Lima Barreto - Bagatelas

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.Empresa de Rom^ceS^optetl.
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Advertncia
Composto de artigos de varias naturezas e que podem merecer varias classificaes, inclusive a de no classificveis, este pequeno livro no visa outro intuito seno permittir aos espritos bondosos que me tm acompanhado, nos meus modestos romances, a leitura de algumas reflexes obre factos, cousas e homens da nossa terra, que, julgo, talvez sem razo, muito prprias a mim.t Apparecidos em revistas e jornaes modestos bem de crer que taes espritos no tenham lobrigqdo a existncia delles; e somente por esse motivo que os costuro em livro, sem nenhuma outra preteno, nem mesmo a de justificar a minha candidatura Academia de Letras. Percebo perfeitamente que seria mais prudente deixal-os enterrados nas folhas em que appareceram, pois muitos delles no so l muito innocentes; mas, conscientemente, quero que as inimizades que elles possam ter provocado contra mim, se consolidem, porquanto, com S. Ignacio de Loyola, penso que no ha inimigo to perigoso como no ter absolutamente inimigo. Rio de Janeiro, 13818. LIMA BARRETO.

A superstio do doutor
JOAQUIM VERSSIMO DE CERQEIRA LIMA, amanuense dos Correios da Bahia, pedindo fazer constar em seus assentamentos o titulo de doutor em sciencias medico-cirurgicas. Deferido. ("Gazeta de Noticias", de 25 de Maro de 1917.)
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Tratando o Sr. Veiga Miranda, na edio de S. Paulo do "Jornal do Commercio", de um dos meus humildes livros, disse que eu tinha birra do doutor. Quiz, ao lr o artigo do meu amvel critico, explicar detidamente por que, de facto, tinha eu essa birra; mas, lembrei-me que jurara a mim mesmo acceitar em silencio todas as criticas que me fizessem, e nada respondi, tanto mais que qualquer resposta: poderia magoar a quem tivera a bondade e a lealdade de occupar-se com a minha obrinha. Gomtudo, escrevi-lhe uma carta, em que julgo ter manifestado plenamente a rainha satisfao, sem deixar transparecer qualquer azedme que verdadeiramente no tinha, explir cando brevemente a minha opinio sobre o assumpto. Citei aqui o Sr. Veiga Miranda no s por que pretendo desenvolver algumas razes da minha birra com o doutor, encontrada por elle nos meus escriptos, como tambm lhe dar parajbens por ter sido reconhecido deputado. Sinto que o seja! para representar a calamitosa olygarchia paulista, a mais odiosa do Brasil, a mais feroz, pois no trepida em esmagar as suas barulhentas dissidncias, a massete, a pilo ou piles, como se castram ou se castravam touros valentes para serem depois, muf mansos, bois de carro. No me cabendo nem querendo metter-me em bobagens polfticas, cumpri o meu dever de civilidade, dando-lhe os parabns e devo continuar o artigo, atacando o thema de que elle objecto. Em outro qualquer paiz, talvez, no fosse um temperamento liberal chocado com a espcie zoolgica e social doutor; mas no Brasil, com a importncia descommunal, o ar de sagrado que os costumes lhe emprestam, e os privilgios que a lei lhe outhorga, no possvel deixar de revltar-se contra ella, todo aquelle que no quer ver renascer nos tempos actuaes, uma nobreza;, principalmente

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uma nobreza que indica para as suas bases, justamente aquillo que ella no possue o saber., Essa birra' do doutor no s minha, mas poucos tm a coragem de manifestal-a. Ningum se amima a dizer que elles no tm direito a taes prerogativas e isenes, porque a maioria delles de ignorantes. E que s os sbios, os estudiosos, doutores ou no, que merecem as attenes que,,vo em geral para os cretinos cheios de anneis e empfia. Todas as variedades do doutor acreditam que os seus privilgios, honras, garantias e isenes, como se diz nas patentes militares, se originam do saber, da sciencia de que so portadores; entretanto, entre cem, s dez ou vinte sabem razoavelmente alguma cousa., So mais sempre, alm cie medocres intelectualmente, ignorantes como um boror de tudo o que fingiram estudar. Aquillo que os antigos chamavam humanidades, em geral, elles ignoram completamente. No so falhas, que todos tm na sua instruco; so abysmos hiantes que a delles apresenta. A maioria dos candidatos ao doutorado de meninos ricos ou parecidos, sem nenhum amor ao estudo, sem nenhuma vocao nem ambio intellectual. O que elles vem no curso no o estudo serio das matrias, no sendem a attraco mysteriosa do saber, no se comprazem com a explicao que a sciencia offerece da natureza; o, que elles, vem o titulo que lhes d namoradas, considerao social, direito a altas posies e os differencia do filho de seu Costa continuo de escriptorio do poderoso papae Animados por esse espirito, vo, com excellentes approvaes, s vezes, obtendo os exames preliminares e, afinal, matriculam-se na Academia, como dizem elles no seu gasgo pretncioso podendo ella ser civil ou militar., t Na escola ou faculdade as cousas se passam muito mais facilmente. No ha filho de sujeito mais ou menos notvel, que no v adiante no curso, sem a menor difficuldad. E' mais fcil que obter os preparatrios. Na Escola Polytechnica, de praxe, de regra at, que todo o filho, sobrinho ou parente de capitalistas ou de brasseurs d'affawes, mais ou menos iniciados na Kabala chrematistica do Club de Engenharia, seja approvado. E' bem de vr porque. Os lentes das nossas escolas, com raras excepes, no se contentam com os seus vencimentos officiaes. Todos elles so mundanos, querem fazer parada de luxo, teatros, bailes, com as suas mulheres e filhas. A situao official que.tm, d-lhes prestigio, fazem-n'os figuras de proa e os seus nomes so procurados para apadrinhar as companhias, as emprezas, mais ou menos honestas, que os especuladores de todos os matizes e nacionalidades organizam por ahi., No possvel que um lente de chimica orgnica, por ex., que, devido s relaes que tem com o capitalista Joab Manasses, foi feito, com grandes honorrios, presidente da Companhia de Docas de um porto do Mar de Hespanha, consiga do seu corao a violncia de reprovar-lhe o filho. O Ephraim, o filho de Joab Manasses,

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vae assim correndo os annos; e, se encontra um lente honesto, procura uma escola outra para fazer o exame que no lhe querem dar. O que se diz do filho de Joab, pode-se dizer de milhares de outros em toda a espcie de faculdades; e todos elles, ignorantes e arrotando um saber que no tm, vm para a vida, mesmo fora das profisses a cujo exerccio lhes d direito o titulo, crear obstculos os honestos de intelligencia, aos modestos que estudaram, dando esse espectaculo ignbil, de directores de bancos officiaes, de chefes de reparties, de embaixadores, de deputados, de senadores, de generaes, de almirantes, de delegados, que tm menos instruco do que um humilde continuo; e, apezar de tudo, quasi todos mais enriquecem, seja pelo casamento ou outro qualquer expediente, m|.is ou menos confessavel. Toda a gente conhece a nossa peculiar instituio do muleta,. Chama-se isto ao auxiliar illustrado e entendido que todo o nosso figuro pssue, e leva como secretario ou cousa semelhante para todas as commisses em que vae empregar a sua reconhecida capacidade, como dizem os jprnaes. O engenheiro F muleta] do Dr. H; o capito X, d general F ; o capito de corveta Y, do almirante D; e assim por diante, com os mdicos, advogados, etc. Elles, os doutores, s nobreza, como se a fidalguia de sangue, feudal e militar, fosse composta d filhos naturaes, no possusse castellos ou manoirs e formada fosse de poltres ! Fresca nobreza ! Do Imprio ns herdmos um respeito hindu' pelo doutor e o augmentamos, como tudo o que elle tinha de mo. Parece que era seu pensamento organizar um tchin, russa, com o titulo, o pergaminho, como diz-se por ahi; e foi feliz; porque conseguiu implantar no espirito do povo uma venerao brahmainica pelos seus bacharis, mdicos e engenheiros. O subalterno, o enfermeiro, por exemplo, no chama o medico nem mesmo o interno estudantey por senhor. Chama-o Vossa Senhoria. Se, minutos depois, chegar o administrador do Hospital, elle o tratar por senhor. Os soldados russos tratam ou tratavam os officiaes por Vossa Nobreza. Nas estradas de ferro, d-se o mesmo que nos hospitaes; e, com os juizes, ha de (se passar a mesma cousa, por parte dos marinheiros e escreventes. O povo do Brasil, que, raramente, se deixai infiltrar por idas teis que lhe so favorveis; neste ponto, foi de uma morosidade de espantar, to dcil foi ella ! f Para a massa total dos brasileiros, o doutor mais intelligente do que outro qualquer, e s elle intelligente; mais sbio, embora esteja disposto a reconhecer que elle , s vezes, analphabeto; mais honesto, apezar de tudo; mais bonito, comquanto seja um Quasimodo; branco, sendo mesmo da cr da noite; muito honesto, mesmo que se conheam muitas velhacadas delle; mais digno; mais leal e est, de algum modo, em communicao com a divindade. E' essa abuso de feitaria, essa grosseira religiosidade de candombl ou de macumba, pelo nosso titulo universitrio, que leva os jornalistas panurgianos a pedir a suppresso do jury, por que, em certas occasies, absolve certos rus que lhes parece deviam ser condemnados .j _

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Esses senhores d to grande coragem moral no anonymato das folhas dirias, no tm absolutamente a deciso de sentar-se no jury e julgar segundo a sua prpria conscincia. Esquivam-se de todo o geito; e, fceis em condemnar os jurados porque no so, em gerai, doutores, elles se esquecem de examinar os julgados dos juizes de beca, desde o pretor at o Desembargador e o Ministro do Supremo, onde poderiam encontrar muita cousa que os faria diminuir o seu assombro diante das, absolvies do Jury. C e l, ms fadas h a . . . Esse estado de espirito geral no nosso paiz, essa superstio, essa estpida crendice dos illustrados e dos analphabetos, dos nscios e dos atilados, levou ultimamente os nossos legisladores, num pharisiaco zelo pela verdade eleitoral, a entregar o alistamento dos cidados votantes e tambm as mezas eleitoraes aos juizes, isto , a doutores e bacharis. E todos ns vimos como a cousa saiu. Houve fraudes ou duplicatas no Cear, no Espirito Santo, em Alagoas, na Bahia, no E. do Rio, no Par, no Rio Grande do Sul, em Sergipe; e o Rio de Janeiro continuou a mandar como seus representantes alguns respeitveis desconhecidos apelintrados, que no sabem nem a data da fundao da cidade. O Sr. Erico Coelho, na sua contestao ao Sr. M. Leal, diz textualmente: "Fiou o Congresso Nacional nos juizes estaduaes a organisaco de alistameno e a vigilncia de comcios populares. O decente pleito, no infeliz Estado do Rio, veio a ser o ludibrio das nossas aspiraes legislativas". O "Correio da Manh", em sua edio de 4 do corrente, conta este eloqente caso, depois de registrar o enthusiasmo que lhe despertou a nova lei eleitoral: "Mas ha casos que esfriam os mais fortes enthusidsmos. Ante-hontem, na reunio da commisso de Podercs do Senado, cmquanto se discutia o pleito do Espirito Santo, fazendo-se terrveis aceusaes magistratura local, quantos l estavam testemunharam um facto desconcertante. Achava-se na sala, e foi apontado pelei procurador do poltico que contestou a referida eleio, o juiz de direito da comarca de Alegre. Este] homem, quando delegado de policia de Victoria, soffrera um grande insulto, por oceasio de um discurso, em que endeosava os Monteiros. Foi, por isto, nomeado para aquelie cargo., Indo o Sr. Jeronymo Monteiro defender na Senado os seus interesses, o juiz acompanhava-o todos os dias, carregando-lhe a pasta dos papeis, e serviu de seu auxiliar no exame dos livros e documentos relativos ao pleito, desde a primeira hord. Ao ouvir a contra-contestao do seu protector tinha gestos de effusiva ternura, como de indignao ao ouvir o discurso do Sr. Moniz Freire. E elle dirigiu entre essas paixes, o alistamento e a, eleio em Alegre". A "Gazeta de Noticias", de 8 tambm do corrente, referindo-se s eleies de Sergipe, assim diz:

"A Cornara deve hoje reconhecer s deputados eleitos por Sergipe. 0 Entre os diplomados pela junta aipuradora de Aracaju' est o famigerado major Manoel de Carvalho Nobre, prmo-kmo 0. cunhado do Dr. Nobre de Lacerda, juiz'seccional do Estado, presidente da mesma junta.. Contestando o diploma, producto de um arranjo immoralissimo de famlia, feito sob o patrocnio do incorrigivel politiqueiro general Vallad".., Poderia adduzir mais exemplares com os quaes mostrasse como 03 sobrehumanos doutores' incorruptveis procederam; mas no preciso. E' fcil de adivinhar. * Sentindo que a crendice geral dava esse prestigio quasi divino ao doutor, todos os pes, desde que pudessem, um bocadinho, comearam a encaminhar os filhos para as escolas ditas superiores. E' preciso, no Brasil, ter uma carta nem que seja) de embrulhar manteiga; um aphorisma domstico, conhecido e repetido, nos seres do lar, do Norte ao Sul do paiz. Os doutores, ento, cresceram em numero, e o execicio da profisso para que estavam officialmente habilitados, no dando margem, devido plethora delles, para o ganho remunerador de cada um, encaminharam-se elles para os empregos pblicos que nenhuma capacidade especial exigeri. O Thesouro, o Tribunal de Contas, as Secretarias Ministeriaes e outras reparties menos importantes, officiaes engenheiros, mdicos, advogados, dentistas, phTmaceuticos; e todos estes, no intimo ou claramente, se julgam com mais direito s recompensas burocrticas e s promoes que os seus collegas, que no tm titulo algum. A prova est na noticia que epigrapha estas linhas. Aquelle amanuense dos Correios pediu ao director geral que fizesse constar, na sua f de officios que era doutor, para, quando se tratasse de allegar merecimento, pudesse apresentar o "canudo" com o maior de espadas. E a administrao p que extranho levar, porque tem levado muitas vezes, em considerao semelhante allegao, esquecendo que s se pode comprar quantidades homogneas. Merecimento a comparao dos servios das aptides para elles, entre dous ou mais funccionarios. Sero os servios e aptides do amanuense da mesma natureza que as aptides e servios que pode revelar ou possuir um medico ? Um medico s pode ter merecimento sobre outro medico; e um amanuense sobre outro amanuense. Quando meVlico, o tal amanuense s pode ser comparado a outro medico; e quando amainuense elle s pde entrar em relao com outro amanuense no que a profisso deste tem de peculiar a elle, eliminando-se da comparao a duvidosa medicina do burocrata. Isto que lgico, penso eu; seno teramos que comparar os mritos de um flautista com os de um marcineiro, para dizer qual dos dous o melhor nas suas profisses. Conebe-se ?

10 Mas, a superstio do doutor tal, que faz o governo, em casos destes, no raciocinar claramente e proceder contra as mais comesinhas regtas do bom senso. E' contra tafes disparates que me insurjo e procuro, por todos os meios, mostrar a imbecilidade desse respeito cabalistico, esotrico pelo doutor, respeito e venerao que esto creando entre ns uma nobreza das mais atrozes que se pde imaginar. Se a humanidade cortou cabeas de reis, de rainhas, de duques, de marquezas (Ah ! Que pena, eu no lhes ter visto os lindos, os alvos, os rolios pescoos, entrarem na janella da guilhotina !), de viscondes, e t c , para acabar com'a nobreza feudal, como que ns estamos criando uma de ps de barro e que amanh, pde entorpecer a vida de nossos filhos ? E' preciso combater a superstio emquanto tempo. Mostrarei mais... A policia daqui, em um seu regulamento, expedido quando chefe o Sr. Alfredo Pinto, marcou para os doutores criminosos priso especial; o Sr. Nilo Peanha, em dias prximos, dispensou de concurso para os logares de cnsules, os bacharis em direito. Por que ? Por que tambm os delegados so obrigatoriamente bacharis ? Na Contabilidade da Guerra, ha poucos annos, os encarregados de fazer-lhe um novo regulamento, exigiram um concurso descommunal para provimento do Io logar da respectiva hierarchia; mas- dispensaram delle os formados pelas faculdades da Republica,, s matrias exigidas para o concurso eram quasi o dobro das que se exigem para matricula no curso de pharmacia e odontologia, que do, como os demais cursos, formados pelas faculdades da Republica. Sob o pretexto de Saneamento do Interior um joven sbio, o Sr., Belisario Penna, anda fazendo propaganda da creao de um Ministrio da Sade Publica. Este moo um caso typico da presumpo doutorai. Elle, ou no leu a Constituio ou se a leu julga que um medalho medico, ahi qualquer, pode sobrepr-se a ella., Um ministrio to estreitamente profissional ha de querer um ministro medico; e como conciliar essa restrico com a nossa lei fundamental que autorisa o presidente a nomear LIVREMENTE, os seus ministros ? A superstio do doutor, por parte do gpvo, e a presumpo delles como conseqncia, obliteram certos espritos, at faze-os chegar a essa cegueira completa. A Academia de Lettras. onde era de esperar houvesse mais independncia espiritual, s elegeu o Sr. Oswaldo Cruz, o Sr., Miguel Couto e o Sr. Aloysio de Castro, todos muito estreitamente mdicos, ou cousa aparentada com a medicina, entre outros motivos, e que nada tinham com as lettras, porque eram doutores. No ha a argumentar com a Academia Franceza. Delia, nos bons tempos da nobreza, j foram seus membros, marquezes de quinze annos, que deviam ainda estar nas dedinaes latinas. As tradies fidalgas e ulicas da Academia Franceza permittiram essas cousas e outras antecedentes, algumas tanto ou mais estramboticas. A nossa no tem essa herana secular; e no sufficiente que tun doutor pastiche os quinhentistas ou seiscentistas para ser homem de lettras e acadmico dellas. Mais direito tem um mo poeta. Cada macaco no seu galho.

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Todo esse ri de manifestaes da superstio do doutor podia ser infinitamente augmentado, pois," ha muito que, a tal respeito, respigar, nas leis e regulamentos. Poderamos mostrar que o titulo universitrio, que s* pode e deve dar direito ao- exerccio de uma certa profisso est se transformando em um foial de nobreza, emprestando ao sujeito que delle portador, capacidades' superiores aos outros e habilidades que elle no tem ou todos podem ter. As cartas de nossas faculdades esto ficando como os pergaminhos da antiga aristocracia que, nos tempos passados, permttiram os seus possuidores, sem a mnima noo de cousas navaes, serem investidos de commandos de navios e esquadras, como se dava na Hespanha, em Portugal e at na Inglaterra, como conta Macaulay. Os pilotos, cujos nomes foram em geral esquecidos, os humildes pilotos eram que governavam os navios; mas a gloria militar ou a pacifica das descobertas cabia aos Dons Qualquer Cousa ou a um baronnet felizardo. As carteiras do Banco do Brasil tm sido testemunhas de cousas anlogas e outros departamentos da administrao tambm. E' um erro prestigiar todo o entrave que se oppe ao livre jogo das foras sociaes. E' da autonomia de cada uma dellas e do seu desenvolvimento total que podemos obter, no s o seu melhor aproveitamento para beneficio commum, como seu equilibrio perfeito e efficaz. O que o governo e os costumes do Brasil esto fazendo, com essa superstio do doutor, cercear iniciativas, cordemnar intelligencias innovadoras, seno obscuridade completa, desanimo e ao relaxamento. S os ricos podem formar-se e ns j sabemos como, em geral, elles se formam. Os pobres que procuram logares subalternos, logo na adolescncia e so diligentes e capazes, adquirem, por isso mesmo, nas suas especialidades um tirocinio maior e uma pratica mais estimavel para os officios do que o duvidoso saber da maioria dos medocres que saem das nossas escolas. A lei e os regulamentos no deviam impedir que aquelles fossem recompensados, conforme o mrito revelado, com lugares de certa importncia no finj da vida* Na Estrada de Ferro Central era assim at bem pouco tempo. Os sub-inspetores do movimento e dos telegraphos, eram escolhidos entre os antigos telegraphisjas e chefes de trem; mas veiu a Republica e a avidez dos doutores do Largo de S. Francisco tomou os lugares para elles. Ha republicas aristocrticas. A alliana do doutor com a burguezia, que se faz em geral pelo casamento, d ao formado toda a fora que, nos nossos tempos, o dinheiro tem, e a sua simulao intellectual e de saber, acabando em superstio na massa, d por sua vez, o prestigio que a intelligencia sempre teve, tem e ter, sem lhe dictar mais amor ao estudo, mais honestidade mental, mas abnegao profissional e critrio no cumprimento do dever. So mos pastores... Em geral, elle perde a pouca curiosidade intellectual que tinha na Escola, esquece as poucas noes que recebeu, atem-se a formular, a gastas receitas e fica um fausto silencioso e solemne, defendendo a sua inopia cerebral,

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a sua ignorncia com a superstio pelo" titulo que todos tm, principalmente as moas, de todas as condies, nas, em muitas das quaes, sabe Deus! com que amargura, ellas se vm desfazer, quando conhecem intimamente o doutor que marido dellas. Estas que so as mais francas quando falam dellas, pois, o manipanso se lhes mostra completamente o que era: um toco de pau riem duro. Essa abuzo doutorai, alm de impedir a innovao, pondo todas as intelligencias num mesmo molde, installando nellas preconceitos intellectuaes obsoletas; alm de tudo isso, com o nosso,ensiuo superior, feito em pontos manuscriptos ou impressos, em cadernos e outros bagaos, muito exprimido, das disciplinas do curso, sem professores attentos ao progresso do saber professado por elles e, por elles encarado no dia que recebem o decreto de nomeao causa toda a nossa estagnao intellectual, desalenta os mais animosos, no d vontade s intelligencias livres para o esforo mental e vamos assim ficando como os chinezes, parados intellectualmente mas sempre cheios de admirao pelos grotescos exames de Canto. 0 Sr. Tobias Monteiro, m uma interessante brochura "Funccionarios o Doutores", aconselhou nossa mocidade a procurar outros caminhos, entre os quaes, apontou o da lavoura. O illustre publicista, como em geral todos os nossos publicistas, jornalistas, romancistas, e t c , no quiz descer a detalhes de dinheiro. Nos nossos dias, so os mais importantes. Qual a mocidade que o Sr., T . M . quer que se dedique lavoura ? A rica ? Esta no tola de abandonar o trilho batido que lhe d todos os privilgios, lhe disfara a misria mental, e lhe abre todas as portas, para se metter no matto e exercer uma profisso que, para ser remuneradora, exige trabalho, actividade, pratica, seno saber. Pois se um vulgar bacharelete, mais ou menos rico de si, porm muito mais rico, por ser casado com a filha de um judeu milionrio, pode, apezar de completamente desconhecido, fazer-se deputado, cqmprando votos a trinta mil ris cabea e com vales de jantar, por que havia elle de deixar de ser bacharel para estar testa de uma plantao de arroz, em lugar ermo, sem Lyrico, Municipal e ssias de celebridades europas do palco e outros lugares, ssias destinadas unicamente America do Sul ? Era engraado. . . Seria mocidade pobre, que o Sr. T . M. queria se referir ? Pense bem o illustre jornalista: um moo pobre, verdadeiramente pobre, consegue uma carta de agrnomo, onde elle ir arranjar dinheiro para comprar terras em que exera a sua agronomia ? Em parte alguma. Tem que procurar emprego, no ? O particular, o fazendeiro no lhe d porque no acredita nessa nova espcie de doutor. Onde, ento ? O remdio cavar com o Pereira Lima um emprego... De resto, os pobres devem, seja como fr, empregando mesmo os mais desesperados recursos, concorrer com os burguezes no doutorado. Seria uma calamidade que esses annelados ficassem S constando de gente como o Sr. Aloysio de Castro, uma auspiciosa

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reincarnao d Mestre Garcia de Orta, physico d'El-Rei ou como - Sr. Hlio Lobo, vulgo "secretario da presidncia" ou "pagaajudas de custo". E' preciso que os pobres fam-se doutores para contrabalanar a influencia nefasata dos burguezetes felizes e precocemente guindados a alturas em que se no dispensa a idade, mesmo quando se trata de gnios; mas que elles conseguem com disfarces, peloticas e mais habilidades de feira. 1 Para terminar, observo ainda que tal a fascinao pelo titulo, a superstio que se tem por elle, que, uma revista desta cidade "Kodak", de 3 de Agosto do anno passado, chegou ao displante de pr em baixo do retrato de uma senhora, a seguinte e expressiva legenda: Mme. DR. V. R. J se viu cousa igual ? Alm desse facto curioso e denunciador do nosso estado de espirito em relao ao doutor, temos ainda que o Sr. Pereira Lima, doutor no sei em qu, Presidente da Associao Commercial; e os mercados^ do Rio de Janeiro elegeram como seu representante na Cmara dos Deputados, o dr. Sampaio Corra, que, alis, um homem de verdadeiro talento. Depois disto tudo, querer ainda o Sr. Tobias Monteiro mandar os moos pobres para a lavoura e para o commercio ? O remdio outro, Sr. Tobias; e s se poder applicaLo quando a occasio propicia surgir. No tardar muito. "Expuz, talvez, mal, os motivos da minha birra; mas no me despeo sem prometter que hei de continuar a campanha emquanto tiver um pingo de vida. Maio, 1918.

So Paulo e os estrangeiros
Quando, em 1889, o Sr. marechal Deodoro proclamou a Repu^ blica, eu era menino de oito, annos. lEmbora fosse tenra a edade em que estava, dessa poca e de algumas anteriores eu tinha algumas recordaes. Das festas por occasio da passagem da lei de 13 de maio ainda tenho vivas recordaes; mas da tal historia da proclamao da Republica s me lembro que as patrulhas andavam, nas ruas, armadas de carabinas e meu pai foi, alguns djas depois, demittido do logar que tinha. E e so. Si alguma cousa eu posso accrescentar a essas reminiscenias de que a physionomia da cidade era de estupor e de temor. Nascendo, como nasceu, dm esse aspecto de terror, de vio-t lertcia, ella vae aos poucos accentuando as feies que j trazia no bero. * No quero falar aqui de levantes, de revoltas, de motins, que so, de todas as coisas violentas da politica, em geral, as mais innocentes talvez., Ha uma outra violncia que constante, seguida, tenaz e no espasmodica e passageira como as das rebellies de que falei. Refiro-me aco dos plutocratais, da sua influencia seguida, constante, diurna e nocturna, sobre as leis e sobre os governantes, em prol do seu insacivel enriquecimento. A Republica, mais do que o antigo regimen, accentuou esse poder do dinheiro, sem reio moral de espcie alguma; e nunca os argentarios do Brasil se fingiram mais religiosos do que agora e tiveram da egreja mais apoio. Em outras pocas, no tempo do nosso imprio regalista, sceptico e voltereano, os ricos, mesmo quando senhores de escravos, tinham, em geral, a concepo de que o poder do dinheiro no era illimitado e o escrpulo de conscincia de que, para augmentar as suas fortunas, se devia fazer uma escolha dos meios. Mas veiu a Republica e o ascendente nella da politica de So Paulo fez apagar-se toda essa. fraca disciplina moral, esse freio na conscincia dos que possuem fortuna. Todos os meios ficaram sendo bons para se chegar a ella e augmental-a desmarcadamente. Protegidos, devido a circumstancias que me escapam, por uma alta fabulosa no preo da arroba de caf, de que, aps a Republica,

16 os ricaos da Paulica se fizeram os principaes productores, puderam elles melhorar os seus servios pblicos e ostentar, durante algum tempo, uma magnificncia que parecia fortemente estabelecida. Seguros de que essa gruta alibabesca do caf a quarenta mil reis a arroba no tinha conta em thesouros, trataram de attrair para as suas lavouras immigrantes, espalhando nos paizes de emigrao folhetos de propaganda em oue o clima do Estado, a facilidade de arranjar fortuna nelle, as garantias legaies tudo, emfim. era excellente e excepcional. A esperana forte nos governos, quer aqui, quer na Itlia ou na Hespanha; e desses dois ltimos paizes, em chusma, accorreram famlias inteiras e milhares de indivduos isolados, em busca da abastana, que os homens do Estado diziam ser fcil de obter. A gente que o vem dominando ha cerca de trinta annos ecthiase de contentamento e at estabeleceu a excluso, da sua-policia de gente com sangue negro nas veias. A produco do caf, porm, foi transpondo o limite do consumo universal e a descer de preo, portanto; e os dogs do Tiet comearam a encher-se de susto e a inventar palliativos e remdios de feitiaria, para evitar a depreciao. Um dos primeiros lembrados foi a prohibio do plantio de mais um p de caf que fosse. Esta sbia disposio legislativa tinha antecedentes em certos alvars ou cartas regias do tempo da colnia, nos quaes se prohibiam certas culturas que fizessem concorrncia s especiarias da ndia, e tambm o estabelecimento de fabricas de tecidos de l e mesmo de officinas de artefactos de ouro para no tirar a freguezia dos do reino. Que progresso administrativo ! Os palliativos, porm no deram em nada e um judeu allemo ou americano inventou a tal .historia da valorisao com que a gente de S. Paulo taxou mais fortemente os agricultores e favoreceu os grandes e poderosos, nas suas especulaes. A situao interna principiou a ser horrvel, a vida cara, emquanto os salrios eram mais ou menos os mesmos anteriores O descontentamento se fez e os pobres comearam a ver que, emquanto elles ficavam mais pobres, os ricos ficavam mais ricos. Os governantes do Estado, que influiam quasi soberanamente nas decises da Unio, deixaram de fazer a tal propaganda do Estado no estrangeiro, mas augmentaram a policia, para a qual adquiriram instructores e mortferas metralhadoras e deram em excommungar estrangeiros a que chamam de anarchistas, de inimigos da ordem social, esquecidos de que andavam antes, a proclamar que a elegncia da sua capita), os seus lambrequins, as suas fanfreluches eram devidas a elles, sobretudo aos italianos. A influencia dos estrangeiros, diziam, fez de S. Paulo a nica coisa decente do Brasil. E todos a acceitaram porque os dominadores de S. Paulo sempre se esforaram por esconder as dilapidaes ou coisas parecidas, convencendo

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os seus patrcios de que o Estado, a sua capital, sobretudo, era coisa nunca vista. No havia um casaro burguez com umas columnas ou uns vitraes baratos, que elles logo no proclamassem aquillo, o castello de Chenonceaux ou o palcio dos Doges. Tudo o que havia em S. Paulo no havia em parte alguma do Brasil. A sua capital era uma cidade europa e a capital artstica do paiz. Entretanto, a antiga provincia no dava, a no ser o Sr. Ramos de Azevedo, um grande nome ao paiz em qualquer departamento de arte. No contentes de prodfcmar isto dentro do Estado, comearam a subvencionar jornaes e escriptores de todo o paiz para espalharem to pretenciosas affirmaes, que o povo do Estado recebia como artigos de f a fazer respeitar o "trust" poltico que o explorava ignobilmente. "Vanitas vanitatum"... Seguros de que a opinio os apoiava, porque tinham feito o Estado o primeiro do Brasil, os polticos profissionaes de S. Paulo trataram de abafar as criticas dos estrangeiros descontentes ou com opinies avanadas, a todos, emfim, que no se deixavam embair com a tal historia da capital artstica e cidade europa. Os estrangeiros, agora, j no serviam e elles queriam livrar-se do incommodo que os forasteiros lhes davam criticando-lhes os actos, a sua cupidez, % esquecimento dos seus deveres de governantes^ para s protegerem os ricaos, os monopolistas, que eram tambm estrangeiros, mas no no ponto de vista do governo estadpal, que s julga assim aquelles que no partilham a opinio de que elle o mais sbio do mundo e affirmam que, em vez de estar fazendo a felicidade geral, est concorrendo para .enriquecer os seus filhos, seus genros, seus primos, seus netos e afilhados e os plutocratas vidos. Trataram logo de se armar de leis que fizessem abafar os seus gemidos ;> uma dellas a celebre de~ exportao que no se x:oaduna com o espirito da nossa Constituio; que inconseqente com a propaganda feita por ns para attrair estrangeiros, que podem e-devem fiscalisar as nossas coisas, pois ns os chamamos e elles suam por ahi. , Sem mais querer dizer, podemos af firmar que todo o nosso mal estar actual, todo o cynismo dos especulado/es com a guerra, inclu. sivel Z Bezerra e Pereira Lima, vm desse, malfico espirito de cupidez de riqueza com que S. Paulo infeccinou o Brasil, tacitamente admittindo no se dever respeitai qualquer escrpulo, fosse dessa ou daquella ordem, para obtel-as, nem mesmo o de levar em conta o esforo, a dignidade^e o trabalho dos immigrantes, os quaes s lhe servem quando curvam a cerviz sua deshumana ambio chrematistica.
1-917.

Casos de bovarysmo
. . . Un grand oiseau aa plumage rose, ptanant dans le esplehdur des cieis poetiques... Gaultier Le Bovarysme. Notou Jules Gaultier, um moderno philosopho francez, que Flaubert sellara quasi todos os personagens dos seus romances com a marca genial de um s modo de-ver. E' caso que uma espcie de Mal do Pensamento, mal de ter conhecido a imagem das sensaes e a dos sentimentos antes das sensaes e dos sentimentos, como j dissera P . Tiourget, anima e perturba as almas de Frederic Moreau, de Regimbard, Homais, Arnoux e sobretudo, de Mme. Bovary, em quem essa sorte de embriaguez absorveu-a de tal modo que conduziu sua vida para o trgico. E' intil lembrar a heroina de Flaubert. Toda a gente a conhece. Emma Bovary, pequena burgueza, educada num estabelecimento aristocrtico, casada com um estpido medico, ou cousa que o valha, faz de si um retrato de grande dama, talhada para altas cavallaras e satisfaes, desenvolvendo para se approximar de uma tal imagem todo o vigor de sua natureza violenta. O reflexo dessa imagem sobre a sua conscincia faz que ella deforme toda a realidade, creando dentro de si um principio de ihsaciabilidade, de ruptura que impede sempre o equilbrio com o mundo externo. Sua vida assim constantemente perturbada. A realidade no a-satisfaz., Mal casada com o medocre Charles, desgosta-se, despreza-o, abomina-o. Sonha amantes. Retrata-os carinhosamente na sua imaginao; idalisa-os supprimindo inconscientemente os perigos do adultrio. Desvia-se da calma conjugai e estonteamehto que o sonho de irregularidade leva sua alma, arrasta-a a falsificar a firma de seu marido, que, descoberto a impelle ao suicdio. Devido fora com que a pobre Emma escravisou-se ao mal, pela alta dose de que delle ella era dotada, pareceu ao philosopho que Mme. Bovary, mais do que nenhum outro personagem de Flaubert, symbolisava essa funco original de nossa alma, dahi bovarysmo, como elle a chamou. E' um caso agudo; outros ha, porm, em que o indivduo attingido delle para se approximar da imagem creada, emprega meios

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pueris, minsculos em comparao com o fim proposto. Na "? d u c a "j< o Sentimental", do mestre, que temos o taciturno Regimbara; que, no fito de justificar a -sua preteno a entender de artilharia, se vestia no alfaiate de certa Escola Militar. No "Bouvard te Pcuchet", a viso toma outra feio. J no mais uma questo de orgulho pessoal, de preteno ou vaidade ; nenhum baixo movei anima os dous bonanches, mas o que se revela nelles a desproporo entre o trabalho legado pela intelligencia das.geraes passadas e o fraco poder intellectual d indivduo para apprehendel-o rapidamente. E ' a grandiosa imagem da Sciencia, da Littratura, que perturba a conscincia delles: e, como bem nota Gaultier: un comique superier se degage au contraste manifeste entre Ia fauvret du fantoche et Ia grandenr complexe d'ideal qu'il a entrevu et qu'il voudrait atteindre. Num vo de metaphysica, o philosopho se distancia, analysando luz do modo de vr flaubertiano, concepes, idas, e chega a mostrar no s o bovarysmo como essencial humanidade, necessrio at e explicando a ida de evoluo e sendo sua causa, como tambm constituindo um creador do real. E ' um livro luxuriamente, rico de apercebimentos novos e que tem sobretudo o mrito, como adverte o seu autor, de no visar instituir qualquer reforma, propondo-se somente: mettrc entre les mains de quelques-uns un appareil Voptique mental, une lorgnette de spetacle qui permette de s'intresser ou jeudu phnomne humain par Ia connaissance de quelque-unes des .rgles qu'il 1'ordonnent. Armado, pois, desse binculo de theatro que pde definir como o poder que dado ao homem de se conceber outro que elle no , e de encaminhar para esse outro, todas as energias de que capaz vamos experimentar no vulgar de dia a dia a Jora de suas lentes. Andava eu com um meu amigo a visitar'uma casa de loucos. * Queres vr um que curioso ? disse-me. ff Quero, respondi-lhe. E ' o Fernandes. Um bondoso official de pharmacia que as leituras enlouqueceram. Chegmos. Fernandes, pergunta-lhe o interno, meu amigo, como vae teu livro ? Sim ! (dirigia-se agora a mim) porque aqui o Sr. Fernandes tem um grande livro. A obra immortal da verdade. Como vae ? perguntei eu ? Vocs so pequenos, mesquinhos para me comprehender eu, disse o doente, bebo o leite de Minerva na taa da philosophia. E, quando de volta de novo passmos por elle, eu lhe indaimi
KCI

de sopeto:

No verdade que 7 x 8 so 64 ? No, senhor, so 54. Eis como estava o leite de Minerva j estragado: a tal oa d a falhava no Fernandes. tauoada ^ . . ? r a , u m , o u c o ' Pr tingido do bovarysmo.
isso n

o me animo a classificai-o comn no

a a, t

"

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E' no trem, trem de subrbios; vem cheio. Entra o recebedor pela porta da frente. No segundo ou terceiro banco, algum diz: Sou delegado, tenho passe. O conductor afastou-se. Continua o auxiliar a receber os bilhetes de passagens pacientemente. Quasi ao chegar portinhola do vago, espera que um retardaiario lhe mostre o seu. Eil-o que olha o pequeno papel: um ministro de Estado que o apresenta ordinariamente ,, Ao olhar de quem no estiver armado do binculo bovary, no se apresentaro os dous actos como idnticos. Ambos so, entretanto, idnticos; partem do mesmo facto que os dous; o commum delegado e o poderoso ministro se concebem outros que no so. O delegado acredita-se participando de Jpiter Tonante, tem algo de omnipotente. Quando olha a rua povoada de gente que se cruza da direita para a esquerda, de l para c, diz de si para si: Se andam soltos, porque eu quero, seno... Ao ministro, j a imagem do poder no perturba'. Cr-se outr Colbert,. Richelieu, Marquez de Pombal ou, no minimo, Cotegpe, Saraiva, Dantas, Zacharias, Ouro-Preto, ou outro qualquer dos nossos: ,de*modo que p'ra isso deve estar attento com a immortalidade, ficar certo de que esta vae lhe registrar os actos, os gestos, as phrases... Como os dous se enganam, meu Deus ! / E' puro bovarysmo! Foi meu collega um rapaz razoavelmente intelligente que a sympathia de um governador guindou a uma alta posio num Estado dos nossos. Ha mezes, eu o vi aqui pelas ruas, a andar solemnemente de sobrecasaca, passando por mim a estourar como um peru' em roda, espreitando as sentinellas como quem espera brados de armas. Foi o bovarysmo... Como ? Concebendo-se outro, muito grande, extraordinrio, o pobre moo deformou a realidade: o-que elle deveu pura e simples affeio de um governador que o esperava para genro, attribuiu elle a seu mrito. O meu amigo H., velho funccionark) publico, com tentos e tantos annos de servio, sem uma licena, est atjtingido de bovarysmo. Aquelle contacto dirio com a premia, com o papel e rmteira; o constante elogio dos directores pela sua calligraphia, pelos seus offtcios, despertaram-lhe n'alma uma curiosa imagem. Acreditou-se escriptor, litterato; e o humilde escriba para quem o talhe da lettra era a nica preoccupao, poz-se febrilmente a escrever versos, romances, contos e, ha dias coitado ! veio me dizer: Voc sabe ? tenho uma grande obra^. Qual ? A Comedia do P ? ? E' melhor do que a Divina Comedia e um pouco superior ao. D. Quixote. Relatou-me um conhecido que muito se dera com o philantropo Z, um facto revelador do bovarysmo. Z, com o seu talento e a sua philantropia, ganhara uma fortuna. O que lhe valera dar grande expanso ao seu amor ao luxo

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e s satisfaes de uma natureza exigente. No havia quem como elle amasse as roupas bem cortadas, os sapatos caros, a roupa branca fina. O seu amor mesa, s iguarias era uma paixo. Parecia que Z verificava o aphorismo de Brillat-Savarin: os animaes nutrem-se; o homem come; s o homem de espirito sabe comer. Entretanto, Z com essa natureza exigente sonhava o martyrio social. Batia-se pelas reformas, idealisava perseguies, creava phalansterios. Em rodas de amigos s falava no grande problema, na questo mxima; no soffrimento das classes pobres; e, pela sobremesa, contaram-me depois de farto jantar em viandas e vinhos, roia um pedao de po velho para, af firmava, nunca se esquecer dos que passam e curtem fome. Mais casos poderia citar; mas bom parar, visto ter muita razo o suave Remy de Gourmont, com o assegurar que a philosophia se dirige a cada um de ns em particular. Bacon e Descartes, Spencer ou Schopenshauer, narram, como Shakespeare ou Racine as aventuras de um heroe e de um prncipe que somos ns mesmos e est nossa mysteriosa alma de homens; e que no ha uma pagina de seus livros em que o leitor no pare para levantar a cabea e reflectir sobre o seu destino, com os olhos vagos e o corao perturbado. Paremos. 1904.

Tenljo esperana que...


Certas manhs, quando deso de bonde para o centro da cidade, naquellas manhs em que, no dizer do poeta, um archanjo se levanta de dentro de ns quando deso do subrbio em que resido ha quinze annos, vou vendo pelo longo caminho de mais de dez kilometros, as escolas publicas povoadas. Em algumas, ainda surprehendo as crianas entrando e se espalhando pelos jardins espera do comeo das aulas, em outras, porm, ellas j esto aibancadas e debruadas sobre aquelles livros que meus olhos no mais folhearo, nem mesmo para seguir as lies de meus filhos*. Braz Cubas no transmittiu a nenhuma creatura o legado da nossa misria; eu, porm, a transmittiria de bom grado. Vendo todo o dia, ou quasi, esse espectaculo curioso e suggestivo da vida da cidade, "sempre me hei de lembrar da quantidade das meninas que, annualmente, disputam a entrada na Escola Normal, desta cidade; e eu, que estou sempre disposto a troar as pretenes feministas, fico interessado em achar no meu espirito uma soluo que satisfizesse o afan do milheiro dessas candidatas a tal matricula, procurando com isso aprender para ensinar, o.que ? O curso primrio, as primeiras letras a meninas e meninoa pobres, no que vo gastar a sua mocidade, a sua sade e fanar a sua belleza. Dolorosa coisa para uma moa... A obscuridade da misso e a abnegaro que ella exige, carcam essas moas de um halo de herosmo, de grandeza, de virtudes que me faz naquellas manhas em que sinto o archanjo dentro da minha alma, cobrir todas ellas da mais viva e extremada sympathia. Eu me lembro tambm da minha primeira dcada de vida, de meu primeiro collegio publico municipal, na rua do Rezende, das suas duas salas de aula, daquellas grandes e pesadas carteiras do tempo e, sobretudo, da minha professora D. Thereza do Amara] de quem, talvez se a desgraa, um dia, enfraquecer-me a memria no me esquea de todo. De todos os professores que eu tive, houve cinco que me impressionaram muito; mas delia que guardo mais forte impresso. O doutor (assim o tratvamos) Fructuoso da Costa, um delles, era um preto mineiro, que estudara para padre e no chegara a ordenar-se. Tudo nelle era desgosto, amargor; e, s vezes, deixava-

24 rnos de analysar a "Seleco", para ouvirmos de sua feia bocca historias polvilhadas dos mais atrozes sarcasmos. Os seus olhos intelligentes luziam debaixo do pince-nez e o seu sorriso de remate mostrava os seus dentes de marfim de um modo que no me atrevo a qualificar. O seu enterro saiu de uma quasi estalagem. Um outro foi o Sr. Francisco Vartta, homem de muito mrito e intelligente, que me ensinou Historia Geral e do Brasil. Tenh uma noticia de policia que cortei de um velho "Jornal do Commercio" de 1878. Desenvolvida com a habilidade e o "savoir-faire^.daquelles tempos, contava como foi preso um sujeito por trazer cmsigo quatro canivetes. "Explorava-a", como diz hoje nos jornaes, criteriosamente o redaotor dizendo que "ordinariamente basta que um homem traga comsigo uma nica arma qualquer para que a policia ache logo que deve chamal-o a contas". Isto era naquelle tempo e na Corte, pois o professor Chico Varella usava impunemente nao sei quantos canivetes, quantos punhaes, revolvers; e um dia appareceu-nos com uma carabina. Era no tempo da Revolta. Gabava-se, no que tinha muita razo, de ser parente de Fagundes Varella; mas sempre citava a famosa metaphora de Castro Alves, como sendo das mais bellas que conhecia; "Qual Prometteu tu me amarraste um d i a . . . " Era um belle homem e, se elle ler isto, no me leve a maL Recordaes de menino... Foi elle quem me narrou a lenda dos comeos da guerra de Tria, que, como sei hoje, da autoria de um tal Stasinos de Chypre. Parece que fragmento de um poema deste, conservado no sei em que outro livro antigo. O filho do rei de Tria, Paris, foi chamado a julgar uma contenda entre deusas, Venus, Minerva e Juno. Houvera um banquete no Co e a Discrdia, que no havia sido convidada, para vingar-se, atirou um pomo de ouro, com a inseripo A' mais bea. Paris, chamado a julgar quem merecia o prmio, entre as trs, hesitou. Minerva promettia-lhe a sabedoria e a coragem; Juno, o poder real e Venus... a mulher mais bella do mundo. Ahi, elle no teve duvidas: deu "O Pomo" Venus. Encontrou-se com Helena, que era mulher do rei Menelo, fugiu com ella; e a promessa de Aphrodite foi cumprida. Menelo no quiz acceitar esse rapto e declarou guerra com uma poro de outros ris Tria. Essa historia da tnythologia; pois hoje me parece do cathecismo. Naquelles dias, ella me encantou e fui da opinio do troyano; actuamente, porm, no sei como julgaria, mas certo no desencadearia uma guerra por to pouca cousa. Varella contava tudo isto com uma eloqncia cheia d* A , , siasmo, de transbordante paixo; e, ao me lembrar delle I." mp ro-o sempre com o Dr. Ortiz Monteiro, que foi meu lent* *~ cakno, methodico, no perdendo nunca um minuto oara ns ^"f 6 romper a exposio de sua geometria descriptiva. A sua 1 L " v dade e o seu amor em ensinar a sua disciplina fazi am -no um? pao no nosso meio, onde os professores cuidam pouco n a s ^ !exce caderas, para se oecuparem de todo outro qualquer af fazer

25 De todos eu queria tambm falar do Sr. Otto de Alencar, mas que posso eu dizer da sua cultura geral e profunda, da natureza to differente da sua intelligencia da nossa iritelligencia, em geral? Elle tinha alguma cousa daquelles grandes geometras francezes que vm de Descartes, passam por d'Alembert e Condorcet, chegam at nossos dias em Bertrand e Poincar. Podia tocar em tudo e tudo receberia a marca indelvel do seu gnio. Entre ns, ha muitos que sabem; mas' no so sbios.Otto, sem eiva de pedantismo ou de sufficiencia presumida, era um gnio universal, em cuja intelligencia a total representao scientifica do mundo tinha lhe dado, no s a accelerada anci de mais saber, mas tambm a certeza*de que nunca conseguiremos sobrepor ao universo as leis que suppomos eternas e infalliveis. A nossa sciencia no nem mesmo uma approximao; uma representao do Universo peculiar a ns e que, talvez, no sirva para as formigas ou gafanhotos. Ella no uma deusa que possa gerar inquisidores de escalpello e microscpio, pois devemos sejnpre julgal-a com a cartesiana duvida permanente. No podemos opprimir em seu nome. Foi o homem mais intelligente que conheci e o mais honesto de intelligencia. Mas, de todos, de quem mais me lembro, da minha professora primaria, no direi do A. B. C, porque o aprendi em casa, com minha me, que me morreu aos sete annos. E' com essas recordaes em torno das quaes esvoaam tantos* sonhos mortos e tantas esperanas <*por realisar, que vejo creptar esse matutino movimento escolar; e penso nas mil e tantas meninas que todos os annos accodem ao concurso de admisso Escola Normal. Tudo tem os sbios da Prefeitura imaginado no intuito de difficultar a entrada. Creio mesmo que j se exigiu Geometria Analytica e Calculo Differenal, para creanas de 12 a 15 annos, mas nenhum delles se lembrou da medida mais simples. Se as moas residentes no Municpio do Rio de Janeiro mostram de tal forma vontade de aprender, de completar o seu curso primrio com um secundrio e profissional, oMgoverno s deve e tem a fazer uma cousa: augmentar o numero das escolas de quantas houver necessidade. Dizem, porm, que a municipalidade no tem necessidade de tantas professoras, para admittir cerca de mil candidatas a taes cargos, a despesa, etc. No ha razo para tal objeco, pois o dever de todo o governo facilitar a instruco dos seus subditos. Todas as mil que se matriculassem, o prefeito no ficava na obrigao de fazel-as professoras ou adjuntas. Educal-as-ia s e estabelecesse um processo de escolha para a sua nomeao, depois que completassem o curso. As que no fossem escolhidas, poderiam procurar o professorado particular e, mesmo como mes, a sua instruco seria utilissima. Verdadeiramente, no ha estabelecimentos pblicos destinados ao ensino secundrio s moas. O governo federal notem nenhum, apezar da Constituio impor4he o dever de prover essa espcie de

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ensino do Districto. Elle julga, porm, que s so os homens que necessitam delle; e mesmo aos rapazes, elle o faz com estabelecim tos fechados, pata onde se entra custa de muitos empen nos ;... A despesa que elle tem, com os Gymnasios e o Collegio Militar bem empregada daria para maior numero de externatos, de Lyceus. Alm de um internato no Collegio Militar do Rio, tem outro em Barbacena, outra em Porto Alegre, e no sei se projectam mais alguns por ahi. Onde elle no tem obrigao de ministrar o ensino secundrio, ministra; mas aqui, onde elle obrigado, constitucionalmente, deixa milhares de moas a impetrar a benevolncia do governo municipal. A municipalidade do Rio de Janeiro que rende cerca de 40 mil contos ou mais, podia ter ha muito tempo resolvido esse caso; mas a politica que domina a nossa edilidate no aquella que Bossuet definiu. A nossa tem por fim fazer a vida incommod e os povos infelizes;, e os seus partidos tm por programma um nico: no fazer nada de til. Deante desse espectaculo de mil e tantas meninas que querem aprender alguma cousa, batem porta da Municipalidade e ella as repelle em massa, admiro que os senhores que entendem de instruco publica, no digam alguma cousa a respeito. ^ E creio que no facto insignificante; e, por mais que fosse e capaz de causar prazer ou dr mais humilde creatura no seria demasiado insignificante para nto merecer a atteno do philosopho. Creio ser de Bacon essa observao. O remdio que julgo to simples, pde no sel-o; mas, espero despertar a atteno dos entendidos e sero elles capazes de achar um bem melhor. Ficarei muito contente e tenho esperana que tal se d. 3518.

