Arthur Conan Doyle A Nova Revelacao
Arthur Conan Doyle A Nova Revelacao
Arthur Conan Doyle A Nova Revelacao
com
A Nova Revelação
Contendo
a biografia de Arthur Conan Doyle
█
Conteúdo resumido
Prefácio.....................................................................................4
1
As Pesquisas..............................................................................5
2
A Revelação............................................................................24
3
A Vida Futura..........................................................................33
4
Problemas e Limitações..........................................................45
Documentos Suplementares...................................................58
I
A outra vida..............................................................58
II
Escrita automática....................................................60
III
O abrigo de Cheriton................................................62
Biografia de Sir Arthur Conan Doyle ....................................67
Prefácio
–0–
Documentos Suplementares
I
A outra vida
II
Escrita automática
III
O abrigo de Cheriton
–0–
Biografia de Sir Arthur Conan Doyle 8
Trabalho vão
Sem nenhuma ocupação, Conan Doyle tinha ainda de esperar
meses para iniciar o curso de outono da Universidade de
Edimburgo. Que fazer durante esse tempo? Resolveu seguir para
Londres, para tentar trabalho, e por meio da imprensa médica
ofereceu seus serviços. Hospedou-se em casa de seu tio Henry,
em Clifton Gardens, onde foi recebido com satisfação. Enquanto
não arranjava nada, estudava pela manhã e à tarde passeava pelas
ruas. Mas as coisas não podiam continuar assim. Sem esperança
de se empregar em terra, Conan Doyle decidiu entrar para a
Marinha, como ajudante de cirurgião. Nesse ínterim, recebeu
uma carta do Dr. Elliot, do povoado de Ruyton, em Shropshire,
informando que aceitava seus serviços. Esse Dr. Elliot, porém,
não tinha um caráter muito firme e se enraivecia com facilidade.
Um dia, zangou-se porque Conan Doyle ponderou que a pena de
morte devia ser suprimida. “Não tolero que semelhante opinião
seja dita em minha casa, entende, senhor?” – esbravejou ele,
dirigindo-se a Conan Doyle. Sem se alterar, este lhe respondeu
na mesma hora: “Senhor, costumo expender minhas opiniões
onde e quando queira.”
Não tardou, assim, que Arthur voltasse ao colégio, em fins de
outubro. Trabalhara de graça para o Dr. Elliot, mesmo porque
não havia sido combinada nenhuma remuneração pelos meses de
trabalho que ali tivera. Mas, intimamente, confiava em que o Dr.
Elliot lhe desse alguma coisa. Não veio nada. Então, Conan
Doyle perguntou-lhe se lhe poderia pagar a viagem de volta e
teve esta resposta, que define o perfil do Doutor Elliot: – “Meu
amigo, a lei é assim. Se um assistente tem ordenado combinado,
é pessoa reconhecida e com direito a reclamar que suas despesas
sejam pagas. Caso contrário, transforma-se num cidadão que
viaja para instruir-se. Por conseguinte, nada tem a receber...”
Convencido de que não dava resultado ser ajudante de
médico, pelos calotes que sofria, Conan Doyle voltou a
Edimburgo, onde, por força das circunstâncias, foi ser assistente
de um Dr. Reginald Tatcliffe Hoare, de Clifton House, em
Birmingham, que, como médico dos pobres, ganhava muito
dinheiro.
Nessa época escreveu mais três contos: O Mistério do Vale de
Sasassa, A Granja Encantada de Goresthorpe e O Conto do
Americano.
Estava pensando em ser médico de um navio sul-americano,
quando seu amigo Claude Augustus Currie, estando
impossibilitado de viajar, lhe ofereceu seu camarote e sua
função. Iria como cirurgião nominal, ganhando ao todo
cinqüenta libras, e estaria durante sete meses percorrendo o
Oceano Ártico.
Na baleeira “Hope”
Em fevereiro de 1880, lá se foi ele na baleeira “Hope”,
deixando o porto de Peterhead no fim desse mês. Improvisaram
uma luta de boxe e ele derrotou o mordomo do navio, logo na
primeira noite, ganhando prestígio a bordo. O encontro de
manadas de focas foi também motivo de alegria para Conan
Doyle, que, assim, se refazia das muitas decepções que havia
tido em terra. Em setembro de 1881, deixou o navio e regressou
a Edimburgo, com a sua estatura completamente desenvolvida.
Diplomado
Nesse mesmo ano de 1881, Arthur Conan Doyle recebeu
diploma de médico e durante algum tempo voltou a ser assistente
do Dr. Hoare. Vários fatos ocorreram, ameaçando a sua
tranqüilidade profissional, até que conseguiu realizar seu desejo
de fazer nova viagem marítima. Lá se foi ele no navio Mayumba,
a caminho da costa ocidental da África. Sua mãe o animava. Um
ou dois anos de viagem lhe permitiriam arranjar dinheiro
suficiente para instalar um consultório por conta própria. Em
outubro desse ano, porém, o navio foi acossado por tremenda
tempestade, depois de Tuskar Light. E todos viram um médico
gigante permanecer destemerosamente metade da noite sobre o
tombadilho lavado pelas águas. Foi essa uma de suas últimas
noites de satisfação a bordo, nessa viagem acidentada à Costa do
Ouro. Em janeiro de 1882, o Mayumba atracava de novo em
Liverpool. Sentou-se Arthur numa sala onde exalava
insuportável fétido de madeiras e metais queimados, e escreveu à
sua sempre lembrada mãe uma carta, de onde destacamos estas
linhas:
“Escrevo-lhe para dizer que cheguei são e salvo, depois de
haver apanhado a febre africana e quase ter sido devorado por
um tubarão. Como cena final, o Mayumba se incendiou entre a
ilha da Madeira e a Inglaterra. Não penso voltar à África. O que
ganho é menos do que poderia ganhar com a minha pena ao
mesmo tempo, e o clima é atroz. Espero que não se decepcione
por eu haver abandonado o navio, mas isto não é suficiente. Eu
seria capaz de fazer qualquer coisa para não decepcioná-la ou
causar-lhe desgosto. Podemos conversar a esse respeito.”
Conversaram e tudo se acomodou. Nessa ocasião, chegou
uma carta da tia Anette, chamando-o a Londres, a fim de falar-
lhe de suas probabilidades para o futuro.
