9.9 Os Sacramentos em Geral
9.9 Os Sacramentos em Geral
9.9 Os Sacramentos em Geral
Em distino da Igreja Catlica Romana, as igrejas da Reforma salientam a prioridade da Palavra de Deus. Enquanto aquela parte do pressupostos de que os sacramentos contm tudo que necessrio para a salvao dos pecadores, no precisam de interpretao e, portanto, tornam a Palavra completamente suprflua como meio de graa, estas consideram a Palavra como absolutamente essencial, e apenas levantam a questo, por que se lhe deve acrescentar os sacramentos. Alguns luteranos alegam que uma graa especfica, diferente da que produzida pela Palavra transmitida pelos sacramentos. Isso quase universalmente negado pelos reformados (calvinistas), uns poucos telogos escoceses e o doutor Kuyper formando excees regra. Eles assinalam o fato de que Deus criou o homem de tal maneira, que ele obtm conhecimento particularmente pelas avenidas dos sentidos da viso e da audio. A Palavra est adaptada aos ouvidos e os sacramentos aos olhos. E, desde que os olhos so mais sensveis que os ouvidos, podese dizer que Deus, ao acrescentar os sacramentos Palavra, vem em auxlio do pecador. A verdade dirigida aos ouvidos atravs da Palavra est representada simbolicamente nos sacramentos para os olhos. Deve-se ter em mente, porm, que, enquanto a Palavra pode existir e tambm completa sem os sacramentos, os sacramentos nunca so completos sem a Palavra. H pontos de semelhana e de diferena entre a Palavra e os sacramentos. 1. PONTOS DE SEMELHANA. Eles concordam: (a) no autor, visto que Deus mesmo instituiu ambos como meio de graa; (b) no contedo, pois Cristo o contedo central tanto da Palavra como dos sacramentos; e (c) na maneira pela qual o contedo assimilado, isto , pela f. Esta constitui o nico modo pelo qual o pecador pode tornar-se participante da graa oferecida na Palavra e nos sacramentos. 2. PONTOS DE DIFERENA. Eles diferem: (a) em sua necessidade, sendo que a Palavra indispensvel, ao passo que os sacramentos no; (b) em seu propsito, desde que a Palavra visa a gerar e a fortalecer a f, enquanto que os sacramentos servem somente para fortalec-la; e (c) em sua extenso, visto que a Palavra vai pelo mundo inteiro, ao passo que os sacramentos s so ministrados aos que esto na igreja. B. Origem e Sentido da Palavra Sacramento. A palavra sacramento no se encontra na Escritura. derivada do termo latino sacramentum , que originariamente denotava uma soma de dinheiro depositada por duas partes em litgio. Aps a deciso da corte, o dinheiro da parte vencedora era devolvido, enquanto que a da perdedora era confiscada. Ao que parece, isto era chamado sacramentum porque objetivava ser uma espcie de oferenda propiciatria aos deuses. A transio para o uso cristo do termo deve ser procurada: (a) no uso militar do termo, em que denotava o juramento pelo qual um soldado prometia solenemente obedincia ao seu comandante, visto que no batismo o cristo promete obedincia ao seu Senhor; e (b) no sentido especificamente religioso que o termo adquiriu quando a Vulgata o empregou para traduzir o grego mysterion . possvel que este vocbulo grego fosse aplicado aos sacramentos por terem eles uma tnue semelhana com alguns dos mistrios das religies gregas. Na Igreja Primitiva a palavra sacramento era empregada primeiramente para denotar todas as espcies de doutrinas e ordenanas. Por esta mesma razo, alguns se 1
opuseram ao nome e preferiam falar em sinais ou mistrios. Mesmo durante e imediatamente aps a Reforma, muitos no gostavam do nome sacramento. Melanchton empregava signi , e tanto Lutero como Calvino achavam necessrio chamar a ateno para o fato de que a palavra sacramento no empregada em seu sentido original na teologia. Mas o fato de que a palavra no se encontra na Escritura e de que no utilizada em seu sentido original quando aplicada s ordenanas institudas por Jesus, no tem por que dissuadir-nos, pois muitas vezes o uso determina o sentido de uma palavra. Pode-se dar a seguinte definio de sacramento: Sacramento uma santa ordenana instituda por Cristo, na qual, mediante sinais perceptveis, a graa de Deus em Cristo e os benefcios da aliana da graa so representados, selados e aplicados aos crentes, e estes, por sua vez, expressam sua f e sua fidelidade a Deus.
