A Felicidade No Livro X Das Confissoes de Santo Agostinho
A Felicidade No Livro X Das Confissoes de Santo Agostinho
A Felicidade No Livro X Das Confissoes de Santo Agostinho
Escrito por Magna Sex, 27 de Novembro de 2009 00:37 - ltima atualizao Dom, 29 de Novembro de 2009 22:37
XX, 29 XXIII, 33
Enivaldo Ramos ( )
INTRODUO
As Confisses de santo Agostinho uma narrativa autobiogrfica. Onde [i] ele se confessa para Deus e confessa Deus como Senhor. E concebe a si mesmo como uma parcela da criao divina, mortal e pecador e que no podendo se realizar sozinho, busca a plenitude em Deus.
O presente artigo vem explicitar essa busca por um bem no perecvel, mas que realiza o homem mortal e pecador. A procura deste bem na interioridade do prprio homem. Nele habita a verdade. Deus fez nele sua morada. O homem deve voltar-se para si mesmo numa busca por aquilo que verdadeiro, eterno e que lhe proporcione a vida feliz.
Agostinho v na busca da verdade um fim, a felicidade que para ele o prprio Deus. Desta forma, pode-se constatar uma relao ntima entre, felicidade, verdade e Deus no pensamento de Agostinho. Na verdade, Deus a prpria verdade e a felicidade do homem, inquieto at nele repousar. O repouso o gozo da felicidade. O descanso daquilo que transitrio e passageiro.
Trs aspectos do pensamento de Agostinho: primeiro, a relao do pensamento cristo com a filosofia; segundo, uma aguada literatura retrico-argumentativa; terceiro, uma inquieta busca de Deus.
neste terceiro aspecto que este artigo ir se ater. A busca de Deus, como busca da
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felicidade. Tema sempre atual e que responde de maneira eloqncia as condies atuais da existncia humana.
[i] O Onde neste trecho do artigo entendido como um lugar. As Confisses so O lugar do encontro e da procura. De confessar Deus e se confessar a Ele para santo Agostinho.
1. Verdade e Iluminao
Todo homem busca a verdade (AGOSTINHO, Confisses, X, xxiii, 33) [ii] , e essa desempenha o papel de alicerce na temtica alma Deus em Santo Agostinho. Alicerce que no exterior ao homem, mas est no seu interior. Agostinho no busca a verdade no cosmo, como fizeram os filsofos anteriores, especificamente os gregos, mas na interioridade humana. Noli foras ire, in teipsum redi, in interiori homine habitat veritas (AGOSTINO, La Vera Religione , XXXIX, 72) [iii] . Esse volta-se para si mesmo se torna uma verdadeira metafsica da interioridade. Ele tornou-se para ele mesmo um grande problema, a grande questo.
A verdade est no interior do homem, fez nele sua morada. Mas como o homem pode chegar verdade que habita no prprio homem? O voltar-se para si mesmo sugere uma busca por aquilo que verdadeiro. E para o bispo de Hipona, o verdadeiro eterno e imutvel. Logo, o homem no pode ser a verdade. Este contingente. A verdade no busca a ela mesma. Se fosse o homem a verdade, no estaria buscando algo superior a ele, mas igual a ele mesmo [iv ] . O homem deve buscar algo melhor para si, nem igual ou inferior a si prprio, mas algo que seja eterno e no transitrio. Logo, esse algo est fora da matria corprea.
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Mas existe uma instncia no homem, a alma, que apresenta uma autonomia em relao aos objetos materiais. Ela [...] julga com base em critrios que contm um algo mais em relao aos objetos corpreos, com efeito, so mutveis e imperfeitos, ao passo que os critrios segundo os quais a alma julga so imutveis e perfeitos [v] .