O caso do mendigo
Os jornaes annunciaram, entre indignados e jocosos, que um mendigo, presa pela policia, possua em seu poder valores que montavam respeitvel quantia de seis contos e pouco. Ouvi mesmo commentarios cheios de raiva a tal respeito. O rneu amigo X, que o homem mais esmoler desta terra, decla- rou-me mesmo que no d mais esmola. E no foi s elle a indignar-se. Em casa de familia de minhas relaes, a dona da casa, senhora compassiva e boa, levou a tal ponto a sua indignao, que propunha se confiscasse o dinheiro ao cego que o ajuntou. No sei bem o que fez *a. policia com o cego. Creio que fez o que o Cdigo e as leis mandam; e, como sei pouco das leis e dos cdigos, no estou certo se elle praticou o alvitre lembrado pela dona da casa de que j falei. O negocio fez-me pensar e, por pensar, que cheguei a concluses diametralmente oppostas opino geral. O mendigo no merece censuras, no deve ser perseguido, porque tem todas as justificativas a seu favor. No ha razo para indignao, nem tampouco para perseguio legal ao pobre homem. . Tem elle, em face dos costumes, direito ou no a esmolar ? Vejam bem que eu no falo em leis; falo ds costumes. No ha quem no diga: sim. Embora a esmola tenha inimigos, e dos mais conspicuos, entre os quaes, creio, est Mr. Bergeret, ella ainda continua a ser o nico meio de manifestao da nossa bondade em ace da misria dos outros. Os sculos a consagraram; e, penso, dada a nossa defeituosa organizao social, ella tem grandes justificativas. Mas no bem disso que eu quero falar. A minha questo que, em face dos costumes, o homem tinha direito de esmolar. Isto est fora de duvida. Naturalmente elle j o fazia ha muito tempo, e aquella respeitvel quantia de seis contos talvez represente economias de dez ou vinte annos. Ha, pois, ainda esta condio a attender: o tempo em que aquelle dinheiro foi junto. Se foi assim num prazo longo, suppo-nhamos dez annos, a coisa assim de assustar ? No . Vamos adiante. Quem seria esse cego antes de ser mendigo ? Certamente um

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operrio, um homem humilde, vivendo de pequenos v e . . t Q 8 an _ tendo s vezes falta de trabalho; portanto, pelos seus i ^ ^_ teriores de vida e mesmo pelos meios de que se serv p ^ nhal-a, estava habituado a economizar. E' fcil de ve ^ Q$ ^ Os operrios nem sempre tm servio constante. A n a contam grandes fabricas do Estado ou de particulares, os outros que, mais dias, menos dias, estaro, sem trabalhar, portanto sem dinheiro; dahi lhes vem a necessidade de economizar, para attender a essas pocas de crise. Devia ser assim o tal cego, antes de o ser. Cegando, foi esmolar . No primeiro dia,- com a falta de pratica, o rendimento no foi grande; mas foi o sufficiente para pagar um caldo no primeiro rge que encontrou, e uma esteira na mais srdida das hospedarias da rua da Misericrdia. Esse primeiro dia teve outros iguaes e seguidos; e o homem se habituou a comer com duzentos ris e a dormir com, quatrocentos, temos, pois, o oramento do mendig o feito: seiscentos ris (casa e comida) e, talvez, cem ris de caf; so, portanto, setecentos ris por. dia. Roupa, certamente, no comprava: davam-lh'. E' bem de crer que assim fosse, porque bem_ sabemos de que maneira prdiga ns nos desfazemos dos velhos*ternos. Estar portanto, o mendigo fixadjo ria despeza de setecentos ris por dia. Nem mais, nem menos; o que-elle gastava. Certamente no fumava e muito menos bebia, porque as exigncias do" officio haviam de afastal-o da "canninha". Quem d esmola a um pobre cheirando a cachaa ? Ningum. - Habituado a esse oramento, o homenzinho foi se aperfeioando no officio. Aprendeu a pedir mais dramaticamente, a aflautar melhor a voz; arranjou um cachorrinho, e o seu suocesso na profisso veiu. J de ha muito que ganhava mais do que precisava. Os nickeis cahiam, e o que elle havia de fazer delles ? Dar aos outros ? Se elle era pobre, como o podia fazer ? Pr fora ? No; dinheiro no se pe fora. No pedir mais ? Ahi interveiu uma outra considerao. -t Estando habituado previdncia e economia, o mendigo pensou l comsigo: ha dias que vem muito; ha dias que vem pouco, sendo assim; vou pedindo sempre, porque, pelos dias de muito, tiro os dias de nada. Guardou. Massa quantia augmentava. No comeo eram s vinte mi! ris; mas, em seguida foram quarenta cincoenta, cem. E isto em notas, frgeis papeis, capazes de s deteriorarem, de perderem o valor ao sabor de uma ordem administrativa, de que talvez no tivesse noticia, pois, era cego e no !ia, portanto. Que fazer, em tal emergncia, daquellas notas > Trocar em ouro? Pesava e o tilintar especial dos soberanos tal vez attraisse malfeitores, ladres. S havia um caminho- tra cafiar o dinheiro no banco. Foi o que elle fez. Esto ahi um ceim de juizo e um mendigo rico. __ Feito o primeiro deposito, seguiram-se a este outrospoucos, como habito segunda natureza, elle foi encarando a men-

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dicidade no mais como um humilhante imposto voluntrio, taxado pelos miserveis aos ricos e remediados; mas como uma profisso lucrativa, licita e nada vergonhosa. Continuou com o seu cozinho, com a sua voz aflautada, com o seu ar dorido a pedir pelas avenidas, pelas ruas commerciaes, pelas casas de famlias, um nickel para um pobre cego. J no era mais pobre; o habito e os preceitos da profisso no lhe permittiam que pedisse uma esmola para um cego rico. O processo por que elle chegou a ajuntar a modesta fortuna de que falam os jornaes, to natural, to simples, que, julgo eu, no ha razo alguma para essa indignao das almas generosa*. Se ainda continuasse a ser operrio, ns ficaramos indignados se-elle tivesse juntado o mesmo peclio? No. Por-que ento ficamos agora ? ^ E' porque elle mendigo, diro. Mas um engano. Ningum mais que um mendigo tem necessidade de previdncia. A esmola no certa est na dependncia da generosidade dos homens, do seu estado moral psyhologico. Ha uns que s do esmolas quando esto tristes, ha outros que s do quando esto alegres e assini por diante. Ora, quem tem de obter meios de renda de fonte to incerta, deve ou no ser previdente e econmico ? No julguem que fao apologia da mendicidade. No^ s n fao como no a detracto. Ha occasies na vida que a gente pouco tem a escolher; s vezes mesmo nada tem a escolher, pois ha um nico caminho. E' o caso do cego. Que que elle havia de fazer? Guardar. Positivamente, elle procedeu bem, perfeitamente de accordo com os preceitos sociaes, com as regras da moralidade mais comezinha e attendeu s sentenas do "Bom Homem Ricardo", do fallecido Benjamin Franklin. As pessoas que se indignaram com o estado prospero da forj tuna do cego, penso que no reflctiram bem, mas, se o fizerem, ho de ver que o homem merecia figurar no "Poder da vontade", do ,conhecidissimo Smiles. - < De resto, elle era hespanhol, estr/uigeiro, e tinha por dever voltar rito. Um accidente qualquer tirwj-lhe a vista, mas lhe ficou a obrigao de enriquecer. Era o que estava fazendoV/iuando a policia foi perturbal-o. Sinto muito; e^so meus desejos que elle seja absolvido do delcto que commetteu, volte sua gloriosa Hespanha, compre uma casa de campo, que tenha um pomar com oliveiras e a vinha generosa; e, se algum dia, no esmaecer do dia, a saudade lhe vier deste Rio de Janeiro, deste Brasil immens e feio, agarre em uma moeda de cobre nacional e leia o ensinamento que o governo da Republica d . . . aos outros, atravs dos seus vintns: "A economia a base da prosperidade". 1911.

Vera Zassulitch
Affirmou Dostoiewsky, no me lembro onde, que a realidade mais fantstica do que tudo o que a nossa intelligencia pde fantasiar. Passam-se, na verdade, deante dos nossos olhos coisas que mais poderosa imaginao creadora seria capaz de combinar os seus dados para creal-as. Esse caso de Vera Zassulitch, cujo retumbante processo, fez estremecer a Europa, em 1878, - um delles. Tudo nelle estranho e convm ser elle lembrado agora, quando a Revoluo Russa abala, no unicamente os thronos, mas os fundamentos da nossa vill e vida sociedade burgueza. No posso negar a grande sympathia que me merece um tal movimento; no posso esconder o desejo que tenho de ver um semelhante aqui, de modo a acabar com essa chusma de tyrannos burguezes, accrados covardemente por detraz da Lei, para nos matarem de fome, elevando artificialmente o preo dos gneros e artigos de primeira necessidade, como: o assucar, a carne, o*feijo, o arroz, o caf, o sal, o panno, custa de estancos, de "Jtrusts", de "corners", de "allivios", trficos de homens e outras inacreditveis espcies de assaltos economia de toda uma populao miservel que j no tem por si nem os ministros do Evangelho, pois os padres, freiras e irms de caridade, todo o clero emfim, est amarrado causa de semelhantesr^ppressores e os apoia de todas as formas. *j&# Disse Macaulay, num dos magnficos seus ensaios, que os philosophos francezes do sculo XVIII, quando combatiam a Igreja estavam com os Evangelhos, pois a vetusta instituio religiosa - de Roma, cada vez mais se afastava delles; e os philor sophos cada vez mais se impregnavam do espirito de Jesus. Hoje, parece que est acontecendo o mesmo com os revolucionrios... Ns, porm, continuando tal e qual a Rssia de 1878, dormimos. Como se l no artigo de Victor Cherbuliez (G. Valbert), na "Revue des deus mondes", de 1 de maio desse anno, os russos daquelles tempos, assim falavam do seu torpor: "Tudo dorme; por toda a parte, na alda, na cidade, na "telga", no tren de dia, de noite, assentado, de p, o negociante, o "tchinovnik" dorme; na sua ronda, dorme o vigilante sob o frio da neve sob ardor do sol. E o ro dorme e o juiz dorme, os

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camponezes dormem com um somno de morte; se^e es c A(jud_ vram - dormem; se elles "surram o trigo, dormemama ^ ^ le que fere e aquelle que ferido dormem J*"" g agarrantequim est acordado, com os olhos sempre abe"*V' ' a r o n t e do com os seus cinco dedos um garrafo de a g u a r u e i , ^ e t e r n o para o polo norte e os ps no Caucaso, dorme um a nossa ptria, a Santa Rssia." .. .. E ns poderamos dizer do nosso resignado lrasu, que cue, grande, immenso, rico e generoso, tendo os ps no Prata e a cabea nas Goyanas, com a gravata kucuosissima do Amazonas* ao pescoo, dorme completamente encachaado, deixando que toda uma quadrilha, com lbias de patus vrios, o saqueie e o ponha mi, como os judeus fizeram a N . S. J. C. E' assim o 3rasil. Todos dormem e s se lembram, quando interrompem um pouco o somno, de appellar para o Estado, pedindo taes ou quaes providencias; e ningum v" que a Estado, actual o "dinheiro" e o "dinheiro" a burguezia que aambarca, que fomenta guerras, que eleva vencimentos, para augmentar os impostos e emprstimos, de modo a drenar para as suas caixas fortes todo o suor e todo o sangue do paiz, em forma de taxa alta de preos e juros de aplices. Precisamos deixar de panacas; a poca de medidas radicaes. No ha quem, tendo meditado sobre esse estupendo movimento bolshevikista, no lobrigue nelle uma profunda e original feio social e um alcance de universal amplitude sociolgica. Pondo de parte os panurgiahos e aquelles de mentalidade fssil a servio dos magnatas da Bolsa, da Industria e do Commercio, de todos os homens de intelligencia e de corao, independente, tanto anui cjmo acol, ficaram penstivos deante de uma revolu* o que to fundamente attingiu os alicerces, no, s os de um grande e poderoso imprio, como tambm os de todas as concepes matrizes das actuaes agglomeraes humanas, chamadas civilisadas. ' No se podia compfftender com a nossa mentalidade jurdico- hurgueza, feita de detrictos de tantas idas collectivas differentes e, por vezs, antagnicas, que meia dzia de doidos vagabundos' e idelogos.licenciassem, do p para a mo, um exercito de milhes de homens e puzessem um imperador, a sua mulher e seus filhos, na Sibria. No foram os doidos, como Lenine e os outros so chamados pelos burguezes; no foram elles. Foram os officiaes e os soldados que se desarmaram a elles mesmos. E' que a reforma de idas e sentimentos j estava feita no intimo delles todos; e, como observou Oliveira Lima, no lhes satisfaziam mais os idaes patriticos e polticos; o essencial eram as medidas sociaes. Puzeram fra as carabinas... De resto, tomo a liberdade de repetir aqui o que disse em "A Lanterna", de 21 de janeiro ultimo, com o pseudonymo de Dr. Bcoloff, tratando do terremoto maximalista:

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"Loucas ou no, preciso contar com as suas utopias, pois se assim nos parecem hoje, talvez amanh sejam disposies da legislao commum. A Historia nos ensina esse poder de que o nosso glorioso e ajuizado Afranio Peixoto, desdenhosamente, com toda a superioridade de sua integridade mental, d o nome de loucura ou outros mais rebarbativos. E' uma fora que no leVa a Petropolis; mas faz descer em um instante os que l esto em namoro." E' de toda utilidade notar que e~ tinha antes citado o Dr. Gustavo Le Bon, que anarchista em physica e ultramontano em sociologia, mas que no trepida em af firmar, no seu livro "Civili-' sation des rabes", que "a aco da loucura ha sido immensa. Os loucos fundam religies, destroem imprios e levantam as massas. Sua mo poderosa tem conduzido a humanidade at aqui e a historia seria toda outra, se a razo, e no a loucura, houvesse reinado sobre o mundo". So de meditar taes palavras quando vemos o baixo interesse ^)u a nossa proverbial preguia mental tentar amesquinhar os revolucionrios russos com o epitheto: loucos. Entre elles, ha mulheres. Ha at uma Mme. Kolentay, que ou foi ministro do Bem Publico; no de hoje, porm, que as mulheres russas, moas, em geral, se envolvem nesses movimentos, altruisticamente subversivos, do imprio dos Romanoffs. Esta Vera Zassulitch, que teve uma celebridade universal, como o symblo dellas todas. Acoimada de louca, foi verificado^ que nada tinha disso. De resto, essa historia de loucura, como muitas outras, simplesmente questo de sentido da contagem; para esquerda do O, negativo; para a direita, positivo. Mais nada. No dizer de Cherbuliez, a deplorvel vida que lhe haviam feito padecer os homens, teria perturbado uma razo menos solida que a sa. Com dezesete annos, apenas acaba de terminar a sua educao em um pensonato de Moscou, encontra-se com o revolucionrio Netchaieff, e, por ter se enconjtrado com Netchaieff, passa dous annos nas casamatas de uma fprtaleza, sem que pudesse Saber do que era accusada. No via pessoa alguma; no recebia visitas dos pes ou parentes; os nicos rostos humanos que viu, durante esse largo prazo de tempo, mais largo ainda por no lhe darem tarefa alguma, foram o do guarda encarregado de lhe dar comida e o de sentinella que lhe perguntava, todo o dia, atravez das grades: como vae a senhora ? Os seus vinte annos, ella os viu passar assim sepultados na escurido de uma masmorra, quando elles lhe pediam sol, luz, alegria, brinquedos, namoros, Amor ! Solta, foi s em apparencia, pois por toda a parte a perseguia a policia, a terrvel policia russa. Sois livre, diziam, mas todos os sabbados tendes de ir presena do commissario. Foi assim a sua mocidade; no enlouqueceu: mas a sua alma, como quer Charbuliez, foi invadida por essa tristeza russa que

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tem a immensidade e o silencio, das steppes; e, de todas as tristezas humanas, a mais triste. Um certo dia, o general Trepoff, ministro ou prefeito ou chefe de Policia de So Petersburgo, vae visitar na priso os presos polticos. Entre estes, havia um certo Bogoluboff que se anima a falar ao inquisidor do Estado, de gorro de prisioneiro, cabea. Por causa disto, Trepoff manda dar-lhe uma surra de varas e o detento vergastado sem piedade. Vera, uma espcie de Mariana das "Terres Vierges", de Tsurgneneff, revolta-se ao ter noticia do facto. Ella, no parecer do autor do artigo que estou resumindo; ella no era desgraada por sua prpria desgraa. Soffria por todos os opprimidos, por todjbs os desherdados; ou, antes, ella no soffria, ella se indignava, se revoltava. Vera ficava irritada ao mesmo tempo contra a sua impotncia e contra a felicidade dessa gente por ahi, calma, gorda e saciada, apezar de saber que milhes de pessoas gemiam eram perseguidas de todos os modos. Movida por esses sentimentos, ella, que nunca vira Bogoluboff? to ferozmente injuriado e rebaixado de sua condio de Homem, jura vingar a offensa e o supplicio que lhe inflingiram. Arma-se, procura Trepoff e mata-o, descarregando sobre elle todo o revolver que levava. Foi a jury, confessou que obrara com todo o discernimento, com premeditao, de emboscada, e t c , etc. ; e absolvida. O resto no nos interessa; o que nos interessa, o caracter dessa mulher, a sua abnegao o seu sacrifcio em prol do soffrimento de outrem que ella absolutamente no conhecia. No trepidou ella em cobrir-se com o opprobio de um assassinato de arriscar-se ao crcere de cujas dores tinha experincia pessoal, de jogar at a Cabea, para mostrar que era "solidaria" com a desgraa, com "a angustia, com a dr de um semelhante... Ha um epitaphio de um navegante grego, antigo, encommendado por elle mesmo, caso morresse de naufrgio, que assim diz: "O marinheiro que aqui jaz, diz-te: faze-te de vela ! O golpe de Vento que aqui nos perdeu,; fazia vogar ao largo toda uma flotilha de barcos alegres.." # Vera no naufragou de todo; mas se a Rssia morrer nesse transe, ella ver que o golpe de vento que a matou, far singrar ao largo toda uma flotilha de povos felizes. 14-7-18.

Que fim levou ?


Foi um triumpho, lembro-me bem. O homem chegou aqui, debaixo de palmas, de ovaes; houve recepes solemnes nas escolas, nas sociedades sabias. Uma noite, depois de vir no sei de onde, desatrellaram-lhe os cavallos do carro, e elle andou puxado e empurrado por milhares de braos pelas ruas da cidade. O triumpho no durou um s dia, mas perto de uma semana; e, como nos nossos no ha aquella praxe romana que permittia dizer-se aos generaes algumas liberdades, para que no se suppuzessem deuses, no appareceu uma voz destoante: era mesmo um demiurgo. A poesia nacional trabalhou; trabalhou tambm a eloqncia, e o jornalismo, noticirio, chronica, artigo de fundo, entraram tambm no unismo das acclamaes jo homem. ' Pouca coisa desse escachoar de escriptos e palavras ficou. Houve odes, e poemetos, e artigos; mas, verso algum das odes, dos poemetos, dos sonetos, se imprimiu na memria dos contemporneos; e os artigos foram esquecidos depressa, logo, como um beneficio . , Mas, do movimento literrio que a presena do here deter. minou, uma coisa ficou, resistiu, incrustou-se na memria* de todos, foi da Saud a Botafogo, correu os Estados' e,'ainda hoje, aps quasi 10 annos, qualquer ainda se lembra de uma quadra, de um verso da cano famosa: A Europa curvou-se ante o Brasil E clamou paraberis em meigo tom... No se lembram ? Lembram-se, sim; todos ainda a sabem. E romo estranho o destino das coisas ! O homem, o homem extraordinrio, que tanto tinha levantado o nome do Brasil na Europa, s teve em sua honra uma poesia immorredoura, e foi essa cano. Repetida nos cafs concertos de terceira ordem, trauteada . pelos moleques, debochada pelos letrados, foi ella que cantou, que deu a immortalidade da poesia ao homem glorioso que ameaava conquistar os ares. O autor no anonymo; o Sr. Eduardo das Neves, a quem o meu amigo Catullo chama, em livro publicado, popular canCionista brasileiro.

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Onde foram as odes ? Onde foram os epenicios ? Onde esto os sonetos e os poemetos ? O que ficou, cantando ? a ai* . f a gloria do heroe, foi a cano do popular palhao brasuei . A Europa curvou-se ante o Brasil E clamou parabns em meigo tom, Surgiu l no co mais uma estrella E appareceu Santos Dumont. Naquelle tempo elle apparecia; hoje, ou melhor, de uns annos a esta parte, elle desapparec. Vejam s como nestes ltimos annos, o problema da viao area vae tendo um immenso avano; vejam a quantidade de ousadias, de vontades que elle emprega, e de vidas que elle ceifa tambm. Onde est Santos Dumont ? Bleriot atravessou a Mancha, em monoplano de seu invento; Chavez, esse mallogrado Chavez, fez a travessia dos Alpes; Winmalen, ganhou o raid Paris-Bruxellas-Paris; Vdrine foi de Paris a Madrid; Beaumont, chegou Roma, partiu de Paris; e Santos Dumont ? Ha ainda mais nomes gloriosos na aviao que se podem citar de memria com simples leitura de jornaes.Ha Latham, Farmand, Morane, Garros, Legagneux e quantos outros? Que faz Santos Dumont ? Ha um anno e pouco, li na "Gazeta de Noticias", em chronica de Demetrio Toledo, que elle tinha feito uma pequena viagem nos arredores de Paris, no seu famoso (para ns) "Demoiselle". Era uma proeza clandestina, mas, cujos resultados foram portentosos, porque elle cobriria no sei que record, se a coisa fosse s claras. E' essa a ultima noticia que temos delle; antes tnhamos tido a dos hydroplanos; mas concordem para quem foi o rei dos ares, .muito pouco tudo isso. E' verdade que elle foi rei quando no tinha concurrentes sua realeza. No tempo de suas performances com os seus dirigiveis ns. 1, 2, 3 e no sei que numero mais, ningum lhe disputava o caminho do throno, e era natural que fosse rei; hoje ha bem uma centena e prudente no arriscar essa realeza honorria que lhe ficou. No pde ser seno temporria e decorativa. As viagens;: areas de Santos Dumont eram pequenos passeios sobre Paris,/ dando volta pela Torre Eiffel; hoje, por exemplo, no raid ParisRoma, alguns aviadores bateram a etape Paris-Avignon, cuja extenso de 645 kilometros, com interrupes insignificantes. Os seus amigos dizem que o seu monoplano uma maravilha; elle mesmo j o poz no domnio publico. Se fosse a maravilha que dizem, sendo j propriedade de todos, seria de esperar que nos raids e nos circuitos apparecessem typos do seu Demoiselle no acham ? Mas no acontece isso. Apparecem mono" planos Bleriot, Morane e at desse desastrado Train, cujo fu selage todo de ao; mas typo Santos Dumont, nenhum f P 0 r

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que ? No me compete dizer, porque no entendo de aviao; mas quem fr um poucochito mais entendido do que eu, poder com justeza explicar. No estou tomando satisfao ao Sr. Santos Dumont, embora elle tivesse recebido uma dotao votada pelo Congresso Nacional. Commento to smento o desapprecimento de um here, de uma gloria nacional, que tantas esperanas despertou no paiz todo e to fortes emoes provocou. Sei bem que Santos Dumont como o baro do Rio Branco; est sagrado, est sob tabu; mas que diabo! isto de perguntar simplesmente que fim levou? no sacrilgio, no offensa que v ferir o respeito polynesico que temos por certo dos nossos grandes homens. De resto, eu era como todos os brasileiros; acreditava que a soluo da navegao area ficasse c em casa, mesmo em menino tive um projecto; e vendo que a cousa nos vae escapando, que o Sr. Santos Dumont no faz mais nada, fico triste e clamo pelo here. No ha, portanto, nestas palavras, nada de iconoclasta, nada de inconveniente; o que ha, magoa de um patriota, sincero no mais intimo de sua alma, ao ver^que aquelle que estava fadado para legar Ptria uma alta conquista de7 progresso e civilizao, est se deixando bater, arredado dos seus propsitos, sepultando-se no esquecimento. Quando leio, por exemplo, Andr Beaumont chegou, partindo de Paris, em primeiro logar a Roma, tendo voado de Nice a Roma, em 11 horas e 15 minutos, vencendo nesse tempo cerca de 400 kilometros de Nice a Pisa, incluindo uma grande parte sobre o mar, de Nice a Gnova; e 260 de Pisa a Roma; eu pergunto: por que Santos Dumont no fez isso? Quando leio: Vdrines ganhou o raid Paris-Madrid. O ousado piloto, o corajoso rapaz transpoz, voando altura de 2.000 metros a serra, de Guadarrama, e chegou ao aerodromo de Getafa, perto de Madrid, onde uma ovao formidvel o acolheu, apesar da hora matinal; eu pergunto: por que no aconteceu isso com Santos Dumont ? No de desgostar? Concordem que . Ns, quando o recebemos ha alguns annos, com bandas de musica, sonetos, discursos, foguetes e artigos, espervamos que elle fizesse tudo isso, que elle ,viesse a ser o rei dos ares, de facto, voando sempre, mostrando a sua percia, a sua coragem, a sua familiaridade com o novo elemenJo aberto actividade humana, de frma a secundar os nossos anceios e cumprir a grande misso que parecamos ter no mundo; mas, j que no elle quem faz taes proezas, j que no elle quem bate etapes de 650 kilometros, fica a nos parecer que o sonho ou o projecto do padre Gusmo vae mais uma vez parar em outras mos que no as nossas. Oh! Triste Brasil! Se no roubado, falha. Inventou a machina de escrever e roubaram os americanos o invento a um pobre padre da Parahyba; tinha ouro e diamantes a

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frica do Sul e outros paizes, acabaram roubancro-os; tinha o maior rio do mundo, mas j descobriram que n o ; tinha a portentosa batalha de Riachuelo, mas Fushima lhe furtou a gloria; tinha o Afinai Geraes, mas a Argentina j mandou fazer um maior; tinha a maior capital da America do Sul, mas Buenos Aires acaba de dizer que n o ; tinha borracha, elle nico, quasi, mas os inglezes da sia lhe querem furtar o rico producto; e, agora, por ultimo e talvez por fim, vae fugir do lbum de nossas glorias, a conquista do ar, cousa que lhe parecia reservada, porque um padre cie bantos, chamado Gusmo, desenhou ha mais de 100 annos um projecto extravagante de machina de voar
C l rS e ' " ais t r i ? e ' p o r m - h a d e f i c a n ,i o, aquelle que deuimmorredoura, gloria ao heroe

que se esvae

o poeta popular,

W 7 S " a C a , ^ a n o e s t c e r t a ; a E u r P a " a o M curvou ante o Brasil, nao clamou parabns em meigo tom; no meu Z ZL Ogque a Europa fez, foi sqrrir leve^e i r a n j e S S ^ d i S o ^

a 2e ue e A ?ZLe" " f aa ^ ' P r qa ' gloriosa.'. * l d i s s.. tro poeta: . A J Europa e sempre Ekrop,

Julho de 1911.

O convento
Noticiam os jornaes, com pompa de photogravuras e alarde de sabenas histricas, que o convento da Ajuda* aquella ali da Avenida, fora vendido a alguns inglezes e americanos pela bella quantia de mil oitoceritos e cincoenta contos. Houve grande contentamento nos arraiaes dos esthetas urbanos por tal facto. Vae-se o mostrengo, diziam elles; e ali, naquelle canto, to cheio de bonitos prdios, vo erguer um grande edifcio, moderno, para hotel, com -dez andares. Eu sorri de to santa crena, porque, se o convento da Ajuda no to bcnito como o theatro Municipal, tanto um como outro no so bellos. A belleza no se realisou em nenhum dos taes edifcios daquelle funil elegante; e se deixo o theatro Municipal, e olho o Club Militar, a monstruosa Bibliotheca, a Escola de BellasArtes, penso de mim para mim, que elles so bonitos de facto, mas um bonito de nosso tempo, como o convento o foi dos meiados do nosso sculo dezoito. Naquelle tempo, isto , entre, 1748 e 1750, quando elle ficou mais ou menos prompto, se j houvesse jornaes, certamente elles falariam no lindo e importante edifcio com que ficou 'dotada a leal e herica cidade de S. Sebastio do Rio de Janeiro. Falariam com o mesmo enthusiasmo com que ns falmos ao se inaugurar o theaatro do Dr. Passinhos. No os havia e no podemos passar de supposies. Decorreram cento e cincoenta annos e ns ficamos aborrecidos com o tal lindo edifcio. O bonito envelhece, e bem depressa; e eu creio que, daqui a cem annos, os esthetas urbanos reclamaro a demolio do theatro Municipal com o mesmo afan com que os meus contemporneos reclamaram a do convento. E' de vr como os homens tidos por umas carrancas, mais tradicionalistas, mais misoneistas, no apresentaram, j no direi protesto, mas queixumes contra essa mutilao que vae soffrer a cidade. Nenhum delles se enterneceu com a prxima morte daquellas paredes; e havia tanto motivo para isso! Um convento de freiras de alguma frma quinto acto de dramas amorosos. Certas vezes serviram de priso domestica, priso s ordens desse juiz-algoz, o pae de famlia, sempre obediente aos vagos co-

40 digos da honra e da pureza da famlia, mettendo as jao ^^ttaham, tas nos conventos, quando implicava com o namora - a ou no o julgava de nobreza sufficiente para a sua pr V Em outras, havia de ser voluntria a recluso; mas, w v queno crebro de mulher, naturalmente esse piedoso desejo_M U uma decepo amorosa ou de uma forte crena da moigenc a sua belleza. O amor de Deus vinha aps o amor dos homens; e aquellas paredes que vo ruir sob os applausos dos esthetas e anticlericaes, longe talvez de estarem impregnadas de sonhos mysticos, esto, talvez, saturadas de decepes, de desilluses, de melancolias e desesperos, posso bem dizer, de revoltas bem humanas. Com as minhas idas particulares posso passar sem o passado e sem a tradio; mas, os outros, aquelles que, diariamente, contam nos jornaes historias do aougue dos jesutas, anecdotas do prncipe-Natruza e outras cousas edificantes e picas, como que deixam desapparecer sem uma lagrima, debaixo do alvio brbaro, aquelle velho monumento, pantheon de rainhas, de imperatrizes e princezas ? E' que elles estavam convencidos da sua fealdade, da necessidade do seu dsapparecimento, para que o Rio se approximasse mais de Buenos Aires. A capital da Argentina no nos deixa dormir. Ha conventos de fachada lisa e montona nas suas avenidas? No. Ento esse casaro deve ir abaixo. O Passos quiz; o Frontin "tambm; mas, a desappropriao custaria muito e recuaram. No sei bem que vantagens trar tal cousa. Se, ao menos, fossemos levantar ali um Louvre, um Palcio dos Doges, alguma cousa de bello e grandioso architectonicamente, era de justificar todo esse contentamento que vae pelas amas dos esthetas; mas, para substituil-o por um hediondo edifcio americano, enorme, pretencioso e pifio, o embellezamento da cidade.no ser grande e a satisfao dos nossos olhos no ha de ser de natureza altamente artstica. Uma cousa vale a outra. No que eu tenha grande admirao pelo velho casaro; mas, que tambm no tenho grande admirao nem pelo estylo, nem pela gente, nem pelos preceitos americanos dos Estados Unidos. Em matria de immenso l esto as pyramides do Egypto; e, como so simples de linhas e de destino, ainda podem ter alguma belleza; mas uma casa, uma habitao, com centenas de metros de altura, com uma fachada de superfcie immensa, de frma que no se pde abranger ,de um golpe de vista o conjuncto e o movimento dos detalhes, no s monstruoso, besta e imbecil. O convento no tinha belleza alguma, mas era honesto- o tal hotel no ter tambm belleza alguma e ser deshonesto, no seu intuito de surripiar a falta de belleza com as suas propores mastodonticas. De resto, no se pdf. comprehender uma cidade sem esses marcos de sua vida anterior, sem esses annaes de pedra que contam a sua historia.

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Repjto: nb gosto do passado. No pelo passado em si; pelo veneno que elle deposita em forma de preconceitos, de regras, de prejulgamentos-nos nossos sentimentos. Ainda so a crueldade e o autoritarismo romanos que dictam inconscientemente as nossas leis; ainda a imbecil honra dos bandidos feudaes, bares, duques, marquezes> que determina a nossa taximonia social, as nossas relaes de famlia e de sexo para sexo; ainda, so as cousas de fazenda, com senzalas, sinhs moas e mucarnas, que regulam as idas da nossa diplomacia; ainda , portanto, o passado, daqui, dali, dacol, que governa, no direi as idas, mas os nossos sentimentos. E' por isso que eu no gosto do passado; mas isso pessoal, individual. Quando, entretanto, eu me fa8 cidado da minha cidade no posso deixar de querer de p os attestados de sua vida anterior, as suas egrejas feias e os seus conventos hediondos. Esse furor demolidor vem dos forasteiros, dos adventicios, que querem um Rio-Paris barato ou mesmo Buenos Aires de tosto. O aspecto anti-clerical com que elles escondem esse desejo de fazer da cidade um improviso catita, nada vale. Em geral, so sempre os monumentos religiosos que ficam. O Parthenon era um edifcio religioso; e religiosos eram os monumentos de Karnak. As cathedraes gothicas iro abaixo, quando o catholicismo no tiver mais nem um adepto? No. A no ser que os velhos turcos venham a conquistar a Europa inteira. O convento por si s no enfeiava tanto a cidade, como dizem; nem to pouco a sua demolio vae diminuir o espirito religioso* nem trazer para as alegrias da vida as freiras que l estavam enclausuradas . Demais, no eram muitas; uma meia dzia e o seu livramento pde ser obtido com a dcima parte do dinheiro por que venderam o immovel. E' s requerer "habeas-corpus"... De todas as instituies religiosas, uma das mais sabias o convento. Nos antigos tempos, e um pouco no nosso, em que a vida social era baseada na lucta e na violncia, devia haver naturezas delicadas que quizessem fugir a taes processos; e o nico meio de fugir era o convento. Era til e conseqente; e, se hoje o gosto por taes recluses diminue, porque j na nossa vida ha mais tolerncia, menos exhibies de virtudes e de fora, menos tyrannias domesticas, religiosas e governamentaes. No ha de ser diminuindo conventos com auxilio do alvio dos americanos que teremos a felicidade sobre a terra. Elles podem ficar, como cousas de museu ao lado de canhes, de obzes, de fichas de identificao policial, dos cdigos forenses, de todo esse apparelho de coaco intil, quasi sempre, e contraproducente, nas mais das vezes; o que porm, precisamos fazer desentupir a nossa intelligencia de umas tantas crenas nefastas, que pesam sobre ella como castigos atrozes do destino. Os conventos so mudos; mas essas falam. So como os taes

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mas

mortos que falam, peores do que espectros, do que 'fantasmas e a k . d outro mundo, porque no s mettem medo s creanas e s mulheres, mas tambm aos homens cheios de coragem e ousadia. Elias que so fjagello; ellas que nos crestam; ellas que nos tiranxa felicidade de viver. Se fosse possvel, com ellas, pr abaixo certos nomes a alvio e a picareta, com bombas de dynamite e com plvora negra, eu toc a c ' e a t i ^ e t U d o S e s e t r a t a s s e de um tal padre Antnio Vieira, um pensamento ^ o n a n o i u m mattoide trocadilhista, ausente total do Sns! S c S d o S . r 1 ? 8 0 * d e e s t y l o b e s o ' c o m o d i z O H v e i r * MaralgunfTouTa " J u ^ S i o T ^ J ? " ' . C T .SC ^S** cri* vento em paz ! u t e r a r , o ! V a m s pol-o abaixo e deixemos o con-

Julho de 1911.

No ajuste de contas ...A nossa burgueza finana governamental s conhece dous remdios para equilibrar os oramentos: augmentar os impostos e cortar logares de amanuenses e serventes. Fora desses dous palliativos, ella no tem mais beberagem de feiticeiro para curar a chronica molstia do "dficit". Quanto ao cortar logares, engraado o que se passa na nossa administrao. Cada ministro, e quasi annualmente, arranja uma autorizao para reformar o seu ministrio. De posse delia, um, por exemplo, o da Guerra, realisa a sua portentosa obra e vem c para fora blasonar que fez uma economia de 69 contos, emquanto o do Exterior, por exemplo, com a sua, augmentou as despezas de sua pasta em mais de cem contos. Cada secretario do presidente, concebe que governo s c unicamente o seu respectivo ministrio e cada qual puxa a braza para a sua sardinha. Cabia ao presidente coordenar estes movimentos desconexos ajustal-os, conjugal-os; mas, elle nada faz, no intervm nas reformas e deixa correr o marfim, para no perder o precioso tempo que tem de empregar em satisfazer os hypocritas manejos dos caixeiros da fradalhada obsoleta ou em pensar nas cousas de sua politiquinha de aldeota. Emquanto as reformas com as hypotheticas economias so em geral obra dos ministros, o augmento de imposto parte, em geral, dos nossos financeiros parlamentares. Elles torram os miolos para encontrar meios e modos de inventar novos; e, como bons burguezes que so, ou seus propostos, sabem, melhor que o imperador Vespasiano, que ,p dinheiro no tem cheiro. Partem desse postulado que lhes remove muito, obstculo e muitas difficulddes e chegam at s latrinas, como aconteceu o anno passado. Essa pesada massa de impostos, geralmente sobre gneros de primeira necessidade, devendo ser democraticamente igual para todos, vem verdadeiramente recahir sobre os pobres, isto , sobre a quasi totalidade da populao brasileira que de necessitados e pobrssimos, de forma que as taxas dos Colberts da nossa representao parlamentar conseguem esta cousa maravilhosa, com as suas medidas financeiras: arranham supercialmente os ricos e apunhalam mortalmente os pobres. Paes da ptria !

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Desde que o governo da Republica ficou entregue voracidade insacivel dos polticos de S. Paulo, observo que o seu desenvolvimento econmico guiado pela seguinte lei: tornar mais ricos, 03 ricos; e fazer mais pobres, os pobres. S. Paulo tem muita razo e procede coherentemente com as suas pretenes; mas, devia ficar com os seus propsitos por l e deixar-nos em paz. Eu me explico. Os polticos, os jornalistas e mais engrossadores das vaidades paulistas no cessam de berrar que a capital de S. Paulo uma cidade europa; e bem de ver que uma cidade europa que se preza, no pode deixar de offerecer aos forasteiros, o espectuculo de misria mais profunda em uma parte de sua populao. S. Paulo trabalha para isso, afim de acabar a sua flagrante semelhana com Londres e com Paris; e podem os seus eupatridas estar certos que ficaremos muito contentes quando fr completa, mas no se incommodem comnosco, mesmo porque, alm de tudo ns sabemos com Lord Macaulay que, em toda parte, onde existiu olygarchia, ella abafou o desenvolvimento do gnio. Entretanto, no attribuirei a todos os financeiros parlamentares que tm proposto novos impostos e augmento dos existentes; no attribuirei a todos elles, dizia, tenes malvolas ou deshonestas. Longe de mim tal cousa. Sei bem que muitos delles so levados a empregar semelhante panaca, por mero vicio de educao, por fatalidade mental que no lhes permitte encontrar os remdios radicaes e infalliveis para o mal de que soffre a economia da nao. Quando se tratou aqui da abolio da escravatura negra, deu-se phenomeno semelhante. Houve homens que, por sua generosidade pessoal, pelo seu procedimento liberal, pelo conjuncto de suas virtudes privadas e publicas e alguns mesmo pelo seu sangue, deviam ser abolicionistas; entretanto, eram escravocratas ou queriam a abolio com indemnisao, sendo elles mais respeitveis e temveis inimigos da emancipao, por no se poder suspeitar da sua sinceridade e do seu desinteresse. E' que elles se haviam convencido desde meninos, tinham como artigo de f que a propriedade inviolvel e sagrada; e, desde que o escravo er uma propriedade, logo... Ora, os fundamentos da propriedade tm sido revistos modernamente por toda a espcie de pensadores je nenhum lhe d esse caracter no indivduo que a detm. Nenhum delles admitte que elta assim seja nas mes do individuo, a ponto de lesar a communho social, permittindo at, que meia duzia^de sujeitos espertos e sem escrpulos, em geral fervorosos catholicos, monopolizem as terras de uma provncia inteira, ttulos de divida de um paiz, emquanto o Estado esmaga os que nada tm, com os mais atrozes impostos. A propriedade social e o individuo s pde e deve conservar, para elle, de terras e outros bens to somente aquillo que precisar para manter a sua vida e de sua famlia, devendo todos trabalhar da forma que lhes fr mais agradvel e o menos possvel, em beneficio commum. No possvel comprehender que um typo bronco, egosta e

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mo, residente no Flamengo ou em S. Clemente, num casaro monstruoso e que no sabe plantar um p de couve, tenha a propriedade de quarenta ou sessenta fazendas nos Estados prximos, muitas das quaes elle nem conhece nem as visitou, emquanto, nos logares em que esto taes latifndios, ha centenas de pessoas que no tm um palmo de terra para fincar quatro pos e erguer um rancho de sap, cultivando nos fundos uma quadra de aipim e batata doce. As fazendas, naturalmente, estaro abandonadas; por muito favor, elle ou seus caixeiros, permittiro que os desgraados locaes l se aboletem, mas estes pobres roceiros que nellas vegetam, no se animam a desenvolver plantaes, a limpal-as, do matto; do sap^e, da vassourinha, do carrapicho, porque, logo que fizerem, o dono vendl-as- a bom preo e com bom lucro sobre a hypotheca com que a obteve, sendo certo que o novo proprietrio expulsal-os-, das terras por elles beneficiadas. Na idade media, e mesmo no comeo da idade moderna, os camponezes de Frana tinham contra semelhantes proprietrios perversos que deixavam as suas terras "en friche", o recurso do "haro", e mesmo se apossavam deltas para cultival-as; mas a nossa doce e resignada gente da roa no possue essa energia, no tem mesmo um acendrado amor terra e aos trabalhos agrcolas e procedem como se tivessem lido o art. XVII da Declarao dos Direitos do Homem. O que diz com relao propriedade immovel, pode-se dizer para a movei. Creio que assim que os financista^ dominam as aplices, moedas, ttulos, etc. O povo, em geral, no conhece esta engrenagem de finanas e ladroeiras correlatiyas de brancos, companhias, hypothecas, caues, etc.; e quando, como actualmente, se sente esmagado pelo preo dos gneros de primeira necessidade, attribue todo o mal ao tavrheiro da esquina. Elle, o povo, no se pode capacitar de que a actual alta estrondosa do assucar obra pura e simples do Z Bezerra e desse Pereira Lima que parece ter sido discpulo dos jesutas, com a aggravante de que o primeiro foi e o segundo ainda ministro d'Estado, cargo cuja natureza exige de quem o exerce, o dever de velar, na sua esphera de aco, pelo bem publico e para a felicidade da ommunho. No estar tal cousa nas leis ou nos regulamentos; mas, evidentemente, se contm na essncia de tal funco administrativa. Bastiat, nas suas Mlanges d'Economie Politique, tem um interessante capitulo, intitulado O que se v e o que no se v. Pouco ou quasi nada se relaciona com o nosso assumpto; mas citei-o, porque foi a sua leitura que me fez considerar e analysar melhor certos factos e no ficar como o grosso do povo preso^ ao que se v, sem prcurar a verdadeira explicao no que no se v. E' difficil imaginar, para quem se atem unicamente ao que se v, como esse negocio de aplices o cancro do oramento e a fonte'de todos os nossos males, provocados pelo critrio supersticioso que tm os nossos financistas sobre a propriedade privada.

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Poderia encher isto aqui de algarismos, obtidos nos r e l a t " s pantafaudos ou nas tabellas do oramento, para provar o que digo, mas deixo essa difficil exhibio sabichona para o b r . Utto r r a zeres, afim de que elle possa fazer mais um livro ir ainda uma vez leval-o em pessoa ao Sr. Wenceslo Braz. O caso das aplices muito semelhante ao da escravatura na gerao anterior nossa. E' um nus que, em geral herdamos das geraes passadas. No garanto; mas, parece-me, que ainda pagamos juros de aplices emittidas em 1867; e mesmo que isto ueja inteiramente verdade, deve ser approximadamente; porquanto de onde em onde, o governo, por isso ou aquillo, as substitue por outras, continuando, as novas, a serem virtualmente as velhas que aquellas substituiram. Mirabeau, respondendo s objeces feitas a reformas radicaes que rompiam totalmente com o passado, teve na Assembla Constituinte de 89, uma comparao eloqentssima. Se todosos nossos antepassados, dizia 'elle, occupassem com os seus tmulos a superfcie total da Terra, ns, os actuaes habitantes, teramos todo o direito de desenterrar os seus ossos, para cultivar os campos, criar gado, tirar da,terra, emfim, a nossa subsistncia. Cito de memria; mas, julgo no ter deturpado o pensamento do grande Conde de Mirabeau, o qual vem esclarecer o meu, quando no quero acceitar uma carga injusta dos nossos pes. e lembro que essa obrigao" herdada por ns de pagar prmios de aplices de emprstimos de que as geraes passadas abusaram, deve cessar inteiramente,^ois tal verba oramentaria que nos esmaga de impostos e faz a nossa actual vida difficilima, mais ainda do que os estancos de Limas Pereiras, Bezerras e caterva. No prprio ponto de vista dos usurarios e truculentos capitalistas, a aplice um mal, um capital immobilisado que no concorre para o desenvolvimento do paiz; pois quem tem poucas, guarda-as, para receber os juros como achego; e quem tem muitas, guarda-as tambm, para no fazer nada e viver do rendimento. Contaram-me que ha uma senhora que possuidora de 2.000 aplices de conto de ris; tem ella, portanto, a 5 |, o rendimento annual de cem contos de ris. Vive na Europa e no vem ao Brasil, ha perto de trinta annos. No gasta aqui um tosto, no d aqui uma esmola, no paga um criado aqui e recebe quasi tanto quanto o presidente da Republica, sem contar com a verba "representao", alis, sempre augmentada. Se o povo zisse, se o povo soubesse, como no caso dessa senhora, que ns j pagmos em juros o valor dessas aplices, pediria fossem ellas cancelladas e no continuassem a vencer prmios t a vultuosa quantia empregada no pagamento delles, cerca de sessenta mil contos, sendo suprimida do oramento, serviria para aligeirar os impostos que oneram a carne secca e outras utilidades indispensveis vida de quasi a totalidade dos habitantes do paiz. Outra medida que se impe, o confisco dos bens de certas ordens religiosas, bens que representam ddivas e offertas da piedade, ou quer que seja, de varias geraes de brasileiros e agora esto

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em mos de estranhos, porque os nacionaes no querem ser mais frades. Voltem communho, os bens. Pode-se admittir que os conventos sejam asylos de fcrentes de ambos os sexos que se desgostaram com o mundo. Admitto, na minha tolerncia que quizera bem ser renaniana; mas os estatutos dessas ordens no deixam perceber isso. Para os conventos de freiras, para as prprias freiras, para as prprias (irms de S. Vicente de Paula (sei que np so freiras), no -se entra sem um dote em dinheiro, sem um carssimo enxoval, e, afora exigncias de raa, de sangue e famlia. S se desgasta com o mundo, s tem anci de ser esposa de Jesus ou praticar a profunda caridade vicentina, ,as damas ricas 6* brancas, como a N. S. da Apparecida, de S. Paulo. E' mesmo catholica essa religio ? Nos mosteiros dos frades, a mesma cousa e, sabido como todos elles so ricos, no se apprehende para que exijam tanta despesa dos novios, criando difficuldades para iniciao monastica, quando o interesse da religio estava em facilital-a. Ha quem suspeite que esse dinheiro todo, os santos monges pretendem empregal-o para a nossa desunio... O tempo nos dir o que fr verdade. .. Um governo enrgico e oriundo do povo que surgiu, tem o dever de confiscar esses bens, de retalhar as suas immensas fazendas, de aproveitar os seus grandes edifcios para estabelecimentos pblicos e vender, assim com as terras divididas, os prdios de aluguel que essas ordens possuem, em hasta publica. A confiscao desses bens, obriga, para ser a medida completa, o governo a supprimir inteiramente todos os collegios de religiosos de ambos os sexos, sobretudo os destinados a moas ricas, por intermdio das quaes, o clero Scba dominando os seus futuros maridos ou amantes; e, sabendo-se que estes so, em geral, pessoas poderosas e em altos cargos, a gente de sotaina pretende, desse modo, influir decisivamente nos actos dos poderes polticos do paiz e obter a nossa completa regresso aos ureos tempos das fogueiras c do. beaticio hypocrita. Ha mais. " Uma das mais urgentes medidas de nosso tempo fazer cessar essa fome de enriquecer caracterstica da burguezia que, alm de todas as infmias que, para tal, emprega, corrompe, pelo exemplo, a totalidade da nao. Para amontoar milhes, a burguezia no v bices moraes, sentimentaes nem mesmo legaes. Toca para diante, passa por cima* de cadveres, tropea em moribundos, derruba aleijados, ,engana mentecaptos; e desculpa-se de todas essas baixezas, com a segurana da vida futura dos filhos. No encontraria mais motivo para proceder dessa maneira, mais infame do que o dos antigos salteadores dos grandes caminhos, se arriscssemos do Cdigo Civil o direito de testar, e as fortunas, por morte, dos seus detentores, voltassem para o Estado; e nisto, imitaramos os seus maiores, os burguezes da Revoluo Franceza, que golpearam profundamente a nobreza, estabelecendo a igualdade de herana entre os filhos. 0 feudo, o Castello desppareceram, pois a^ fortuna

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deixou de passar intacta ou quasi intacta, do marquez para o seu filho mais velho. . . Todas estas medidas tm caracter financeiro, sem deixar oe ter social; mas, a que me parece, mais urgente, uma retorma radical do casamento, medida puramente social. Eu sou por todas as formas de casamento; no me repugna admittir a polygamia ou a polyandria; mas transigiria se fosse governo. Continuaria a monogamia a ser a forma legal do matrimnio, mas supprimiria toda essa palhaada de pretoria ou juizadas de paz. O Estado s interviria para processar e condemnar o bigamo; tudo o mais correria por conta das famlias dos nubentes. Os pes e que se encarregariam do processo, hoje chamado papeis de casamento e das cerimonias que fossem de seu gosto realisar; e o Estado s saberia do caso, como actualmente, com o nascimento, por communicao escripta das partes, para o competente registro. No haveria nunca communho de bens; a mulher poderia soberanamente dispor dos seus. O divorcio seria completo e poderia ser requerido por um dos cnjuges e sempre decretado, mesmo que o motivo allegado fosse o amor de um delles por terceiro ou terceira. A muitos leitores parecero absurdas essas idas; no pretendendo convencer desde j todos, espero que o tempo e o raciocnio iro despertar nelles sympathia por ellas e a convico da sua utilidade social. Appello para todos aquelles que no tm a superstio d lei, dos cdigos, dos praxistas, dos accordos, dos arestos, do Pegas, do Lobo, das Ordenaes e outros alfarrbios caducos; e quanto aos doutores do Direito que esto envenenados, intoxicados at medulla, com tudo o que decorre do sinistro e cruel direito romano, codificado, em grande parte, por um tyranno das margens do Propontide e pela prostituta sua mulher, como diz Condorcet, nas suas Reflexions sur 1'esclavage des ngfes; quanto a taes chacaes e hyenas a servio dos burguezes, eu tomo a liberdade de dizer-lhes que, tarde ou cedo, sem elles ou com elles, ha de se fazer uma reforma social contra o "Direito" de que so sacerdotes, pois o seu deus j est morto no corao da massa humana e s falta enterral-o, com o seu cortejo de apostillas e sebentas, de consolidaes e manuaes, no levando tal enterro seno as grinaldas dos archeologos, antiquarios, gelogos e paleontlogos. Requiescant in pace ! Muitas outras medidas radicaes me occorrem^ como sejam: uma reviso draconica nas penses graciosas, uma reforma cataclystnatica no ensino publico, supprimindo o "doutor" ou tirando deste a feio de brahmane do cdigo de Manu', cheio de privilgios e isenes; a confiscao de certas fortunas, e t c , etc. c Iremos, porm, de vagar e por partes; e, logo acabada esta guerra que o maior crime da humanidade, quando os filhos e os outros parentes dos pobres diabos que l esto morrendo s centenas de milhares, ou se estropiando, tiverem de ajustar contas com esta burguezia cruel, sem caridade, piedade e cavalheirismo aue enriqueceu e est e enriquecendo de apodrecer, com esse horroroso

49 crime, ns, os brasileiros, devemos iniciar a nossa Revoluo Social, com essas quatro medidas que expuz. Ser a primeira parte; as outras depois. Terminando este artigo que j vae ficando longo, confesso que foi a revoluo russa que me inspirou tudo isso. Se Kant, conforme a legenda, no mesmo dia em que a Bastilha, em Paris, foi tomada; se Kant, nesse dia, com estuporado assombro de toda a cidade de Koenigsbrg. mudou o itinerrio da excurso que, ha muitos annos, fazia todas as manhs, sempre e religiosamente pelo mesmo caminho a commoo social maximalista tel-o-ia hoje provocado a fazer o mesmo desvio imprevisto e surprehendente; e tambm a Goethe dizer, como quando, em Valmy* viu os soldados da Revoluo, mal ajambrados e armados, de tamancos muitos, rdescalos alguns, destroarem os brilhantes regimentos prussianos, dizer, disto, como disse: "a face do mundo mudou". Ave Rssia ! 1518.