Choque inevitável
Foi essa a primeira vez que Arthur Conan Doyle defrontou a
primeira crise real de sua existência. Seus parentes católicos
poderiam influir muito na sua vida futura. Mas ele, fiel à sua
maneira de sentir, respondeu à tia Anette, dizendo que era
agnóstico e que, diante disto, seria falta de honestidade de sua
parte discutir o assunto com eles. Sua mãe, que daria tudo para
ver o filho triunfante, deixou que ele fizesse o que pensava e
guardou silêncio.
Não tardou que chegasse a resposta da tia Anette, insistindo
para que ele, mesmo assim, fosse a Londres.
E para lá partiu o jovem e voluntarioso Arthur Conan Doyle.
*
Arthur Conan Doyle chegou à casa dos tios disposto a manter
sua opinião, mas desejoso de evitar uma ruptura. Passeou os
olhos pela sala de jantar da casa de Cambridge Terrace. Lá
estava a grande mesa, em volta da qual já haviam sentado
homens proeminentes, como Walter Scott, Disraeli, Thackeray,
Coleridge, Wordsworth, Rossetti, Lever e muitos outros, todos
eles amigos de seu tio John e que representavam o mundo
literário que tanto atraía o jovem Arthur. Intimamente, não
desejava crer que seus parentes se aborrecessem tanto por
simples questão religiosa. Mas era justamente neste ponto que
ele se enganava. Para seus tios, já envelhecidos, superiores e sem
descendência, a única coisa que importava no mundo era a Igreja
Católica. Seus antepassados tudo haviam dado por ela e para ela.
Os bens materiais eram efêmeros: só a fé era real. No entanto,
esse jovem Arthur, para quem eles haviam sido tão bondosos,
estava pondo a própria alma em perigo, por causa de um
perverso capricho.
Iniciado o “conselho de família”, Conan Doyle foi franco:
– Se eu exercesse minha profissão como médico católico,
teria que receber dinheiro e declarar que acredito em algo em
que realmente não creio. Vocês todos teriam o direito de me
considerar o maior canalha do mundo, se o fizesse. Vocês não
procederiam assim, não é certo?
O tio Dick, que ele conhecera tão sereno, estava furioso, e
retrucou:
– Mas nós estamos falando da Igreja Católica. E isso é
diferente.
– Eu sei. Mas em que sentido é diferente, tio Dick?
– Porque aquilo em que acreditamos é verdadeiro.
A fria simplicidade desta observação chocou-se com o ânimo
de Conan Doyle, quando seu tio acrescentou:
– Se somente possuísses fé...
O rapaz, com a firmeza que lhe era habitual, contestou:
– Sim, é isso o que todos me dizem. Falam de ter fé como se
fosse possível obtê-la por um ato voluntário. Poderiam pedir-me
também que tenha cabelos negros em vez de castanhos. A razão é
a mais alta faculdade que a criatura humana possui. Temos de
fazer uso dela.
Esta resposta de Conan Doyle não abalou os tios. E o de
nome James indagou:
– Que te diz a razão?
– Diz-me que todos os males da religião, dezenas de religiões
destroçando-se umas às outras, provêm de serem aceitas coisas
que não podem ser provadas. Dizem-me que esse Cristianismo
de vocês contêm muitas coisas nobres e magníficas, misturadas
com uma quantidade de absurdos e futilidades sem-nome.
Dizem-me...
Estava concluída a entrevista.
Ao deixar aquela casa, Arthur Conan Doyle sabia que uma
porta se havia fechado para ele definitivamente. Ainda que os
céus desabassem, jamais recorreria a esses tios – pensou com os
seus botões. Um sobrinho a quem tantas vezes haviam
agasalhado passou a ser um estranho. Alguém poderia dizer que
ele pusera fora a grande oportunidade de sua vida. Mas Arthur
Conan Doyle possuía excelente formação moral, tinha um caráter
rijo, modelado por uma mãe excepcional. Por isto, reafirmou
suas opiniões religiosas e jurou que jamais aceitaria algo que não
pudesse comprovar.
Tentando a sorte
Decidido a vencer, Conan Doyle pôs-se a procurar colocações
a bordo, sem resultado. Recebeu, nessa época, um telegrama de
seu amigo Dr. Budd, que lhe oferecia um lugar em seu
consultório, pois tinha muito serviço, prometendo a Conan Doyle
trezentas libras no primeiro ano de trabalho, desde que ele se
encarregasse de todas as visitas, de toda a cirurgia, de todos os
partos. Esse Budd, porém, era um charlatão espetaculoso,
embora médico capaz, e possuidor, realmente, de grande
clientela. Numa palavra, um cabotino.
O que se passou, daí por diante, foi penoso para Conan
Doyle, que ganhava apenas uma ou duas libras por semana.
Enquanto Budd prosperava, ele marcava passo. Seus credores
aumentavam, porque Budd não lhe pagava o que havia
prometido. De boa-fé, Conan Doyle defendia o amigo, quando
sua mãe dizia que Budd não era relação que servisse para ele,
criticando duramente o caráter desse médico.
Indiscretos
Um dia, quando Conan Doyle estava ausente, Budd e a
mulher remexeram-lhe os móveis e encontraram as cartas em que
a mãe de Arthur se externava com franqueza a respeito desse
falso amigo. Traiçoeiro, Budd nada disse, esperando que
chegasse o mês de junho, quando, da maneira mais suave,
declarou a Conan Doyle que este arruinara a sua clientela desde
o começo. E explicou: “Essa gente da roça tem a cabeça dura.
Vêem uma porta com dois nomes de médico e se atrapalham.
Querem o Dr. Budd, mas receiam ser enganados pelo Dr. Doyle.
Ficam nervosos e vão embora.”
Conan Doyle, que nada sabia do que havia sucedido, foi para
o pátio e retirou com um martelo a placa que tinha o seu nome na
porta principal. Budd aproveitou o ensejo para alegar que ele
estava agindo precipitadamente e de mau humor. E lá se foi ele
para Portsmouth, onde abriu um consultório, também sem êxito.
Os primeiros tempos de clínica eram bastante difíceis. Como o
Dr. Budd lhe havia prometido pagar-lhe uma libra por mês, para
que ele desfizesse o acordo estabelecido, ele contava com essa
libra para ir ajudando as despesas menores. Dois contos seus,
Ossos e A Ribanceira de Bluemansdyke, publicados pelo editor
de London Society, lhe renderam sete libras, e quinze xelins lhe
foram pagos como adiantamento por outros trabalhos. Conan
Doyle chamara seu irmão Innes, de dez anos, para ajudá-lo como
servente.
