EntrePalavras 10 O Que E Auto Da Feira
EntrePalavras 10 O Que E Auto Da Feira
EntrePalavras 10 O Que E Auto Da Feira
O que ?
Auto da Feira
ISBN 978-989-23-3234-5
ndice
O que ?
A. EDUCAO LITERRIA
1. Poesia trovadoresca
Cantigas de amigo
Cantigas de amor
Cantigas de escrnio e maldizer
2
2
3
3
4
4
5
5
6
6
7
8
8
10
FONTICA E FONOLOGIA
1.
10
ETIMOLOGIA
2. timo
3. Palavras convergentes e divergentes
12
12
12
SINTAXE
5. Funes sintticas
6. A frase complexa: coordenao e subordinao
13
18
LEXICOLOGIA
7. Arcasmos e neologismos
8. Campo lexical e campo semntico
9. Processos irregulares de formao de palavras
20
20
21
Auto da Feira
22
O que ?
Educao literria
1. Poesia trovadoresca
1.1 Quando se desenvolveu esta poesia?
A partir do nal do sculo XII e at meados do sculo XIV.
1.2 Onde se desenvolveu?
No noroeste da Pennsula Ibrica, na regio que corresponde atualmente ao Minho e Galiza.
1.3 Que gneros de cantigas a constituem?
Cantigas de amigo, cantigas de amor, cantigas de escrnio e maldizer.
1.4 Quem eram os trovadores e os jograis?
Os trovadores eram os autores desta poesia, as cantigas, nos seus vrios gneros. Normalmente
eram nobres; escreviam a letra, por vezes a msica; as cantigas eram cantadas pelos jograis,
homens de condio social mais baixa.
Cantigas de amigo
1.5 O que uma cantiga de amigo?
uma composio potica dirigida a um amigo por um sujeito lrico ou potico feminino, a amiga.
1.6 Quais so os temas mais frequentes?
Os temas mais frequentes so os seguintes: a saudade, pois o amigo est longe; o sofrimento
por cime; as queixas por promessas no cumpridas; a felicidade e a certeza de se saber amada;
o encontro amoroso junto fonte; o baile; a espera angustiada pelo regresso do amigo; a ida
romaria para encontrar um namorado; a consso destes amores me, ou s amigas, ou Natureza, etc.
1.7 Como representado o sentimento amoroso?
O sentimento amoroso representado de modo muito variado. Toda a gama deste sentimento
surge nas cantigas de amigo, desde o incio da paixo, com as suas esperanas e incertezas, at
aos encontros com o amigo, ao cime, reconciliao, etc.
1.8 O que a condncia amorosa?
a consso dos estados amorosos, quer felizes quer infelizes, pelo sujeito potico (a amiga
apaixonada) sua me, s suas amigas e, at, Natureza. A amiga conta, confessa, para desabafar, para se libertar dos seus receios ou para partilhar as suas alegrias.
1.9 Qual a relao da mulher com a Natureza?
A Natureza surge frequentemente nas cantigas de amigo como condente da amiga apaixonada
que com ela desabafa sobre os seus problemas amorosos. Tambm pode ser local de encontro
com o amigo.
1.10 O que o paralelismo?
a tcnica de elaborao das cantigas de amigo que consiste, em primeiro lugar, na relao evidente entre versos que se repetem, quer pelas mesmas palavras quer por palavras de sentido
idntico, e assim se relacionam entre si. A cantiga de amigo apresenta, por isso, uma estrutura
fortemente repetitiva. Em segundo lugar, o paralelismo implica a presena de um refro.
O paralelismo pode ser perfeito ou imperfeito. Consulta o esquema do manual na pgina 58.
A.
1.11 O que o refro?
um verso ou um conjunto varivel de versos que se repete no nal de cada estrofe ou cobla.
1.12 Qual a funo do paralelismo?
Intensica a expresso das emoes atravs das repeties.
Cantigas de amor
1.13 O que uma cantiga de amor?
uma composio potica dirigida a uma senhor, dama de condio superior, por um sujeito
lrico ou potico masculino.
1.14 Quais so os temas mais frequentes?
A coita de amor e o elogio de amor corts.
1.15 O que a coita de amor?
a expresso de um sentimento amoroso doloroso provocado pela no correspondncia, por
parte da senhor, ao amor confessado pelo homem apaixonado. Est, frequentemente, associada morte por amor.
1.16 O que o elogio de amor corts?
um louvor de natureza fsica e psicolgica senhor: ela uma mulher nica, a mais perfeita
de todas em tudo.
O que ?
Educao
literria (cont.)
2. Ferno Lopes, Crnica de D. Joo I
2.1 Qual o contexto histrico dos acontecimentos narrados na Crnica de D. Joo I de Ferno
Lopes?
D. Fernando faleceu em 1383, sem outro sucessor que a sua lha, Dona Beatriz, casada com o
rei de Castela, D. Joo I. Este entendeu ter, por isso, direito ao trono portugus. Invadiu Portugal
e cercou Lisboa 1384. A cidade era defendida por outro pretendente ao trono, D. Joo, Mestre
de Avis, lho bastardo do rei D. Pedro I.
2.2 De que modo se verica nesta crnica a armao da conscincia coletiva?
Atravs de grandes movimentos de multides, principalmente na capital, antes do cerco, em
apoio ao Mestre de Avis; durante o cerco, atravs da solidariedade entre todos nos momentos
difceis que atravessavam.
2.3 Quais so os dois grandes tipos de personagens nela presentes?
Personagens coletivas e personagens individuais.
2.4 O que so atores coletivos?
Atores coletivos so as multides, principalmente, que agem como um corpo s, seja no movimento coletivo para levar ao poder o Mestre de Avis e proteg-lo de qualquer perigo seja na
unio demonstrada pelo povo durante o cerco de Lisboa.
2.5 O que so atores individuais?
Atores individuais so personalidades bem caracterizadas por Ferno Lopes sicamente, mas,
acima de tudo, psicologicamente: o manhoso lvaro Pais, o por vezes excessivamente hesitante
D. Joo I, a ambiciosa Leonor Teles, entre outros.
A.
3.3 Como caracterizado Pero Marques?
Pero Marques um lavrador rico, mas ingnuo e rude, que se exprime numa linguagem antiquada e que desconhece as mais elementares regras de convvio social como prova o facto de no
se saber sentar numa cadeira. Mais tarde, j casado com Ins, a sua ingenuidade visvel quando
carrega a mulher s costas para a levar a um encontro galante com um Ermito um antigo
pretendente.
3.4 Como caracterizado o Escudeiro?
Brs da Mata, de seu nome, o tpico escudeiro bem falante e de boas maneiras que v em Ins
uma forma de escapar pobreza em que vive, mas que dissimula . Uma vez casado, revela-se um
tirano no modo como trata Ins, fechando-a em casa, e, alm disso, um covarde pois foi morto ao
fugir de uma batalha.
A representao do quotidiano
3.8 Que representaes da vida quotidiana se encontram na Farsa de Ins Pereira?
Na Farsa de Ins Pereira, podemos encontrar:
a) cenas da vida domstica (a Me censura Ins pelo seu desleixo nas tarefas domsticas; Ins
queixa-se de falta de liberdade);
b) conselhos maternos (sobre a escolha dos namorados, sobre o casamento);
c) a festa do casamento de Ins;
d) vida conjugal (a prepotncia do marido escudeiro, que obriga Ins a obedecer-lhe e a fecha em
casa);
e) traio conjugal (Ins trai Pero Marques com o Ermito).
3.9 O que pretende satirizar Gil Vicente com a Farsa de Ins Pereira?
Nesta farsa, Gil Vicente satiriza comportamentos morais e sociais, nomeadamente a ascenso
social da mulher atravs do casamento e o adultrio feminino. O comportamento de Ins Pereira
exemplica ambas as situaes.
5
O que ?
Educao
literria (cont.)
3.10 De que processo se serve Gil Vicente para criticar costumes e comportamentos morais
e sociais?
Serve-se do cmico (de carter, de situao e de linguagem) de forma a provocar o riso nos
espetadores, expondo assim ao ridculo esses comportamentos e costumes.