Da minha clla
No bem um convento, onde estou ha quasi um mez; mas tem alguma cousa de monastico, cm o seu longo corredor silencioso, para onde do as portas dos quartos dos enfermos. E' um pavilho de Hospital, o Central do Exercito ;x mas a minha enfermaria no tem o clssico e esperado ar das enfermarias: umjvasto salo com filas parallelas de leitos. Ella , como j fiz suppr, dividida em quartos e occupo um delles, claro, com uma janella sem um lindo horizonte como to commum no Rio de Janeiro. O que ella me d, pobre e feio; e, alem deste contratempo, supporto desde o clarear do dia at bocca da noite, o chilrei desses infames pardaes. No mais, tudo bom e excellente nesta ala de convento que no todo leigo, como poderia parecer a muitos, pois na extremidade do corredor ha quadros de Santos que eu, pouco versado na iconographia catholica, no sei quaes sejam. Alm desses registos devotos, no pavimento trreo, onde est o refeitrio, ha uma imagem de Nossa Senhotta que preside s nossas refeies; e, afinal,,para de todo quebrar-lhe a feio leiga, ha a presena das irms de S. Vicente de Paula. Admiro muita translucidez da pelle das irms moas; um branco pouco humano. A minha educao sceptica, voltereana, nunca me permittiu um contacto mais continuo com religiosos de qualquer espcie. Em menino, logo aps a morte de minha me, houve uma senhora edosa D. Clemncia, que assessorava a mim e a meus irmos, e ensinou'me um pouco de cathecismo, o "Padre Nosso", a "Ave Maria" e a 'f Salve Rainha", mas, bem depressa nos deixou e eu no sabia mais nada dessas obrigaes piedosas, ao fim de alguns mezes. Tenho sido padrinho de batismo umas poucas de vezes, e, quando o sacerdote, na celebrao do acto, quer que eu reze, elle tem que me dictar a orao. . A presena das irms aqui, se ainda no me fez catholico praticante e fervoroso, at levar-me a provedor de irmandade comoo Sr. Miguel de Caryalho, convenceu-me, entretanto, de que sao teis, seno indispensveis aos hospitaes. Nunca recebi (at hoje), como muito* dos meus companheiros de enfermaria, convite para as suas cerimonias religiosas. El-

52 Ias, certamente, mas sem que eu desse motivo P a g ) ^ ^ T " um tanto hereje, por ter por ahi rabiscado ' ^ * S m que todo Por certo, o seu pouco conhecment^Ja vida f a ^ escriptor acatholico. So, irms, ate encontrarem um rico que as faz carolas e torquemadescos. f L e m u n h a T f e r v T e da dedicao das irms no Hospital em que estou, desejaria que fossem todas ellas assim; e deixassem de ser por bem ou por mal. pedagogas das ricas moas da sinistra burguezia, cuja cupidez sem freio faz da nossa vida actual um martyriq, e nella estiola a verdadeira caridade. "No sei como vim a lembrar-me das cousas nefandas dahi de fora, pois vou passando sem cuidado, excellentemente, neste "cenobium" semi-leigo em que me metti. Os meus mdicos so moos dedicados e interessados como se amigos velhos fossem, pela minha sade e restabelecimento. O Dr. Alencastro Guimares, o medico da minha enfermaria, collocou-me no brao quebrado, o apparelho a que, parece, chamam de Hennequim ! ^ Sempre a literatura e os literatos... Antes, eu me submetti operao diablica do exame radiojcopico. A saia tinha uma pintura negra, de um negro quasi absoluto, lustroso, e uma profuso de vidros e outros apprelhos desconhecidos ou mal conhecidos por mim, de modo que, naquelle conjuncto, eu vi alguma cousa de Satanaz, a remoar-me para dar-me Margarida, em troca da minha alma. Deitaram-me em uma mesa, puzeram-me uma chapa debaixo do brao fracturado e o demnio de um carrinho com complicaes de ampoulas e no sei que mais, correu-me, guiado por um operador, dos ps at ponta do nariz. Como uma bulha especial, fui sentindo cahir sobre o hombro e o brao, uma tnue chuva extraordinariamente fluidica que, como exagero e muita tolice, classifico de impondervel. Alm do Dr. Alencastro, nos primeiros dias, a minha exaltao nervosa levou-me enfermaria do Dr. Murillo de Campos. Esta tinha o aspecto antipathico de uma vasta casa forte. Valentemente, as suas janellas eram gradeadas de vares de ferro e a porta pesada, inteiramente de vergalhes de ferro, com uma fechadura complicada, resistia muito, para girar nos gonzos, e parecia no querer ser aberta nunca. "Lasciaite ogni speranza"... Tinha duas partes: a dos malucos e a dos criminosos. O Crime e a Loucura de Maudsley, que eu lera ha tantos annos, veiu-me A lembrana; e tambm a Recordao da Casa dos Mortos, do inesquecivel Dostoiewsky. Pensei amargamente (no sei se foi isso s) que, se tivesse seguido os conselhos do primeiro e no tivesse lido o segundo, talvez no chegasse at ali; e, por aquella hora, estaria a indagar, na rua do Ouvidor, quem seria o novo ministro da Guerra, afim de ser promovido na primeira vaga. Ganharia seiscentos mil ris o que queria eu mais ? Mas... Deus escreve -direito por linhas tor^s; e estava eu ali muito indifferente administrao da Republicfa, preoecupado s em obter cigarros.

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Os loucos ou semi-loucos que l vi, pareceram-me pertencer ultima classe dos malucos. Tenho, desde os nove annos, vivido no meio de loucos. J mesmo passei trs mezes mergulhado no meio delles; mas nunca vi to vulgares como aquelles. Eram completamente destitudos de interesse, atonos e bem podiam, peta sua falta de relevo prprio, voltar sociedade, ir formar ministrios, cmaras, senados e mesmo um delles occupar a suprema magistratura. Deixemos a politica... A irm dessa enfermaria maudsliana franceza; mas a daquella em que fiquei definitivamente, brasileira, tendo at na physionomia um no sei que de andradino. Ambas muito boas. O medico da enfermaria, como j disse, o Dr. Murillo de Campos, que parece gostar de sondar essas duas manifestaes mysteriosas da nossa natureza e da actividade das sociedades humanas. Como todo o medico que se compraz com taes estudos, o Dr. Murillo tem muito interesse pela literatura e pelos literatos. Julgo que os mdicos dados a taes pesquizas tm esse interesse no intuito de ^>bter nos literatos e na literatura subsdios aos estudos que esto accumulando, afim de que um dia se Chegue a decifrar, explicar, evitar e exterminar esses dous inimigos da nossa felicidade, contra os quaes, hoje, a bem dizer, s se achou a arma horripilante da priso, do seqestro e da deteno. Creio que lhe pareci um bom caso, reunindo muitos elementos que quasi sempre andam esparsos em vrios indivduos; e o Dr. Murillo me interrogou, de modo a fazer que me introspeccionasse um tanto. Lembrei-me ento de Gaston Reugeot que, na "Revue des deux mondes", ha tantos anuos, tratando desse interrogatrio feito aos* doentes pelos mdicos, muito usado e preconizado pelo famoso psychologo Janet, conclua dahi que a psychologia moderna, tendo apparecido com apparelhos registadores e outros instrumentos de preciso, que lhe davam as fumaas de experimental, acabava na psychologia clssica da introspeco, do exame e analyse das faculdades psychicas do individuo por elle prprio com as suas prprias faculdades, pois a tanto correspondia o inqurito do clinico a seu cliente: No entendo dessas cousas; mas posso garantir que dei ao Dr. Murillo, sobre os meus antecedentes as informaes que sabia; sobre as minhas perturbaes mentaes, informei-lhe do que me lembrava, sem falseamento nem reluctancia, esperando que o meu depoimento possa concorrer algum dia, para que, com mais outros sinceros e leaes, venha elle servir sciencia e ella tire concluses seguras, de modo a alliviar de alguns males a nossa triste e pobre humanidade. Soffri tambm mensuraes anthropometricas e tive com o resultado dellas um pequeno desgosto. Sou brachycephalo; e, agora, quando qualquer articulista da "A Epocha", quizer defender uma ilegalidade de um illustre ministro, contra a qual eu me haja insurgido, entre os meus innmeros defeitos e incapacidades, ha de apontar mais este: um sujeito brachycephalo; um typo inferior! Fico espera da objurgatoria com toda a pacincia, para lhe dar a resposta merecida pelo seu saber anthropologico e pela sua

54 venerao aos caciques republicanos quando esto armados com o tacape do Pfer_ h o r e s , como esto vendo, nestes vinte e poucos . P J" S ' l n e ouaes tenho passado neste remanoso retiro, semidias, durante osjuaes^e ^ v ^ ^ quarte l-convento de uma ordem freira dos velhos tempos de antanho, tm-me sido uns doces dias de uma confortadora delicia de socego, s perturbado por esses i obeis p ar daes que eu detesto peta sua avidez de homem de negcios e pela sua crueldade com os outros,passarinhos. Passo-os a lr, entre as refeies, sem descano, a no ser aquelle originado pela passagem da leitura de um livro para um jornal ou da deste para uma revista. A leitura assim feita, sem pensar em outro que fazer, sem poder sair, quasi prisioneiro, saboreada e gozada. Ri-me muito gostosamente do pavor que levaram a todo o Olympo governamental, os acontecimentos de 18. No sei como no chamaram para soccorrel-o os marinheiros do "Pittsburg"... No era bem do programrpa; mas no sahiria da sua orientao. O que os jornaes disseram, uns de ba f e outros cavilosamente inspirados, sobre o maximalismo e anarchismo, fez-me lembrar como os romanos resumiam, nos primeiros sculos da nossa ra, o christianismo nascente. Os christos, af firmavam elles categoricamente, devoram creanas~e adoram um jumento. Mais ou menos isto, julgaram os senhores do mundo de uma religio que tinha de dominar todo aquelle mundo por elles conhecido e mais uma parte muito maior cuja existncia nem suspeitavam... . O officio que o Sr. Aurelino dirigiu ao Sr. Amaro Cavalcanti, pedindo a dissoluo V Unio G. dos Trabalhadores, deveras interessante e guardei-o para a minha colleco de cousas raras. Gostava muito do Sr. Aurelino Leal, pois me pareceu sempre que tinha horror s violncias e arbitrariedades da tradio do nosso anto-officio policial. Quando a "Gazeta de Noticias" andou dizendo que S. S. cultivava amoricos pelas bandas da Tijuca, ainda mais gostei do Dr. Aurelino. Lmbrei-m at de uma fantasia de Daudet que vem nas "Lettres de mon moulin". Recordo-a. Um sub-prefeito francez, em carruagem official, todo agaloadq, ia, num dia de forte calor, inaugurar um comcio agrcola. At ali no tinha conseguido compor o discurso e no havia meio de fazel-o. Ao vr, na margem da estrada, um bosque de pinheiros, imaginou que sombra delles a inspirao lhe viesse mais promptamente e para l foi. As aves e as flores, logo que elle comeou "minhas senhoras, meus senhores" acharam a cousa hedionda, protestaram; e, quando os seus serviaes vieram a encontrai-o, deram com o sublime sub-prefeito, sem casaca *agaloada, sem chapo armado, deitado na relva, a fazer versos. Deviam ser bons... Mas, o Sr. Aurelino, que ia fazer versos ou cousa parecida no lago das Fadas, no Excelsior, na gruta Paulo e Virgnia, l na maravilhosa loresta da Tijuca, deu agora para Fouch caviloso, para

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Pina Manique ultramontano do Estado, para Trepoff, para Inquisidor do candombl republicano, no hesitando em cercear a liberdade de pensamento e o direito de reunio, etc. Tudo isto me fez cahjr a alma aos ps e fiquei triste com essa transformao do actual chefe de policia, tanto mais que o meu officio no est com a verdade, ao affirmar que o maximalismo no tem "uma organisao de governo". No exacto. O que Lenine? O que so os "soviets"? Quem Trotsky? No este alguma cousa ministro como aqui foi Rio Branco, com menos poder do que o Baro, que fazia o que queria ? Responda, agora, se ha ou no organisao de governo, na Rssia de Lenine. Se por isso s que implica com o boshe-* vismo... Esse dio ao maximalismo russo que a covardia burgueza tem, na sombra, propagado pelo mundo; essa burguezia cruel e sem coragem, que se embosca atraz de leis, feitas sob a sua inspirao e como capitulao deante do poder do seu dinheiro; essa hurguezia yulpna que appella para a violncia pelos seus rgos mais conspicuos, detestando o maximalismo moscovita, deseja implantar o "trepoffismo", tambm moscovita, como razo de Estado; esse dio dizia ^no se deve aninhar no corao dos que tm meditado sobre a marcha das sociedades humanas. A teimosia dos burguezes s far adiar a convulso que ser ento peor; e elles se lembrem, quando mandam cavilosamente attribuir propsitos inquos aos seus inimigos, pelos jornaes irresponsveis; lembrem-se que, se dominam at hoje a sociedade, custa de muito sangue da nobreza que escorreu da guilhotina, em 93, na praa da Greve, em Paris. Atirem a primeira pedra... Lembro-lhes ainda que, se o maximalismo russo, se o trepoff ismo" russo, Vera Zawlitih tambm russa... Agora, vou lr um outro jornal... E' o "O Paiz", de 22, que vae me dar grande prazer com o seu substancioso "leadingarticle", bem recheiado de uma saborosa sociologia de "revistas". No ha nada como a leitura de "revues" ou de "reviews". Vou mostrar por que. L-se, por.exemplo, o n. 23 da "Revue Philosophique", -se logo pragmatista; mas dentro de poucos dias, pega-se no fasciculo 14 da "Fortnightly Review", muda-se num instante para o spencerismo. . De modo que uma tal leitura, quer se trate de sociologia, de philosophia, de politica, de finanas d uma sabedoria muito, prpria a quem quer sincera e sabiamente ter todas as opinies opportunas. O artigo de fundo do "O Paiz" que citei, fez-me demorar a atteno sobre vrios pontos seus que me suggeriram algumas observaes. . O articulista diz que a plebe russa estava deteriorada pela "voldka" (aguardente) e as altas classes debilitadas por uma cultura intellectual refinada, por isso o maximalismo obteve vantagens no ex-Imperio dos Tzares. Ns, porm, brasileiros, continua o jornalista, somos mais sadios, mais equilibrados e as nossas (isto elle no disse) altas classes no tem nenhum refinamento intellectual .

56 O sbio plumitivo, ao affirmar essas cousas de "voldka", de "sadio" de "equilibrado", a nosso respeito esqueceu-se que a nossa eent humilde, e mesmo a que no o totalmente, usa e abusa da "cachaa", aguardente de canna (explico isto porque talvez elle no saiba), a que arrastada, j por vicio, j pelo desespero da misria em que vive graas ganncia, falta de cavalheirismo e sentimento de solidariedade humana do nosso fazendeiro, do usineiro e, sobretudo, do poder occulto desse esotrico Centro Industrial e da demosthenica Associao Commercial, tigres acocorados nos juncaes, espera das victimas para sangral-as e beber-lhes o sangue quente. Esqueceu-se .ainda mais das epidemias de loucura ou melhor das manifestaes de loucura collectiva (Canudos, na Bahia; "Mukers", no Rio Grande do Sul, e t c ) ; esqueceu-se tambm do Sr. Dr. Miguel Pereira ("O Brasil um vasto hospital"). Esquecendo-se dessas cousas comesinhas que so do conhecimento de todos, no de espantar que affirme ser o anarchismo os ltimos vestgios da philosophia (no ponho a chapa que l est} do "Contracto Social" de Rousseau. ' Pobre Jean-Jacques! Anarchsta! Mais esta, hein, meu velha' Mais adeante, topei com esta phrase que fulmina o maximalismo, o anarchismo, o socialismo, como um raio de Zeuz Olymoico: na placidez estril do "nirvana" da preguia universal" Creio que foi Taine quem, num estudo, sobre o budhismo, disse .ser difficil a nossa intelligencia Occidental bem apprehender o que seja "nirvana". Est-se vendo que o incomparavel critico francez tinha bastante razo... .0 profundo articulista acoima de velharias as theorias maximalistas e anarchistas, s quaes oppe, como novidade, a surgir do termino da guerra, um nietzschismo, para uso dos aambarcadores de tecidos, de assucar, de carne secca, de feijo, etc. No trepida, animado pelo seu recente superhumanismo, de chamar de effeminadas as doutrinas dos seus adversrios, que vm para a rua jogar a vida e, se presos, soffrer sabe Deus o que. Os cautelosos sujeitos que, nestes quatro annos de guerra, graas a manobras indecorosas e inhumanas, ganharam mais do que esperavam em vinte, estes que devem ser viris como os tigres^ como as hyenas e como os chacaes. Eu me lembrei de escrever-lhes as vidas, de comparal-as, de fazer com tudo isso uma.espcie de Plutarcho, j que no posso organisar um jardim zoolgico especial com taes feras, bem encarceradas em jaulas bem fortes. Vou acabar, porque pretendo iniciar o meu Plutarcho; mas, ao despedir-me, no posso deixar de ainda lamentar a falta de -memria do articulista, do "O Paiz" quando se refere edade de 'suas theorias. Devia estar lembrado que Nietzsch deixou de escrever em 1881 ou 82; portanto, ha quasi quarenta annos; enlouqueceu totalmente, tristemente, em 1889; e veiu a morrer, se no me falha a memria, em 1897 - por ahi assim. As suas obras, as ultimas, tm pelo menos quarenta annos ou foram pensadas ha quarenta annos. No so, para que digamos l muito "vient de paraitre". Sero muito pouco mais moas do

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que as que inspiram os revolucionrios russos... Demais, o que 4>rova a edade de uma obra quanto verdade ou mentira que. ella pode encerrar? Nada. Compete-me dizer afinal ao festejado articulista que o Zarathrusta do Nietzsch dizia que o homem uma corda estendida entre o animal e o super-humano uma corda sobre um abysmo. Perigoso era atravessal-a; perigoso, ficar no caminho; perigoso, olhar para traz. Cito de cr, mas creio que sem falsear o pensamento. Tome, pois, o senhor jornalista cuidado com o seu nitzschismo de ultima hora, a servio desses nossos grotescos super-homens da politica, da finana e da industria; e no lhe v acontecer^ o que se passou com aquelle sujeito que logo aprendeu a correr em bicycletta, mas no sabia saltar. E note bem elle no corria ou pedalava em cima de uma corda estendida sobre um abysmo... E' o que ouso lembrar-lhe desta minha clla ou \ quarto de hospital, onde passaria toda minha vida, se no fossem os horrorosos pardaes e se o horizonte que eu diviso, fosse mais garrido ou imponente.

Carta aberta
Exmo. Sr. Conselheiro Rodrigues Alves ou quem suas vezes fizer, na Presidncia da Republica.

Quizera bem, Exmo. Sr., que esta fosse de facto lida por VEx., Conselheiro do ex-Imperio do Brasil, ex-presidente de provncia do mesmo Imprio, ex-ministro de Estado da Republica dos Estados Unidos do Brasil, ex-presidente de Estado Federado da mesma Republica, ex-presidente dessa Republica, etc,.1 etc. Os Deuses cumularam V. Ex. de felicidades e a minha esperana que V. Ex. se lembre desse dom extraordinrio que.delles recebeu, para impedir que o poder publico se transforme em verdugo dos humildes e desprotegidos. ^ Tendo exercido to altos cargos de governo, alm dos legislativos que no citei, tanto no actual regimen como no passado; sendo avanado em annos, de esperar que V. Ex. esteja agora possudo de um sabi scepticismo no que toca apreciao dos homens e dos regimen polticos e que essa flor maravilhosa de bondade e piedade, pelos erros de todos ns, tenha desabrochado no corao de V. Ex. e sempre adorne imarcessivelmente os a.ctos e os julgamentos de v . Ex. No , portanto, "chapa" manifestar eu aqui -meu desejo de que esta encontre V. Ex.no gozo da mais perfeita sade em companhia da Exma. famlia, mas... no Cattete. No ha nisso, Exmo. Sr., nenhum desdm, nem malquerena com Guaratinguet; mas concordar V. Ex. que esta nossa Republica que se'est fazendo to burguezmente aristocrtica no pde permittir que a sua capital seja uma pequena cidade do interior, certamente pittoresca, mas demasiadamente modesta para to alto destino. , Supponho at que ha por ahi, Exmo. Sr. Presidente eleito, muitos condes ecclesiasticos e Rockfellers das tarifas alfandegrias, muitos descendentes dos cruzados, que no esto contentes com a cidade do Rio de Janeiro, para capital do Brasil. Achamna totalmente imprpria e indigna de tal funco. Na sua peculiar concepo ultra-moderna e super-humana da vida. err que tudo dinheiro, tende para elle e se resolve com elle; em que o amor dinheiro e dinheiro amizade, lealdade, patriotismo,

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saber, honestidade; taes cavalheiros, dizia eu, Exmo. Sr., pensaram ultimamente em alugar, arrendar ou mesmo c m j,)v"~ cidade bem "chie", bem catita, para capital desse feudo Drasuerro, cujos habitantes miserveis elles explorariam de longe com corveas, banalidades, gabellas e outros impostos e dzimos baptisados com nomes modernos e canalizados para as suas algibeiras por meios hbeis. Escusado ser dizer a V. Ex.. que o aluguel, o arrendamento ou a compra da cidade em condies seria realisada com o dinheiro do paiz. . No me parece que V- Ex. tenha to ingrato pensamento em relao nossa ptria; mas V. Ex. deve deixar Guaratinguet e vir para o Rio, onde ha muita cousa para V. Ex. vr e distrairse com o procurar remdio para sanar as que forem malficas.. Cochicham por ahi que as nossas finanas vo mal; que a nossa situao internacional melindrosa; que precisamos tratar energicamente do nosso surto econmico, etc, etc. Ouo falar baixinho de tudo isto; mas no vejo ningum referir-se ao mal profundo que nos corre. Corroe-nos, Exmo. Sr, Conselheiro, um pendor mal disfarado para o despotismo da burguezia enriquecida com a guerra, por todos os meios licitos e illicitos, honestos e immoraes, de mos dadas com as autoridades publicas e os representantes do povo. No so mais os militares que aspiram a dictadura ou a exercem. So os argentarios de todos os matizes, banqueiros, especuladores da bolsa, fabricantes de tecidos, e t c , que, pouco a pouco, a vo exercendo, coagindo, por esta ou aquella forma, os poderes pblicos, a satisfazer todos os seus interesses, sem consultar o da populao e os dos seus operrios e empregados. V. Ex., j peta sua edade, j pelos seus conhecimentos, j pela experincia que deve ter de semelhante gente, certamente, mesmo estando longe, tem observado e registrado to anmalo facto. O Centro Industrial, por exemplo, o esotrico e kabalistico Centro Industrial, realisa sesses secretssimas, cujas actas so assignadas, no por indivduos, mas por firmas de institutos, de sociedades industriaes, e expede inmaes ao governo que, deante deltas, estremece. A Associao Commercial, graas vaidade de alguns dos seus directores, aos quaes as glorias de Demosthenes e de Ccero no deixam dormir, no se esconde no mysterio. Fala alto e grosso e intimida o governo com ameaa de represlias da honra da classe commercial . Desde Fnelon, ha quasi-trs sculos, que sabemos, pelo seu "Discours sur 1'ingalit des conditions" que "les riches ne snt que les depositaires des possessions qu'appartiennent tout le eenre humain". No parece a V. Ex. que os nossos homens de Estado deviam saber isto e o mais que se segue, affirmando por completo o oen samento do arcebispo de Cambrai, para no satisfazer as exirencias corsarianas que, em nome de uma concepo cannibal de proorie dade, lhes vo fazendo os argentarios, os industriaes e os atra

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vessadores de mercadorias de primeira necessidade, em detrimento de todos ? Para mais tarde, ficar a explanao do que acima fica dito. Certamente para breve, mas aps a explicao, pois a espero, do articulista do "O Paiz", de 22 do passado, que accusou Rousseau de anarchista. Aguardo-a, e, se ella no vier, eu terei que explicar por que extranhei tal cousa. Isto, porm, no interessava V- Ex. e trato de continuar as consideraes que vinha fazendo. No , Exmo. Sr. Dr. Rodrigues Alves, que o Z Bezerra, o Cazuza l do Cabo, deu em berrar aos ouvidos do governo que productor e, por isso, quer tah ou qual medida? Appello para a edade de V. Ex., Sr. presidente eleito: algum dia V. Ex. ouviu dizer que Z Bezerra produzisse alguma cousa? S se fossem batatas e, assim mesmo, no seria elle s. Havia de haver algum christo que o auxiliasse, pois o coronel Cazuza absolutamente v estril. No foi toa que Spencer, nos seus "Factos e Commentarios", disse que detestava essa concepo de progresso que tem como objectivo o crescimento da populao, o augmento da riqueza, a expanso commercial. S dominando uma tal concepo, que se podia vr com influencia, poder e attitude de legislador um Z Bezerra e outros que tal. V. Ex. ha de perdoar-me taes expanses, mas os factos subsequentes aos acontecimentos de 18 do mez passado trouxeram-me tanto fl alma que, mesmo dirigindo-me pessoa to respeitvel como V. Ex., eu contenho a minha indignao a muito custo. No espere V. Ex. que eu venha aqui discutir maximalismo ou anarchismo. Alm de ser fora de propsitos, seria indelicado fazel-o com V. Ex. Quero tambm chamar a atteno de V. Ex. para o modo de proceder da nossa alta policia, pois s me referirei a ella, no curso desta missiva, porquanto, Exmo. Sr., a pequena, a dos humildes guardas, e t c , envenenada, mal educada pelo proceder de seus chefes prepotentes, ou que se julgam omnipotentes. Dapois do motim de 18, ingnuo que foi, por assim dizer, o gabinete do chefe de polcia se encarregou de mandar publicar nos jornaes, como sendo propsitos, objectivos dos rebellados, as mais torpes invenes ou as mais estpidas que a imaginao dos seus auxiliares creava. A ligeireza proverbial dos nossos grandes jornaes, quasi todos, por isso ou aquillo, gratos aos grandes burguezes, no as examinou detidamente e espalhou-as aos quatro ventos, servindo as folhas volantes, algumas de ba f e outras conscientemente, aos intuitos cavilosos da alta administrao policial que procurava tornar antipathica a causa dos operrios aos olhos da populao. No s isso. As chronicas e artigos que appareceram, dias depois, obedeciam todos a um mesmo schema. Por essa poca, li diversos jornaes e verifiquei tal facto. O artigo d fundo do "O Paiz" de 22 traado no mesmo plano que vae seguir a chronica de Miguel Mello, na "Gazeta", a 25; o artigo de Antnio Torres, na mesma "Gazeta", um ou dous dias

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depois, caminha nas pegadas do daquelle ultimo; o_do S r - * a 0 Veloso, no "Correio da Manh", no se afasta muito da inspiraco dos trs primeiros... ... Se o chefe de policia, acredite V . E x . , tivesse expedido uma circular a tal respeito, em papel de sua repartio, a obra_ sairia mais egual, to somente isso, porque os artigos todos, se nao sao eguaes so parecidos. Os pontos capites em que se tocam podem ser reduzidos a quatro: a) Acoimam de estrangeiros os agitadores, que exploram a boa f dos operrios brasileiros, custa dos quaes vivem sem trabalhar; b) Debocham, com a Sciencia do Bom Homem Ricardo e a profundeza dos julgamentos de Sancho Pana, na ilha de Barataria, as doutrinas e idas dos amotinados, das quaes os autores dos artigos s tm conhecimento pela verso cavilosa dos podees policiaes; c) Exaltam a doura, a resignao e o patriotismo do operrio brasileiro; d) Admittem que os operrios tm motivos de queixa, mas que, em vez de fazerem distrbios, devem esperar serenamente a aco governamental: Cdigo de Trabalho, e t c , etc. Ao apreciar taes artigos "da forma acima, no quero absolutamente, mesmo em se tratando do "O Paiz", dar a entender que elles hajam obedecido a impulsos suspeitos, e partidos de uma mesma origem, para se apresentarem assim, aos nossos olhos, com um to flagrante parentesco. Entre os signatrios delles, conheo bem dous e sobre a honestidade de ambos fao o melhor juizo; e dos dous artigos restantes, um no tem assignatura, o do "O Paiz", o que no acontece com o do "Correio da Manh", no tendo tambm motivo algum para suspeitar da sinceridade dos seus autores. Attribuo essa semelhana fortuita a outras causas. V- Ex. ha de me permittir que faa uma pequena digresso. Alm da educao de todos elles, alm do misoneismo fatal e necessrio aos jornalistas dos grandes jornaes, ha, para determinar esse uniforme julgamento delles sobre a agitao dos. operrios e as theorias que os animaram, o que se pde chamar a ambiencia mental da imprensa peridica. Ella feita com o desconhecimento total do que se passa fora da sua roda, um pouco da poltica e da dos literatos, determinando esse desconhecimento um desprezo mal disfarado, petas outras profisses, sobretudo as manuaes, e pelo que pde haver de intelligencia naquelles que as exercem. Junte-se a isto uma admirao estulta pelos sujeitos premiados, agloado8' condecorados, titulados e as opinies delles; considere-se ainda as insinuaes cavilosas dos espertalhes interessados nisto ou naquillo, que cercam os homens de jornaes de falsos carinhos e instillam no seu espirito o que convm s suas transaces: leve-se em conta ainda mais que todo o plumitivo tem amor pilhria e no perde vasa para fazel-a, mesmo que seja injustae, por fim, em certos casos,- obrigados pela natureza da profisso, so elles chamados a avanar julgamentos precipitados impro"

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visados sobre questes de que no conhecem os mais simples elementos. Tudo isto e mais alguns outros aspectos peculiares vida jornalstica formam o que se pode chamar, e eu chamarei, a ambiencia intellectual da imprensa quotidiana. , Para os homens de jornal, as nossas idas de estado, de direito e propriedade so intangveis; promanam. directamente de Deus e so inabalveis. Por defficiencia de leitura, de meditao, de reflexo, Exmo. Sr. Conselheiro, em geral, os jornalistas no percebem que, no correr das edades, nesta ou naquella parte da Terra, devido a estes ou quelles factores, taes idas se tm revestido de diversos aspectos e formas varias e nada nos garante que as que temos ns actualmente no possam ser modificadas, desde" que o seu uso ou abuso venha a mostrar, como est acontecendo, que, longe de serem teis, so nocivas e prejudiciaes humanidade. Se os homens de jornal no se deixassem envaidecer com a sua situao pessoal, procurasse reagir contra a ambiencia mental da profisso e tivessem -estudado um pouco dessas questes sociaes que ha tanto tempo esto na ordem do dia e preocupam todas-as intelligencias e os curiosos de cousas espirituaes, no enguliriam os carrapetes da policia e sobre elles no bordariam os seus artigos e chronicas. Talvez no fosse preciso tanto. Bastava que interrogassem habilmente os seus collegas de reportagem policial, para saber qual o espirito que domina os magnatas da tenebrosa repartfo da rua dos Invlidos.* A grande preoccupao dos delegados e mais graudos policiaes "mostrar servio ao chefe'.' e a grande preoccupao do chefe "mostrar servio" ao ministro e ao presidente da Republica. Isto, tanto no' que toca quelles como a este, sem olhar obstculos, abafando todos os escrpulos de conscincia, seja como fr, soffra quem soffrer. Ha uma anecdota que bem exprime essa feio mental dos nossos delegados. Peo licena a V. Ex. para contal-a. O bacharel A. P., ha annos, era delegado de uma das nossas circumscripes policiaes. Certo dia, chega Delegacia e pergunta logo, ao commissario: Mathias, quantos presos esto no xadrez? v Nenhum, doutor. ' Ao receber semelhante resposta, o delegado ficou indignado e poz-se a esbravejar: Como? Nenhum? Que relaxamento este, seu Mathias? Mas, doutor... No tem "mas", no tem nada! Busca ahi duas praas e vae arranjai-me pelo menos um preso... E' preciso! Se o chefe souber que xadrez est vasio, o que dir de mim? Vae... Esclarecido assim V. Ex. sobre a feio psychologica especial nossa alta policia, pedia eu a V. Ex. que voltasse as vistas para as centenas d pessoas que o Sr. Aurelino anda arrebanhando para o# seus crceres, sob o pretexto de serem anarchistas e conspiradores, accusaes que elle no baseia em documento algum, pretendendo, entretanto, atiral-os para Fernando de Noro-

64 nha ou outro qualquer desterro. No preciso, lembrar a V. Ex. que ser anarchista, ter opinies anarchistas, no crime a l | u m A Republica admitte a mxima liberdade de pensamento; e, desde que o anarchista seja pegado jogando bombas, dando tiros deena revolver, perturbando a ordem, ce no domnio do Cdigo P '< j no anarchista que a policia tem nas mos, com o qual ella nada tem a vr; o malfeitor, o desordeiro, o sedicioso, para quem, neste paiz com tantas faculdades de direito e tantos jurisconsultos matroca, as leis devem comrninar penalidades, vista das provas do crime e depois de julgamento regular. Assim sendo, esperava que o prestigio de V. Ex. agisse de tal forma que, estrangeiros e nacionaes, anarchistas ou no anarchistas, mandantes e mandatrios, os responsveis pelos delictos ou crimes do dia 18 de novembro sejam processados regularmente, com os mais amplos meios de defesa, cabendo somente policia apresentar os documentos que possue contra elles e no, como ella quer, julgal-os sem defesa e condemnal-os em segredo, para o que lhe falta competncia legal e perfeitamente imprpria. V, Ex. vem pela segunda'vez presidir os destinos do Brasil; V. Ex. tem experincia e traquejo de governo; e no deve, creio eu, consentir que empane a longa vida publica de V. Ex., a repetio das scenas dantescas do "Satellite", das deportaes para os pantanaes do Acre, dos tormentos nas masmorras da ilha das Cobras e de outros factos asss republicanos. Fico perfeitamente crente de que V. Ex. no querer que a Republica do Brasil-venha substituir no mundo a autocracia russa, com a sua Sibria e os seus hediondos Trepoffs. Assim seja. Sou de V. Ex. concidado obediente e respeitador. 21218.

No valia a pena
Obrigado pelo meu estado de sade a viver recluso, durante um mez e tanto prazo que ainda no terminou substitui a agitao intil de trocar pernas na cidade, conversar aqui e ali. dizer tolices e ouvir tolices, peta leitura de alguns livros aproveitveis >e, quando a fadiga me vem, pela dos jornaes de cabo a rabo. Alheio completamente ao que se chama "sport" esse "sport" profissional domingueiro, com feitios de penalidade imposta, at ento bem pouco tinha notado a importncia que os jornaes lhe do. Verifiquei agora, por lel-os mais detidamente, que todos elles consagram columnas e columnas a chronicas, noticias biographicas, emfim, a cousas e acontecimentos referentes aos jogos de bola e a corridas de cavallos. A "Gazeta de Noticias" que acabo de ler esta manh traz cerca de duas columnas para noticiar uma corrida no Derby-Club. As noticias dos pares, coinquanto no sejam- das mais typicas, so feitas num altismante estylo homerico, no da Illiada de Bitaub. J tinha notado que no ha meio de convencer-se um chronista sportivo, de que, no Derby ou no Jockey, tem deante de si cavallos e guas enfreiados e no est contemplando combates singulares entre heroes como Achilles e Heitor. Por no haver meio de levar-lhe ao espirito essa ^convico, que o plumitivo dos pra-dos guinda-se no estylo e transforma cada corrida que assiste em uma guerra de Troya. A casa das pules Helena. Vejam s este trecho: "Em bello estylo e fazendo lembrar os seus feitos memorveis, o velho Sulto triumphou no 5o pare, conduzido por E. Rodriguez. O defensor da jaqueta rosa e preta partiu, etc, etc." Ainda ahi entende-se o que o homem quer dizer; mas de se ficar completamente tonto quando se encontra um pedao de prosa como este: "...tropeando, jogou por terra o seu piloto, deixando assim o campo livre ao filho de Bayard que mais no teve que dominar Desengano que fazia o "train", para vencer facilmente por dous corpos". Imagino um assignante da "Gazeta", por exemplo, de Itajub, por cuja assignatura annual pagou trinta mil ris. Afim de no perder nem um vintm do dinheiro que empregou, o paciente ita-

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jubense l o jornal todinho, do comeo a fim. O nosso hom como eu, nunca foi a uma corrida de cavallos ou assistiu uma partida de "football". . _ , Calcule que tratos na bola elle no dar para saber quem e o filho de Bayard", o que . "fazer o train", o que e ganhar por trs corpos", o que "plac por paleta" e outros modismos da epopa cavallina que o seu jornal desenvolve. t_ Cansado de procurar decifrar essa linguagem ultra-epica digna das proezas de potros e potrancas, o simplicio mineiro'concluir que foi um tanto roubado no dinheiro que deu para saber novas do Rio e ler cousas amenas. No s~sobre corridas de ginetes adextrados que o jornal em questo se espraia. O "football" tem as honras de quatro columnas e de dous "clichs" que exigem a mxima boa vontade para se saber o que exprimem. O estylo das noticias e a sua linguagem pouco differem das que relatam as proezas do esforado "Sulto", da abnegada "Fasca" e outros heroes de quatro patas. Notem com cuidado na sua carteira de apontamentos este pedacinho: "Vibrante enthusiasmo da assistncia coroa o feito do magnfico forward". Ahi, batuta! Salta um Cames, para elle! Ponham tambm no canhenho mais este outro: "Quasi a seguir Petiot recebe um centro de Vadinho, escorando a pelota e aninhando-a nas redes guardadas pelo arqueiro Mattos." Ao ler tal trecho bem de esperar que o simplicio patrcio do Sr. Wenceslo fique doido de todo! Teimou em decifral-o foi isto! Agora meus caros leitores, vejam de que forma vehemente o chronista sportivo de outro jornal de hoje, o "Correio da Manh", refere-se a "trs jogadores reincidentes, suspensos pela directoria da Liga Metropolitana pelo resto da temporada. Esse descaso peta deciso de um dos poderes competentes da nossa instituio de sports terrestres; essa tremenda offensa ao cumprimento da lei; essa demonstrao revoltante de maximalismo est a exigir da parte da Metropolitana providencias, as mais enrgicas, afim de se pr cobro de uma vez para sempre com tamanhos gestos de anarchismo." ' O jornalista, com palavras to indignadas e apaixonadas, falando de anarchismo e maximalismo, acaba pondo os pobres rapazes em mos lenes com o Sr. Aurelino. Est ahi em que deu o amor delles pelo bolap e a teima de jogar quando a Liga no queria! Anarchistas! Livra! Deixando, porm, de rir para considerar de outra maneira mais reflectida essas manifestaes apavorantes de culto forca bruta, acudiram-me ao espirito as consideraes que Spencer faz nos seus "Factos e Commentarios", sobre o apreo exceociona que, nos seus ltimos annos de vida, se dava aos "sports" n T ln gtaterra. " No generalisado amor exaltado, exaggerado, a esses especta

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culos violentos, brutaes, simuladores de combates guerreiros, procurando mesmo alguns a exhibio de sangue, de soffrimentos, de tormentos physicos, de dores em outras vidas, homens ou animaes, encontrava o grande pensador um dos symptomas 'da nossa regresso barbaria, pois todos os prazeres, obtidos custa de scenas to cruis, determinavam e denunciavam nos espectadores um deseccamento da sympathia. Tinha toda a razo o philosopho, pois no se pde acreditar que quem vae a taes diverses .por gosto tenha em mente melhorar no seu corao os sentimentos de bondade, de caridade, de affeio e piedade, ou procurar uma emoo de arte e de belleza. E, se os jornaes no trepidam em empregar uma pagina das suas edies, com as banaes e broncas cousas de jogos de bola e corridas de cavallos, escripta, quasi toda ella, em uma linguagem s accessivel aos iniciados, porque estes so muitos e procuram nas folhas noticias de taes acontecimentos, dando-lhes renda. O numero da "Gazeta" de que me servi, ao acaso, tem seis paginas, das quaes mais ou menos duas so de annuncios, restando, portanto, quatro que so occupadas com noticias de policia e outras, inclusive as de sport, artigos matria de redaco, como chamam os profissionaes. ' Tendo cada pagina oito columnas e empregando o redactor seis com as suas novidades sportivas, segue-se que, para a. matria prpria a um jornal, s ficam trs paginas. Nessas trs, s ha, alm do artigo de fundo, um outro que possa interessar um leitor de certa ordem: uma chronica de Antnio Torres, uma columna e meia de extenso. Se esse jornal, para attrahir leitores, no appella para o que a arte de escrever tenha de espiritual, de cerebral e possa ser admittido na imprensa diria, soccorrendo-se, de preferencia, das historias de torneios hippicos e das sobrehumanas faanhas do "football", isto de fazer crer que estamos tambm sendo invadidos por aquelle estado de espirito, caracterstico do retrocesso para a barbaria, muito semelhante quelle que permittiu apparecer nO "Times", de Londres, uma recommendao da candidatura de um "sir" Foster ao Parlamento da Inglaterra, como representante da Universidade daquella capital, visto ser o mesmo "baronet" um notvel campeo de "cricket". Conta isto Spencer no livro citado, se no me falha a memria. Todos que tm assistido essas nossas partidas de " football", informam-me que ellas no tm absolutamente o aspecto de divertimentos innocentes. Ao contrario: revestem-se de uma physionomia feroz de briga, de rixa, de combate a valer entre os contendores, e os espectadores acompanham as peripcias do jogo com vaias e chufas, com acclamaes e palmas, conforme o seu partido respectivo est perdendo ou ganhando. A's vezes, ha pugilatos e,.em outras, so respondidas as chufas e vaias com gestos e palavras pouco protocflares. . , = Desse sopro de briga e barulho que anima taes apostas, na 0 escapam as mulheres e moas, sobretudo estas, que as assistem. Pa-

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rece que vem naquelles guerreiros de ponta-ps, n a 1 u e , l e ' , ^ ^ les de domingo, o seu ideal humano. Minerva e Venus mooerniwram-se; e os gregos e troyanos tambm. Ser de lastimar. Spencer accusava a literatura, o jornalismo e a arte de conconcorrem para essa volta barbaria. No tocante Inglaterra pode ser que elle tenha razo quanto literatura e arte; estas actividades espirituaes, porm, e sobretudo a ultima, pouca ou nenhuma influencia tm os nossos costumes. O jornalismo, entretanto, tem culpa no cartrio; e, se essa venerao peta fora vier a arrastar-nos a algum desastre, pde elle ser accusado como um dos causadores, na propagao que faz, sob a forma de aphorismos, primeira vista, indiscutveis, das vantagens da exaggerada cultura physica, alei de ensoberbar rapazes pouco experientes com retratos, biographias, epitaphios, etc, como se taes campees sportivos fossem, de facto, benemritos da ptria e da humanidade. No quero analysar todas as conseqncias desse proceder dos jornaes; mas o que se nota logo que elle leva ao espirito dos moos dos "sports" uma arrogncia, um sentimento desarrazoado dos seus merecimentos prprios, um desprezo pelas altas manifestaes da intelligencia, quando no uma caracterstica tendncia sempre prompta para resolver tudo pela violncia, a "muque". Essa devoo pela brutalidade no s se manifesta na propagao contagiosa dos "sports" violentos. De uns tempos a esta parte, observo que alguns jornaes desta cidade, clara ou disfaradamente, fazem apologia delia e da violncia, para obtermos a nossa prosperidade a afastarmos os bices que, no julgar de taes socilogos de ultima hora, a entravam. As nossas leis so acoimadas de muito liberaes; os processos legaes e humanos de julgar so taxados de protectores dos criminosos e dos inimigos da ordem social; os deveres impostos pela solidariedade humana, os sentimentos de comiserao e piedade pelas dores dos outros e pelos opprimidos constituem aos olhos dos pensadores de artigos de fundo os ltimos vestgios de uma philosophia sentimental e chorosa. Devemos, pontificam elles, cultivar um ideal novo (?), de fora, de aco, cheio de ambies, rico de instinctos robustos da expanso e do domnio... Pobre BrasiJ... E' a r querendo chegar a boi! Um allemo, estou bem certo, antes deste anno de graa de 1918/ o anno do implacvel armistcio dos aluados, no falaria de outra maneira, pois sabido que sempre elles, os allemes, no pregaram outra cousa massa dos seus patrcios, nas suas escolas nas suas egrejas e nos seus quartis e, de tal forma o fizeram e imburam os seus dceis ouvintes de taes theorias, que foi preciso o mundo inteiro levantar-se e guerrear at a morte o Imprio Allemo, para anniquillar de vez uma to perigosa quadrilha de fanticos que ameaava a liberdade de cada povo e de cada paiz Agora, se o mundo fez esse gigantesco esforo que acabamos de presenciar; se milhes de homens morreram nos campos ehT talha; se outros tantos milhes ficaram aleijados; se cidades foram

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arrazadas a canho e pelo fogo; se obras de arte e de utilidade geral foram destrudas; se esse cataclisma, em resumo, foi desencadeado; para que o espirito kaiseriano ou bismarckiano de fora, de violncia, de domnio viesse por sua vez a imperar tanto na Frana como na Guatemala, tanto na Inglaterra como no Brasil; emfim, se elle assolou quasi todas as regies do globo para que as Allemanhas se multiplicassem, o caso de todos quelles que se deixaram matar, crentes de que morriam pela civilisao, peta liberdade e para esmagar a barbaria teutonica, como gritavam os literatos do patriotismo e os jornalistas do direito, caso, dizia, de sarem elles dos seus tmulos e no nos deixarem socegar um minuto, perseguindo-nos a todos como frias do Inferno. Se foi para tal cousa e para enriquecer uma minoria de espertalhes que combatemos aquillo que, a todo o instante, chamavam os jornaes "a barbaria allem", no' valia a pena sacrificar tantas vidas e o trabalho profcuo de tantas geraes que nos precederam.

m officio da A. P. S. A.
Nestes ltimos dias de anno que se vae esvaindo mollemente, torpemente, com a hypocrisia de uns e covardia moral de todos, apezar das solemnes preoccupaes polticas annunciadas como existindo, nos jornaes", e proclamadas nos artigos de fundo retumbantemente, como ordens do dia dos generaes Haiti admiradores de Napoleo, no ha, para os tristes, no ha, para os evadidos do suicdio ou escapos cura da "grippe", no ha para estes como encher a sua existncia vasia, como curar q seu tdio e a sua hypocondra, remdio melhor do que se preoccupar com as cousas do "sport" nacional que os jornaes publicam. A Conferncia da Paz e a nossa embaixada a ella no podem trazer aos homens que se sentem assim a alegria curativa que o Austregesilo aconselhou to ao alcance de todos, pela "A Noite". No ha meio de distrair estou certo homens desses com as mezinhas e benzeduras humanitrias do phariseu Wilson e de tiral-os de sua profunda melancolia com outras futilidades semelhantes . Eu mesmo, que no cheguei, e peo aTJeus que no chegue nunca, a to desesperada disposio mental, pouco me interessam semelhantes assumptos. Leio-os, nos jornaes, por alto-e cheio de scepticismo, mas muito pouco risonho. No me rio, por exemplo, quando vejo falar nas tenes generosas desse pastor protestante que pontifica de cima de um Capitlio, de segunda mo, nas margens do Potomac, embora me lembre logo, vista de meno dellas, de que ns, os brasileiros, ainda nos orgulhamos de ter feito guerra para libertar dous ou trs povos. Est isto nos compndios e nos discursos patriticos. Generosos como somos, esquecemo-nos altruisticamente de ns mesmos, que, pelas pocas de taes guerras, tnhamos nos ferros da escravido e sob a nossa bandeira mais de meio milho de homens. O Brasil tem um corao de bohemio. Essa abnegao, esse esforo sobre ns mesmos em favor dos outros (Vauvenarges), esse esquecimento das nossas necessidades para attender as dos outros bem poder nos afigurar, ao lado de Wilson e do seu supimpa Estados Unidos, no Fios Sanctorum
ln T13.CCS

Ser difficil obter qualquer espcie de distraco nos jornaes,

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r ^ f w e n c i a ciue os enchem, s lhes deicom as perlengas sobre a C o n f e r o ^ que p o r t ugueza em estirados xando espao largo, para ^ " ^ c ^ c S o K . P a e s sempre arrasta artigos, nos quaes o assass.mo do r . , a d pof_ no atino por que o recordar o do ar. u. v. tugal e o do prncipe, seu filho Lu. FeUppe De resto, eu nao posso ter a contiana c a H . V T , * blicistas officiaes e. officiosos depositam na tal Conferena*. Na bocca ou na penna delles, sahir de Versalhes nao so a grandeza militar do Brasil, a sua riqueza amoedada a sua importncia universal, mas, talvez mesmo a extmcao das seccas do O que elles no querem, a paz universal e no sei a causa de semelhante ogeriza. Tenho a respeito da riqueza que a Conferncia possa trazer ao Brasil, o mesmo julgamento daquelle mendigo inglez que conhecia perfeitamente a opulencia do seu paiz, sabia" que o imprio britahnico era o mais considervel da Historia, mas tambm sabia que continuava sem tecto, mal conseguindo diariamente uns vintns elle, subdito da maior e mais rica potncia de que os homens tm memria ! Se a leitura dos jornaes, nessas suas partes, assim se comporta no meu espirito e na minha alma, no posso aconselhal-a aos que vem os seus sonhos morrendo e se enchem de tdio peta vida. Tambm no lhes aconselharia a leitura de obras de qualquer natureza, porque se ellas desorarem um estado d'alma semelhante, so inteis: se forem animadas de um contrario, so hostis, aborrecem e trazem dio & taes espritos combalidos ou saciados. Como Ornar, devem elles queimar as suas bibliothecas, por-< quanto, quer num, quer noutro caso, no prestam servio algum, como os livros da de Alexandria a que. aquelle chefe rabe mandou atear fogo. Entretanto, em matria de leitura, a que nos pde trazer distraco a de cousas sportivas, sobretudo as de "football". Sempre ha o que descobrir, por intermdio dos jornaes, nos "sports" athlecticos; um mundo que se abre inopinadamente aos nossos olhos; so perspectivas inesperadas que vamo descortinando de dia para dia. Quando um club qualquer inaugura uni tanque de natao, e arranja umas crianas para cantar alguma cousa fanhosa, temos o cicerone sportivo, athlectico e gladiador, o Sr. Coelho Netto a nos ensinar que aquella cantoria e aquella piscina so puramente gregas, tem no seio Hercules, e Djanira, tem o Hymetto, tem Olyrnpiadas, tudo aquillo, emfim, que consta do formulrio de cousas daquella Grcia que no tem Aristteles, nem Themistocles, nem Thales, nem Praxiteles, nem Euripedes, nem Aspasia. E uma Hellade especialmente fabricada para o gasto caseiro da gente dos "sports" da nossa terra. Quasi nunca vme incommodei com semelhante assumpto athletko, mas vejo agora que tenho feito mal e aconselho que todos se interessem por elle. Diverte e ensina.