Comédia
Estava tudo indo assim, Conan Doyle às voltas com o aluguel
da casa que ocupava e com outras despesas que não podia solver,
quando o Dr. Budd lhe escreveu, dizendo haver encontrado, no
quarto que ele ocupara, pedaços de certa carta rasgada. Juntara
esses pedaços, depois que Arthur fora para Portsmouth, e
verificara tratar-se de carta da mãe de Conan Doyle, que
continha pesados insultos a ele, Dr. Budd, chamando-lhe “pouco
escrupuloso” e “tapeador em falência”. Ora, isso era uma
falsidade, pois a verdadeira carta se achava em poder de Conan
Doyle. Mas, com esse estratagema, Budd livrou-se da obrigação
assumida de lhe dar uma libra mensal...
Melhoria
Parece que, rompidos os laços que o ligavam a Budd, as
coisas começaram a melhorar e os primeiros clientes foram
chegando. Seu consultório tinha respeitabilidade e asseio. O
tempo correra e um belo dia o correio entrega a Conan Doyle
uma carta da firma Smith, Elder & Co., datada de 15 de julho de
1883, que saudava A. C. Doyle e lhe fazia entrega de um cheque
de vinte e nove guinéus em pagamento de uma colaboração que
o escritor enviara ao Cornhill Magazine, sob o título
A Observação de Habakuk Jephson, que ainda não havia sido
publicada.
Conan Doyle vibrou de satisfação. Conseguira finalmente
entrar na fortaleza inexpugnável que era o Cornhill Magazine.
Entretanto...
*
A alegria de Conan Doyle por ver aceito o seu trabalho A
Observação de habakuk Jephson, pelo Cornhill Magazine, cujo
editor havia sido anteriormente Thackeray e estava então
prestigiado pelo famoso novelista Robert Louis Stevenson, autor
de A Ilha do Tesouro, Dr. Jeckyll e o Sr. Hyde e outros, não foi
tão completa como seria de desejar. É bem verdade que o
Cornhill Magazine só publicava trabalhos de real valor e seu
editor, o eminente James Payn, era muito exigente a esse
respeito. Acontece, porém, que omitiram o nome de Conan
Doyle e Habakuk apareceu sem a sua assinatura, tendo um
crítico atribuído sua autoria a Stevenson, comparando-o a Edgar
Allan Poe. É fácil imaginar o estado de espírito de Conan Doyle,
ao ver um trabalho seu ser tão elogiado e atribuído a ouros
escritores. Foi preciso que ele se contivesse muito para deixar de
dizer a todo o mundo ser seu A Observação de Habakuk
Jephson. Lutando como estava, não pôde suprimir a colaboração
para revistas más, modestas e baratas, como London Society, All
the Year Round ou Boy’s Own Paper.
Até 1884, exerceu sem grandes modificações a sua profissão
de médico, sem abandonar, entretanto, a literatura. Ainda
arranjava tempo para orientar seu irmão Innes na redação de um
“diário”.
Exímio no futebol
Suas façanhas no críquete e no futebol contribuíam também
para isso. Jogava com muita técnica e não menor energia,
tornando-se popular no esporte. Fez-se sócio da Sociedade
Literária e Científica, dividindo suas horas de lazer entre a
literatura e o esporte. Chegou até a ganhar bela caixa de charutos
finos em virtude da sua perícia no boliche. De quando em
quando, para alegrar-se, recebia a visita de alguma de suas irmãs.
Êxito de Habakuk
Médico da Companhia de Seguros de Vida Gressham, Conan
Doyle viu sua renda aumentar. Teve ocasião de fazer a dura
experiência que o contacto com a dor e a morte impõe aos
médicos. quanto mais se dedicava à Medicina, mais se
aprofundava nas letras. “Depois do aparecimento de A
Observação de Habakuk Jephson – diz seu biógrafo Carr –, em
janeiro de 1884, durante algum tempo não teve Conan Doyle
oportunidade de ver publicado outro trabalho no Cornhill
Magazine. Esse conto, feito com muita imaginação, baseava-se
num abandonado barco misterioso, de nome “Mary Celeste”.
Teve repercussão muito além dos elogios dos críticos. Ao longe,
em Gibraltar, foi lido por um tal Sr. Solly Flood, intercessor de
S.M., que ficou petrificado, e, por intermédio da Central News
Agency, enviou um telegrama que percorreu a Inglaterra inteira.
Esse Flood escreveu também um longo relatório a seu
Governo e aos jornais, salientando a ameaça que, para as
relações internacionais, representavam as pessoas como esse
doutor Jephson, as quais fingiam revelar fatos que oficialmente
poderiam ser provados como falsos. Antes que a situação ficasse
esclarecida, os jornais se divertiram bastante com os temores
desse Sr. Flood. Para o Dr. Conan doyle essa ocorrência foi o
princípio de uma revelação. Poderia escrever ficções que muitas
pessoas tomariam por ser a verdade mesma.
Assim, o ano de 1884 começava para ele com uma febre por
escrever, mas o Cornhill Magazine lhe devolvia todos os
trabalhos que ele enviava para publicar. Mas o grande escritor do
futuro se alegrou ao receber convite para participar de um
almoço que aquela revista oferecia a seus colaboradores, no
Barco, em Greenwich. Foi nesse almoço que Conan doyle
conheceu Payn, diretor do Cornhill Magazine.
Injustiça
Ao ser divulgado um concurso literário do Tit-Bits, Conan
Doyle para lá mandou um artigo. Mas ficou indignado ao ver que
o prêmio havia sido concedido a um trabalho em todos os
aspectos inferior ao seu. O que o irritava é que não havia justiça.
Resolveu que os obrigaria a ser justos!
Fez ele, então, uma proposta-desafio, que o editor da citada
revista deixou sem resposta, dada a impossibilidade de desmenti-
lo. Indiretamente Conan Doyle vencera...
Primeiro casamento
Em junho de 1885, Conan Doyle, depois de defender tese,
recebeu o título de M. D., Doutor em Medicina (Medical
Doctor), e em agosto casou-se com a suave Louise Hawkins,
“Toule”. Sempre lutando para que seus trabalhos literários
fossem aceitos e buscando firmar-se na carreira médica, ele
chegou ao Ano Novo de 1887.