Por exemplo, a leitura da carta, em que se anuncia a morte do Escudeiro s mos de um
mouro pastor ao fugir do campo de batalha pera a vila, provoca o riso na plateia acentuando ainda mais a fraqueza de carter desta personagem cmico de carter. O cmico
de situao est presente, por exemplo, quando Pero Marques se senta ao contrrio numa
cadeira, objeto que desconhece. J o cmico de linguagem transparece na fala antiquada
e rstica de Pedro Marques, ou em situaes como a que ocorre entre os versos 78 e 81
(da pgina 157 do Manual) quando Ins utiliza o verbo sair no seu sentido habitual, mas
que Pedro Marques entende com o signicado de defecar (que tambm possuia) o que
provoca o riso nos espetadores.
A.
4.4 O que o Classicismo?
Movimento cultural centrado principalmente na imitao / recuperao da arte em geral e da literatura em particular das duas grandes civilizaes da Antiguidade: a grega e a romana. A imitao
passou pela arquitetura, pela escultura, pela literatura Literariamente, recuperam-se o gosto
pela perfeio formal e por composies como a tragdia, a epopeia, a elegia, a cloga, etc.
4.5 O que o Humanismo?
Movimento cultural caracterizado pelo grande interesse pela Antiguidade greco-romana. Os humanistas acreditavam fortemente no progresso humano com o Homem como seu motor; estavam muito marcados por uma conceo tica da vida: censuravam os males da sociedade, os
maus governantes, por um lado; por outro, apresentavam um programa tico: aconselhavam os
poderosos no sentido de reformas.
O que ?
Educao
literria (cont.)
4.12 O que o tema da mudana?
O tema da mudana um tema clssico e losco por excelncia: tudo muda continuamente,
tudo se renova ciclicamente, um ano sucede ao outro, uma primavera vir depois da atual; contudo, esta mudana no atinge o Poeta que caminha inexoravelmente para o m.
5.
A.
5.4 Qual a estrutura interna de Os Lusadas?
O poema divide-se em quatro partes, seguindo, de modo geral, os modelos das epopeias da Antiguidade Clssica e das renascentistas:
Proposio
Canto I, estncias 1-3
O Poeta indica o assunto que vai cantar: o peito ilustre Lusitano, estncia 3, verso 5, isto ,
os heris Portugueses, a nobreza guerreira e os homens ilustres que se notabilizaram pela
grandiosidade dos seus feitos.
Invocao
Canto I, estncias 4-5
O Poeta pede inspirao a musas nacionais, as Tgides, ninfas do Tejo, para cantar os feitos
do peito ilustre Lusitano.
Dedicatria
Canto I, estncias 6-18
O Poeta dedica o poema a D. Sebastio, que reinava em Portugal no ano da sua publicao
1572.
Narrao
Canto I, estncias 19 e seguintes. Inicia-se in medias res, no meio da viagem, quando a armada
se encontrava j no oceano ndico.
5.5 Quais so os quatro planos de Os Lusadas?
O plano da viagem, o dos deuses, o da Histria de Portugal e o das reexes ou consideraes
do Poeta. Frequentemente estes planos so interdependentes: numa mesma estncia, pode-se
encontrar mais do que um.
5.6 Em que consiste a sublimidade do canto em Os Lusadas?
Cames pede s Tgides, na Invocao, um canto marcado pela sublimidade, isto , um canto de
estilo grandioso, um canto sublime, pois os feitos dos Portugueses so tambm grandiosos.
5.7 O que so as reexes do Poeta?
So reexes que surgem principalmente nos nais dos cantos. Nelas, o Poeta reete sobre
assuntos to variados como a fragilidade da vida humana, o poder corruptor do dinheiro, a ganncia, o mau governo, a ignorncia da nobreza, o seu desinteresse pela cultura em geral e pela
Poesia em particular, etc. Por vezes, estas reexes apresentam vincado carter humanista, pois
Cames censura, por um lado, e aconselha a mudana de atitudes, por outro.
5.8 Como se concretiza a miticao do heri em Os Lusadas?
O heri, Vasco da Gama, miticado pois supera, pelos seus feitos, a condio humana. Momento
fulcral dessa miticao ocorre quando Tethys desvenda a Vasco da Gama a Mquina do Mundo,
fazendo-o assumir o conhecimento total. A miticao ocorre tambm aquando da unio dos
Portugueses com as Ninfas, na Ilha dos Amores: atravs desta unio eles transcendem, simbolicamente, a condio humana, aproximando-se dos deuses. A miticao do heri est anunciada
logo no incio do poema, na estncia 3, quando Cames apresenta os Portugueses como tendo
superado a Antiguidade os heris gregos e romanos.
O que ?
Gramtica
FONTICA E FONOLOGIA
1. Processos fonolgicos de insero, supresso e alterao
1.1 Quais so os processos fonolgicos de insero (+)?
Os processo fonolgicos de insero so a prtese, a epntese e a paragoge.
O que a prtese?
O que a epntese?
O que a paragoge?
O que a afrese?
O que a sncope?
O que a apcope?
10
O que a sonorizao?
O que a palatalizao?
B.
O que a reduo voclica?
O que a crase?
O que a sinrese?
O que a vocalizao?
O que a mettese?
O que a assimilao?
O que a dissimilao?
1.4 Os processos fonolgicos vericam-se apenas na evoluo da lngua ao longo do tempo (diacronia) ou tambm se vericam na atualidade, na lngua que falamos (sincronia)?
Vericam-se em ambas as situaes: atravs do tempo, na evoluo da lngua, e na atualidade.
Ex.: Tanto encontramos uma mettese na evoluo de CONTRARIU para contrairo (portugus antigo) como na variao social, na atualidade, entre parteleira e prateleira.
11
O que ?
Gramtica
(cont.)
ETIMOLOGIA
2. timo
2.1 O que o timo de uma palavra?
O timo de uma palavra a forma mais antiga de que essa palavra provm. Por exemplo, o timo
da palavra portuguesa lho a forma do latim vulgar FILIU-.
2.2 As palavras portuguesas provm de que timos?
As palavras portuguesas provm de timos de vrias lnguas, mas a grande maioria tem origem
em timos latinos, visto que o portugus uma lngua romnica ou novilatina, isto , que tem
origem no latim.
so (adjetivo)
so (verbo)
SUNT
12
B.
4.3 O que um crioulo?
Um crioulo uma lngua que se forma em comunidades onde se falam vrias lnguas a partir do
contacto de uma lngua autctone com uma lngua dominante (de colonizao) devido necessidade de comunicao.
Ex.: o Kriolu ou Kauberdianu de Cabo Verde.
4.4 O que so crioulos de base portuguesa?
So crioulos em que a base lexical, isto , as palavras utilizadas na comunicao, portuguesa.
4.5 Qual a distribuio geogrca dos principais crioulos de base portuguesa?
a) Em frica, existem os crioulos da Alta Guin (Kuaberdianu, de Cabo Verde) e os crioulos
do Golfo da Guin (Forro ou Santomense, de S.Tom).
b) Na sia, encontramos os crioulos indo-portugueses (Lngua da Casa, em Damo, na ndia), malaio-portugueses (Papi Kristang, na Malsia, e o portugus de Bidau, em Timor
Leste) e sino-portugueses (o macasta ou patu de Macau, em vias de desaparecimento).
c) Na Amrica, existem o papiamento nas Antilhas e o Saramancano, no Suriname.
SINTAXE
5. Funes sintticas
5.1 O que o sujeito?
uma funo sinttica desempenhada por palavra (nome), expresso, orao que concordam
com o verbo da frase em que se encontram.
Exs.: Mas no faltaro, na prxima primavera.
Os meus primos ingleses visitam-nos, na prxima semana.
Ir ao mar nesta altura muito perigoso.
5.1.1 Quais so os tipos de sujeito?
O sujeito pode ser simples a) ou composto b).
Exs.: a) Os ces protegem os donos.
b) Os ces e os gatos so animais domsticos.
Quando no est expresso, o sujeito pode ser subentendido c) quando pode ser recuperado atravs da conjugao verbal e indeterminado d) quando substituvel por
algum.
Exs.: c) O Pedro disse que [eles/elas] iam ao cinema.
d) Compra-se casas na baixa da cidade. / Algum compra casas na baixa da cidade.
13
O que ?
Gramtica
(cont.)
uma palavra substituvel pelos pronomes pessoais tonos -o, -a, -os, -as;
uma expresso substituvel pelos pronomes pessoais tonos -o, -a, -os, -as;
pronomes pessoais (-me, -te, -o, -a, -nos, -vos, -os, -as);
uma orao subordinada substantiva completiva.