- 7 3 Desprezando esse athletismo dominical, no vira eu como elle tendia para o progresso da Ptria, para o rejuvenescimento da nossa juventude que nasce velha, extirpando-lhe, d'alma o pessimismo, a melancolia, as perturbaes nervosas, fazendo-nbs um povo esculptural, sadio e alegre, como eram os taes gregos que o Sr. Coelho Netto inventou. At bem pouco, a minha atteno s estava voltada para os grandes doentes de corpo e de cabea, como Pascal, Voltaire, Rousseau e tantos outros; mas, nos dias que correm, considerei que taes personagens, incapazes para o "football" e outros exerccios saudveis e hellenicos, j pela sua constituio physica vergonhosa, j peta sua organisao mental defeituosa, deviam e devem ser sacrificados no nascedouro. A vida deve pertencer aos fortes c um erro estarmos protegendo os bois os carneiros, os perus, emquanto exterminamos os lees e os tigres. Capacitado disso e de mais outras cousas, transformei todo o meu systema de idas; e, de desdobramento em desdobramento, convenci-me de que no fora o servio militar obrigatrio, a famosa nao armada de Von der Goltz, que trouxera o mundo essa montruosa guerra de 1914, por todos annunciada como finda. Essa guerra que se revestiu das clssicas ferocidades das guerras de todos os tempos e requintou de maldade com o emprego das invenes e descobertas mais actuaes, feitas geralmente com fins generosos e humanitrios, foi obra dos pacifistas, dos internacionalistas, dos anarchistas, dos anti-militaristas, dos que no se entregam a "sports". Errava, portanto, quando tinha para mim que essa atroz carnificina originara-se unicamente da realisao da tal ida de nao exercito. Posta em pratica semelhante concepo, por mais que queiram negar os interessados de boa-f ou no, surge logo uma casta de sacerdotes egypcios, que so os officiaes, sobretudo os das armas chamadas especiaes, encarregados de manter perpetuamente o fogo sagrado da guerra. Tal gente tem que empregar toda a sua vida em pensar na guerra, em planos, em novos armamentos, em aperfeioamentos da machina bellicosa, etc, etc; e o prmio dessa sua gloria s pde vir da guerra, da grande guerra. Transmittem o seu sonho guerreiro aos outros officiaes, contaminam-os; e, por sua vez, estes ltimos, como instructores, e commandantes de todos os gros, infeccionam o espirito dos infernos e dos recrutas de dezoito annos, quasi nada na infncia, de opinies malss com o asseverar que o seu paiz o primeiro do mundo, que est escolhido por Deus para fazer a felicidade do universo, que a guerra divina, que no pode haver paz na terra, que da guerra nasce a riqueza de um paiz, etc, etc. Em breve tempo, encontrando um povo dcil, crente, activo paciente, est criado um espirito collectivo no paiz, todo elle inclinado para. a guerra e convencido das suas vantagens de toda a ordem.

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o e f " ' guerra, por fora, tanto mais que, quando os rapazes, aos vinte annos, deixam a caserna, l encontram o padre ou o pastor a pregar as mesmas cousas quarteleiras, as revistas populares a abundar nos mesmos conceitos e os "sports" violentos a lhes darem amor pelas cousas que suggerem a guerra. Pensava assim, mas desde que, ha quasi dous mezes, me entreguei leitura das noticias de "football" e de outros "sports", vi que laborava em erro., Todo o meu julgamento era falsq, porque eu me tinha posto num ponto de vista humanitrio que absolutamente idiota e effeminado, como me convenci, lendo seguidamente o articulista "adhoc" dos artigos de fundo do "O Paiz" um homem feroz que escreve com a cimitarra de Gengis-Khan e no monta o cavallo fantstico da Utopia, m^s sim aquelle ginete tartaro de Mahomet II que escapou de ir comer a. sua rao na baslica de S. Pedro, em Roma. Alm do derivativo, para a monotonia dos meus dias actuaes, que encontrei em to profcua leitura combinada com s das chronicas de "football", quando as conseguia entender a meditao sobre ellas levaram-me intelligencia certeza de que a fora do Brasil ha de organisar-se principalmente da coheso que o "football" vae trazer s varias partes da federao, unindo os espritos e as almas num mesmo pensamento e num mesmo anhelo. At agora eram o "Malho" e o "Rio N" e o Casimiro de Abreu que sommavam as nossas almas dispersas para fazer a da nao. No havia logarejo da nossa ptria em que no chegassem aquellas revistas e no havia villa obscura em que no soubessem as moas uma poesia do infeliz poeta das "Primaveras". Elle tinha chegado, no Brasil, ao pice da gloria que um poeta deve desejar; ... era recitado, cantado, mesmo sem lhe saberem o nome; tocava todas as almas s peta fora do seu estro. Era isto um mal e preciso explicar por que. Quanto ao "Malho", o antigo e o novo, o mal no era grande porquanto elle patriota, religioso, "retrateiro", e no tem nada de maximalista que possa incommodar o chanfalho do Sr. Aurelino e a prosa renda de bilros do esquecido philosopho Celso Vieira da Policia. Mas o "Rio Nu ? E o Casimiro, ento ? Este era peior do que a "gripoe". Enchia com a sua versalhada mrbida o paiz de tristeza, de um vago sonho de infelicidade redemptora de ancias, de amor no correspondido e in fecundo e, reflexamnte deprimia-o, tirava-lhe a actvididade dominadora e expansionista' No era possvel continuar a cousa assim. A Allemanha tinha abandonado os seus poetas nevoentos e sonhadores; e tratara de encher-se de um ideal de fora, de expanso e de domnio E' dade que fracassou como colonizadora, s se mostrando caoaz auan" do deu cabo dos Herreros; mas s ahi. E' verdade que a matilh internacional em nome de idas oppbstas s pelo imprio allemo

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j - , tonHe a transformar-se em acto, uma nao

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propagadas, cahiu-lhe em cima e f ei -o levar a breca. As suas idas, porm, para maior gloria de Deus, passaram para os outros povos vencedores e ns precisamos no ficar atraz. Devemos abandonar os nossos poetas choramingas, para ler as futuras epopas dos vates do Itamaraty, cantando as faanhas do Z Bezerra e outros que taes, impressas na typographia dos Salesianos e de outras ordens religiosas, bem inspiradas nos Evangelhos canonicos ou mesmo apocryphos. E para obter essa transposio profunda do sentir nacional estava naturalmente indicado o "football" e mesmo a nossa expanso pelo estrangeiro afora, como mostra a Associao Paulista de Sports Athleticos (A. P . S. A . ) no seu celebre officio Confederao dos mesmos "sports", publicado no "O Imparcial". Diz aquella sociedade textualmente, defendendo trs dos seus scios: "Amilcar, Nco e Friendeireich tm sido os defensores das nossas cores (as do Brasil) na Argentina, no Uruguay e ahi, nesta Capital (Rio de Janeiro), sempre que se precisa dos seus valiosos concursos". Mostra ainda a referida aggremiao sportiva que esses trs jogadores so constantemente afastados dos seus empregos, para tomar parte em pugnas de pbolado (V. "Paiz", de 22-12-18 Reportagens Sportivas>, facto que muito lhes prejudica no avano das carreiras que abraaram. Essa obrigao em que est ella de designar quasi sempre ou sempre esses trs "players" no fornece a concluso de que, apezar de to generalisado, como dizem estar o "football", no tenham elles substitutos ou equivalentes. Uma concluso dessas seria illogica, porquanto fito a propagao do jogo de ponta-ps na bola concorrer para o desenvolvimento physico da nossa raa, o que no se daria, se aps tantos annos, o "sport breto" s tivesse em - S . Paulo-essas trs figuras obrigadas para os encontros mais importantes . O desenvolvimento da raa deve ter sido conseguido e com os quinhentos mil habitantes, a linda Paulica possuiria certamente muitos outros "footballers" da fora daquelles trs. O mesmo, supponho eu, deve se dar com o Rio de Janeiro, quanto "quelles que perdem no seu interesse, quando concorrem para o triumpho das nossas cores e para os "superavits" do balano dos grandes jogos". ,* Tanto por l, como por aqui, podemos concluir que o desenvolvimento physico da populao do paiz se vae generalisando sem que possa causar espanto a existncia de alguns insubstituveis. Acredito, por isso digo, "do paiz, que, na Bahia, em Alagoas, em Matto Grosso, em Santa Catharina, seja o "football" intensamente cultivado. E' verdade que ainda no li noticia das apostas entre jogadores daqui e da cidade do Salvador, mas o citado officio faz suspeitar que j tenha havido, pois diz que o "profissionalismo" "comea a irradiar dessa capital para o sul e norte do paiz . Ha muitas cousas mais a observar e a concluir de tao interessante officio e as concluses a tirar que o "football" tem tra-

76 zido vantagens sociaes, commerciaes, financeiras, polticas, tanto no ponto de vista interno como no externo. De todo o corao confesso, agora, o meu erro de julgamento sobre to digno "sport". Houve tempo at que acreditei que elle viesse a causar entre S. Paulo e o Rio de Janeiro uma guerra de seccesso brasileira. Aps a leitura do officio em questo, desvaneceram-se essas minhas apprehenses e fiquei convicto de que reina a mxima harmonia entre os paladinos das duas cidades. Concorrendo, assim, para a coheso nacional, para um perfeito entrelaamento d famlia brasileira, o jogo de "football", ainda por cima, actua como elemento poderoso da nossa expanso nacional e faz falar do Brasil no estrangeiro. Se os nossos sbios, os nossos poetas, os nossos artistas uo sao conhecidos l fora, entretanto os jogadores de "football" ss conhecidos na estranja. Actualmente, fora dos "grounds", s um brasileiro pode orguihar-se disso: Ruy Barbosa. E' honroso para o desporto nacional ! 28-12-18.

Problema vital
Poucas vezes se ha visto nos meios literrios do Brasil uma estra como a do Sr. Monteiro Lobato. As guias provincianas se queixam de que o Rio de Janeiro no lhes d importncia e que os homens do Rio s se preoccupam com coisas do Rio e da gente delle. E' um engano. O Rio de Janeiro muito fino para no dar importncia a uns sabiches de alda que, por terem lido alguns autores, julgam que elle no os l tambm,; mas quando um estudioso, um artista, um escriptor, surja onde elle surgir no Brasil, apparece no Rio, sem esses espinhos de ourio, todo o carioca independente e autnomo de espirito est disposto a apptaudil-o e darlhe o apoio da sua admirao. No se_trata aqui da barulheira da imprensa, pois essa no o faz, seno para quelles que lhe convm, tanto assim que systemati&imente esquece autores e nomes que, com os homens delia, todo o dia e hora lidam. O Sr. Monteiro Lobato com o seu livro "Urups" veiu demonstrar isso. No ha quem no o tenha lido aqui e no h quem o no admire. No foi preciso barulho de jornaes para o seu livro ser lido. Ha um contagio para as boas obras que se impem por sympathia. O que de admirar em tal autor e em tal obra, que ambos tenham surgido em S. Paulo, to formalista, to regrado que parecia no admittir nem um nem a outra. No digo que, aqui, no haja uma escola delambida de literatura, com uma rhetorica trapalhona de descripes de luares com palavras em " 1 " " 1 " e de tardes de trovoadas com vocbulos com r r dobrados: mas S. Paulo, com as suas elegncias ultraeuropas,' pareda-me ter pela literatura, seno o critrio da delambida que acabo de citar, mas um outro mais exaggerado. O sucesso de Monteiro Lobato, l, retumbante e justo, fez-me mudar de opinio. % A sua roa, as suas paisagens no so cousas de moa prendada, de menina de boa famlia, de pintura de discpulo ou discpula da Academia Julien; da grande arte dos nervosos, dos creadores, daquelles cujas emoes e pensamentos saltam logo do crebro para o papel ou para a tela. Elle comea com o pincel, pensando em todas as regras do desenho e da pintura, mas bem depressa deixa uma

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e outra cousa, pega a esptula, os dedos e tudo o;que elle viu e sentiu se de um s jacto, repentinamente, *Wlar*' tambem O seu livro uma maravilha nesse sentido, mas o e lamoem em outro, quando nos mostra o pensador dos nossos problemas sociaes, quando-nos revela, ao pintar a desgraa das o s s a * 5 ,?" ceiras, a sua grande sympathia por ellas. Elle no as embelleza, elle no as falsifica; fal-as tal e qual. Eu quereria muito me alongar sobre este seu livro de contos, "Urups", mas no posso agora. Dar-me-ia elle motivo para discorrer sobre o que penso dos problemas sociaes que elle agita; mas, so tantos que me emaranho no meu prprio pensamento e tenho medo de fazer- uma cousa confusa, a' menos que no faa com pausa e tempo. Vale a pena esperar. Entretanto, eu no; poderia deixar de referir-me o seu estranho livro, quando me vejo obrigado a dar noticia de um opusculo seu que me enviou. Trata-se do "Problema Vital", uma colleco de artigos, publicados por elle, no "Estado de S. Paulo", referentes questo do saneamento do interior do Brasil. Trabalhos de jovens mdicos' como os Drs. Arthur Neiva, Carlos Chagas, Belisario Penna e outros, vieram demonstrar que a populao roceira do nosso paiz era victima desde muito, de varias molstias que a alquebravam physicamente. Todas ellas tm uns nomes rebarbativos que me custam muito a escrever; mas Monteiro Lobato os sabe de cr e salteado, e, como elle, hoje muita gente. Conheci-as, as molstias, pelos seus nomes vulgares; papeira, opilao, febres e o mais difficrl que tinha na memria era bocio. Isto, porm, no vem ao caso e no o importante da questo. Os identificadores de taes endemias julgam ser necessrio um trabalho systematico para o saneamento dessas regies afastadas e no so s estas. Aqui, mesmo, nos arredores do Rio de janeiro, o Dr. Belisario Penna achou duzentos e cincoenta mil habitantes atacados de maleitas, etc Residi, durante a minha meninice, e adolescncia, na ilha do Governador, onde meu pae era administrador das Colnias de Alienados. Pelo meu testemunho, julgo que o Dr. Penna tem razo. L todos soffriam de febres e logo que fomos, para l, creio que em 1890 ou 1891, no havia dia em que no houvesse, na nossa casa, um de cama, tremendo com a sezo e delirando de febre. A mim, foram precisas at injeces de quinino. Por esse lado, julgo que elle e os seus auxiliares no falsificam o estado de sade das nossas populaes campestres. Tm toda a razo. O que no concordo com elles, com o remdio que offerecem. Pelo que leio em seus trabalhos, pelo que a minha experincia pessoal pode me ensinar, me parece que ha mais nisso uma questo de hygiene domiciliar e de regimen alimentar. A nossa tradicional cabana de sap e paredes de taipa condemnada e a alimentao dos roceiros insufficiente, alm do mo vesturio e do abandono do calado. A cabana de sap tem origem muito profundamente no nosso typo de propriedade agrcola a fazenda. Nascida sob o influxo

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do regimen do trabalho escravo, ella se vae eternizando, sem se modificar, nas suas linhas geraes. Mesmo, em terras ultimamente desbravadas e servidas por estradas de ferro, como nessa zona da Noroeste, que Monteiro Lobato deve conhecer melhor do que eu, a fazenda a forma com que surge a propriedade territorial no Brasil. Ella passa de pes a filhos; vendida integralmente e quasi nunca, ou nunca, se divide. O interesse do seu proprietrio tel-a intacta, para no desvalorisar as suas terras. Deve ter uma parte de mattas virgens, outra parte de capoeira, outra de pastagens, tantos alqueires de caf, casa de moradia, de colonos, curraes, etc. Para isso, todos .quelles aggregados ou cousa que valha, que so admittidos a habitar no latifndio, tm uma posse precria das terras que usufruem; e, no sei se est isto nas leis, mas nos costumes est, no podem construir casa de telha, para no adquirirem nenhum direito de locao mais estvel. Onde est o remdio, Monteiro Lobato ? Creio que procurar meios e modos de fazer desapparecer a "fazenda". No acha ? Pelo que li no "Problema Vital", ha Cmaras Municipaes paulistas que obrigam os fazendeiros a construir casas de telhas, para os seus colonos e aggregados. Ser bom ? Examinemos, Os proprietrios de latifndios, tendo mais despesas com os seus miserveis trabalhadores, esfolaro mais os seus clientes, tirandolhes ainda mais dos seus mseros salrios do que tiravam antigamente. Onde tal cousa ir repercutir ? Na alimentao, no vesturio. Estamos, portanto, na mesma. Em summa, para no me alongar. O problema, comquanto no se possa desprezar a parte medica propriamente dita, de natureza econmica e social. Precisamos combater o regimen capitalista na agricultura, o latifndio, dividir a propriedade agrcola, dar a propriedade da terra ao que effectivamente cava a terra e planta e no ao doutor vagabundo e parasita, que vive na "Casa Grande" ou no Rio ou em S. Paulo. J tempo de fazermos isto e isto que eu chamaria o "Problema Vital".

Quem ser afinal ?


Aposentado como estou, com relaes muito tnues com Estado, sinto-me completamente livre e feliz, podendo falar sem rebolios sobre tudo o que julgar contrario aos interesses do paiz. Os parcos nickeis que a minha aposentadoria rende, dar-me-o com o que viver, sem ser preciso normalmente escrever pelinescas biographias de figures, para comprar um par de botinas. No fora a grave dr domestica que me ensombra a existncia, eu me daria por verdadeiramente feliz e sufficientemente experimentado. Tendo passado por diversos jneios os mais desencontrados possi- veis, eu me julgo conhecedor bastante das coisas deste mundo, para, com os elementos da vida commum, organizar uma outra de meus sonhos, com a qual minore, s no creal-a, a magoa eterna e impagvel que haja talvez em mim e me turve as alegrias intimas. Esperava desde muitos dias a completa liberdade, de independncia quasi total, para poder dizer da minha pobreza a fraca verdade aos poderosos e ricos que, assim, se fizeram por toda a sorte de maneiras, honestas e dehonestas. Hei de dizer-lhes aos poucos... Durante os quinze para os dezesis annos em que guardei, as convenincias da minha situao burocrtica, cumpri muito a custo a minha indignao e houve mesmo momentos em que ella, desta ou daquella frma, arrebentou. Muitas attitudes minhas, incomprehensiveis aos olhos desses phariseus por ahi, vinham do angustiosq recalque dos mpetos de minha alma e da obrigao em que estava, de dizer pela metade, aquillo que eu podia dizer totalmente. De ba ou m f, estupidamente ou generosamente, aqui e ali, fui tomado ou sou tomado por doido; e a policia, onde abundam os esquiroes de varias categorias e ordenados, julgou-se j nas suas attribuies de me classificar como tal. As leis do Brasil so feitas para serem cumpridas... Comprehendo perfeitamente este estado de espirito policial ou costumeiro, vista da caresjia da vida e da necessidade em que est o literato que quer ter fama, de no dizer nada, andar bem vestido e fazer parte da corte de algum Cunhbemba poltico. No sou desse figurino e sei que irrito os altos espritos -dos manequins intellectuaes, quando me vm o nome com qualquer appellido li-

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terario. Adivinho o que elles dizem; e os melhores, os de bofes menos mos, ho de reflectir assim contsigo mesmo: Este Barreto louco! Dizem que escreve alguma cousa engraada... Por que que elle no faz como F . ? F . era amigo de E. que o metteu na Repartio do Cadastro e, em pouco, foi chefe de seco. E' doido, no ha duvida! Um pobre diabo, que taes cousas considerou, pensava que escrever alguma cousa engraada fazer concurso para amanuense, sem saber que isto eu j tinha feito, muito digna e lealmente, quando elle se lembrou piedosamente de mim. Obrigado. Um outro diria, ao saber da minha situao burocrtica: Por que o Barreto no entra para um jornal? Elle iria longe, ganharia dinheiro, etc. Destes e de outros commentarios, cortei uma parte, no por vexame, mas por considerao ao leitor. No se esqueam de que tenho para mim que falta confessada meia falta. No se aborreceria com essas consideraes a meu respeito se ellas no envolvessem duas cousas: a loucura e a calumnia literatura. No nego que tenha neste ou naquelle momento ou dia, dado signaes de loucura; mas, como eu e mais permanentemente, muitos homens aos quaes nem por sombra me quero comparar, tm dado, o que no obsta de, at hoje ensinarem a todos ns cousas excepcionaes. Imagino um Pascal sem a sua irm Mme. Prier, a braos com a psychiatria do Sr. Aurelino, do edificante Celso Vieira, do seu apressado gabinete medico legal, onde iria parar ? Nunca me importei com o emprego em que fui aposentado; mas a minha situao de filho, diante da de meu pai, e o meu cavalheirismo unicamente, porque no tenho nenhuma obrigao legal, pediam-me que me fosse mantendo nelle, para ter o tal certo da covardia moral e intellectual da nossa gente, contra a minha prpria conscincia. Tendo provocado todos esses poderosos ou simile poderosos que ha em todos os desvos desta cidade e sendo um pssimo funccionario publico, uma das minhas absorventes cogitaes era esperar toda a manh lr nos jornaes o decretp da minha demisso. A incerteza alanca... Quando pessoas muito chegadas mim, ao saber, por exemplo, que tinha accusado o gracioso Hlio Lobo, de imprimir a sua mofina literatura custa do Governo, vinham a mim assustadas e diziam: "Voc est mexendo com o Hlio!... Elle est no gabinete do Presidente... Voc est doido! Deixe disso!..." no imaginam como tal cousa me aborrecia. Que toda a gente dissesse isso, v! mas, na bocca dos parentes, era de opprimir, mostrando elles desejo de annular-me ou de querer que eu fosse ahi uma espcie de Loulou da Pomerania nas letras. Cabe aqui uma observao: o povo do Brasil tem a concepo de que os poderosos so governados pelas suas prprias vontades, dahi talvez a tendncia delles em ter em pouca conta as

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disposies de lei. A gente meda do Brasil admitte tacitamente o sultanismo... Isto, porm, no vem ao caso. Vamos adiante. Cada um v o seu abysmo; e, se no sou Pascal, no sou tambm um indigente ou um desclassificado, para que a policia do Rio de Janeiro me tome, devido a isto ou aquillo, como doido e me faa recolher ao Hospcio, como se o casaro da Praia das Saudades fosse uma priso domestica e como se ns as tivssemos na nossa legislao. Uma apprehenso... Continuo, para verem como era dolorosa. Meus parentes so sem valimento e os meus amigos so fracos; mas no preciso incommodar nenhum desses outros, para pr-me a coberta de uma estpida violncia policial dessa ordem, porquanto tenho ficha muito legal no Estado. Fui funccionario publico e agora o sou aposentado; e, conforme as leis actuaes, nesse negocio de loucura minha, tenho eu pae vivo e no sendo indigente, s elle, por ser eu solteiro, que tem direito de intervir nelle. A provvel intromisso indbita da policia em cousas de minha vida domestica, assim considerada pelas le<B, e, para a qual, ella no tem competncia legal absolutamente, era para mim um foco de desgostos e de relao. Abusando da inexperincia de minha irm, nessas cousas_ de leis, e da simplicidade e tambm da ignorncia dos meus irmos, no' faltava malvado ahi que no lhes aconselhasse tal intromisso para a qual tambm elles, os meus irmos, eram insufficientes legalmente e para o julgamento do meu estado no sobrar, em uma, sentimento da actividade que me absorvera, em outros, desenvolvimento mental e a instruco necessria. Serviam, sem querer, aos que me queriam desacreditar... , Se no mar de magoas intimas em que braejo desde a minha maioridade, alguma felicidade Deus ainda me quizer dar, no permittir, por cousa alguma, tenha eu negcios com a policia, at minha morte. Posso dizer, com orgulho, agora que j vivo em meio delia, que a minha vida limpa, apezar de ter soffrido as maiores difficuldades e tambm grandes tentaes... A loucura entre si uma grandiosa e sagrada desgraa, e nao a quero em mim assessorada seno pela sincera piedade dos que me estimaram, por mim mesmo. Respeitem a minha desgraa, se, de facto, eu vier, um dia, a cahir nella! E, espero com muita f, que, se tal acontecer, nao ser inteiramente total, para que no possa eu tomar o caminho da sepultura dos vivos que tambm a dos sonhos dos - que nao . quizeram se esquecer dos outros, nem nos dias fastos nem nos nefastos, apezar de terem podido conseguir a falsa felicidade dos g O Dr Juliano Moreira uma excellente e ba pessoa; e nao mette medo aos homens como eu, pois elle os estudou e lhes adivinha as dores. . , Os commentadores, porm, no ficaram nisso e calumniavamme, a mim e literatura. . . Julgaram elles que eu fazia assim como o manquinhas do

84 Hlio, para arranjar promoes electricamente, ajudas de custa, ou, como outros, propinas e gorgetas de figures politicos. Nunca, na minha vida, tentei coisa mais desinteressada do que escrever as minhas confusas emoes e pobres julgamentos; e nunca esperei desse meu acto seno aquillo que, entre ns, a literatura pde dar dignamente, limpamente. A fortuna, eu a deixei para os outros. No foi jamais minha esperana obter com as lettras dinheiro, posio ou o quer que fosse fora do que o objectivo dellas, normalmente. Conhecia caminhos menos rduos; e, antes de dezeseis annos, encetei um conveniente... Uma vez ainda declaro que, fazendo literatura, no espero fortuna, nem empregos; e no se incommodem com o meu esbodegado vesturio, porque elle a minha elegncia e a minha pose. Barras viu "sanc-culottes" mais relaxados e sujos do que eu, que acabaram muito elegantes bares e prefeitos do Imprio de Tosephina e Napoleo. Por ahi no pega o carro... Era caso, cajo leitor, de pedir desculpas por este desabafo pessoal, mas precisava eu fazd-o da frma mais publica possvel, para alliviar-me de uma grande oppresso. La plaie du coeur est le sence... Adiante. Entre as muitas cousas que os surprehendentes espritos das minhas relaes acharam em mim como prova de loucura, foi ter eu em comeos do anno passado, protestado, e at por escripto, perante o Presidente da Republica, contra o embarque de sacerdotes catholicos na nossa "Invencvel Armada" que ia tomar parte nas guerras da Europa. Um dos jornaes desta capital que, sangrando-se em sade, mais vehemente aconselhou e defendeu, essa providencia bellicosa, propugnada pelas damas do Sagrado Corao de Jesus, foi o "Correio da Manh". No tenho mo as edies, mas so fceis de achar, para lhes dar os termos em que o referido jornal julgava a hospedagem dos padres e frades, a bordo de navios de guerra nacionaes, como cousa perfeitamente legal e constitucional. De antemo, como sempre, acoimava de intolerantes os que se oppuzessem a essa manifestao clerical dos poderes pblicos, como se houvesse intolerncia no querer o respeito Constituio e como se a Igreja Catholica, vista do seu passado, pudesse appellar para a tolerncia que nunca foi das suas virtudes. Alguns conhecidos, porque eu no tinha um collarinho assim, taxaram-me de doido, maluco, por ter escripto ao Presidente da Republica, embora1 a Constituio (Art. 72, 9) m e permittisse isso e no exigisse que eu ou outro cidado andasse to bem vestido quanto o senador Lopes Gonalves, para protestar, em nome da lei. Lera eu simplesmente a Constituio e no vira tal exigncia l. Lera eu toda; e, at, este 7 do mesmo artigo 72, quasi me ficara de cr: ' " 7* Nenhum culto ou igreja gozar de subveno offi-

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ciai, nem ter relaes de dependncia, ou alliana com o Governo da Unio ou dos Estados." As nossas leis so to claras, dizem to bem o que ellas querem, que, em geral, precisam de commentadores sbios e autorizados, para explical-as melhor, embora ningum possa allegar ignorncia da lei em sua defesa. O artigo de lei, ou paragrapho, como quizerem, cre' no ser daquelles que precisam de jurisconsultos de mrito para ser entendido. Qualquer um que saiba lr e escrever est apto a entendel-o; entretanto, a mania fradesca achou para elle, um commentario feminino que lhe servia aos desgnios occultos, e embarcou um capelio na fraco da esquadra nacional em operaes de guerra. Passaram-se os dias, e leio agora, no mesmo jornal que defendeu o alistamento de sacertodes catholicos para officiaes a bordo desses navios de guerra nacionaes, o seguinte, na sua edio de nove do mez de Janeiro corrente, segunda pagina, a propsito vda situao dos cirurgies-dentistas nas nossas foras armadas: "Vem a propsito lembrar que esta magnfica opportunidade para ser reformado tambm, e devidamente ampliado, o quadro dos dentistas, que entre ns, tanto no Exercito como na Marinha, tm sido relegado para um plano quasi que humilhantemente inferior Na Marinha, os dentistas no tm nenhuma espcie de garantias, nem mesmo quando tenham de seguir para a guerra, como succedeu quando partiu para os mares europeus a diviso naval brasileira, da qual fez parte um capelo com a patente de capito-tenente com respectivos vencimentos em ouro, e um dentista... sem ter direito a coisa alguma, nem mesmo, legalmente, ao soldo!" No commentp e no fao considerao alguma. Em uma terra em que os seus mais altos poderes polticos e administrativos violam to claramente a sua lei mxima a que todos, inclusive elles, devem obedecer, perigoso reclamar alguma cousa, fazer critica, a menos que se tenha entre o poder delles e nossa vida e liberdade, de permeio, o Oceano. Vou ganhando prudncia... Mas, ao jornal, que, em menos de um anno, d to palpveis mostras de ter mudado de opinio, caso de perguntar, a elle ou aos seus semelhantes:' Quem ser o maluco? Quem ser afinal? No ha nada como rir-se por ultimo... 25119.

Procurem a sua Josephina


Segundo as chronicas, a vida de Machiavel no foi daquellas mais bem governadas pelo bom senso. Dizem por ahi que elle gostava de conviver com vagabundos e bebericar pelas tavernas de Florena, mal vestido e de algibeira pouco provida de dinheiro. Entretanto, saiu-se um dia dos seus cuidados e julgou-se capaz de dar conselhos aos pilotos, para a boa governana dos seus estados. Escreveu o "Prncipe" que ainda hoje objecto de meditao e estudo, menos para a generalidade dos homens de governo. Muitos outros homens tm havido, sagrados pela posteridade e pelos diccionarios biographicos, que, tendo vivido uma vida muito pouco decente e equilibrada, segundo as regras communs, no trepidaram em indicar aos homens de estado, o caminho so para estabelecer um governo forte, fecundo e as leis a que devem obedecer com segurana de acertar. Rousseau foi um delles e at escreveu um tratado geral de sciencia politica, cujos ensinamentos, sob este ou aquelle disfarce, com estas ou outras palavras, perpassam ainda hoje no phraseado das arengfcs parlamentares e nos slidos artigos da imprensa politica. E' verdade que tambm Rousseau publicou uma obra sobre a educao das crianas; e este seu livro "Emile" provocou de Voltaire a reflexo de que era dever de quem se propunha a tal cousa, ser primeiramente bem educada. Supponho que o patriarcha de Ferney se referia ao cidado de Genebra. Apezar de no conhecer nenhum modesto e bem equilibrado funccionario ou honesto negociante que tenha tentado estabelecer as regras da s politca; ha, entretanto, homens austeros que, d*recta ou indirectamente, tm se permittido a liberdade de incutir no espirito dos prncipes normas do bem governar. Pessoas autorizadas dizem que Fnelon, no seu Telemaco, visou isso, tanto mais que 0 escreveu "ad usum Delphini no caso: o Duque de Bourgogne. Ha mesmo quem va alem e affirme, que, nesse seu livro, existem, criticas aos processos governamentaes e s idas administrativas de Luiz XIV, augusto av do seu augusto
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Uro que se l em menino, logo que se consegue traduzir francez, no possvel a quem no se entrega exegese de obras

88 celebres da literatura, dizer, at que ponto tem fundamento a opinio dos que examinaram luz da vida dos personagens dos costumes, das medidas de governos contemporneos, a ellas. Os sbios, em resumo, as estudaram, com as respectivas sabedorias, na sua ambiencia natural e as locam na sua poca. Ns no podemos fazer o mesmo para discutir com elles. Li o "Telemaco", como toda a gente; mas hoje, s me lembro de Salento e da, felicidade dos Salentinos com a emoo simples de menino.. No posso adiantar cousa alguma sobre o que se assegura por ahi com relao s censuras indirectas, s criticas veladas ao poderoso Rej-Sol, existentes no popular romance do obediente prelado que se retractou humildemente do quietismo hertico de Mme. Guyon. Julgo tambm que o padre Antnio Vieira deu por escripto conselhos polticos ao Duque de Bragana que foi mais tarde Rei de Portugal; mas nunca os li, nem serei capaz de lel-os. Se citei o celebre jesuta, foi para prestar homenagem a um gnio, seminacional e ao seu ldimo psrtuguez que bem outra lngua para muita gente, da qual no me envergonho de fazer parte. Vendo, agora que a idade me chega e a experincia tambm, que os mais diversos homens, tanto de costumes como de importncia social, se haviam animado a aconselhar prncipes, reis, doges, com verdadeiros manuaes da arte de governar, eu me lembrei de transmittir aos leitores os preceitos que o meu obscuro amigo Alamiro Vianna julgava prprios para fazer um perfeito governante na nossa terra. Este Alamiro, comquanto tivesse a vida mais honesta que se pde exigir, era incapaz de governar o seu collarinho no pescoo ou a gravata no collarinho; entretanto, sempre o conheci interessado pelas cousas de governo. Elle me expoz as suas idas, em diversas pocas e occasies. Eu, porm, vou resumil-as aqui e expol-as num corpo s, como se assim me tivesse feito. Eil-as: "Essencialmente agrcola e democrtico como o Brasil, no era possvel que eu tivesse em mira organisar com papel, penna e tinta, o modelo do "Prncipe Perfeito" que lhe fosse adequado. Ns no temos "prncipe"; temos presidente da Republica. Pela natureza do regimen deve provir este das camadas mdias e atravessar vagarosamente os cargos polticos e administrativos que o ponham em evidencia. No de suppr que tenha uma grande illustrao nas lettras, nas sciencias e nas artes. Formado em bacharel ou em outra qualquer cousa, o seu commercio com os livros deve ser pouco a pouco abandonado. No s porque isto lhe pediria tempo que deve ser mais bem empregado no estudo de cousas eleitoraes e no cultivo de relaes com pessoas poderosas e decisivas no logar em que elle comear sendo juiz, promotor ou medico de alda, como tambm os livros lhe tirariam a energia precisa ou dispersal-a-iam auando seu dever consagral-a toda num nico propsito: subir. Podero objectar que o aprendiz de Presidente deve ser fcil

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na palavra, fazer discursos, ctar autores polticos e celebridades financeiras, para o que precisa leitura. Para tudo isso, porm, os gastos da carreira no exigem o manuseio de grandes obras e o commercio de tratadtstas em vigor. Bastar o emprego da sabedoria commum sem abandonar a leitura constante dos jornaes e das revistas vulgares. Uma vez ou outra, entretanto, conveniente conversar com os malucos que estudam a vida inteira ou ler-lhes apressadamente as maluquices que escrevem. O principal e mais fecundo ideal do poltico no querer fazer nada de til aos outros e tratar unicamente de si, da sua' fortuna pessoal e da famlia. No quer isto dizer que no propugne a execuo de obra de utilidade geral. Ahi, porm, ha os seus conformes. Se fr vereador de uma villa qualquer, trabalhar para a substituio de um pontilho de madeira que ha na estrada do Itahy, por um outro mais solido de alvenaria. Quando o melhoramento se inaugurar promover uma festana: arcos de bambus, foguetes, gyrandolas, beno do vigrio, discur sos, noticias nos jornalecos locaes e rfbs da capital e o barulho da philarmonica local. Entretanto, no cargo de deputado estadoal, os projectos devem ser mais platnicos e incuos, revestindo-os porm, de uma feio de grandeza e de fecundo em resultados prticos. Por exemplo: autorizar o governo a mandar ao logarejo em que foi promotor ou clinicou, uma eommisso para estudar as jazidas de cobre que l existem. A commisso ir occupar commodos nos hotis, namorar as bellezas locaes, empregar uns camaradas indgenas, far uns buracos, apresentar um relatrio succulento que ter uma grande repercusso. Os matutos esperaro muito tempo a inaugurao da explorao em regra que nunca tero inicio; mas sempre falaro na boa vontade do doutor para obter a prosperidade do municpio. A sua influencia na comarca ficar solidificada e os que a tiverem em outras limitrophes, procuraro a sua amizade e entendimento poltico, de modo que, em breve, poder elle ser deputado federal. E' nesta parte da vida publica que se decidir a sua asceno final ao Cattete. Tenho observado que til ao deputado, no interesse de sua carreira, no procurar fazer figura no inicio de sua deptao. Deve evitar dar muito na vista e ter opinies sobre qualquer assumpto. O bom deputado no deve ter opinio sobre cousa alguma, para poder ter toda aquella que fr do agrado dos chefes. Dando na vista e effectuando opinies suas, parecer a estes que o novo parlamentar que se emancipar delles ou mesmo dominal-os ou darlhes o tombo. A prudncia e a segurana na sua escalada ao poder, pede que elle receba com o maior acatamento e venerao as ordens, as idas e as opinies dos Zs Bezerras ou Pires Ferreiras. Dessa massa que se fazem os "leaders" das bancadas e saem quelles deputados que tm as boas graas dos governos. E' preciso no esquecer que a Cmara uma media, alm de ser uma

90 "multido"; e quem, nella est ou faz parte, perde muito de prprio e ganha muito pouco. O deputado novato que se guiar por essas observaes e tivel-as sempre em mira como principio de sua conducta politica, no ser "leader" na primeira legislatura, mas na segunda sel-o- e a sua carreira no parlamento estar feita. E' preciso, porm, ter os olhos voltados para um Ministrio, por isso elle no se deixar annullar. Convm que o seu nome saia nos jornaes, para isso deve cultivar a amisade dos jornalistas de todas as opinies do momento, desde os famosos at os mais obscuros. Procure mesmo que os rapazes dos jornaes o trocem. Troado no Rio de Janeiro, celebre em Santa Ephigenia do Roncador. De quando em quando, o nosso futuro presidente deve affirmar a necessidade imperiosa de tratarmos do desenvolvimento da industria pecuria e do fortalecimento da federao nacional, no permittindo a deturpao do regimen. Tudo isto muito vagamente, sem tocar de frente no assumpto. Ha, porm, um escolho na vida do poltico que tenciona chegar Presidncia: o casamento. Um homem hbil que quer guindar-se s alturas polticas, deve ter muito cuidado com a escolha de sua esposa. Trs espcies de casamento podemos estabelecer, para facilidade do nosso estudo: o de fortuna, o de interesse e o primitivo, o natural. O de amor no se conta, pois esse negocio, dizem os entendidos, s encontrado fora do matrimnio. Vejamos quaes so os caractersticos das espcies e qual a que til ao poltico. O de fortuna aquelle em que o cidado procura na mulher o dinheiro, pois raro que a mulher procure no homem a mesma cousa, deixando tal propsito para mais tarde, independente do marido. Justia seja feita ! O de interesse aquelle em que o cidado enxerga na mulher pelo seu nascimento ou por suas relaes de famlia, um bom meio de subir e brilhar. As mulheres, procuram, s vezes, a ultima cousa nos maridos. Quanto terceira, o nome est dizendo o que ; e no preciso lembrar cousas da poca das cavernas, para explical-a melhor. Casamentos desta natureza so, em raros casos, almejados pelos homens; mas, sempre, petas mulheres. Coitadas ! Nenhuma destas espcies de casamentos convm ao poltico que tem os olhos voltados para o Cattete. O de dinheiro bom, se a mulher completamente idiota. E' fcil encontrar um homem idiota, mas uma mulher muito difficil; fcil, em compensao, encontrar um homem intelligente; mas uma mulher muito difficil. A mulher rica que no idiota, o que quer dominar o homem, por isso compra-o. No o deixar com a liberdade de movimentos necessrios ao poltico de grandes remigios. No. permittir que afague os chefes influentes e as respectivas famlias, pois leva a serio as suas fumaas de nobreza de armazm... Tudo

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isto trar difficuldades na asceno da carreira que ella no sentir necessria, porque tem o dinheiro "delia" que ser o dos filhos. ELLE que lhe fique s sopas.. i O de interesse no dar resultados, porquanto os primeiros passos que tem de dar o poltico, s pde ser em logarejos longnquos; e se ahi casar-se para ser vereador, talvez, no mximo, consiga ser deputado estadoal, no tendo o sogro e os seus parentes valimento para leval-o mais longe. E' melhor no passar nunca dos namoros sem conseqncias e estabelecer com elles os degros de sua escada. O primitivo trar a carga pesada da matrona e dos filhos, que se succedero quasi de anno em anno, tolhendo-lhe os movimentos e obrigando-o, por decncia, morrinha ennervante do lar. Um poltico que comea, deve viajar no seu caminho aligeirado de cargas e trambolhos moraes, materiaes, sociaes e familircs De resto, as mulheres adequadas s duas ultimas espcies de. casamentos, so fceis de contentar. So pouco motrizes, ou nada ! Qualquer uma dellas est contente, em ser segunda, no em Roma, mas em qualquer aldeia. A rica poder ser mais motriz mas no o . O seu ideal o dinheiro, figurar em uma grande cidade e um deputado pde fazer uma cousa ou outra, sem deixar a Cmara pensa ella. Fal-o estagnar Uma e outra. No convindo nenhuma mulher dessas trs espcies, o poltico deve encontrar a sua em casamento mais complexo, de natureza muito especial, no esquecendo nunca de ter em vista estes dous princpios que devem guiar a sua vida: a) Fazer fortuna; b) No ter nenhum propsito de beneficiar a communnao geral. , ., No Brasil, observo (no se esqueam que e o Alamiro que fala) que os polticos, se bem que se guiem por estes dous vitaes princpios, no chegam nunca ao pice da gloria de sua carreira, para felicidade delles e para nos dar um espectaculo soberbo da energia humana. Attribuo isto aos seus casamentos desastrosos e indecentemente bacharelescos e burguezes. Quasi sempre com eiles afasta de si quasi todas as "chances de subir bem alto e dominar completamente. Se casam ricos, causam inveja; se casam pelo imprio da natureza, so olhados como mendigos que precisam de bons empregos para manter a mulher e os filhos. O casamento que convm a um poltico de longo curso, deve ser feito como o de Napoleo com a viuva Beauharnais, a Rose do Directorio, que ser mais tarde a Imperatriz Josephina. Elles, os polticos, devem, como Bonaparte procurar, nesse negocio de casamento, antes "trouver 1'amuor tout fait que 1 amour a faire . Entendam bem. Rose, na sua atroz e dourada misria, julgava que o corso tinha dinheiro, vista dos ricos presentes que lhe offerecia- e Napoleo necessitava delta, ja por suppol-a com al-

92 guma fortuna n a . . . Martinica, j pelos seus victoriosos e infalliveis prestimos junto aos poderosos do dia. Todos os dous precisavam de dinheiro e um esperava encontral-o com o auxilio do outro. Conta Barras, nas suas "Memrias", ento todo poderoso Director da Republica Franceza, que Bonaparte lhe dissera: "les femmes sont bonnes quelque chose en ce monde; elles sont plus serviables que les hommes". E* preciso, como Napoleo, para afastar os obstculos de uma grande carreira, arranjar uma mulher "serviable" como Josephina, que o foi generosamente para Hoche, generosamente para a ordenana deste e generosamente para "er tutti quanti", como diz Barras. As mulheres desta espcie tm os predicados de educao das ricas, com a superioridade de tel-a feito objectivamente na vida; tm as vantagens das mulheres que, pelas suas relaes, podem fazer subir o marido; tm as qualidades requintadas das mulheres primitivas, sem o trambolho dos filhos. Sabem escamoteal-os... Demais, possuem a ambio, no lhe dando limite algum; conhecem toda a espcie de homens de alto a baixo, sabendo como ferir) um por um, na sua corda sensvel; e, finalmente, unem-se commercialmente na esperana de lucro avultado, que cada um por si no poderia obter. So motrizes e operatrizes, para resumir afinal. O destino do general Buonaparte, que at ali era um generai de rua, uma espcie de delegado de policia agaloado, e no conseguira obter um commando em chefe, uma commissb importante apezar de todo o empenho de Barras, vae mudar, logo que conhece a Rose do Directorio. Trata casamento com a faiscante viuva do general Beauharnais, trouxe-a a conferenciar com Barras num gabinete secreto, espera-a na ante-sala; o Director no deixa o manto nas mos da futura Imperatriz e est o nosso homem no caminho do dominio poltico, da fortuna, e, por quebra da gloria. Eil-o feito general em chefe, tendo vencido a desconfiana jacobina do honesto Carnot. Na vspera do seu embarque para assumir o commando do exercito da Itlia, custa da Republica Franceza, enche de dinheiro, de moblias, de cavallos, de carruagens, a sua esposa "qui", conta ainda Barras, "des longtemps exerce ce genre de metier, savait faire de 1'argent". Os nossos principiantes polticos no devem esquecer que Buonaparte nasceu na maior misria; que sua me e irms, quando elle andava no exercito, em cargos subalternos^ viveram em Marselha e outros logares, da caridade publica e privada; e que, afinal, elle veiu a passear a cavallo a Europa toda, como vencedor, e ainda hoje atormenta o mundo e acclamado como grande general e extraordinrio poltico. Quando Alamiro me disse isto, olhou, um por um, os retratos e quadros de sua modesta bibliotheca e me disse:

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No admiro Napoleo; um typo negativo, theatral e grosseiro. E' da espcie de theatro dos grandes lances, dos berros e grandes gestos. Dos typos negativos, o que admiro, aquelle. Apontou um busto em gesso que havia entre duas estantes. Perguntei: Quem ? E' o imperador Juliano. E' o mais puro dos negadores; aquelle que soube, sem baixezas ignbeis, discretamente, modelar a sua vida no seu ideal. "Venceste, Gallileu !" Que se ha de fazer ? Depois accrescentou: Admiro, entretanto, muito Josephina. Vou mandar pr no quadro a reproduco, em heliogravura, do seu retrato por Isabey. Este dialogo talvez nada adiante aos politicos,- mas um ensinamento ainda surge delle: procurem a sua Josephina !

So capazes de tudo . . .
E quando ouvirdes falar de guerras, e de tumultos, no vos assusteis: estas cousas sim devem succeder primeiro, mas no ser logo o fim. S. LUCAS.

