as razoens de ua jutia. AlSfl o fez o Reverendo Padre Confefor :'-e-o-Duque prudcntifimo c o m o animo Real, e grandio, de que Deos o dotou, lhe refpondeo : N a fey fetabeisvs, que efle fidalgo entrou no fervio defta'
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deita- Caa, fem trazer de feu mais que h u m a capade baeta, e hoje anda e m coche, e ua mulher , * efilhosvelem galas, e c o m e m ta b e m , c o m o os que fe fuftenta da nota meta. Perguntay-lhe vs,felhe faltou depois que nosferve,algumdia alg u m a couza? E dizey-lhe, que afls merc lhe fazemos, e m na mandar ao noflb Dezembargo,que lhe tome contas, e examine as Tuperfluidades d fua cata, e de feu rrato porque fe puxarmos poriTo, he de temer, que alcancemos delle queixas mais graves, que as que d de ns. Admirvel exemplo ! Eitaqui c o m o fe fazem viiveis as unhas e m feus effeitos, por mais que fe efconda. Mais claramente Tefizerae m vora as unhas invifiveis de certos ladroens, que ha mais de vinte e cinco annos dera de noite no Morteiro de Santa Clara, e m cuja portaria dentro no clauftro tinha depofitado h u m Maltez dez, ou doze mil cruzados e m dinheiro. Abriro as portas fubtilmente , arrancando as fechaduras c o m trados, para na fazerem eftrondo : tambm levaro farellos, para menearem moeda fem chocalhada. Dera nos caixoens da pecunia, enchero alcofas, e tacos, fua boca, fua medida, at mais na quererem , ou na poderem levar para fus catas: onde comearo a lograr os frutos de fua diligencia, mas ta incau-
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incautos, que fendo trabalhadores de enxada, j na hia puxar por ella noferviodas vinhas, com o coftumava. N e m fora ifto baftante para os defcobrir a grande diligencia, c o m que a jutia por todas as partes batia as moutas. At que em h u m a feita feira notou h u m argueireiro na praa do peixe, que h u m deftes comprava folho para jantar a tofta o arratel, coftumando a patar com tardinhas. D e u afopro ao Juiz de fora, que lhe deu e m cata de repente, e c o m poucos foroens defcobrio a caa, e achou a mina, de donde tahia os gaftos, que ofizeramanifefto, c o m pro-i va baftante para o por no potro, onde chorou upeccado, e cantou os cmplices, cujas cabeas vimos fobre as portas da Cidade fazendo fus unhas ainda mais manifeftas.
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mils mis mis mis m)s <NL" mis mis mis mis mis mis mis mis mis mis mis mis mis mis mis mis mis mis mis mis mis mlf mis mb mL* mlji
CAPITULO
LIV* *
TEla
pravifa minus nocent. Diz o Provrbio de S. Jeronymo. Ver o mal, antes que chegue , he grande b e m para efcapar delle: mas q rayo,
(401) rayo, que na fe v, a bala, que na fe enxer* ga, fena quando vos nts ferido, ta males irremediveis: e tais ta as unhas invifiveis e m fus rapinas. E pata ahm na verdade, que na damos f deltas, fena quando fentimos eus damnos. Raro he o ladro, fe na he de ctradas, que na trate de efconder as unhas, e fazer-e invifivel, quando furta: epor efta via p o d e m pertencer a efte capitulo quafi todos: mas eu trato aqui dos que vendendo gato por lebre, fazem o atalto ainda mais invifivel, pondo-vos vifta oharpo, c o m que vos esfola, fem dardes f delle. Abroquelem-fe os mecnicos, que comea efta bateria por elles. Vende-vos h u m apateiro h u m par de obra por boa, e legitima,e c o m o tal lhe talha o preo, que vs deembolais muito contente, e elle agarra pouco ecrupulofo: dahi a dous dias arrebenta as coturas, porque o canarno d o fio era podre, ou fingelo, devendo fer ta, e dobrado : viftes as entrefolas, que era de pedaos , devendoferinteiras, e os contrafortes de badana, que deveroferde cordova , ou vaqueta. E tudo fez invifivel a deftreza do trinchete, e quanto vos deu de perda, tanto vos furtou e m D e o s , e e m fua conciencia. Vende-vos h u m alCc fayate
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fayate o velido feito, ou faz-vos o que lhe mandaftes talhar : mete la por algodo nos acolchoados, trapos porhollanda nos entreforros, linhas nos pepontos, que querieis de retroz, pontos de lgua nas cofturas: e paga-fe, c o m o fe tudo fora direito c o m o h u m a linha , e tem para fi, que nadaficaa dever, porque de nada deites f, fenao quando fe foy gaitando a obra, e apparecera eftes furtos no vofo negro, a q u e m deites o velido, porque na dizia c o m vota pefoa. H u m Fidalgo da primeira nobreza, que todos conhecemos nefte R e y n o , m a n d o u fazer humas calas altas n o t e m p o , que fe utava , e deu para os entreforros/ dous covados de baeta muito fina, e o fenhor meftre, que as talhou , e peponteou, tomando a baeta parafi, poz-lhe e m feu lugar h u m tambeaiito, por fe forrar dos culos, que lhe tinha feito , feitas as calas, fem nenhuma upeita do que levava dentro, achou o Fidalgo , que pezava muito, e que o aquentava mais que muito: mandou-as abrir para ver e tinha c h u m b o , ou fogo dentro, e achou o tambenito de mais, e a ua baeta menos: na conto o mais que fuccedeo, porque ifto baila para fe ver, que ha nos alfayates unhas invifiveis. O s cerieiros, que efpalma cera preta debaixo
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x da branca. O s cnfeiteiros, que cobrem acar mafcavado, e borras c o m duas mos de fino. O s paleleiros, que pica h u m gato e m meya dzia de covilhetes. O s eftalajadeiros, que bautiza o vinho, e da vianda de cabra por carneiro. O totador, que fem pr tefoura na peita de vintedozeno, vos leva h u m vintm por cada covado. O ferrador, que encrava a befta, e tambm de noite as acutila, para ter que curar, e de que comer. O s boticrios, que mexem azeite da canda no emplafto, que pede leo de minhocas na receita : O cordoeiro, que vende por nova do trinque a amarra, que teceo de duas velhas, que demanchou: O fombreireiro , que trabalhou laa grota, e podre, debaixo de h u m a pata fina, para vender o chapo, c o m o fe fora de caftor: Q Serralheiro, que amaou ferro tal, onde havia de forjar ao de prova: O ourives, que defeontou a pezo de ouro o azougue, com que ligou o douramento, e a pezo de prata a liga, e cobre, que mifturou na peita. E todos, quantos ellesta,[que feria muito correllos todos ] tem eftas trtas, e outras mil, com que efcondem as unhas, que inviivelmente nos rouba. M a s dir algum, que tudo ifto ta ninherias, que na tira honra, nem denianda ca-,
C e ii
lamentos.
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fenientos. Seja aTm. Vamos avante : Paulo maiora canamus. Levantemos de ponto, e venha a juizo gente mais granada, e os que provm as armadas, e frotas delRey nofo Senhor, feja os primeiros. N a tem conto as pipas de vinhos, e azeites, que nellas arruma , para provimento, e droga : tudo vay fechado cravado o batoque : e fe no fim da jornada fe acha o vinho vinagre, e o azeite borra, a Linha tem a culpa nas influencias, c o m que corrompe tudo, e o ladro a defculp na m a , c o m que gualdripou, o que vay de mais a mais entre vinho, e zurrapa, azeite, e borra: e fica otalto, que foy invifivel e m Lisboa, m a T nifefto alem da Linha , c o m o Santelmo, que fe faz invifivel e m tempo fereno, e na tempeftade apparece. O s ladroens nocturnos ta ainda mais invifiveis, c o m o aquelle, que m u d o u h u m tranfelim da cabea de feu dono para outra , a que na pertencia-, era elle de diamantes, e de muitos mil cruzados de preo, que tinha no ouro, pedras , e feitio: e foy o cafo, que quando ElRey Filippe III. de Caftella veyo a efte R e y n o , lanou o D u q u e de Aveiro efta gala , c o m que brilhou mais que todos: Encheo os olhos de huma ave de rapina, que fe fez no&urna, para lhe dar caa
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caa mais fegura : efperou que o D u q u e fereco^ lheTe do Pao Real alta noite y invetio-o no co- che pela poupa, abrindo c o m ferro da banda de fora entrada baftante para ter boa tahida o chapo, e peita, que voou pelos ares c o m feu fegundo dono y que ainda na fe tabe, fe o engolio a terra , ou fe o levaro os ventos, porque e fez logo tao invifivel, c o m o clandeftino. Pela trilha deite fe defempenha muitos, i que chama nefte Reyno capeadores: efpera que anoitea : fazem-fe invifiveis por eTes cantos das ruas de melhor paflgem : epada, e broquel c o m piftla ta osfeusfiadores:e e m patando couza, que lhes arme, detarma de repente c o m h u m a tempeftade de epaldeiradas, e ameaas de morte : e Telhes reitem, aplaca logo tudo a piftla pfta nos peitos , e c o m largar a capa, e a bola, rime ua vexaa o patageiro, fem conhecer o autor da prefente perda, ou do ganho da vida, que diz lhe d de barato, quando ta caro lhe cufta o tornalla para fua cata illeta. N a s Chronicas de Portugal fe conta, que houve h u m Rey e m Lisboa antigamente ta folicito de atalhar furtos, que at aos invifiveis dava caa. Dera-lhe avizo os feus epias, que fe furtava muito na cata da ndia , e na Alfndega, eque de noite feabria as C e iii portas,
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portas, e levava fardos de toda a droga com tanta affoiteza, que os mariolas da Pribeira era os portadores alugados. Disfarou-fe o b o m Rey g u z a deftes, eentre elles pafou huma noite, e outra, at que chegou a inrauta para todos: deixou-Te hir ao chamado dos officiaes, que os levaro todos Alfndega j e o feu mayor cuidado foy dar tefouradas nas capas de todos fem fer (mlido. Fez-fe tudo, c o m o os pilotos da faco mandaro , pagaro feu trabalho aos mariolas, e reco* lheo-fe o Rey c o m boa ordenana. E e m amanhecendo m a n d o u vir perante fi todas as Juflias, Miniftros, e officiaes de feu fervio c o m os mefm o s velidos , c o m que tinha rondado aquella noite: e ai na faais, c o m pena de morte. E c o m o os mandados dos Reys inteirostaleys inviolveis , alim viera todos: foy-lhe vendo as capas , e poz de referva todas, as que achou feridas, para por a feus donos de dependura. E afim pa fou o negocio, que c o m tefouradas invifiveis aflgurou thezouros, que unhas invifiveis lhe roubaro. N u n c a falta aos Reys traas , e m o d o s , para evitar d a m n o s , mas que parea irreparveis por invifiveis. Tais fora , os que padeceo a Altandega de Lisboa muitos annos nos direitos Reaes
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Reaes c o m h u m Miniftro, que tirava folhas do3 livros do recibo ta fobtilmente, que ficava invifivel a faltay mas vira-fe logo as fobras dos reftos das contas no largo, queinvidava orefta na cata do jogo : e fe foubera fazer invifivel olu-' ero dos direitos, c o m o fez invifivel o feito, c o m que os roubava, ainda eftaria invifiveis as unhas,que o levaro forca : porfinalque endoudece fua mulher : e ainda nafetabe, fe foy de prazeu por perder o marido, fe de pezar por lhe confifcarem a fazenda. Por tudo feria.
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A P I T U L O
LV.
P A r e c e r a algum efte capitulo femelhante ao patado das unhas invifiveis, mas elle he muito differentej porque as unhas o ta t a m b m muito entre Ci, c o m o logo moftrar os exenv pios 5 e a raza tambm o moftra y porque as in* vifiveis ta , as que de nenhuma maneira fe pod e m conhecer no fragante , e as occultas b e m fe p o d e m alcanar logo, fefizermosdiligencia. Suc^ cedeo o cafo , e eu o vi e m h u m a feira de trs j C e iv que
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que fe fazem todos os annos em Villa Vio, haver detafete annos. Vinha alli muito aafra de Caftella, ena ta caro c o m o hoje vai: no primeiro dia na havia achallo por menos de dous mil reis, e ifto e m muitas tendas : no fegundo dia f h u m vendedor fe achou delle , e dava liberalmente a mil e quinhentos reis. D e u ifto que cuidar, porque na havendo mais , que h u m mercador de h u m a droga , a raza pedia que lhe levantafle o preo , mas a femraza , que elle utava, o enfinou ao abater, para fe expedir mais depreta , e pr-fe e m cobro c o m os ganhos. Quaes ganhos ? Chamara-lhe eu antes perdas., pois comprou tanta fazenda a dous mil reis, e a vendeo toda a mil e quinhentos. Afim pata: mas alai vai a unha occulta, que mifturou c o m o aafra puro outro tanto pezo deflorde cardo tinta de amarello, feveras de vaca, ara mida, nervos desfeitos: e multiplicando afim a mata, crefeeo a droga outro tanto , ou mais , e ainda, que lhe abateo a quarta parte do preo primeiro, dobrando a quantidade , ficou interetando no fegundo outra quarta parte , que vinha afermuito e m ta grande quantia. E ainda que as partes fe acharo no primeiro jantar defraudadas, na foy c o m tanta prefla, que a na puzeflm mayor as unhas
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unhas occultas, e m fe porem e m cobro, antes de as fazerem manifetas. H u m fegredo natural ha nefta matria de unhas occultas, que fuceede cada dia , de que f aos ConfeTores fe d parte, e poriTo os Senhores fica deTraudados nefta parte. Logo m e declararey : Ningum cuide que taxo os Confefores de defcuidados e m mandarem retituir: pode fer que fe governem nefte cafo pelos confelhos de Sanches. H e couza certa, que o pa , quando e recolhe das eiras para os celleiros, que vem feco, c ititico do mayor Sol, que nellas padece : e outrofim he certiffimo, que os celleiros pela mayor parte ta humidos: e daqui v e m , que o pa penetrado da humidade incha e m feu tanto de m a neira , que eft averiguado, que cada dez mpyosj tana h u m de crefeenas. Entrega ElRey por eftas Lyfirias mil moyos de pa a feus Almoxanfes n o Vera , e quando lho pede no Inverno, he mais que certo, que fazem a reftituia dos mil m o y o s , e que lhes fica cem nos celleiros peta rega infallivel das crefeenas, que temos dito. O Almoxarife , que he b o m Chrifta, acha-fc enleado : por h u m a parte o pica a conciencia, vendo e m fua cata bens, que na herdou , e por outra parte tambm fe lhe ocega, porque ningum o demanda
(4io)
da por elles, e v que ElRey eft tatisfeito. Vay confita da Quarerna , e diz: Accufo-me, que comi cincoenta moyos de trigo, que na femeey, n e m herdey, n e m compry y e tambm declaro, que os na furtey $ porque m e nafeera em caiai dentro e m h u m a tulha, afim c o m o m e podia nafcer h u m alqueire de verrugas neftas mos. E deftrinado o cafo,ficaa couza occulta, e em opinio j e q u e m a quizer ver decidida veja o D o u tor , que j toquey, que eu na profeflb aqui enfinar cafos de conciencia : ainda que fey, que a praxe deite eft refoluta nos celleiros do Eftado de Bragana, onde fe pedem as crefeenas aos Al* moxarifes. Mais occultas tem as unhas outro exemplo,' que tem feito variar n o expediente delle muitos Thcologos. D e y a vender h u m a pipa de vinagre * , e a regatcira foy taardilota, que a foy cevando c o m gua pelo batoque ao compaflb, que a hia aquartilhando pela torneira : e aqui eft efcondido oiitro fegredo natural, queaquella guabo- tada aos poucos, fc vay convertendo e m vinagre, e s vezes mais forte , porque fe deftempra j e nefta parte he c o m o o ca d a m n a d o , que irritadc* fe azeda mais : e v e m a fazer a fenhora vendedeira> de h u m a pipa trs, ou quatro , efica-fecom O refto 3
(4ii)
reft , que he mais outro tanto e m dobro: e alin>, pa o efcrupulo c o m lhe chamar fruto de fia iudutria. j
Aqui podem entrar os tafues, que jogaq c o m dados falfos, e cartas marcadas, cujas unhas pccultas c o m tais disfarces fe manifefta, e fa^ zem iia preza c o m mos continuadas e m ganhos , para quem vay fenhor do jogo, e tabedor da maranha. E nifto na ha opinio , que os efcufe de furto mais aleivofo, que a do ladro, quetaltanas eftradas. T a m b m he occulta a trta, de quem pem mal c o m ElRey a poder d mexericos o Capito , que v e m de lem-mar muito rico, para que na lhe d audincia, e o traga desfavorecido, at quefelicitobufca caminho, para fe congraar c o m feu Senhor: e c o m o o de boas informaoens he o melhor, trata de bufcar q u e m lhe desfaa as m s , e apoye feu credito: e na falta logo q u e m lhe diga : Senhor valey-vos de fulano, que tem boas entradas, e poder dar melhor tahida vofta pertena, e pode fer, que v e m efte mandado pelo m e m o , que o poz e m degraa , para o trazer a eftes apertos de o bufcar c o m os. donativos coftumados, que as vezes paf de vinte caixas de acar, porque e m mais fe ftima a graa de h u m Prncipe. E tanto que e alcan-
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alcana efte intento das caixas, petas, ou bifa-* lhos,fegue-feo fegundo de desfazer a maranha, / e abonallo, at o pr e m ps de verdade reftitudo afeuprimeirofer,e valimento.
+As *A, >ls mis NX mfc* mis mis m,^ mis* >L -A^ mj^ mis mis -As mL> mis -Is" mis -As ml^ vU mL' mis mis mL* mis mis ml* As m*
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CAPITULO LVI.