Exs.: 1) Hoje comi marisco ao almoo. / Hoje comi-o ao almoo.
2) Ins Pereira recusa o primeiro namorado. Ins Pereira recusa-o.
3) Ela viu-nos no cinema.
4) Ins Pereira arma que s casar com um homem educado.
5.5 O que o complemento indireto?
uma funo sinttica selecionada por verbos transitivos indiretos e transitivos diretos e indiretos. desempenhada por:
expresses iniciadas pela preposio a, substituveis pelo pronome pessoal tono -lhe;
pronomes pessoais (-me, -te, -lhe, -nos, -vos, -lhes);
uma orao subordinada substantiva relativa.
Exs.: 1) A alcoviteira falou a Ins de Pero Marques. / A alcoviteira falou-lhe de Pero Marques.
2) O meu pai ofereceu-me um livro de poesia.
3) A minha prima deu o presente a quem o merecia.
14
B.
5.6 Como distingo o complemento direto do complemento indireto?
a) Um complemento direto selecionado por verbos transitivos diretos e por verbos transitivos
diretos e indiretos.
Exs.: O Joo viu um ovni. / O Pedro deu um livro irm.
b) Um complemento indireto selecionado por verbos transitivos indiretos e por verbos
transitivos diretos e indiretos.
Exs.: A Joana telefonou me. / O Pedro deu um livro irm.
c) Um complemento direto sempre desempenhado por palavra ou expresso substituvel pelos
pronomes pessoais tonos o, a, os, as.
Ex.: O Pedro viu um ovni. / O Pedro viu-o.
d) Um complemento indireto sempre desempenhado por uma palavra ou uma expresso
iniciada pela preposio a substituvel pelos pronomes pessoais tonos lhe/lhes.
Ex.: O Pedro telefonou irm. / O Pedro telefonou-lhe.
5.7 Como sei se um pronome pessoal tono de 1.a pessoa (me/nos) ou de 2.a pessoa (te/vos)
desempenha a funo sinttica de complemento direto ou de complemento indireto?
simples: basta substitu-los pelos pronomes de 3.a pessoa (o, a, os, as [complemento direto]
e lhe, lhes [complemento indireto]).
Se a frase car correta pela substituio com o, a, os, as, o pronome me, te, nos, vos
desempenhar a funo sinttica de complemento direto. Se, pelo contrrio, car correta
ao ser substituda por lhe ou lhes, ento desempenhar a funo sinttica de complemento
indireto.
Exs.: Ela viu-me no cinema.
substituvel por por lhe? No, porque Ela viu-lhe no cinema uma frase incorreta.
substituvel por o ou a? Sim, porque Ela viu-o(a) no cinema uma frase correta.
Podemos, portanto, concluir que o pronome me na frase Ela viu-me no cinema desempenha a
funo sinttica de complemento direto.
O que ?
Gramtica
(cont.)
a) O complemento direto sempre substituvel por um pronome pessoal tono o, a, os, as;
um complemento indireto, por um pronome pessoal lhe ou lhes; um complemento oblquo
substituvel por um advrbio ou por um pronome precedido de preposio.
Assim, para identicar o complemento presente numa frase, substitui-o por o, a, os, as e por
lhe ou lhes.
Se a frase car correta com o, a, os, as, ento o complemento direto; se car correta com lhe
ou lhes indireto; se car incorreta com direto e indireto, ento o complemento oblquo.
Exs.: 1) Na frase O Pedro leu um livro, a expresso destacada desempenha a funo de
complemento direto porque pode ser substituda pelo pronome tono o: O Pedro leu-o.
2) Na frase O Joo mora em Lisboa, a expresso destacada desempenha a funo
sinttica de complemento oblquo porque no pode ser substituda por o, a, os, as
nem por lhe ou lhes, mas pode ser substituda por um advrbio.
O Joo mora-a. (frase gramaticalmente incorreta)
O Joo mora-lhe. (frase gramaticalmente incorreta)
O Joo mora l. (frase correta)
5.10 Tanto o complemento oblquo como o complemento indireto podem ser desempenhados
por uma expresso iniciada pela preposio a. Nesse caso, como os distingo?
16
B.
5.13 O que o predicativo do sujeito?
uma funo sinttica de uma palavra, uma expresso ou uma orao que indicam algo acerca
do sujeito (uma qualidade, um estado, uma localizao).
Exs.: 1) Os meus amigos esto descontentes.
2) Brs da Mata um escudeiro pouco escrupuloso.
3) Ele no quem se pensa.
5.16 Como distingo numa frase o complemento direto do predicativo do complemento direto?
a) Um complemento direto sempre funo sinttica de verbos transitivos diretos, de verbos
transitivos diretos e indiretos e de verbos transitivos-predicativos.
Exs.: Ele achou um livro.
Ele vendeu o livro ao primo.
Ele acha a Maria bonita.
b) Um predicativo do complemento direto funo sinttica apenas de verbos
transitivo-predicativos (achar, considerar, eleger).
Exs.: Ele acha a Maria bonita.
Eles elegeram o Pedro deputado.
c) Um complemento direto sempre substituvel pelos pronomes pessoais tonos o, a, os, as.
Um predicativo do complemento direto nunca se pode substituir por estes pronomes.
Exs.: Ele achou o livro. / Ele achou-o.
Ele acha a Maria bonita. / Ele acha-a. (frase incompleta Ele acha-a o qu?)
Ele acha-a bonita. (frase correta a [complemento direto]; bonita [predicativo do
complemento direto].)
17
O que ?
Gramtica
(cont.)
18
B.
Subordinao
6.2 O que so oraes subordinadas?
So oraes quase sempre iniciadas por conjunes ou locues subordinativas e dependem de
uma orao subordinante ou de um elemento subordinante.
6.2.1 Que tipos de oraes subordinadas existem?
Existem trs tipos de oraes subordinadas: adverbiais, adjetivas e substantivas.
As adverbiais podem ser:
a) causais (Ex.: Vou almoar porque tenho fome.);
b) temporais (Ex.: Vou ao cinema sempre que o lme recomendado pela crtica.);
c) nais (Ex.: Falei alto para que me ouvisses.);
d) comparativas (Ex.: Esta cidade mais bonita do que aquela [].);
e) consecutivas (Ex.: um pas to bonito que regressarei para o ano.);
f) concessivas (Ex.: Embora ele tenha esses defeitos, eu cono nele.);
g) condicionais (Ex.: Se vieres, carei contente.).
As adjetivas podem ser:
a) relativas restritivas (Ex.: Eles ouviram o barulho que zemos.);
b) explicativas (Ex.: Eles leram esses livros, que lhe tnhamos oferecido.).
As substantivas podem ser:
a) relativas sem antecedente (Ex.: Quem jogar pode ganhar esse prmio.);
b) completivas (Ex.: Ele ontem armou perante todos que ia para Frana brevemente).
6.2.2 De que dependem as oraes subordinadas?
As oraes subordinadas ou dependem de uma orao subordinante ou de um elemento
subordinante.
As adverbiais dependem das oraes subordinantes.
Ex.: Ns fomos ver o lme porque o gabavam muito.
As adjetivas dependem de um nome.
Ex.: Ns vimos ontem na estrada o carro que teve o acidente.
A subordinada s depende do elemento subordinante sublinhado.
As substantivas dependem de um verbo.
Exs.: 1) Ela disse ontem no tribunal que desconhecia essa pessoa.
2) Eu sei bem quem escreveu esse livro.
3) Quem estudar tirar boas notas.
6.2.3 Quais so as funes sintticas das oraes subordinadas?
As oraes subordinadas desempenham funes sintticas em relao subordinante
ou a um elemento subordinante. Alguns exemplos:
As adverbiais desempenham a funo de modicador (de grupo verbal ou de frase).
Ex.: A minha prima faz os deveres quando chega a casa. (modicador de grupo verbal)
Ex.: Caso me saia a lotaria, farei grandes viagens. (modicador de frase)
19
O que ?
Gramtica
(cont.)
LEXICOLOGIA
7. Arcasmos e neologismos
7.1 O que um arcasmo?
Um arcasmo uma palavra, uma expresso ou uma construo sinttica que entrou em desuso
na lngua.
Exs.: O advrbio asinha (depressa) deixou de se usar no sculo XVI. O pronome vs (segunda
pessoa do plural) j quase no se usa na comunicao atual, sendo substitudo por vocs.