Atraído pelo psiquismo
Estava então inteiramente preocupado com um novo e
delicado assunto: o psiquismo. Havendo renunciado ao
Catolicismo, que não satisfazia ao seu espírito evoluído,
permaneceu materialista, tal como o historiador Gibbon, a quem
tanto admirava. Mas o seu materialismo era mais de superfície,
tanto que escreveu: “É verdade que se tem de subentender um
Criador, se se concebe o mundo como um imenso maquinismo
de relógio balançando sobre o vácuo.”
Mensagem confirmada
Novamente, durante a sessão, esse velho se fez notado e um
membro da sessão recebeu dele uma mensagem alusiva a Conan
Doyle, a qual dizia: “Esse cavalheiro é médico. Não deve ler o
livro de Leigh Hunt.” Ora, Conan Doyle confessou depois que
estava vacilante sobre se deveria ou não comprar o livro Os
Dramaturgos Cômicos da Restauração, e que o não adquirira
devido à sua linguagem libidinosa. Jamais havia revelado esse
fato a quem quer que seja, nem pensava nele nessa ocasião.
“Portanto – esclarece –, não foi um caso de telepatia.”
Impaciência
Depois da surpresa dessa noite, Conan Doyle, atormentado
pela dúvida e a indecisão, o que se pode notar pela leitura de seu
“diário”, esforçava-se bastante por adquirir conhecimentos cada
vez mais profundos a respeito dos assuntos psíquicos. Não era
homem para aceitar as coisas facilmente, antes de provas que lhe
dessem cabal satisfação. Resolveu, assim, continuar investigando
e lendo, porque, depois de tantas leituras e severas investigações,
ainda não havia chegado a uma conclusão definitiva. Pensou lá
com seus botões: “Talvez eu não tenha investigado bem, com a
atenção necessária.” E resolveu ser ainda mais exigente.
*
Passemos por cima de outros fatos da dinâmica vida de
Arthur Conan Doyle, pois é nosso objetivo relatar
preferentemente as suas principais atividades no Espiritismo.
Muita coisa acontecera com ele, depois daquela primeira sessão
espírita realizada em 24 de janeiro de 1887, além do seu
crescente êxito literário. Em fins de janeiro de 1889, nasceu-lhe a
filha Mary Louise; sua mãe, renunciando ao Catolicismo-
Romano, ingressara na Igreja Anglicana. O famoso personagem
de seus romances policiais, Sherlock Holmes, granjeara imensa
popularidade, fato que desconcertava Conan Doyle, que desejava
do público maiores atenções para as suas novelas históricas.
Tanto assim que, posteriormente, “matou” Sherlock Holmes.
Mas essa criação do seu pensamento foi tão prodigiosa, tão
genial, que ele se viu forçado a provocar-lhe a “ressurreição”,
cedendo ao clamor de milhares de leitores, no Reino Unido, na
Europa, nos Estados Unidos, no mundo!
Negadores desconcertados
Depois de ligeira parada, Crookes, continuou seu caminho.
Então alguém disse estar surpreso ante o fato de um homem de
sua importância, de sua posição no mundo da Ciência, acreditar
em Espíritos.
Conan Doyle atalhou, imediatamente:
– Acredito que, por detrás das crenças de Crookes, haja
alguma coisa merecedora de...
– Não graceje! – exclamaram alguns amigos.
– Não estou gracejando. Venho estudando cuidadosamente,
há muito tempo, as investigações de Crookes, Oliver Lodge e
Fredrich Myers. Parece que há nesse assunto muita coisa digna
de...
– Fé? – interrompeu um deles, com ar de mofa.
– Pelo menos – concluiu Conan Doyle, seriamente – de
consideração, já que não de uma fé verdadeira.
Ao proferir essas palavras, sacudiu a cabeça, de um modo que
lhe era muito característico, e se dirigiu a outros amigos que
solicitavam sua presença.
Justamente no momento em que ele se afastava, disseram-lhe:
– Até você, Arthur? Será que Saul também se encontra entre
os profetas?...
Em 1902, o Rei Eduardo VII, da Inglaterra, considerando os
grandes serviços prestados por Conan Doyle, a propósito da
guerra dos “boers”, cogitava de conceder-lhe o título
nobiliárquico de “Sir”. Fiel a seus rígidos princípios, Conan
Doyle não se mostrava disposto a aceitar a honraria. Se havia
sido útil a seu país, esclarecendo fatos, restabelecendo a verdade,
fazendo crítica construtiva, até mesmo a autoridades inglesas; se
havia sido útil, enfim, cumprira apenas seu dever. Nada mais.
“Não aceitaria o que considerava condescendência, nem aceitaria
vulgares migalhas de uma mesa qualquer” – escreveu um de seus
biógrafos.
E asseverava Conan Doyle:
“Todo o meu trabalho em favor do Estado se macularia se eu
aceitasse uma dessas “recompensas”. Pode parecer orgulho, pode
parecer loucura, mas eu não posso aceitá-la. O título de maior
valor que possuo é o de “doutor”, que devo aos sacrifícios de
minha mãe e à sua determinação. Não quero trocar esse título por
quaisquer outros.”
Apesar de enérgica resistência, Conan Doyle teve que aceitar
os pontos de vista de sua mãe, que assim argumentara:
– Arthur: se queres conservar teus princípios, cometerás uma
descortesia com o rei.
Embora contrariado, concordou Arthur Conan Doyle que seu
nome figurasse na Lista de Honra dos que seriam contemplados
com o título de “Sir”.
No “Dia da Coroação”, festejado alegremente na Grã-
Bretanha e em todas as suas colônias, Conan Doyle teve assento
reservado junto ao de Oliver Lodge, autor de “Raymond” e um
dos grandes campeões do Espiritismo na Inglaterra, que
receberia também nessa data o referido título. Quase esquecendo
o fim de sua presença naquele local, começaram ambos a discutir
assuntos do Espiritismo. Foi uma conversação animada, durante
a qual pontos importantes foram debatidos com profundo
interesse.
Curioso episódio
No ano de 1906, a 17 de fevereiro, o capitão Innes Doyle, seu
irmão, que não o via desde que fizeram juntos a excursão aos
Estados Unidos da América, em 1894, foi visitá-lo. A certa
altura, enquanto Arthur Conan Doyle escrevia uma carta,
ponderou Innes:
– Sabes, Arthur? Seria bastante estranho se a tua verdadeira
carreira, em vez de estar na literatura, estivesse na política.
O novelista, sem erguer a cabeça, respondeu de imediato,
quase automaticamente:
– Minha carreira não será nenhuma dessas. Será a religião.