C. Partes Componentes do Sacramento. Devemos distinguir trs partes nos sacramentos. 1. O SINAL EXTERNO OU VISVEL. Cada sacramento contm um elemento material, palpvel aos sentidos. Num sentido bem livre, este elemento s vezes chamado sacramento. Contudo, no sentido estrito da palavra, o termo mais inclusivo e denota o sinal e aquilo que significado ou simbolizado. Para evitar mal-entendido, deve-se ter em mente este uso diferente. Isto explica por que se pode dizer que um descrente pode receber, e, todavia, no receber o sacramento. No o recebe no sentido pelo da palavra. O objeto externo do sacramento inclui, no somente os elementos que se usam, a saber, gua, po e vinho, mas tambm o rito sagrado, aquilo que se faz com estes elementos. Segundo este ponto de vista externo, a Bblia denomina os sacramentos sinais e selos, Gn 9.12, 13; 17.11; Rm 4.11. 2. A GRAA ESPIRITUAL INTERNA, SIGNIFICADA E SELADA. Os sinais e selos pressupem algo que significado e selado e que geralmente chamado matria interna do sacramento. Esta variadamente indicada na Escritura como aliana da graa, Gn 9.12, 13; 17.11, justia da f, Rm 4.11, perdo dos pecados, Mc 1.4: Mt 26.28, f e converso, Mc 1.4; 16.16, comunho com Cristo em Sua morte e ressurreio, Rm 6.3, e assim por diante. Declarada resumidamente, pode-se dizer que consiste de Cristo e todas as Suas riquezas espirituais. Os catlicos romanos a vem na graa santificante acrescentada natureza humana, capacitando o homem a praticar boas obras e a subir s alturas da visio Dei (viso de Deus). Os sacramentos no significam meramente uma verdade geral, mas uma promessa dada a ns e por ns aceita, e servem para fortalecer a nossa f com respeito realizao dessa promessa, Gn 17.1-14; Ex 12.13; Rm 4.11-13. eles representam visivelmente e aprofundam a nossa conscincia das bnos espirituais da aliana, da purificao dos nossos pecados e da nossa participao na vida que h em Cristo, Mt 13.11; Mc 1.4, 5; 1 Co 10.2, 3, 16, 17; Rm 2.28, 29; 6.3, 4; Gl 3.27. como sinais e selos, eles so meios de graa, isto , meios pelos quais se fortalece a graa interna produzida no corao pelo Esprito Santo. 3. UNIO SACRAMENTAL ENTRE O SINAL E QUILO QUE SIGNIFICADO. Geralmente se lhe chama forma sacramenti , forma dos sacramentos ( forma significando aqui essncia), porque exatamente a relao entre o sinal e a coisa significada que constitui a essncia do sacramento. Segundo o conceito reformado (calvinista), esta (a) no fsica , como pretendem os catlicos romanos, como se a coisa significada fosse inerente ao sinal 2
e o recebimento da matria externa inclusse necessariamente a participao na matria interna ; (b) nem local, como a descrevem os luteranos, como se o sinal e a coisa significada estivessem presentes no mesmo espao, de sorte que tanto os crentes como os incrdulos recebessem o sacramento completo ao receberem o sinal; (c) mas espiritual , ou como o expressa Turretino, moral e relativa , de modo que, quando o sacramento recebido com f, a graa de Deus o acompanha. Conforme este conceito, o sinal externo torna-se um meio empregado pelo Esprito Santo na comunicao da graa divina. A estreita relao existente entre o sinal e a coisa significada explica o emprego daquilo que geralmente se chama linguagem sacramental, na qual o sinal mencionado em lugar da coisa significada, ou vice-versa , Gn 17.10; At 22.16; 1 Co 5.7. D. Necessidade dos Sacramentos. Os catlicos romanos afirmam que o batismo