Dos que furtao com unhas toleradas, TErrivel ponto, e arnfcaclo he, o que fe nos offerece para deslindar nefte capitulo , porque parece , que offende a jutia , e b o m governo dizermos ^ que ha unhas, que furtao, e fe tolra. Males ha neceltarios, como diz o provrbio , e quefetolra nas Republicas para evitar mayores males. Tal he a de mulheres publicas, comediantes, e volatins, quefefoffrempara divertir as mas inclinaoens, e evitar outros vicios mayores : mas o furtar fempre he tao m o , que na fe pode tolerat para defmentir vicio mayor, pela regra que diz : Non funt fadenda mala, ut veniant bona. Donde o tolerar ladroens nunca he b o m y porque havelos he m o , e confentilos peor : e outra regra diz , que tanta pena merece o con-
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o confentidor, c o m o o ladro. N e m fe pode dizer/ que a jutia os confente, n e m que os Reys os diffimulay porque a raza na os permitte. Pois que unhas'toleradas ta eftas, que aqui fe nos entremetem , para Terem defcuidadas ? Para ferem emendadas, folgara eu de as propor, e declaratas-. hey c o m h u m par de exemplos, ta notrios, e correntes, que por ferem tais, ningum repara nelles. Seja o primeiro de longe, e o fegundo de perto , efte de Portugal, e aquelle de Itlia. E m Itlia eft R o m a , Cabea do m u n d o , que pelo fer, nos deve dar documentos de jutia, etantidade, e poriTo na etranhar taxarmos, o que fe defviar defta regra. L ha huns officiaes, que chama Banqueiros: e eftes %tem por todo o m u n d o , onde fe acha obedincia R o m a n a , feus correpondentes, que intitula do memo n o m e : e afim huns, c o m o outros, agencea dipentaes, graas, e indulgncias, e expediente de Igrejas, e Benefcios, que vem por Breves, e letras Apotolicas dos S u m m o s Pontfices, para partes, que na podem l hir negoceallas-ye por tal arte m e neaas couzas, que na lhas trazem fena a pezo de dinheiroy e vem a fer nefte Reyno h u m rio de prata, para que na lhe chamemos de ouro , que eft correndo continuamente para a Cria Sacra; por
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por letras de Bifpados, Igrejas, eBenefcios, e mil outras graas y tudo por ta excefivos preos, que v e m a fazer mais de h u m milho todos os annos y fendo afim, que nas Bullas de tudo fe diz, que da tudo de graa : Graa fub annulo Pifcatoris. E afim he na verdade, que Sa Pedro pefcadory e nada logra de ta copiota pefca. Os pefcadores, que engorda c o m eftes lanos, bem fetabequaes a : e porque ta, os que na conv m , fe livrou Frana delles, c o m dar por cada Bulla dez cruzados para o pergaminho delia, e c h u m b o do fello, fem avaliar o muito, ou pouco* que fe concede, porque ifo todas as Bullas dizem, que vem de graa. Caftella fe TuTpeita, que tem a culpa do que Portugal padece nefta parte y porque alargou a m a para feus intentos y ou por- que a tinha enta mais chea, - que hoje c o m a$ enchentes de ouro, e prata, que lhe vinha do mundo Novo , e c o m o Portugal lhe era fugeito, e fempre foy liberal, e grandiofo, foy feguindo fus pizadas 5 e vendo-fe picado, e opprimido conf tal cara, e c o m o p Italiano fobre o pefcoo,tudo tolera a titulo de piedade y c o m o fe na fora impiedade defraudar-fe a fi, para encher as unhas de milhafres Banqueiros y cuja f na aTegura a verdade das letras, que apraza a Deos na feja
faltas.
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faltas. Doutos houve j, que confiderando o muito ouro, que dipentaoens f dos matrimo-: nios levava deite R e y n o , refolvera, que podia ElRey noflb Senhor fazer Ley, que anullaTe. todo o contrato de matrimnio entre parentes : mas mais fcil era mandar c o m pena de confifcaa de todos os bens, que ningum pafle l d n nheiro para tais graas, pois concedem que v e m de graa , e atalharfe-ha afim de pancada tudo , pois na ha raza , que nos tolha fazermos o que faz Frana, quando mais Chritianiffima. Q u e venha h u m Colleitor a efte Reyno por trs annos a governamos as almas, e que puxe tanto pelos corpos, que ponha e m R o m a perto de h u m milho, quando nada , parafi,efeusofficiaes , he couza, que na entendo , e poriTo.nalhefeydar remdio: e Te o entendo, na m e atrevo a receitarlhe a mzinha, porque na m e levantem, quefintomal do Ecclefiaftico. E a verdade he, que finto n'alma ver chagas incurveis, e m q u e m tem por officio curar as noTas. Chamo-lhe incurveis, na porque na tenha remdio, mas porque ta toleradas de tanto tempo, que de velhas na tem cura, e poriTo ningum fe cura j deltas. Aqui fe m e pem h u m a intancia: tal qual h e , eu a deftroarey : dizem os que de nada
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da fe doem : como pode hum f Colleitor com, trs Monfenhores Varoens de letras, e virtude, recolher tanta pecunia, fe elles f trata do efpirito> RefponJo, que ha nefte Reyno mais de dez mil Frades, e mais de quinze mil Freiras, e mais de trinta mil Clrigos, e mais de cincoenta mil embaraos de conciencia e m leigos 5 e todos movem demandas de lana caprina ; porque o Frade quer comer na meta traveta y a Freira quer janela fem grade, e grade fem efcuta; o Clrigo quer viver ley do leigo, e o leigo quer ordens fem cabea, e m que lhas ponha , e defcatarfe de duas, ou trs, que o demanda 5 ejrfiede reliquis : e todos para tahirem c o m a Tua entra c o m Monfieur Auditor, e c o m Monfieur Alborns, e c o m Monfieur Catrapuz y huns da ouro, outros prata, e outros pedras, qfena acha na rua , porque de frafqueiras, capoeiras, canaftras, coftaes, & c . jfena faz cafo, por ferem drogas de mais volume que lume: e c o m eftas pedradas da a batalha, e alcana a vitoria, e alimpa o bico, pondo e m ps de verdade, que R o m a na fe m o v e por peitas, e afim he, porque tudo ta graas. N a fey, fe m e tenho declarado ! M a s fey que tudofetolera, porque corre tudo por camos inexcrucT:aveis,e qua fora b o m haver h u m breve de contramina, que anullafle
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anullafl tudo, o que por tais minas fe agenciafle.i E tornando ao primeiro ponto dos Banquei-i ros y remato efta teima c o m h u m cafo, que m e paflbu pelas mosma poucos dias. C o m trs tratey; h u m a diTpentaa , ou abfolvia > importante : h u m pedio duzentos mil reis, outros cem mil, o terceiro foy mais moderado, e diTe que por menos de oitenta era impofivel impetrar-e. N a havia nos penitentes cabedal para tanto : fallou-fe a pefoa, que tinha intelligencia na Cria Romana,. e propofto o negocio, refpondeo, que era de qualidade, que fe expedia na Curiajem gaftos de h u m ceitil, efeofTereceo para mandar vir o Breve de amor e m graa , e aflim foy, quede graa veyo: contey por graa ifto ao matalote dos duzentos mil reis, repondeo marchando os beios: ta lanos, que na tira feus direitos aos homens de negocio, e melhor diTera lanadas de M o u r o eiquerdo , que merece gente, que c o m Tua infernal cobia infama afinceridadeda Igreja Catholica, a qual de nenhuma maneira fofre f imonias 5 c o m o adtualmente o tem moftrado a Santidade de Innocencio X . depondo, enforcando , e queimando muitos por falfificarem letras. ^ a At aqui unhas toleradas nefte R e y n o , no qual tambm ha outras fus prprias , < que tolera, e Dd todas
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todas tomara cortadas. Arma hum fronteiro hum a faco por feu capricho; entra por Caftella c o m dous, ou trs mil Portuguezes, gaita na car-. ruagem, munioens, e baftimentos da cavallaria, cinfanteria, oito, ou dez mil cruzados: fuccedelhe mal a empreza, e ainda que lhefucceda bem, perde e m armas, cavallos, e infantes mais de outro tanto, e recolhe-fe dizendo : blla mar levvamos , fe nafevirra o barco. E dado que nada perca, e que traga h u m a grande preza, eft b e m efmada, e mal baratada: lana ao quinto delRey ao mais arrebentar duzentas cabeas de tenda a forte, que na bafta para recuperar mais de duzentos moquetes, e outras tantas pitlas, que detapparecera y piques, que fe quebraro, e gaitaro e m aflr borregos 5 capacetes, de que fizera panellas, para cozer ovelhas c o m nabos, e outras mil couzas, que nafeconta, c o m que lanadas as contas, fempre as perdas excedem os ganhos. Alem de que na giravoltafedeftroa o fiado , defconta o vendido, e perde o comprado, quando o inimigo torna a tomar vingana, e d nosnoflbs lavradores, que o na aggravara, deixando-os fem boys, n e m gados, para cultivar as terras. Torna l os noflbs atatisfazerefta perda, e he outro engano 5 porque c o m o que trazenyia
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fe recupera os lavradores , tudo he dos foldados,1 que o malogra , e dos atraveadores, que o dilipa. E afim e va encadeando perdas fobre perdas, que unhas toleradas va cautando fem remdio-, porque na fe deu ainda no fegred d.ifta eponja. Olha para o applau da valentia, e as medras, dos quefeempenha nellas, lana h u m vo pelos olhos de bizarria a todos, e outro de lizonja fobre a mina da fazenda Real, que paga as cutas, e os lavradores choro, o de quefefica rindo os pilhantes, que nefta gua envolta os que mais pefea. V. * E que direy das innumeraveis unhas, que fe; / tolra na grande Cidade de Lisboa! Envergonhala hemos c o m Cidades muito mayores, que ha na China, nas quaes ha ta grande vigilncia nifto de unhas de gente vada , que de nenhuma maneira efeapa pefla viva, de que fe na taiba q u e m h e , o que trata, e de que vive, para evitar roubos, e outras defordens, de q ta autores os ociofos, e vagamundos e m grandes Republicas. E na nota ha deftes tanta tolerncia, que anda as ruas cheas, fem haver q u e m lhes pergunte, fe fe abem benzer , n e m q u e m fe benza delles 5 porque delles nafcem os roubos no&urnos, raptos clandeftinos/, homicdios quotidianos : nelles rachareis teftem-
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nhas,
(420) nhas para vencer qualquer pleito, e quem voi faa h u m a eferitura falta, e huma provita, que at ElRey, que a na afinou, a tenha por verda^ deira: tudo fe tolera , porque na ha quem vigie. Sou de parecer, que afim como ha Meirinho mor para reguardo do Pao Real, haja fegundo Meirinho m o r , para guarda de toda a Corte nefta parte dos vados, e gente ocio; e que prenda todo o h o m e m , que na conhecer, fem lhe formar outra culpa:feprovar no Limoeiro, que he h o m e m de b e m , fera feito, efefor da vida airada, v para as Conquiftas, onde ter campo largo para efprayar fus habilidades, e ficaremos livres deita praga, que tanto a nofa cufta fe to lera. i
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CAPITULO
LVII.
T o l e r a d a s ta tambm eftas unhas, pois fe aluga 5 mas ta peores nas correrias, que .fazenijcomo mulas de Alquiler.Os Doutores Theo Jogos tem para fi, que na ha mayor maldade, que
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que a que fe ajuda de foras alheas, quando as prprias na lhe bafta , para executar ua paixo. E eft em boa raza , porquetayeda esfera, e limite daquillo que pode: e obrar huma peflba mais do que pode para o mal, he grandifima maldade ; afim c o m o obrar mais do que pode para o. b e m , he grandifima virtude. N a pode h u m ladro arrombar a porta de h u m mercadot meya noite , que remdio para lhe pefcar h u m par de peitas Tem etrondo , nem dificuldades ? Aluga h u m trado , e com elle, como com lima {urda, fez h u m buraco, quanto caiba hum a m a j mete h u m gancho agudo ta comprido , quanto baile para chegar s peitas, que efm o u de olho ao meyo diayfigaihehuma ponta , e c o m o camita de cobra as revira, e ecoa todas pela talifea, M a s na ta eftas as unhas alugadas, que fazem os mayores damnos na Republica. O u tras ha , de que Deos nos livre , mais nocivas: eftas ta asferventiasde quantos officiaes de jutia ha no m u n d o ; correios todos he impofivel: direy fomente de varas, e efcrivaninhas, o que vemos, e choramos, e na remedimos, porque na ferem feus damnos, aqum -pudera dar-lhe -o remdio. Q u e couza he a vara de hummeirinh, ou de h alcaide, no dia de hoje ? Se Aritoteles fora
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vivo,
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vivo com todo o feu taber na a havia de definir ao certo y mas eu m e atrevo a declarala com a de Moyfs. A vara de Moyfs na fua ma vara era, mas fora da fua m a eraferpente.Tal he qual- ;t quer vara deftas, de que falamos: na ma de feu dono vara he , fe he b o m Miniftro y mas fora da ua m a he ferpente infernal, efeanda alugadai ] he todos os diabos do inferno ; porque h u m diab o na tem poder, parafetransformar em tantos montros, como huma vara deferventiaalugada fe transforma: e elles mernos o confeta, que na pode ai fer, para pagarem ao orfa, ou viuva , cuja he, eficaremcom ganho , que os fuftente a todos culta das perdas de muitos, Olhay para a vaca de humaguazil damninho, parecevos vaqueta de arcabiiz, e ella he epingarda de dous cannosy porque vay por efles campos de Jei Chrifto, a melhor marra, que encontra, e o melhor carneiro , aponta nelles , e quando volta para cata, acha-os eftirados na fua loge,femgaitar plvora, nem dar etouros. T a m b m he canna de pefcar fora da gua: vay Ribeira, lana o anzol na melhor pefcada, e no melhor congro , ou vel, e fem cedella , que puxe, d com elles no feu prato. T a m b m hebfta de pelouro, que ma* ta galinhas aos pares, e pombas s dziasy perdizes
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zes nenhuma lhe efcapa, fe as acha nos aougues * porque no. ar erra a pontaria. T a m b m he cadela. de fila, e quando a ala a h u m a vitela, mas que feja a h u m a vaca, berrando a leva aonde quer. T a m b m he covado , e vara de medir, e quanto mais comprida, tanto melhor: afim c o m o he, entra e m cata do mercador , e mede c o m o quer panno , e feda. T a m b m he garayato de a > lher fruta, e fem fe abalar por hortas, n e m pomares, colhe, erecolhecanaftras cheas. E vedes aqui irma leitor a vara de Conda, c o m que nos embalava antigamente, que fazia ouro de pedras, ; >\# pa de palhas , e da gua vinho; e efta ainda faz mais, porque faz, e desfaz , quanto quer, q u e m a alugou. r O memo , e muito mais pudera aqui dizer . ; das efcrivaninhas alquiladas y mas na quero nada c o m pennas mal aparadas, na acerte de lhes vir a pello eftenofo tratado , que nolo depennem, ou jarretem c o m algumafentenagrega, ou detalmada. S direy, que ta alguns , ou quafi todos , ta fracos officiaes, que he grande valentia taber-lhes ler, o que efcrevem. E u fey h u m , que ofizeravir de vora a efta Corte, para que lefle o que tinha eferito em h u m feito, que na era pe T q u e n o , e na fe achava e m toda Lisboa, quem
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em
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em tal eferitura attinaTe com boya, comofo-v ra a de ElRey Balthatar. E c o m eftes gregotins alimpa as bolas s partes, e fuja quantas demandas ha no Reyno , efcrevendo ffta por balhfta, e alhos por bugalhos: e j lho eu perdoara , fena fuccedera muitas vezes tirarem dos feitos as fentenas por tal eftylo, que na fe da execuo , porque na ha entendellas. Muito ha que reformar nas oficinas, e cartrios deftes fenhores, c o m o e m todos, quantos officios anda: no Reyno arrendados. -3-
CAPITULO
LVIII.
