As Naus de Verde Pinho

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As Naus de Verde Pinho

com seus medos e gigantes


onde ningum tina ido
nunca dantes nunca dantes

De um lado o cho
do outro o mar e o seu cntico.
Era uma vez um pas
entre Espanha e o Atlntico.
Tinha por rei D. Dinis
que gostava de cantar.
Mas o reino era to pouco
que se ps a perguntar:
E se o mar fosse um caminho
deste lado para o outro?
E da flor de verde pinho
as trovas do seu trovar
mandou plantar um pinhal.
Depois a flor foi navio.
E l se foi Portugal
caravela a navegar.
J no era o doce rio
com seu canto de encantar.
Era o mar desconhecido

Era o longe e a aventura


at onde o olhar se perde
era um pas procura
de caminhos por achar
era um barco verde verde
era um barco sobre o mar.
Entre a lua e as estrelas
entre a noite e o cu azul
caravelas caravelas
que partiam para o sul.
Viu-se ento um grande monte
que entrava pelo mar dentro.
J no havia horizonte
nem cu nem terra nem nada.
S se ouvia uivar o vento
que vinha com sua espada
espadeirar as brancas velas.
S o vento e o nevoeiro
e uma grande nuvem preta
sobre as naus e as caravelas.

De repente um marinheiro

Seja a bem ou seja a mal

perna de pau e maneta

Eu juro que hei de passar

ergueu a voz e gritou:

Porque as naus de Portugal

- Eu sou da Nau Catrineta

No so naus de recuar.

e nem ela aqui passou.

Eu sou Bartolomeu Dias

Eram ventos ventanias

Nada me pode parar.

naus como cascas de noz


a baloiar sobre o medo.

Calaram-se as ventanias

Sete noites sete dias.

e at as frias do mar.

E s se via o penedo

S se ouvia resmungar

s se ouvia aquela voz

o velho Perna de Pau.

do velho sempre a gritar:


- Vereis a guia a ferver.

- Vais perder-te e naufragar

Quem quiser aqui passar

ningum dobra o cabo Mau.

no inferno vai arder.


E enquanto o velho falava
E j nem lua nem estrelas

j a Armada para dentro

s noite noite fechada

(onde o mar no to bravo)

caravelas caravelas

a pouco e pouco avanava.

cercadas de tudo e nada.

Levada por brando vento


navegava alm do Cabo.

E de repente um trovo.
J no era o vento a uivar

Ouve l Perna de Pau

Era a voz do Capito

(disse o grande Capito)

que se ps a comandar:

j se foi o cabo Mau


j se foi a nuvem preta

e no vi nenhum papo

e no vais passar adianta.

nem me deitei a afogar.


A tua Nau Catrineta

- E eu sou marinheiro e abro

uma histria de inventar.

caminhos de par em par.


J dobrei o Cabo Mau

Mas o velho no cedia

vou passar este papo.

ps-se de novo a gritar:

Ouve l Perna de Pau


eu trago no corao

- Se navegares mais um dia

um pas a navegar

outros monstros hs de achar

e no h nenhum gigante

outros cabos outros perigos

que me faa recuar.

que esto na volta do mar.


e naufrgios e castigos

O meu destino chegar

que vos ho de castigar.

cada vez mais adianta.


Nem que fosses Rubico

- Sete noites sete dias

mesmo assim eu passaria.

que no paras de falar.

Tu s s uma viso

Venci ventos ventanias

um cabo de fantasia.

tambm tu te vais calar.

No metes medo nenhum.

Ou ser que s o Diabo


que vem aqui tentar?

Ento o monstro sumiu


inchou inchou e fez PUM

Perna de Pau deu um salto

como se fosse um balo.

e transformou-se em gigante:
E nunca mais ningum viu
- Aqui tens um novo Cabo.
Eu sou dono do mar alto

aquele Perna de Pau.

Logo o Capito subiu

o pendo das cinco quinas.

gvea da sua nau:


Umas foram para o Oriente
- Venham monstros bruxarias

outras foram para o Sul

no me deixo enfeitiar.

umas ao Brasil chegaram

Eu sou Bartolomeu Dias

outras ndia e ao Japo.

e juro que hei de passar.

Todas ao mundo mostraram


que o mar no um papo.

E as naus seguiram em frente

Mas o primeiro a passar

sempre sempre a navegar

foi o grande Capito.

para alm da linha azul


que h no muito imaginar.

No mais as falsas verdades


que velhos doutores diziam.

Assim foram ao outro lado

Contra o medo e as tempestades

ao ali ao longe ao l

guiadas pelas estrelas

ao cabo nunca dobrado

navegavam e aprendiam

onde antes nunca ningum

um saber de experincia.

e a um pas que s h

Caravelas caravelas

dentro de ns: mais alm.

do outro lado da ausncia.

De ilha em ilha e onda em onda

Para alm do nunca dantes

viram que a terra redonda

onde nascem sol e vento

e que o mar no medonho.

porque monstros e gigantes

Caravelas caravelas

s os h no pensamento.

feitas de trova e de sonho


cascas de noz pequeninas

Cabo da Boa Esperana

levavam nas brancas velas

entre o nunca visto e o v

de quem v o que se alcana


depois do como e o porqu.

L onde a noite apresenta


forma e corpo de diabo

Sempre que em teu pensamento

vencers mar e tormenta

o verde pinho florir

passars alm do Cabo.

abre os teus sonhos ao vento


porque tempo de partir.

Vers ento o caminho


do outro lado de aqui

E sempre que mais adiante

e uma nau de verde pinho

no houver porto de abrigo

que te leva alm de ti.

tens o astrolbio e o quadrante


passars alm do perigo.

Manuel Alegre, As naus de verde pinho, Caminho (2013)

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