absolutamente necessrio para todos, para a salvao, e que o sacramento da penitncia igualmente necessrio para aqueles que cometeram pecado mortal depois do batismo; mas que a confirmao, a eucaristia e a extrema uno so necessrias somente no sentido de que foram ordenadas e so eminentemente teis. Por outro lado, os protestantes ensinam que os sacramentos no so absolutamente necessrios para a salvao, mas so obrigatrios em vista do preceito divino. A negligncia voluntria do seu uso redunda no empobrecimento espiritual e tem tendncia destrutiva, precisamente como acontece com toda desobedincia persistente a Deus. Que no so absolutamente necessrios para a salvao, segue-se: (1) do carter espiritual e livre da dispensao do Evangelho, na qual Deus no prende a Sua graa ao uso de certas formas externas, Jo 4.21, 23; Lc 18.14; (2) do fato de que a Escritura menciona unicamente a f como condio instrumental da salvao, Jo 5.24; 6.29; 3.36; At 16.31; (3) do fato de que os sacramentos no originam a f, mas a pressupem, e so ministrados onde se supe a existncia da f, At 2.41; 16.14, 15, 30, 33; 1 Co 11.23-32; e (4) do fato de que muitos foram realmente salvos sem o uso dos sacramentos. Pensemos nos crentes anteriores ao tempo de Abrao e no ladro penitente na cruz. E. Os Sacramentos do Velho e do Novo Testamentos Comparados. 1. SUA UNIDADE ESSENCIAL. Roma alega que h diferena essencial entre os sacramentos do Velho Testamento e os do Novo. Ela afirma que, semelhana de todo o ritual da antiga aliana, seus sacramentos tambm eram meramente tpicos. A santificao produzida por eles no era interna, mas apenas legal, e prefigurava a graa que haveria de ser conferida ao homem no futuro, em virtude da paixo de Cristo. Isso no significa que nenhuma graa interna acompanhava o uso deles, mas simplesmente que isso no era efetuado pelo sacramento propriamente ditos, como acontece na nova dispensao. Eles no tinham eficcia objetiva, no santificavam o participante ex opere operato , mas unicamente ex opere operantis , isto , por causa da f e caridade com que eram recebidos. Uma vez que a plena concretizao da graa tipificada por aqueles sacramentos dependia da vinda de Cristo, os santos do Velho Testamento foram encerrados no Limbus Patrum (Limbo dos Pais) at Cristo os tirar de l. A verdade, porm, que no h diferena entre os sacramentos do Velho Testamento e os do Novo. Provamno as seguintes consideraes; (a) em 1 Co 10.1-4 Paulo atribui igreja do Velho Testamento aquilo que essencial nos sacramentos do Novo testamento; (b) em Rm 4.11 ele fala da circunciso de Abrao como selo da justia da f; e (c) em vista do fato de que eles representam as mesmas realidades espirituais, os nomes dos sacramentos de ambas as dispensaes so utilizados uns pelos outros: a circunciso e a pscoa so atribudas 3
igreja do Novo Testamento, 1 Co 5.7; Cl 2.11, e o batismo e a Ceia do Senhor igreja do Velho Testamento, 1 Co 10.1-4. 2. SUAS DIFERENAS FORMAIS. No obstante a unidade essencial dos sacramentos das duas dispensaes, h certos pontos de diferena. (a) Em Israel os sacramentos tinham um aspecto nacional em acrscimo sua significao espiritual como sinais e selos da aliana grega. (b) Ao lado dos sacramentos, Israel tinha muitos outros ritos simblicos, tais como as ofertas e as purificaes, que no essencial concordavam com os seus sacramentos, ao passo que os sacramentos do Novo Testamento esto absolutamente ss. (c) Os sacramentos do Velho Testamento apontavam para Cristo no futuro, e eram os selos da graa que ainda teriam que ser merecidas, ao passo que os do Novo testamento apontam para Cristo no passado e o Seu sacrifcio de redeno j consumado. (d) Em harmonia com o contedo total da dispensao do Velho Testamento, a poro da graa divina que acompanhava o uso dos sacramentos do Velho Testamento era menor do que a que atualmente se obtm mediante o confiante recebimento dos sacramentos do Novo Testamento. F. Nmero dos Sacramentos. 