– A religião?! – tornou Innes, visivelmente surpreendido.
Foi quando Conan Doyle caiu em si, olhando para o irmão
com tal expressão de espanto no rosto, que ambos começaram a
rir. Não sabia ele como semelhante resposta lhe saíra dos lábios e
confessou considerá-la idiota.
– A verdade é que minha futura carreira nada terá com a
religião.
Nesse momento, ignorava Conan Doyle para onde os fatos o
levariam. As palavras irromperam-lhe involuntariamente da
boca, como se algum Espírito dela se utilizasse para lhe dar aviso
muito antecipado da mudança que sua orientação iria sofrer
nesse sentido.
Desde que iniciara os estudos psíquicos, em Southsea, que
Conan Doyle nutria grande afeto pelo Espiritismo, porque, na
sua opinião, nele poderiam ficar incluídos todos os credos
religiosos. Religião sem dogmas, sem liturgia nem intolerâncias,
o Espiritismo inspirara-lhe simpatia muito profunda, porque
coincidia com o seu espírito altamente humano,
extraordinariamente reto e liberal.
Embora não houvesse dado maior importância ao fato
ocorrido durante a visita de Innes, a realidade estava evidente:
fora, sem dúvida, uma entidade invisível que se utilizara de seus
lábios e da excelente oportunidade para dizer o que ele próprio
não admitia: sua futura carreira seria a religião, em vez da
literatura ou da política.
Ninguém combateu com maior ardor do que ele a fraude e a
mistificação. Embora ainda fossem fortes as suas dúvidas, não
desistiu das investigações. Não podia compreender o
recebimento de mensagens banais em sessões espíritas. Mas o
entendeu logo que se familiarizou com a doutrina. Admirava o
Espiritismo por sua elevação moral, porque não é religião
sectária, não condena as criaturas humanas ao castigo eterno, não
as ameaça de perder a alma por causa de simples pormenores
doutrinários, nem possui a intolerância que tanto o irritara
quando menino, predispondo-o contra todos os credos
dominantes na Europa, como o Catolicismo e o Protestantismo.
Com muito maior razão, depois de homem, repeliria estreitos e
sombrios preconceitos religiosos. Justamente por motivo de sua
experiência no Catolicismo, exigia provas concludentes no
Espiritismo, apesar do afeto profundo que devotava à Terceira
Revelação.
O livro de Myers
A Personalidade Humana e sua Sobrevivência à Morte do
Corpo, de Fredrich Myers, publicado após o decesso do autor,
em 1901, impressionou-o bastante. Daí a decisão de Conan
Doyle, de fazer suas próprias experiências, com mesas e
médiuns, sob severo controle e com todas as precauções contra a
fraude e a mistificação, pois a campanha que se fazia, então,
contra o Espiritismo, era tremenda, principalmente por aqueles
que o negavam aprioristicamente e se recusavam a participar de
longas e cansativas experiências para poderem chegar a honestas
conclusões. Seu progresso era lento, mas seguro.
A enfermidade de sua primeira esposa Toule, entretanto, não
lhe permitia dispensar maior tempo às investigações. A 4 de
julho de 1906, ela desencarnou, vítima da tuberculose, apesar da
carinhosa assistência de Conan Doyle, que lhe proporcionara
viagens de cura, os melhores tratamentos conhecidos na época e
o máximo conforto.
Em seguida, sobreveio o célebre “caso Edalji”, que lhe valeu,
após intenso trabalho, grande vitória, pois pôde provar
irrefutavelmente a inocência do acusado.
Evidências de mediunidade
Somos dos que admitem que todas as criaturas humanas são
dotadas de mediunidade latente. Algumas se desenvolvem
naturalmente ou mediante exercícios adequados, com a
assistência do invisível. Outras nada sentem e por isso se julgam
desprovidas desse dom. Tal era o caso de Arthur Conan Doyle.
No entanto, ele demonstrou no decurso de sua vida um poder de
intuição magnífico, inclusive através de suas novelas policiais e
históricas.
Aquele episódio com o seu irmão Innes, as profecias de seu
conto Perigo, publicado em 1913, antecipando práticas até então
desconhecidas, que foram utilizadas na Guerra Mundial iniciada
em 1914, além de outros fatos, reforçam a nossa suposição de ter
sido Conan Doyle um médium intuitivo. Predisse a técnica da
primeira conflagração mundial, relatando com fidelidade a
guerra submarina, os torpedeamentos de navios neutros, os
ataques aéreos, etc. Contou em 1913 o que aconteceria de 1914 a
1918!
*
Em setembro de 1907, consorciou-se pela segunda vez. Sua
nova esposa chamava-se Jean Leckie. Em 1909, nasceu-lhe o
primogênito desse matrimônio, Denis Percy Stewart Conan
Doyle. Em 1910, o segundo, Adrian Malcolm Conan Doyle. Em
1914, visitou de novo os Estados Unidos, agora com sua esposa
Jean, e foi ao Canadá, regressando à Inglaterra nos primeiros
dias de julho. A 23 desse mês, o império austro-húngaro enviava
o ultimato à Sérvia, dando início à Grande Guerra.
Prova definitiva
Lily Loder-Symonds, amiga dos Doyle, era médium e
escrevia automaticamente. Conan Doyle comentara: “Tinha-se a
impressão de que alguma força se apoderava de seu braço e ela
escrevia coisas que pareciam vir de entre os mortos. Todavia,
devemos sempre olhar com suspeita a escrita automática, pois é
tão fácil alguém enganar-se a si mesmo... Como podemos saber
se o médium está ou não dramatizando certas facetas de sua
personalidade?”
Essa dúvida demonstrava que, ainda aí, Conan Doyle não
havia adquirido a convicção sólida que lhe veio depois.
Lily Loder-Symonds havia perdido três irmãos na guerra,
além de um amigo, na pessoa de Malcolm Leckie. Começou a
receber mensagens desses quatro jovens e algumas delas foram
confirmadas posteriormente. Comentou Conan Doyle:
“As mensagens estavam cheias de pormenores militares que a
moça ignorava. Um de seus irmãos informou haver conhecido
um belga e, como deu seu nome, pudemos averiguar que assim
acontecera efetivamente. Outros resultados, no entanto, foram
falsos ou não puderam ser comprovados.”