* *
Q U e m dizia no capitulo 39. que na ha unhas bentas, porque todas ta malditas, e ugeitas a mil excmunhoens, quando furtao y tambm dir agora, que na ha unhas amortas , r porque todas arranho , mas ernos-ha fcil defenganalo c o m quantas unhas ha de damas, que eftata a feus amantes. E tais tambm as unhas de todos os validos, mimozos, e paniaguados dos gran-
grandes da-lhes-francas entradas e m feu feyo^ fem verem que abrem c o m ifotahidasenormes a feus thefouros. O u a m e o m u n d o todo h u m a Filofofia certa : he certo, que animaes de differentes epecies na fe amana : caens c o m gatos, guias c o m perdizes, efpadartes c o m balas nunca (u(tentra b o m comercio : e fe algum dia houve bruto, que fe fugeitafle a outro de diflrente et pecie, foy , na porque a natureza o inclinaffe a ifo, mas por alguma convenincia til para a confervaa da vida. H a entre os homens eftados ta diverfos , que fe diftinguem entrefimais, que as epecies dos brutos. H u m Fidalgo cuida, quefe diftingue de h u m efcudeiro , mais que h u m lea de h u m bugio : e h u m efcudeiro prefume, que fe differena de h u m mecnico, mais que h u m tout de h u m cabrito.-Eque Ter h u m D u q u ^ y i o u h u m R e y , comparado c o m qualquer deftes 3 Ser que hehni elefante c o m h u m cordeiro. D o n d e fei infere ,> que quando ha unia de amor entre tais fugeitos, ihe, pprque a natureza os incline a iffo , he :a convenincia do interefle y e c o m o efta vay diante fempre, fempre vay fazendo feu officio, aproveitando-fe do amor para fus convenincias. ; ir . . ; " ' Entra aqui ^butra circunftancia , cjue d grande
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grande apoyo a efte difeurfo , e he, que o mayoj? ama ao m e n o r , c o m o couza ua y e o menor olha para o mayor, c o m o para couza, que o domina; e ifto de fer dominado, nunca cau bom bory e poriTo vicia o amor., que nafofrediparida- des. D o n d e fe colhe evidente, e nfellivelmente, que pode haver amor verdadeiro do fuperior para o inferior , e que na he certo havello do inferior para o fuperior porque leva fempre a mira no que dahi lhe ha de viry e efta he a pedra de toque, e m que agua as unhas, que chamo amorois} porque c o m achaque d e benevolncia , e a m o r , que feu a m o lhe moftra , mete a m a no que $ privana lhe franquca c o m tanta fegurana, comQ fe tudo forafeugela regra, que diz : Amicorum onh niafiuntcomunia. O grande nunca .fofre igual ^ quanto niais fuperior, e poriTo nafe humana fena c o m o inferior ; e efte porque tem iguaes ^ c o m q u e m faa fociedade, na necefita do bafo dos grandes, mais que para engodar. -, e he quan-1 to lhe permitte o .careyo, que lhe da, e uqr delle os validos c o m inolencia $4 porque o acicate >! que os m o v e , etriva mais e m medras prprias, que e m fervios, que pertenda fazer aosfeusM e cenas. Reciproca-e o amor do grande, e ointeref* fe do pequeno: o amor abre a portado interefl eftende
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tende as unhas $ e c o m o na arca aberta o jufto pecca, empolga Tem limite y e c o m o o amor he cego , na enxerga a d a m n o : e fe acerta dar fe delle , porque s vezes he ta grande , que s apalpadelas fe fente, tambm o diflimula j e affim fe v e m a refundir na affeia todos os damnos, que padece , e grangea titulo de amadas, e amorotas as unhas, que lhos cauta. N a fe condemna c o m ifto teremfeusvalidos os grandes y porque n e m os S u m m o s Pontfices fe podem governar bem fem Neptes, a q u e m de todo fe entrega , para defcanarem nelle o pezo de feus negcios, e fegredos: e os Prncipes feculares necefita muito mais deite auxilio , porque as couzas profanas na fe dpmeftca tanto c o m o as tagradas. O que fe taxa he a demazia, e detaforo de alguns validos: dos mos ha duas caftas, huns que efeondem as medras, e outros, que as afoalha : eftes dura pouco, porque a inveja os derruba armando-lhes precipcios, c o m o a D . lvaro de Luna -, e fua prpria fortuna, e infolencia os jarreta, c o m o a Belitario :. aquelles" mais dura , e he e m quanto fe fuftm e m feus limites j mas por mais, que fe difimulem c o m trajos humildes,. e alfayas pobres, logofeusaugmentos os manifefta 5 porquetac o m o o fogo, que
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que fe decobre pelo fumo, e abraza mais,, quan* do maisfeocculta. Se ns virmos h u m deftes comprar Quintas c o m o Conde , receitar dotes como D u q u e , ,e jogar trinta, equarenta mil cruzados c o m o Prncipe $ e foubermos , que entrou na privana fem humas luvas , c o m o havemos de crer que cortou as unhas? Crefcera-lhe fem duvida c o m o favor c o m o planta, que regada medraJ Grande louvor merecem nefta parte todos os Miniftros , que afiftem a ElRey noflb Senhor, porque vemos, que tudo o que pofluem , com na fer muito, he mais para o fervirem , que para o lograrem. N e m fe pode. dizer de Sua Mageftade, que Deos guarde, que tem validos mais que dous, que fe chama ,^Verdade, e Merecimento. C o m o podem , e devem os Prncipes ter validos para fe fervirem, eajudarem de Tuas induftrias, e talentos, j o diflemos no capitulo 30. ao titulo dos Confelheiros . 1.
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CAPITULO LIX,
Dos que furtao com unhas cortezes. NA fey, fe he certa huma murmuraa, ou praga, que corre e m todas as Cortes do m u n d o , que mais fe ganha no Pao s barretad a s , que na campanha s lanadas. Se ella he certa, he grande roubo, que fe faz raza, e jutia, que eft pedindo , e mandando, que fe d m as couzas, e faa as mercs, a quem mais trabalha, e padece. Privilegio he de chocarreiros, que ganhem feu pa c o m Jizonjas; mas a honra guarda outro foro, que fendo muito cortez, na pertende, nem epera prmio por fua cortezia, porque lhe he natural, e pelos atos naturaes, dizem os Theologos, que nada fe merece , n e m defmerece. E daqui v e m , que o que fe leva por efta via, vem a fer furto. > H o m e n s ha, e conheo alguns, a quena propriamente podemos chamar eftafadores. A n da no terreiro do Pao, no Rocio, e por etas ruas de Lisboa 5 e como ta ladinos, e vertados, ^conhecem j de face a todos 5 e tanto que vm alr gum
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gum de novo, ou que parece eftrangeiro, chega-fe a elle rafgando cortezias, envoltas com louvores de v. m . m e parece h u m Prncipe, a cuja fombra fe profira hoje minha pobreza: fou hum h o m e m nobre, e forafteiro , fuftento aqui pleitos para remediar filhas orfans, que trouxe comigo para vigiar fua limpeza : femanas fe pata^ e m que na entra pa e m nofta cata, e pondo a m a na cruz da efpada, jura que na traz camita: e por efta toada diz mil couzas, que traz eftudadas, c o m o orao de cego yr at que remata com a petio, a que foy armando todas uas arengas, c o m o chapo na m a , o p atraz, e o joelho quafi no cha. O pobre novato, que he s vezes mais pobre, que elle, movido por huma parte da compaixo, e por outra picado das cortezias,' abre a bola, e pedindo perdoens d-lhe a patacas ou ao menos o tofta, que o fupplicante vay brindar logo na primeira taverna: e abida a couza , n e m filhas, n e m demanda teve nunca, e fempre foy eftafador corteza, que he o memo que ladro cortez. . T e m h u m official de vara, ou efcrivaninha no feu regimento dous, ou trs vintns, que fe lhe taxa por efta,<ou por aquella diligencia: acha nos aranzeis de fua cobia, quche pouco: teme
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teme pedir mais c o m m e d o do caftigo, que na, falta, quando Sua Mageftade tabe as deordens: pergunta o requerente bifonho o que deve ? Refporide-lhe: de graa dezejara rvir a v m . mas vive h u m h o m e m alcanado, e fuftenta cata c o m efte officio , d v- m. o que quizer. E fe o requerente infla, que lhe diga ao certo o que deve, porque na traz ordem para dar mais, n e m he b e m que d menos ? Torna a refponder, que e m mayores couzas o dezeja fervir, que fe na quizer dar nada, que o pode fazery e que ta feu cativo ficar afim c o m o de antes. B e m fe v, que ifto hceftafa, pois nunca o vio e m fua vida, fena aquella vez , e para lhe aguar a liberalidade, moftra-lhe h u m livro muito grande, e o muito, que nelleferabifcou, &c. Pafma o uppliante, lana-lhe h u m par de patacas Mexicanas^ onde f devia dous vintns recolhe-as o fcnhor efcriba, de prata Farifeo, e depacha-o conj aqui m e tem v. m . afeuferviota certo, c o m o obrigado. E fe eftes mancebinhos puzerem no fim de feus depachos os preos delles, c o m o ta obrigados , fabera as partes o que devem , e na haver enganos; mas quando otalariohe pouco, na o efcrevem, para ter lugar atrta ; efehe muito, galhardamente o explica. Seja fupenfo todo o
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queocallar: e eitahi o remdio. ; Ifto ta ninherias e m comparao de outras prezas, que a cortezia agarra fem muitas ceremonias y c o m o na ndia, e m Cochim, e outras praas femelhantes de mayor comercio. Quer h u m Capito M o r oitenta, ou cem mil cruzados d3 boa entrada , pede-os empreftados a b o m pagar na tahida c o m efta arte, que o defobriga para o futuro, e na d moleftia ao preente. Haver e m C o c h i m , e feu diftridto, mais de cincoenta mil mercadores entre Chriftos, e Banianes de b o m trato : manda-os vifitar pelos corretores com mil cortezias, de c o m o he chegaco para os fervir, e que lhes faz a aber, c o m o vem pobre, e que trata de armar h u m empregofinho para a China, e que por na fer molefto a uas mercs, quando v e m para os ajudar a todos, na quer de cada h u m mais que dous, ou trs xerafins empreftados e m boa cortezia y e que c o m a mcfma os pagar pontualmente at certo tempo. N e n h u m repara e m empreftar ta pouco, e muito menos e m o cobrar a feu tempo, porque ha miftcr aofenhor Capito para muito ; e afim fe fica c o m tudo, que vem a patar muitas vezes de cem mil cruzados e m leve cortezia. E que muito que fucceda ito na ndia, acol ta longe, quando vemos ca
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ca mais ao perto dentro e m Portugal cafos feme^ lhantes! H u m Prelado grave, ou para melhor dizer gravifimo, conheci nefte R e y n o , que c o m achaque de huma jornada Corte de Madrid pedio empreflado por boa cortezia a cada Proco da fua Diocefi dous cruzados, com que veyo a fazer monte de mais de quatro mil: e quando veyo paga, com a mefma cortezia nenhum lhos aceitou, como os Banianes da ndia. Por efta arte anda a Poltica do m u n d o chea de mil trtas, de forte, que por mal, ou por b e m , na ha efeapar de roubos,
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CAPITULO* LX. Vos que furtao com unhas Polticas. ANda o mundo atroado com Polticas, de que fazem applaufo os Eftadiftas: a h u m a chamatagrada, a outra profana , e ambas querem , que tenha immenfos preceitos, com que inftruem, ou deftroem os governos do m u n d o , fegundo feus Pilotos os applica. E he certo, que toda a maquina dos preceitos, aTim de h u m a , Ee como
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c o m o da outra fe encerra e m dous: os da aara-* da ta, amar a Deos fobre todas as couzas, ea prximo, c o m o a ti memo. O s da profana fa , o b o m para m i m , e o m o para ti. M a s he engan o craflb, a que repugna Minerva, cuidar que ha poltica tagrada: iTo chama-fe Ley de Deos, que c o m nada contemporiza, nada affefta, nem difimula, lavra direito, e fem torcicolos contra os axiomas da Poltica. Pelo que, ifto que cha^ m a m o s Poltica , f no profano fe acha: e efta f he a que tem as unhas, de que falia efte capitulo $ e para tabermos, que tais ellas ta, he neceflri averiguarmos b e m de raiz, que couza he Poltica \ E apto que fe o perguntarmos a mais de vinte, dos que fe prza de polticos, que nenhum a taiba definir pelas regras de Ariftpteles, afim C C H m o ella merece ? Todos falta na Poltica, muitos compem livros deliay- e no cabo nenhum a vio, n e m tabe de que cor he. E atrevo-me a affirmar ifto afim, porque c o m eu ter pouco conhecimento delia, fey que he h u m a m peita, e que a eftima, e applaudem , c o m o Te fora boa: o que na faria bons entendimentos, fe a conhecero de pays, e avs, tais, que q u e m lhos fouber, mal poder ter por b o m o fruto, que nafceo de ta ms plantas:
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plantas:, e para que na nos detenhamos e m couza trilhada, he de taber, que no anno, e m que Hrodes matou os Innocentes, deu h u m catarro ta grande no diabo, que o fez vomitar peonha ; e deftafegerou h u m montro, afim c o m o nafeem ratos ex ?nateriaputridi, ao qual chamaro os Crticos Raza de Etado: e efta Senhora tahio ta prefumida, que tratou de cazar y e feu pay a depozou c o m h u m mancebo robut, e de ms manhas, que havia por n o m e A m o r prprio, filho baftardo da primeira defobediencia : de ambos nafceo h u m afilha,a que chamaro D o n a Politica: dotara-na detagacidadehereditaria,e modeftia poftia : Criou-fe nas Cortes de grandes Prncipes, embrulhou-os a todos: teve por ay,os o Machavello, Pelagio, Calvino, Lutro, e outros D o u tores defta qualidade, c o m cuja doutrina fe fez ta viciota, que delia nafcera todas as Seitas, e herefias, que hoje abraza o mundo. E eitaqui, q u e m he a Senhora D o n a Politica. E para a termos por tal, baila vermos a variedade,com que falla deltafeusprprios Chroniftas , que fe b e m advertirmos , cada qual a pinta de maneira , que eftamos vendo, que leva toda a gua a feu moinho. Se he Letrado, todas s regras da Fojitica va dar , e m que fe favorea E e ii as
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as letras, que tudo o mais he aire: Se profel armas o Autor, l arruma tudo para Marte, e Belona, e deixa tudo o mais porta inferi. E fe he Fidalgo, tudo apoya para a nobreza, e que tudo o mais he vulgo intil, de que fe na deve fazer conta. E he a primeira mxima de toda a Politica do m u n d o , que todos feus preceitos fe encerra e m dous, c o m o temos dito, o bom para m i m , e o m o para vs. E pfta nefte primeiro principio, entra logo fua my Raza de Eftado, enfinando-lhe, que por tudo corte, grado, e profano, para alcanar efte fim ; e qii na repare e m outras doutrinas, nem e m prece% tos, mas que feja do outro m u n d o , porque f do c m o d o deite deve tratar, e de feu augmento, e da ruina alhea5 porque na ha grandeza, que avulte vifta de outra grandeza. Minguas de outros ta meus accrecentamentos 5 fou obrigado a m e confervar illefo y e na etoufeguro, tendo junto de m i m , q u e m m e faa fombra : e para nos livrarmos deite oobro, dmos-lhe carga, tiremos-lhe a fubtancia. E para ifo ctende as unhas, que chama Polticas, armadas c o m guerra, hervadas c o m ira, e peonha de inveja, que lhe minitrou a cobia: e nada deixa e m p , que na efcale, e meta a taco. Efte Reyno he m e u , e efta
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efta Provncia he o menos, de que fe trata : Os Imprios mais dilatados, e opulentos, ta pequeno prato para eftas unhas 5 e o direito, c o m que os agarra, efcreve o outro c o m poucas letras, fem fer Bartholo, na boca de h u m a bombarda ; e vem a fer : Viva, quem vence. E vence q u e m mais pode, e q u e m mais pode, tenha tudo porfeuy porque tudo fe lhe rende. E fica a Politica cantando a gala do triunfo, e fua my Raza de Eftado rindo-fe de tudo, c o m o grande Senhora, e feu pay A m o r prprio logrando pres, e precalosy efeuav o Diabo recolhendo ganncias, embolando a to* dos na caldeira de Pero Botelho, porque fizera d o Ceo cebola, e deite m u n d o Paraifo de deleites, fendo na verdade labyrinto de detafocegos, e inferno de miferias, e m que vem dar tudo, o que nelle ha, porque tudo he corruptvel. Efte he o ponto, e m que a Politica errou o norte totalmente, porque tratou f do temporal, fem pr a mira no eterno, aonde fe vay por outra eteira, que tem por roteiro dar o feu afeud o n o , e a gloria a D e o s , que nos creou para o bufcarm o s , efervirmosc o m outra ley muito differente, da que enfina a Politica do mundo. E l vir o dia do defengano, e m que fe achar c o m as mos vazias, os que hoje as enchem da fubftaricia alhea.
Ee i i i
TeP
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Tetemunhas feja o famofo Belitario, terro de Vndalos, afblaa de Pertas, eftragador de milhoens, que dos mais altos cornos da Lua o poz fua fortuna fem olhos e m h u m a eftrada fombra de h u m a choupana , pedindo emola aos paftageiros: Vate obolum Belifario. E o grande Tar-j mola , cujo exercito enxugava rios, quando mar tava afede , ta poderofo , que trazia Reysajoujados c o m o caens debaixo da fua meta roendo offos, o qual hora da morte mandou moftrar afeusfoi? dados a mortalha, c o m h u m prego, e defengan n o , que de tanto, que adquirio, f aquelle lan: ol levava para o outro mundo.
P I T U L o
LXI.