7.2 O que um neologismo?
Um neologismo uma palavra nova que, num determinado momento, se cria atravs de mecanismos j existentes na lngua, nomeadamente os processos morfolgicos e os processos irregulares de formao de palavras.
Exs.: deslocalizar (palavra nova formada por derivao por prexao); bullying (palavra nova
proveniente, por emprstimo, do ingls).
20
B.
8.2 O que um campo semntico de uma palavra?
Um campo semntico de uma palavra consiste no conjunto de signicados que ela pode ter em
diversos contextos.
Exs.: campo semntico da palavra cabea:
1) O ciclista vai na cabea do peloto. ( frente, na dianteira)
2) J no tenho cabea para decorar todos estes nmeros. (capacidade)
3) Concentra-te: ests sempre com a cabea noutro lado. (pensamento)
4) Na compra da casa, exigiram-me os juros cabea. (adiantados)
5) No sei esses nmeros de cabea. (de cor/de memria)
21
Gil Vicente,
Auto da Feira
A crise do Papado: o saque de Roma, a questo
das indulgncias, o anncio da Reforma
A leitura do Auto da Feira pressupe que conheas alguns factos relativos histria do cristianismo, nomeadamente no sculo XVI, para melhor compreenderes a luta alegrica nele presente. Assim,
apresentamos-te as seguintes informaes:
1. No sculo XVI, principalmente nas trs primeiras dcadas, aproximadamente, o Papado foi marcado
por grandes escndalos de natureza poltica, militar, financeira, etc., que provocaram a reao de
alguns telogos contra essa situao. O mais famoso foi Martinho Lutero.
2. Uma das crticas mais contundentes que se fazia ao Papado romano tinha a ver com a chamada
questo das indulgncias, que consistia, basicamente, no facto de o Papado perdoar pecados a quem
os podia remir com dinheiro. Esta situao era intolervel para Lutero e outros telogos: consideravam
que o Papado pecava fortemente com estas prticas.
3.
Mas com outras tambm: escndalos muito fortes, de natureza vria, como referido em 1.,
abalavam o Papado; mas mais grave ainda era o facto de vrios Papas terem uma vida escandalosa
em nada condizente com os votos de castidade, pobreza e humildade a que se tinham submetido.
4. Devido ao seu poder poltico e militar, o Papado envolveu-se em vrias guerras, que veio a perder,
e que terminaram com o famoso saque de Roma, em 1527: Roma foi invadida e saqueada por cristos,
com o apoio de Lutero, o que marcou negativamente de forma indelvel a cristandade desses tempos.
5. A partir daqui o caminho estava aberto para a ciso entre os cristos, o que aconteceria pouco
depois com o aparecimento de vrios movimentos reformistas e de protesto contra Roma, de natureza
religiosa ou teolgica, como os luteranos, os calvinistas, os anglicanos, etc.: a Reforma Protestante.
6.
Quando Roma entra em cena, no Auto da Feira, o pblico reconhece-a como a personagem
alegrica que pecadora, habitual cliente do Diabo como ela prpria admite. Os seus erros as
indulgncias, por exemplo so referidos no auto. E o pblico reconhecer-se-ia tambm, por certo, nas
admoestaes e fortes censuras a ela dirigidas pelo Tempo e por Mercrio. Afinal, a Reforma estava
perto
22
Define-se como senhor / de muitas sabedorias, / e das moedas reitor,, vv. 162-164 (pgina 29). , na
mitologia romana, o mensageiro dos deuses e o deus do comrcio, o que faz dele um hbil negociador
como tambm se define. Ridiculariza a astrologia, referindo os vrios signos do Zodaco e a sua inutilidade:
em nada influenciam a vida das pessoas.
Tempo
O que o Tempo troca precisa de tempo para ser trocado: a paz, os remdios contra as adversidades
e a Fortuna, o temor de Deus, as virtudes tudo se achar na tenda do Tempo.
Serafim
o anjo enviado por Deus a pedido do Tempo para o assessorar nas trocas dos remdios que se
encontram na tenda.
Diabo
Aparece com uma tendinha de vendedor ambulante, na qual pe disposio dos compradores toda
a espcie de coisas vis e, por isso, no tem dvidas de que no ter rival nas vendas. Ofende-se quando
o Serafim pretende expuls-lo da feira porque, como diz, quem lhe compra f-lo por livre vontade: ele no
fora ningum.
Roma
Personagem alegrica, atormentada pela falta de respeito de que vtima, vem feira comprar paz,
verdade e f, mas falta-lhe santa vida para dar em troca. Ainda tenta compr-las com perdes,
estaes e jubileus, mas severamente repreendida pelo Serafim e por Mercrio.
Denis
e Amncio
Vm juntos feira.
Casado com Branca Anes, a brava, Denis queixa-se dos maus tratos que ela lhe d e, por isso, pretende
vend-la na feira.
Casado com Marta Dias, a mansa, Amncio lamenta-se da mulher desajeitada que tem.
Branca Anes
e Marta Dias
Nove moas
e trs
mancebos
Evidenciam, em geral, um comportamento coletivo, na medida em que atuam como grupo: organizam-se
para enganar o Serafim atravs da informao de Gilberto (vm folgar e no feirar); resistem aos
avanos dos compradores Mateus e Vicente; recusam em coro comprar virtudes porque no
proporcionam bons casamentos; cantam em coro Virgem.
Vicente
e Mateus
Interessam-se por aquilo que as moas do lugar tm para vender. Desenvolvem com elas dilogos
equvocos cheios de sugestes erticas. De facto, vm a amores e no s compras. Por isso se dirigem
Ribeira, a outra feira.
2. A representao do quotidiano
O Auto da Feira permite o conhecimento de aspetos da vida quotidiana do povo no sculo XVI, como, por exemplo:
a crena generalizada na astrologia denunciada por Mercrio no seu monlogo inicial;
a indicao de mercadorias procuradas por determinadas pessoas ou grupos sociais nas feiras: cartas de jogar,
espelhos, unguentos no s para tratar da sade, mas ainda com pretensos poderes mgicos , joias, vesturio, etc.;
a feira como lugar de encontro para negociar, mas tambm para falar com os amigos, desabafar, falar do trabalho
23
3. A dimenso religiosa
Apesar da ignorncia de natureza teolgica que se verifica nos elementos populares presentes no Auto da Feira, este
revela modos de viver a prtica religiosa por parte do povo:
a crena e o medo ao Diabo e ao Inferno;
o temor de Deus, da ira do senhor dos cus, isto , do castigo divino tpica da mentalidade medieval.
Mas o auto ainda, e principalmente, lugar de crtica ao clero e ao Papado num tempo em que na Europa se anunciava
a Reforma. Essa necessidade de reforma, de mudana, de converso por parte do cristianismo est bem presente no Auto
da Feira quando:
Mercrio ataca clrigos e frades que s pensam em enriquecer, deixando de ter ao cu respeito;
o Tempo denuncia as dissenses e as guerras entre cristos;
o Tempo lembra que por todo o lado se perdeu o temor de Deus;
o Serafim convoca para a feira os papas adormidos;
o Serafim insta a hierarquia crist a mudar de roupa, usando as vestes simples dos primeiros pastores modo
e que perdeu;
Mercrio acusa Roma de ser pecaminosa, referindo-se ao escandaloso pagamento dos pecados atravs das
indulgncias, do dinheiro que tudo redime;
Mercrio aconselha Roma a mudar de vida, apresentando Nossa Senhora como exemplo de virtude a seguir;
Mercrio insta Roma a fazer um exame de conscincia para verificar que o erro est nela e que no deve ser a
outrem atribudo,erro esse que consiste em ter-se esquecido de Deus, o poder primeiro: a ele deve regressar.
4. A representao alegrica
A representao no Auto da Feira alegrica no sentido em que se trata de uma representao do mundo apresentada
atravs de uma srie de figuras alegricas relacionadas entre si. Este tipo de representao, tpico do teatro medieval,
consiste em apresentar figuras ou personagens cuja natureza simblica ou metafrica: o espetador reconhecia
imediatamente a presena do Mal em palco logo que o Diabo entrava. No Auto da Feira lutam o Bem (alegorizado no
Tempo e no Anjo que o acompanha, o Serafim) e o Mal (alegorizado no Diabo).
A crise em que vivia o Papado est alegorizada em Roma, figura que se apresenta ligada ao Mal e a quem o Tempo
e Mercrio avisam que tem de mudar em direo ao Bem.