Conan Doyle ficou impressionado com essas comunicações,
mas não prosseguiu. Depois, sucedeu alguma coisa. Ele recebera
uma mensagem de Malcolm Leckie, que mencionava fatos de
caráter muito pessoal, somente deles conhecidos.
Durante trinta anos, aproximadamente, Conan Doyle havia
buscado uma prova objetiva das comunicações dos Espíritos.
Encontrara-a, finalmente, nessa mensagem de Malcolm, que lhe
deixou profunda impressão.
Então, pôde afirmar:
“Por fim, deixei de duvidar.”
Dois anos mais tarde, em 1918, Conan Doyle publicou A
Nova Revelação (ora reeditado pela Federação Espírita
Brasileira, Rio de Janeiro) e lá escreveu o seguinte sobre a
comunicação de Malcolm Leckie e outros fatos:
“Em face de um mundo que agonizava, ouvindo narrar
diariamente como morria a flor da nossa raça, nos primeiros
albores da sua juventude, observando, à volta de nós, as esposas
e as mães sem fazerem idéia clara do destino que teriam tido os
seres a quem amavam, de pronto se me afigurou que o assunto,
com que desde tanto tempo eu brincava, não se resumia apenas
no estudo de uma força que escapa aos preceitos da ciência, que
nele havia alguma coisa verdadeiramente tremenda: o desabar de
muralhas entre dois mundos, uma mensagem inegável vinda
diretamente do além, um brado de esperança e de
encaminhamento para o gênero humano, na hora da sua mais
viva aflição. O lado objetivo da questão deixou de me interessar.
Convencido, afinal, da sua veracidade, não havia mais por que
prosseguir. Seu lado religioso apresentava importância
infinitamente maior. A campainhada do telefone é coisa em si
mesma pueril, mas pode dar-se que seja a chamada para uma
comunicação de vital interesse. Afigurou-se-me que todos esses
fenômenos, grandes e pequenos, eram campainhadas de telefones
que, sem significação em si mesmas, bradavam aos homens:
“Levantai-vos! Alerta! Atendei! Estes sinais são para vós outros!
Eles vos previnem da mensagem que Deus vos quer enviar!” O
que tem valor real é a mensagem, não os sinais.”
Em inspeção
Em 1916, o Ministério do Exterior da Inglaterra enviou
Conan Doyle a uma viagem oficial de inspeção, além do Canal
da Mancha. Homem ativo, semelhante convite lhe causou grande
contentamento. Tivera a incumbência de visitar a frente italiana e
escrever algo para estimular os peninsulares da luta contra a
Áustria. Aí, quase foi morto por uma granada, mas gracejou:
“Não me venham dizer que os austríacos não sabem atirar!”
Sentia-se leve e bem disposto, porque se achava em ambiente de
grande atividade, compatível com o seu temperamento, e
também porque estava colhendo dados para apregoar uma grande
verdade ao mundo.
Piave... Piave...
Sofrendo muito de insônia, Conan Doyle, certa vez, ouviu
incessantemente a palavra “Piave”, atordoando sua cabeça:
“Piave... Piave... Piave...” Lembrava-se de ter ouvido muito
vagamente o nome desse rio que ficava atrás das linhas italianas.
Não havia, porém, razão para que essa palavra martelasse seus
ouvidos, pois nenhum caso particular o ligava a ela. Dada a
insistência, resolveu anotar o nome e mostrou-o a alguns amigos.
Conan Doyle lembrou-se dessa palavra, quando foi divulgada a
notícia da grande vitória italiana na batalha às margens do
referido rio. Tivera, pois, aviso do famoso acontecimento com
bastante antecedência.
Nova possibilidade de revelação intuitiva a reforçar a
hipótese de sua mediunidade é o que essa ocorrência parece
demonstrar.
Arthur Conan Doyle resumia sua crença neste heptálogo:
1) a paternidade de Deus;
2) a fraternidade do homem;
3) a sobrevivência da alma;
4) a comunicação entre os vivos e os mortos;
5) a responsabilidade pessoal;
6) uma justiça divina premiando a cada um segundo seu
merecimento e seus esforços;
7) uma progressão eterna.
“A revelação – disse ele em A Mensagem Vital – anula a idéia
de um inferno grotesco e de um céu fantástico, por conceber uma
elevação progressiva na escala da vida, sem mudanças
monstruosas que em um instante nos transformem em anjos ou
demônios.”
Conferências
Em 1917, Arthur Conan Doyle começou a fazer conferências
espíritas, expondo e analisando os fenômenos psíquicos. Nunca
mais parou, desde então, essa propaganda importante do
Espiritismo-Religião. O que ele fez, os esforços que despendeu,
os ataques sofridos, a fortaleza de ânimo revelada e a firmeza
com que se sobrepôs aos inimigos do Espiritismo, que também
se tornaram, com isso, seus inimigos, puseram em relevo a
elevação moral desse homem extraordinário, que não foi apenas
um romancista de episódios policiais, mas um escritor de grande
erudição, servido por uma inteligência viva e penetrante.
Tamanho é o prestígio de que ainda hoje goza o seu nome que
todas as suas obras, ou quase todas, foram há pouco tempo
publicadas em nosso país, não só as de aventuras, nas quais
Sherlock Holmes, o precursor da polícia técnica, é o herói, como
as de História, onde Conan Doyle põe em relevo grande cultura e
peculiar “maneira de dizer”.
Cooperação
Doía-lhe ver a Humanidade devastada pela primeira
conflagração bélica mundial. Em abril de 1917 os Estados
Unidos entraram na guerra. Logo depois, a Revolução
Bolchevista aumentou as preocupações da Europa. A frente
russa, em julho, se desmorona perante o inimigo. Conan Doyle
não parava. Fazia conferências espíritas, chamando a atenção do
povo para a grandeza do Espiritismo, que constituía a prova
cabal de que a morte não significa o aniquilamento da alma; e,
como bom patriota, agia, colaborando com o Primeiro-Ministro
inglês.
Kingsley
Preparava-se Conan Doyle para iniciar uma palestra espírita,
em Nottingham, quando recebeu um telegrama, informando
achar-se moribundo seu filho Kingsley. Homem forte, controlou-
se. Apenas seus olhos se umedeceram. Admitindo que Kingsley
desejaria que ele não suspendesse a conferência, iniciou-a em
seguida. sua palavra não denunciou um só instante a emoção que
o dominava. Duas semanas depois, era assinado o armistício...
Mais tarde, numa fotografia de Conan Doyle, podia-se ver, ao
seu lado, o Espírito de seu filho Kingsley, de uma nitidez
admirável.