!f]
Vos que furtao com unhas confidentes. Ueenha a minha ma confiana comigo, para m efervir , e cocar, lifonja h e , que 'bem fe permitte $ mas que a tenha as minhas unhas, para m e darem h u m a coca, que m e esfolem a pelle, nafefofre.Pois taista,os que os Reys applica, c o m o mos prprias, a feu Real fervi-
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fervio, e elles efquecidos da confiana, que Mageftade Real faz delles , etendem as unhas, para appliarem a fi, o que lhes mando ter e m reerva para o b e m c o m u m , ' e de muitos particu-* lares, que esfola. H a nefte Reyno Thefoureiros, Depofitarios, e Almoxarifes fem contoy todos arrecada e m feus depofitos, que chama arcas , grandes copias de dinheiro , h u m delRey , outro de orfas, e muito de outras muitas partes : e fendo obrigados a tello a ponto ! para toda a hora, que lho pedirem , aproveitando-fe da confiana, que fe faz delles, metem o dito dinheiro e m feus tratos de compras, e vendas, c o m que v e m a ganhar no cabo do anno muitos mil cruzados. E fe lho pedem no tempo, e m que anda a pecunia nos bolos da fortuna, c o m rifcos de fe hir o ruo a traz das canaftras, fingem aufencias , e que tem a arca trs chaves, que dahi a quinze dias vir da feira das Virtudes Bento Quadrado, que levou h u m a , que ali eft o dinheiro cheo de bolor na arca : e pata-fe quinze mezes, e na ha dar-lhe alcance. E por fim de contas v e m a refidencia, e alcana os fobreditos e m muitos contos. E eftes ta os confidentes da nota Republica , que fazendo-fe proprietrios do alheo , alienao que na he feu , e da atravz c o m os thefouros alheos. Ee iv Nas
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Nas fronteiras uccedem cafos admirveis nefta parte. Eft h u m deftes [pouco digno em hum podendo dizer mais de cento , mas hum exemplo declara mil.] Eft h u m deftes a Ia mira ef preitando, quando volta as notas facoens de Caftella c o m grandes prezas de boys , cavataduras, porcos , carneiros, e outros gados: e com o os foldados v e m famintos de dinheiro, mais que de alimarias, que na podem guardar, nem utentar, e ofobreditofev fenhor dos depofitos dos pagamentos, que foy atrazando, para na lhe faltar moeda nefta occafia, atraveta tudo,r regatando-o por pouco mais de nada, fem have q u e m lhe v m a , porque todos dependem delle, e o affaga ^ para o terem da ua m a : c dahi a quatro dias, e tambm logo ao p da obra , vende a oito, e a dez mil reis a lavradores, e marchantes os boys, que comprou a quinze toftoens quando muito, e o memo computo fe faz no mais. E vem afero mais rico h o m e m do Reyno p fem meter no trato vintm , que ganhaile, n e m herdafle de feus avs. Melhor fora venderem-fe os tais gados aos nofos lavradores pelos preos dos foldados, para fe refazerem de femelhantes prezas, que os inimigos nos levaro, e na ficarem exhauftos de criaoens, os que fuftenta a
Repu-
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Republica , e cheos, os que a deftroemcom as unhas, que chamo confidentes. Cortem-fe eftas unhas y e fe na houver puxavante, que as entre , porque a confidencia as faz impenetrveis 5 tirem-lhe o cabedal, e ponha-fe,- onde haja vergonha , e honra, que fe peje de comprar para vender. r N a Cidade de Lisboa conheci h u m barbeiro, o qual enfadado do pouco, que lhe rendia a fua arte, fe deu atangrarbolas, e fazer a barba aos mais opulentos efcritorios: e para o fazer afeutalv o , e c o m credito de ua paoa, foy-fe metendo de gorra c o m feus freguezes, dando-lhes alvitres, e que fe fazia corretor, A o principio comeou c o m penhores, pedindo dinheiro empreftado para tais , e tais empregos, que fe lhe ofTerecia rendofos, e que partiria os ganhos dentro de breves dias: e c o m a pontualidade foy ganhando terra para accrefcentar as partidas : e c o m o lucro, que dava aos acrdores, os foy cevando, H metendo na baralha, e cobrando credito, at que os obrigou a invidarem o feito. J fe na curava de fianas, n e m penhores, para c o m elle. E vendo afim o campo feguro , deu de repente e m todos abonando h u m lano , que fingio fe lhe abria de grandifimo interefTe, e que convinha meter
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meter nelle todo o cabedal, para ficarem todos ricos. N e n h u m reparou e m largar quanto dinheiro tinha , e tal houve, que lhe entregou cinco mil cruzados, outros a dous, a trs, e a quatro, fem taberem huns dos outros. D e u com tudo em h u m navio eftrangeiro, que eftava a pique, e deu: vela pela barra fora: e o mancebinho nunca mais appareceo, nem novas delle , nem rafto do dinheiro , por mais Paulinas, que fe tiraro. E efta ta as verdadeiras unhas confidentes. ! E na menos damninhas as confiadas, de que j digo cafos memorveis.
P A r a que na parea efte capitulo o m e f i W j que o patado, contarey huma hiftoria, que declara bem o muito que fe diftinguem. Succede e m Lisboa , que fazendo h u m a Confraria e m certa Igreja a feita do feu OragO muito folemne, ajuntou para ifo muita prata decaftiaes, alampadas; peviteiros, e caoulas , que pedio por empref-
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mpreftimo a outras Igrejas, Morteiros, e Irmandades: e c o m o o thefouro era de muitos , tinha direito todos para virem bufcar, e levar as fus peitas. Entre os que viera, acabada a fefta, foy h u m ladro cadimo c o m dous maros, que alugou na Ribeira por dous vintns cada h u m , e duas canaftras mais grandes, que pequenas: e entrando muito confiado, c o m o fe fora m o r d o m o m o r de toda a fefta, poz a capa, e o chapo fobre h u m caixo, aTegurandoprimeiro aaufencia dos que lhe podia pr embargos: abaixou diante de Deos, e de todo o m u n d o , as melhores duas alampadas, e tirando dos altares os caftiaes, que Ua{lara para encher as canaftras, poz tudo s coitas dos mariolas, etacodindoas mos, tomou a capa , e guiou a dana $ e efeapou por fua arte dando c o m a prata, onde nunca mais appareceo y ficando mil almas, que eftava na Igreja, peruadidas, que aquelle h o m e m era o legitimo cjono , c o m o manifetava a confiana, com que fez o talto, que na foy e m va. E ifto he, o que chamo unhas confiadas, fem ferem confidentes: e deftas ha muitas a cada paflb, e noferviodelRey na falta , mas falta-me a m i m coragem para moftrar aqui, o que recolhem, como fe fora feu, c o m tanta confiana^ c o m o fe o cavaro, e o roaro ,
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ara, ou o herdaro dosfenhoresfesavs. E affim digo, que na m e meto c o m averiguacoens de que a pezar da verdade pofotahirdernearido> S aos afToutosfizeraeu h u m a pergunta em fecrredo [chamolhe afim, por na epecificar cargos,5 de donde fe pota colligir peflbas, com quem na quero pleitos] perguntemos a etes , com que authoridade, ou para que fazem tornar a traz os p-* gamentos da milcia, que Sua Mageftadedepacha? O u c o m que ordem os repartem ultra do quereza as ordens verdadeiras ? N a d a repondem: me-> tem-fe no efeuro das razoens de Eftado, e he couzi clara, que accrefeenta feu eftado : e ainda- m ^ que vemos accrefcentados, os que para bemhouv ra deferdiminudos. Eftesta,os que c o m grande affouteza, e confiana, metem atacoa Republica , cujostacosvata para encher taleigos, qud ja m e d e m aos alqueires ; e ifo he o menos, o mais he o volume mmenfo de outras drogas, de que enchem fobrados, que ha mifter epeques para futentar o pezo , fem temor da forca, que fora melhor fabricarfe defles pontoens. Aponto f o d a m n o , na trato, de q u e m leva o proveito; porque a confiana, c o m que nelle apoya fus unhas, as faz impunes. M a s deixando pontos in intelligiveis, paliemos a outra couza.
Ahi
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Ahi na pode haver mayor confiana, que; a de h u m C a b o , a q u e m da cem mil reis para h u m pagamento de Teusfoldados , e e m vez de o fazer logo, para lhes matar a Tome, que os traz mortos, vay-fe cata da tafularia, p e m o dinheiro na taboa do jogo, c o m o fe fora feu, ou lhe viera de cata de feu av torto y e fem nenhum direito, que para elle tenha, o lana a quatro m o s , e o perde c o m ambas, fem lhe ficat nellas, mais que o taleigo vazio, e o focinho cheo de paixo , c o m quetatisfazs partesy deforreque nen h u m foldado ouza apparecer diante delle : e he |(tremada traa para na lhe puxarem peta divida. Mais confiados que eftes ta outros, que ha na cata da ndia, e nas Alfndegas, que na fey c o m o fe chamafeusofficiaes, n e m o quero taber, por na fer obrigado a nomealos por feu n o m e : eftes tem por obrigao ver todos os fardos, e examinar todas as fazendas, que vem de fora, para orar ao jufto os direitos, que fe ha de pagar a Sua Mageftade 5 e elles por quatro patacas examina as couzas ta fuperficialmente, que deixa patar por eftimaa de anil o pacote, que v e m cheo de batares , e conta por cacaveis o barril, que vem recheado de coraes, e alambres. Q u e tardos de telas finas, e brocados de trs altos corra
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ra praa de bocachim, e calhamao, na o crera ,fenaq u e m o vio. Bailas de meyas de feda ta*zem figura de remas de papel. E he fcil deslum-, brar os olhos de todos os Argos, a quem eft encomendada a vigia difto, c o m h u m par de peitas. replandecentes de vidros de Veneza, e cryftaes de Gnova. E para que na fediga, que na vira tudo, manda abrir coftaes, que j vem marca-' dos, e preparados para o effeito : os quaes trazem na primeira fuperficie, o que vai menos , mas o amego he do mais preciofo. J fe vio caixo, e juartola, que trazia na boca chocalhos, e no undo peitas de ouro , e prata. E fe algum Minik trofielrequer, que e examine tudo, refpondera/ que na feja defconfiado : e c o m duas gracetas) pata degraas, que na conto. Declaro fobre5 tudo ifto, que j efta moeda na corre, c o m o e m tempo de Caftella ; porque eft Teu D o n o e m cata, que a vigia, efaz a todos, que na feja ta confiados, c o m o o Carvalho. f N a fey, fe ponha aqui h u m a confiana ad-: miravel, que na podia crer at que a vi. B e m he: quetaibaSua Mageftade tudo , para que o emende c o m feu Real zelo , e para ifo digo. E he que todas as dividas, que ElRey noflb Senhor manda > pagar, o u emolas, que manda fazer por via da tazeii-
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fazenda, acha todos os depachos correntes at o thefouro, onde topa c o m ordemfecreta, que a todos diz, quetatisfarc o m o tiver dinheiro, e confia por outras vias, que o tem aos montes para outros preftimosj mas para ifto de dividas, e emolas, na ha tirarlhe h u m real das unhas: e occafiona c o m ifto a fe cuidar, que a tal ordem baixou de cima : e he ponto, que nem h u m Turco o prefumir de Sua Mageftade^ mas he confiana de Miniftros, que devem de prefumir, que o na vir ataberSua Mageftade, que deve fentir muito lanos, que tem mais de aleivozia, que de zelo. C o m as palavras vos dizem que fim , e c o m asobras q na. Doutrina he, que Chrifto reprehendeo muitas vezesfeveramenteaos Farifeos: e afim fe deve etranhar entre Chriftos. E eu na acabo de dar no alvo, a que tira efta confiana, quando tira aos pobres, o que feu dono lhes manda dar. Dizerem que he zelo da fazenda Real, que na querem fe eperdice, ainda pecca mais de confiada efta repofla 5 que na deve o criado ter mais amor fazenda , que feu Senhor -, alem de queferiaeftolida confiana tomarfobrefios encargos de tantas refrituioens, de que o Senhorficalivre, .f c o m mandar que fe paguem. E e m concluta lev e m todos daqui efta verdade, que na empobrece
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ce, o que fe d por emola, nem faz falta, o qut fe paga por divida. Veja l na enriquea eftas demoras a outrem : e elle he o tope, em que vem esbarrar todo o difeurfo, que fe pode formar nef ta matria: e n e m ifto he b e m quefecreya de gente honrada. Nefte capitulo entra de molde mulheres, que ha e m Lisboa, as quaes vivem de depir meninos , afim c o m o os acima dito de depir pobres: tanto que acha alguma criana na rua, fem que olhe para ella, fazem-lhe quatro affagos, como fe fora fus amas, leva-na nos braos, recolhem-fe na primeira loge, e a titulo de lhe daret ; o peito , ou pentarem, lhe defpem toda a roupa-, \ e m ta boa hora, que lhe deixem a camita. Se acerta algum cie as ver, da tudo,por bem feito, julgando-aspor domefticas, comomollraalhaneza, e confiana, c o m que lhe metem a papa na boca: e feita a preza, fazem-fe na volta do aragao a bufcar outra $ e tiray l carta de excomunho , para vo Ia reftituirem no dia do Juizo. , H u m a mulher houve ta confiada nefta Corte , que contentando-lhe h u m a cruz de ouro, e pedraria, que eftava por ornato de h u m a fefta no altar de certa Igreja, efperou^que feus donos fe auentaflem, e pfta no m e y o da Igreja, porque
na podia;chegar perto c o m o concurfo, levan tou a voz dizendo: alcancem-me c aquella cruz, e venha de m a e m ma, por m e fazerem merc. T o dos julgaro queferiafua, pois c o m tanta confianca a demandava y e de m a o e m m a o veyo, ate chegar s da harpa, que deu ao p com ella fem ajuda de Sima Cyrineo, porque lhe cufto me-rios a achar que a Santa Helena. T a m b m ha muitos , que furtao confiados, e m que Deos perdoa t&do$ mas j Santo Agolinho os defenganou a iodos, que na fe perdoa o peccadq, fem f reP atuir o m a l levado. E nefte m u n d o , ou no outro ha de pagar pela bola, ou pela pelle,,
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Vos que-t-furtao com unhas proveitofas. Raas a Deos, que foyfervidode ns deparar humas unhas boas entre>tants roins. ias dir algum y que nenhumas ha, que na feja pioveitotas "para feu d o n o , no que agaryu:'fNa fllo dffs \ queas damntasf at a feu fenhor, pois muitas vezes da com elle na for-
Ff
ca.
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ca. Trato das que ta proveitotas pra ambas as partes fem rifco de damnos: e explicalas-hey logo, c o m h u m exemplo. N o Crato, Villa bem conhecida nefte Reyno pelo feu grande Priorado de Malta, houve h u m cavallo na ha muitos annos. $ cujas unhas era de tal qualidade, que todos os cravos, que nellas entrava, depois de tahirem tortos c o m a ferradura, fervia de anzes a feu dono-, c o m que pefeava infinito dinheiro , porque fazia delles anis, que pftos e m qualquer de-* do da m a , era remdio prefentifimo para gota arterica. T o d a a virtude lhes vinha das unhas d gineteje affim naferacouza nova acharem-fe unha* proveitotas para ambas as partes: tirava de fi dinheiro, os que levava os cravos para reme^ diarem a outrem f c remediava-fe todos. Tais fera, os que no governo de hiaai Reyno , e no meno de fus fabricas, e emprezas, tirarem de h u m a parte para remediarem outra, e fera o m e m o , que acodir a tudo. Desfalece a ndia c o m accidentes mortaes, peores, que de gota coral, e arterica, que mal fera acodirlhe o Bra* fil c o m alguma ubtancia, que a alente, ainda que feja por m o d o de empreftimo: n e m correr niflb o ditado, que na he b o m defeobrir h u m Santo para cobrir outro, pois tudo repeita, e ferve
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ferve o memo corpo debaixo de h u m a Coroa. Padece o Brafil falta de mantimentos, na vejojaza, que tolha acodirem-lhe as Alfndegas do Reyno, e de outras Conquiftas, upprindo-lhe s* gaftos, efoccorros,at que fe melhore. O m e m o digo de Angola, Mina de S. Jorge, Moambique , e outras praas. B o m fe pararia o corpo h u m a n o , fe a m a equerda na ajudafle a direita^ e a direita a efquerda, e h u m p ao outro. A Republica he corpo myftico, e as fus Colnias, e Conquiftas membros delia; e afim fe devem ajudar refervando, e reparando fus fortunas, e conVnienciasJ Superlia he, e na axioma poltico de Eftado, negarem-fe auxlios, os que viverr* juntos na mema communidade: e aqui corre certifimo o Provrbio, que huma m a lava a outra. H u m Rey empreita ao outro, e tira de feu cabedal foccorros, com que ajuda o vifinhoj quanto mais o deve fazer h u m Rey a fi m e m o , e a feus vaTallos, que ta partes integrantes da fua Coroa. A contribuio das dcimas nefte Reyno he muito grande, pois chega a milho e meyo: he verdade , que as da os povos para as fronteiras, e he o m e m o , que para fe defenderem dos inimigos , que nos infefta por mais de cem lguas de terra, que correm doAlgarve at Traz os rnonFf ii tes:
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taes. E o outro lado, queficadefcuberto por outro tanto diftrito de m a r , parece que o na confiderira, e que ha mifter muito mayores gaftos .de armadas, e munioens, que guarnea as coftas , e que as foras Reaes aodem a mil foccorros de lem-mar, de donde efta outros-tantos Portuguezes, c o m o ha no Reyno pouco menos, pedindo continuamente auxlios, e que na he b e m lhos neguemos. N a vm olhos cegos, o que gaita e m Embaixadas, e convenincias de pazes c o m outras Naoens $ que ainda que na nos ajudem, he b e m que os componhamos, para que na nos defcomponha. E m que apertos nos veriammos, fe Frana, e Catalunha, na divertiTem o Caftelhano no tempo, em que efta vamos menos apercebidos } Eftas^correpondencias na fe alcana fem o-aftos; cites de ns ha de fahir, c o m o do couro as correas: que mal he logo, que fe tomem eftas das dcimas c o m unhas ta proveitotas , quando vemos, que os outros cabedaes na bafta para feus menos prprios. N a pofo deixar de picar aqui e m h u m ef crupulo de alguns zelotes, que tem para i, que ^fzthefouro, e que he j ta grande, que ha v jfoeques: e a graa he, que grunhem fon -n bre iTo. 'Provera a D e o s , que affim fora, e que arrui-
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arruinaTem j c o m o pezo as catas, que o recolhem , que devemferencantadas, pois as na vemos : mas para m e confolar quero crer, queQlTm he, e afim o fio da grandifima providencia. de ElRey nofo Senhor, que tabe muito b e m , que foy coftume celebre dos mais acordados Reys terem errios pblicos para as guerras repentinas: e ns na eftamos fora de as termos mayores, que as que vemos: e para h u m a occafia de honra coftuma os prudentes refervar cabedal , que lhes tire o p do lodo y ainda que tirem da boca dos filhos o dinheiro, que inteoura. T u d o vem a fer unhas proveitotas. . 4. Nefte pafo fe envia a m i m , os que tem penfoens de juros, e tenas na Alfndega , na Cata da ndia, ou nas fete Calas, Almoxarifados, cc. e m e fazem o memo argumento dizendo : fe he b o m , e licito tirar de h u m a parte para remediar outra , c o m o ha de haver n o m u n do , que na fe nos paguem da cata da ndia as tenas, e os juros, aos que os temos na Alfndega , quando nefta falta os rendimentos, para tatisfazer a todos ? Aos mernos pergunto, quando tem duas herdades, h u m a dizima a Deos fem nen h u m a penta, e outra carregada de foros, ou juros ; fe efta ficou eftnl h u m anno fera os poder Fr 1 1 1 Pagarj
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pagar, porque os natatisfazemda outra, que deu^muitos frutos ? Repondem, que a outra he livre. Pois tambm a cata da ndia no nofo cafo eft livre dos encargos da Alfndega. Acudo a outra intancia, que Donas coftuma por, ehe; que do m e m o m o d o , que a herdade, que efte anno na pagou foros, n e m juros, porque na deu frutos, fica defobrigada a pagar os encargos do tal anno no anno feguinte, ainda que d frutos e m dobro ; afim a Alfndega fica defobrigada para fempre do nno, que na teve rendi5mentos, ainda que e m outro tenha grande copia delles. M a y o r duvida pode fazer , quando ElReyf toma todos os rendimentos deite anno para acodir a alguma necelfidade urgente [chama a ifto tomar os quartis] fe fera obrigado a refazer efta tomada no anno feguinte, quando a Alfndega eliver mais pingue, e elle mais detafogado ? Refponde-fe a ifto, que as unhas proveitotas ta muito privilegiadas, quando emprega no b e m c o m u m as prezas que fazem e m bens prprios, ainda que obrigados a outras partes da mefma comunidade : e niilofediitingue o domnio alto dos Reys do domnio particular dos vaTallos , que eftes ta obrigados a refazer, o que gabaro de partes e m us prprios, e os Reys na , no cafo, que
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que o gafta em bem de todos: afim oenfina os Doutores Theologps: e ifto baila.