1. NO VELHO TESTAMENTO. Durante a antiga dispensao havia dois sacramentos, quais sejam, a circunciso e a pscoa. Alguns telogos reformados (calvinistas) eram de opinio que a circunciso originou-se em Israel e foi auferido deste povo da aliana por outras naes. Mas agora patentemente claro que esta posio insustentvel. Desde os tempos mais primitivos, os sacerdotes egpcios eram circuncidados. Alm disso, a prtica da circunciso se acha em muitos povos da sia, da frica e at da Austrlia, e muito improvvel que todos a tenham derivado de Israel. Todavia, somente em Israel ela se tornou um sacramento da aliana da graa. Como pertencente dispensao do Velho Testamento, era um sacrifcio cruento, simbolizando a exciso da culpa e da corrupo do pecado, e constrangendo as pessoas a deixarem que o princpio da graa de Deus penetrasse suas vidas completamente. A pscoa tambm era um sacrifcio cruento. Os israelitas escaparam do destino dos egpcios com sua substituio por um sacrifcio, que foi um tipo de Cristo, Jo 1.29, 36; 1 Co 5.7. A famlia salva comeu o cordeiro que fora imolado, simbolizando assim um ato assimilativo de f, muito parecido com o ato de comer o po na Ceia do Senhor. 2. NO NOVO TESTAMENTO. A igreja do Novo Testamento tambm tem dois sacramentos a saber, o batismo e a Ceia do Senhor. Em harmonia com a nova dispensao em seu conjunto global, eles so sacramentos incruentos. Contudo, simbolizam as mesmas bnos espirituais que eram simbolizadas pela circunciso e pela pscoa na antiga dispensao. A igreja de Roma aumentou para sete o nmero dos sacramentos de maneira totalmente infundada. Aos dois que foram institudos por Cristo ela acrescentou a confirmao, a penitncia, a ordenao, o matrimnio e a extrema uno. Ela procura base bblica para a confirmao em At 8.17; 14.22; 19.6; Hb 6.2; para a penitncia em Tg 5.16; para a ordenao em 1 Tm 4.14; 2 Tm 1.6; para o matrimnio em Ef 5.32; e para a extrema uno em Mc 6.13; Tg 5.14. Pressupe-se que cada um destes sacramentos comunica, em acrscimo graa geral da santificao, uma graa sacramental especial, diferente em cada sacramento. Esta multiplicao dos sacramentos criou uma dificuldade para a igreja de Roma. Geralmente se admite que, para serem vlidos, precisam ter sido institudos por Cristo; mas Cristo instituiu apenas dois. Conseqentemente, ou os outros no so sacramentos, ou o direito de institu-los ter que ser atribudo aos apstolos 4
tambm. Na verdade, antes do Conclio de Trento, muitos asseveravam que os cinco adicionais no foram institudos diretamente por Cristo, mas por meio dos apstolos. Todavia, aquele conclio declarou ousadamente que todos os sete sacramentos foram institudos pessoalmente por Cristo, e, desse modo, imps teologia da sua igreja uma tarefa impossvel. um ponto que tem que ser aceito pelos catlicos romanos com base no testemunho da igreja, mas que no de v ser comprovado. Autor: Louis Berkhof Fonte: Teologia Sistemtica do autor, Ed Cultura Crist (CEP).