Fichamento Cultura: Um Conceito Antropológico - Roque Laraia
Fichamento Cultura: Um Conceito Antropológico - Roque Laraia
Fichamento Cultura: Um Conceito Antropológico - Roque Laraia
Caps. 1 ao 4
O Determinismo biolgico
No estado atual de nossos conhecimentos, no foi ainda provada a validade da
tese segundo a qual os grupos humanos diferem uns dos outros pelos traos
psicologicamente inatos, quer se trate de inteligncia ou temperamento. As
pesquisas cientficas revelam que o nvel das aptides mentais quase o
mesmo em todos os grupos tnicos. (p.10)
A espcie humana se diferencia anatmica e fisiologicamente atravs do
dimorfismo sexual, mas falso que as diferenas de comportamento existentes
entre pessoas de sexos diferentes sejam determinadas biologicamente. A
antropologia tem demonstrado que muitas atividades atribudas s mulheres
em uma cultura podem ser atribudas aos homens em outra. (p.10)
A verificao de qualquer sistema de diviso sexual do trabalho mostra que ele
determinado culturalmente e no em funo de uma racionalidade biolgica.
O transporte de gua para a aldeia uma atividade feminina no Xingu (como
nas favelas cariocas). Carregar cerca de vinte litros de gua sobre a cabea
implica, na verdade, um esforo fsico considervel, muito maior do que o
necessrio para o manejo de um arco, arma de uso exclusivo dos homens. At
muito pouco tempo, a carreira diplomtica, o quadro de funcionrios do Banco
do Brasil, entre outros exemplos, eram atividades exclusivamente masculinas.
O exrcito de Israel demonstrou que a sua eficincia blica continua intacta,
mesmo depois da macia admisso de mulheres soldados. (p.10)
Mesmo as diferenas determinadas pelo aparelho reprodutor humano
determinam diferentes manifestaes culturais. Margareth Mead (1971) mostra
que at a amamentao pode ser transferida a um marido moderno por meio
da mamadeira. E os nossos ndios Tupi mostram que o marido pode ser o
protagonista mais importante do parto. ele que se recolhe rede, e no a
mulher, e faz o resguardo considerado importante para a sua sade e a do
recm-nascido. (p.10)
que vinha crescendo na mente humana. A ideia de cultura, com efeito, estava
ganhando consistncia talvez mesmo antes de John Locke (1632-1704) que,
em1690, ao escrever Ensaio acerca do entendimento humano, procurou
demonstrar que a mente humana no mais do que uma caixa vazia por
ocasio do nascimento, dotada apenas da capacidade ilimitada de obter
conhecimento, atravs de um processo que hoje chamamos de endo
culturao. Locke refutou fortemente as ideias correntes na poca (e que ainda
se manifestam at hoje) de princpios ou verdades inatas impressos
hereditariamente na mente humana, ao mesmo tempo em que ensaiou os
primeiros passos do relativismo cultural ao afirmar que os homens tm
princpios prticos opostos: "Quem investigar cuidadosamente a histria da
humanidade, examinar por toda a parte as vrias tribos de homens e com
indiferena observar as suas aes, ser capaz de convencer-se de que
raramente h princpios de moralidade para serem designados, ou regra de
virtude para ser considerada... que no seja, em alguma parte ou outra,
menosprezado e condenado pela moda geral de todas as sociedades de
homens, governadas por opinies prticas e regras de condutas bem contrrias
umas s outras." (p.14/15)
Mais de um sculo transcorrido desde a definio de Tylor, era de se esperar
que existisse hoje um razovel acordo entre os antroplogos a respeito do
conceito. Tal expectativa seria coerente com o otimismo de Kroeber que, em
1950, escreveu que "a maior realizao da Antropologia na primeira metade do
sculo XX foi a ampliao e a clarificao do conceito de cultura"
("Anthropology", in Scientific American, 183). Mas, na verdade, as centenas de
definies formuladas aps Tylor serviram mais para estabelecer uma confuso
do que ampliar os limites do conceito. Tanto que, em 1973, Geertz escreveu
que o tema mais importante da moderna teoria antropolgica era o de "diminuir
a amplitude do conceito e transform-lo num instrumento mais especializado e
mais poderoso teoricamente". (p.15)
3. O desenvolvimento do conceito de cultura
A primeira definio de cultura que foi formulada do ponto de vista
antropolgico, como vimos, pertence a Edward Tylor, no primeiro pargrafo de
seu livro Primitive Culture (1871). Tylor procurou, alm disto, demonstrar que
cultura pode ser objeto de um estudo sistemtico, pois trata-se de um
fenmeno natural que possui causas e regularidades, permitindo um estudo
objetivo e uma anlise capazes ele proporcionar a formulao de leis sobre o
processo cultural e a evoluo. (p.17)
Mais do que preocupado com a diversidade cultural, Tylor a seu modo
preocupa-se coma igualdade existente na humanidade. A diversidade
explicada por ele como o resultado da desigualdade de estgios existentes no
processo de evoluo. Assim, uma das tarefas da antropologia seria a de
"estabelecer, grosso modo, uma escala de civilizao", simplesmente
colocando as naes europeias em um dos extremos da srie e em outro as
tribos selvagens, dispondo o resto da humanidade entre dois limites. Mercier
mostra que Tylor pensava as "instituies humanas to distintamente
estratificadas quanto a terra sobre a qual o homem vive. Elas se sucedem em
sries substancialmente uniformes por todo o globo, independentemente de
raa e linguagem diferenas essas que so comparativamente superficiais
, mas moduladas por uma natureza humana semelhante, atuando atravs
das condies sucessivamente mutveis da vida selvagem, brbara e
civilizada". (p.18)
Para entender Tylor, necessrio compreender a poca em que viveu e
consequentemente o seu background intelectual. O seu livro foi produzido nos
anos em que a Europa sofria o impacto da Origem das espcies, de Charles
Darwin, e que a nascente antropologia foi dominada pela estreita perspectiva
do evolucionismo unilinear. (p.18)
A principal reao ao evolucionismo, ento denominado mtodo comparativo,
inicia-se com Franz Boas (1858-1949), nascido em Westflia (Alemanha) e
inicialmente um estudante de fsica e geografia em Heidelberg e Bonn. Uma
expedio geogrfica a Baffin Land (1883-1884), que o colocou em contato
com os esquims, mudou o curso de sua vida, transformando-o em
antroplogo. (p.19)
pior do que isto, talvez nem mesmo a espcie humana teria chegado ao que
hoje. (p.26)