Felizmente, agora pde-se falar com certa liberdade da guerra que findou, sem incorrer nas iras do governo nem provocar as censuras do patriotismo ardente do Sr. Joo Lage. Temi sempre as primeiras e nunca quiz que, clara ou tacitamente, o Sr. Joo Lage do Charuto, pela bocca alcidtca dos seus . socilogos contractados, fosse levado a lanar-me a excommunho maior do alto do seu sono de papa do patriotismo brasileiro. Nunca fui patriota; mas, para a segurana da minha vida e ter a liberdade que ainda os magnatas concedem a todos, de andar pelas ruas da cidade, durante os quatro- annos de guerra, se no fiz alarde de um patriotismo falso, nada disse que pudesse melindrar os iniciados nax religio da ptria que officiam no casaro da rua Larga ou nas columnas dos jornaes. No comeo da contenda europa, dei a minha adheso Liga pelos Alliados; mas, desde que ella desandou, aproveitando-se da simplicidade de muitos e da cumplicidade de alguns, em escriptorio de annuncios de carnes frigorificadas, e outros gneros de primeira necessidade, julguei do meu dever no dar mais nenhuma palavra de apoio a semelhante instituio que, quando no era quarta pagina de jornal, se transformava em sociedade musical e dansante ou em club dramtico, recreativo e literrio. No sendo patriota, querendo mesmo o enfraquecimento do sentimento de ptria, sentimento exclusivista e mesmo aggressivo, para permittir o fortalecimento de um maior que abrangesse, com a Terra, toda a espcie humana, desejei muito a derrota da Allemanh, que, sempre retardada politicamente, era ainda a regio do globo, onde a superstio patritica se havia quintessenciado com umapparelho guerreiro levado mxima perfeio, graas s caractersticas do povo e s aptides do seu pensamento para as pesquizas especialisadas e demorados trabalhos que exigem pacincia ria intelligencia. . , . \ A queda da Allemanha representava para mim um golpe dado no "patriotismo" que, tendo sido um sentimento fecundo em outras

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pocas, hoje no era mais do que um instrumento nas mos dos burguezes para dominar as massas e explorar toda a terra em seu proveito, matando a rodo com outras mos, saqueando, acumulando riquezas como nunca tyranno asitico poude ter. Julgava, ento, que os adversrios da Allemanha no se deixassem explorar pelos corvos da finana, da industria edo commercio, mas, bem cedo vi que me enganava. O prprio Brasil que, por prudncia, se devia ter mantido neutro na contenda, embebedou-se com discurseiras, deixou a sua philosophia bonancheirona de matuto e metteu-se na guerra para tomar os navios mercantes allemes, passal-os a outras mos, vender caf, afim de dar lucros e commisses avultadas a certos espertalhes fartos que chamam todos os mais de vagabundos. De mais, podia continuar a dar o insignificante apoio do meu nome a uma associao, a tal Liga, quando os Estados Unidos da America do Norte entraram na guerra, com aquella arrogncia e ares de mata-mouros que lhes so prprios. Desprezando, por- ora, todas as razes de ordem pessoal que , julgo sinceramente e perfeitamente legitimas, os meus motivos para detestar semelhante paiz eram os mesmos que eu tinha para querer o anniquilamento poltico da Allemanha. A sua vaidade patritica, os seus processos cavilosos e duplices com os-mais fracos, o seu amor ao "Kolossal", a sua estpida concepo de domnio poltico ao geito do defunto Imprio Romano, a seus olhos, faziam da republica de Washington um equivalente americano da Germania de Bismarck. A guerra, com entrada delles, deixava de ter para mim a significao de um immenso sacrifcio doloroso para attingirmos tempos melhores, passando a ser uma guerra como todas as outras. O Brasil, ento, como sempre o*" Brasil republicano, tratou logo de desmanchar-se em zumbaias covardes megatherica organizao politica do norte do continente. Quebrou a sua neutralidade, sem nenhuma justificativa, em favor dos americanos e do seu almirante Caperton, que, segundo a "Revista Americana", possue na Marinha dos Estados Unidos, a triste especialidade de interventor nas nossas pobres republicas mais ou menos escuras. Em seguida, sempre a reboque da America do Norte, declarou guerra Allemanha, tomou-lhes os navios mercantes, e t c , e t c ; e no arranjou dinheiro. Falo sem temor, dessas cousas da politica internacional porque conheo o estofo dos pedantes que a querem fazer cousa transcendente. Elles o que pretendem, tapar o sol com uma peneira; e, nesse caso dos Estados Unidos, disfarar a sua falta de hombridade, de decoro, de vergonha, de orgulho, com um palavreado oco e parlapato. No ha livros verdes ou de todas as cores do arcoi iris que possam negar a triste e ignominiosa verdade de que o Brasil e est sendo caudatario desavergonhado da America do Norte. Nunca foi dos nossos hbitos administrativos dar essas denominaes coloridas aos nossos relatrios ministeriaes; mas, desde que

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o sr. Rio Branco, ou Silva Paranhos metteu-se no Itamaraty, o Brasil se "endomingou", tomou attitudes escolhidas, assim como o copeiro do meu estimavel confrade Ataulpho de Paiva faz, com o auxilio das roupas que lhe d o desembargador, quando vae vr as crioulas, no.circo, pelas tardes dos dias de seu descano semanal. J disse Ruy Barbosa que no certo chamar chanceller o Ministro do Exterior. Consultei eu diccionarios e fiquei convencido de que ha nisso grande bobagem. O Itamaraty, porm, nada enxerga dentro do Brasil, nem mesmo as cousas elementares da Hngua que deve faltar.. Elle faz e desfaz "As diplomacias da Lua e bem possvel que o tal livro verde seja simplesmente pardo. No , porm, occasio para analysar as cousas do antigo palcio do Menino de Ouro, com o sr. Domicio da Gama, o das ''Meias Tintas", ou sem. elle. E' assumpto para mais tarde, tanto mais que ainda no lhes disse a que vieram essas consideraes. Li ha dias que, numa cidade extrema do Norte, a sua populao, como prova de reprovao ao acto do governo no nomeando Ruy Barbosa para a Conferncia de Versailles, organisou uma procisso de desagravo em que figuravam o retrato desse eminente homem publico nacional, do Marechal Foch (est faltando o d e de) de Wilson. No tenho nada a reparar que os meus concidados de to longnquas paragens, tenham em grande conta os dous primeiros homens; mas o terceiro por qu? Ns, os brasileiros, temos muito poucas informaes do que e a politica dos Estados Unidos. Suppomos que Wilson seja assim um homem do "Poder da Vontade" que chegou at^ a posio em que est, pelo seu nico esforo. Em outros paizes, possvel isto; porm, nos Estados Unidos, mais do que em nenhum outro, a cousa impossvel. A politica l negocio e os representantes polticos da nao, se no so homens de negocio, representam taes homens. Uma eleio custa fortunas e s syndicatos de argentarios podem custeal-as. Wilson ou outro qualquer, quando fala bonito do alto daquelle Capitolio-Pelle Vermelha, representa um "trust" financeiro ou quer que seja, e julga os interesses do mundo atravez do prisma dos interesses desse "trust". No ha nada de ideolgico nas suas palavras, ou melhor, nas suas intenes. Elle doura a plula unicamente e todo actual e intresseiro como os vendedores de pomada viennense, alli, na rua do Ouvidor. Certamente, tendo taes intuitos de "reclame" hterano, os polticos negocistas americanos no iriam pr na Casa Branca um ajeito que no soubesse perorar, que no conhecesse a arte de enfeitar logares communs e fosse dizer aos seus patrcios e aos estrangeiros que o que elles querem ganhar dinheiro enfraquecer os o^ros povos e sangral-os. Procuram um bom discursador porque, apezar de sermos um paiz de oradores, os americanos praiicos, mais do que ns outros, do tudo por um discursosinho. Wilson, portanto, deitando essas discurseiras ph.lantropicas pelo mundo no est seno fazendo propaganda de alguma marca

98 de machinas de escrever ou preparando terreno para augmentar o territrio do seu paiz. , E' dos nossos dias os generosos propsitos 'yankees com relao a Cuba. Vimos como a America do Norte promoveu traioeiramente a guerra com a Hespanha; vimos como ella a derrotou; vimos como se apoderou de Porto Rico e das Philippinas; e estamos vendo o que a independncia de Cuba! E o Hawai? Ns, porm, nos julgamos privilegiados e immunes de semelhantes favores. Batemos palmas aos americanos, damos-lhes bailes, emquanto elles no nos offerecem mais bellos, mais grandiosos e estrambolicos, em palcios pharaonicos que ho de construir nos nossos recantos pittorescos ou nos fazem descer dos bondes de 1* classe. Paiz feliz.,. Eduardo Prado, escreveu documentadamente a "Illuso Americana". Floriano apprehendeu-lhe a primeira edio, visando "interpr-se entre o escriptor e o seu escasso publico". No foi elle que se interpz. Foi a tolice nacional, a falta de viso de todos ns, a incapacidade de fazermos um julgamento por ns mesmos e a necessidade de irmos buscal-os nos nossos grandes jornaes sem sinceridade e independncia. Se lssemos os autores corajosos, sinceros e honestos, veriamos bem que os processos polticos dos Estados Unidos so os mais ignbeis possveis; que elle tem por todos ns um desprezo rancoroso e humilhante; que quando falam em liberdade, em paz e outras cousas bonitas, porque premeditam alguma ladroeira ou oppresso. Menos cavalheiros que a Allemanha, enchem-se de disfarces. .. Para finalizar, vale a pena lembrar a guerra do Mxico, no esquecendo que os Estados Unidos se oppuzeram officialmente, durante muito tempo, que a Hespanha fizesse a emancipao da escravatura em Cuba. Sobre a guerra do Mxico, diz Eduardo Prado, na sua "Illuso Americana": A m f do governo de Washington comeou com a questo do Texas. Fomentou quanto poude a revolta daquelle territrio, animando-o a separar-se do Mxico, para mais depressa absorvel-o, e depois declarou guerra ao Mxico, verdadeira guerra de conquista, humilhou aquella republica at ao extremo e arrebatoulhe a metade do seu territrio. O' fraternidade. Q que, entretanto Eduardo Prado^no diz mas se pde lr nos "E'tudes morales et politiques", de E. Laboulaye, o verdadeiro fito dessa guerra criminosa. Os Estados do Sul dos Estados Unidos, esoravagistas, temendo perder a maioria que tinham no Senado Americano, fomentaram a insurreio do Texas que foi afinal annexado aos E. Unidos, dividido em Estados, dando estes ao Senado representantes perfeitamente escravocratas. No havia, portanto, perigo de passar nenhuma lei que acalbasse com a escravido; mas, que no contentes com isso, conseguiram que a Unio declarasse a guerra, para obter mais territrios e, vencedores, restabeleceram a escravido, onde o governo do pobre Mxico j a tinha abolido desde muito. Eis ahi o que foi a guerra do Mxico.

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Parece incrvel; mas no e nem parecer sel-o quando se sabe que os "socilogos" americanos daquellas pocas, foram buscar no Novo Testamento base para justificar a' escravido. Sabem onde? Na tocante epstola de S. Paulo a Philemon. Elles so capazes de tudo... 6 1 19.

Sobre o maximalismo
Em 11 de maio do anno passado, na revista "A B C", desta cidade, na qual durante muito tempo collaborei, tive occasio de publicar um longo artigo "No ajuste de contas" que as bondosas pessoas que o leram, taxaram-n'o logo de manifesto maximalista. O artigo no tinha esse pomposo intuito, mas, sendo tomado por tal, deixei que elle assim corresse mundo e fui desde logO classificado e apontado como maximalista. Quando houve o motim de 18 de novembro, estava no Hospital .Central do Exercito, havia perto de 15 dias; mas, assim-mesmo, espantei-me que o trepofismo da rua da Relao no quizesse ouvir-me a respeito. Desde esse artigo, muito de longe, tenho tocado nesta questo de maximalismo; mas, lendo na excellente "Revista do Brasil", de S. Paulo, o resumo de uma conferncia do eminente socilogo argentino, sr. dr. Jos Ingenieros, lmbrou-me voltar carga, tanto mais que os nossos sabiches no tm nem uma espcie de argumento para contrapor aos apresentados pelos que tm meditado sobre as questes sociaes e vem na revoluo russa, uma das mais "originaes e profundas que se tem verificado nas sociedades humanas. Os doutores da burguezia limitam-se a acoimar Lenine, Trotsky e seus companheiros de vendidos aos allemes. Ha por ahi uns burguesinhos muito tolos e super ficiaes, porm, que querem ir alm disto; mas, cuja sciencia histrica, phlosophica e cuja sociologia s lhes fornecem como bombas exterminadoras dos ideaes russos a grande questo de tomar banho e a de usar collarinho limpo. Estes meninotes, "ad instar" Ea de Queiroz, repisam essas bobagens com ares petronescos de romanos da- decadncia que jantam no Novo Democrata, faltando-lhes at um bocadinho de energia viril para arranjar um emprego nos Correios. Os ricaosinhos que lhes repetem as sandices, esquecem-se que quando os pes andavam nos fundos dos armazns e dos trapicles, a trabalhar como mouros para conseguir as fortunas que elles agora nem as gosar sabem, mal tinham elles tempo para lavar o rosto, pela manh, e, noite, os ps, para deitarem-se. Foi a custa desse esforo- e dessa abnegao dos pes, que esse petroniosinhos agora obtiveram cio para bordar vagabundamente ai-

102 mofadinhas, em Petropolis, ao lado de meninas deliquescentes. Her-. cules caricatos aos ps de Omphales chloroticas e obinnas. A argumentao dessa espcie de insectos apteros, cujos costumes e intelligencia esto espera de um Fabre para serem, estudados, convenientemente, dai bem a medida da mentalidade delles. Os que so ricos, de facto, e quelles que se querem fazer ricos, custa de um proxenetismo familiar qualquer, sentindo-se ameaados pelo maximalismo, e tendo por adversrios homens illustrados, lidos, capazes de discusso, deviam se tivessem um pingo de massa cinzenta no' crebro, procurar esmagar os seus inimigos com argumentos verdadeiramente scientificos e hauridos nas sciencias sociaes. No fazem tal, entretanto; e cifram-se em repetir "blagues" do Ea e coisas do popular "Quo Vadis". "Non ragioniam di lor, ma guarda e passa"... Deixemol-os, portanto; mas o mesmo se pde fazer com o articulista de fundo do "O Paiz", que toda a gente sabe ser o sr. Azevedo Amaral. Este senhor, de uma hora para outra, adquiriu, nos centros literrios e jornalsticos do Rio de Janeiro, uma autoridade extraordinria sobre essas questes sociaes. No quero negar-lhe o valor; ella, a autoridade, era justa at certo ponto; mas vae se tornando insolente, devido ao exaggero dos administradores e sycophantas da illustrao do sr. Azevedo Amaral. O sr. Azevedo Amaral hoje o assessor illustrado do sr. Joo Lage, no "O Paiz"; o seu consultor para as cousas de alta intelectualidade, que demandam leituras demoradas, o que o sr. Lage no pde fazer, pois anda sempre atrapalhado com interminveis partidas nocturns de "poker" e, de dia, com as suas manobras do gnero jornalstico, nacional e estrangeiro. E' o sr. Amaral quem fala pelo sr. Souza Lage, a respeito da grande politica, das questes econmicas e sociaes; e fala com a segurana de sua fama, com a irresponsabilidade do anonymato e com o desdm pelos seus provveis contradictores que s o podem atacar, pelas pequenas revistas e jornaes obscuros aos quaes ningum d importncia. O sr. Amaral escreve no "O Paiz", rgo da burguezia rica do Rio de Janeiro, do Banco Ultramarino, do Teixeira Borges, que4 est sempre a navegar de conserva com as nossas esquadras, do Souto Maior & C , do visconde de Moraes, etc.; e, sendo todos os grandes jornaes mais ou menos isso, isto , rgos de fraces da burguezia rica, da industria, do commercio, da politica ou da administrao, bem de ver que um artigo maximalista no ter publicidade em nenhum delles. Dessa frma, pde o sr. Amaraf dizer o que quizer, impunemente, sem arriscarse a polemicas que lhe arranhem a reputao literria. E' invencvel e invulnervel. Quando, em 22 de novembro de 1918, elle disse que Jean Jacques Rousseau era anarchista ou que o anarchismo tinha origem na "philosophia sentimental e chorosa" (chapa n. 1.783) do autor do "Contrato Social", eu, dias depois, pela revista "A B C", emprazei-o a demonstrar tal cousa.

103 Habituado, sempre que posso, a ir s fontes, nunca tinha encontrado, na leitura das obras de Rousseau, semelhante espirito, nem mesmo a mais tnue tendncia para o anarchismo. Rousseau, ao contrario, um crente da Legislao e do Estado, que organiza como uma machina poderosa, para triturar o individuo, cujas actividades de toda a ordem devem ser marcadas por leis draconianas. Jean Jacques, como toda a gente sabe, era um grande admirador do despotismo do Estado, existente em Sparta. a que houve de facto ou a que est nas vidas dos seus heroes, Lycurgo, Agesilo, e t c , contadas por Plutarcho. Houve at quem dissesse que era um duro Calvino leigo. Como esse seu espirito est longe do anarchismo! No "Contrat Sociel", liv. I I . Cap. VII, tratando "Do Legislador", elle diz textualmente: "II faut, en une mot, qu' (o legislador) te Vhomme ses forces propres, etc; e no perodo seguinte: "Plus ces forces naturelles sont mortes et ananties, plus aussi l'instituition est solide et parfaite: en sorte que si choque1 citoyen n'est rien, ne peut rien que par tous les outres, et que Ia* force acquise par le tout soit gale ou superiewe Ia somme des forces naturelles de tous les individus, on peut dire que Ia legis-> lation est ou plus haut point de perfection qu'elle puisse atteindre". Esto nestas palavras suas consubstanciado o ideal do autor das "Confessitions", no tocante politica. Elle um crente na efficacia^do Estado e da Legislao; e no ha autor anarchista que seja capaz de subscrever taes palavras. No ha um, e com razo, que no negue o Estado e duvide da efficacia da Legislao. Em geraj, o que o anarchismo quer, soltar os homens, deixal-os agir livremente, sem leis, nem regulamentos, ou pas legaes'quaesquer, para que, pela livre e autonomica aco de cada uma das foras individuaes, em virtude da sympathia que nos solicita, uns para os outros, se obtenha naturalmente o equilbrio de todas as foras e actividades humanas. Como ento que o sr. Amaral, socilogo "ad-hoc" do sr. Joo Lage e do capitalismo cynico de que este rgo, escreve um trecho como este? Vejam s: "A esse ideal novo de fora, de aco e de trabalho, o anar* chismo, reftectindo os ltimos vestgios da philosophia sentimental e chorosa do autor do "Contrato Social", vem de oppr a utopia desviriUzada de um mundo, enervado pela suppresso da luta e da. concorrncia que elimina os fracos e os incapazes, de uma terra, adormecida na placidez estril do nirvana da preguia universal." Esse "novo ideal" era de fazer rir; e o "nirvana da preguia" merecia commentarios. Deixo-os para outra occasio. O meu fito, relembrando estas cousas aqui, notar a estolida preteno dos famosos jornalistas daqui deste meu Rio de Janeiro. O sr. Amaral doutor, guindou-se aos grandes jornaes, onde tem tido posies da admirao estulta dos redactores autorizados e dos reporters de policia e julga-se por isso com bastantes ttulos, para nao defender as solemnes affirmaes que faz, por escripto publ^o e razo. Eu sei que elle avana para no me responder, lenho em

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muita boa conta o seu espirito, para no acreditar que me desdenhe por no ser eu formado. Quando s. s. andava pela Escola de Medicina, sabe bem o doutor Amaral que eu veraneava pela Escola Polythechnica; e se no me formei, honesta ou deshonestamente, foi porque no quiz. No razo para o seu espirito, estou certo disso, mas, ha de pezar um pouco, devido s influencias ambientes; e mais ainda: dado o meio em que vive, de pequenas invejas e rancores, de censuras pharisiacas e virtudes tartufescas. S. s. convenceu-se de que no devia dar-me trla porque eu bebo e escrevi em uma revista que no era, e no , de todo obscura. Se fosse em um jornal... O sr. Azevedo Amaral, por contagio, adquiriu aquella molstia da nossa reportagem que s julga cousa importante e intelligente o que se nos nossos grandes jornaes de noticias policiaes. E' de admirar, porque, em geral, embora seja admittido o contrario, o homem superior no se adapta. Lembrei tudo isto, porquanto tendo ha quasi um anno, como j disse, deitado uma espcie de manifesto maximalista, estou na obrigao e me julgo sempre obrigado a seguir o que aqui se disser a respeito dos ideaes da revoluo russa em que me baseei naquelle meu escripto. Digo ideaes e no as formulas e medidas especiaes, porquanto, desde o comeo, tinha visto que ellas no podiam ser as mesmas em todos os paizes. O sr. Ingenieros, muito mais sbio nessas cousas do que eu, e muito mais experimentado nellas, assim definiu o maximalismo: a inspirao de Realizar o mximo de reformas possveis dentro de cada sociedade, tendo em conta as suas condies particulares. E' o que se pde lr no numero aa "Revista do Brasil", de S. Paulo, a que j alludi, e no qual mais adeante elle esclarece o seu pensamento, mostrando como na Rssia necessria a nacionalisao dos immensos latifndios que esto em mos de particulares, mas que tal medida, na Blgica ou na Suissa, no teria razo de ser, porquanto nestes dous ltimos paizes, a propriedade agrcola est j muito subdividida nas mos dos mesmos que trabalham. No meu artigo "No ajuste de contas" inspirado nas vagas cousas sobre a "Revoluo russa", de que tinha noticia, eu pedia que se puzesse em pratica quatro medidas principaes: a) suppresso da divida interna, isto , cessar de vez, o pagamento de juros de aplices, com o qual gastamos annualmente cerca de 50 mil contos; b) confiscao dos bens das ordens religiosas, sobretudo as militantes; c) extinco de direito de testar; as fortunas, por morte dos seus detentores, voltavam para a communho; d) estabelecimento do divorcio completo (os juristas tm um nome latino para isto) e summario, mesmo que um dos cnjuges allegasse amor por terceiro ou terceira. Este artigo que os raros leitores meus chamaram de maximalista, justificava todas essas quatro medidas radicaes e indicava ligeiramente outras. No quiz, porm, tratar do problema agrrio nacional que um dos mais prementes.

105 No numero passado desta revista, comtudo, dando noticia de um oppusculo de Monteiro Lobato, eu disse o que pensava a tal respeito. O folheto do autor de "Urups" tratava do saneamento das zonas sertanejas e ruraes do Brasil, nestas ultimas, j agora, devemos incluir tambm os subrbios e freguezias roceiras do Municpio do Rio de Janeiro (custa-me muito escrever Districto Federal). Quando se agitou essa questo aqui, no julguei que 9S seus propugna dores exaggerassem. Achei somente que elles encaravam o problema no ponto de vista estreitamente medico; e no pezavam bem as outras faces da questo, parecendo-me ento .que queriam estabelecer a dictadura dos doutores em medicina. A soluo do saneamento do interior do Brasil, no meu fraco entender, joga com muitos outros dados. Ha a parte de engenharia: dessecamento de pntanos, regularisao de cursos dgua, etc.; ha a parte social, no fazer desapparecer a fazenda, o latifndio, dividi-o e dar a prosperidade dos retalhos aos que effectivamente cultivam a terra; ha a parte econmica, consistindo em baratear a vida, os preos dos. vesturios, etc, cousa que pede um combate decisivo ao nosso capitalismo industrial e mercantil que enriquece doidamente, empobrecendo quasi todos; ha a de instruco e muitos outros que agora no me occorrem. Em resumo, porm, se pde dizer que todo o mal est no capitalismo, na insensibilidade moral da burguezia, na sua gamancia sem freio de espcie alguma, que s v na vida dinheiro, dinheiro, morra quem morrer, soffra quem soffrer. O caso typico desse malso estado de espirito com que o enriquecimento de S. Paulo infeccionou todo o Brasil de ganncia e avidez chrematistica, est nesse caso recente das louas baratas, da "loua do pobre", cujos impostos de entrada, de um segundo para outro segundo, afim de enriquecer um fabricante paulista, foram, na lei do oramento, augmentados cinco vezes mais. O deputado Nicanor do Nascimento, que est muito mais do que eu, habituado a lidar com essas questes de pauta, tarifas, impostos, e t c , mostrou, em um curioso artigo, no numero passado desta revista, como" esse proteccionismo nos empobrece, como nao, e no favorece o fisco de frma alguma. O que elle no disse, como essa monopolisao de salteadores, por intermdio das taxas alfandegrias, faz miserveis os pobres e os mdios; mas, deprehende-se perfeitamente do seu trabalho. Desejava muito que elle viesse tambm a tratar da iseno de direitos... Hei de ver... O escndalo das louas, dizia, teve a vantagem de mostrar ao publico os baixos das manobras de que se servem esses espertalhes para enriquecerem nababescamente. O caminho sorrateiro, para arranjar- a emenda, ficou claro e todos os que a guiaram pela estrada escura da "cavao" parlamentar, ignbil, srdida e sem entranhas, ficando desmascarados, tiveram que se denunciar denunciando os outros guias que a levaram ate o Senado da Republica E' esse o "trabalho" com que elles blasonam ter adquirido fortuna honradamente!... Que honra, Deus do co!

106 Com taes casos vista, cabe bem aos homens de c r a < ; a 0 de" sejar e appellar para uma convulso violenta que desthrone e dissolva de vez essa' "societas sceleris" de politicos, commerctantes, industriaes, prostitutas, jornalistas "ad-hoc", que nos saquam, nos esfaimam, emboscados atraz das leis republicanas. E' preciso, pois no ha outro meio de exterminal-a. Se a convulso no trouxer ao mundo o reino da felicidade, pelo menos substituir a camada podre, ruim, m, exploradora, sem ideal, sem gosto, perversa, sem intelligencia, inimiga do saber, desleal, vesga que nos governa, por uma outra, at agora recalcada, que vir com outras idas, com outra viso da vida, com outros sentimentos para com os homens, espulsando esses Shylocks que esto ahi, com os seus bancos, casas de penhores e umas trapalhadas financeiras, para engazopar o povo. A vida do homem e o progresso da humanidade pedem mais do que dinheiro, caixas fortes attestadas de moedas, casaces imbecis com lambequins vulgares. Pedem sonho, pedem arte, pedem cultura, pedem caridade, piedade, pedem amor, pedem felicidade; e esta, a no ser que se seja um burguez burro e intoxicado de ganncia, ningum pde ter, quando se v cercado da fome, da dr, da molstia, da misria de quasi toda uma grande populao. Os tolos a que alludij no comeo destas linhas, dizem que repellem o maximalismo, porquanto no podem admittir que, amanh, o seu criado lhes venha dar ordens. A razo supimpa de gentil socilogo fabricante de almofadinhas, em Petropolis ou no reino dos cos. Ser preciso lembrar-lhes, Santo Deus! que um dos aspectos que mais impressionam os pensadores estudiosos da Revoluo Franceza, ver de que frma tendo ella acabado ou expulsado a grande nobreza hereditria, a de espada, quasi exgottada de energias, e mesmo a de beca, deu occasio para surgir das mais humildes camadas da sociedade franceza, foras individuaes' portentosas e capacidades sem par de toda a ordem? Ser preciso?... Mas, repito: Non ragioniam di lor, ma guarda e passa... 1319.

Os uxoricidas e a Sociedade Brasileira


" . . . et je detest e 1'orgue qui vuei qu'on s'hpnore et q'on honore autrui, comme si quelqu'un dans Ia postrit d'Adam pouvait trouv digne d'honneur i" ANATOLE FRANCE "M. Jrme Coignard." Entre os livros que me legou, ao morrer, o meu saudoso amigo Gasto Soares, a quem chamvamos "Chamb", quando era elle servente da Escola Pelytechnica, veiu um muito curioso. E' edio da antiga casa Laemmert: e pelo typo, papel e outros pequenos indcios, deve ella ser de 1840 a 1850. Tem por titulo "Crimes espantosos" e, tendo eu um nico volume, o primeiro, no sei de quantos se compunha a obra. Como diz o seu titulo, o volume formado com a na.rro de vrios e extranhos crimes occorridos todos em Frana, pois o trabalho o que me esquecia de dizer uma traduco da lingua desse paiz para o portuguez. Em comeo, eu quiz desfazer-me do livro. Estava incompleta a obra; era evidentemente uma cousa de fancaria e no valia a pena figurar e occupar logar na minha modesta bibliotheca. Puzme. porm, a ler a traduco do Sr. desembargador Henrique Velloso d'01iveira, pois assim se chamava o traductor, e no mais quiz atirar fora a semi-secular publicao da defunta livraria Laemmert. Narrava ella muitos crimes, alguns curiosos, inesperados e inexplicveis, e outros de uma estupidez, de uma tal ferocidade, que me enchiam de pasmo haver homens que os commettessem. Na categoria ultima, estava o assassiniq de um filho pelo seu prprio pae. " Um tal Gilberto Augusto de Vandegre, nobre de quatro quarteires de nobreza, vivia apezar da sua authentica fidalguia a vida de um simples camponez, elle e a famlia, nos arredores de Riom, Puy-de-Dme, Auvergne. ' Casado com uma mulher de extracao obscura, todos os seus

108 filhos cresceram com os gostos, affeies, hbitos e uso,;dehumUdes camponezes. Um delles, o mais velho, Andr, ah pelos> trinta annos, muito naturalmente, veiu a apaixonar-se por uma rapariga alde, Maria Bourdu, ento criada de servir em casa de Gilberto Joamiet, "fermier" visinho dos Vandgres. Tratou de casar-se; os pes, porm, puzeram todos os obstculos, ja os que podiam con. a sua autoridade domestica, j os de natureza judiciaria e extrajudiciaria. A mais encarniada, contra a rapariga e o casamento, era a me; entretanto, como j lhes disse, a sua origem no era l muito superior de Maria Bourdu. Para encurtar razes: dias antes de realisar-se afinal o casamento, Andr foi morto a tiros pelo prprio pae. Por que isso ? Embora fidalgo e nobre, a vida que o filho levava era de simples camponez, de pequeno cultivador aldeo, os seus gostos deviam ser equivalentes vida que fnha; e, muito na turalmente, havia de affeioar-se por uma rapariga de seu mbito de existncia, que no podia, se no como elle, por excepo, ser nobre de nascimento. O pae mesmo j tinha dado exemplo semelhante com o seu matrimnio; mas, por que, ento, se oppunha e se oppoz at com to hediondo crime ao casamento do Andr ? Foi por causa da honra, a Honra feudal da nobreza de antanho. que via como um crime aquella "mssaliance". Naquella cabea dura, limitada e estpida, de nobre que se degradara em simples camponez, tinha sobrevivido a absoleta e cruel concepo de Honra dos tempos antigos dos cavalheiros e bares. Faltam-me elementos para affirmar que tudo que caractensou a' antiga nobreza, elle tivesse perdido, mas estou disposto a crer que sim. Entretanto, o facto de seu filho nobre, unicamente pelo lado paterno, vir a casar-se com uma criada de servir, apparecia-lhe no lusco-fusco da sua fidalguia crepuscular, eomo cousa horrenda, como uma ofensa aos seus foros de nobreza, a dissolverem-se em vulgar e plebeu camponez. A honra, como todas as concepes que tm guiado as sociedades passadas, inspira actualmente muitos crimes ou os desculpa, Essas concepes no devem ser totalmente varridas da nossa mentalidade; ha nellas muita cousa a aproveitar e as acquisies que nos trouxeram, no so de desprezar; mas devem ser empregadas com precauo para nos serem teis e nos servirem de modo a no entrar em conflicto com o nosso actual sentimento da vida. Ellas devem perder alguma cousa, em face de nossas idas contemporneas sobre o mundo e o homem. Pode algum hoje desculpar ou perdoar o infame e hediondo crime que acabo de narrar, em nome da Honra ? No. Entretanto, a literatura e a chronica esto cheias delles, e embellezados, quando acontecidos, nos tempos feudaes. Sabe-se bem a que torturas, cintos de castidade, e t c , e t c , soffriam as mulheres dos tempos dos castellos e "inanoirs", quando os seus brutaes maridos dellas se afastavam em expedies e guerras

109 longnquas. Tudo, em nome de que ? E' de rir. Em nome da Honra. Pde-se admittir isso actualmente ? No ha necessidade de responder... Uma das sobrevivencias nefastas dessa ida medieval, applicada nas relaes sexuaes entre o marido e a mulher, a tcita autorisao que a sociedade d ao marido de assassinar a esposa, quando adultera. No Brasil, ento fatal a sua absolvio, no jury. Eu mesmo j absolvi um destes matadores de sua prpria mulher e contei isto, com o pseudonymo de "Dr. Bogoloff", na "A Lanterna", em 28 de janeiro do anno passado. * Contei como o caso se deu, nas seguintes palavras que transcrevo,, por me parecerem opportunas: ; . "Dentre as muitas cousas engraadas que me tm acontecido, uma dellas ter sido jurado em mais de uma sesso. Da veneravel instituio, eu tenho notas que me animo qualifical-as, de judiciosas e, um dia, hei de publical-as. Antes de tudo, declaro que no tenho sobre o jury a opinio dos jornalistas honestssimos, nem tampouco a dos bacharis pedantes. Sou de opinio que a instituio deve ser mantida, ou, por outra, voltar ao que foi. A lei, pela sua generalidade mesmo, no pode prever taes ou quaes casos, os aspectos particulares de taes ou quaes crimes; e s um tribunal como o Jury, sem peias de praxistas, de autoridades jurdicas, de arestos, de commentadores trapalhes, etc, pode julgar com o critrio muito racional e concreto da vida que ns vivemos todos os dias, desprezando o rigor abstracto da lei e os preconceitos dos juristas. A massa dos jurados de uma mediocridade intellectual pasmosa, mas isto no depe contra o Jury, pois ns sabemos de que fora mental so a maioria dos nossos juizes togados. A burrice nacional, sobretudo no seu quinho parlamentar, julga que deviam ser os "formados" a compor unicamente o Jury. Ha nisto somente burrice, e s toneladas ! Nas muitas vezes em que servi no tribunal popular, tive como companheiros de conselho "doutores" de todas as matizes. Com raras excepes, todos elles eram excepcionalmente idiotas e os mais perfeitos eram os formados em direito. Quasi todos elles estavam no mesmo nivel mental que o Sr. Ramalho, official da Secretaria da Viao; que o Sr. S, escripturario da Intendencia; que o Sr. Guedes, contra-mestre do Arsenal de Guerra, e t c , e t c Podem objectar que esses doutores todos exerciam cargos burocrticos. E' um engano. Havia-os que ganhavam o seu po dentro das habilidades fornecidas pelo "canudo", e eram bem tapados. No ha paiz algum em que, tirando-se sprte os nomes de doze ou sete homens, dez ou cinco sejam intelligentes; e o Brasil, que tem os seus expoentes intellectuaes no Aloysio de Castro, no Hlio Lobo e no Miguel Calmon, no pode fazer excepao da O lury, porm, no negocio de intelligencia. O que exige de intelligencia muito pouco, est ao alcance de qualquer. O que
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se exige l independncia, coragem moral, fora de sentimento da vida e firmeza de caracter; e tudo isto nao ha "lata doutorai que d. Essas consideraes vm-me ao bico da penna, ao ler que o Jury, mais uma vez. absolveu um marido que matou a mulher, sob o pretexto de ser esta adultera. Eu julguei um crime destes e foi das primeiras vezes em que fui sorteado e acceito. O promotor era o Sr. Cesano Alvim, que j juiz de direito. O Sr. Cesario Alvim fez uma accusao das mais vehementes e perfeitas a que eu assisti no meu curso de jurado. O Sr. Evaristo de Moraes defendeu, empregando o seu processo predilecto de ler autores cujos livros elle leva para o Tribunal, e referir-se a documentos particulares que, da tribuna mostra aos jurados. A mediocridade de instruco e intelligencia dos juizes de facto e a sua falta de senso critico, fazem que fiquem elles impressionados com as "coisas de livro"; e o Dr. Evaristo sabe bem disto e nunca deixa de recorrer ao seu processo predilecto de defesa. Mas... Eu julguei um uxoricida. Entrei no Jury com reiterados pedidos de sua prpria me que me foi procurar por toda a parte. A minha firme opinio era condemnar o tal matador conjugai. Entretanto, a me... Durante a accusao fiquei determinado a mandal-o para o xilindr... Entretanto, a me... A defesa do Sr. Evaristo de Moraes no me abalou... Entretanto, a me... Indo para a sala secreta tomar caf, o despreso que um certo Rodrigues, campeo do ro, demonstrava por mim, irritandome, mais alicerou "a minha convico de que devia condemnar aquelle estpido marido... Entrefanto, a me... Acabando os debates, Rodrigues queria responder os quesitos, sem proceder a votao previa: "Vamos acabar com isto, dizia ell: sao quasi seis horas e a mulher est minha espera, para jantarmos". Protestei e disse que no assignaria as respostas, se assim procedessem, KOdrigues ficou attonito; os outros confabularam, em voz baixa, com elle Um veiu ter a mim, indagar se eu era casado. Disse-lhe que no e elle concluiu: " por isso; o senhor no sabe o que sao essas coisas". Tomem nota desta... Afinal, cedi. A me .. Absolvi o imbecil marido que lavou a sua "Honra", matando idiotamente uma pobre mulher que tinha todo o direito de no amal-o mais,_se o amou, porventura, algum dia, e amar um outro qualquer... EU ME ARREPENDO PROFUNDAMENTE.. Arrependi-me e me arrependo ainda hoje; e, desde ento, logo que se me offerece occasio, tenho verberado semelhante pratica, por isso que as constantes absolvies de uxoricidas do a entender que a sociedade nacional, por um dos seus mais legtimos rgos, a admitte como normal e necessria. No diria a verdade se no dissesse que assim . De alto a baixo, todos ns outorgamos esse direito de matar a mulher, que prevarica, direito cruel e estpido, ao marido infeliz. Vo j muitos annos que eu, de calaaria com Ary Foom, j fallecido, fomos ao necrotrio visitar o cadver de uma rapariga

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do conhecimento daqueUe meu infeliz camarada, cujo "maquereau", "por motivos de encontro de contas", conforme se suspeitou, a tinha assassinado e se suicidado em seguida, no interior de uma casa da rua de SanfAnna. O necrotrio era no largo da Batalha, e, ao redor, havia um povilo de lavadeiras, cozinheiras, de desgraadas reparigas na mais infima degradao social, e t c , etc. Pois bem: dos grupos de raparigas dessa natureza, s se ouvia a coodemnao da "rodeuse" assassinada que ellas julgavam casada com o seu assassino, e isto .em termos bem duros e crus, mas que eu posso pr aqui em mais tortezes: "Bem feito ! Porque etta foi enganar o marido !" Este facto muito me surprehendeu, a ponto de tomar delle notas mais desenvolvidas que ainda tenho nos meus papeis. Levado por esse espirito de crueldade, de inhumanidade em que entram erros de uma antiga e tola concepo da nossa natureza, no Jury da semana passada, quando foi julgado um uxoricida, o trabalho do promotor, o meu amigo Dr. Martins Costa, "consistiu na sua accusao ao ro, em tentar provar que a assassinada no era adultera. Admiro que o Dr. Martins Costa, uma intelligencia lcida, moderna, que j de ha. muito rompeu com esses preconceitos, da nossa pharisaica sociedade, fizesse tal cousa. No podia elle, em s conscincia, desculpar o assassinio da mulher, por ser ella adultera. No ha lei que tal autorise e ns, hoje os avanados, no podemos comprehender que tal cousa seja consagrada cem absolvies inquas, que desculpem o assassinio e animem outros. Estamos a toda a hora mudando; no s ns, como a prpria natureza. As variaes do nosso eu, de segundo para segundo, so insignificantes; mas em horas, j so palpveis; em mezs, j so ponderveis; e, em annos, so considerveis. No s o nosso corpo que muda; mas tambm o nosso espirito e o nosso pensamento. Que se dir, ento, no tocante s nossas inclinaes sentimentaes e, sobretudo, nesta parte to melindrosa de amor, no que se refere mulher ? Ento quando tudo muda, tudo varia, ella no pode nem deve variar, mudar, transformar-se, uma vez que parece ser a essncia da natureza inteira de que ns tambm fazemos parte, a mudana ? Por economia de esforo sentimental, por habito, petas acquisies que a marcha da sociedade tem trazido nossa "psych", somos levados insensivelmente monogamia e a viver durante a vida toda com uma nica mulher; mas no geral e no o pode ser por no ser o expontneo da nossa organisao. quer a physioogica, quer a psychologica. Esta ento que reage poderosamente sobre a mulher para leval-a ao adultrio. Em geral, na nossa sociedade burgueza, todo o casamento uma decepo. E', sobretudo, uma decepo para a mulher. A sua educao estreitamente familiar e viciada pelas bobagens da instruco das Dorothas (jesutas de saias) e outras religiosas; a estreite e monotomta de sua relao, numa nica classe de pessoas, as

112 vezes mesmo de uma s profisso, no do s moas que, commummente, se casam em verdes annos, critrio seguro para julgar os seus noivos, seno os exteriores da fortuna, ttulos, riqueza e um nome mais assim. Mas, quando elles se despem, um diante do outro: quando elles consumam o acto do casamento; a mulher ganha logo um outro sentido, muda no s de corpo, ancas, seios, olhar, _etc, mas de intelligencia e pode julgar ento, com muita penetrao, o que e vale o seu senhor para toda a vida. O menor defeito delle, devido ao sentimento da perpetuidae de sua submisso aquelle homem, amplia-se muito; e ella se aborrece, se sente longa vida que ainda tem que viver sem uma significao qualquer, sem sentido algum, sem alegria, sem prazer. O homem quando chega a esse semi-anniquilamento da Esperana, tem o lcool, a orgia, o deboche, para se atordoar; a mulher s tem o amor. Vae experimentar e, s vezes, feliz. Ns todos conhecemos esses casas irregulares que tm vivido longas vidas felizes; s vezes, porm, no e assassinada broncamente, sem o perdo dos parentes, das amigas, das. conhecidas, de ningum ! Lembro aqui, que, quando sahi do Jury a que alludi mais acima, os irmos da victima vieram-me agradecer o ter eu absolvido o matador de sua irm... Contra um ignbil e iniquo estado de espirito dessa ordem, que tende a se perpetuar entre ns, aviltando a mulher, rebaixando-a ao estado social da barbaria medieval, de quasi escrava, sem vontade, sem direito aos seus sentimentos profundos so que ella joga no satisfazel-os, a vida; degradando-a condio de cousa, de animal domstico, de propriedade nas mos dos maridos, com direito de vida e morte sobre ella; no lhes respeitando a conscincia e a liberdade de amar a quem lhe parecer melhor, quando e onde quiz e r ; contra to desgraada situao da nossa mulher casada, edi ficada com a estupidez burgueza e a superstio religiosa, po se insurgem as borrabotas feministas que ha por ahi. Ellas s tratam de arranjar manhosamente empregos pblicos, sem lei hbil que tal permitta. E' um partido de '.'cavao", como qualquer outro masculino. Voltando, porm, ao ultimo Jury de uxoricidio, eu notei que os jornaes pouco falaram na defesa do Sr. Evaristo de Moraes, a no ser para dizer que elle se alegrava de ver o ro cercado, ali, de muitos camaradas. Isto traz gua no bico; mas quero crer que o Jury decidiu com completa liberdade de aco. O outro advogado, porm, teve a honra de ser resumido com mais largueza; e a sua defesa, que foi brilhante, merece por isso, alguns commentarios, tanto mais que, segundo me parece, no a de advogado profissional. Sobre a parte sentimental, que a nica forte e lgica do 8eu discurso, porque tambm ha uma lgica dos sentimentos, nada posso dizer, porquanto no conheo nem de vista o seu constituinte; e >

113 escrevendo isto aqui, no me anima nenhum sentimento de animadverso contra o pobre moo que elle defendeu. Continuo aqui uma campanha a que me impuz, de combater essa toleima espiritual e sentimental que leva um rapaz como o seu collega que era o ro, a praticar o maior, e talvez o nico crime absoluto, que o homicdio, por causa de abuses e supersties burguezas, religiosas e feudaes. O joven advogado e official de Marinha vem a pello falar nisso conforme H no jornal ("Correio da Manh"), de 26 de fevereiro de 1919, disse que o ro: * "Levantou o seu inexprimivel grito de revolta contra esse crime de adultrio que no tem nenhuma circumstancia attenuante que o desculpe",. Diga-me uma cousa, Sr. tenente: e o de assassinio tem? Qual o mais grave dos dous ? Qual dos dous invade sacrilegamente o domnio das foras mysteriosas que nos governam ? Diga-me, Sr. tenente: quem tem o direito de matar ? O Sr. tenente talvez ficasse um pouco embaraado para responder-me; eu continuo, mas toco em outros pontos. Por que accusar este ou aquelle ? Por que, cheio de sua enfatuao militar, chamar de reles "Primo Basilio" de logarejo, a terceira personagem da tragdia, aquella que ficou nos bastidores ? O culpado no ella, no elle, jio esfoutro. E' a fatalidade da nossa carne, dos nossos ossos, do nosso sangue de homem; e foram tambm, e especialmente, os sonhos delia e essa necessidade de fugir do plmbeo tedip da vida terrena, que muito poderoso na mulher, para os parasos artificiaes, da imaginao de cada um. Continuemos, para no perder tempo: Como diz o senhor que o assassinio foi conseqncia do "desespero que se no domina, do acto reflexo que se no contrae ?" Curiosa espcie de desespero esse que, primeiramente, faz a seu portador ir pacientemente cidade, comprar revlver, para depois emittir elle o acto reflexo que no pode contrahir, sob o imprio da paixo cega ! O segredo de sua defesa, onde o Sr. tenente denunciou bem o ponto fraco do ro, aquelle em que indica como um dos culpados: a "sociedade corrompida que com a sua indifferena estimula o adultrio e delle s tira motivos de galhofas e de irriso para o ( marido",. Quasi sempre esse terror do ridiculo, mais, talvez do que as sobrevivencias da Honra medieval; o pavor pusilnime do cochicho da maledicencia que leva os maridos em taes condies a matar as suas mulheres infiis. Elles no temem soffrer na sua conscincia a oppresso do remorso de um homicdio; elles temem os boquejos das esquinas, das confeitarias, dos botequins. No me animo a commentar semelhante preferencia: cada qual pensa e age, segundo o seu prprio entendimento, e de_accordo com a sua lgica interna. . _ Elles, esses maridos, no so absolutamente passionaes. be-

114 riam passionaes, se entre a concepo do crime e a sua execuo a quantidade de tempo que medeiasse, fosse quasi nenhuma, e, solicitados, imperiosamente pela paixo, agissem 'quasi instantaneamente. Tal no se d; elles se armam precavidamente esperam a occasio propicia. E' como se Othelo fosse procurar a adaga ou o espadago, para matar Desdemona... Todos, ou quasi todos, esses crimes por adultrio, bem analysados, resultam na convico de que so perfeitamente premeditados; e no ponto relativo individualisao de pena, o joven defensor foi infeliz. Quanto mais bem educado o ro, menos direito, se assim me posso exprimir, tem de o ser por assassinio. A instruco e a educao, so freios que se pem aos nossos fundamentaes e mos impulsos de matar; e poucos so quelles que as podem receber, por isso devem ser mais responsveis os que as tm, do que os outros, orphos desses dons inestimveis. Vo longas estas linhas: e eu no posso terminal-as sem confessar que tenho muita pena dessa pobre moa que teve a coragem moral de dizer ao marido que o filho a palpitar-lhe no ventre no era do esposo. "Sim", disse ella, " delle; e s a elle que eu amo". ("Correio da Manh", de 25219). Ainda bem que no negou a sua falta como tantos que negam os seus crimes evidentes; uma heroina de Ibsen. Onde est a honra ? Decididamente a descendncia de Ado, no pode falar em semelhante senhora... 231.