LXIV
Vos que furtao com unhas de prata. EM Sevilha, Cabea de Andaluzia, e Promontorio mximo de todos os comrcios de Hefpanha, entrou o diabo no corpo de h u m Caftehaiio , e devia defermuito licenciado , ou pelo menos grande bacharel $ porque com todos argumentava , e de tudo dava raza : e entre as couzas notveis, que fe deixou dizer, foy huma a mais admirvel de todas : que j elle teria pofto de r a F de Chrifto, embrulhado o gnero humano , e fe teria feito fenhor do mundo abfoluto, fe Deos lhe na prohibira trs couzas: a primeira bulir na Sagrada Eferitura :fegundafalfificar cartrios : terceira dar dinheiro. C o m a primeira dizia, que desfaria nota Santa F pervertendo, e mudando nas impreflbens, e em todosfeusvolumes osfentidosda Efcritara Sagrada. C o m a fegunda, que confundiria os homens variando-lhes
Ff iv
as
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as provas de fus demandas, e falfificando-lhesas fentenas. C o m a terceira, que levaria o mundo todo a traz de fi, dando lhe dinheiro, prata, e ouro, que elletabemuito b e m aonde eft. E na ha duvida, que difcurfou a propofito, e que fallou verdade , c o m fer pay da mentira y porque fe Deos c o m fua admirvel jutia o na aferrolhara de maneira , que nenhuma deftas trs couzas pode executar , j teria concludo com o gnero human o , e c o m o mundo" univerfo, que Deos por ua infinita mifericordia ailinf conferva. E f a ultima couza de dar dinheiro, que lhe concederay c o m fer a menos nociva, ella f bailara, para fe fazer o demnio fenhor do m u n d o : porque ifr to que aqui chamamos unhas de prata , ta as mais poderotas garras, que ha para arraftar , e levar tudo. a traz de fi. N a podendo Alexandre M a g n o render h u m a Cidade por inexpugnvel, e inaccefivel, perguntou fe poderia l chegar, ou fobir h u m a azemola carregada de dinheiro ? E tanto que efta bateo a porta , logo fe lhe abrio, e deu entrada a todo o exercito de Alexandre, que c o m tais unhas empolgou nella. Famofo invento foy o do dinheiro, pois c o m elle fe alcana tudo , e na ha couza, que fe lhe na renda: do mais incorrupto Juiz alcana
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afentena: da irais arifca dama tira favores, no : mais invencvel gigante obra runas, do maisjiumerofo exercito alcana vitoria , nos mais inexpugnveis muros rompe brechas, arromba portas de diamantes melhor, que petardos $ arraza torres, quebra omenagens, tudo fe lhe ugeita, nada lhe refifte ! As fbulas antigas dizem, que Pluta inventou o dinheiro, e que foy tambm inventor. da fepultura, e Deos do inferno : nem podia deixar de dar tais nomeadas, a q u m fefoube fazer fenhor do dinheiro, que tudo rende, c o m o a fepultura, e morte ; que tudo violenta, c o m o o inferno. O s Lidios fora os primeiros, que fizera moeda de ouro : Jano foy o primeiro, que formou moedas de cobre ; e porque foy o inventor das coroas, pontes, e navios, lhe efculpira tudo ifto nas uas moedas , porque o dinheiro d patagem, c o m o ponte, para as mayores coroas, e navega vento e m poupa aos mais dilatados Imprios. Hermodice, mulher de Midas Rey dos Phrigios, foy a primeira , que bateo moeda de prata: e eftas ta as unhas de prata, que prope m efte capitulo, que do dinheiro fazem garras para pilharem mais dinheiroy c o m o o pefcador, que c o m h u m caramujo, que lana no anzol, apanha grandes barbos. Pefcadores ha de anzol , epefcadores
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dores ha de redes: at os que pefca com redes" uta de ifca , e cevadouros, c o m que engodao o peixe : e os pefcadores, de que aqui tratamos, na tem melhor engodo , que o do dinheiro, fe fouberem utar b e m delle , pefcar quanto quizerem , e enredar o m u n d o todo. B e m uou do dinheiro h u m mercador em frica para pefcar cincoenta mil cruzados, que fe lhe hia pela gua abaixo. Arribou com tempelade a h u m porto de Marrocos, tomara-lhe os Mouros a no por perdida e m ley de contraband o , tratou de a recuperar por jutia.; mas na achou q u e m lha Azeite, porque he droga, que na fe d b e m naquelles paizes. Tinha ainda de feu quatro, oiicinco mil cruzados, que efeap o u e m joyas, eooa moeda : fallou com o Rey, offereceo-lhe trs mil por h u m a leve merc, que lhe pedio, e elle lhe concedeo facilmente : que dflem h u m pafleyo ambos a cavallo pelas ruas, e praas da fua Corte, faltando Tos amigavelmei> t. Feita a merc, dado o paflyo, e pagos os trs mil cruzados, tudo foy o memo : mas muito differente o que fe feguio^ porque concebero todos os Mouros opinio, que aquelle h o m e m era grande pefloa, e muito privado , e valido do feu Rey : todo^ o viitara logo por tal , mandava-
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dava-lhe prefentes, e donativos de grande porte, imaginando , que por aquella via abria portada/ Tuas pertenoens : e elles abrira-na para a reftauraa do mercador , que afim fe hiarefazen- do , e m tanto, que at os Juizes, que tinha condemnado a nao , lha abfolvera : e aflim pefcou c o m unhas de prata de trs mil cruzados, que foube dar, mais de cincoenta mil, que hia perdidos. E por efta arte pefca muitos ladroens no dia d e hoje, at o que na he feu, c o m grande deftreza. Aportou Ilha da Madeira h u m a no de carga ,taltrae m terra os patageiros a fazer viQtagas, e entre elles h u m Clrigo , que eu vi* [grande pirata devia de er pelo tear , que armou para fazer feu negocio melhor, eme todos.] Vifitou o Bifpo no primeiro lugar ," e a quantos po^ bres achou no pteo , fez emola de tofta , e s mulheres de manto a pataca : e e m quanto fallou c o m o Bipo , fahira eftas campainhas pela Cidade , dando h u m a alvorada do Clrigo , que baP tava para o canonizarem e m R o m a : huns lhe. chamava o Clrigo Santo, outros o Abbade rico-, outros o Peruleiro^ e m tanto, que crefceo a cobia nos mercadores da terra , e fe picaro a fazerem negocio c o m elle. Efte feryo- de Deos, depois -de dar obedincia , e beijar a m a ao
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Bipo, lhe pedio fof fervido de lhe mandar dizer^duas mil Mitas, e que daria avantajada ef mola por ellas, para que Deos lhe dfle bom fucceflb e m h u m emprego de mais de cem mil cruzados , c o m que navegava. A fegunda vifita, que fez depois do Bipo, foy aos prezos da cada, dando a cada h u m feu toft de efmola: e quai> do daqui foy dar volta Cidade , j a achou difpofta para lhe darem ao fiado tudo , quanto fua boca pedia : embarcou quanto quiz, e que logo mandava vir dous barris de patacas, para dar plenria tisfaa a tudo. At aos Padres da C o m panhia m a m o u trinta cruzados, a titulo de empreftimo, para levar a bordo os empregos, qm fazia , e que havia de dar h u m a peita o o a p a q a Sacriftia. Armava o mendicante a dar a vela no dia , e m que tinha promettido o pagamento das patacas: e fem duvidatahirac o m a preza da grafia pilhagem , que tinha feita c o m dez, o u doze mil reis, que dipendeo cuta alhea, fe o Bipo na preentira a tramoya por indcios, que teve; e fe na fe picara o tempo e m forma, que obrigou no a dilatar a jornada. N a conto o que daqui por diante fe feguio , porque o dito baila y e m forma , de que entendamos, que ha unhas de prata , que t o m difpendios pequenos avana :ran-
I) grandes lucros: o ponto eft na tempera, e na difpofia dos meyos, para afegurar os lanos. E v e m aferifto h u m jogo de ganha perde, perder para ganhary c o m o os que joga c o m cartas, e dados falfos, que no principio fe deixa perder lanos de menos invite para engodar o competidor , e enterreirar h u m a m a , c o m que lhe varra todo o cabedal. Vejo alguns mandar prefentes, e donativos, a q u e m lhes na pertence 5 e fey, que ta de condio , que n e m a fua may dara h u m a vez de vinho, quanto mais frafqueiras, c o m que cantaro os Anjos, a q u e m nunca trataro! D a cargas de fruta, tabuleiros de doces, joyas de preo, tacos de dinheiro : e fico atordoado examinando , de donde lhe vem a Pedro faltar galego? Irma,fetu nunca entrafte e m barco , n e m metefte o p e m meyo alqueire c o m efte h o m e m , c o m o te dipendes c o m elle ? Ifto tem myfterio : e bufcada a raiz, he ganncia grande, que folicita c o m dipendios leves: adoa a patagem , para haver o que pertende, depachos de officios, comendas , Igrejas, ttulos, cc. Para os quaes at a prpria conciencia o acha inhabil: mas c o m o ddivas quebra penedos, ^icha que por efle caminho torcer a juftica, e w e m a er h u m gnero
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gnero de latrocnio de m cafta -, porque s ve^ zescheira a fimonia, e he hydropefia da ambio.1 Acabo efte capitulo c o m outras unhas de prata, muito mais cortezes que eftas. N a Corte de Madrid fe achou h u m tratantc de ndias c o m grande quantidade de efmeraldas lavradas, fem lhes achar gafto, nem tahida, pa-j ra fe desfazer deltas. Poz duas efeolhidas e m h u m par de arrecadas, e fez deltas preente Rainha D o n a Margarida, que as etimou muito , porque tudo o dado de graa leva comigo agrado, q graa natural: e c o m o as Rainhas ta o epelho de todas as Senhoras de feu R e y n o , e m eftas ven* do aeftima, que a Mageftade fazia das efmeraldas , crefeeo nellas a eftimaa, e logo o dezejo, que o mercador-eftava eperaado para as levantar de preo , e fe tivera h u m milho deltas, todaSf as gaitara talhando-lhes o valor, que e m ne-* n h u m tempo vira. H e irm gmeo deite ixcceP fo outro femelhante, que outro mercador f* bricou na mema Corte, para dar expediente vinte peitas de panno fino, que na tinha gafta por raza da cor : ofFereceo a ElRey h u m velido delle muito b e m guarnecido, e obrado ao coftum e , pedindo7]he por merc foflefervidotrazelc* fe quer oito atas: e na era b e m quatro andados,
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dos, quando j o mercador na tinha na \oc de todo o panno, n e m h u m f retalho, e fe m\l peitas tivera, tantas gaitara. E eftas ta as verdadeiras unhas de prata, que c o m pouca perda delia empolga grandes ganncias, tirando por arte a Tubftanca do vulgo ignorante, que fe leva de vans apparencias.
C A P I T U L O
LXV.
Vos que furtai com unhas de nao fey como lhe chama. S
Rhetoricos da nomes s couzas, tirando^ lhos de fus propriedades, e derivaoens: c aflim o temos ns dado a todas as unhas defta1 /Irte: cindo j no fim delia, fe m e offerecem algumas tais, que na fey, que n o m e lhes ponha y porque fe lhes olho para os effeitos, acho-as necias; fe para a derivao, acho-as fem princpios, nem~fim til. E chamar-lhes parucas, he defeortezia; chamar-lhes fem principio, n e m fim, he fazellas erernas, contra o que pertendemos, que he cxtinguillas. O r a emfim a Deos,c ventura, chamo-
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chamo-lhe tolas, e faya o quetahir.E pauta affinijia verdade, que b e m confideradas, achara nellas at h u m cego quatro tolices marcadas. Primeira , furtar f por fazer mal ao prximo fem utilidade prpria. Segunda, furtar o que ha de reflituir. Terceira, furtar para outrem. Quarta, furtar o que lhes ha de demandar,-c fazer pa-f gar, e m que lhe pez. Quanto primeira, furtar f por fazer mal ao prximo fem nenhuma utilir dade para fi, na ha duvida , que he tolice grande-, c o m o o que bota no m a r , ou entrega aos piratas a fazenda alhea, ou pem e m fogo a feara de feu vifinho, f por fe vingar de h u m a paixo, que teve contra elle : e fe o tal he Chrifta , creft ce nelle a tolice, pela obrigao, que tabe lha accrefee de refazer o d a m n o , que deu : donde fe fegue, que a fi fez todo o m a l , e na ao prxim o , pois he obrigado a lho recompenfar por inteiro. E ha homens nefta parte ta cegos., que por darem h u m degofto a feu inimigo, na reparao no que poriTo fobre fi toma. H o u v e h u m Rey antigamente nefte m u n d o , que tabendo de dous vaTallos feus, que era grandes inimigos entre fi, rrandou chamar ao mais apaixonado, e difle-lhe: * Quero-vos fnr h u m a merc, e ha de fer a que vs m e pedirde c o m advertncia, que a hey de fa3 *. zer
.