De onde a alma deriva os conceitos eternos e imutveis que utiliza para julgar os objetos? Sendo ela mesma mutvel, no poderia derivar de si prpria [vi] . Deve-se concluir que acima da alma exista a verdade. Um exemplo que ilustra bem esta questo o julgamento esttico: isto belo, aquilo feio. O objeto julgado mutvel, mas o critrio com que se julga imutvel, portanto eterno. De onde vem, ento, o critrio de beleza? Outro exemplo que ajuda ilustrar so os parmetros ticos: isto pecado, aquilo bom para o homem. Julga-se o ato que contingente com o critrio que eterno. A alma julga com parmetros que no so dela mesma. Mas como ela capaz de conhecer tais parmetros? D-se unicamente pela iluminao divina. A alma sendo incorprea est mais prxima de Deus. Aquilo que o olhar carnal no pode enxergar, Deus resplandece a luz e pela iluminao [...] transmite s mentes a capacidade de conhecer a verdade [vii] .
Agostinho est convencido que as verdades eternas no so conhecveis pela experincia humana, por causa da contingncia do sujeito que conhece. Mas somente pela iluminao jogada por Deus para tornar visvel ao homem as verdades absolutas e eternas.
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2. A Busca da Felicidade
Todos os homens desejam a felicidade [viii] . Se o homem deseja a vida feliz porque j a conhece. Mas h uma diferena entre saber que ela existe e possu-la de fato. H um modo de possu-la que nos torna felizes, e h os que so felizes pela esperana de possu-la [...] No entanto, quem a espera no desejaria tanto ser feliz, se j de algum modo no possusse a felicidade (AGOSTINHO, Confisses , X, xx, 29) [ix] .
As palavras de Agostinho expressam que o homem possui uma noo de felicidade. Onde, ento, se encontra essa noo? Quando se ouve a palavra felicidade, logo se deseja a prpria felicidade. A palavra remete a uma instncia que o homem conhece e deseja, mas no a possu. Se a possusse no a desejaria. Essa, no foi dada mediante os sentidos. Onde se conserva tal realidade?
Ela conhecida por todos, e se todos pudessem ser interrogados a uma s voz quereis ser felizes? sem dvida alguma responderiam que sim. O que no aconteceria se em sua memria no se conservasse a realidade que esta palavra significa (AGOSTINHO, Confisse s , X, xx, 29) [x] .
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Quando se ouve a palavra felicidade, acontece uma adequao entre o som e o significado na memria. De onde provm esse significado que a palavra remete o homem? Sabe-se de fato que o significado est na memria. Sabe-se tambm que no foi dado pela experincia, porm, o homem se recorda dele e o deseja. A vida feliz no se v com os olhos porque no corporal . (AGOSTINHO, Confisses, X, xxi, 30) [xi] .
A felicidade no uma recordao como lembrana de noes matemticas e ticas. A noo de felicidade faz brotar o desejo de possu-la para ser feliz. Onde e quando o homem experimentou a felicidade para desej-la tanto e am-la? (AGOSTINHO, Confisses, X, xxi, 31) [xii] . Todos a querem. Esse querer um querer algo melhor para o homem. Todo homem deseja o melhor para si mesmo. Querer possuir algo inferior diminuir-se na viso de Agostinho. O desejo de algo superior no remete o homem contingncia, mas ao eterno e imutvel.
A busca pelo eterno e imutvel o melhor para o homem. Que no perecvel, nem transitrio, mas dura para sempre. Eterno e imutvel que dura para sempre o prprio Deus, fonte da Beatitude que se manifesta ao homem pela pura bondade do prprio Deus. E inquieto est o corao humano enquanto no repousar nesta fonte de felicidade eterna. (AGOSTINHO, Confi sses , I, i, 1) [xiii] .