24
conjunto de quatro ou mais quadros independentes entre si, mas subordinados a um s tema
1. Mercrio
Monlogo de Mercrio:
crtica satrica astrologia e presuno humana;
anncio de abertura de uma feira em dia de Natal.
2.1 Roma
2. A Feira
o Tempo monta a sua tenda e anuncia os muitos produtos que vende; o Serafim vem ajud-lo;
o Diabo anuncia os produtos venda na sua tendinha;
Roma visita a Feira e avisada de que tem de mudar de vida.
Auto
da Feira
Moralidade composta por Gil Vicente nas matinas do Natal, cerca de 1527. O autor representa o mundo sob
a forma duma feira em que os principais vendedores so um Serafim e o Diabo. O primeiro fregus nem mais
nem menos que Roma, smbolo do Papado. A violncia do ataque vicentino cria romana surpreende-nos,
tendo em ateno a data aproximada do auto. As outras personagens (maridos e mulheres queixosos dos
respetivos cnjuges, campnios e camponesas, as quais oferecem as suas mercadorias a dois compradores
que lhes fazem a corte) exprimem igual desprezo pelas virtudes que o Serafim vende. O auto acaba com uma
cantiga entoada pelas camponesas em louvor da Natividade.
I. S. R., Auto da Feira, in Jacinto do Prado Coelho (Dir.), Dicionrio de literatura, Porto, Figueirinhas, 1987, vol. I, p. 76.
(Texto adaptado)
Auto
da Feira
uma alegoria,
um auto
alegrico
O Auto da Feira uma alegoria (ou seja, representao simblica) do mundo e da luta incessante que nele
ocorre entre o Bem e o Mal. Essa luta transmitida atravs de um espetculo de figuras alegricas, figuras
que se podem considerar uma espcie de metforas ou mesmo de smbolos. Para a representao alegrica
desta luta so figuras centrais o Tempo e o Serafim (alegorias do Bem), o Diabo (alegoria do Mal) e Roma
(alegoria do Papado em forte crise dominado pelo Mal). O espetador entendia deste modo o espetculo do
mundo que, de forma artstica, indireta, metafrica, simblica, isto , alegrica, passava diante de si.
25
Auto da Feira
Nota
As informaes sobre o vocabulrio e outros aspetos essenciais
compreenso do texto, que aparecem em notas, foram retiradas da edio referida, e ainda de
Auto da Feira de Gil Vicente,
Lisboa, Publicaes Dom Quixote, 1989. (Introduo e edio interpretativa do Professor Lus F.
Lindley Cintra).
Gil Vicente, Auto da Feira, in Teatro de Gil Vicente, Lisboa, Dinalivro, 1988, pp. 265 a 299.
(Apresentao e leitura de Antnio Jos Saraiva)
4
Figuras: Mercrio1, Tempo, Serafim, Diabo, Roma, Amncio Vaz, Denis Loureno, Branca
Anes, Marta Dias, Tesaura, Juliana, Dorotea, Mneca, Gilberto, Nabor, Mateus, Justina, Vicente,
Leonarda, Merenciana, Teodora e Giralda.
Monlogo de Mercrio,
deus dos comerciantes (ou feirantes)
4
Entra primeiramente Mercrio, e posto em seu assento, diz:
5
10
1
Mercrio o astro da
mediao, o astro mensageiro
por excelncia. No auto,
enviado por Deus Terra,
como mensageiro, mas
fundamentalmente na funo
de deus do comrcio, hbil
negociador; 2 intenes;
3
enviou, fez descer do Cu;
4
e com que m; 5 e tudo o
resto; 6 deve ler-se aqui no a
astronomia, uma cincia, mas
a astrologia, uma crena sem
bases cientcas; 7 anda na
moda; 8 em honra; 9 o dia de
Natal; 10 pretendem; 11 tero
um co atrs deles;
12
de quem ; 13 o que
interessa; 14 estes versos
constituem uma crtica
aos que pretendem ter
conhecimentos de astrologia
e que acreditam nesta crena;
a ironia est neles bem
presente, como nos que se
lhes seguem; 15 por isso;
16
matemtico e astrlogo
muito conceituado que se
dedicava astrologia, como
era comum na poca;
17
sabe muita cincia
26
15
20
Mer.
25
30
35
40
e ao mundo e ao diabo.
E que o sabem tm por f.
E eles todos em cabo
tero um co polo rabo11,
e no sabem cujo 12.
E cada um sabe o que monta13
nas estrelas que olhou;
e ao moo que mandou,
no lhe sabe tomar conta
dum vintm que lhentregou14.
Porm15 quero-vos pregar,
sem mentiras nem cautelas,
o que per curso destrelas
se poder adivinhar,
pois no co nasci com elas.
E se Francisco de Melo16,
que sabe cincia avondo17,
diz que o co redondo,
e o sol sobre amarelo,
diz verdade, no lho escondo.
45
50
-
55
60
-
80
85
-
65
70
-
75
-
E a claridade encendida
dos raios piramidais26
causa sempre nesta vida
que quando a vista perdida,
os olhos so por demais27.
100
-
105
-
Vocabulrio
18
note-se a ironia presente em todos estes versos; 19 signos do Zodaco a astrologia, por associao; 20 a vacuidade da astrologia est bem presente nestes
versos; 21 d; 22 eterna; 23 de que morre; 24 tambm; 25 de notar o tom jocoso destes versos [Lindley Cintra]: o cadver enterrado move-se se houver um
terramoto e promete a si mesmo no se mexer mais 26 a luz dos astros; 27 estes e outros versos de cariz irnico esto ao servio da denncia jocosa da astrologia; neste caso concreto podem signicar uma verdade evidente, apresentada como chacota: quem cego nada v 28 trata-se, nas palavras de Lindley
Cintra, do primeiro ataque direto do autor ao clero corrupto da poca; note-se a anttese entre o que lhe falta, a santidade, e o que lhe sobra, o proveito,
a riqueza; 29 e quanto estrela Marte [o planeta brilhante era considerado uma estrela], espelho da guerra [Marte era o deus da guerra], e a Vnus, rainha da
msica, segundo Joo Monterregio, um clebre astrnomo alemo; 30 guerras contnuas; 31 quando o planeta Vnus desce, no seu movimento; o autor, neste
e noutros versos, estabelece associaes de natureza astrolgica entre movimentos dos astros e acontecimentos terrestres sempre com inteno crtica e
de denncia nos ltimos; 32 recua; 33 e quanto ao Touro, Carneiro, Caranguejo e Capricrnio, [quatro importantes constelaes para os astrlogos] postos no
rmamento do cu; 34 o conjunto dos versos 97 a 101 pode ser lido deste modo [Lindley Cintra]: como atualmente, agora, muito difcil conseguir comprar
carne de touro e de carneiro, quando o talhante as apresenta para venda, o povo tira o barrete em sinal de respeito; continua aqui a chacota a propsito das
crenas astrolgicas na referncia s carnes de animais que deram nome a constelaes que os astrlogos queriam inuir sobre as pessoas, sobre o seu
destino 35 a irriso sobre as crenas astrolgicas continua nestes versos: o povo agravado, pobre, no consegue dinheiro, moeda, Libra, nome de uma
constelao, para comprar a carne do bode, chamado Capricrnio nome de outra constelao
27
110
115
-
E se este no hs tomado,
nem touro, carneiro assi,
vai-te ao sino do pescado,
chamado Piscis em latim,
e sers remediado36.
E se piscis no tem ensejo37,
porque pode no no haver,
vai-te ao sino38 do Cranguejo,
Signum39 Cancer40, Ribatejo,
que est ali a quem no quer41.
130
-
145
150
-
155
160
-
No Zodaco acharo
doze moradas palhaas46,
onde os sinos47 esto
no inverno e no vero,
dando a Deos infindas graas.
Escutai bem, no durmais,
sabereis per conjeituras
que os corpos celestiais
no so menos nem so mais
que suas mesmas granduras48.
E os que se desvelaram,
se das estrelas souberam,
foi que a estrela que olharam,
est onde a puseram,
e faz o que lhe mandaram.
E cuidam que Ursa maior,
Ursa minor e o Drago,
e Lepus, que tem paixo49,
porque um corregedor
manda enforcar um ladro?
