"Sinto Tudo e Não Tenho Nada?" Por Helly C. Aguida
"Sinto Tudo e Não Tenho Nada?" Por Helly C. Aguida
"Sinto Tudo e Não Tenho Nada?" Por Helly C. Aguida
Sinto tudo
e no tenho
nada?
o sofrimento fsico e mental marca o fenmeno
psicossomtico, convocando profissionais da sade a
considerar suas implicaes, o papel do paciente no processo
de adoecimento e eventuais desdobramentos.
a prpria clnica abre e amplia essa discusso
S
A AUTORA
HELLY CARAM AGUIDA mdica,
mestre em cirurgia geral pela Santa
Casa de So Paulo, professora
do curso de Psicossomtica
Psicanaltica do Instituto Sedes
Sapientiae, em So Paulo.
28
ofro com intestino preso e com essas dores h mais de 20 anos. como se tivesse
algo se movimentando dentro de mim,
querendo sair, mas no sai. Minha barriga
fica estufada, cheia de gases... No aguento mais. Isso
est acabando comigo, afeta toda a minha vida! Essas
palavras, em tom de desabafo, so ditas por Maura, no
desenrolar de sua primeira consulta comigo. Visivelmente
desgastada, a advogada elegante, de 41 anos, confessa
estar cansada de fazer exames, procurar inmeros especialistas, seguir todas as prescries e continuar sofrendo
e ouvindo as mesmas coisas: Voc no tem nada srio;
A sndrome do intestino irritvel (SII) assim mesmo,
de difcil tratamento; apenas uma disfuno, nada
mais que isso. Por fim, ela me questiona: Terei que
simplesmente aceitar e me conformar? Sinto tudo e no
tenho nada? Como assim, doutora? .
perfil e alma. leo sobre tela, 35 x 28 cm. ismael nery/coleo banco central-df/ divulgao
psicossomtica
Casos como esse exemplificam os desafios cada vez mais frequentes com os quais
deparamos na prtica clnica diria. Diante
desses questionamentos, o que responder?
Como abordar o dilema da ambivalncia do
sentir tudo e no ter nada? Maura me fez
pensar, especialmente nos possveis significados de palavras como apenas, nada, tudo.
Ao afirmar que o paciente apresenta
alteraes funcionais, o mdico se refere
excluso de doena orgnica, aps extensa
investigao diagnstica. Ao dizer apenas
uma disfuno, nada srio, a referncia
o campo biolgico. Entretanto, a excluso de
leses dos rgos e sistemas orgnicos no
deve implicar um reducionismo na concepo
da desorganizao somtica na verdade, psicossomtica. Tampouco minimizar a complexidade da condio clnica de pacientes como
Maura. Tais situaes demandam a reviso
de conceitos e perspectivas de abordagem
clnica e teraputica envolvidos no processo
do adoecimento, com a incluso da subjetividade, que ultrapassa as fronteiras do clssico
modelo biomdico cartesiano (marcado pela
dicotomia mente-corpo).
Sabe-se que a maior parte dos quadros disfuncionais no apresenta uma causa claramente definida. Mltiplos fatores esto envolvidos
na fisiopatologia desses distrbios, inclusive
aspectos psicossociais. Nesse sentido, o desenvolvimento tecnolgico e das pesquisas
em neurocincia permitiu avanos no campo
da psiconeuroimunologia, com grande contribuio compreenso das ntimas e recprocas
associaes entre mente e corpo. As vertentes
psicofisiolgicas, ainda que fundamentadas
em evidncias biolgicas, abrem caminho para
uma interlocuo entre profissionais da medicina, psicologia, psicanlise. Muitas vezes, til e
precioso informar o pacienComo pode haver
te a respeito da plasticidade
do crebro, de suas coneausncia diante da
xes com rgos e sistemas
presena insistente
do corpo, sobre os registros
e perturbadora
conscientes e inconscientes
da memria, com o intuito
de sintomas que
de proporcionar relaes
desorientam,
demonstrveis e, ento,
desorganizam e
aceitveis, entre crebro e
organismo, mente e corpo,
assolam o corpo?
30
sem ttulo (casal). guache sobre papel, 58 x 45,5 cm. ismael nery/ coleo particular/ divulgao
casal. guache sobre papel, 21,5 x 13,8 cm. ismael nery/ coleo domingos giobbi/ divulgao
psicossomtica