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Todos os homens buscam a verdade, portanto, desejam a felicidade, logo, buscam Deus. Essa busca gerada pelo desejo de conhecer a verdade. Ningum quer ser enganado. (AGOSTINHO, Confisses, X, xxiii, 33) [xiv] . Mesmo aquele que mente, quer sempre que lhe digam a verdade e nunca a mentira. O querer conhecer aquilo que verdadeiro faz parte do homem, est no interior do homem essa busca pela verdade. O querer a verdade o mesmo que querer ser feliz. desejar algo que no passe, que seja eterno, o prprio Deus. Verdade, felicidade e Deus em Agostinho fazem parte e so um nico objeto de busca que completa o homem.
A pessoa s feliz se tm o que quer, mas nem todos que tm o que querem so felizes. Depende do que se deseja. Ningum , portanto feliz se no tm o que quer, mas no basta ter o que quer para ser feliz [xv] . O objeto da felicidade deve ser permanente, um bem que dure para sempre e que o homem no poder perder, mesmo que perca todos os bens materiais. O objeto da felicidade deve ser eterno, para que no se consuma. Felicidade felicidade que dura, contnua, o conhecer a verdade.
Felicidade e verdade so inseparveis, a busca da verdade tem como fim a vida feliz. A posse da verdade absoluta a condio necessria para a beatitude [xvi] . Ao procurar a felicidade o homem est ao mesmo tempo desejando a verdade e por conseqncia Deus. O ser do homem s ir ser completo no conhecimento daquilo que verdadeiro. Essa verdade no somente conhecimento intelectual, mas tambm sabedoria, que leva felicidade que no se extingue. Mas o que a sabedoria? Paulo diz que Cristo a sabedoria de Deus [xvii] . Sendo sabedoria tambm a prpria verdade como expressa o evangelho de Joo: Eu sou o caminho, a verdade e a vida [xviii] . O Esprito move o homem a querer a felicidade, o conhecimento da verdade que sabedoria, o prprio Cristo, o Filho. ele quem confere as idias eternas e imutveis pela iluminao da memria.
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Onde conheceram essa felicidade, se no onde conheceram a verdade? Se de fato no querem ser enganados, porque amam tambm a verdade. E j que amam a felicidade que nada mais que a alegria oriunda da verdade, amam certamente tambm a verdade. No entanto, no amariam se dela no tivessem alguma noo na memria . (AGOSTINHO, Confi sses , X, xxiii, 33) [xix] .
O Argumento de Agostinho precisa que na memria que se encontram as idias imutveis (noo), que nos remete a questo da iluminao racional pelo Filho. O que rege a memria a iluminao. Essa desempenha o papel de clarificar o olhar humano voltado para dentro para que esse enxergue aquilo que no foi adquirido pela experincia, mas foi conferido pelo prprio Deus, que colocou no homem o desejo de busc-lo e se tornou para ele a plena felicidade que o gozo da verdade.
CONCLUSO
O presente artigo trabalhou a busca humana pela felicidade eterna em Santo Agostinho. A relao que essa tem como a verdade e com Deus. Ambas as realidades fazem parte de uma nica busca, que no fundo so um nico objeto. Deus, felicidade do homem. Felicidade que est alm da matria, e que s pode ser iluminada ao homem pelo prprio Deus.
Notas:
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Enivaldo Ramos Postulante s Sagradas Ordens na Diocese do Recife, bacharel em Teologia pela Faculdade Paulo VI, e membro em Plena Comunho do Ponto Missionrio Anglicano da Transfigurao, em Mogi das CruzesSP.
[i] O Onde neste trecho do artigo entendido como um lugar. As Confisses so O lugar do encontro e da procura. De confessar Deus e se confessar a Ele para santo Agostinho.
[iv] GILSON. E, Introduo ao Pensamento de Santo Agostinho, So Paulo, Paulus, 1 Ed. 2007, p.23.
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[viii] GILSON. E, Introduo ao Pensamento de Santo Agostinho, So Paulo, Paulus, 1 Ed. 2007, p.18.
[x] Idem.
[xv] GILSON. E, Introduo ao Pensamento de Santo Agostinho, So Paulo, Paulus, 1 Ed. 2007, p.19.
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BIBLIOGRAFIA
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