No, porque as constelaes
no alcanam mais poderes,
que fazer que os ladres
sejam filhos de mulheres,
e os mesmos50 pais vares51.
E aqui quero acabar.
E pois vos disse at qui
o que se pode alcanar,
quero-vos dizer de mi,
e o que venho buscar.
Vocabulrio
36
estes versos continuam a jogar com nomes de constelaes, atravs de trocadilhos entre esses nomes e determinados alimentos tudo
como forma de criticar a astrologia, de a ridicularizar: se no consegues comer touro ou comer carneiro, come peixe; 37 se no consegues matar a fome com peixe; 38 signo (do Zodaco); 39 signo (do Zodaco); 40 signo representado por um caranguejo, a forma da constelao; 41 e
se no conseguir peixe, coma caranguejo, encontra-o no Ribatejo; 42 seguem-se as maravilhas de Jpiter, rei dos reis, senhor das dominaes;
43
note-se a jocosidade na referncia a Jpiter e a quem acredita na astrologia que diz ser ele poderosssimo: o que o poder dele consegue que
um cruzado, uma moeda, valha o mesmo de dia e de noite! A referncia inuncia de Jpiter est na expresso faz percurso ordenado: o curso
de Jpiter inuenciaria os humanos para os astrlogos; 44 no preste sem que os pregos preguem a madeira; 45 e quanto s doze casas do Zodaco
segue-se a declarao/explicao da sua forma de trabalhar; 46 doze casas feitas de palha: regressa a chacota sugestiva da vacuidade da crena
astrolgica, de palha; 47 signos; 48 grandezas; 49 tm pena; 50 os seus dos ladres; 51 as constelaes mais no podem do que fazer que os ladres
sejam lhos de homens e de mulheres: sempre a crtica crena astrolgica
28
165
170
-
175
180
-
E porquanto nunca vi
na corte de Portugal
feira em dia de Natal,
~ feira aqui
ordeno ua
pera todos em geral.
Fao mercador-mor
ao Tempo, que aqui vem,
e assi o hei por bem.
E no falte comprador,
porque o Tempo tudo tem.
52
sou
governador
54
negcios
55
pagamentos
53
Educao literria
1. Atenta no incio do monlogo de Mercrio.
1.1 Indica, justificando, a quem se refere Mercrio entre os vv. 16-20.
1.2 Explica de que modo ele ridiculariza seguidamente vv. 21-40 essas
pessoas.
2. Tem em ateno a pergunta que Mercrio faz nos vv. 57-58.
2.1 Explica a sua funo.
3. Tem em ateno os vv. 82-86.
3.1 Identifica quem criticado.
3.2 Explicita os motivos da crtica.
29
20
-
5
-
Tem.
25
-
30
10
15
-
35
-
Vocabulrio
1
em Anvers (Anturpia, Flandres) e Medina del Campo (Castela) tinham lugar feiras muito importantes; os dois versos so perfrase de
Mercrio; 2 o auto representou-se no dia de Natal de 1527; 3 o Tempo diz que s aceita trocas de bens, nunca dinheiro para adquirir algum
bem; 4 necessidade; 5 trata-se de uma aluso direta [Lindley Cintra] s guerras vrias que iam decorrendo na Europa entre reinos cristos,
das quais o mais famoso e traumatizante episdio foi o saque de Roma, em maio de 1527, no mesmo ano da primeira representao deste
auto; 6 os cristos europeus andam em contnua guerra; 7 temor ao castigo de Deus; 8 muitas; 9 as contas referidas nestes versos so as
contas a dar a Deus hora da morte pelos muitos pecados cometidos; 10 as virtudes que indiquei antes; 11 com a mesma vontade com que
enviaste o Messias Terra; o Tempo dirige-se a Deus, que enviou o seu lho Jesus, o Messias, para salvao do gnero humano; 12 lembra
ao teu anjo; 13 que me proteja; 14 diabo; 15 prprios; 16 os aconselham, aos mais sabedores
30
Ser.
40
45
55
60
-
50
-
65
70
-
Dia.
Vocabulrio
17
o anjo pedido (a petio) pelo Tempo a Deus; 18 neste verso e nos quatro anteriores, Gil Vicente faz uma forte crtica igreja, num tempo em
que os cristos se preparavam para a diviso entre catlicos e protestantes, o tempo da Reforma; o Seram invetiva os papas adormidos, isto
, o papado que no cumpria o seu dever, e pede que se vistam como os antecessores, modo metafrico de lhes dizer que deveriam recuperar
as virtudes dos primeiros cristos; 19 mudai a vida de luxo em que viveis; 20 os Papas; o crucicado Jesus Cristo, fundador do cristianismo;
21
poderoso; 22 temei; 23 quantidade; 24 vendedor ambulante; 25 gabar; 26 quem me queira comprar do que vendo; 27 imposto; 28 negcios; 29 quero-me
apresentar; 30 impede; 31 falando com tua licena, isto , permite-me que te diga
31
75
Dia.
80
-
105
110
-
Tem.
Dia.
90
-
95
100
-
Ser.
115
120
-
125
-
Dia.
I h de homens ruins
mais mil vezes que no bs,
como vs mui bem sentis42.
E estes43 ho-de comprar
disto que trago a vender,
que so artes de enganar,
e cousas pera esquecer
o que deviam lembrar.
Que44 o sages mercador45
h-de levar ao mercado
o que lhe compram milhor;
porque a ruim comprador
levar-lhe ruim borcado46.
E mais47 as boas pessoas
so todas pobres a eito;
e eu por este respeito
nunca trato em cousas boas,
porque no trazem proveito48.
Toda a glria de viver
das gentes ter dinheiro,
e quem muito quiser ter
cumpre-lhe49 de ser primeiro
o mais ruim que puder.
E pois so desta maneira
os contratos50 dos mortais,
no me lanceis51 vs da feira
onde eu hei-de vender mais
que todos, derradeira52.
Vocabulrio
32
a expresso salvos rabos est relacionada com salvanor: uma
espcie de trocadilho; 33 moeda de fraco valor; 34 muito dinheiro;
35
tm parentesco comigo; 36 portanto; 37 impeas; 38 no tenho nada a
ver contigo; 39 condenar; 40 o sentido destes versos e dos anteriores o
seguinte: sou um diabo, portanto no tenho vida, sou cousa perdida;
ningum me impede nunca de ganhar a minha vida, como ningum impede
quem muito pobre de o fazer, quem no tem vida por ser assim pobre
[Lindley Cintra]; 41 mercadoria; 42 os homens maus so muito mais do que
os bons, como bem sabeis; 43 os homens maus; 44 porque; 45 o mercador
habilidoso; 46 enquanto mercador esperto, o Diabo, sabendo que os maus
so muito mais do que os bons, leva como mercadoria o que sabe que
vender, dada a qualidade da clientela: patifarias, etc. ruim borcado;
47
alm disso; 48 como os bons so pobres, no tm dinheiro para gastar,
o Diabo nada de bom leva para a feira; 49 deve: uma vez que a grande
glria da vida ter dinheiro e que os maus o tm, quem quiser ser rico
tem de ser mau; 50 a mentalidade; 51 expulseis; 52 quando as contas nais
da feira se zerem, ver-se- que foi o Diabo quem mais vendeu
32
130
Ser.
Dia.
155
160
135
140
Ser.
Dia.
165
170
145
150
-
Mer.
Dia.
Vocabulrio
53
referncias aos pecados e ao Inferno; 54 perfumes; 55 tipo de echa
curta por associao, a guerra; 56 cartas de jogar; nestes versos, o Diabo
refere o vcio do jogo por parte de sacerdotes que chegam ao ponto de
perder at a roupa (pelotes) no jogo e de blasfemarem contra Deus
enquanto jogam (arreneguem); 57 abismo, o Inferno; 58 j,
imediatamente; 59 por ordem de Deus; 60 o Diabo apela da deciso do
Seram, isto , protesta contra ela; 61 que obrigasse; 62 neste verso e
nos anteriores so apresentadas vrias crticas a clientes do Diabo
eclesisticos e leigos; 63 ser bispo; 64 necessita de ser hipcrita;
65
em concorrncia com ele: tanto tem hipocrisia o Diabo como que que
quer chegar a bispo; 66 para; 67 unguento, espcie de remdio aqui
associado a bruxaria; 68 para escapar ao convento; 69 hei de satisfaz-la;
70
Mercrio diz ao tempo para se preparar pois Roma vem feira;
aparelhar tem valor imperativo Preparai-vos [Lindley Cintra];
71
preparar; o Diabo diz que est habituado a negociar com Roma: crtica
ao Papado
Educao literria
1. O Tempo comea por anunciar determinado tipo de mercadoria na sua tenda.
1.1 Identifica a primeira mercadoria que o Tempo anuncia ter na sua tenda de feirante.
1.2 Apresenta uma justificao plausvel, tendo em conta o sentido geral do auto, para o facto de o Tempo proclamar que na sua tenda essa mercadoria no pode ser comprada, mas somente trocada.