A mathematica no falha
Embora ainda no esteja aposentado d todo, j me julgo completamente desligado do emprego publico que exerci, na Secretaria da Guerra, durante quinze annos. A vida de cada um de ns, que feita 4e guiada mais pelos outros do que por ns mesmos, mais pelos acontecimentos fortuitos do que por qualquer plano traado de antemo, arrasta-nos, s vezes, nos seus ponta-ps e repelles, at onde nunca julgaramos chegar. Jamais imaginei, em dia algum da minha vida, ter de ir parar naquelle casaro do Campo de Sant'Anna e testemunhar as sabias e presurosas medidas que os Presidentes 4a Republica e os seus Ministros da Guerra pem em pratica para a efficaz defesa armada do Brasil Mas, successos imprevistos da minha vida com dolorosas desgraas domesticas, num instante de necessidade e angustia, levaram-me t ali, fizeram-me ver bem profundamente, de excellente logar na plata, uma das partes mais curiosas da administrao republicana. - No me despedi ainda do logar, mas, de qualquer modo, hei de fazel-o; e, quando de todo o fizer, penso que o farei sem saudades . E no propriamente por ser elle; fosse outro, creio, que se daria o mesmo. Neste como naquelle, nesta ou naquella profisso, tenham-se as melhores ou peiores aptides, o que se nos pede nessa sociedade burgueza e burocrtica, muita abdicao de ns mesmos, um apagamento da nossa individualidade particular, um enriquecimento de idas e sentimentos communs e vulgares, um falso respeito pelos chamados superiores e uma ausncia de escrpulos prprios, de modo a fazer os tmidos e delicados de conscincia no suppportar sem os mais atrozes soffrimentos moraes a dura obrigao de viver, respirar a atmosphera deletria de covardia moral, de panurgismo, de bajulao, de pusilanimidade, de falsidade, que a que envolve este ou aquelle grupo social e traz o socego dos .seus phariseus e sadduccus, um socego de morte da conscincia. Os delicados de alma, nos nossos dias, mais do que, em outros quaesqur, esto fatalmente condemnados a errar por toda a parte. Agrosseria dos processos, a embromao mutua, a hypocrisia,

116 e a bajulao, a dependncia canina, o que pede a nossa poca para dar felicidade ao geito burguez. E' a poca dos registros e dos tabellies; a poca dos cdigos, sendo tambm o tempo das mais vastas ladroeiras; a poca das policias aperfeioadas, apezar de que o tempo dos crimes monstruosos e impunes; o tempo dos fiadores endossantes, etc, verificando-se nelle os maiores "calotes"; a poca dos diplomas e das cartas, entretanto, sobretudo, entre ns o tempo da mediocridade triumphante, da ignorncia arrogante, escondida atraz de diplomas de saber; e t c , e t c Quem fez nas primeiras edades uma representao da vida cheia de justia, de respeito religioso pelos direitos dos outros, de deveres moraes, de supremacia do saber, de independncia de pensar e agir tudo isto de accordo com as lices dos mestres e dos livros; e choca-se com a brutalidade do nosso viver actual, no pode deixar de sofrer at o mais profundo do seu ser e ficar abalado com esse choque para toda a vida, desconjunctado, desarticulado, vivendo aos trambolhes, sem norte, sem rumo e sem esperana. Um espirito que creou, para si, um ideal de vida muito differente da que a nossa actual de facto apresenta, conclue que tanto vale ter isto ou aquillo; que os homens so insupportavcis. tolos, injustos e que devemos vel-os, ricaos ou generaes, doutores ou curandeiros, carvoeiros ou almirantes, ministros e os seus sbios secretrios, na sua hypocrisia de tartufos, na sua misria moral, na sua abjeco necessria, como actores de uma comedia que nos deve fazer rir, sem esquecer de ter pena delles, pois os seus esgares, as suas "pinturas", as suas roupagens brilhantes de reis, de prncipes, de papas, ou os trapos de mendigos que os vestem, a sua "caracterisao", em fim tem por destino ganhar dinheiro, afim de que no morram de fome, elles, as mulheres e os filhos. Sem que me attribua qualidades excepcionaes, detesto a hypocrisia e por isso digo que deixo o emprego sem saudades. Nunca o amei, jamais o prezei. No comeo, se tivessem respei tado o meu proceder, a dignidade do meu provimento, o meu trabalho e as qualidades de burocrata que eu tinha como todos os outros, talvez mudasse de sentimento, e, mesmo, como tantos outros, me tivesse deixado annultar commodamente no ramerro burocrtico. No quizeram assim, revoltei-me; e, desde essa revolta, que sei que os meus desastres so devidos muito a mim e um pouco aos outros. Dahi para c, todo o meu esforo tem sido livrar-me de tal logar, que para a minha conscincia um foco de apprehenses, transformando-se elle em um inquisitorial apparelho de torturas espirituaes que me impede de pensar to somente no esplendor do mysterio e rir-me vontade desses bonecos sarapintados de ttulos e distinces que, no sem pena, me fazem gargalhar interiormente para mais perfeitamente gosar a bronca estulticia delles A minha sociedade agora no ser mais a dos simuladores do talento, do trabalho, da honestidade, da temperana- ser a -dos

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defrogns, dos toques, dos rates de toda as profisses e situaes, mas que sabem perfeitamente que falta confessada meia falta. e tambm que Sardanapalo poderoso mandou pr como seu epitaphio as seguintes e eloqentes palavras: Fundei Tarso e Anchiale, entretanto, estou aqui morto. Antes, porem, de esquecer totalmente os episdios desses meus quinze annos de minha vida que deviam ser os melhores delta, mas que me foram os de maiores angustias, quero registrar algumas passagens curiosas que observei, e tambm curiosas figuras que conheci, durante elles. Todo o mundo est disposto a accusar os burocratas desta ou daquella cousa feia; mas poucos se lembram das "partes" de certa espcie que so de pr um christo doido. Ha algumas que so verdadeiramente importunas, insupportaveis e de desafiar a pacincia de Job. No meu tempo de Secretaria, havia por l muitos; e, de to renitente espcie, eu me lembro de um preto de quasi setenta annos, forte ainda, que, em um mez fez entrar mais de dez requerimentos, pedindo a mesma cousa. Chamava-se elle Agostinho Petra de Bittencourt e tinha sido musico de um batalho de Voluntrios da Ptria, que estivera no Paraguay. Dizia-se filho de um padre Petra que morrera ha mais de' cincoenta annos, deixando uma incalculvel fortuna, em barras de ouro e pedras preciosas, em moedas de ouro e prata, que se achava depositada no Thesouro. Era seu herdeiro, como seu filho; e, quando bem interrogado, Agostinho dizia que o padre era branco. Entretanto, no seriam precisos grandes conhecimentos anthropologicos para dizer-se, primeira vista, que o herdeiro de fortuna to grande no tinha nem uma gotta de sangue caucasico. Um jornal daqui chegou a tratar do caso; mas annos se passaram e s elle no deixou de falar na famosa .herana... A sua demanda com o Ministrio da Guerra, porm, era de outra natureza e muito mais prosaica. Tendo vindo a lei que dava vitaliciamento aos Voluntrios da Ptria, sobreviventes, o soldo dos postos e graduaes com que foram dispensados, ao terminar a guerra, Agostinho requereu lhe fosse concedida semelhante penso como mestre de musica. A Contabilidade da Guerra, consultando os documentos originaes da poca, as folhas de pagamento, denominadas na linguagem militar relaes de mostra, s encontrou o nome de Petra como musico de 1" classe. O velho no se conformou e, daqui e dali, arranj:ou uma bibliotheca de Ordens do dia da guerra, contra Lopes, que elle sobrarava dia e noite, onde o seu nome figurava como mestre da banda , Armado com ellas, Agostinho foi a Ministros, a secretrios de S Ex., a ajudantes de ordens de S- Ex., a todo o pessoal majestoso que recebe luz de S. Ex., queixar-se da imaginaria injustia de que vinha sendo victima. No havia nenhuma, mas Petra

118 attribuia os empregados da Contabilidade m-f, falsidade administrativa, quando elles tinham cumprido o seu dever. Como, em geral, todos os requerentes, o pobre musico de batalho s se queixava dos pequenos; e os grandes, ao receberem as suas queixas, aconselhavam que requeresse. E elle requeria sem d nem piedade; e annos e annos levou elle pelos corredores do Quartel General, sobraando a sua bibliotheca bellicosa, requerendo, resmungando, reclamando e um mez at deu entrada a mais de dez requerimentos no sentido da sua modesta preteno. A' vista desse exemplo e de outros mais significativos, talvez, mas pouco pittorescos, de crer que o Imprio e a literatura patritica da oceasio tenham posto no espirito dos Voluntrios do Paraguay grandiosas esperanas de toda ordem. E' mesmo vezo de todos os governos, quando precisam de soldados para as suas guerras, isso fazerem. O nosso no podia fugir da regra, e, ao se ver a braos com o El-Supremo do Paraguay, se no disse francamente aos Voluntrios que, se voltassem, no teriam mais que trabalhar pata viver, prometteu com certeza grandes cousas, pois todos com que tratei estavam possudos de uma forte convico dos deveres do Estado para com elles. Foi, naturalmente, esse sentimento,, multiplicado, quadruplicado, decuplicado, centuplicado e tambm deformado no espirito simples, primitivo e vaidoso de um ingnuo e ignorante preto que levou o major honorrio do exercito, voluntrio da ptria, Jos Carlos Vital, ao mais completo desastre que se pode imaginar. Vital foi ha annos uma figura popular do Rio de Janeiro. Todos devem lembrar-se de um pretinho muito baixo, meudo, feio, com feies de pequeno simio, mollares salientes, lbios molles, < sempre humidos de saliva, babados mesmo, que era visto passar petas ruas principaes, fardado de major honorrio, com uma banda obsoleta na cintura, um espadago anti-diluviano, de collarinho extremamente sujo e botas cambaias... Ho de se lembrar, por for a ! Pois essa figura pouco marcial era o major Jos Carlos Vital. Para obedecer justia, diga-se que todos o olhavam com respeito. Aos poucos, envaideceu-se com isto e no perdoava continncia, brados d'armas e outras cerimonias militares devidas a seu posto. Ficou irritante e cavava assim a sua ruina. A vaidade matou-o como veremos. Nos seus tempos ureos de "major", era Vital um simples servente do Arsenal de Guerra; e, quando deixava as suas humildes funees l, no Caffo, nas proximidades do actual Mercado, en vergando solemnemente a .farda e sobraando com o brao esquerdo o espadago, no era raro que, na primeira tasca, aceitasse . um copo de paraty e contasse, encostado ao balco da venda gente humilde e tresmalhada daquellas paragens as suas proezas guerreiras. O Arsenal era naquelle tempo logar escolhido quasi sem pre, para embarque ou desembarque de figures de toda ordem e nacionalidade: e, quando isso se dava, o. Major julgava-se obrieado a comparecer com o seu fardo, o seu espadago, o seu collarinho

119 sujo, as suas botas cambaias e o seu charuto de tosto. A's vezes mesmo, com tal toilette, apresentava-se no palcio do Cattete, para cumprimentar o presidente da Republica, em dias festivos.,. E' fcil de imaginar como a presena de semelhante heroe quebraria a harmonia de to solemnes,e graves cerimonias por demais obedientes ao protocollo e s regras de precedncia. Mas o Major, "Voluntrio da Ptria", que era, nunca quiz convencer-se de que o seu herosmo ficava mal em tas logares e devia somente brilhar no largo da S, no do Moura e em outras molduras dessa natureza que lhe eram adequadas e prprias. Um bello dia apparece um outro Jos Carlos Vital, major como elle, Voluntrio da Ptria como elle, mas branco, e modestamente vivendo em Pernambuco, recebendo tambm etapa de asyldo l, como o seu homonymo preto recebia aqui. Abre-se inqurito; cada um dos Joss Carlos Vitaes apresenta as suas provas de identidade; a indagao da verdade feita com o mximo critrio e imparcialidade, acabando-se por concluir que o de Pernambuco o authentico, embora o daqui no tenha procedido de m f. O festejado heroe do largo do Moura, do becco da Batalha, o orgulho. das ultimas pretasminas que conheceram o Prncipe Ub, perde as honras, o emprego, a etapa de asylado, enviuva o fardo, para sumir-se dentro de um velho fraque de paisano vulgar. E aquella satisfao de ser Major, com as suas honras, pri- vilegios, garantias e isenes, esvae-se, some-se, foge da sua triste vida de filho sem pae e que da me no tem a mais vaga lembrana; essa satisfao infantil que lhe resgatava os padecimentos de creana desvalida e levada em tenra edade, como se verificou, para os campos de batalha essa satisfao se anniquila completamente como se o destino no lhe quizesse dar, nos seus ltimos dias de vida, essa v e pueril consolao, como se no lhe quizesse dar a minima illuso de felicidade, a elle que pasmara toda a existncia, esmagado, humilhado, sem prazeres, sem alegrias, talvez, mesmo as mais vulgares 1... Ah ! A Vaidade... Chamei de v e pueril a consolao que podem dar as honras que envaideciam o "Major". Ser verdade ? Vi tanta gente disputal-as; vi tantos homens de condies de riqueza e instruco mais variadas, requestal-as que estou disposto a crer que errei quando assim as qualifiquei. No poderei citar muitos casos de pedidos dellas, porque quasi todos, por communs de argumentao e motivos me escaparam da memria; mas um, por ser sobremodo grotesco, viveu-me sempre na minha lembrana e, ainda hoje Quando delle me recordo, causa-me riso. Conto-o. Um Voluntrio da Ptria, chamou em seu auxilio ou tentou chamar, a arithmetica para obter o justo honorrio a que se julgava com direito. O Sr. Jos Dias de Oliveira, porteiro addido do extincto Hospital do Andarahy, vivo ainda, como o so tambm os outros dous seus collegas a que alludi, era um velho pesado, curto de membros e de corpo, com umas abundantes e longas barbas mosaicas, ventre proeminente e accentuado na sua

120 redondeza, voz cava, que, de quando em quando, apparecia na Secretaria, afim de procurar com um seu amigo, funccionario delta, "o livro dos Voluntrios da Ptria". S elle conhecia esse livro e elle o pedia com a mxima insistncia. A sua voz cava no permittia grandes gritos; mas assim mesmo, nos dias de reclamao, conseguia encher os corredores e as salas com o seu vozeiro. Quem o visse, nesse transe, poderia apreciar o gesticular desenfreado com que acompanhava a. sua abafada gritaria e o cuidado constante que tinha, para no lhe cair em as calas pernas abaixo. Movia todas as partes do corpo que permittiam movimento; os braos as pernas, a cabea, o pescoo; e falava, falava, semi-gritando. Queria o tal "livro" para resolver ou justificar os seus direitos, que tinham o apoio da mathematica. Era, argumentava, tenente honorrio e fora tenente da policia do Paran. Ora 2+2 so quatro. Logo, elle possua quatro gales, o que eqivale a dizer que era Major e, como tal, tinha direito patente desse posto. De alguma forma, penso eu agora, o Sr. Jos Dias de Oliveira tem razo. Se o esoterismo positivista da geometria e do calculo tanto concorreu para o 15 de Novembro, no de mais que a kabala da taboada de sommar auxiliasse a pretenso do. porteiro addido do antigo Hospital do Andarahy. 2 + 2 = 4 ; elle , portanto, Major. A mathematica no falha... 71218.

O nosso " y a n W s m o "


No ultimo numero publicado da excellente "Revista do Brasil", de S. Paulo, o Sr. Brenno Ferraz do Amaral, faz um estudo algo apaixonado, entre os Estados Unidos e o Brasil. O artigo chama-se mesmo: "Um confronto infeliz". Eu o li com todo o cuidado e interesse que sempre me merecem as publicaes daquella revista e a sua leitura mais uma vez me convenceu, que, sob este ou aquelle aspecto, com estas e outras consideraes, todos ns, devemos combater-essa ingnua tolice dos nossos socilogos "adhoc", e sportivos que nos aconselham a imitar a monstruosa Republica da America do Norte, at o ponto de levar-nos a sermos, como depois de Rio Branco somos, um disfarado protectorado delta, situao que chegou sua culminncia actualmente, com o "right honorable" Meia Tinta no Itamaraty. Ns s vemos dos Estados Unidos o verso, no vemos o reverso ou o avesso; e ete repugnante, vil e horroroso. Houve mesmo quem descrevesse e sinto no ter aqui o livro para transcrever algumas das suas paginas edificantes. Por mera imitao daquella agglomerao humana, enchemos o Rio de Janeiro de descabellados sobrados insolentes, de cinco e seis andares, com uma base relativamente insignificante, verdadeiras torres, a esmagar os sobradinhos humildes dos tempos do Imprio, com os seus dous andares acanhados e decentes. Uma cidade como a nossa, semeada de collinas pittorescas, arborisadas ou no, que formam o seu verdadeiro encanto, se se seguirem taes construces, em breve ella perder os seus horizontes originaes e ficar como qualquer outra. Condies particulares de sua topographia obrigaram a cidade de Nova York a appellar para esses estafermos de innumeros pisos; e no se verificando ellas na nossa, antes pelo contrario, no tnhamos necessidade de enfeiar o Rio de Janeiro, com construces que a sua natureza repelle. O fundo do espirito americano a brutalidade, o monstruoso, o archigigantesco. Elle no tem o sentimento das propores que toda a creao humana deve guardar, com o prprio homem. Desde que no sintamos essas propores; desde que no possamos perceber uma relao occulta comnosco e com as nossas foras normaes, no sei como se pode achar belleza de um monumento

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edifcio, emfim, de uma civilisao; e o sentimento que ella pode inspirar ser de esmagamento e de oppresso, sensaes muito oppostas de belleza que suave e macia. Eduardo Prado, na sua immortal "Illuso Americana", d bem uma imagem disso, quando v, ao entrar no porto de NovaYork, um mestio com sangue de azteca e tolteca olhar assombrado aquella confuso diablica, parecendo pensar um instante na conquista daquelle inferno, mas, depois, considera bem alto que, uni camente, com os apitos, elles, os de Nova York, conseguiram ensurdecel-os, e derrotal-os, os seus patrcios de Guatemala ou alhures Ns no estamos ficando surdos com as cousas americanas, mas estamos ficando cegos; e, na clssica imagem, somos, como as mariposas que a luz atrae, para matal-as. No temos o bom senso de repellir os grosseiros e megathericos ideaes americanos e ficar ns mesmos. O mundo no sempre o mesmo, embora a sua substancia possa ser uma nica; e os homens, portanto, no o podem ser e devem variar com elle. Substituir o ideal eollectivo que espontaneamente o nosso, por um outro que vae de encontro nossa mentalidade e ao nosso temperamento, suicidar-nos. A fascinao do modelo estrangeiro, como ensina Gaultier, no seu curioso Bovarysmo, entra sempre em algum gro na formao de qualquer sociedade, mas, para ser til e progressiva, no deve substituir inteiramente o modelo prprio e ancestral. No possvel que, tomando hoje uma apparencia, amanh outra, depois aquella outra, haja quem deseje que sejamos afinal o brutamonte americano. Um jornal libertrio de S. Paulo, "A Plebe", que os seus directores tm a bondade de enviar-me, conta, em sua edio de 15 de maro, Vrios factos, denunciadores da ferocidade brutal a que attirigem nos Estados Unidos as lutas de partidos. Toda a gente est disposta a suppol-os o paiz mais livre do mundo, com o povo mais tolerante do orbe; mas vejam s estes casos: "Cavalheiros da Liberdade" ou da "Colmbia", uma sociedade nos moldes da "Mo Negra", composta de burguezes e polticos, mancommunados com Wilson e a sua matilha de flibusteiros fardados. Esses indivduos, assim protegidos e organisados, commettem toda a sorte de monstruosidades, e uma das mais repugnantes pas sou-se a 7 de agosto de 1917, em Wuit Montana, em que foi victima Frenp Litz, enforcado por questes de pensamento. No mesmo anno, outra proeza semelhante foi perpetrada ali 16 trabalhadores, que se rebellaram contra o egoismo e a explorao patronaes, foram levados para o campo, despojados do vesturio e, depois de os cobrirem com alcatro e de lhes encherem o corpo com pennas. soltos no meio do matto, onde 12 delles icbaram por perecer victimas das mais revoltantes torturas e soff rimentos.

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Mais adiante, o mesmo jornal conta: "Em Leatle Vanch, os "Cavalheiros da Liberdade" penetraram numa reunio operaria e prenderam 300 circumstantes, a quem despojaram de todo o dinheiro e objectos de valor, fazendo por ultimo uma fogueira do mobilirio existente na casa. Em Patersons, os mesmos sicarios legaes assaltaram as officinas e a redaco do jornal "Era Nova", manietaram^os redactores, roubaram quanto lhes aprouve e, em seguida, lanaram fogo ao edifcio. Em Washington, com a ajuda da policia, privaram da liberdade 1.128 operrios, por protestarem contra a guerra num comcio monstro, soltando-os unicamente ao cabo de varias e persistentes reclamaes das classes organisadas. Em Chussmas, assaltaram o jornal "Chronica Subversiva", prenderam os redactores e queimaram a sede da sua redaco. Egual banditismo foi praticado, em Boston, contra "O Proletrio", em Broocklin, contra "La Aristora"; e, em Chicago, contra a "Solidariedade". Agora, mot de Ia fin: "E, para remate de to pouca vergonha, os filhos das naes alliadas que no possussem 400 dollars, para os fins exigidos, eram mandados para os paizes dos seus progenitores, afim de serem utilisados na horrvel carnificina". Quem leu a "Illuso Americana" sabe perfeitamente que no de hoje que existe "no paiz mais livre do mundo" essas "grandes companhias" de bandidos, que se alugam aos grandes industriaes e capitalistas, para reprimir greves e agitaes operrias, empregando as maiores crueldades. A "Pinkerton" celebre no mundo inteiro. . , Nas nossas guerras civis, 4ias nossas lutas polticas de alda. ha muita crueldade, mas no ha dessas represses operadas por homens que so a ellas levados a executar, mediante um salrio mais ou menos avultado. No os move, seno dinheiro. Em geral, m todas as suas manifestaes, quer normes, quer anormaes, o americano denuncia e define o espirito burguez. Entendo por isso aquelle em que o amor, a adorao, a dominao pelo djnheiro, mais que outro movei de qualquer ordem, impera e conduz. Esse amor, essa fascinao levam-n'o aos grandes trusts de uma ousadia cega de conquistadores da lenda e aos grandes roubos, mo armada, nos carros de caminho de ferro, assaltados em movimento, por bandidos mascarados, pistola em punho, "hands up", emquanto as algibeiras e "valises" so saqueadas, e os prudentes passageiros ficam socegadinhos, preferindo perder dinheiro a morrer. Possuidores de um territrio immensamente rico, sobretudo rico dos productos naturaes que so hoje, depois da inveno da machina a vapor, a base da nossa vida, orientados para esse ideal de riqueza, no era possvel que deixassem os Estados Unidos de ser o que so hoje. L. as riquezas naturaes existem, so aprovei-

124 tadas e no so como as nossas, que a gente chega a duvidar da sua existncia. Essa historia do nosso carvo e uma dellas; e uma pessoa que pensa por si, vendo as explicaes, as idas e vindas, as parolagens dos sbios sobre elle, so tem que concluir que elle no aproveitvel ou no vale nada, ou no existe e um "pao", de "conto do vigrio". O mais embromao... Um paiz, como os* Estados Unidos, que possue a regio fantasticamente rica de Pittsburg, no podia deixar de ter uma grande predominncia nos nossos dias em que o ao, o ferro e o carvo de pedra, figuram em todos os utenslios, em todas as machinas, e construces, que a nossa vida, individual, por mais elementar que ella seja, exige a intromisso delle, ostensiva ou occultamente. Numa zona relativamente restricta, como a de Pittsburg encontram-se carvo de pedra, em campos infinitos e flor da terra. ferro, petrleo e um gaz natural, que captado e pode ser levado por encanamentos s uzinas. Sem negar as qualidades do individuo americano, bem de ver que as produces do seu solo e mesmo a sua topographia, permittiram que os Estados Unidos, no sculo do vapor, no sculo por excellencia do ferro, do carvo de pedra, com as concepes burguezas da livre concorrncia, da liberdade de trabalho, da vida como luta, viessem ser a mais alta expresso do espirito burguez, vencedor na humanidade, com a Revoluo Franceza "Make money honesty if yo can; but make money"... Em geral, esse espirito caracterisado pela f de que tudo se pode obter com dinheiro, e o que elle d tem tanto 6abor, ou mais, como se fosse obtido de outro geito. No ha considerao de tempo, de moral, de nada com dinheiro ! Jules Huret, na sua viagem aos Estados Unidos, conta uma singular vista a Mme. Mackay, mulher do rei dos telegraphos, portanto rainha. Huret descreve a visita, pondo mais cr em o estylo de "reprter", que quasi sempre um desenho apressado, um "cro*quis". A bospedeira, de algum modo, collaborou com elle e no houve perturbar a boa emoo da partida, a presena do activissimo marido, que andava a estender fios electricos no interior, para ganhar mais um milho de dollars uma migalha ! Mme. Mackay, que , ou era artista e tambm "authress", d-lh pessoalmente detalhes de suas alfaias e dos caprichos com que ellas foram obtidas, com as mincias de catalogo. A banheira cavada em um bloco colossal de mrmore italiano; mas, conta, duas se haviam partido, quando viajavam da Itlia para Nova- York. Est ahi o burguez e o seu gosto; entretanto, a Maria Antonietta, dos telegraphos, possue uma cabana bem rstica, construda sobre a borda de um morro, que cae a pique, num precipcio, onde a solido completa e onde ella ama e escreve "C'est Ia que je viens tous les jours cnre; Ia, seulement, jc suis heureuse". Foi assim que a riqussima e, por isso mesmo, bella Mrs. Cia-

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rence Mackay, falou ao redactor do "Figaro", que no quiz informar si ella suspirou e pensou na guilhotina revolucionaria. Publicou ou fez representar uma pea theatral. O seu drama tudo o que ha de mais opposto sua situao social, as idas conductoras com que a sociedade a levou, a figurar, por aluguel, de grande dama ^ o sculo XVIII. Elle faz literatura. naturalmente.de edies carissimas. Ha, nelle, monges, revoltas intimas, nevoentas dissertaes, raptos lyricos, Helosa e Ablard, "thme de ramour libre, de Ia supriorit de 'Tamour integral" sur Tamour platonique", diz o jornalista viajante. E essa grande burgueza, cheia de milhes e milhes, ainda, ha bem pouco, na sua ancestralidade, a comer, por nico jantar, batatas cosidas numa humilde cabana, dos campos na Irlanda, pensava que os saccos de dollars fariam delia um Shakespeare, que no tinha na bibliotheca seno edies baratas do Plutarcho e de novelistas italianos. Se no foi pateada, foi porque representou num salozinho, muito a contragosto dos seus parentes millionarios que deviam querer ver a~Sua obra gritada, berrada, num palco de duzentos metros de bocea e com a assistncia de um milho de espectadores, pagos farta, para terem muito enthusismo. A crena no todo poderio do dinheiro que entre ns se apossou primeiramente, de S. Paulo, o que foi notado por Alberto Torres, no sei em que logar, e vae avassalando todo o Brasil, matando as nossas qualidades de desprendimento, de doura e generosidade, de modstia nos gostos e nos prazeres, emprestando-nos, em troca, uma dureza com os humildes, com os inferiores, com os desgraados, com tolas e infundadas supersties de raa, de classe, e t c , nesta poca de grandes e justas reivindicaes, ameaa-nos de morte, ou seno, de grandes lutas sangrentas. Vou ler o Laboulye "E'tudes Morales e Politiques" tendo, porm, f que as lutas, antes daqui estalarem, tero reduzido a cacos o ante-diluviano megatherio do Mississipi. Renan (cito de segunda mo), dizia que queria viver para ver como acabava Guilherme II, da Allemanha. . , ., . Eu peo a Deus que alongue a minha vida ate ver aquelle aneurisma americano arrebentar em sangue, aos borbotes... Quando isso se der, pedirei um pedao de mrmore da banheira de Mme. Mackay, a Maria Antonietta dos telegraphos, para servir de peso de papeis na minha modesta mesa e escriptor pobre e no me esquecerei de todo do Theophilo, do seu drama philosophico. Quem viver, ver. 19319.

Edificantes notas ao Southey


Quando em fins do anno atrazado, o sr. Assis Brazil fez em S. Paulo, sob os auspcios da Liga de Defeza Nacional*, uma conferncia sobre "A Ida da Ptria", li na publicao que delia fez o prestimoso "Estado de S. Paulo", em successivos dias, to compromettedores absurdos que ho me contive e comece} a escrever algumas observaes sobre ella, para estampal-as em alguma revista obscura e desdenhada. Guiado por aquella ida muito prpria do Sr. Assis Brazil, de que a capital do Brasil deve ser em Pedras Altas, o eminente republicano histrico emmaranhava de tal modo os caminhos do povoamento do Brasil e asseverava taes cousas, que me obrigou a consultar velhos livros queridos, para me certificar que as minhas duvidas no provinham de uma lamentvel desorganisao do meu apparelho cerebral. Um delles foi a Historia do Brasil, de Roberto Southey, traduzida pelo sr. Luiz Joaquim de Oliveira Castro e annotada pelo Conego Dr. J. C. Fernandes Pinheiro. E' edio da Livraria Garnier, do Rio de Janeiro, de 1862; e, creio, no haver outra. Lera-lhe os seis volumes ha muitos annos e no me incommodara com as notas do sbio conego. Em 1917, quando eu fui reler, ou antes consultar, accudi, pacientemente ao chamado das sabias notas do Conego doutor. Na pag. 433 do 3o volume, encontrei esta: O "Paran" (qe em tupi significa "mar") toma este nome na confluncia do Prahyba (ser^erro de reviso?), que vem do centro da provncia de Goyaz, e do Rio Grande que soe do interior da de Minas Geraes nascendo na serra da Mantiqueira. Serve de< limites s provncias de Minas, Goyaz, S. Pando e Paran; dividindo outrosim o Brasil do Estado Oriental e da Confederao Argentina. Recebe ento o Bjiraguay e-o Uruguay, adquirindo o nome de Rio da Prata. F. P. Fiquei estupefacto com semelhante geographia. Estaria eu esquecido? Fiz exame to criana... O sr. conego doutor era um homem sbio, muito considerado pelas suas letras, no seu tempo; e eu o que era? . . . . Corri ao meu Wappoeus, na traduco ou melhor refundicao dos sbios e operosos srs. Capistrano de Abreu e Valle Cabral. No satisfeito, soccorri-me do "Moreira Pinto", o grande, em que estudara a Chorographia do Brasil, ahi pelos meus treze annos. Nao estava doido, no! O sbio Conego que levara com a sua sabedoria um completo terremoto na bacia fluvial do Prata.

128 O Paran, com o nome de Paranahyba, nasce em Minas, na serra de Canastra, nas vertentes oppostas quellasque do origem ao S. Francisco; e separa de facto Minas de Goyaz e de Matto Grosso. O Rio Grande que, conjuntamente com o Parahyba, forma o Paran propriamente dito, que separa Minas de S. Paulo, como est em qualquer mappa; mas Paran, Paranahyba ou Rio Grande absolutamente no entram, como quer o Conego, na separao do actual Estado do Paran do de S. Paulo. Onde pois, o sbio Conego doutor teria visto isto? Em que fantstica carta ou tratado? Eu daria tudo que pudesse dispor em dinheiro ou alfaias para possuir semelhante documento. No contente com tal descoberta, o reverendo conego doutor foi pol-o, o Paran, dividindo o Brasil do Estado Oriental. Hom'essa! Para um geographo dos meiados do sculo XIX, o celebre sr. Fernandes Pinheiro, autor respeitado e citado, grande autoridade no seu tempo, perfeitamente um geographo medieval. Paginas adiante do mesmo tomo do Southey; na mesma traduco e edio, o Conego doutor (no se omtnittem nunca os ttulos to do nosso gosto), corrige e assevera, em nota, pags. 432 e 435., "Ha aqui um singular equivoco de Southey que cumpre rectU ficar. E' inexacto que o Rio Uruguay nasa na provncia de Santa Catharina perto da ilha deste nome. Os mais acreditados geographos do Brasil marcam a sua derivao na "Serra Geral" (provncia de S. Pedro do Sul), correndo por dilatado espao com o nome de Pelotas, e tomando nos "Campos das Vaccas" o nome pelo qual mais conhecido, serve de limites ao imprio do Brasile Republica Oriental F. P." Nova estupefaco da minha parte. Este sbio est doido ou eu no sei quem verdadeiramente sou. Corro ao Wappoeus e l encontro, pag. 130: " / . O rio Uruguay recebe esse nome na confluncia dos rios das Canoas e das Pelotas que nascem na vertente occidental da>. Serra do Mar, na Provncia de Santa Catharina. Com quem estar a verdade: com o conego doutor F . P. e os seus autorisados geographos ou com o Wappoeus, o Capistrano, o Valle Cabral, o Homem de Mello e outros notveis collaboradores da traduco para portuguez da obra do allemo? E' de entristecer, semelhante alternativa, tanto mais que o Moreira Pinto no nos diz que o Uruguay separe o Brasil da Republica a que elle deu o nome. Timido diante dos ttulos do annotador, do historiador e poeta inglez, simplesmente deixo registradas aqui estas mnimas observaes muito medroso do meu saber, medo que me fez, ao me encher de perplexidades em face das notas do Conego doutor Fernandes Pinheiro, abandonar o propsito de commentar a conferncia do famoso e autorisado Dr. Assis Brazil, a gigantesca mentalidade de Pedras Altas.* 1919.

Henrique Rocha
Desde muito que eu desejava abandonar o meu curso. Aquella atmosphera da Escola Superior, no me agradava nos meus 16 annos, cheios de timidez, de pobreza e de orgulho. Todos os meus collegas, filhos de graudos de toda a sorte, que me tratavam, quando me tratavam, com um compassivo desdm, formavam uma ambiencia que me intimidava, que me abafava, se no me asphyxiava. " " * " Fui perdendo o estimulo; mas, a autoridade moral de meu pae, que me queria ver formado, me obrigava a ir tenteando..,, Conjugados... Momentos... Theoria do pndulo... Theorema das reas... Que sei eu mais ? Nada!... Desgostava-me e era reprovado; e as minhas reprovaes desgostavam meu pae, tanto mais que, a bem dizer,, no tinha sido reprovado. Os ltimos annos, passei-os pelos corredores da Escola a discutir, j af feito ao seu ar agora! ou ler na bibliotheca nacional ou municipal; mas, sobretudo, na da prpria Escola. Eu lia Kant, Spencer, Comte, at o velho Condillac li, e Le Bon, as suas grandes obras sobre as civilisaes dos rabes e dos hindus. De todos, porm, quem eu gostava mais de ler, era Condorcet Esquisse d'un tableau historique des progrs de Vesprit humain e os opusemos que completavam o volume, entre os quaes as Refle~ xions sur Vesclavage dei ngres que ainda hei de reler. Cousa curiosa que me oceorre no momento; o marquez de Condorcet era relaxado e ha at uma carta de mlle. de Lespinasse pedindo-lhe que o fosse menos, que limpasse as unhas, etc.; entretanto, esse relaxado, perseguido no processo dos Girondinos, fugiu c foi descoberto em uma tasca dos arredores de Paris, por populares, por causa das suas mos aristocrticas... Li-o muito, sobretudo essa formosa obrinha que citei, no dizer da tradico, escripta no xadrez. Talvez em lenda litteraria, como aquella que creou o x "Dv Quixote" tambm composto no crcere... Vivia eu nes9e conflicto moral desde os meus dezenove annos, quando, aos vinte e um, meu pae adoeceu sem remdio, at hoje. Estava livre, mas, por que preo, meu Deus! Emfim... No seria mais doutor em cousa alguma o que me repugnava nem preci-

130 saria andar agarrado s abas da casaca do dr. Frontin. Ia me fazer por mim mesmo, em campo muito mais vasto e mais geral! Bastos Tigre, que j, por aquella poca, fundava jornalecos e revistecas, convidou-me para fazer uma destas, "O Diabo" com Amorim Jnior, Malagutti e elle. Essa pequena revista deu quatro ou cinco nmeros, e fez o seu successo de estima. Comecei, ento, a conhecer uma poro de artistas, de poetas, de philosophos, de chronistas, jornalistas, reporters, etc. No me lembro de todos, mas, de muitos guardo memria. Emilio de Menezes, Guimares Passos, Raul Braga, Domingos Ribeiro Filho, Raul, Calixto, Luiz Edmundo, Santos Maia, Lucilio, Helios, os dois Timotheos, os dois irmos Chambellands, Evencio, Jobim, Lenoir, o extraordinrio Gil, Camerino, Arnaldo, Gonzaga Duque, Lima Campos e tantos outros, alguns; j mortos e alguns ainda vivos, poucos felizes e o resto... na mesma. No meio dessa chusma de conhecimentos novos, vim tambm a conhecer Henrique Rocha. No sabia bem quem era, que apito tocava, se era escriptor, pintor, caricaturista, scenographo, revisteiro, poeta o que fosse. No tinha eu hbitos de bohemia de botequim, de confeitaria, apezar de desde pouco mais de quinze annos, quando me matriculei, at aquella data, viver sobre mim, em casas de cornmodos e comendo em penses mais ou menos familiares. No sabia quem era, nunca tinha ouvido falar nelle e a minha ingenuidade causava espanto. Amorim, quem este Rocha? Amorim Jnior, fingindo indignao, com aquelle seu gesto de erguer ambas as mos altura das faces e agital-as, encarava-me e dizia: Mas, voc, ento, no sabe quem o Rocha? No. Pois o Rocha "Alazo", o Rocha "Facada", o Rocha "Mentira", o Henrique Rocha est ahi! Calava-me, no s assombrado com tantos appellidos grotescos, como tambm para esconder a minha toleima de rapaz j feito maior. Indaguei daqui e dali e vim a saber algumas cousas da vida do Rocha. Era filho de um grande clinico ou, como os francezei dizem um grande pratico de Nictheroy que, se no gostava de literatura, apreciava muito os literatos e os poetas. Muitas vezes, isso acontece; e o Rocha se crera no meio delles. Estudara alguns annos medicina, andara pela Europa, gastara dinheiro, fora veterinrio de um regimento de cavallaria do Exercito; e, como tinha collegas e velhos conhecimentos, acabara por viver numa disfarada mendicncia, levando a bohemia muito alm dos limites de idade admittidos peta gente honestssima. Gos- , tava tambm de receitar, sobretudo permanganato de potssio Era Um ex-homem. Muitos fugiam delle, no pelo que elle pedia* mas pelo estado em que elle pedia. Achei muito curioso o typo, sympathisei muito com elle, tanto

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mais que me tratava com muita ternura, paternalmente, talvez com pena. Sempre que podia, isto depois de ter sido nomeado para a Secretaria da Guerra, eu o procurava propositadamente. Tinha um grande desejo de ser "mordido" pelo Rocha. Parecia que isso me sangrava e talvez um artigo de Jos Verssimo, naquelle tempo no me deixasse to satisfeito. Rocha era o homem das esquinas, onde ficava, com as mos atraz das costas, muito alto, inclinado*, com geito de um jaburu ou soc-boi, beira de uma lagoa. O fraque augmentava a semelhana. A preferida era a rua Gonalves Dias com a da Assembla, onde havia uma casa de bebidas, e, hoje, uma charutaria. Tempo das ruas estreitas, convm notar. Eu vinha da Secretaria e( quasi sempre, procurava-o, dizendolhe: Rocha, como vaes? Assim. E fazia uma contraco com os lbios, falava com os dentes quasi cerrados e dava de hombros que pareciam cotos de azas de pingim. Em seguida, elle perguntava: Tens cigarros? Tenho. y Dava-lhe um, accendiamos os nossos e elle accrescentava, depois de tirar uma fumaa: Estou aqui, espera de um "cara"... Minha filha veiu de Paris e pediu-me que fosse jantar com ella; mas o "cara"... at j! at j! E dixava-me precipitadamente, sem apertarmos as mos; e corria atraz de um conhecido qualquer. Assim foi durante muito tempo e o meu interesse e sympathia por elle fizeram-me ir colhendo, -aqui e ali, umas historias, anecdotas curiosas sobre o Rocha. Uma dellas creio que ouvi de Emilio de Menezes. Rocha era antigo conhecido do engenheiro Paulo Alves que foi o primeiro Prefeito de Nictheroy e a cuja iniciativa muito essa capital deve. Toda vez que o via, Rocha pedia "alguma cousa". Certo dia, Paulo Alves, que, naturalmente, vinha aborrecido com qualquer acontecimento, fez uma intimativa severa ao Henrique : Rocha, diga-me uma cousa! O que , Paulo? Quanto queres, para no me "morder" mais este anno? Elle pensou um pouco e estimou a cousa em pouco: Cincoenta mil ris. O engenheiro Paulo Alves metteu a mo na algibeira e deu-lhe a "pelle", como o Rocha chamava o papel moeda. Est tratado, no Henrique? Sim, Paulo.

132 Durante alguns dias, cerca de um mez, Rocha via o amigo e s o cumprimentava: Como vaes, Paulo? Como vaes, Rocha? E ficava tudo assim. Certa vez, porm, fosse por que fosse, avistou o dr. Paulo Alves na calada opposta, j um pouco distante, e correu ao alcance delle. Henrique Rocha, a bem dizer no corria; elle tinha nessas oCcasies uma attitude e um passo singular e engraados. Deixava descer um dos hombros, o fraque inevitvel esvoaava, mettia a cabea no pescoo e ia saltitando lesto como um urubu que quer levantar o vo. Assim foi elle atraz do benemrito ex-prefeito de Nicthroy. Parou este e perguntou-lhe com austeridade: Mas, Rocha, voc no se lembra do nosso trato, mais? Rocha calou-se, pensou e disse instantes aps, sem gaguejar: E' verdade! Mas voc pde "passar" " O " do anno que vem. O dr. Paulo Alves sorriu, deu-lhe "algum", no todo, para no faltar numerrio para as outras vezes. Comquanto todos o vissem, de manh noite, fosse dia til ou feriado, fosse domingo ou dia de trabalho, na rua do Ouvidor e na de Gonalves Dias, principalmente nesta, Henrique Rocha tinha a preteno de passar por caador e fazia questo disso. Ora, caador tem fama de mentiroso, imaginem agora um sugeito que se mette como caador que mentiroso devia ser! Dahi proveio o appellido de "mentira". Entretanto, elle no cessava de impingir as suas historias fantsticas, de fantstico caador. Uma tarde, j boca da noite, estavam diversos bohemios daquella epocha bebericando, em torno de uma mesa de botequim reles, entre os quaes o Rocha e um grande poeta, hoje homem morigerado e acadmico, mas, naquelles tempos, o mais desalmado, estabanado e revoltoso sujeito de que as nossas chronicas literrias guardam memria, quando, no sei a que propsito, o Henrique deu na veneta de contar historias. Matara tucanos, jacs, mutuns, cotias, antas, pacas, veados, onas o diabo! Todos j estavam canados com as suas mentiras venatorias, quando encetou a longa narrao de uma caada de caitets no grosso matto, nas serras de Therezopilos. Vocs sabem noite... Puz-me em cima de uma pedra... Fazia luar comprehende-se no... Bem! Puz-me em cima de uma pedra e esperei. Daqui a pouco, ouvi o roncar... Uh! uh! uh! u h ! . . . Eram os "queixadas".., Engatilhei a espingarda e a "vara" appareceu na trilha... Nisto L. M., o poeta, diz: Rocha! Rocha! Se me mattas o porco do matto, eu te quebro a cara! V l, hein! Espera, filho! Espera um pouco! aode Rocha., Engatilhei a espingarda e esperei que a "vara" passasse, porque vocs sabem s se atira no ultimo, seno...

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Rocha! Rocha! insiste o poeta. Se me matas o "queixada", eu te quebro a cara. Espera, filho! Espera um pouco. Deixei passar a "vara", dormindo na pontaria, mas... Rocha! Rocha! Observa o L. M. Mas, afinal, veiu o ultimo e . . . Rocha! Fez furioso o poeta, levantando a mo ameaadoramente. A' vista do gesto, o felicissimo caador explicou com calma: No o matei; a espingarda negou fogo. Essa mania de Rocha por caadas fazia que tivesse sempre em casa uma magnfica Lafoucheux, de dous canos, troxados, cwn a qual um dia lhe pregaram uma magnfica pea. Conto o caso como elle foi. Morava elle em Nictheroy, ahi pelas bandas do Cubango, muito alm, na matta, com uma crioula doce gente que tem sempre o corao aberto para os infelizes que a procuram na ultima hora da desgraa... Morava elle por l mais a crioula, que nas historias do Rocha, passava a ser uma franceza, talvez para no pagar casa, pois bonde e barcas o Visconde de Moraes lhe dava de graa. Bem! Certa tarde, Rocha convidou o Evencio Nunes, pintor; o Plcido Jnior, que foi muito tempo secretario d'"A Noticia"; e no sei quem mais, para ceiarem na sua residncia e l passarem a noite. O Lebro, proprietrio da Colombo, dava diariamente tudo que sobrava da "estufa", pedaos de leito, frangos, peixe frito, e t c , ao Rocha, e elle e os seus amigos, naquelle dia, se encheram de embrulhos com as carnes magnificas que a generosidade do Lebro lhes proporcionara. Era no tempo do bom Rio de Janeiro, de ruas estreitas, mais liberal e cavalheiro, generoso e pittoresco. Sairam da Colombo, ahi, pelas oito horas da noite, tomaram a rua da Assembla em direco s Barcas de Nictheroy. Todos caminhavam prelibando aquella pantagruelica ceia em que navia, porm, um pouco da distinco e da elegncia dos banquetes chies, devido origem das iguarias., * No meio do caminho, ali, pela esquina da antiga rua dos Ourives, Rocha que tinha dinheiro no bolso, mas precisava realisar suas "reservas metallicas", viu no sei quem e, de repente, passando os embrulhos aos outros, disse nervoso: Vo para as barcas, pois no posso perder "aquelle",. E saiu atraz de um cavalheiro que se esgueirava na rua escura, na calada opposta e em sentido opposto ao que levavam. Evencio, Plcido e os outros foram para a ponte das barcas e esperaram. Nove horas, nada de Rocha! Dez horas, nada de Rocha! Tomaram uma resoluo herica. Resolveram ento embarcar para Nictheroy e irem direitinhos para a casa delle. Assim fizeram e l, a rapariga, Eponina, creio eu, perguntou logo: C d nh Henrique? J vem, diz um delles. Estamos com fome... Aquece tsto oue elle no tarda.

134 Assim foi feito. Ceiaram muito bem e aboletaram-se em esteiras sofs rasteiros, aqui e ali, nas dependncias da casa. A habitao ficava um pouco retirada da rua ou estrada e o porto ou cancella no podia ser fechado chave. Elles fizeram isto e puzeram-se a dormir. S, pelas tantas, Rocha appareceu, batendo desesperadamente na cancella: Eponina! Eponina! Abre que sou eu! Ouvindo isto, Plcido no teve duvidas em castigar o malandro que os abandonara "covardemente". Agarrou a espingarda, munio, entreabriu a janella e, a cada appejlo do Rocha, descarregava a arma. Mais elle gritava, mais tiros Plcido dava para o ar. O fantstico caador dessa feita no teve outro remdio seno dormir no matto cousa que lhe devia ter acontecido pela primeira vez nas excurses venatorias. Rocha "mordia" mas tambm era "mordido". Antes, porm, de contar como elle foi mordido, vem a pello lembrar um episdio de cimes desse meu velho camarada. Estvamos eu, o dr. Ribeiro de Almeida, que hoje engenheiro da Prefeitura de Nictheroy, Rocha e outras pessoas, noitinha, conversando, na Avenida. Rocha contava qualquer cousa, pois tinha a lingua fcil e a imaginao frtil. Acercou-se de ns um typo desconhecido, de uma tez sem accento parecido com os nossos habitantes, e, de chapo na mo, dirigiu-se ao Ribeiro de Almeida, pedindo qualquer cousa. Rocha apartou-se amuado e, quando o homem se foi. voltou ao grupo e disse, para ns indignado: Vocs viram isto, s! Estes ciganos vm para a Avenida "morder"... J se viu uma cousa dessas! Narro, porm, como o velho Henrique foi "mordido". Contoume esse facto o prprio heroe da faanha, actualmente excellente pae de familia, mas que, naquella poca, excedia a todos ns em estabanao, desordem de vida e extravagncia. Uma noite de chuva, elle foi a uma espelunca de jogo qualquer. Jogou e perdeu todo o dinheiro, o ultimo.nickel do bonde! Saiu "zarro" procura de um camarada que lhe garantisse no bonle, a ida e volta, como dizia o Amorim de antanho. Andou por toda a parte, botequins, confeitarias, tascas literrias e no encontrou nenhum, desesperava quando topou o Rocha. Que havia de fazer? Morder o Rocha; e assim fez. Dirigiu-se a elle: Rocha, voc no me pde passar ahi um cruzado. Poi no. Metteu Henrique ambas as mos nas algibeiras da cala, trouxe* as cheias de nickeis, juntou-as em concha e disse para o camarada: Escolhe ahi, filho! Muitos episdios se podem contar do pobre Henrique Rocha, todos, na verdade, cheios de muito cmico, at nos gestos que inventou o havia, at na terminologia que creou ha, mas no se poder descobrir por elle uma misria mor^l de sua alma que repugnasse.

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Havia nelle,mais um precoce cansao de viver, uma incapacidade para a luta que a vida actual requer, desanimo de uma intelligencia que no sabe onde e como se applicou, uma melanclica contemplao inconsciente e doentia dos homens e das cousas, do que mesmo deshonestidade e patifaria. No se sabe do Rocha nenhuma anecdota em que elle fosse desleal ou tentasse falsificar qualquer cousa. Conto ainda mais um caso para acabar: Ha annos o meu amigo e compadre Emilio Alvim, no sei porque, me convidou a ir casa delle, em Botafogo, almoar. Fui. Quando l cheguei, elle se preparava para sahir, o que m encheu de espanto. No ha duvida! disse-me elle. A mulher sahiu e todos sahiram; mas vou almoar em casa do V., pois elle me mandou chamar. Vaes commigo. Em comeo, eu no quiz ir, mas afinal accedi. Era na rua da Assumpo a casa de V., que hoje dirige um grande jornal e que, de ha muito, dirige jornaes no Rio de Janeiro. Na casa de V., foi a mesma cousa. Todos tinham sahido e s l estavam a senhora e a filha. Feitas as apresentaes, a senhora de V., disse para ovEnlio Voc, Alvim, sabe quem passou por aqui num estado lamentvel, agora mesmo? No. O Rocha. Alvim perguntou: Que vem elle fazer por aqui? Vem ver a me, que mora na casa visinha. Parece que, quando elle scisma de vir ver a me, arranja mais dinheiro, compra um sambr grande, enche de repolhos, abboras, couves, alfaces, outras verduras e peixe!... Bebe, bebe e chega aqui cambaleando com o cesto atochado, deixando cahir abboras que elle apanha para logo cairem repolhos que elle apanha, a ponto de fazer medo que elle se estenda na calada... Coitado! E a me no precisa... Rimo-nos do grotesco da scena e entreolhamo-nos. Nenhum de ns dois sabia daquillo. 22619.

Livros de viagens
Gostei sempre dos livros de viagens. Em menino, a minha leitura predilecta, era Jules Verne; passando a rapaz, o meu gosto no diminuiu e, se no li o Marco Polo, foi porque no me cahiu em mos; mas li as viagens de Cook, Bougainvie e o ultimo livro de viagens que li, se no me falha a memria, foi o de. Nansen "Vers le ple". E' uma literatura das mais agradveis, pois, tendo todos os direitos a admittirem-n'a como real, parece irreal. Quando li, por exemplo, a viagem do "Fram". o navio de Nansen, a emoo foi a mesma que tive com "As aventuras do capito Hatteras", de Jules Verne. Em nenhuma das duas leitoras procurei o real ou o fantstico; o que achei em ambas foi sonho, muito sonho de ver cousas novas. Actualmente, serias ou no, pouco procuro ler viagens; j me sinto muito viajado em torno do meu prprio quarto; j sei muito bem que elle a vastido do meu mundo e que a essa vastido me devo condemnar. Antigamente ainda ia a Nictheroy; cheguei at a projectar uma longa viagem a Petropolis; hoje, porm, nem mais esse desejo tenho. Fico no meu canto e a maior viagem que fao, ir, de onde em onde, ao centro da cidade. No julguem que seja pequena; no . De onde moro at rua do Ouvidor, ha bem duas lguas. No quer dizer com isto que abomine as viagens; nem abomino, nem'invejo. , LTma espcie de viajantes, porm, que me aborrece, alem dos caixeiros, sao os diplomatas. E"es viajam tanto, que acabam nao vendo nada de novo. Falo dos nossos, pois os outros nao os conheo; e, dos nossos, muito poucos. . . . Os seus livros de viagens, em geral, sao de uma pasmaceira de quem no tem olhos para ver e intelligencia para penetrar. Quando no sabem sentir por si as cousas estranhas que se lhes apresentam aos olhos, correm a um autor famoso e <*ecalcam-no manhosamente. A's vezes mesmo, o sujeito nao e famoso, e um ^ T e C r S t o 1 0 e l l e f n T o % e m as cousas profundas de. um paiz, mas s aqueila superficiaes communs a todos os paizes Sao olbailes os theatrosfas ruas elegantes, os bairros ricos e os bairros i i V ondfno foram. Houve um diplomata brasileiro, nao

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era de grande graduao graas a Deus ! que se aborreceu muito que no Annam houvesse annamitas. Gente to feia ! Entretanto, ha excepes: e devia havel-as, pois ns no^ somos de todo estpidos. E no so de hoje que ellas apparecem. Serme-ia impossvel fazer a bibliographia dos livros de viagens dos diplomatas brasileiros. Creio mesmo que nem o Itamaraty a saberia fazer. Li, porm, uma "Relao de uma viagem Venezuela, Nova Granada e Equador" que, sendo das excepes de que falei, , entretanto, bastante antiga. Data de 1866; foi impressa em Bruxellas, na casa de A. Lacroix, Verboeckhoven & C , e t c , e seu autor se assigna simplesmente Conselheiro Lisboa, No sei quem tivesse sido, mas supposio minha que fosse pessoa de alta considerao por aquella poca e tivesse sido acreditado como ministro do Brasil junto quellas republicas, para tratar de negcios de limites. Se bem me lembro, elle fez duas viagens quellas paragens; mas o livro se refere particularmente a que fez em 1853. O livro tem por fim, diz o seu autor, "dar a conhecer a meus patrcios, paizes que, apezar de serem limitrophes comnosco, so, no Brasil, inteiramente desconhecidos; procurar (por meio de uma narrativa benevola que apontando com indulgncia os defeitos faa com justia valer as virtudes dos Hispano-Americanos) corrigir o effeito que tm produzido no mundo literrio as obras de escriptores preoccupados". Phrase, pontuao, tudo do conselheiro. Sem procura de brilho no estylo, nem descrever paysagens indescriptiveis, o autor consegue o fim que se prope Elle nos d uma pintura, se no exacta, ao menos verosimil e svmpathica, da vida social, politica, artstica, desses trs paizes, que ainda so para ns inteiramente desconhecidos. De todos trs, porm, aquelle pelo qual parece ter elle mais sytnpathia pela Venezuela. A sua capital, Caracas, sempre tomada por termo de comparao com as outras duas capites que visitou. Ainda hoje, daqui e dali, se ouvem valiosas referencias cultura, ao amor s artes, sobretudo, literatura dos caraquenses. Nomes celebres na historia da America, como Miranda, Bolvar, Sucre e outros, nasceram na pequena cidade do norte da America do Sul, e o exemplo desses grandes nomes, com o de outros nas letras, parece estimular a cultura e o fervor para altos feitos nos Venezuelanos. O livro do Conselheiro Lisboa, singelo e documentado; e, tanto quanto est no poder de um livro, a sua obra d uma ida dos paizes que visitou em misso do nosso paiz. Executar a obra com carinho e afan, fazendo penosas viagens que no eram do seu dever, mandando at, naturalmente por sua conta, desenhar typos populares ou no, trechos e vistas de cidades, tirando cpias de plantas de obras celebres, entre as quaes as do grande Humboldt, que illustrou quellas paragens, demonstrando assim uma rara acuidade de espirito e uma capacidade de pensamento geral que ns nunca suppunhamos em diplomatas. \ Suggeriu-nos dizer isto tudo que ahi vae, a leitura do livro

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que o Sr. Oliveira Lima, tambm diplomata, embora aposentado, acaba de publicar sobre a Republica Argentina. % Ha entre "Na Argentina", diz o Sr. Oliveira Lima, e o livro do velho conselheiro Lisboa, um ponto de contacto: que ambos querem constituir elementos de paz e concrdia entre visinhos. Se, para a longnqua Venezuela, isso um tanto platnico, para a Republica Argentina, sempre necessrio. No ha nada como nos conhecermos, para vivermos em paz e perdoarmos os nossos mtuos defeitos. "Na Argentina" tem a grande virtude de ser obra feita com sympathia. No ha a censurai-a por isso, e seria estulto, nestes tempos de <uerras Cbarafundas bellicosas, censurar algum ou alguma cousa por ter sympathia por isto ou por aquillo. A impresso de leitura mais forte que me ficou do livro do Sr. Oliveira Lima, foi o esforo extraordinrio feito pelos argentinos para crear um passado, para orgahisar tradies. Os seus publicistas, os seus poetas, os seus novellistas, andam em busca de ninharias de ante-hontem para transformar em motivos dignos de epopas e longos e substanciaes estudos. As antigidades mais de hontem so transformadas em preciosidades do Museu de Saint Grmain ou de Copenhague. Sente-se bem que o artificial espirito de tradio argentino pede raizes e no quer simplesmente adejar, como diz o celebre Dr. Ingenieros; quer vel-as mostrarem-se superfcie da terra em sobrecasacas furadas pelo punhal de assassinos de presidentes, em culos de alcance de almirantes estrangeiros que, ha poucos dias, foram infelizes nas suas expolias contra Buenos Aires, e em outras bugigangas. Entre ns, j vae surgindo um movimento anlogo, tanto assim que o Sr. S Freire j mandou procurar algumas recordaes de Duclerc e de Duguay-Trouin. Tanto para l como para aqui, no me cabe censurar tal cousa; mas lembro que tradio s tradio aquella que se faz espontaneamente e sem esforo guardada na memria de todos, dispensando qualquer preoccupao de exactido e estreita veracidade histrica. A tradio palpvel e documentada s pde ser relatrio. A legenda, que no deixa de ser em parte tradio, de Carlos Magno s -se fez durante cerca de trs sculos, pelas narraes oraes, sem que se lhe guardassem os estribos e a espada; e dahi nasceu essa maravilha de poema anonymo que a "Chanson de Roland". Guardar muito cuidadosamente cousinhas desvaliosas de uso de personagens que amanh sero desvaliosos, no pde formar tradio alguma. Pode ser tudo, menos isso. A historia e a tradio no so feitas pelos contemporneos nem pela gerao que se segue. Pedem para serem feitas algumas geraes adiante. Os documentos do passado, conforme nos ensina a historia europa, que no de dois ou trs sculos, substituram por si mesmos, sem considerao de tempo e logar. Ha castellos de trs sculos que desappareceram; de outros ha restos, porm, que tm mil annos ou cerca disso.