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zer dobrada a fulano, de q u e m fey, fois grande inimigo. Beijou a m a ao Rey pelo favor, e pedio logo por merc, que lhe mandafem arrancar h u m olhoj porque afim feria obrigado a arrancar dous ao outro , para queficaflecego, ainda que elleficafletorto. E bem cego eftava , quando procurava d a m n o alheo fem proveito prprio. Quanto fegunda : furtar o que ha de retituir. Melhor diflera : o que na ha de retituir, porque raro he o ladro , que retitua , mas faltam o s da obrigao , que lhes corre, fe he que ta Chriftos, e trata defe-lvar.E bem devem de fber, o que dizem os Doutores, que na fe perdoa o peccado, a q u e m podendo naretitue o mal levado. Todos dizem, quando fe confetav, que ha de retituir, c o m o tiverem por onde. Pois nofbirma,fevs o haveis de retituir, pa^ ra que o furtaftes ? Repondem , que tabe melhor o .furtado, que o comprado : e na poder , que o amargor da reftituia he mayor, que a doura do furtoy- e poriTo diTemos, que he grande tolice furtar, o que fe ha de retituir. Furtaro trs officiaes mancomunados nove mil cruzados > fazenda de Sua Mageftade: repartira-nos entre ri 5 e navegaro c o m o cabedal, h u m para a In* dia, outro para* Angola, e parayaBrafil outrotr. Gs e cie-
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e depois de chatinarem valentemente,tomou-os por I3 ajaora da morte. Tratou cada h u m por iiai parte de fe pr b e m c o m Deos pelos Sacramentos da Penitencia, que he o ultimo valhacouto dos peccadoresj e chegando ao fetimo Mandamento , picava a conciencia de cada h u m os trs mil cruzados, que lhe coubera, e declarava,c o m o tinha de obrigao , que o furto ao todo fora de nove mil, repartidos igualmente por trs companheiros, e achava-fe todos c o m cabedes, que tinha adquirido , baftantes para retituir tudo. Dizia o Confefor da ndia ao feu peniten^ te, que era obrigado a retituir os nove mil cruzados por inteiro, vifto na lhe confiar, fe feus companheiros tinha dado tisfaa fua parte. O Confefor d~ Angola, e do Brafil dizia o m e m o aos feus moribundos, que fe achava novos na nova obrigao , que fe lhes impunha, e argumentava : fe eu na logrey mais que trs mil, c o m o hey de retituir nove mil ? M a s a repofla eftava m a , e clara , porque foftes cau d o d a m n o por inteiro c o m a ajuda, que deites a vofos companheiros, conla-vos do furto, e na vos conta da reftituia ; e afim fois obrigado a vos defcarregar do que he certo, e na vos pode valer a decar|a, que he incerta. Eitaqui outra tolice
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tolice mayor, furtar o que fe ha de retituir do-r brado.e trefclobrado, conforme o numero dos companheiros, que entraro ao efcote. Alguns nefte ponto tazem-fe mancos por na remar : dizem que na tem pofles para retituir, e que na ta obrigadosT. fena quando os favorecer fortuna mais pingue-, que primeiro eft a obrigao de fe utentarem afi, e a fua cata, para que na perea : e ns vemos, que poder aguarentar mil fuperflidades, e etreitar os gaftos, e pouparem para dar o feu a feu dono. L fe avenha : f lhes lembro, que ha de viver mais no outro m u n d o , que nefte , e que tudo c lhes ha de ficar , tetemunhando er jufta ua condemnaa. Quanto terceira tolice : furtar para outrem,1 digo que he mayor, que a prin/ira, e fegunda^ porque na ha duvida, que he intania muito grande empenhar-fe h u m h o m e m , pelo que na ha de lognrr. O s Reys devem pagar a q u e m os ferve, e paga-lhe c o m ordenados, e mercs5 chega o tempo de cobrarem, pata-lhe os Reys portarias, e alvars, c o m quefedefcarrega: va c o m eftes papeis os acrdores aos Veadores, e Thefoureiros, para que entreguem, o que nellesfecontm , efecha-e banda c o m o ourios gicheiros, e m que na ha mais, que efpinhos dc^epoftas picanG g ii tes,
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tes, e bem devem taber, que a reteno do que fe deve he verdadeiro furto: e tomara perguntarlhes 7* para q u e m furtao ifto, que na pagao > N a faltar, q u e m cuide , que para fi; e fe nao for para fiy fera para o R e y , que j fe defobrigou c o m mandar, que fe pague , e afim vem a fer ladroens, que furtao para outrem, e he o que chamamos grande tolice: eagraahe, que feficarindo c o m eftas retencoens, como fe fbra chiftes, e habilidades, e m que nem a Caetano, n e m Cova-Rubias tem porfi:e eu fey,q as marca os mernos por muito grande ignorncia. Por mayor tive a de certos Cavalheiros e m Santarm, que metero na cabea a h u m mancebo vagamundo, quefefingiflefilhode h u m h o m e m nobre, e rico, ara o herdar. Fby o cafo, que efte h o m e m teve Eiumfilhonico, que lhe fugio de nove annos, e havia mais de vinte, que na abia delle : appareceo nefte tempo naquella Villa h u m pobreta, que reprefentava a mefma idade : amigos, ou ininiigos do h o m e m de b e m , o entayara, c o m o havia de dizer, que era feu filho, e lhe enfinara hilorias, e circuntancias, para e dar a conhecer , e que os alegafe por tetemunhas: o pay iippoto negava-o de filho fortemente, e dava por raza,que r|ifelhe alvoroara o tangue,quando
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do o vio. O mancebo demandava-o diante do Juiz ordinariamente para alimentos e m vida, e m quanto o na herdava por morte: as hiftorias, que contava, e tetemunhas, que dava, contetara de maneira, que deu o Juizfentenapelo mancebo, e condemnou o velho a lhe dar alimentos, declarando-o por feu filho. Cafo raro, e nunca vifto, n e m imaginado ! Q u e no memo dia appareceo e m Santarm o filho verdadeiro, que todos conhecero logo, e o velho dizia : efte fim, quefem e alvoroou o ngue, quando o vi. O outro detappareceo logo, e eu perguntava aos -embaidores, fe advertia, que era furto os alimentos, que fazia dar c o m feu telemunho, a q u e m os na merecia ? E que negoceava para outrem , e na para fi o fruto d demanda, que iniquamente vencia? N a devia de ignorallo, ainda que fe moftrava niflb grandes ignorantes, e tolos. Alguns cuida, que tem difculpa, quando furtao para darem remdio a feusfilhos5 mas cra , que na efcapa da mema nota, porque feusfilhosna os ha de tirar do Inferno, quando l forem, pelo que para elles mal, e fujamente adquiriro. E m certo lugar dej Reyno tinha h u m alfayate trsfilhasfemdote*|>ara lhes dar efG g iii tado:
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tado: acordou de as catar c o m trs obreiros, e para ajuntar remdio para todos, deu comfigo, e comvelles no Algarve :fingindo-feConde vomitado das ondas, que efcapara c o m aquelles criados de h u m naufrgio , tinha prefena, e lbia, para perfuadir tudo 5 que vinha de ndias, e perdera mais de m e y o milho e m barras de ouro, e pinhas de prata, que at as panelas da fua cofinha era do m e m o , e que fe via como Job pofto de lodo. E c o m eftas, e outras impofturas, perfuadia s Cameras, e Cabidos, N o breza, epovos, por onde patava, que o ajudaflm contra fua fortuna : todos fe compadecia, e para os mover mais, moftrava e m pergaminhos ua grande protapia, e os famofos cargos, que fervira. O menos que lhe dava, at nos lugares pequenos, e humildes, era os dez, e os vinte cruzados, que nas Villas grandes, e Cidades ricas, patava fempre o donativo de vinte mureis, e s vezes de quarenta. E depois de correrem affim o Reyno quafi todo pela pfta, achou-fe o fenhor Conde de Siganos no fim da jornada c o m mais de trs mil cruzados grangeados por efta arte, c o m que armou trs dotes para as trs filhas, c o m o fe foraq^res Condeflas: e elle ficou ta alfayate c o m o dfcntes, fem lograr de tantos furtos, mais
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mais que o pezar de os ver mal logrados nas unhai de feus genros, quefe bem o ajudaro, mal lho agradecero. E na diz mais a hiftoria. Quanto quarta: furtar o que vos ha de demandar , e fazer pagar, e m que vos pez, he a mayor tolice de todas, c o m o fe vio no que fuccedeo ao Carvalho na femana, e m que componho efte capitulo. Era guarda da Alfndega de Lisboa, e guardava as fazendas alheas muito b e m , porque as punha e m fua cata, como fe fora fus: foy der mandado poriTo $ e porque na deu boa raza de fi s partes, o puzera por portas repartido : pertendeo levantar cabea cufta alhea, e levantara-lha dos hombros fua cufta. Setecentos cafos pudera contar para apoyo deita tolice-, livro^ m e c o m h u m deite particular, e de todo efte ca* pitulo. E m Angola tinha ElRey nofo Senhor na ha muitos annos h u m Miniftro [ tomara-lhe muitos femelhantes ] que empregava os direitos Reaes e m eferavos, que mandava ao Brafil c o m direca, que fe vendeTem, efizeflemdo procedido caxas de acar para o R e y n o , e afim fe augmentaTe a fazenda de Sua Mageftade trs vezes ao galarim 5 mas o Miniftro, que repondia no Brafil, fazia feu negocio melhor que os alheos. Chegava h u m a partida dJtrinta, ou quaG s iv renta
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tenta negros, achava ferem mortos dous na viag e m , lanava nos livros doze defuntos, e tomava dez parafirefufcitados: era os que reftava mancebos, e b e m difpoftos: mandava vir do feu engenho dez, ou doze, que tinha velhos, ou etropeados, punha-os no numero delRey, e tirava outros tantos para fi moos, e de b o m recibo : e vendida a partida afim c o m o fuccedia, fazia o emprego da refulta nos acares tanto a feu m o d o , que fempre as perdas era Reaes, e os ganhos prprios. Havia olheiros zelofos, que via ifto, mas andava ta intimidados, que n e m boquejar fe atrevia , at que o tempo deA cobridor de mayores fegredos trazia tudo a luzj e para efeurecer efta , tinha o fobredito na Corte outros officiaes, a q u e m refpondia c o m os ganhos , e poriTo o defendia , e confervava, fzendo-fe as barbas c o m tabonetes de acar, a pezar, que ficava tida por mentira, e talvez c o m o tal caftigada. M a s c o m o a verdade traz comfigo a luz, por mais que a eclypfem, fempre fe manifefta: c provada efta , que Ter b o m que Te faa ao tal Miniftro ? Deixo iTo afeudono, que tem de cata a jutia, e lhe far pagar pela fazenda, e corpo o ncu&>, e o velho, para que na feja ta tolo, que iuide poder cobrir o C e o c o m huma
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h u m a joeira $ e que na taiba, o que jficadito por boca de h u m argans no capitulo 24. que q u e m a galinha delRey come magra, gorda a paga.
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CAPITULO
LXVL
Vos que furtao com unhas ridculas. Urtar para rir he muito mo modo de zombar ; porque ordinariamente fe converte o m o e m pranto, c o m o aconteceo e m Coimbra a h u m a corja de eludantes, porfinalque era graves, e b e m nafeidos. Dera n o galinheiro de Santa Cruz por galhofa, depois de cantarem os gaios, efizeratal defcante nas galinhas, perus, e ganosfemcompaflb, que metero tudo a taco, fem deixarem mais, que dous, ou trs gaios velidos de luto, arraftando capuzes de baeta, com o vivos. Queixou-fe o Procurador do Convento jutia, tirou-fe de vaca y e c o m o tinha contado e m banquetes, o que depennara, foy fcil apanhalos a todos; e choraro a^, penas, que merecia, e fe lhes perdoaro pj mifericordia, refpei-
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receitando fua authoridade, e nobreza. Mais ardiloos fe portaro outros tais na mema praa: foubera, que vinha do celebre Lorva, por oceafia de Natal, h u m a valente confoada para o Bifpo: feis mulheres a trazia e m outros tantos tabuleiros, fraca tropa, ainda que copiota, para ta alentados combatentes, que lhe cortaro o paflb, antes de chegarem Cidade -y e aliviando-as da carga , as fizera voltar de vafio, en-' chendo-fe de doces para a fefta, e carregando-fe de amargozes para a Quarema 5 ainda que tahi^ ra e m paz defta batalha, porque na dera c o m a lngua nos dentes, contentando-fe, c o m darem a feu talvo c o m os dentes na confoada. Chegou & femana Santa, mordeo-os a conciencia, c o m o co-* tuma , fizera petio ao Bipo, que os perdoaTe, fem fe afinarem nella : poz-lhes por det* pacho: Apparea os upplicantes, e perdoarIhes-hemos. E foy o meluo, que deixar-lhes a reftituia s coitas a cada h u m por inteiro, fe todos juntos a na fatisfizera y e afim ganharo mayor pena, que o rifo, que lograro. E m Villa Vicota conheci h u m Fidalgo, ha mais de vinte annos, no fervio da Real Cata de Bragana, o^mial tomou por matria de rifo calar todo oanno, fem pagar nenhum par de
obra aos apateiros, que viera a dar-lhe na trilha, levantando-fe s mayores c o m palavra, que correo entre todos, que nenhum fefialedelle, n e m lhe dl calado, fem lho pagar primeiro. Vendo-fe o Fidalgo pofto e m cerco, e que ningum lhe queria dar apatos fem o dinheiro na m a y m a n d o u ao m o o , que pediTe h u m f apato prova y e que fe lhe contentafle, mandaria bufcar o outro c o m o dinheiro de ambos. Ifo fim, diTe o official, h u m apato levar vofle, mas dous na os ver feu a m o , fem m e pr nefta banca o dinheiro. C o m o o Fidalgo teve h u m nas unhas, mandou o pagem a outro apateiro c o m o merno recado, e do memo m o d o ficou h u m apato delle, perfuadindo-fe, que mandaria bufcar o outro c o m o dinheiro, ou lho reftituiria, na lhefervindo.Vendo-fe afim c o m dous, calou-os, e foy-fe ao Pao rirfobrea hiftoriay e os officiaes ficaro bramindo a nova zombaria, fobre quefefizera boas Dcimas, e Sonetos. T a m b m para bons depachos tem boa preza eftas unhas , porque h u m a graceta , e dous chiftes m o v e m talvez h u m Miniftro, e tambm h u m Rey enfadado, mais que difcurfos frios. O ferio do governo vexa , e canta a rsureza , que aceita, e etlma o detafogo, quw traz comfigo alegria,
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alegria , e rifo 5 e q u e m tabe mover a efte corri boa tempera, e e m boa conjuno, faz b o m negocio : tal o fez h u m a D o n a e m Madrid com o C o n d e de Olivares^, e c o m o R e y , parafeusdef pachos, por confelho de h u m experimentado, que lhe notou a petio nefta forma e m trs
QUARTETOS. Soy Vona Ana Gavilanes, La de los hojos hundidos, Muger fiuy de trs maridos, T todos trs Capitanes. Murieron en Ia milcia, Sirviendo a Su Magefiad, ued yo de poa edad, T de muy poa codieia. Bebo tinto, y como afiado, Por achaques de dolencia, Suplico a Vuefira Excelncia Me perdone efie pecado.
Deu a mulher a petio ao Conde Duque, femtabero que levava nella : feftejou-a elle c o m o mereciay e W o u - a logo a ElRey, que rio infinito. E m a n d o u que a depachafl c o m mais d o que
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que pedia. Cortes ha, e m que mdra mais bu-: foens c o m fus graas, que homens fezudos com. grandesfervios.. Acabo efte capitulo, etodo o tratado, comh u m gafto notvel, que fe faz e m Lisboa, para m i m digno de lagrimas, e para a prudncia do m u n d o muito ridculo : e he, que ha nefta Corte h u m a cata, que chama Collegio dos Cathecumenos, o qual fundaro os Reys de Portugal, e o dotaro com ua grande piedade de baftante renda , para nelle fe agazalharem, e fuftentarem todos os infleis, afim M o u r o s , c o m o Judeos, ou Gentios, que vierem de qualquer parte do m u n do pedirem o Santo Bautifmo, atfereminduftriados nos Myfterios da F, e aprenderem todas as oraoens da Santa Doutrina : e he certo, que pata annos, fem haver nefte Collegio h u m f Cathecumeno y o qual tem feu Reytor, e ofriciaes, c o m o fe houvera nelle h u m grande meno de fugeitos. E he certifimo outroim, que o Reytor temfefentamil reis de renda , e que na paga catas, fem fazer mais, que dar-fe a S. Pedro, ouando lhe vem algum Cathecumeno, e chorar que. na tem , que lhe dar a comer , nem cama, e m ; que durma. O Ecriva defta fabrica,, tem/fetenta, mil reis de ordenado, e calas de .rinte e quatrW;
mil,
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mil, fem tomar a penna na m a e m todo o anno j mais que para palr as quitaoens dos recibos do feu etipendio. E o Medico tem doze mil reis, fem tomar o pulfo mais que ao dinheiro, quando o recebe : e o barbeiro tem quatro mil reis, fem fazer mais que h u m a fangria na bola delRey, quando os arrecada. E eftas ta as verdadeiras unhas ridculas: e a graa melhor de todas he, que o trabalho de todas eftas maquinas, que conlifte e m cathequizar, e bautizar os Neophitos, fica todo s coftas dos Padres da Companhia de S. R o q u e , fem terem poriTo pres, n e m precalos mais, que os do muito que merecem para c o m Deos, que lho pagar no outro mundo. Sa po-, rm muito dignas de lagrimas as unhas, que a eftas fe feguem , porque e m havendo Cathecume^ nos, ta tudo petioens a Sua Mageftade, que lhes mande dar efmolas para os fultenrar, e fe; na que perecem! Valha-me Jefu Chrifto, na fora melhor andar o principal diante do acceflbrio! O principal aqui he a educao, e enfino dos Ca- thecumenos, e o acceflbrio ta os Miniftros, que os fervem. Pois c o m o ha de haver no mundo, que o carro v diante dos boys! Q u e osfervostenha tudo *. neceflrio de fobejo, e os fervidos na tenha h u m bataruco, fe lho na derem de emo-
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efrnola ! Sou de aparecer, que frangat nucleum $ qui vult nucem. Q u e m quizer comer, depenney porque na fe pefca trutas a bragas enxutas. Quero dizer, quefeextinga os tais officios, fem ficar mais que h u m adminiftrador Ecclefiaftico c o m quarenta mil reis, que he baftante pora , ajudada c o m Tua Mita livre, e catas de graa, que tem no m e m o Collegio , e o mais, que pata de cento e cincoenta mil reis, que o logrefeulegitim o d o n o , que ta os Cathecumenos. E quando for neceflrio Medico , ou barbeiro , paguem-fe da mema pora por aquella fo vez, que veni a-fernada , porque pata annos, fem ferem necetarios tais Miniftros. Quanto mais, que b e m p o d e m patar , fem fazerem a barba tantas vezes. E eu a tenho feita baftantemente, a quantos ladroens ha nefte Reyno , e fe algum m e efcapou , perdoeme; porque na foy minha inteno deixallo fem crima : mas de ver, c o m o ardem as barbas defeusvifinhos, poder aprender para botar as fus de molho. Reftava agora cortar as unhas a todos, e tenho para ifo trs tifouras excellentes de ao fino: a primeirafechama Vigia: a fegunda Milicia : a terceira Vegredo. Direy de cada huma, duas palavras , e a todas as unhas tres^defenganos: e daremos fim a efta obra. CA-
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LXVIL
y
CAPITULO
chama fe :;
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Vigia.