2. Atenta na referncia Cristandade presente no v. 17.
2.1 Explicita-a, tendo em considerao o ambiente de controvrsia religiosa presente na Europa da poca.
33
34
45
-
Fala
10
15
50
55
-
20
25
60
65
Vocabulrio
-
Dia.
30
Dia.
1
lutavam por minha causa; 2 quero ver quem vence; 3 provavelmente os trs
amigos eram a Frana, os estados italianos e Carlos V, que se guerrearam
entre si em lutas que incluram o saque de Roma; 4 lutam por minha causa;
5
os cristos: os trs amigos eram todos cristos; 6 destroem;
7
os prprios cristos; 8 tratam mal, faltam-me ao respeito; 9 Roma ameaa
passar a falar mourisco caso no consiga encontrar venda a paz
na feira, isto , Roma como que ameaa mudar de religio, de tal modo
maltratada pelos cristos, podendo at associar-se aos muulmanos;
10
conselho; 11 apropriado; 12 o Diabo devia estar vestido de cor vermelha, a cor
a ele associada; 13 nisso; 14 est; 15 porque; 16 equivalente ao ditado popular
o hbito no faz o monge: o Diabo quer dizer que, apesar de estar vestido
de vermelho, isso nada de mau signica; 17 diretamente; 18 no serve para
nada a verdade; 19 incomoda a verdade; 20 bons motivos; 21 para aquilo de
que necessitais; 22 cuidados, preocupaes; o que o Diabo est a dizer que
em tempos de mentira no vale a pena comprar a verdade; 23 nestes tempos,
chama-se verdade peonha, isto , veneno; chama-se vergonha
parvoce, chama-se ruindade aviso, isto , esperteza; 24 pagai; 25 subtil;
26
logo que cheguemos a acordo nos preos; 27 innitos
35
70
75
80
Dia.
85
Ser.
95
100
105
Rom.
110
-
Rom.
90
To honrados mercadores
no podem leixar32 de ter
cousas de grandes primores;
e quanto eu houver mister
deveis vs de ter, senhores.
115
Vocabulrio
comprei; 29 Roma admite ter comprado tantas mentiras, enganos, etc.,
sujas mercancias, ao Diabo, no passado, que at tem para vender;
30
maldades, crimes; 31 o que mais se vende na feira; 32 deixar;
33
senhoras tais como Roma; 34 baseio-me no facto de; 35 este verso e os
quatro anteriores revelam uma situao muito criticada na poca e que foi
um dos motivos que conduziu Reforma protestante: quem podia pagava,
remia os seus pecados com dinheiro e assim era absolvido, tendo, para
isso, de visitar igrejas (estaes) e de obter indulgncias (perdes);
36
neste caso, o poder de perdoar os pecados recebendo dinheiro de
quem podia pagar; 37 o Seram lembra a Roma que Deus no erra: por
isso, se Deus lhe levou a guerra, porque Roma ofendeu a Deus, lhe levou
a guerra da ofensa, por exemplo, com as remisses de pecados pagas em
dinheiro; 38 porque temo que sereis vencida por Deus; 39 Roma comea
a perceber (assim = portanto) que se quer a paz, dada por Deus, no
pode continuar com prticas como os jubileus, momentos em que se
perdoavam os pecados a troco de generosas esmolas;
40
Mercrio ataca Roma sem respeito, tratando-a por tu, acusando-a de
matar pecados, isto , de perdoar os pecados dos outros pecando ela
mesma; 41 no te afastes; 42 enorme; 43 referncia s absolvies dos
pecados por dinheiro, o que, para Mercrio, um pecado conferir versos
seguintes; 44 maus pressgios
120
28
125
130
135
36
Ser.
140
145
Um espelho i achars,
que foi da Virgem sagrada.
Coele te toucars,
porque vives mal toucada,
e no sintes como ests45:
e achars a maneira
como emendes a vida.
E no digas mal da feira,
porque tu sers perdida,
se no mudas a carreira46.
150
155
-
Dia.
45
Educao literria
1. Roma uma personagem alegrica.
1.1 Explica porqu.
2. Explicita, justificando, a crtica que Roma faz entre os vv. 1-20.
3. Atenta na srie de perguntas ou interrogaes feita por Roma entre os vv. 11-16.
3.1 Escolhe a opo correta. Com estas interrogaes, Roma, refletindo sobre a sua relao com a cristandade,
a. espera efetivamente que lhe seja dada uma resposta.
b. interroga sabendo j a resposta, isto , interroga para acentuar a m relao que tem com ela.
Acabas de identificar um recurso expressivo designado por interrogao retrica. Este tipo de interrogao formula-se para causar um efeito retrico, isto , um efeito persuasivo.
4. O Diabo prope-se vender a Roma determinado tipo de mercadoria, nomeadamente a que apresenta entre os vv. 56-60.
4.1 Identifica o recurso expressivo que usa para o fazer.
4.2 Explica a sua expressividade literria.
5. Roma faz uma autocrtica entre os vv. 66-80.
5.1 Justifica esta afirmao recorrendo a elementos textuais pertinentes.
6. Explicita as advertncias que o Serafim faz a Roma.
7. Explica que tipo de relao se estabelece entre Roma e Mercrio a partir do v. 131, justificando.
8. A relao entre Roma, o Diabo e o Serafim configura uma representao alegrica.
8.1 Explica porqu.
37
5
-
30
ora vamos eu e ti
longo desta ribeira.
Den. Bof1, vamos.
Ama.
Folgo bem2
de3 te vir aqui achar4!
Den. Vs tu l buscar algum,
ou esperas de comprar?
35
10
15
-
Ama.
40
-
45
-
20
25
-
38
50
-
E no pe cousa a guardar,
que a tope15 quando a cata16;
e por mais que homem se mata,
de birra no quer falar.
Trs d~ua pulga andar
trs dias, e oito, e dez,
sem lhe lembrar o que fez,
nem to-pouco o que far,
Pera que thei de falar?
Quando ontem cheguei do mato17
ps ~ua enguia a assar,
e crua a leixou levar,
por no dizer sape18 a um gato.
Quanta mansa, mansa ela:
dei-me logo conta disso!
Ama. Juro-teu que mais val isso
cinquenta vezes quela.
pois sim; 2 estou contente; 3 por; 4 encontrar; 5 falando; 6 alm disso; 7 minha;
zanga-se facilmente, desbocada; 9 tuberculosa; 10 em boa f; 11 tanto; 12 a criticaras,
lamentar-te-ias; 13 preguiosa, desajeitada; 14 movimento para peneirar o gro modo;
15
encontre; 16 procura; 17 do monte; 18 interjeio para enxotar gatos
8
60
A minha te digo eu
que se a visses assanhada19
parece demoninhada20
ante S. Bertolameu21!
Den. J siquer ter esprito22
Mas renega da mulher
que tempo do mester
no cabra nem cabrito.
Ama.
55
-
65
-
70
75
-
95
100
-
80
-
85
90
-
Vamo-nos ns esconder,
vejamos que vm catar40,
quelas ambas vm feira.
Mete-te nessa silveira,
queu daqui hei-de espreitar.
105
Bra.
Ama.
19
39
Vai-se-me s ameixieiras,
antes que sejam maduras.
Ele quebra as cereijeiras,
ele vendima as parreiras,
e no sei que faz das uvas.
Ele no vai lavrada,
ele todo dia come,
ele toda a noite dorme,
ele no faz nunca nada,
e sempre me diz que h fome!
120
125
-
160
165
-
130
135
140
Mar.
Pois bom homem parece ele.
Den. Aquela a minha froxa47.
Mar. Deu-tele a fraldilha roxa?
Bra. Milhor lhesfole eu a pele,
145
150
170
-
180
-
155
-
40
Isso me parece a mi
muito milhor que eu ir l.
Oh que couces que me d,
quando me colhe sob si!