140 Ns, assim falo porque estamos soffrendo do mesmo mal queremos substituir o tempo- na escolha que elle faz dos documentos e recordaes que se devem guardar. A tentativa vi. A America politica no tem passado, no tem avs, no tem tradies de famlia. Com esse esforo de construir uma tradio sua, est a parecer-se com certos "parvenus" em cuja genealogia elles no encontram os bisavs, mas que arranjam sujeitos habilidosos que fazem entroncar a sua ascendncia com Ricardo Corao de Leo, que, para libertar o Santo Sepulcro, praticou degolamentos em massa, ahi pelo sculo XII da era christ. Essas consideraes me levaram longe e o espao no me sobra. O livro do Sr. Oliveira Lima em todos os pontos um livro excellente, que nos faz conhecer a Republica Argentino' sob vrios aspectos. Encontro, nelle, porm, uma falta: o povo argentino. S. S. no se preoccupa com as camadas ditas representativas. Professores (l so ricos, diz S. S.), gente do mundo, estancieiros; mas o povo, na sua nudez, o Sr. Oliveira Lima deixa de parte. Penso eu que no foi propositadamente, mas uma omisso involuntria, devida aos hbitos da profisso. Mesmo na literatura, a obra s nos fala de autores considerveis no ha duvida, mas de autores cujo mrito a importncia de sua posio social torna de alguma forma suspeito. Nas nossas democracias sul-americanas, sequiosas todas de medalhas e consideraes, os poderosos no deixam aos humildes nem o direito de dizerem tolices em prosa ou verso. Elles o tomaram tambm para si. Muito mais podia dizer sobre to notvel obra, por tantos ttulos digna de leitura, mas o espao j mingua e as palavras j me faltam. Comtudo, j que falei to longamente do esprito tradicional que implica de algum modo espirito de nacionalidade, pensamento nacional e o mais; j que falei nessas cousas, no posso deixar de lembrar aqui uma phrase de Remy de Gourmont, quando o presidente da Suissa nos deu ganho de causa na questo do Amap: "A America do Sul a Europa depois da invaso dos brbaros".
16-4-20.

Duas relquias
Imaginem os senhores, quando, em comeos deste mez, arrumando e limpando os meus poucos livros, dei com dois tratando de orthographia, como no fiquei espantado ! J me havia esquecido delles, porquanto esto em minha casa ha muitos annos. Ambos j tm mais de trs dezenas de annos. e vm nos acompanhando atravez de todas as vicissitudes e mudanas da minha humilde famlia, desde que me entendo. Ha muito tempo, porm, no os via. Um da autoria do Sr. Jos Feliciano de Castilho Barreto e Noronha. Foi impresso aqui, no Rio de Janeiro, em 1860, na Typ. e Livraria de B. X. Pinto <Je Souza, rua dos Ciganos, 43 e 45. E' a segunda edio, sendo que a primeira foi publicada pelo "Jornal de Alagoas". Semelhante relquia dedicada ao Sr. Dr. Pedro Lep Velloso, presidente da 'Provncia de Alagoas. Este senhor deve ser com certeza pae do inevitvel Gil Vidal; e, se eu mantivesse relaes com este conspicuo jornalista, talvez lhe fizesse presente do incunabulo da imprensa alagoana. No tendo relaes e receando-me de offercel-o sem as ter, porque podia parecer lisonja e obsquio calculado de escriptor obscuro que quer ganhar mama com auxilio da primeira columna do "Correio da Manh", mudei de teno e lembrei-me de dar de presente o volume ao meu velho collega e amigo Oiticica, que, em tempos, j se deu theologia grammatical. Anda elle, porm, atrapalhado com cousas mais modernas e actuaes; esuppuz que o livro, nas suas mos, iria ter o destino que tinha tido nas minhas, durante cerca de trinta annos: ficar na estante. Foi o que lhe aconteceu e ao outro, desde que meu pae m'os deu. Lembrei-me do Sr. Joo Ribeiro, do Sr. Medeiros e Albuquerque. .. Emfim, o destino a dar a este como ao outro, que do fallecido professor Boscoli e veio luz em 1885, ficou sendo para mim objecto de cogitao um dia inteiro. Quem ter pacincia de lel-os ? Quem poder tirar ensinamentos delles ? Tinha uma pena de que elles continuassem numa catacumba particular. Tenho uma visinha que moa da Escola Normal. Pensei c

142 commigo: essas cousas meticulosas, esses trabalhos chinezes de granunatica, etc, cabem bem s mulheres ou aos frades. So trabalhos de pacincia e de memria que fazem dos imaginrios e dos malucos torturados em achar a substancia das cousas, a verdade da existncia. Vou dar essas preciosidades aquella minha Visinha que sabe de cr' os nomes dos presidentes da Republica, de 1889; para c, seus feitos memorveis e datas da coroao e sagrao de cada um e da sua abdicao do poder nas mos dos seus herdeiros. Dias depois, - pensei: esta moa talvez julgue que eu a quero namorar; e vai por isso fazer um estardalhao no bairro. No, no dou; no quero ser calumniado. Andei assim de resoluo em resoluo, hesitante, sem saber a quem dar os dois bedengs, quando me lembrei do meu amigo Cicero de Britto Galvo. Ccero moo, dado bibliographia, publica uma interessante revista mensal "Livros Novos" sobre esse assumpto. que a nica existente no Brasil; est ahi pensei eu pessoa capaz de dar apreo aos livrecos ou encaminhal-os a um destino digno de suas tenes e delles, dos livros. Empacotei os volumes e escrevi uma carta a Cicero. A minha vaidade pedia que a missiva fosse publicada; mas vi que Cicero a no publicaria. No est nos moldes de sua revista, extensa logo adivinhei essas suas objeces. Resolvi publical-a aqui, porque quero que o maior numero de pessoas saiba os motivos porque me separei de to sbios livros que talvez fizessem o encanto de algum paciente e notvel professor da roa, excepto talvez o professor Jeremias do W. Lo Vaz. Tinha este muito mais que pensar do que indagar se "faliar" deve ter um ou dois "11". Eis a carta: Meu caro Britto Galvo. Sade e saudades. Tenho recebido a "Livros Novos". Obrigado. Para pagar-te o obsquio, se assim me posso exprimir, mando-te estas duas raridades que estavam entre os meus livros commumnissimos. Ambas ellas me foram dadas por meu pae, que se deu em tempos, como modesto amador, ao estudo ou leitura desopilante das estupendas questes de que ellas tratam. Uma deltas at foi-lhe offerecida pelo autor, o fallecido professor Boscoli, homem operoso e dado metaphyiet grammatical, tendo, apezar de sua percuciencia e capacidade de encadeiar raciocnios subtis, como se fosse um verdadeiro, doutor da Escolastica, deixando insoluveis muitos problemas syntacticos, orthographicos, etc. aos seus successores e seguidores de sua audaciosa feio mental, para que este ou, por sua vez, os discpulos destes, afinal, illuminavam a parte da humanidade que fala e escreve portuguez, com uma clara soluo de semelhantes quadraturcS do circulo, triseces do angulo da panossa granunatica, mesmo que fosse no dia de Juzo Final.

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Tu, creio, e eu, (afiano) ainda at hoje no sabemos se o certo Que horas ? ou errado Que horas so ? Est ahi uma questo grammatical que Boscoli propoz aos Mersennes philologicos, e, aq que me conste, nenhum at hoje resolveu com acerto. No quero tomar em semelhante polemica por demais transcendente, iniciada ha annos pelo Descartes Boscoli da sciencia e philosophia lingstica, nm em outras parecidas; por isso, isto , para que no me venha tentao de fazel-o algum dia, que te mando estas duas preciosidades. J te falei da do fallecido Boscoli que deu a de sua autoria a meu pae, quando este era typographo na Imprensa Nacional, onde ella foi composta e impressa. A outra de um Sr. Jos Feliciano de Castilho Barreto de Noronha. Creio que este senhor o irmo do famoso autor portuguez, Visconde Castilho, e andou por aqui ha annos, armado de palmatria a corrigir nos nossos autores o que lhe parecia erros de portuguez, segundo o seu portuguez enviezado, assim feito pelo seu orgulho de ter nascido no Reino, no admittindo nenhumavmodificao na linguagem lusa transplantada para aqui e modificada pelo tempo e outros factores embora, de onde em onde, os seus prprios, patrcios deixem de lado os clssicos e pseudos-classicos e escrevam com toda a liberdade, sem semelhantes em cadernos de escripta de mestres-escola da roa. Garret e Ea so exemplos. Se as no quizerdes, podes dal-as a algum que aprecie o assumpto. Tive diversos propsitos entre elles o de offerecel-as Academia de Letras. Fui candidato e s tive um voto; e, por vingana e despeito, offerecendo-lhes estes livros, era minha supposio que elles servissem para ateiar ou reateiar discrdia entre os seus conspicuos membros. C de fora, ento, ficaria eu a rir-me delles, e, se a cousa viesse a acabar em rolo e sopapos, pediria a alguns camaradas emprestada a sua capacidade de riso para poder dar uma gargalhada homerica diante dos argumentos do gracioso Dr. Hlio por exemplo, justificando a escripta do vocbulo caracterstica. conforme a sua origem grega, e, aps forte discusso, atracando-se afinal com o suave Dr. Aloysio que opinava dever graphal-o de accordo com a orthographia original (elle nunca a tinha visto) da "Cano do Figueiral" ou do "Tinharabos". Pensando melhor, porm, verifiquei que a discrdia premeditada era verdadeiramente sacrilega, alm de profundamente denegrir 0 meu caracter. A Academia perfeitamente o cemitrio das letras e dos literatos. Os que l esto, no passam de cadveres bem embalsamados, e muito melhor os mais moos, devido ao aperfeioamento actual do processo. O progresso uma grande cousa... Muita gente, por ahi julga que, do imprio do esquecimento em que a Morte nos faz entrar a todos, se foge com mausoleos vistosos, inscripes de lguas e meia, embalsamamentos, missas de stimo dia, e t c , etc.

144 Alguns com isso escapam, verdade; mas como o celebre Pechilin, cujo cadver embalsamado anda aos ponta-ps no Caju'. No foi esquecido... Na Academia, ha muita gente que tem tambm essa ingnua crena; e agora, com a herana do velho Alves, de crer que os marmoristas de carregao, de Gnova, vendam-lhe toneladas de anjos ajoelhados, em postura de reza e outros adornos tumulares, para guarnecer os seus sales e os seus "fauteuils", ganhando elles muito dinheiro com isso. Abandonei, como te ia dizendo, o propsito de perturbar a paz daquella necropole egypcia, ou melhor: daquelle "columbarium", porque no digno da nossa piedade de viventes tal fazer, instigados por quaesquer motivos que sempre ho de partir da nossa condio inferior de seres vivos. Todos os mortos, pensei eu avisadamente, merecem o nosso respeito e piedade. Fosse qual fosse o seu estado anterior no nosso mundo, tivesse sido elle um escravo de Livia ou o prprio Augusto, todos elles devem ficar em paz onde esto, respondendo perante os Deuses pelas culpas e peccados que tiverem praticado. E' um sacrilgio quebrar-lhes de qualquer modo o socego em que esto; e, portanto, dou-t'as, a ti, as duas obrinhas curiosas que ahi vo, para que tu, Britto Galvo, fiques com ellas ou as ds a qualquer, mesmo que seja ao Museu Nacional ou ao Histrico do Sr. Escragnolle Doria. Preferia que fosse aquelle e ficaria muito contente se fossem expostas na sala das mmias. Os volumesinhos esto tua disposio na livraria Schettino, onde podes procural-os. Peo-te tambm desculpas por ter publicado esta, antes de obter tua autorisao. Arranja a cousa como quizeres. Adeus.
28-2-20.

Dous livros
Com o lindo titulo de "Saudade", veiu-me ter s, mos um livro original que o seu autor, o professor Thales C. de Andrade, de Piracicaba, teve a bondade de me offerecer. E' um livro por assim dizer didactieo, mas que, ao contrario "dos livros didacticos, no vem cheio de declamaes patriticas, de clangoramentos a uma duvidosa grandesa do Brasil, a reboar nos espritos infantis, mas que tambm no tem criticas pouco prprias a serem dadas a Ter a creanas. E' um livro puro e doce, em que, na linguagem mais simples, o autor procura convencer os seus pequenos leitores das bellezas e dos encantos da vida da roa. Pouco conhecedor dessa vida, nada direi, nem poderia dizer, sobre o acerto de sua these; mas o certo que o livro me encontrou e eu o li com prazer de quem sonha com uma regio que no viu e no ver nunca. Trata-se da historia de um menino chamado Mario que " foi. crescendo, foi crescendo e.r. ficou moo". Cheio de saudades da sua meninice quiz escrever a historia delia. Metteu mos obra, a historia ficou grande que dava at um livro. Mandou-o imprimir e chamou-o "Saudade". Com esse entrecho simples, como convinha ao destino do livro, o Sr. Thales C. de Andrade conseguiu realisar uma obra em que as creanas falam na sua linguagem prpria, em que traduzem sua emoo diante das cousas e da natureza com as imagens e .comparaes prprias sua idade, no deixando, porm, de haver incidentes que se passam entre gente grande. O -maior encanto do seu livro este de reunir candura da crean, a reflexo de homem e o grande segredo de sua obra mostrar a capacidade de observao do seu pequeno heroe, .sem mesclar essa capacidade com nenhuma espcie de pedantismo. O seu prefaciador, o Sr. A. de Sampaio Doria, diz muito bem que "o autor tem intuio exacta da psychologia infantil; sabe ser creana entre creanas, alliando a um assumptQ prprio uma linguagem sbria e expressiva". A famlia de Mario deixa a fazenda, vende-a e vem morar na cidade, onde o pae se estabelece. Mario no se agrada da cidade: . _ "De manh at noite, conta elle batiam palmas ao porto ou faziam soar a campainha. Aquillo parecia no ter fim, enjoava

146 a gente. Era o padeiro, o leiteiro, o "verdureiro, o peixeiro, o carvoeiro, o mascate, o cego, o aleijado e mil outras pessoas que iam offerecer alguma cousa ou pedil-as, ou visitar mame e acompanhai-a nos passeios". Essa complicao da vida urbana aborrece logo a creana que se recorda da vida simples do campo. Chega o fim do anno, o pae, d um balano no negocio e tudo lhe tinha corrido mal. No fim de pouco tempo, elle empobrecia a olhos vistos. Foi preciso recorrer a um emprego, numa fabrica, onde no v futuro algum. Resolve, ento, o pae do Mario a comprar com o resto da fortuna que tinha reservado, umas terras que lhe foram offerecidas em condies vantajosas. Depois dos indispensveis ajustes, l vae toda a famlia se estabelecer de novo na roa. Dahi em diante que se desenvolve a parte mais importante do livro, aquella que a sua verdadeira meta. A apresentao dos collegas de escola primaria, a descripo da professora, D. Alzira, uma "criao", "Z Fidlis" e tantos outros trechos so inesquecveis. O Sr. Thales teve o bom gosto de entremeiar os seus captulos com versos e cantos relativos aos assumptos'tratados nelles. Ha um de Monteiro Lobato e um outro do prprio autor "O Cordo", que d um firme relevo e um desenho seguro, uma imagem da vida roceira, das suas creanas simples e da sua ingenuidade necessria. Um livro didactico to brilhante como o do Sr. Thales C. de Andrade, acabada a leitura delle, provoca algumas perguntas srias nossa conscincia: o que devemos ensinar aos nossos filhos? Que sentimentos moraes devemos transmittir-lhes ? Diante dessa onda de brutalidade, de violncia, de ausncia de qualquer sentimento de piedade e misericrdia, que vae cobrindo o mundo, ser a bondade, o amor que lhes devemos ensinar ou dever ser tambm a violncia, a crueldade e o egosmo, para que lhes no sejam vencidos por qualquer dos partidos que appellam todos para a fora e para a matana ? No sei responder; mas, no formoso "Saudade", eu s vi a excellencia, a poesia e a transcendncia da meiguice, da honestidade e da amisade. Foi por isso que o livro do Sr. Thales encheu-me de prazer e me fez recordar os meus innocentes annos de menino. Eu me absteria de falar, tratando dessa obra sobre linguagem, se no tivesse percebido ter elle merecido criticas estreitas a tal respeito. Abster-me-ia por duas razes: primeiro, por no ter competncia ntm autoridade; e segundo por ser enfadonho, estar a escarafunchar coisinhas. Entretanto, eu me animo a observar que muitos modismos e vocbulos que l vm gryphados como expresses duvidosas, tm foros de cidade entre os nossos melhores grammaticos. Nenhum delles leva* a mal que se diga cbeudo por teimoso-, "encharcarse de tanto beber isto ou aquillo"; "nem por sombra"; "feito amisade com algum", e outros.

147 Quanto phrase... as plantaes que esto tremendo de viosas , faz-me lembrar as estreitas palpitavam no co metaphora hoje corriqueira que, segundo Remy de Gourmont, se no me engano, foi pela primeira vez empregada por Chateaubriand. No tenho aqui mo o Du Style daquelle autor francez, seno documentaria a cousa. f Emfim, o livro do ST. Thales digno de todo o apreo.
i * * *

Em reedio Gasto Franca Amaral acaba de publicar o seu interessante dialogo entre um pessimista e um optimista Horror forma humana. Approximo aqui o ingnuo livro do professor Thales do angustioso opusculo de Franca Amaral, no por isso ou por aquillo, mas pela necessidade urgente de dizer sobre ambos qualquer cousa. Como o titulo indica, o trabalho do ultimo pe em scena dous amigos que conversam muito vontade mim recanto da Gvea, tarde, sobre esta cousa de saber se a vida boa ou m. O outro no diz; mas estou disposto a pensar que o dono da casa artstica e confortvel o optimista, No que supponha que sempre os ddnos de casas desse gnero sejam optimistas. O pessimismo no vem de ter soffrido. No. Vem de razes obscuras e intimas que so difficeis de colher. Um pobreto pode ser optimista; e o filho de um millionario po(|e ser pessimista. Tenho para mim que tal concepo da vida no vem tambm de se a ter saciado delia, mas de se a ter antegosado em toda a extenso e profundidade e saber que ella no tem sabor algum. E' presentil-a sem fundo, sem sentido, indigna de qualquer esforo em qualquer direco; tel-a como uma apparencia a que foras e causas obscuras nos obrigam a acceital-a, que nos faz pessimistas. 'A fortuna e a pobreza nada tm que ver com o pessimismo, nem o amor ou outra qualquer cousa apparente. O livro de Franca Amaral suggere muitas outras reflexes que talvez eu tivesse fito, mas que no sei exprimir. Elle joga com muitas idas, com muitas noes; possue muitos aspectos, demonstrando-se um estudioso e pensador. Escripto com toda a correco; , porm, um dialogo philosophico, gnero literrio antigo que vae renascendo, onde se pedem mais idas, conceitos, de que mesmo a naturalidade e o abandono da conversa familiar. No ha a censural-o por isso, porque elle sabe o que fez, e o fez bem feito.

Sobre o nosso Theatro


Tenho dito muitas vezes que no vou a theatro. Isto verdade. No porque desprese o theatro propriamente; no porque desprese os artistas; no porque desprese os autores. Eu no vou a theatro porque despreso o publico. Os artistas e os autores no tm culpa de que o nosso theatro seja a chulice que ; quem tem culpa o publico. quelles do a este o que este lhes* pede, e no podem, e no devem fazer outra cousa, pois precisam viver. Estou disposto a acreditar que ha entre os autores muita gente capaz de fazer cousa melhor; e, por \sso, lembrei-me de bordar algumas consideraes sobre cousas do palco carioca. " Mas, como que voc no indo a theatro vae falar sobre theatro ? A explicao simples. Sigo attentamente a vida delle petas chronicas, pelas revistas especiaes. Recebo a "Comedia", que os meus amigos e camaradas M. Austregesito e Autran tm a bondade de enviar-me;.e sempre leio o semanrio do Barreiros e Lno, "Theatro & Sport". Este meu methodo de estar em dia com o nosso theatro tem duas vantagens: posso meditar calmamente sobre elle e no corro o perigo de fascinar-me por uma corista qualquer. Ainda agora, relendo uns nmeros no muito atrasados, da ultima das revistas citadas, vi que havia no nosso "mundinho" theatral, um grande barulho com o sr. ou, alis, dr. Cardim. Aqui, no Brasil, ningum deixa o doutor, mesmo quando escreve revistas de anno. Dito isto, passo ao que estava tratando. No imaginei nunca que o sr. Cardim merecesse opposio to rancorosa. Elle, pelo que leio, desde os folhetins do Arthur, me apparecia como um abnegado propagandista da nossa regenerao scenica, como um defensor dos artistas, e t c , etc. Vem, porem, a revista do Lino e diz que no, contando do homenzinho cousas que muito desdizem da sua alta misso de regenerao artstica. Vou transcrever um trecho para que os nossos leitores apreciem, ~Cumpre-nos, ento, declarar que a tal virtude do sr. dr Gomes Cardim, est em verdadeiro antagonismo com a sua conducta de ha pouco tempo, em Lavras, no Theatro Municipal, quando ali s<f. encontrava a Companhia Dramtica.
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O desgosto habilmente simulado pelo sr. dr, Gomes Cardim que, no theatro da referida cidade, mandou inutilisar a placa offerecida pela plata a toda a companhia, para substituil-a por outra de sua propriedade, com - dizeres,- apenas, referentes sra. Itlia Fausta, s pde confirmar a sua vocao de comediante.. No theatro de Juiz de Fora, quando a sua ousadia de camelot o levou a mudar de posio todos os retratos de artistas notveis que se encontravam no foyer, para coocar o da sra. Itlia Fausta entre Novelli e Furtado Coelho, prova realmente o sen critrio artstico de... hbil armador. Isto est no numero de 1 de maro corrente, no qual, e em alguns anteriores, podem ser encontradas cousas mais interessantes. Ningum poderia suppor que o apstolo da arte dramtica tivesse semelhantes calunds e fosse dado a esses caprichos de namorado suburbano. O Arthur era mais pratico; e o Coelho Netto que, actualmente, partilha, com o sr. Cardim, a misso de erguer o theatro brasileiro, tambm o . Coelho Netto arranjou uma escola dramtica, em que no entram nella pretos, mas que elle entra nella. consumindo um razovel ordenado; e o Arthur fez-se dictador do theatro revisteiro, no qual s as suas revistas prestavam. O vil metal no move q sr. Cardim; mas "1'amor che muove il sole e 1'altre stelle". Nessas cousas de theatro, actrizes, actores, pontos, coristas e figurantes, o que me assombra a admirao dessa gente toda pelo Arthur Azevedo. Este senhor sempre foi uma grande mediocridade intellectual, com dotes secundrios de escrever e versejar regularmente, facilmente, correctamente; mas, sem imaginao creadora, sem poder de inveno e de emoo, sem nenhuma viso da vida em geral e, da particular, do seu meio social. Os seus dotes secundrios fizeram-no popular no theatro e fora delle; e Arthur aproveitou essa popularidade para se fazer um dictador dos palcos do Rio de Janeiro. Ningum chegava at elles, sem o apoio do A. A . ; mas, como Arthur s fazia "revistas", toda a gente comeou a fazer "revistas", como a celebre "mulata" generalisao infame e lrpa com o tal matuto idiota que uma toleima, e t c , etc. Elle exerceu durante os seus ltimos annos de vida esse ascendente despotico e s mal fez a toda a gente de theatro que hoje escarnecida, injustamente, por todo aquelle que pensa um pouco. Uma dictadura semelhante quer exercer aqui nas letras, nos jornaes e at no theatro o sr. Paulo Barreto, mas faltaram-lhe, por no ter sequer a habilidade e a manha para isso, a audcia e a coragem necessrias, em substituio. Arripiou carreira e voltouse para a gamei Ia munificente do Itamaraty. A mania do brasileiro ser chefe, seja de que frma fr. Se no pde ser do Rio inteiro, contenta-se em sel-o do becco dos Boiotos mas chefe! Nas letras, o nosso typo de chefe o sr. Ruy Barbosa, que j repudiou a literatura por oceasio do seu jubileu, mas, assim mesmo continua a ser o seu typo. O aspirante a

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chefe literrio, actualmente, o sr. Coelho Netto, que, impondo-se obrigao de preencher todas as exigncias do modelo barbosiano, quiz se fazer poltico. Foi deputado durante nove #nnos, fez dous discursos de congratulaes a Portugal, com "paredros, zimbram", etc, fracassou e voltou-se para o "football". Com essa muleta sportiva, bem possvel que o autor do "lbum de Calibar" venha a assumir o governo absoluto das nossas letras, tanto mais que, como o "Correio da Manh", de 11 do corrente, diz, commentando a sua misso patritica e desinteressada a S. Paulo, no ha ainda maximalismo, no sport brasileiro. Porque s admittindo que o vrus desse mal do inferno e da morte se entranhasse no organismo spor-tivo nacional que se poderia conceber tamanho dislate, tamanho crime. Com uma to simplista philosophia social muito prpria do burguezismo "parvenu" do sr. Netto, bem possvel que elle merea, com ajuda do "football", o supremo pontificado das nossas letras. Aguardo-o. No theatro, porm, elle tem que se haver com o sr. Cardim e este, ao que parece, bebe a sua coragem e a sua fora em fontes mais celestiaes e mais tonificantes. Falemos, porm, serio... No conheo o sr. Cardim, mas por no conhecel-o, que esperava trazer elle para essa sua companhia, em favor do aperfeioamento artstico da nossa ribalta, um espirito novo, sagaz e innovador. ' O sr. Cardim, vivendo nos bastidores, convivendo com actores, gazistas, pontos, sentindo a plata daqui e dali, devia ter observado que havia necessidade de pr os gostos do publico e as exigncias 4o viver do pessoal scenico em accordo. Devia isso ser o seu postulado. A "revista" ou que outro nome tenha, que desceu hoje ate ao mais baixo gro de imbecilidade, estupidez e panurgismo, procurada, apreciada pelo publico, porque actual, porque, em virtude do nosso amor bisbilhotice e maledicencia, fala mal dos outros e os ridicularisa. O grosso publico do Brasil gosta sempre da critica amarga, muito actual, muito do dia presente, aos acontecimentos e s pessoas, e no a quer em grandes vos e generalisaes. Elle a quer a "seu" fulano, delegado, ou ao "seu" Chaves vendeiro da esquina, ou d. Sinh Fagundes, que se finge de rica. O missionrio paulista devia ter observado isso e, sem abandonar os seus dramas e as suas peas de alto cothurno, encaminhar a sua actividade para tirar da "revista", como auxilio do pendor que o publico tem por ella, alguma cousa de mais elevado e mais intellectual. , , . __ Da maledicencia e da critica, todo o nosso povo, do Amazonas, e t c , a parte que mais gosta a politica e urna comedia poltica, ao geito das de Aristophanes, ou mesmo das velhas faras ou .operas de Antnio Jos, com alluses a casos bem do d.a de hoje, com troas e personagens antipathisados pelo publico, enquadrado tudo sto num livre e mesmo fantstico entrecho, sem que lhe puzesse

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nenhuma restrico fantasia, julgo que seria pea para grande successo. Quem a faria? Ahi que est o precalo. O sr. Cardim correria ao Coelho Netto e este tirava das estantes os Croisets, as obras de Aristophanes e o diccionario de Domingos Vieira e do Antigidades Gregas, e decalcaria "Os Cavalleiros", com parabases numa linguagem barca de vocbulos obsoletos e inintelligiVeis, de metro e meio de extenso, ou seno pasticharia sem propsito e s por amor ao antigo a ilha dos Lagartos. Faria mal o sr. Cardim e seria sem desculpa o seu erro, desde que o fizesse, aps o fracasso da collaborao acadmica na "A Noite". O meu amigo Marinho foi buscal-a no Syllogeu em Botafogo, em Therezopolis, em Santa Thereza e em Petropolis e os acadmicos deram, com raras excepes no fiasco que o Rio de Janeiro todo assistiu embasbacado. O Brando, dos "Ecos e Novidades", da mesma "A Noite", que no literato, nem acadmico, sempre fez a sua seco diria com muito mais interesse e mais opportunidade, que todos os Nettos, o peior de todos, da semana acadmica reunidos. At uma "Pagina de lbum" de vetustos namoros j sahiu... O sr. Cardim, que tambm escriptor, deve conhecer bem o meio e os seus homens, ter a sagacidade sufficiente para encontrar o autor que lhe conviesse. Tente e no se importe com a Academia e outras consagraes, rompa com ellas; no se incommode que os "delambidos" e doutores literrios condemnem as suas peas, por no serem comedia, nem drama, nem tragdia, nem l que elles entendem, segundo os velhos cnones literrios. Alargue os quadros, misture uns com os outros gneros, mas, sem esquecer o seu postulado, de modo que contente o publico1*e faa cousa de pensamento e renda. Querer attrahir o nosso publico, o grande, o remunerador, com as peas dos moldes estabelecidos, vo. Elle no va to alto nos conflictos de sentimentos, de paixes e caracteres. Na literatura escripta, pde-se tentar, porque bastam dois mil leitores, para custear uma edio; mas no theatro, o que so dous mil espectadores? Nada. O que preciso que apparea no theatro, um grande gnero bem nosso que attenda tanto massa commum dos auditores como quelles que at agora se tm afastado do nosso theatro, por ver as suas peas, "revistas" lrpas feitas de cordel, que o que tm de melhor a pornographia e a escatologia. E' um caminho que est a desafiar um empresrio aulaz e intelligente. Quanto censura, o sr. Cardim, que bacharel, sabe perfeitamente que a policia perfeitamente desautorisada para exercela, no s legalmente, como literariamente. No possvel que uma lei ordinria qualquer ou um simples regulamento ponha nas mos de supplentes de policia, mininotes bisonhos, quasi sempre illetrados, bacharis ou no, autoridade sufficiente, para restringir a liberdade

153 de pensamento que a Constituio Federal d a todo o cidado, na frma mais ampla possvel, respondendo elle pelos abusos que commetter, mas isto depois de se ter communicado com os seus leitores ou ouvintes. Caso a policia se mettesse em prohibir a representao ou "cortar" a fara a Antnio Jos, havia o appello para os tribunaes que no poderiam permittir policia do Rio de Janeiro, no XX sculo, ter mais poder para exercer a liberdade de pensamento na scena que os archontes de Athenas, no V sculo, antes da ra christ, ou o Santo Officio portuguez, da primeira metade do sculo XVIII. Recorrer aos tribunaes, sr. Cardim, seria um esplendido reclame; e no se esquea que, para fazer grandes cousas, preciso "audcia, sempre audcia e ainda audcia". Ponha esta nossa "ilha dos Lagartos", em scena, sr. Cardim! 12 3 19.

Pela "seco livre"


Os "apedidos" do "Jornal do Commercio" so uma das mais preciosas instituies brasileiras. Genuinamente nacional, mais do que isto: genuinamente carioca; mais do que isto: genuinamente "Jornai do Commercio", elles no tm cousa semelhante em nenhum jornal do mundo, do paiz e mesmo da cidade do Rio de Janeiro. Em nenhum outro quotidiano, a velha instituio dos "apedidos" se aclimata e prospera. Nos, outros jornaes cariocas, toda a gente v como definham as seces de literatura jornalstica pagas; e, nos grandes jornaes dos Estados; como no magnfico "Estado de S. Paulo", s em certas occasies os seus respectivos'"apedidos" tm alguma semelhana com os do velho rgo.* O prprio "Jornal", por occasio de commemorar um seu anniversario, j fez a apologia da seco que inventou e creou. Disse o redactor do elogio que elle facilitava toda a gente ser jornalista e ficar independente dos profissionaes. Os inimigos do vov dizem, porm, que a sua seco livre uma vlvula de escapamento para os rancores e despeites do grande rgo de publicidade, quando a sua expreso escripta no pode figurar nas partes officiaes do jornal. E' to interessante a seco que bem merecia um estudo histrico bem documentado. Vejo falar no Romo, no Mal das Vinhas, no Prncipe b e outros velhos collaboradores daquella subdiviso do actual rgo do Sr. Botelho. Do prncipe, sei at uma anecdota que no posso deixar de contal-a. De onde em onde, o Prncipe Ub II, d'frica, tinha os seu pruridos de escriptor e, provocado, por isto ou aquillo, escrevia laudas e laudas que, com gomma arbica, ia grudando numa longa tira. Fazia assim uma espcie de bobina que levava ao balco do "Jornai" para ser publicada, mediante pagamento. Perguntava ao empregado: Quanto' ? Respondia o caixeiro, depois de contar as linhas: . - 120$000. O Prncipe espantava-se, o empregado mantinha o preo, ba,

156 depois de meditar, pedia uma thezoura, cortava uma grande parte, assignava de novo e indagava: Quanto ? O caixeiro calculava e acudia: < 80$000. S. A., j sem necessidade de meditao, recorria tezoura, assignava novamente e perguntava: Quanto ? 50$000. Nesse ponto, quasi sem nada dizer, o Prncipe Ub amputava mais uma vez a bobina, punha de novo a sua principesca assignatura e inquiria: Quanto custa, agora ? 30$000. Em fim, quando o seu famoso artigo' chegava ao preo*de 10$, por ahi assim, que o Prncipe Ub II, d'Africa, deixava-o sair, nos "apedidos" do rgo do Sr. Luiz Castro. A no ser este Prncipe que mal conheci, os outros velhos redactores da seco, no foram do meu tempo; mas, ultimamente, vim a conhecer outros redactores dos " apedidos "F, bem interessantes . E' do meu tempo, o Sr. Cezimbra de Arajo, que comeou a escrever, como bom empregado do Thesouro, que era, a biograf i a do ministro Murtinho, em verso. .Se elle a acabasse, levaria a melhor o Pelino do largo do Rocio... No falo aqui do Sr. Teixeira Mendes e outros positivistas que delia se soccorrem. Hoje, so dous a falar em nome da Religio da Humanidade: o Sr. Bagueira Leal e o Sr. Barreto Galvo. Deve ter havido por l alguma das suas costumeiras dessidencias... Das religies, as mais capazes de schismas so as novas e as que tm poucos adeptos... Alm disto, to procurados so os "apedidos" pelos advogados e polticos que ns unicamente, com a sua leitura, podemos aprender direito publico, civil, internacional, penal, finanas, malandragens bancarias, traficancias industriaes e negociatas ministeriaes. E' s lel-os com cuidado. Eu os li sempre e sempre os leio. Tenho tido at saudades do Dr. Pedro Tavares que era um dos seus ornamentos. Por que os teria deixado ? No dia 24 ultimo, eu, como de costume, ao abrir o "Jornal do Commercio", procurei logo a celebrada seco e dei com este "apedido" anonymo: "Collegio Pedro II Chamamos a atteno do Exmo. Sr. Presidente da Republica para o que quer fazer naquelle collegio o Sr. ministro da Justia. O Dr. Carlos de Laet, cujo talento, competncia, caracter e energia todos lhe reconhecem, com muito esforo conseguiu moralisar aquelle estabelecimento; fomos informados que o Sr. ministro, contra o regulamento e em pro-

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veito de amigos seus, quer fazer matricular no curso gratuito alguns filhos de deputados e fidalgos, em prejizo de candidatos pobres e que tm direito. O Governo creou os logares gratuitos para os pobres orphos de pae e me, etc.; quem quer fazer favores, faz sua custa. E no querem maximalismo". Lendo taes cousas, eu pasmei. Poi ento o governo cobra para ensinar as matrias do curso secundrio? At agora julgava que a freqncia no Pedro II era gratuita. Nas Escolas Superiores, at bem pouco o era, s s pagando uma taxa de matricula e uma outra de exame, relativamente mdicas. ,Como que o governo" facilitava assim o advento de doutores e bacharis e difficultava a aprendizagem das humanidades, estudo mais til que todas as sabenas jurdicas e mdicas e daquellas que o famigerado Club de Engenharia guarda o segredo. Sabia tambm que o governo mantm quatro Collegios Militares que se vo multiplicando por todo o Brasil, sustentados por grandes verbas, em que uma grande parte dos alumnos internos gratuita. Como ento que no Externato Pedro II, que o governo republicano herdou do Imprio, o nico que me parecia accessivel aos pobres e remediados, eram pagas as mensalidades de freqncia? Onde estaria isto? Em que lei? Quando me acoddm interrogaes dessa natureza, a primeira cousa que fao abrir a Constituio. Foi o que fiz. L encontrei, no Capitulo IV, art. 35, n. 4o, entre as attribuies no privativas do Congresso, o seguinte: "Prpver instruco secundaria no Districto Federal." L est e todos podem ler o que transcrevi ahi. Mas, como que o Congresso dava provimento a essa sua attribuio? \ Gam o Collegio Militar ? Este Collegio, que carssimo ao paiz, no passa de um estabelecimento muito especial, destinado a meninos de certa origem e nascimento. Com o Pedro II? Mas l se taxam as freqncias e o numero de alumnos limitado. Deixei o remdio fcil de invectiva nossa democracia; mas fiquei atarantado e no pude atinar que, aps quasi trinta annos de Republica, o Congresso no tivesse pensado no assumpto, quando j creou mais trs collegios militares nos Estados. Ser possivel que os luminares do nosso parlamento acreditem que um nico externato, pago ou no, possa attender fome de estudar dos rapazes de uma cidade de um milho de habitantes? Por que no fundam outros ? Por que foram fundar tantos Collegios Militares, nos Estados, e esqueceram-se do mandamento da Constituio que parece impor ao Congresso o dever de tratar primeiramente da instruco secundaria no Districto Federal? ' E as meninas? E as moas? Ento o Congresso tem a con-

158 cepo cazeira de que moa no precisa passar alm do a b c municipal ? Reclamo Lyceus secundrios para as moas e isto por muitas razes, das quaes s cito duas aqui. A primeira, para ser bem entendido aquelle distico do Ganot pequeno, o de "Jeunes filies"; a segunda, para que as moas casadas, desgostosas dos maridos e que queiram encontrar lenitivo para as suas maguas, nas letras e nas artes, no nos falem mais no Csar Cant das bibliothecas dos mandarins seus pes. Excusado ser encarecer, com outros motivos, a reclamao que fao do estabelecimento de Lyceus e Collegios secundrios para as moas cariocas; e o governo est no dever de creal-os quanto antes, para que a influencia feminina, mais bem orientada e instruida, se faa na familia e na sala, de frma a no estropiar a intelligencia dos seus influenciados com as cousas do caudaloso arranjo histrico do Sr. Antnio Ennes. O appello que acaba de fazer uma moa infeliz traduco deste senhor pode muito bem ter provocado sorrir aos chronistas ligeiros; mas, a um pedagogo como eu agora sou, enche de lastima. Quem vem morto de sede e se privou d'agua durante dias, bebe a primeira que encontra, por mais nauseabunda que seja. Agora imaginem uma moa a quem a. fecundao e as dores domesticas alargaram a intelligencia," deram-lhe sede de ler e saber, poder ella, sem boa instruco anterior escolher com acerto as suas leituras ? Bebe o que encontrar mo... De certo, no ? Os governos devem tudo prever; e nenhum delles tinha isto previsto. Ainda tempo. O procedimento do governo federal no que toca instruco secundaria do Districto Federal, tem sido at hoje de um descaso sem limites. Contentou-se at hoje com a manuteno de um nico externato, tendo matrculas s accessiveis aos filhos de poderosos e influentes. Os outros estabelecimentos que mantm, so ainda mais fechados e segregados procura da grande massa de infantes. Alm disto, no creou collegios secundrios para moas; entretanto, apezar desse desprezo, desse esquecimento criminoso, para attender solicitaes polticas, augmenta todos os annos os collegios militares anima a creao de escolas superiores e d a entender que, quem no fr militar ou tiver dinheiro, deve deixar os seus filhos na instruco primaria que j d capacidade para ser eleitor. Quanto s moas, ento, com essas atroz! Pobres ou ricas, no tm outro remdio seno recorrer s barafundas pedaggicas das irms de caridade e jamais vir a entender a imagem do mundo que os homens actuaes, por intermdio das sciencias, fazem. E' uma ignorncia decretada e que bem podia, com mais tempo e vagar, se attribuir como fonte de muitos dos nossos atrazos e muitas das desgraas domesticas que os jornaes trazem, na proporo de um por cento das que existem por ahi occultas.

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No ser trancando todos os bebedos que se acabar com o vicio da embriaguez. Evital-o depende de cada um dos attingidos, do esforo delles sobre elles mesmos, e esse esforo ser1 tanto mais constante e redobrado quanto mais^illustrada fr a victima, por saber os malefcios que lhe causam a sua falta. A ignorncia e o seqestro nada valem. Entendam o que quero dizer e esclaream com a instruco secundaria, leiga e do nosso tempo as pequeninas cabeas das nossas moas que a vida estonteia. 26319.

Sestros brasileiros
Houve ha annos, aqui,, no Rio de Janeiro, uma revista semanal, no gnero Caras y Caretas, de Buenos Aires, cujo redactor-chefe ostensivamente literrio era Raphael Pinheiro. O meu amigo Raphael, e camarada dos bons tempos do Caf Papagaio, sempre teve da vida uma concepo muito sria que, para caracterizal-a pitorescamente e de modo fcil de logo ser apprehendida, eu a classificarei de jogo do bicho. Elle a cercou por todos os lados. Medico, orador, jornalista, poltico, burocrata, agitador, Raphael jogou nella, na vida, pelo antigo, moderno, rio, salteado, Garantia, e t c , etc. Nos meiados de 1905, Raphael era director intellectual e literrio do magazine Figuras e Figures; e, em Agosto, no dia 2, publicava com a sua assignatura, na citada revista, uma noticia em reportagem aliteratada, descrevendo uma excurso com o maestro Puccini, que passara pelo Rio, de volta a uma visita-reclame Republica Argentina. Foram ao Jardim Botnico que, naquelle tempo, ainda estava na moda. Agora vou dar a palavra ao Raphael, transcrevendo o retalho da sua chronica que guardo ha cerca de quatorze annos. Eil-o: "Voltvamos. Inquirimos do que mais o impressionara depois da "fatal" natureza.. "I mori" (os negros). De facto, uma fatalidade reuniu na rua dos Voluntrios, de todas as idades, de todos os feitios, uma centena de negros, proporo esmagadora para os brancos que por alli transitavam. Negros vinham comnosco no bond, negros vira elle no ces, negros trabalhavam na muda do Largo do Machado. Um mal-estar nos entristecia quando uma crioula, toda de azul celeste, passou por ns rua Marquez de Abrantes: Azzurro celeste e nero, ma quella Ia vera celeste Aida?'... Uma gargalhada sacudiu a caravana, ao ouvir esta phrase de Puccini. , E ns tambm..... rimos, um tanto dolorosamente.

162 Ha muita cousa de que me rio, mas o que menos podia fazel-o, era a bobagem puccinesca. Mesmo que se rissem todos os outros com uma banalidade dita por um homem da moda, admitto que o fizessem delicadamente, mas dolorosamente por que? Os companheiros de Raphael podiam fazel-o; mas Raphael, um socilogo pratico, poltico, homem da multido brasileira, sabia perfeitamente que, durante muitos annos, entraram milhes de negros no Brasil, vindos fora da frica, e que no eram absolutamente estreis. O seu solido saber histrico, particularmente no que toca ao Brasil, no podia achar graa dolorosa numa tolice de um superficial maestro italiano, cuja fama j Raphael Pinheiro est vendo morrer. Ora, o Raphael! Quem o diria? Ahi, elle, sem o querer, obedeceu a um dos sestros brasileiros; mas ha. outros. A senhora Gina Ferrero acompanhou seu marido, o eminente Guglielmo Ferrero, na excurso deste America do Sul. Estiveram no Brasil e ella escreveu, aps a viagem, sobre ns, cousas tocantes e amveis; mas, em um dado lugar, disse que o bicho de p era para os colonos italianos recem-vindos, uma praga, um flagello. Para que foi dizer isso? Petropolis, Botafogo, Laranjeiras e os sujeitos da Avenida mobilizaram as suas hostes patriticas e cahiram em cima da moa, com a sua artilharia peculiar de tolices e asneiras. Eu sabia perfeitamente que no devia haver exaggero nisso, porque, de visu, aqui, nos arredores do Rio de Janeiro, em menino, vi os perigos que o bicho de p trazia vida de pessoas j muito acclimatadas ou naturaes do paiz; mas, naquelle tempo estava arrolhado. Meu pae me contava, e ainda confirma, que um filho do-Sr. Dr. Teixeira Brando, hoje deputado federal, e ha annos director delle, perdeu a vida nas proximidades do Rio de Janeiro, por causa de um bicho de p. Ainda mais. Quando estive em Ouro Fino, na casa do meu generoso amigo Emilio Alvim, na colnia "Inconfidente", que fica nas proximidades daquella cidadita do sul de Minas, contaram-me que uma senhora allem morrera, devido a um bicho de p. Daqui e dali, desta ou daquella frma, pde qualquer observador registrar noticias de cousas iguaes e fcil de imaginar como semelhante pulga ou l o que fr, pde ser um flagello srio para emigrantes ainda por adaptar-se nossa roa e completamente ignorantes da existncia de tal bichinho, a ponto de no saber iiral-os com os cuidados especiaes conhecidos familiarmente pelos naturaes da terra. Mas, o Brasil no pde ter essas cousas; e, tel-as, uma vergonha, para Petropolis, Botafogo, Laranjeiras e para as caladas da Avenida, por isso decreta-se a sua no existncia em um berreiro hypocritamente patritico pelos jornaes. O estimavel "Rio-Jornal", a que sou muito agradecido, em 17 do mez passado, caiu ingenuamente numa dessas infundadas manifestaes de susceptibilidade nacional. Elle, ou algum por elle, abriu o "Resumen de Ia Historia de Amrica", por Nicols Es-

163 tvanez, leu um trecho e deu um cavaco patritico de todos os diabos. Este livro muito conhecido entre ns, no s pelos Srs. Capistrano de Abreu, Joo Ribeiro, Pedro do Couto, Escragnole Doria, como tambm por outros menores, inclusive eu, que at o tenho. Nunca o trecho que o "Rio-Jornal" cita, irritou, no direi a mim, mas os outros que o leram. Damos a palavra ao galante vespertino. Elle viu falar: "Ahi, ao historiar a revoluo pernambucana, de 1817, denomina os brasileiros, como alis j tinha feito em outras partes do trabalho, de "los criollos". 0 trecho o seguinte: "En ei Brasil habia muy poos republicanos antes de Ia llegada de Ia corte, pero cuando "los criollos" vieron de cerca una familia real y conocieron los esplendores de Ia monarquia, no fueron poos los que se sintieron inclinados Ia democracia, Ia repblica y ai separatismo!!!" Deixando de parte a tal historia de diminuir, peo licena para lembrar ao sympathico peridico que o "los criollos" de Estvanez o nosso "os crioulos" portuguez, que quer dizer, conforme o modesto diccionario de Francisco de Almeida, o nico mo, pessoa de raa branca, nascida nas colnias europas do ultramar, especialmente da America. Josephina, a primeira mulher de Napoleo, que foi Imperatriz, chamada pelos historiadores francezes crioula; crole, porque nasceu na Martinica, de pes francezes. Nunca na Frana ningum se zangou e disse que por isso se havia diminudo a poderosa amiga de Barras. No Brasil, no nosso falar, ao que parece, que se ampliou essa qualificao aos negros, nascidos de pes africanos; e, depois, s se veiu a applicar a denominao a elles unicamente. Ir por ahi, porm, seria fazer rir, um tanto dolorosamente, o velho amigo Raphael Pinheiro; e no quero pol-o de mo humor... Esses sestros e outros mais idiotas ainda, que devemos combater, abandonal-os, e acceitar, com toda a coragem e deciso, sem falsas vergonhas que levam mentira cynica, a nossa terra e a nossa historia como de facto ellas so e p tempo, os homens e a natureza as fizeram.