Em 1919, aos sessenta anos, Conan Doyle poderia aposentar-
se de todas as atividades, porque sua vida, até ali, já fora bastante
fecunda em numerosos sentidos. Ele, porém, não era homem de
ficar entregue à ociosidade e continuava empenhado, mais do
que nunca, na propaganda do Espiritismo.
Par de Reino
Começou-se a falar em sua ascensão a Par do Reino Unido da
Grã-Bretanha, que é a maior distinção a que um homem pode
aspirar no império britânico. Era o reconhecimento, ou mais do
que isso, a ratificação oficial do seu grande valor moral e
intelectual.
Acontece, porém, que havia uma condição para que ele fosse
Par do Reino: renunciar ao Espiritismo! Arthur Conan Doyle não
tinha, no entanto, o temperamento dos acomodadores. Sabia que
a sua fidelidade ao Espiritismo lhe faria perder a grande
oportunidade, além de muitos amigos presos a preconceitos
sectários. Mas, para ele, nada tinha tanto valor quanto a verdade
e a verdade era o Espiritismo, que trouxera uma mensagem nova
de conhecimento, paz e amor para a Humanidade que sofre!
Alguns anos antes, conta um de seus biógrafos, Douglas
Sladen escrevera o seguinte a seu respeito: “Trata-se de um
homem a quem se recorreria no caso de crise. Há poucos em
Londres que não conheçam essa enorme figura, essa cabeça
redonda com pômulos salientes e intrépidos olhos azuis, esse
rosto franco e de bom humor. É um conferencista muito popular,
agradável e entretido em assuntos leves, mas profundo e
convincente nos momentos de crise. De todos os escritores de
nossa época, é Arthur Conan Doyle quem mais merece ser
chamado um grande homem.”
Um escritor norte-americano, no jornal Free Press, de
Detroit, se referia à visita de Conan Doyle aos Estados Unidos,
em 1894, e dissera: “Sábio conselheiro nas resoluções de
importância e um refúgio seguro para os amigos que necessitam
de seus bons ofícios.”
Depois de sua atitude, recusando a distinção de Par do Reino
em troca do repúdio ao Espiritismo, esses homens manteriam a
mesma opinião a respeito dele ou mudariam de atitude, para não
perderem o prestígio e as vantagens decorrentes do apoio à
intolerância? Preferimos não avançar mais, pois provavelmente
optariam pela última dessas hipóteses.
Compreensão
Conan Doyle não se revoltou contra aqueles que o criticaram
e atacaram por causa disso. Achava que eles não tinham culpa,
pois não haviam sido alcançados pela revelação que lhe
iluminara o espírito, não fizeram as pesquisas e as experiências a
que ele se dedicara exaustivamente. “Tinham, pois, o direito de
ter opiniões contrárias, como ele, Conan doyle, se julgava
também com o direito de sustentar as opiniões que defendia, se
bem que o assunto, ele o sabia, não era questão de opiniões, nem
de teorias, nem de decisões” – acrescenta o seu biógrafo.
Tolerante, superiormente compreensivo, disse à esposa:
– Estejamos preparados para o que disserem. Isso tem muita
importância? – perguntou ele.
– Nada tem importância, Arthur, se você crê que deve
proceder desse modo.
– É a única atitude que posso tomar. Toda a minha vida veio
culminar nisto – o Espiritismo. É o mais grandioso fato que
existe no mundo.
Sua decisão estava tomada. Que desabasse o mundo sobre
ele. Arthur Conan Doyle continuaria de pé, como continuou.
Certa feita, quando se encontrava na Austrália, Conan Doyle
teve de suportar venenosas considerações de um tal reverendo J.
Blacket, a respeito do Espiritismo. Homem leal e decente,
incapaz de argumentos capciosos e falsidade, ele se desgostava
quando encontrava adversários que não tinham os mesmos
escrúpulos. O reverendo, entre muitas das sandices habituais
lançadas contra a Terceira Revelação, repisava o tema de que o
Espiritismo é obra do demônio e os espíritas com este têm pacto
firmado. Encarando seriamente a questão, Conan Doyle
escreveu: “Digamos que o melhor exemplo é o do Cristo; quando
os fariseus lhe fizeram essa imputação, ele respondeu: Conhecê-
los-eis, pois, pelos seus frutos. Não posso compreender a
mentalidade de quem pensa que é coisa do demônio o querer
provar a existência da vida além-túmulo, para poder assim
refutar os materialistas. Se isso é obra do demônio, então parece
que ele se reformou.”
Sua concepção filosófica, tal como a espírita, afirmava que
“não é crível que Deus ajuda a um grupo da Humanidade contra
outro. O ensinamento é que a fé e as crenças têm pouca
importância ao lado do comportamento e do caráter. São estes
últimos que determinam o lugar que a alma ocupará no Além.
Todos os credos religiosos, cristãos e não cristãos têm seus
santos e seus pecadores; se um homem é bondoso e humilde, não
há por que temer pelo destino de sua alma, seja ou não membro
de uma igreja organizada na Terra”.
Mediunidade admitida
Muita gente tem perguntado se Arthur Conan doyle era
médium. Acreditamos que sim. Ele mesmo, aliás, respondendo a
leitores que se interessavam por mais contos sobre Sherlock
Holmes, respondeu várias vezes:
“Só posso escrever o que me chega do Além.”
Advertência
Em 1929, Conan Doyle completou 70 anos. Achava-se em
Bignell Wood. Sentia-se capaz ainda de ir à Escandinávia,
cumprindo sua missão de conferencista. Pretendia depois visitar
Roma, Atenas, Constantinopla. Recordava o que escrevera ao
fim de sua viagem à África do Sul: “Voltarei mais forte de saúde,
com as minhas crenças ainda mais sólidas, com mais desejo que
nunca de combater pela maior de todas as causas: a regeneração
por meio da religião, por meio do Espiritismo, que é direto e
prático e, além disso, é o antídoto único contra o materialismo
científico.”
Visitou Haia e Copenhague, chegou à Noruega e Suécia. Em
Estocolmo, principalmente, fizeram-lhe calorosa acolhida e as
ruas se encheram de gente para saudá-lo. Ocupou o microfone de
uma das radioemissoras locais, onde sua voz surgiu lenta, clara e
vibrante.