B A l d a d o feria o trabalho, que tomey e m defcobrir tantos males da nota Republica,feos deixafle fem remdio : e o melhor, que ha para achaque de unhas,na ha duvida que he h u m a boa tifoura, que as corte: e porque muitas, as que aqui fe nos offerece, oftereo trs tifouras, que m e parece baftar para as cortar todas. Dig# pois que a primeira tifourafechama Vigia, porque he grande remdio para efcapar de ladroens, vi* giallos bem. Ladra vigiado he conhecido y e e m fe vendo defeuberto, encolhe as unhas. Efta vigia corre por conta dos Reys, que devem mandar sfuasjulias, que na durma : muito dormem as Julias de Lisboa , e ua imitao as de todo o Reyno. J na ha h u m a vara, que ronde de noite, n e m q u e m cace h u m milhafre e poriflo as unhas anda ta foltas. E porque os Reys , os a q u e m mais nefte m u n d o fe furta , porque tem mais de feu, ou porque na fe reguarda poriTo tanto,
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tanto c o m o os que tem menos , fejamelicito dar aqui h u m a palavra a ElRey nofo Senhor. Senhor, eu ofTereci efta obra a V . Mageftade, para ver nella os cannosf, por ondefedesbarata fua fazenda, e a defeusvaflallos: faame V Mageftade merc de a ver c o m ambos os olhos 5 porque fe os na tiver ambos abertos, n e m a capa: lhe efcapar nos hombros. Mais de mil olhos tinha Argos, fegundo conta os Poetas 4 e nem ifo bailou, para Mercrio lhe na furtar h u m a peita,. que trazia nelles, porque os fechou todos. D o u s olhos tem V Mageftade como duas Etrellas , e fe tivera dous mil, cada h u m c o m o o Sol, todos teria b e m que ver.pae que vigiar e m feu Imprio , ta grande na extenta , que fe mede c o m a do m u n d o - e ta alto, e foherano na grandeza , que fe levanta at o Ceo. Das mos dos Reys, difle Nata , que ta muito compridas 5 porque abarca feus Reynos, quando bem os governa: mais compridas confidero as de V Mageftade , porque chega 5 do Occidente, onde vive ao Oriente,v Norte, e Sul, onde Reyna, he temido. Tais lhe tomara a V Mageftade os olhos , e tais os tem, quando e m todas as partes do m u n d o . que domina , pem bons olheiros:.; e para eftesferemmelhores, defejavao muitos prudentes, queosilSuf-
Hh
trale
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trafle V Mageftade com os ttulos, e prerogativas, que fazem os homens mais illuftres e ficaria V Mageftade c o m ifo mais illuftrado, e o Teu Imprio mais bem vifto, e tudo mais venerado, mais amado , e temido. Efte lutre dos olhos, e olheiros de V. M a geftade, na fey feodiga, porque temo dizello fem fruto , ms fim direy, porque m e aflegura, que naferadebalde, por fer muito fcil, e de muito proveito, e nenhum cuto. Ponha V M a geftade quatro Vice-Reys da ua m a nas quatro partes do m u n d o : grandeza he, a que na chegou Alexandre, nem Monarca algum do Univerfo; porque nenhum teve, nerp tem'nas quatro partes do Orbe tanto, c o m o V M&geade poflue. N a Afia Vice-Rey temos y e pudramos ter nella trs: o de G o a , que governa a Perita, Arbia, Ethiopia, prayas de Cambava, e o M o g o r , com a parte da ndia , que corre at Moambique. O u tro e m Ceila do Cabo de Comorim para dentro, que governe o Reyno de Jafnapata, ilha de M a n a r , coita da Pefcaria, e Choromandel, com innumeraveis ilhas adjacentes, e Reynos circumvifinhos. Outro e m Malaca, ou M a c o , para Bengala , Peg, Arraca, Malucas , Japa, China ,
mi
na, Cochinchina, &x. E todos para muitos outros Reynos, e Imprios, que na cabem nefte rfeun h o , e Ter mais fcil velos no M a p p a , que piritalos aqui. N a frica podemos ter outro ViceRey e m Angola , na America, outro no Brafil, e outro e m Europa no Reyno do Algarve. Para grandes officios bufca-fc grandes fugeitos, e hum a , e outra grandeza os obriga: darem boa conta defi, e do que fe lhes entrega. Pama as N a oens , quando, vm que o Monarca de Epanha tem quatro y ou cinco Vice-Reys dous, ou trs na America ,n/e outros tantos e m Europa. M a s na frica, e Aia , nao lhe he pofive 5 porque na tem neflas duas partes domnio capaz de ta- grande governo. S V Mageftade o tem e m todas as quatro partes capacifimo , paralero mayor M o r narca de todos: e poriTo aflbmbrar, quefeleva muito deftas nomeadas , e a cortezia, que fe deve a eftes ttulos, mete venerao , terror, e obedincia at nos coraoens mais rebeldes. Sempre ouvi dizer, que o medo guarda T vinha 5 e os homens tanto tem de temidos, quanto de venerados. Venerados fe fazem os homens, a r quem V Mageftade entrega-'o cuidado de feus Imperiosrp com: os ttulos"j/e^poderes , qiie lhes ;r,r. x> . :&^rHhJiri^"r .JlT~ c o m u n s
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communica e quando eftestamayores, enta ta elles mais temidos: e fendo temidos1, e refoeitados gnarda, e vigia melhor afazenctade V Mageftade. Eftesta,osolhos, c o m que V Mageftade vencer aos Argos, e vencer aos linces. Onde ha muitos, fempre ha furtos 5 porque os ladroens ta e m toda a parte mais que muitos: ^e c o m o as couzas por^ muitas lhes v e m m a , as unhas nalhes perdoa; mas onde ha bons olheiros, na fe furta tanto. Seja efta a primeira tifoura, que aguarentar muitos furtos, ainda que na diminua muito os ladroensy porque os que o ta por natureza: Naturam expellunt furca. Mas para extinguir eftes, ou moderalios de todo, he de grande importncia a fegunda tifoura, que fe chama Milcia, de que j digo grandes pfetimos. LXVIII.
j4
CAPITULO
? .r
O B o c a l i n o nas fus Cortes do Parnafo, ou Parabcjlas de Apollo, diz que fe amotinaro as Republicas, do m u n d o contra Jpiter, por na 11 es
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lhes dar inftrumentos, c o m que pudeflm alimpar facilmente a terra, e o mar de ladroens; e que levaro porfeusprocuradores efta queixa a Apol]d,J para que lha refolvefle, e remediaTe. Acha-no dando audincia geral no monte Pindo , recebe-os benigno, e propuzera-lhe a Tua embaixada defta maneira : Senhor c o m o ha de haver no mundo,' que eftja os horteloens de melhor condio, que ns, no governo das uas hortas, e quintas ? Deulhes Deos inftrumentos para as mondarem y deulhes a enxada para arrancar as hortigas, e abrolhos ; deulhes a fouce para cortarem os ylvados, e todas as malzas-, -e s Republicas nenhum int rrumento deu acomodado, nem fe quer h u m ncin h o , para as podermos mondar ^ e alimpar de tantos ladroens, que nos deftroem, e de tantos males, que nos cauta fem remdio ! Indignoufe Apollo chamando-lhes brbaros! Pois na via a mayor providencia , que Deos tem das Republicas , que das hortas : porque fe s hortas deu a enxada, e a fouce, para as mondarem: s RepiP blicas deu o pfaro, o tambor, e_a trombeta, para as alimparem. Tocay caixas , aliftay todos efes, de que vos queixais, ponde-lhe h u m pique s coftas, manday-os guerra , ' l atajar , ou acabar fervindo a feu Rey , e ptria, eficaraa
H h iii
vofi
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voTa Republica livre deita praga. E vedes ahi z melhor fouce que h a , ea melhor enxada, para-. ntondar, e cultivar as Republicas do mundo. DiTe Apollo, e-difle bem. n L O m e T m o digo aos Procuradores, e Governadores da noTa Republica, quefequeixa de haver nella tantos ladroens, que na os podem extinguir : toquem caixa , toquem pfaro, e trombeta 5 aliftem-nos todos para os exrcitos das fronteiras, para as armadas das Conquiftas , empreguem fus unhas, e garras em^ofos inimigos, e ficaro livres de uas invafocns notas fazendas. Efta he a melhor tifoura, que h a , para cortar todas as unhas. N a feyfenota os Crticos, o que tenho notado de dez, ou doze annos a efta parte, que tantos h a , que andamos e m guerra viva com nofs inimigos 5 afim por m a r , c o m o por terra. N o t o que antes difto, na nos podamos ver livres de ladroens por eftas etradas de todo o Reyno, n e m podamos dar paflb, fem que nos talteafem pelas charnecas , na Te fazia feira, e m que na fizeTem mil ataltos, n e m havia jutia, que bafi taTe, para nos livrar defta praga, a qual ceifou de todo c o m as guerras, e j na vemos no interior do Reyno. ladroens e m quadrilhas, c o m o anda va dantes \- e he, porque lhes d m o s , que fizer
zer rias fronteiras, lfecva nas pilhagens do ni^ migo, c o m que nos deixa. / . ; . ' , N e m m e diga , que q u e m ms manhas h, tarde, ou nunca as perder, e que ainda tazem das uas, agora melhor $t. porque anda armados, e a titulo defervirema ElRey,fefazem izentos, e indomveis , porque a ifto fereponde, que na ha-, ver tal, fe andarem bem difciplinados. Sa as re^ gras da milcia muito ajuftadas c o m o b e m publico; efe os Cabos [que fempre ta homens efcolhidos] asfizeremguardar, c o m o tem de obrigao, tamb m os foldados fazem a fua, de andarem comportas , ou por medo , ou por primor. N a fey, que tem o andarem os homens aliftados, e c o m uperiores contnuos fobre fus acoens, que lhes toma ,cada hora conta deltas, para lhes darem o galardo b o m . ou m o , fegundo o merecem: que nenhum fe atreve a lanar o p alem da m a , antes lhesferveafim o prmio, c o m o o caftigo de contnuoseftimulos,* para ferem bons, e"tratarem da honray eaugmentos louvveis, que por"" armas fe alcana. 1 Efta he a fegunda tifoura, que ofTereo, para cortar de todo as unhas aos ladroens, que nos inquieta. E fe efta ainda na baftacpara alimpar d e todo a nofta Republica , e Rejffto, porque ha H h iv nelle
nelle muitos incapazes da milcia, quaestaSicranos , e outros, quefeparecem c o m elles nas obras e'fe livra da guerra por vrios princpios, que fe deixa xonhecer, e na aponto ? temos. outra tifoura muito eficaz para os extinguii no Reyno, fem que efcapem , aflim haja q u e m a mene. Efta fe chama Vegredo, do qual fe conta, e eferevem grandes xcellencas , e eu direy f., as que fazem para o noflb intento no capitulo, que,fefegue: e nefte na digo mais da Milcia $ porque tudo, o que deliafepode diputar, fica apontado nos captulos 20. 2.1. e 22. das unhas militares.
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C A P~ I T U L o LXIX.
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Tifoura terceira chamada Degredo. Uas couzas ha, que facilita muito os ladroens a furtar, h u m a he, o quefobejanelles, e a outra, o que falta e m ns: e parece que havia defers aveas $ porque na verdade o que falta nelles, efobejae m ns, he o que os move a ferem ladro/ns, para proverem as fus faltas c o m os noflbsfobejffs.C o n ) tudo iTo na he afim, fe na
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*V
n quefobejanelles cobia para nos roubarem," e falta e m ns jutia para os emendarmos: b e m eft, afim he^ mas tomara taber, de donde vem pbejar nelles a cobia , e faltar e m ns a jutia? E u o direy, a q u e m eliver attento hiftoria, ou parbola, que fe fegue. Duas Donas principaes, e fenhoras muito conhecidas nefta Corte, viera s gadelhas fobre pouco mais de nada, efizerah u m a briga muito arrifcada no terreiro do Pao y h u m a fe chamava D o n a Juftia , e a outra D o n a Cobia. A fenhora D o n a Cobia, na fey fe por mais m o a , fepor menos fofrida, deu h u m a punhada e m h u m olho Juftia, ta grande, que lho lanou fora, e dando-a por morta, tratou de fe nor e m cobro. Acolheo-fe para o Pao, que lhe ficava perto, mas logo lhe diflerafeusamigos [ que l na lhe falta ] que viTe onde fe metia, que na lhe havia de valer o couto y porque qualquer das Pefoas Reaes, que a encontrafle , a havia de mandar pr na forca, afim porferhomicida , e ladra, como' por fer Cobia, que nafepermitte no Pao. D e u comfigo no Corpo Santo, cuidando de achar guar rida na companhia geral da Bola 5 mas logo a avitara , que fe arrifcava a fazerem^ftanque delia para o Brafil,alem de que poderitahir nas unhas
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dos
dos Parlamentados, ou Hollandezes, fe para M fofl, que lhe daria m o trato, c o m o da a tudo.i D u c o m figo na rua N o v a , para fe econder por etas loges dos mercadores, que todastaefeuras, e fem janellas, para na vermos o que nos vendem. M a s temendo que a vendeflem por bayeta, deita que compra o a feis vintns, para a encaixarem a feis toftoens, paflbu de" corrida para a rua dos Ourives y e na fez ahi muita detena, porque vio que mal e podia encobrir, onde tudo fe pem a porta. Acolhamonos a tagrado, difl ella por ultimo remdio j mas e m nenhuma Igreja a quizera recolher, por fer vedado nos Sagrados Cnones aos Ecclefiafticos todo o trato de cobia. Tratou defehomiziar e m algum Mofteiro, mas todos lhes fecharo as portas, os Religiofos, porque nao lhes inquietafle as communidades c o m ambioensy e as Freiras, porque na podia profetar entre ellas , porfercazada c o m h u m mulato, quefecham a Interele. Por fim de contas fe recolheo no ^^Calello , onde aturou pouco , porque na fe d i l meta , n e m cama aos hofpedes y e fez poriTo tais revoltas, que a degradaro para as fronteiras, onde na podendo aturar o pa de munio , porque he nutkQ/ m i m o z a , deu e m ladra c o m tanto c ctaforo, qutoubava a olhos viftos at os pagamentos
'-
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mentos dos foldados, e deftrua a fazenda dei* Rey por mil modos, que na fe podem contar: e temendo, que a enforcaflem os Generais poriflb, porque he ponto, que fe na deve perdoar, paflbu para Caftella , caftigando-fe afimefma c o m de- * gredo voluntrio : e porque fugio fem palporte, na fe atreveo a voltar y e l fe fez natural c o m tanta audcia , e QXCQO , que e m breve temp o aflblou toda ETpanha c o m tributos para engordar , porque hia muito magra deite Reyno. Enxergara-fe e m Caftella os damnos da Cobia 9* na f nos vafTallos deftrudos c o m as fazendas quintadas, e fintas, que lhes poz at no fumo, quefevay por efles ares $ mas tambm na cabea d o Rey tirandolhe delia Coroas, e^cmebrandolhe Sceptros Tua vifta. Para fe repararerh de ta grandes damnos, dera c o m a cau delles no m u n d o N o v o , onde fez, tal etrago, que f na Ilha de C u b a , que tem quinhentas legoas de comprido , e duzentasde largo , matou mais de doze milhes de ndios, para fe encher de ouro, O que fez' no Peru, no Mxico, e Flrida, na he para fe referir : dos braos dasmys tirava as crianas, e feitas e m quartos as dava a caens, c o m que andava caa. Queimava vivos os Caeizes mais opulentos, esfolava Reys, degolava imperadores, para
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para mais a feu talvo devorar ferras de prata ,*,e montes de ouro, que mandava a Epanha,i:para fazer guerra, a toda Europa, frica, eAfia. ^Revolto afim o m u n d o todo, epofto emrifeosde l perder por efta fera , tratou-fe do remdio, t refolveo-fe c o m maduro conielho, que f a juftia direita lho podia dar y mas efta eftava torta c o m h u m olho m e n o s , -que lhe tirou a Cobia. Puzera-lhe h u m olho de prata., para a fazerem direitay e dahi lhe veyo trazer fempre a prata nos olhos, e o olho na prata, c o m que ficou mais tor^ ta : f n o C e o fe achava nefte tempo juftia direb ta : tem-e pedido a Deos por muitas vias , que a mande terra , eepera-fe que venha cedo, e h diflb j grandes pernuncios: e c o m o ella vier, e degradar a Cobia para o inferno , ficar tudo
quieto.
Nafeyfem e tenho declarado ? Quero dizer,' que a Cobia he m y de todos os ladroens, e que a juftiafelhe acanha, quando na he direita. HajaJ q u e m caligue tudo c o m o ultimo degredo, e ficaremos livres de ta ms peites. E efta fera a m e lhor tifoura , que cortar de todo as unhas a tantas haipias, c o m o por todas as partes noscerca. Dir algum , q u ^ a melhor tifoura de todas he a forca; N a a tenho ^por tal, porque aqui tratamos de emen-
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emendar, e ha de extinguir o m u n d o y alem de que na haver forcas, que bailem para ta grande pindura. Por mais capaz de tanta gente tenho o degredo, coma-fe l embora huns aos outros, ifo memo. lhefervir de caftigo, e ficaremosjivres delles, at que fe melhorem , que he o que fe pertende , e os que fe melhorarem, tornem a nos ajudar c o m feu exemplo. As razoens, que m e m o v e m para na admittir, que fe dem facilmente caftigos de morte,ficaapontados no cap. 45?. das unhas apretadas, do meyo por diante .Ew Roma havia.
*& >L' SL' "sU" -m^ -mL' mA^ mAf mAs mX/ mAx ml* mAs mA^ mis mis mAs mAf mA^ mAs mAs m^ mAy mAf rnA^ mA^ mA^ mAs Jy mAf mjs mAf .X^ ^ ^> ^m ^m > ^ jfm ^m ^< >^v >^. ^m ^m ^m >^S >^* ^fm ^m ^< ^. y^m ^m ?*. Sfm ^m Jy* >JV y ^ Mm JZ&. ^m ^m
C A P I T U L O
EXX.