Den. Cantquela si, dar62
Ama.
185
Vocabulrio
45
casar, fazer vida de marido; 46 quando bebe em demasia faz muito
barulho; 47 mansa; 48 forma eufemstica para prostituta; 49 priso (por
associao); 50 Jerusalm; 51 burrinha do prespio; 52 no sofras mais;
53
batido, agredido; 54 era s o que me faltava; 55 no a queres vender
(entenda-se: se a quer vender, tem de sair de onde est escondido);
56
queres; 57 se car comigo; 58 deixar-me-; 59 provavelmente:
desejemos-lhes infelicidades; 60 proponho; 61 outra vez; 62 quanto aquela
dar com certeza; 63 negociais; 64 de que tipo; 65 para os ps no, nem
pensar; Marta responde deste modo pergunta trocista do Diabo; 66 pois
ouviu o nome de Jesus; 67 to depressa ir embora; o mu a cavalgadura
do negociante
190
-
Nunca eu vi bofalinheiro
to prestes tomar o mu67!
BrancAnes, mana, cr tu
que, como Jesu Jesu,
era este o diabo inteiro!
Bra. No ele pau de boa lenha,
nem lenha de bom madeiro
Mar.
Ser.
235
68
195
~ pucarinha
Eu queria ua
pequenina pera mel.
Ser. Esta feira chamada
das Virtudes em seus tratos79.
Mar. Das virtudes? E h qui patos?
Bra. Quereis feirar a cevada
quatro pares de sapatos80?
Ser. Oh piadoso Deos eterno!
No comprareis pera os cos
um pouco damor de Deos
que vos livre do inferno?
Bra. Isso falar per pincos.81
200
Bra.
205
-
240
-
245
-
210
-
250
-
Bra.
255
-
215
Ser.
260
-
230
Mar.
220
225
-
E se o84 ho de correger85
quando for todo danado,
muito cedo se h-de ver
que j ele no pode ser
mais torto nem aleijado.
Vamo-nos, Marta, carreira,
que as moas do lugar
viro c fazer a feira.
Que estes no sabem ganhar,
nem tm cousa que homem86 queira.
Vocabulrio
68
41
265
270
-
Vocabulrio
87
Educao literria
1. Indica os vrios defeitos que Amncio aponta sua mulher.
2. Comprova, atravs de um exemplo significativo, que as palavras de Amncio provocavam o riso nos espetadores
com base num contraste de ordem fsica que ele refere.
3. A comparao entre as duas mulheres constri-se, nas palavras dos respetivos maridos, atravs de uma anttese.
3.1 Justifica esta afirmao.
Atenta no v. 95 e na palavra nele destacada: quando vieres da arada,. Este verso refere-se, como
sabes, ao regresso do trabalho no campo, onde Denis, lavrador, arava os campos, trabalhava com o arado
lavrando as terras.
Associamos regresso da arada a regresso do trabalho, arada a trabalho; Amncio usa aqui um
recurso expressivo chamado metonmia, que consiste numa associao entre duas realidades sem que
uma seja parte da outra.
42
Ser.
5
-
Tes.
Jul.
40
-
15
20
-
Responde-lhe, Teodora,
porque creo que a ti crea2.
Tes. Responda-lhe Dorotea,
pois que3 mora
junto co Juiz daldea4.
Dor. Mneca responder,
que falou j com senhor.
Mon. Responde-lhe tu, Nabor,
contigo sentender,
ou Denisio, ou Gilberto,
qualquer de vs outros trs.
e no vos embaraceis nem torveis5,
porque certo que
bem vos entendereis.
Mer.
45
compradores a comprar,
samica, ovos e galinhas.
Dor. No lhhei-de vender as minhas,
que as trago pera dar.
50
Vem dous compradores, um per nome Vicente, e outro Mateus, e diz a Justina:
-
55
Gil.
25
-
Estas cachopas no vm
feira nego a folgar6,
e trazem de merendar
nesses cestos que i tm.
60
30
35
Ser.
Gil.
Ser.
Gil.
Gil.
10
Ser.
Gil.
Ser.
E h l boas ladeiras,
como na serra dEstrela?
Si.
E a Virgem que fazia ela?
A Virgem olha as cordeiras,
e as cordeiras a ela.
E os Santos de sade
todos, a Deos louvores8?
Si.
E que lguas haver
daqui porta do Paraso,
onde So Pedro est?
Vs rosa do amarelo,
mana, tendes i queijadas9?
Jus. Tenho vosso av marmelo10,
Conhecei-lo?
Mat. Aqui esto, emborilhadas11!
Jus. Estade, m ora, qudo12,
pela vossa negra vida!
Mat. Menina, no hajais13 medo
Vs sois mais engrandecida14
que Branca de Figueiredo.
Mat.
Vocabulrio
1
43
Jus.
65
-
Vic.
Leo.
70
Vic.
Leo.
75
-
Vic.
Leo.
80
85
-
Vic.
100
105
-
No me faais descorts,
nem queirais ser to garrida!
Mon. Pola vossa negra vida!
Olhade como corts!
Oh! que lhe saia m sada!
Mat. Giralda, eu achar-vos-ei
dous pares de passarinhos?
Gir. Irei por eles aos ninhos,
entonces23 os venderei:
comereis vs estorninhos?
Mat.
110
115
-
120
95
-
Gir.
Vic.
125
-
90
Vic.
130
Jul.
Vic.
Jul.
Vic.
Jul.
Vic.
Mat.
Vocabulrio
15
Justina mostra, atravs de algumas expresses cujo sentido hoje difcil de entender, o seu desagrado pelas tentativas de
aproximao de Mateus; insulta-o mesmo chamando-lhe rasca-piolhos; 16 o mesmo se passa com Leonarda perante os
avanos (Minha vida Leonarda) de Vicente; 17 frequentador do Pao; 18 em hora m; 19 aborreceis; 20 to depressa;
21
mexais (no cesto); 22 nada; 23 ento; 24 como palaciana educada, como dama do pao real; 25 crias do coelho;
26
de coelho no; 27 ave de rapina
44
135
140
-
145
150
-
155
-
Mat.
Porm trazeis algum pato?
Tes. E quanto dareis por ele?
No sejais vs descorts.
160
-
Vocabulrio
28
30
45
165
Mat.
Vamo-nos daqui, Vicente.
Vic. Bof vamos.
Mat.
Nunca vi tal feira.
Vic. Vamos comprar ribeira,
Ser.
170
175
Ser.
180
185
-
Primeiro coro
200
-
Segundo coro
-
190
195
-
205
-
210
Vocabulrio
33
46
trocam; 34 agora (porque vieram a p feira cansar-se?); 35 Nossa Senhora; 36 cantiga; (a fazer-lhe uma festa); 37 antes que
Educao literria
1. O conjunto de nove moas dos montes, e trs mancebos que vem feira pode ser considerado, pelos seus comportamentos, uma personagem coletiva.
1.1 Justifica esta afirmao.
2. Apresenta uma explicao plausvel para o facto de ningum querer responder s palavras do Serafim.
3. Tem em ateno a entrada em cena dos dois compradores Vicente e Mateus.
3.1 Explicita os motivos que permitem afirmar que as suas atitudes e palavras configuram comportamentos tpicos
do quotidiano das feiras.
4. Explicita o tipo de religiosidade presente nas camadas populares representadas pelo variado conjunto de personagens presente nesta seco final do auto. Na tua resposta, deves referir as perguntas que o Serafim faz a partir do
v. 167, o que lhe respondido e a cantiga final.
47
Solues
Educao literria
p. 29
1. 1.1 Nestes versos, Mercrio refere-se a quem acredita na astrologia, os que pensam poder adivinhar o futuro a partir dos cos, v. 17.
1.2 Ridiculariza-as atravs da apresentao de uma srie de verdades evidentes pretensamente descobertas com a ajuda da astrologia,
criando assim um forte efeito cmico. Por exemplo, saber que o co
redondo e que o sol amarelo, vv. 38-39.
2. 2.1 uma pergunta cuja resposta (vv. 59-61) mostra a vacuidade
da astrologia. Mais uma vez se refora aqui a denncia desta crena
atravs de um efeito cmico.
3. 3.1 criticado o clero. 3.2 criticado por no respeitar Deus (v. 84),
por no levar uma vida santa (v. 85) e por viver na riqueza (v. 86).
pp. 33-34