Tinha o objetivo de regressar a Londres para falar no Albert
Hall, nas comemorações do dia do Armistício, pela manhã, e no
Queen’s Hall, à noite. A neve começara a cair. Então,
repentinamente, o bondoso gigante de Edimburgo vacilou e caiu!
Era a advertência de que sua vida corria perigo.
Transportaram-no de trem para o nº 16 do Buckingham
Palace Mansions. Seus médicos o avisaram de que seria um
suicídio se ele teimasse em usar da palavra, conforme prometera.
Mas, como fizera em toda a sua vida, Conan Doyle não quis
ceder, nem mesmo diante da “angina pectoris”. Cumpriria sua
palavra, não só por se haver comprometido a fazê-lo, como
porque se tratava da Cerimônia do Armistício em honra dos que
– como seus filhos Kingsley e Innes – haviam partido para a
guerra ao som da canção “Guardemos nossas Preocupações”.
Missão cumprida
Falou em Albert Hall pela manhã desse domingo, mas não
sem dificuldade e com as pernas trôpegas. À noite, no Queen’s
Hall, fez o mesmo. E depois, quando a multidão que não pudera
entrar, pois o local estava superlotado, pediu que ele falasse de
novo, Conan Doyle insistiu em se dirigir a um balcão, sem
chapéu, debaixo da neve que caía. Parecia que a sua força de
vontade havia superado os males do corpo.
E cumprira sua missão. Estava satisfeito.
Desencarnação
Na véspera do Natal, desceu para a sala de jantar em
Windlesham. Estava de bom humor, embora só houvesse
chupado algumas uvas. O Dr. John Lamond, pastor presbiteriano,
que havia algum tempo era seu companheiro de Espiritismo e
que tantas vezes o ouvira imitar o professor Challenger, via
Conan Doyle rir-se ao contar uma visita que fizera a Barry, em
Stanway Court.
Na primavera de 1930, parecia que sua saúde melhorara.
Tudo se passara bem. Chega o verão. Ele continuava
trabalhando, continuava escrevendo, ocupando-se com a grande
correspondência. Quando passava do seu gabinete para o
dormitório, caiu pesadamente ao chão. Ao mordomo que acudira,
aflito, para ajudá-lo, ele disse calmamente:
– Não tem importância. Leve-me devagar. Que ninguém saiba
disso, ouviu?
Não queria alarmar sua esposa Jean.
Aplicaram-lhe oxigênio. De seu quarto, Conan Doyle viu o
amanhecer de um dia esplendoroso. Embora se sentisse muito
fraco, quis levantar-se e sentar-se numa poltrona. Falava com
dificuldade, mas ainda assim teve estas palavras para a esposa
desvelada:
– Devia-se cunhar uma medalha para você, com uma
inscrição assim: “Para a melhor das enfermeiras”.
Eram quase oito e meia. Jean e Adrian ladeavam-no,
segurando-lhe as mãos com ternura. Mais além se encontravam
Denis, Lena Jean e Mumpty.
Às oito e meia, Jean e Adrian sentiram nas mãos uma pressão
relativamente forte. Conan Doyle se reanimou um instante e,
embora sem fala, olhou um por um. Depois, com a maior
serenidade se reclinou e fechou os olhos para sempre.
Era 7 de julho, quando desencarnava Arthur Conan Doyle, em
Crowborough (Sussex).
Havia partido da Terra um dos espíritos mais nobres e
valorosos que a Humanidade tem conhecido. A ele se referiu
assim um de seus biógrafos, honesto e fiel, apesar de ser
contrário ao Espiritismo:
“Pela causa da religião espírita, Conan Doyle deu seu
coração, sua fortuna e, por último, sua vida.”
E num sentido espírita, referindo-nos à influência que ele
deixou atrás de si, podemos acrescentar apenas isto:
“Não escrevamos seu epitáfio: ele não morreu.”
História do Espiritismo
Antes de concluirmos este escorço biográfico, sumamente
lacunoso, pela impossibilidade de reproduzirmos tudo quanto
pudemos colher a respeito desse notável escritor e admirável
espírita, desejamos mencionar sua grande obra História do
Espiritismo, aparecida pela primeira vez na Inglaterra, em 1926
(1º volume) e 1927 (2º volume). Dela há várias edições, entre as
quais uma em castelhano, publicada em Buenos Aires, e, mais
recentemente, uma em nosso idioma, aparecida em 1960 (Editora
O Pensamento, São Paulo, SP).
Bibliografia
• The Life of Sir Arthur Conan Doyle, de John Dickson Carr,
tradução de José Donoso Yañez.
• El Espiritismo – Su Historia, sus Doctrinas, sus Hechos, de
Arthur Conan Doyle.
• A Nova Revelação, de Arthur Conan Doyle, edição da
Federação Espírita Brasileira, contendo “A Mensagem Vital”.
• Conan Doyle – o Homem que eu Conheci, por Harvey
Metcalfe, “apud” Revista Estudos Psíquicos, de Lisboa.
• Conan Doyle, editorial da Revista Constancia, de Buenos
Aires.
• Sir Arthur Conan Doyle, número especial de La Revue
Spirite, de setembro-outubro de 1959, editorial e artigos de
Conan Doyle, Hubert Forestier e Annie Brierre.
FIM
Notas:
1
Cerca de 21 metros.
2
Referência ao livro de Sir Oliver Lodge, assim intitulado.
3
Espírito perturbador, que se compraz em manifestações ruidosas e
desordenadas.
4
Ver documento suplementar nº III.
5
Ver documento suplementar nº II.
6
Essa é uma visão pessoal do grande autor. A definição por ele dada é a fé
dogmática das religiões, chamada por Allan Kardec fé cega, conforme
lemos na questão 6 de O Evangelho segundo o Espiritismo:
“a fé cega aceita, sem verificação, assim o verdadeiro como o falso, e a
cada passo se choca com a evidência e a razão. Levada ao excesso, produz
o fanatismo.”
O Espiritismo, por sua vez – na mesma questão da referida obra –, prega a
fé raciocinada, que “por se apoiar nos fatos e na lógica, nenhuma
obscuridade deixa. A criatura então crê, porque tem certeza, e ninguém
tem certeza senão porque compreendeu. Eis por que não se dobra. Fé
inabalável só o é a que pode encarar de frente a razão, em todas as
épocas da Humanidade.”
7
Uma libra equivale a 453 gramas.
8
Trabalho elaborado para a revista “Reformador” e dele transcrito,
figurando na edição de 1980 (3ª edição), à guisa de introdução. (N.E.)