Defengano geral a todas as unhas. : Ais unhas ha , mas as que temos vifto nefte tratado, bafta para as conhecermos tor das , e para. entendermos, qua perniciozas, e detarrefoadas ta. Ab unguibus leo, diz o provrbio , pelas unhasfeconhece o lea, e pelas memas fe conhece o ladro. Conhecidos afim b e m todos os ladroens, fus unhas, eartes, boas trs tifouras
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ras vos dey, para lhas cortardes todas. E'fe efla-y na bailarem por poucas para tantas unhas, ou na vos contentarem por aperas, porque nem toda afpereza ferve para medicamento, tenho trs ^dejnganos efficacifimos para as emendar uavemente , fazendo-lhes entender, e abraar a verdade , que he o melhor m o d o , que ha de correi** a. Afim he: e he impofivel na repudiar a vontade, o que o entendimento lhe moftra nocivo. Peo a todos, os que virem efte tratado, que lea c o m attena eftes trs pontos. f ? VESENGANO PRI MEIRO.
A Cobia de riquezas he como o fogo, que nunca diz , bafia. Quanto mais pafto dam o s ao fogo , tanto mais fe acende, e mais fome moftra de mais pafto, accrefeentando-a c o m aquillo, que a pudera fartar, e extinguir. Tal he a cobia, e fome, que os homens tem de riquezas: Crefi amor nummi , quantum ipfia pecunia ayfici Dile l o outro, que crefce a cobia ao compaflb das riquezas, augmentando a fome deltas com a pofle , que f a podertatisfazer.E he o primeiro defengano, que damos a todas as unhas y que fe furtao par"artar fua cobia, e fome, que tem de
de riquezas, defenganem-fe, que trabalha debalde , porque mayor a ha de ter, quando mais fe encherem, emayores montes a juntarem y por-* que he hydropefia, que quanto mais k b e , tanto mayor fede tem. Efquadrinhando eu a cauta deite appctite in-1 taciavel, acho que na procede de fome, nias> que nafce detaftio,cautado do enjo, que a todas as couzas d o m u n d o he natural cautallo , pela corrupo, que tem de cata. E dahi v e m ' que enfaliados do que pofumos, fupiramos por mais, cuidando, que no que de novo vier, acharemos algumatatisaao:e nao he afim , quando Ia vou y porque tudo he do meino lote, e jaez e-em nada ha atatisfaao, que bufemos: e por1I0 digo, que fe defenganem todas as unhas, q U cano, e trabalha debalde , andando caa do que nunca lhes ha detatisfazera fede que as pica. Ora dmos-lhe, que nao feja afim, o que aflim he, que nao achaftes fatio e m nada mas que lograftes muita doura e m tudo, quanto votas unhas adquiriao , e que a vofo bello prazer com muito agradofoftesgoftando de tudo y e taboreando-vos e m cada couza : day-me licena, g - difcorrermos por todas, e vereis mais ctaro ainda odeengano. VE~
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DESENGANO SEGUNDO. ,
* "
V E n h a aqui todos os ladroens do mundo,; tenha cada h u m tantas mos c o m o o Bria-, *cfjx,. Centimano , e e m cada m a outras tantas: unhas: na fique unha., que aqui na venha a efte exame : pequem , cacem, empolguem, e pilhem tudo quanto quizerem , ouro, prata, pe-* rolas, joyas de pedraria mais preciota, officios,, benefcios, comendas, mrgados, ttulos, hon- ras, grandezas at na mais , e vamos por ordem, difcutindo tudo. Nafceftes nefte m u n d o nu [ que afim nafcem todos ] abrites os olhos, e vites, que c o m as riquezas medra os poderofos , defejaftes logo fer h u m delles, e trataftes de ajuntar as riquezas, cnTque os poderofos incha. Eperay: na furteis para as haverdes, eu vo-las dou todas -, porque f tratamos aqui por hora fazer a experincia , que vc>u difcurando , para cairdes no defengano , que trato de vos intimar : efeas tendes. j, porque as adquiriftes fervindo , chatinando, e roubando , que tudo vem a fer o m e m o : Dizeime arora, fe vostaltamais alguma couza, de-. pois de vos verdes c o m grande cabedal, que he o que pcrtendeis ? Pertendo, refponde muito fezud o , h u m a gineta de Capito mor, para ter que mandar ,
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dar, efertemido, e repeitado de todos, e m e recer fervindo a Sua Mageftade, que m e faa mayores mercs. Se o na haveis mais, que porCiF m a gineta, dou-vos h u m bafta , e dou-vos, que ferviftes j c o m gineta, e bafta, at vos enfdardes, e praza a Deos na vos enfadeis mais cecfa do que convm. A o depois defla Capitania, e Generalato, tomara taber, o quefevsfeguepara appetecer? Segue-fe h u m a C o m e n d a famota, para ter renda, que gaitar, e c o m que viver na Corte, livre dos perigos da guerra, e das baixas da eharinaria. Se o na haveis por mais, dou-vos, duas Comendas, e quefejaembora as mais groftas do Mftrado de Chriftoy e fao-vos Fidalgo nos livros delRey , para que c o m pnra,... e proveito fiqueis maistatisfeito.A o ^ ^ b i s de tanta comenda, e fidalguia, tomara taber, que he o que refta a v m . H u m titulo de Conde para m a yor credito m e u , e lutre de minha gerao. Titulo de Conde ? C o m pouco fe contenta v. m . fenhor Comendador; eu lho dou logo de Marquez : e diga-me por vida ua, fenhor M a r q u s , diga-me Yota Senhoria, ou Vota Excelencia [que j fe na contenta c o m Senhoria] ao depois deite titulo , que he o que fe lhefegue? Se gue-fe patar. h u m a velhice muito defciicada, e li lutrota.
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lulrota. E m b o r a , feja afim, ainda que lho pudera negar $ porque nefte m u n d o na ha velhice defcnada, n e m lulrota : SeneUus ipfa efi morhus. A mema velhice e m fi he doena cheya de mil detalinhos. Eta velhice ha de ter o fim: e ao depois delia tomara taber, que he o quefefegue a Vota Excellencia , m e u fenhor Marquez ? Seguirfeme-ha h u m a morte muito b e m aflbmbrada>; porque farey h u m teftamento cheyo de mandas para meus parentes, e que m e faa humas Exquias, e m que fe gaitem duzentos mil reis, e dous trintarios de Mitas pela minha alma: Et requiefcat in pace 5 que reprefentey m e u dito. B e m eft , mas ainda na tem dito tudo Vota Excellencia. Demaneyra m e u fenhor, que deixa quinhentos cruzados^aTa Exquias, e trinta toftoens para Mitas! Pois eu tomara-lhe antes os quinhentos e m Mitas, e os trinta e m Exquias. E as mandas, que deixa a feus parentes, q u e m lhe dile, que naferiademandas ? E a morte b e m aflbmbrada, que fe promette, q u e m lhe pafou carta de feguro para ella \ N a tabe que os velhos, quafi todos, morrem tontos, e que toda a morte no m u n d o fempre foy muito fea, e mal afombrada ? M a s dou-lhe que a teve afim c o m o a pinta, muito formota, contra o que nos moftra feus retratos 5 e dou-
edou-lhe, que lhe fizera feus parentes as Exquias , ainda mais mageftotas. A o depois detu^Q ifo, que he o que fe lhe fegue? Q u e he o*qi refta? N a m e refponde ? Encolhe os hombros ? Diz que natabe? Pois efte ponto, e efte ao dej pois, tomara eu, que o trouxera eludado U f P de o primeiro defpacho da gineta, e dede o primeiro dia, e m que entrou nu nefte m u n d o , para prova, de que afim havia detahirdelle, fem levar nada de quanto ajuntou na vida : e fe o nao tabe, porque nunca cuidou nifo, eu lho direy, eleja-me attento. : Ao depois da morte, e das Exquias, feguefe hir para baixo, ou para cima , voar para o C e o , ou decer para o Inferno. Q u e m fervio o -mundo, e fe carregou doalheo^ *BE pezo mefm o o leva para o profundo: Q u e m fugio do m u n do , e deprezou tudo ifo,ficaligeiro para voar ao Ceo. E efte he o ponto mais eflencial, e a mxima do noflb fer, qdevemos trazer fempre diante dos olhos, para defengano, de que tudo difpara em nada: e defle nada reulta h u m muito,^cyue ta eternas penas, as quaes cambiadas c o m o gofto, que lograftes, ou compraftes, necetariamente vos haveis de achar enganado, e m muito mais da ametade do jufto preo. Epara que na
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duvi-
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duvideis difto, ouvi a S. Paulo : RaptoresRegnum Ttnon pojfidebunt. Q u e a ladroens na fe deve gloria, fena penas. M a s direis, o que j diTe n u m Grande de Caftella e m Madrid : Efio debln'erno parece-me patranha 5 y lo dei Limbo ninheria $ que lo dei Purgatrio no ay duda, que es invencion de Clrigos y y Frayles, parafiacardineros por Mifsas. N a fey, c o m o na dile t a m b m , que na havia gloria, n e m C e o ! M a s temeo, que lho m o f traflem c o m o dedo at os cegos: e na diria mais h u m orate, n e m Machavelo, n e m Mafom a . E j que vos pondes e m termos ta alcantilados, que v e m a fer, que na ha mais que efte m u n d o , eftendey os olhos por todo elle, e achareis que tudo Jae corruptvel. Confideray, os que mayores beilS^ e glorias lograro, Salamoens, Alexandres, Crefos, Midas, Cetares, Pompos , n e m delles, n e m de Tuas riquezas, e mandos, achareis rafto, mais que alguns rafeunhos de memrias confutas, que fora, que acabaro , que diTera Teu dito no theatro deite m u n d o . E fe 6is"ta Atheo, que nada difto vos m o v e para crer, que ha. outro m u n d o melhor, e que fe na deve fazer cafo deite, confeflb que efte defengano para Chriftos o dava, que o devem crer, mas para Atheos fera o defengano ultimo , que fe fegue.
VESEK-
DESENGANO
TERCEIRO."
SUpponho que na fallo com animais bri^Ay mas c o m homens racionais, quefeenteii-; d e m ; mas quefejaAtheos, que na crm que ha D e o s , n e m outra vida. Tratando fc^te ta : dou-vos, que vos fez voa fortuna, affim c o m o vs quizeftes, nobre,ta, valente, gentilhomem , e que adquiriftes por votas artes, e induftria tudo, quanto o m u n d o a m a , e etima, e e m que p e m Tua gloria. T u d o vem aferriquezas, honra , e goftos-, e nada mais ha nefte m u n d o , n e m elle tem mais que lhe potais roubar. Senhor eftais de tudo: Dizey-me agora , quaestaas voftas riquezas ? Sa thefouros de ouro, prata, joyas, peitas, enxovais, propriedade^rendas, & c . Se dais, ou goftais ifto, c o m o mundano , fois prdigo:feo guardais c o m o efcaflb ,foisavarento 5 e ambas as couzastavicio. Efetendes entendimento , c o m o fuppomos,foisobrigado a crer, que e m vicios na pode haver gloria , n e m def cano-, afim o alcanaro , e efcrevera a&ey)s mayores idolatras do mundo. Pelo m e y o da p n > digalidade , e avareza , corre a liberalidde, que clifpende , e guarda c o m a moderao devida, eporiTo he virtude 5 e porque o he , na atina
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com
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com ella, quem ferve o mundo, que traz apregoada guerra c o m as virtudes. E vedes aqui, como raSriquezas na pode haver para vs a bemaventurana , que vs fingis. * Quaes ta as votas honras ? Sa ttulos, que HNarfazem repeitado 5 apparatos de criados, e veftidos, que vos fazem venerado ta officios, que vos da poder para fopear , e ficar Tuperior a todos: e Te b e m confiderardes tudo, nada difo tendes de vs ; tudo vos vem dos outros, que volo podem tirar c o m vos negar huma cortezia. B e m fraca he a honra, que depende de hum a barretada y de pouca eflima devefero titulo, quefeperde c o m h u m delido, os apparatos, que fe desfazem c o m h u m a aufencia; e as fuperioridades, quefefrnalograc o m h u m a defobediencia dos ubditos:" e tudo, o que chamais honra, vem aferh u m vidro, que c o m a liviandade de h u m a m u lher fe quebra, e c o m o defeonceito de qualquer de vota famlia fe tolda , c o m o o epelho c o m h u m bafo. E fe b e m apertardes a honra bufcando-a.em vs m e m o , na a haveis de achar, porque toda he de q u e m a d, efe vola negar, ficais fem ella: e at a que chamais de tangue, na confite 110 vofo, fena e m voflos antepaflados, e e m feus brazoens, que vem a fer pcrgaminhos velhos
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velhos rodos de ratos, folhagens, e fingimentos mal averiguados. E vedes ahi c o m o na pode haver bemaventurana e m honras y porcjue a bcaia^ venturana verdadeira deve fer eftavel > e as honras ta mais mudaveis, que as grinpas. Os deleites nefta vida nos cinco fentiddFS cifra todos: e os da vifta c o m fer dosfentidoso mais nobre, ta de qualidade, que a noite os roubaj e niflb que vemo de dia, ainda que nos alegre , vemos, que ha mais defeitos para aborrecer, que perfeioens para etimar, e at nas mefinas perfeioens vemos, que na ta de dura, que f murcha c o m o rotas, que fe extinguem c o m o luzes, e que fogem c o m o auroras : e vem a fer tudo h u m cryftaf de furta cores, que^ a h u m virar de olhos detapparece tudo. O s goftos^do ouvido ta muficas, e lifonjas: lifonjas, que mentem, e engana y muficas, que e c o m p e m de vozes, as vozes do ar, o ar fugeito aos ventos, porque tudo nefta vida v e m a diparar e m vento. O s o cheiro nafcem de fumos, e vapores, que e m fi mernosfeexhala, e extena , at fe conTuffif* rem: que couza mais corruptvel, que o fumo^ que couza menos durvel, que o vapor tnue ? O s do gofto ta douras, e tabores de manjares, e licores: fe os tomais c o m demazia, mata-vos y
fe
fe vos abftendes delles, j os na lograis, e fe.os utais c o m moderao , continuados enfaftia, enlatados cauta fome, e deixados ta como fe na foTem, pira defengano, que por todas a ferias, na fe acha gofto nos mernos goftos defta vid a / O s do ta&o, que confifteni na brandura, no caro, e afapo , c o m que afenfualidadelifonga a natureza, q u e m os logra confeta, quetam o mentneos e ainda que fuccefivos, de tal maneira fe alterna , que ta mais as dores, que as fuavidades, que de feu trato, quando he immoderado, refulta. E e m conclna todos os deleites dos ntidos rendem vatalagem ao fomno, que os fepulta : O fomno imagem da morte he fenhor de todos os gojos, para os ter cativos, e fepultados: e que$ & tal fenhor fe fugeita, b e m certo h e , que nada tem de bemaventurana, nem d dita. Iftohe, o que pata nefta Babylonia do m u n d o , -onde tudo ta confufoens, e labyrintos. Deftastacoao m u n d o , para viverdes nelle abaftado, tis&ito , e e m nada achates atatisfaa plenria , que bufcaveis: .feguiftes fus leys, que vos enfinaM a pertender , bufcar , e etimar, o que elle eftima 5 e achates e m tudo vaidadesfemfirmeza , amargozes fem doura, inferno fem bemaventu-
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^enturana., :Que?refta logo V* Cuidarmos, qhe toda a gloria he c o m o efta, e que na ha outra ; fera engano, que ate ao lume natural rpugnj porque a grandeza, contancia, eformofura do Ceo nos teftemunha, e afegura, que ha outrai couza melhor, que ifto que c vemos, e que ha bemaventurana olida, e verdadeira. A efta na he pofivel, que fe v pelo caminho , que fegue o m u n d o , pois vemos, que nos leva ao contrario. -Outraley, e regra ha de haver necetariamentes que nos guie com verdade, e leve ao defeano firm e , e que nos ponha na gloria, que na padece eclypfes. Efta'h a Ley Divina, que fe reduz a dous preceitos, que ta , amar a Deos fobre todas as couzas, e ao prximo, c o m o a ti memo. Q u e m ama a Deos, na trata no m u n d o ,7porqe lhe he oppofto; quem ama ao prximo, na o offend e : dar a cada h u m o quefiefeu,he h u m ponto, e m que tudofecifra , a Deos a gloria, e ao prximo o que lhe pertence. E quem chegar a efta felicidade, lograr a mayor bemaventurana., ainda nefta vida, e livrarfe-ha dos infernos cme m u n d o 5 que infernos vem a fer todas fus couzas nas penas, moleftias, e tribulaoens, que cauta , at' quando fe goza y e poriTo conTniuita propriedade, e raza lhes chamou Chrifto epinhos. Q u e m quizer vivei fem eftes, viva fem o
^/J)
alheo3
alheo, trate f do "que lhe'pertence^ e converter-lhe-La eftavida e m gloria, e achar no mutil o Paraifo : e bemfeprova , porquefeo na ha, e m quem fegue as leys do m u n d o , hayello-ha neeftariamente, e m q u e mfeguira ley contraria, que e a de Chrifto, a qual fe refolve naquella fentena ua: Reddite ergo, qua funt Cafaris Cafari, ejy qua funt Vei Veo. Q u e demos a cada h u m o que hefeu5 a Deos a honra, e ao prximo o que lhe convm. Dondefefegue, que quem na tomar o alheo fera bemaventurado.
J \
CONCLUSAM
FINAL,
e remate do defengano verdadeiro. TEve-fum Religiofo tanto> huma vita, em que lhe appareceo h u m a matrona muito formo com h u m a tocha aceza e m huma ma,, e h u m a quarta de gua na outra. Perguntou-lhe o fervo deDeos, quem era ? Repondeo : Sou a Ley de Chrifto./ E que tem que ver c o m a Ley de hrifto efles dous elementos fogo, e gua, que trazeis nas mos? C o m efte fogo trato de abrazar o Ceo at o desfazer , e com eta gua quero apagar o Inferno at b aniquilar: e depois de na haver Ceo , que efperc, n e m Inferno, que tema, ainda hey de guardar a Ley de Chrifto ^ porque f com
(frises
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