A circular do Reverendo Vigrio Geral


Se no estou totalmente esquecido, tratando de Barre, num dos seus Ensaios, que Macauly diz que os philosophos francezes do sculo XVIII estavam com os Evangelhos, emquanto a Egreja se havia separado delles completamente. Agora, mesmo,' com esse explodir ruidoso. das reivindicaes das classes opprimidas, aqui e ali, na America e na Europa, podemos repetir o asserto do grande escriptor inglez. Sem se poder negar Egreja, na sua existncia quasi duas vezes milenar, ter presidido, favorecido e patrocinado^mujta reforma social til e favorvel fraternidade entre os homens, desde a Renascena para c, porm, ella se mostra completamente impotente para continuar a fazer tal cousa. . A politica da Egreja tem consistido nestes ltimos tempos, em sustentar a classe poderosa no momento, com unhas e dentes, desculpar os seus erros e crimes, para poder viver; e quando ella, a classe poderosa, derrubada e abatida, allia-se victoriosa que lhe succede. De um modo gerar, pode-se dizer que a sua attitde em face da no9sa sociedade, a mesma que os jesutas tiveram na ndia, em presena da sua organisao social de castas profundamente se.paradas, por um profundo e supersticioso critrio religioso, muito contrario ao espirito e letra do Christianismo. Quero falar dos ritos Malabares. Um jesuta italiano, veado que o Catholicismo fazia poucos progressos na ndia, tratou de mudar de traje, e, de humilde servo e sacerdote de Jesus, transformouse em um mgnificente e orgulhoso brahmane. Como tal, vestiu-se, sarapintou-se, ajaezou-se, compoz extranhos hymnos e, para no se polluir, deixava de entrar nas casas de familia de classes inferiores e dava a hstia consagrada na ponta de um basto, para evitar que, tocando as suas sagradas mos na pelle do impuro, da pria, no ficasse^elle tambm impuro. O arcebispo de Ga, diz Boehmer, "Les Jsuites", em 1618, citou o padre Nobili, o inventor da curiosa accommodao religiosa malabar, a comparecer presena do/>eu tribunal; e, quando o fez, a estupefaco entre os assistentes fo tal que o arcebispo, de

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espanto, resolveu submetter o caso Santa S. O discipulo de Loyola, no podia ser reconhecido pelos seus collegas; mas, os doutores dos Vedas achavam-n'o conforme as suas doutrinas, ritos e, sobretudo, no que preceituava a separao total de castas, nos livros sagrados do brahmanismo. Emquanto esses ritos de um catholicismo bastardo foram permittidos ou tolerados, as converses augmentaram, mas desde que um papa enrgico os prohibiu, ellas cessaram e as apostasias cresceram . Em ponto grande, a Egreja tem procedido como o tal padre Nobili.O seu methodo consiste em cultivar, desculpar, ou mesmo defender os preconceitos, as vaidades, os erros e crimes das classes dominantes de um paiz para dominar o resto dos seus habitantes, emfim, esse paiz. Ns sabemos, pelo nosso caso particular de nao, que nunca da Egreja partiu um gesto decisivo condemnando a escravido negra entre ns. Se no fossem os exemplos estrangeiros e a propaganda dos "demagogos", como ella chama os apstolos leigos, ainda no Brasil, se esperssemos por ella, haveria escravos; e as acquisies sociaes e polticas da revoluo de 89, a franceza, foram obtidas "malgr elle". Fundada a nossa Republica, livre do "controle" regalista da Coroa, mansamente ella transformou a cidade de Petropolis em uma Lhassa romana; encheu-a de collegios para moas e meninos ricos, no intuito, especialmente no tocante quellas, de dominar, por intermdio de seus educandos, a governana do Brasil. J expliquei como a Egreja consegue isto, em outra parte. Todas as vaidades e preconceitos das classes ricas do Brasil, ella afaga e augmenta at o de nobreza, com os seus jesutas italianos eruditos e as suas irms de caridade ingnuas. Para qualquer erro, abuso de poder, oppresso ou vexame imposto pela nossa burguezia rica, urbana ou rural, administrativa ou commercial' populao miservel do paiz*, ella no tem uma palavra de reprovao ou censura; ao contrario: procura attentar ou explicar com manha e geito. Uma hora soccorre-se da Constituio contra os rivaes; em outra, fal-a esquecer, para obter favores . Sabendo-se incapaz de dominar as almas, de tirar-lhes os defeitos oriundos das nossas correntes concepes de sociedade, a Egreja procura no melindrar as classes dirigentes, para obter destas o apoio material de seu poder, baseado na coaco administrativa e na fora militar que subjugam a nao. A prova mais frisante de que a Egreja incapaz de comprehender s profundas transformaes sociaes que se vo passando de uns sculos a esta parte, no sentido da fraternidade, do bom e mutuo entendimento, entre os homens, o seu proceder nos Estados Geraes de 89, isto , na Grande Revoluo. Os impostos de todas as naturezas, reaes e feudaes, gabellas e "aides", mesmo os que deviam recahir em parte sobre a Nobreza e o Clero, recahiam de facto sobre o terceiro estado, e, neste,

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especialmente, sobre os "routuriers". A mais elementar medida a tomar, para sanar um dos males que corroam a Frana antes da Revoluo, era fazer que as trs "Ordens" do Estado pagassem impostos proporcionalmente sua riqueza. , Ha uma gravura do tempo, reproduzida num livro de classe, Albert Malet, "L'E'poque Contemporaine", que mostra bem esse desejo geral; e nesse mesmo livro ha um trecho do "cahier des dolances" da nobreza d'Albert em que mesmo esta, apezar de estar no uso e goso de privilgios, fiscaes, indica-os como causadores da degradao do paiz, da misria dos cultivadores, da ruina dos proprietrios. A egualdade fiscal de todos perante o Estado parecia ser, no s uma medida de justia, mas tambm a salvao para o regimen social que governava a Frana. Attentava-se um pouco sobre a sua essncia baseada na desegualdade das "ordens", mas, decretada que^ fosse, adiava-se um pouco o 93. A Egreja, porm, foi inflexivel mais do que a nobreza, e se oppoz tenazmente medida. Era ella proprietria de um quarto do territrio francez e levantava impostos, no s os que eram peculiares sua condio, mas os feudaes devidos a todos os nobres e que estavam vinculados s suas terras. Alm de ecclesiasticos, os prelados eram tambm bares Com esses privilgios, no s os altos prelados, ms a grande nobreza, no prestavam os servios sociaes qe os justificavam quando nasceram. Viviam nas cidades, sobretudo em Paris, imitando o fausto real, mal conheciam as suas terras, de que s se lembravam para receber os rendimentos extorquidos .misria do camponez. Tinham feito com as suas abbadias, bispados, baronatos, condados, e t c , o que os nossos burguezes fazem com as suas grandes emprezas, representadas em aces, que elles no as dirigem de facto, nem sabem dirigil-as, mas recebem os dividendos annuaes, commodamente nos seus escriptorios urbarios ou seno com as aplices dos Estados, de que recebem os juros, indefinidamente. Os nobres e ecclesiastkos no guiavam mais nada, nada mais dirigiam: gosavam o trabalho dos outros, representado em taxas mensaes e inqualificveis sobre o miservel trabalhador rural, o celebre animal de face humana de La Bruyere. Os perceptores de impostos reaes ou arrendatrios delles eram odiados profundamente pelo povo, devido s suas exaces e capacidade, tanto assim que foram condemnados em bloco morte em 1893, entre os quaes Lavoisier, que era "fermier general". Em presena de um estado to terrvel, de misria geral, a Assembla Constituinte, resolveu apossar-se dos bens do clero. Nenhuma propriedade mais social do que esta. Ella fora obtida com donativos de geraes sobre geraes, partidos de pessoas de todas as condies, sexo e edade; no tinha como as outras a individuao da herana, com a passagem de pae a filho, no havendo nella, como nesta, o vinculo imaginrio do sangue, de ancestral para o seu immediato descendente, dos avs, etc.; e, portanto.

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desde que, por isso ou aquillo, a nao delia precisasse, todo o direito tinha de se apossar delta. , Taine ataca a Assembla, em parte com razo, por representar isso o exaggerado estatismo do Contracto Social e em parte porque as doaes de 14 geraes anteriores tinham sido feitas com aes ou quaes condies e para preencher taes ou taes funces sociaes. Mas, pelo facto dos mortos, como os vivos |erem direitos na sociedade, que os seus legados deviam ser confiscados, porquanto os seus legatarios no cumpriam mais as clusulas testamentarias. E' isso que se l no "Ancien Regime", do prprio Taine. Cioso de sua enorme riqueza, o Clero francez, sobretudo o alto, prope pela boca do arcebispo de Aix, M. de Boisgelin, saldar immediatamente a divida publica, mediante um emprstimo sobre os seus bens, comtanto que fique com a sua situao privilegiada . A Egreja, portanto, queria continuar com as suas obsoletas regalias e viver como um Estado no outro Estado, pouco se dando que, com tal regimen, ella mesmo se houvesse desmoralisado e empobrecido, tornando at miservel, a massa do paiz. Estas recordaes ligeiras valem a pena ser feitas, quando ns vemos nos dias" de hoje o Sr. Fernando Rangel, monsenhor e doutor (nunca se devem omittir os ttulos, no Brasil), dizer, com toda a sufficiencia da sua alta situao ecclesiastica de vigrio' geral do Arcebispado do Rio de Janeiro, na circular que publicou no "Rio-Jornal", de 4 do corrente o seguinte: "A Egreja Catholica quem possue os dados para resolver situao to difficil como a que ora atravessa o mundo: porque ella, nica depositaria da palavra divina, dos ensinamentos do Salvador do gnero humano, a escola da verdade, da justia e da caridade". Quando se ouve um prelado falar assim, logo nos vem boca, fazer uma pergunta de matuto simplrio: se a Egreja tem os dados, por que no resolve ou no resolveu a questo ? Se ella tinha os dados de 89, por que no a resolveu, escapando at de desapparecer do mundo, sob as botas de Napoleo e dos exrcitos franv cezes ? Onde est a ganncia de dinheiro, a anesthesia moral, o esquecimento dos princpios christos, o cynismo de processos para obter riquezas ? E' nos seus inimigos, nos demagogos, nos revolucionrios, que vivem pelo mundo a soffrer prises, que so injuriados, calumniados, por toda a parte, supportando todas as torturas em nome do seu ideal; ou nos condes papal inos e commendadores que por meio de ladroeiras legal isadas se apossam de grandes extenses de territrios de Estados, para deixal-os em abandono, ou com auxilio de polticos deshonestos e manobras legaes de tarifas, conseguem, empobrecendo uma nao inteira, enriquecer lorpa e inutilmente do dia para a noite ? Para quem a Egreja se desvela em collegios, em incenso, em

169 recompensas? E' para o pobre criado de servir do grandiloquo burguez, mais feroz do que o antigo baro, por no ter o sentimento da eternidade do seu estado na sua gerao, ou para este burguez ? , . , A Egreja pode ter sido divina, mas hoje ella nao o e. I N ao direi que lhe -faltem grandes sinceridades de crena em religiosos de todos os feitios e classes; mas o seu geral espirito de hoje, muito humano, muito-actualmente humano, e, para dominar, para se manter, ella, mesmo era contradico com os seus fundamentos, est disposta a apoiar os factores da misria, do soffrimento, das dores, dos crimes entre os homens que podem quasi totalmente ser removidos, desde que o seja a sua desegualdade social e econmica. . . . xQuem se oppoz egualdade das "Ordens" perante o fisco, para defender as suas propriedades com as quaes explorava os camponezes, s vezes mesmo deixando-as "en friche", por isso ou por aquillo, no ha de admittir actualmente as mais simples reformas que attentem contra os privilgios tcitos da burguezia que lhe d apoio. . A sua aco moral sobre os coraes nao tem mais tora e, quando os burguezes rezam, batem no peito, fazem-se condes, etc, porque j esto totalmente inaccessiveis a todos os sentimentos de verdadeira humanidade. Elles se apoiam na Egreja e esta nelles, na sua fortuna, com a qual prendem os espritos livres, os proletrios, que sao obrigados a prestar directamente ou indirectamente, obedincia a elles, se querem viver, pensar, ter filhos ou mesmo cumprir as suas simples obrigaes de parente e de amigo. Houve" tempo em que os apstolos foram demagogos. Um pontfice de um Jpiter qualquer, cuja estatua deve haver no Vaticano, devia assim chamar S. Paulo; e, se no fosse esse revolucionrio e demagogo, que foi contra a LEI, daquelle tempo, nos no estaramos conversando amigavelmente, Sr. doutor monsenhor Fernando Rangel. Hoje, S. Paulo apstolo, e dos maiores, para mim, oue j no sou catholico, e para o senhor que o e, e, por cima de tudo, sacerdote respeitvel da Religio de Jesus. Se no creio na efficada da egreja para resolver a questo que or avassala o mundo, no por no acredital-a divina; masporque, actualmente,. os seus ministros deixaram de fazel-a assim Jara lhe darem uma feio muito .humana Ella esta serapre.com o poderoso do dia e sempre com um pontilhao, afim de passar-se para o poderoso de amanh. Essa cautela nao e de Deus... 8-4-19.

Uma simples nota


O "A. B. C " , em dias do mez passado, tendo a bondade de noticiar o apparecimento de um volume meu, deu-se ao amvel trabalho de achar uma classificao para a minha vida; e taxoume de um "enrancin" do romantismo, certamente por causa da bohemia que elle me attribue. No me incommodo que me chamem de romntico, disso ou daquillo; o que no gostaria que me chamassem de ladro, adulador e desleal. E no diria nada, tanto mais que se trata de camaradas do "A. B. C " , se no fora ter de ha muito notado que, das innumeras "idas-feitas", com que os jornaes so fabricados, uma dellas que a vida irregular de certos escriptores e artistas, denominada ultimamente bohemia uma sobrevivncia do romantismo. Se os autores e propagadores de semelhante affirmativa reflectissem e consultassem um simples diccionario biographico, veriam que muito antes do romantismo havia bohemia, e das mais desregradas, s vezes mesmo, criminosa. Villon, que toda a gente conhece, poeta francez, n Paris, diz o pequeno Larousse, en 1431. II mena une vie inquiete et risqua plusieurs fqis Ia potence; auteur du Grand et du Petit Testament, m. vers. 1489". . Por essa indiscreta revelao das cousas do "Laroussesinho , que os meus amveis confrades me provocaram commetter, Villon merece bem que lhe transcreva a primeira estrophe da sua singular, "Ballade des dames du temps jadis": Dicts-moy ou, n'en qul pays, Est Flora, Ia belle Romainet Archipiade, ne Thais, Que fut sa cousine germaine? Echo, parlant quand bruyt on maine Dessus riviere ou sus estan, Qui beault eut trop, plus qu'humamef... Mais ou sont les neiges d'antan! Pois, meus senhores, este grande poeta do XV sculo, classificado como verdadeiro "giber de potence", pelos seus contem-

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poraneos, foi alm de tudo aquillo que a actual bohemia permitte, na sua vida inquieta de vagabundo. O romantismo appareceu um pouco mais tarde. Em Frana, creio eu, os historiadores literrios marcam-lhe o apparecimento ahi, por 1830. Pelo menos, os jornaes repetem e repisam essa assero. Antes mesmo de Villon, sem querer ir Grcia, do Sr. Coelho Netto ou outro qualquer, ns temos um bom specimen de bohemio literrio. E' Juvenal, muito conhecido de todos ns, pelo menos de nome, no ha quem no lhe tenha de cr o seu celebre verso (ser?) "Ridendo castigat mores". Viveu sob Trajano e Hadriano, dous prncipes sbios e com um forte sentimento para com os seus subditos, das responsabilidades de sua investidura imperial. Trajano foi Csar do Imprio Romano, do anno 98 ao 117, da nossa ra: e Adriano, seu filho adoptivo, occupou o throno depois de sua morte, imperando at o anno 138 da ra do nascimento de N. S. Jesus Christo. No tendo conseguido nada com a sua eloqncia, o immortal satyrico, chegado do seu villar provinciano, levou uma vida das mais miserveis e muito pouco edificante, que nos contada por G. Boissier, no seu livro "L'Oposition sous les Csars". Supportou, devido sua misria, o desdm dos cocheiros das grandes famlias, de histries e gladiadores, repellido pelos grandes, viveu entre vagabundos e os sujeitos piores da Suburra. Teve por companheiros poetas famintos, professores sem alumnos, etc. ao lado de tratantes, de marinheiros, de- escravos fugidos, de fabricantes de atades, na taverna Syro-phcenix, que as suas satyras immortal isaram. Adquiriu um dio ao "Grego", que com a sua maleabilidade, servilismo e hbil geito para a lisonja, sabia arrancar dinheiro e o mais do patrcio rico e influente. No seu despeito de homem orgulhoso e inadaptavel, exclama, com intonao patritica: "Cidados! No posso supportar que Roma se tenha tornado uma cidade grega." No ahi questo de Roma; do "grego", que o precede, na porta do rico senador do monte Esquelino, logo ao amanhecer, para receber os sestercios da "sportula", emquanto elle, sem grande esperana de obtel-a, sobe a collina, com o manto furado, tendo dormido em algum albergue immundo dos bairros suspeitos da cidade imperial. J viram que esse bohemio, da mais completa perfeio, floresceu um pouco antes da poca em que as nossas autoridades literrias costumam a datar o apparecimento de poetas e escriptores de vida pouco regrada. Ns temos um outro, at inglez, que no chegou perfeio bohemia de Juvenal, mas Macaulay diz que elle devia ter dormido muitas vezes em granjas ou por detraz dos marcos das estradas,

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na sua vida errante pelas cidades e logarejos da Gr-Bretanha Olivier Goldsmith. \ E'

Depois de af firmar a sua reputao literria, ganhou dinheiro; mas, a sua generosidade, os seus vicios e o seu temperamento de desperdcio, levaram-no a viver sempre sem ceitil e cheio de dividas. Em fins de 1764, atrapalhado com os meirinhos que o queriam despejar do seu "appartement", devido a, atrazos de alugueis, enviou ao Dr. Johnson, o celebre critico inglez, um portador, pedindo-lhe dinheiro. O celebre diccionarista britannico correu casa do amigo, a quem encontrou deante de uma garrafa de "Madeira", comprada com o guino, que o doutor logo lhe tinha enviado, ao' receber-lhe o bilhete. Johnson, que\no era de graas, tomou-lhe a garrafa e ordenou-lhe que pensasse em um meio de arranjar dinheiro. Goldsmith disse-lhe que tinha o manusrioto de um romance; o Dr. Johnson, examinou-o, viu que tinha cousas boas, correu a um livreiro, e vendeu-o por 60 libras esterlinas. Era o "Vigrio de Wakefiel", que toda a gente ainda l. at ns outros brasileiros, alguns pedaos, no "Graduated" ou "Estrada Suave", quando estudamos inglez. Est ahi mais um bohemio Goldsmith que no conheceu nem Hugo, nem Lamartine, nem Musset, nem Murgr. Que diriamos ento do velho Machiavel que, hoje, nos parece um sujeito muito grave e sisudo, mas que, em vida, vivia a bebericar nas tavernas menos consagradas de Florena? E de Rabelais, aquelle do celebre quarto de hora? Os nossos autorisados sabedores de cousas literrias, ho de concordar que, antes do romantismo, houve bohemia artstica e literria ;.e que haver depois, por motivos que a prpria arte explica nas exigncias que faz a certos temperamentos, caracteres e intelligencias, quando attrahidos por ellas. O que difficil de explicar, apezar de ter existido, de existir e haver de existir, literatos lacaios, cavadores de propinas, gratificaes, ajudas de custo, obtidas com lambidos artigos de um proxenetismo torpe, a grandes notabilidades munificentes, custa do Estado. E' a escola literria que se tem na conta de pratica, mas que, infelizmente, no produz obras que nos ensinem agir com o seu espirito. Julgo que tal cousa se d pelo simples facto de haver ahi um desvio de funco. A literatura e os literatos devem tratar de outra cousa; e esse negocio de "pratico", deve ser attribuio dos banqueiros, dos negociantes, dos zanges da bolsa, dos despachantes da Alfndega e outras pessoas conspicuas e necessrias sociedade, mas que, para exercerem a sua digna funco no perdem tempo em alinhar pa-

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lavras e invocar as musas. Vo logo direito a seu fim, que pode ser confessado a toda a gente, sem o minimo vexame. Para findar, resumo o meu pensamento; todas as pocas literrias tiveram~os seus bohemios, mesmo o romantismo. Por isso, convm no qualificar a bohemia como sendo desta ou daquella. "A horrvel mania da certeza", de que fala Rnan, leva mais a enganos do que a duvida systematica. Quem quer acertar, deve duvidar antes, durante e depois...

A misso dos utopistas


Graas a Deus, depois no sei de quantas peripcias de varias ordens, fazendo trabalhar o telegrapho e as gazetas, durante mais de seis mezes, a paz foi assignada entre os belligerantes que levaram cinco annos a bombardear-se mutuamente, para, afinal, nada resolverem ou, antes, resolverem um tratado de paz, cujas condies e clusulas trazem no bojo outras guerras futuras. Os sangrentos conflictos entre tropas francezas e americanas que houve ha dias, nas ruas de Brest, se no comprovam de todo este asserto, do a entender que as relaes entre os trs aluados se j foram, durante a guerra, no so mais perfeitamente cordiaes. Convm lembrar que a contenda se originou no facto de ter um official da marinha americana enxovalhado publicamente a bandeira franceza. 0 inicio da desordem, portanto, no foi uma rusga entre marinheiros embriagados; ella tomou nascimento mais alto o que faz pensar. E' de sentir isto para os temperamentos metaphysicos, humanitrios, romnticos ou sentimentaes como quizerem entre os quaes me alisto, porquanto, desde o comeo, sonharam elles que esta seria a ultima guerra entre os grandes povos da Humanidade. Porque o fim da Civilisao no a guerra, a paz, a concrdia entre os homens de differentes raas e de differentes partes do planeta; o aproveitamento das aptides de cada raa ou de cada povo para o fim ultimo do bem estar de todos os homens. Ao contrario, no teria sentido algum. A guerra tem sido at agora, ou foi, um dos "processus", como dizem os philosophos, da evoluo civilizadora e um estimulo para a actividade humana no nosso globo; mas, no o destino da espcie. O seu destino, repito, a paz. Alfred Fouille, ha annos, na "Revue des Deux Mondes", tratando desse nietzschismo bombstico que anda por ahi abafado, disse e disse muito bem: "O hymno dos naturalistas e, principalmente, o hymno de certos moralistas luta e guerra, to scientifico como o hymno do machinista aos attrictos e s pancadas internas de sua machina. Que bonita luta de rodas! Como ellas se prendem, como se agarram com estrepito, e se contrariam reciprocamente! E' a obra prima da Sciencia."

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Nietzsche, continua Fouille, tem tanto bom senso como esse machinista. No ha duvida alguma. Uma das grandes questes ou problemas que os engenheiros e constructores de machinas tm sempre posto delles para elles, desde muito, a eliminao desses attrictos, dessas resistncias passivas. Assim tem sido tambm na Humanidade. Em geral, os sonhadores, os grandes poetas, os grandes philosophos e sbios, todos esses malucos como so chamados por essa gente prudente que lhes aproveita os estudos, as descobertas, as invenes reguladamente, sem o saber todos esses malucos, dizia eu, tm procurado acabar com esse attricto dos attrictos a guerra que retarda a evoluo humana para o seu destino final que o mutuo e perfeito entendimento de todos os homens. Poderia citar grandes utopistas de Plato a Leibnitz, no esquecendo Thomas Morus, que foi decapitado, nem Campanella, qu passou vinte e .sete annos na priso; mas, seria trazer para aqui coisas de djccionario biographico de que os leitores devem andar cheios. No querendo, porm, realizar to fcil obra, convm dizer qu< mesmo a guerra, s vezes, tem como fim a paz, a harmonia, a mai perfeita entre os homens. A's vezes, a sua explicao intima < primeira. As guerras religiosas, sejam ellas entre christos e mahometa nos, entre catholicos e protestantes, tm por primeiro movei conven cer o adversrio de que deve adorar Deus da frma e maneira qu< outro julga serem as justas, verdadeiras e certas, afim de que ( inimigo seja salvo e goze, na Terra, a felicidade outhorgada peli divindade. A "guerra santa", seja feita em nome de que credo fr, umi guerra para a utopia, uma guerra sentimental em que os conten dores visam a felicidade da nossa triste e pobre humanidade na pes soa do antagonista a converter, por meio da fora. Convm observa que essas guerras so as mais cruis e inhumanas. Nada de quarte o lemma dellas. A luta ahi no o fim, mas o meio, como sempre o em quas todas as guerras. Fouille, no artigo que j citei, af firma muito bem que "a lut pela vida no o mais poderoso factor da evoluo. Em ultim analyse esse factor o consenso da vida. A associao tanto lc nas sociedades animaes como nas sociedades humanas: decorre da prprias leis da vida." E' o que Kropotkine, no seu excepcional livro "L'Entr'aide' com uma abundncia de argumentos, de "exemplos" e "observa es", tirados da historia e da natureza,'demonstra com uma for igual empregada por Darwin, nas '^Origens das espcies", par elucidar a these da luta. Tomar para exame ou para obter concluses sociolgicas aspecto ou a face da luta na natureza um erro de lgica em que ui sbio ou um estudioso qualquer de ba f no deve cahir. Parec at que, com a marcha da evoluo aquelle aspecto, a luta, se va apagando para deixar o campo livre solidariedade.

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So ainda do autor citado as palavras que se seguem- "As partes componentes de um ser vivo ajudam-se umas s outras Assim, em todas as relaes dos entes animados, a luta pela existncia tende a tornar-se a luta peta coexistncia". , . * y}** .*> h o m e m na Terra sobre as grandes feras, no foi devido a sua fora muscular, ao seu isolamento, sua capacidade de lutar corpo a corpo com ellas. Foi devido sua intelligencia e a intelligencia provm da capacidade do homem para a sociabihdade com os seus semelhantes. Ella augmentar tanto mais em extenso, quanto mais perfeita fr essa sociabilidade. A carabina , no final de contas, intelligencia. Procedendo essas consideraes todas, o meu fito era dizer que julgo perfeitamente engraado que homens eminentes, homens de corao e de intelligencia, aps essa monstruosa guerra de 1914, em vez de propugnarem pela remoo das causas capazes de determinar outras futuras, estejam a aconselhar o contrario. Todos ns vimos com lastima os noventa e tantos intellectuaes allemes, entre os quaes havia sbios de valor universal e escriptores, como Hauptmann, superiormente populares no mundo inteiro, procurar justificar, no j a guerra em si, mas a conducta criminosa, baixamente criminosa dos exrcitos allemjes. E' que a Allemanha tinha conseguido installar en todos os espritos um super-mysticismo patritico, "super" porque o mais simples patriotismo mystico, e o dos allemes excedia a toda e qualquer medida; e esse super-mysticismo, se assim posso qualificar, fez que todas as actividades germnicas, de qualquer ordem, tendessem para a guerra, se absorvessem na guerra, levando esse delirio a tal ponto que no havia allemo que no fizesse, no momento opportuno, um espio a servio do seu dementado patriotismo, fosse elle quem fosse, tivesse o caracter que tivesse. Agora, vencida a Allemanha, ou coisa parecida, por toda a parte apparecem arautos dos mais variados valores, pregando, bem ou mal, com este ou aquelle disfarce, as idas patriticas e polticas que fizeram os allemes delirar at ao paroxismo, e attrair sobre elles a clera e a maldio do mundo inteiro. E' de fazer pensar isso, tanto mais que a historia nos ensina que, muitas vezes, os vencidos nos campos de batalhas so vencedores nos crebros daquelles diante dos quaes abateram as suas armas. Querem avantajar-se aos allemes em brutalidades, os vencedores. Essa pregao das excellencias do "sport", "esporte", "desporto", ou quer que seja, uma manifestao desse singular estado de espirito. Partindo de uma meia-verdade, isto , de que para os "sportmen" britannicos, francezes, americanos, etc, que venceram os allemes, tambm sportivos, os sermonarios desses jogos, chamados athleticos no deixam de pedir favores ao Estado, para elles pretextando preparao para a guerra. O observador imparcial sabe perfeitamente que a Allemanha s foi vencida pela fome e, talvez, pela falta de algumas matrias

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primas; e quem lhe causou essa derrota foi 0 bloqueio, foi a es quadra ingleza. Fora dahi, tudo o mais no tem consistncia e no se coadun; com a verdade dos factos. Poderia ir alm e apanhar o meu Spencer que est ali, na es tante e mostrar, nos seus "Factos e Commentarios", como ess; cultura sem medida e monomaniaca dos jogos physicos constitu um dos factores do regresso barbaria, como se intitula o ensaii e essa guerra, sob muitos aspectos, o foi: entretanto, se puder < tiver tempo, hei de tratar mais tarde do caso, com a elevao qu o assumpto exige, e mais largamente. Antes de terminar, porm, tenho a dizer que, quando Spence diz que esta questo de mortalidade, (deve ser em "A Educao") elle quer dizer que devemos ser caudaveis. robustos, dispor da for a muscular necessria s exigncias da nossa vida e da noss prpria defesa individual. E' certamente isto s o que elle que dizer; e s seno no escreveria o que escreveu no primeiro do seus livros aqui citados, que o ultimo por elle publicado, por que Spencer, tendo uma longa obra e tendo vivido, creio eu, cerc ou mais de 80 annos, ningum ao que me conste, o accusou de con tradico. No obstante, posso estar em erro... Ouso, comtudo, af firmar, apezar de no ter lido a sua "i Educao",' que aquillo que o autor dos "Primeiros Princpios pretendeu dizer foi o seguinte: que ns no podamos mais ter ideal religioso de ascetismo, de jejuns, de flagellaes, de mace raes nem tampouco o da tuberculose potica dos epgonos d romantismo; mas, dahi, abraar o de retiario ou myrmillo, distancia bem grande e Hebert Spencer no teria aconselhad semelhante retrocesso. Nos dias que correm, todos os homens de boa vontade dei prezando epithetos falsamente deprimentes que possam merece dos panurgianos s podem ter como divisa quellas palavras qu o mais puro e, talvez o maior e o mais perfeito dos reis que terra tem visto, S. Luiz de Frana, disse ao morrer ao se herdeiro e filho: "Hais tous maux ou' qu'ils soient, tr dou Fils". Devem ser no s divisa, mas tambm consubstanciar misso pratica dos utopistas. 6-7-19.

Meia pagina de Renan


Esta revista, pela mo piedosa de um dos seus redactores ou collaboradores, publicou, em traduco algumas palavras de Renan que vm, segundo foi dito em uma de suas ultimas obras "La Reforme intellectuelle et morale de Ia France". Elias, so portadoras de pensamentos que merecem alguns commentarios. , Houve, nos grandes espritos de Frana, que tinham florescido antes da guerra de 1870,-um profundo abalo cm a derrota e humilhao de sua ptria, em 1871. Muito natural isto, que se tenha dado, porque por mais que ns queiramos ficar acima dos preconceitos nacionaes, elles nos marcam de uma forma indelvel. Se isto se d com os naturaes de paizes obscuros, muito mais fortemente se dever dar entre francezes sobre os quaes pesam no sei quantos sculos de glorias de toda a ordem. Eu que me julgo muito pouco patriota, no desejo absolutamente ver o Brasil humilhado e estrangulado por outra ptria. Quero que np haja nenhuma, mas desde que se trate da humilhao, rebaixamento do Brasil por outro qualquer paiz, eu sou brasileiro . Com a humilhao da Frana em 1871, deu-se nos grandes espritos uma grande reviravolta de pensar. Dahi vm quelles, extranhas palavras na boca de Renan que as escreveu em "La Reforme", etc. e a "Contempornea" traduziu. Pensaram todos os grandes francezes, que a derrota da Frana era proveniente do enfraquecimento do seu espirito guerreiro, devido aos ideaes humanitatrios que desde a Revoluo vinham trabalhando os seus melhores espritos, comquanto as campanhas propriamente da Revoluo, tenham sido gloriosas e extraordinrias . . . Taine o extraordinrio Taine, encetou logo um exame detalhado disso com as T - "Les Origines de Ia France" cuja primeira parte "L'Ancien regime" appareceu em 1875 ou 76. Todos conhecem o valor dessa grande obra como erudio, como concepo, como estylo; e no serei eu quem v fazer delia ^panegyrico ou critica . , , No firme propsito de denegrir o 89, (no sei se o Sr. Au-

180 lard j disse isto), o grande Taine comeou por fazer um vasto e inimitvel quadro da Frana, antes da reunio dos Estados Geras. E' o "Ancien Regime"; e elle o fez de tal modo,^de tal modo pintou a fraqueza da realeza, o seu esbanjamento, a frivolidade e a inutilidade da nobreza que abandonara as suas terras e se fizera uma verdadeira criadagem das "casas" da familia real, disputando penses e propinas gordas, ("coterie Polignac", prncipe Salm-Salm, etc), de tal frma debuxou a incapacidade social do alto clero, que no preenchia mais a sua misso histrica e ainda mais voraz era _ por dinheiro do que os prprios fidalgos fez tudo isso Taine de tal ' modo, que justificou a Revoluo, vista do estado de oppresso, penria e misria em que, desde muito tempo, se achava o povo, para cuja melhoria, devido presso dos grandes, a coroa de Frana no podia dar remdio, pois todas as reformas salutares tinham o veto da Corte, a comear peta infortunada rainha Maria Antonietta. Mas, inconseqente com as premissas que tinha pcftto, quando trata delia, a Revoluo, para destruil-a, s vezes, com* muita fora a psychologia do jacobino s vezes, francamente, moda de jornal illustrado, chamanflo Robespierre de "cuistre", advogadinho de Arras e outras amabilidades. A sua obra que devia reumar a imparcialidade do grande historiador que elle era, do grande sbio que foi, do grande artista que , ficou assim tisnada de uma paixo mesquinha, a que s se pde attribuir dor de ver sua ptria derrotada e humilhada, culpando disso o grande movimento revolucionrio dos fins do sculo. Com' Renan devia ter-se dado a mesma coisa: e at o titulo da obra de que esta revista deu a traduco de alguns trechos, indica isso.' O autor do Marc-Aurle, que, como eu, adorava em Minerva. N. S. da* Gloria, af firma que uma raa de dominadores e soldados, como a europa no pde supportar o trabalho manual da terra. Reduzi esta raa, diz elle, a trabalhar no ergastulo como negros ou chinezes; e ella se revolta! A' vista desse trecho, quizera ser Renan, para afiar bem a penna e dizer que "ergastulo" lembra, no a escravido de negros ou chinezes, mas a de germanos, gaulezes, iberos, helvcios, gregos, em Roma e seus arredores, quando ella era dos Csares da familia Julia, da burguezada, dos Flavios e outras; e que todas essas raas da Gallia, da Ibria, da Helvcia e da Grcia, so perfeitamente europas. Mas, no sou Renan e tenho que falar com mais peso. No vou orar a N. S. Minerva junto ao monturo de pedras do Parthnon; mas vou ali, a 15 de agosto, no outeiro da Gloria, pedir minha madrinha por mim. Eis a differena entre elle e eu.

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E' curioso que a viso de Renan, to aguda e to ampla, se haja esquecido daquillo; e que visse s a escravido negra da Renascena e no se lembrasse da antiga. Tanto mais isso de admirar porque, tendo escapado de ser um grande doutor da Egreja, devia saber que a Humanidade deve a ella a transformao da escravatura antiga em servagem; e isto sem uma lei e sem um decreto. Conta-se at que um dos primeiros papas, vendo escravos jnglezes em Roma, ficou to tocado pelo seu ar de candura e os seus olhos azues, que disse que eram anjos em latim que no sei donde se fez anglos, e tratou de convertel-os. Dizer que os negros e chinezes esto condemnados a uma servido eterna outro engano de Renan. O grande sbio devia conhecer a historia das antigas colnias de sua ptria. Devia saber das rebellies do Haiti, das surras' que Louverture deu nas foras francezas que o foram subjugar e de que maneira traioeira foi preso, para morrer de frio, nas mos de salteador de Napoleo, no forte de Joux, era Frana. Lamartine e Shcelcher, que foram seus contemporneos, escreveram a esse respeito alguma cousa... Muito me admira que Renan diga que os normandos foram creadores da propriedade territorial na Europa. No preciso ser grande historiador para saber que de ha muito ella j existia e era motivo de barulho, antes delles. Renan, a respeito de negros, no sabia nada e no de admirar que no soubesse, pois vivia em um paiz onde no os havia nem como escravos, nem como homens livres. A sua dr patritica e, talvez, o seu cansao mental, fizeram que avanasse generalizaes apressadas. Se o inimitvel escriptor do "L'Antchrist", vivesse entre ns, por exemplo, veria que nunca os negros aceitaram a escravido, apezar de ser instituio legal e penal entre elles, com a docilidade que lhe parece. Aceitavam como os actuaes operrios recebem sua escravido econmica, o salariato, isto , com continuas revoltas. Quando chegou D. Joo VI, um dos maiores perigos e constantes que corria a sua corte, estabelecida no Rio de Janeiro, era a revolta dos innumeros negros fugidos que havia pelos arredores, e se podiam associar de uma hora para outra, e, por todo o Brasil, as cousas se passavam assim. E fcil ver. "Quilombo", uma palavra, no sei de que origem, que quer dizer, acantonamento de negros fugidos. Aqui, no Rio de Janeiro, onde nasci, ainda no regimen da escravido, no tendo, porm, conhecido uma nica pessoa escrava, a nomenclatura dos accidentes topographicos de seus arredores marca com esse nome, indicando muitas revoltas de negros, vrios logares. De prompto, eu me lembro de dous, em pontos bem afastados: um, na ilha do Governador simplesmente "Quilombo", e outro, l pelas bandas do Jardim Botnico, o morro do "Quilombo"A paixo patritica, como todas as paixes, cega mais do que

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nenhuma outra, porm, ella safara e estril. As outras, as religiosas, por exemplo, destinam-se a convencer os outros para melhoral-os, para alcanar Deus; a da ptria, porm, no! Ella nos faz julgar mal os semelhantes, homens como ns, soffrendo como ns a sua triste condico humana, sem que, julgando-os mal, ns os procuremos melhorar, mas matal-os. o que no funco dos homens, mas de Deus ou cousa parecida. Por hoje basta. 919.

As lies da grande guerra


O muito conhecido socilogo belga, creio eu, Augustin Ha tem um livro com esse titulo. Tenho lido muito pouco dessa literatura de guerra. Acho-a muito opportuna demais, com o assumpto muito presente, muito prximo, para poder, j no direi imparcialidade, mas revelar sinceridade e acurada meditao. Mas o livro do autor da "Psychologia do militar profissional", eu li ...Alm deste, um de Gustave Le Bon e, na literatura de fico, "Le Feu", de Barbusse: e foi s. No mais, no li mais nada, nem mesmo as perlengas do phariseu Wilson, pastor protestante e presidente dos Estados Unidos da America do Norte. De todas as hypocrisias, a peor a protestante, sobretudo quando em americano. O livro de Hamon, como todos os seus livros, alm de ser cheio de lucidez e de verdade, est impregnado duma grande lgica inductiva, a ponto de ter elle podido prever, com razovel approximao, o fira da contenda monstruosa e sangrenta que acaba (?) de abalar o mundo inteiro. E' preciso no esquecer que o livro foi escripto dous annos e pouco depois de declarada a guerra. Transcrevo textualmente a sua concluso, depois de lidar com as porcentagens de perdas de um lado e outro: "Parece, pois, que a guerra no pde durar alm de dezembro de 1918". De facto, no durou, pois o armistcio inicial foi em novembro. Uma predico destas merece que se tenha f no livro e no autor. Eu a tive em ambos e espero que os leitores a tenham tambm, para me acompanhar rapidamente por ahi a fora. O Sr. Hamon, alm de chegar a outras concluses rigorosas e interessantes, de que agora todos ns estamos verificando a justeza com o primeiro final deste gigantesco batalhar, informanos de detalhes preciosos, que, no sendo propriamente lies da guerra mundial, merecem registro para o nosso ensino nos tempos de paz. , . .... Antes porm, de irmos a taes detalhes, convm justificar porque digo "primeiro final". Essa Conferncia da Paz, em Versailles e a paz que delia sahir, no resolvem cousa alguma, porque Ia nada feito de boa f e num sentido largo e humano, de accordo com as grandes aspiraes do nosso tempo, que no quer mais revolver
mon

184 o monturo do passado e a podrido da finana, sendo, por isso, uma paz precria, acabando por se dar aquillo que o grande histologista h espanhol Ramon y Cajal, citado por Gustave Le Bon. disse: "Os vencidos tero apenas como fito imitar os methodos dos vencedores e experimentar vencer por seu turno. Quando os orphos de hoje attingirem maioridade, a terrvel chacina recomear". Talvez antes, digo eu; questo de dez annos. Vejamos agora os detalhes de Hamon. Um, por exemplo, muito interessante, este: "At julho de 1918, as dividas de guerra dos belligierantes attingiram perto de 720 billies de francos, dez vezes mais que todo o ouro accumulado no mundo". No sei se isso se verificou: mas, vista de tal, peo aos financeiros que reflictam, mais uma vez, nesse negocio de lastro metallico e quejandos... Temos mais um pequeno e notvel pormenor que ahi vae com as palavras do autor: "A politica da Allemanha apresenta muita affinidade com a Companhia de Jesus. A sua divisa a mesma: os fins justificam os meios; a mesma a sua base, obedincia passiva, "perinde ac cadver". Muitos acontecimentos o tm provado no decurso desta guerra mundial. A avaliar peta attitude dos jesutas em Hespanha e nos Estados Unidos, parecia que a Internacional Negra, a Companhia de Jesus, era em toda a parte um solido esteio do Pr-Germanismo. Nos Estados Unidos, um escriptor observou esse facto, a todos os respeitos curioso: os barcos da Companhia Geral Transatlntica foram os nicos que escaparam aos ataques de submarinos, e a maior parte das aces dessa Companhia pertence Companhia de Jesus." Como sabido, a Companhia Geral Transatlntica uma grande Empreza Franceza de Navegao que, creio, tem ou teve uma linha de paquetes para aqui: e a Companhia de Jesus, com as suas aces, funccionou para ella como Companhia de Jesus dos Seguros Martimos contra os SubirArmos Allemes. O titulo longo, mas adequado. No de hoje, entretanto, que os jesutas so dados a essas cousas peccaminosas de commercio, de banco, de emprezas, de lucro e ganho, de especulaes monetrias de toda a ordem. Antes de sua primeira extinco, ainda no houve segunda eu sei os seus contemporneos, no dizer de um historiador, admiravam-se de ver com que habilidade os Santos Padres jesutas manobravam as operaes de banco e usura. No preciso pr mais na carta: todos conhecem o caso do padre Lavalette, em Frana, nos meiados do sculo XVIII; e tm noticia dos juros hebraicos que cobravam os Santos Padres aos negociantes, na China, aos quaes emprestavam dinheiro. At cento por cento, Jesus Nosso Senhor! A guerra, e uma immensa guerra como a que findou ( ? ) , uma violenta sacudidella nas naes, na sociedade e nas instituies; e, agitando tudo isso, ella faz sobrenadar muita borra que a tranquillidade dos dias de paz tinha depositado no fundo. Nesta guerra, mais de que era nenhuma outra, isso se verifi-

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cou; e to grande foi o abalo, tanto elle sacudiu esta nossa pobre humanidade e at o prprio planeta, que os sbios e pensadores s acreditam em paz durvel, se ella fr feita, no pelos goVernos, mas pelos povos. O grande historiador francez Ernest Lavisse, citado pelo autor de que me estou servindo, affirma com toda a fora de uma grande convico: "a guerra no pde ter como remate um tratadoj de paz redigido por diplomatas, porquanto seria o fim miservel de um grande drama". Ningum de conscincia poder dizer que a pachuchada de Veratas esteja preparando a paz ou a paz saia delia. Dos regabofe^ no castello de Luiz XIV, s sair guerra, mais guerra e sempre guerra... Outro detalhe curioso que Hamon nos d, das trguas espontneas entre soldados, sem audincia dos chefes e, mesmo, apezar da opposio delles. Na pagina 227 da traduco portugueza da sua obra, l esto estes periodosinhos cheios de ensinamentos: "Depois de Outubro de 1915 existem em _sectores da frente franceza trguas fixadas por soldados francezes e allemes, com o sem vontade dos officiaes, impotentes. Cansados' de matar inutilmente, combinaram entre si no atirar mais. Este facto deve reconfortar o pensador, porquanto prova que, apezar de mezes e mezes de carnificina, o dio no invadiu todas as almas humanas". Graas a Deus! Na historia de Portugal, ha um episdio mais ou menos parecido, cuja iniciativa, entretanto, no partiu dos soldados, mas do prprio chefe militar portuguez, o duque de Lafes. Quem conta Oliveira Martins. Esse duque, nos primeiros annos do sculo passado, levou a effeito* uma campanha contra a Hespanha. Contava elle 82 annos e s tinha um ideal guerreiro: ser constantemente batido. A justificao de to estranho desejo seu feita com a mais risonha e simplria das philosophias. E' melhor transcrever o trecho do grande historiador portuguez, "Rindo, diz Oliveira Martins, observou (o duque de Lafes) ao hespanhol que o atacava, a desnecessidade de se baterem. Para que? Somos duas mulas de carga. As esporas da Frana fazem andar a Hespanha; as da Inglaterra fazem-nos andar. J que o mandam, pulemos; que se ouam os guizos, pois que necessrio, segundo dizem. Mas, por amor de Deus! no nos faamos damno, rir-se-iam demasiado ' nossa custa!" Os soldados actuaes bem podiam dizer que as esporas, de um lado, eram do Sr. Poincar, Clemenceau, o cannibal, e o seu cortejo de polticos, argentarios, industriaes e especuladores; e de outro lado os acicates eram de Guilherme II e gentes semelhantes. Para que, elles, pobres diabos, se fazerem damno mutuamente? Que tinham elles com as questes entre'esses dous grupos de felizardos cidados do mundo? Nada. . . . . A guerra ha de acabar, quando essa simplria e exacta pnilosophia se transformar em sentimento e todos procederem, perma-

186 nentemente, como esses soldados procediam excepcionalmente; e no tardar muito esse dia... E' uma doce esperana... H ainda uma espcie de guerreiros muito aprecivel, qual pertence aquelle famoso prncipe de Soubise que Frederico II bateu em Rossbach. Elle levou para sua gloriosa campanha a ninharia de quinhentos cozinheiros; e, aps a batalha, no dizer da cano do tempo, andou de lanterna na mo procura do seu exercito. Mas o meu propsito no era falar dessas cousas; o meu propsito era glosar um pouco a noticia que o "Rio-Jornal" deu da applicao que os nossos "nouveaux-riches" vo dando s fortunas, por elles adquiridas com as traficancias da guerra. J houve quem dissesse que a guerra sementeira e colheita de capitalistas, mas> no accrescentou: cretinos. No ha documento mais profundo disso e prova mais fiel do que as noticias daquelle vespertino, onde se mostram a cultura e a intelligencia dos cavalheiros das nossas classes altas, como se diz nas seces elegantes dos jornaes. Outra cousa no era de esperar. Todos esses especuladores e traficantes (antigamente se dizia tratante, vocbulo que teni hoje outra significao; questo de semntica); todos esses especuladores e traficantes, mal saem do curso primrio e, de corrida, adquirem um pouco da falatina do Berlitz e eil-os fidalgos e guias da sociedade. O tempo em que deviam estar estudando, cultivando-se/ convivendo com os grandes espritos, meditando sobre o esplendor da natureza e interrogando o mysterio da vida, passam alli, na rua da Candelria e adjacncias, a aprender com os galopins internacionaes do cambio e outras traquibernias financeiras e americanas, os meios e modos de enriquecer rapidamente. Mas o destino se vinga; e um bello dia pe-lhes nas mes uma fortuna colossal. Querem voltar-se para as cousas do pensamento, mas tarde; e todo aquelle que se absorveu nessas cousas, por menos que seja, ri-se delles, na sua pobreza. E' como se um telegraphista diablico lhes dissesse na estao: "Voc tem milhes, tem pressa... Est ahi o apparelho... Passe o telegramma a "madama", se capaz". Vejam s este que foi a uma exposio de esculptura, como conta o seu caso o mesmo jornal: "Comprou vinte e duas estatuetas de mrmore uma fortuna! E ao pagar, distribuindo o numero de cartes de visita correspondentes, recommendou ao artista: Ponha um em cada "calunguinha" desses! So meus e, quando acabar de mostral-os, mande-os l para casa. "Calunguinha!" Deus d nozes a quem no tem dentes... Calunguinha! Mas que ida tem esse homem da arte, da esculptura? Se no tem nenhuma, por que comprou estatuetas? Quizera que ellas se animassem... Ainda hei de escrever a revolta dessas estatuetas. Ricos de milhares de contos, tratam logo de arranjar uma amante e esta naturalmente j tem o seu Eufelio ou cousa parecida. Sem que, nem porque, passa um delles por uma rua, olha , e d amante um tapete de vinte e cinco contos, assim, brincando! E' um Cezar romano, naturalmente...

187 Um outro que desconhece inteiramente moveis, no tem gosto por elles, no os aprecia, mas s porque arranjou mil e tantos contos de pancada, cisma em montar um interior carssimo. O que elle aprecia nos moveis: o dinheiro ou a belleza? No difficil responder. Era melhor ter o dinheiro numa "burra" de crystal... Damos ainda palavra ao "Rio-Jornal". Elle que fale agora, como falou a 20 do mez ultimo: "O corrector S. C., diz o nosso amvel informante, ganhou num s anno, em 1917, cerca de oitocentos contos, lquidos. Uma tarde entrou em minha casa e expoz o seu projecto de mobiliar um "appartement" para uma senhora estrangeira, com quem havia pouco travara relaes. Apresentei-lhe um oramento de vinte contos, imaginandq que elre acharia demasiado." O estofador enganou-se. O "parvenu" no achou a cousa .cara. Achou, pelo contrario, muito barata. Que diabo! Queria gastar com a "Madama". Estava no seu direito. Este o burguez legitimo, arrivista e o tentador: o mais typico idiota delles todos. No precisamos ir alm. Decididamente, temos que exproprial-os a todos. Para que essa gente quer tanto dinheiro os Srs. no me diro? E' mais uma lio da guerra mundial. 3719.

O "negocio" da Bahia
E' deveras triste tratar de qualquer forma desse caso cia Bahia que se vae desenrolando com perspectivas to sombrias. No fosse o cmico do macedonia Callogeras com os seus planos ultra-ptussianos de envolvimento das tropas revoltosas disseminadas peta yasta superfcie de um grande Estado, aonde no ha estradas que meream esse nome; se no fosse isso, esses acontecimentos ltimos da politica bahiana s tinham faces e facetas do mais perfeito negror. Das provncias do Brasil, talvez a Bahia a que mais o resume. Nas raas, no clima, na produco, nos aspectos do seu territrio, a Bahia o epitome do nosso paiz. A sua capital, a velha Salvador, para o nosso escasso passado, uma cidade cheia de recordaes histricas, de usanas curiosas, de magnficas festividades do culto catholico, guardando a lembrana daquelas dos tempos idos em que no havia outras publicas. Os seus grandes homens, Castro Alves, o maior poeta do Brasil, que l nasceu, o seu porto natural, um dos primeiros do mundo em que se aninham lendas do nosso povoamento pelos portuguezes; a honra que teve o seu territrio de abrigar Cabral; essas e tantas outras cousas que a ns, brasileiros, nos aodem logo quando se fala em Bahia, fazem delia uma terra sagrada, veneravel, digna de estima e de culto. No preciso que se tenha o patriotismo desse Nacionalismo de palavriado a presidentes; no preciso um patriotismo aggressivo e exclusivista; basta o suave, o esthetico, que se forma da belleza e do singular perfume que as cousas passadas exnalam e tambm das tradies, das lendas e supersties dos nossos avoengos/que ainda so sabidos por ns, como se a nossa vida se encadeiasse instantes no viver dos que nos precederam num pedao determinado do Planeta. , tAn A Nenhuma terra brasileira, como a Bahia fala tao fundo a nossa alma, at o ponto dos prprios sertanejos, esquecidos e ignorantes da vasta geographia nacional, s a conhecerem como a maior cidade de sua lingua. O resto 0'ropa - Bahia e O ropa. Como que chegou a. tal desordem essa Meca nacional, cujo prestigio no vem da riqueza, nem do luxo, mas da poesia e ao sonho da alma nacional ?

190 Ns que l no vivemos nem l nascemos s podemos attribuir politica, e s politica como a nica causa de um to lamentvel estado de cousas. Tudo fazia crer, vista da ductibilidade e do poder de assimilao da gente bahiana aluado ao seu natural enthus^iasmo petas cousas novas e grandes, que veneravel Salvador estivesse reservado o papel de guardar muita cousa de colonial sem por isso deixar de ser uma cidade com os melhoramentos modernos. Tal no se deu, segundo me informam; e a politica, que no lhe tem ministrado as commodidades e a hygiene de que por todos os ttulos, merecedora, s tem conseguido estragar os monumentos e recordaes histricas com bombardeios e outros processos eleitoraes perfeitamente republicanos. O mal da Bahia, mais do que em outra qualquer parte do Brasil, est na politica conveniente repetir. No sigo ou sigo mal a vida da Bahia. Quando vou a uma redaco de jornal ou Associao de Imprensa, no vejo jornaes e revistas de l, por isso o que vou dizendo no baseado nas folhas daqui, ou em conversas apressadas de cafs e botequins. O que me parece, porm, que de dous em dous mezes, os partidos polticos da Bahia se dividem, se duplicam, se triplicam, se quadruplicam, se no vo alm; cada jornal ou revista interessado por esta ou aquella faco, s d apreo ao que attinge ao partidinho do seu peito e deixa de lado todo o assumpto que no se refira directamente aos propsitos e tenes da tribu politicante a que serve; os moos arrebatados pelo vrtice poltico, logo ao amanhecer para as lides intellectuaes se embotam escrevendo artigos inflammados em favor de uma dellas; e tudo o que fez a grandeza da Bahia, por intermdio dos grandes nomes que deu ao paiz, abandonado peta mocidade, por essa politica de campanrio e de aldeola, que no tem um ideal qualquer. Chegada que uma faco ao poder, trata immediatamente de esbanjar a fortuna publica, afim de manter e angariar proselytos; e os cuidados materiaes e intellectuaes, os de assistncia e sade publica, ficam de lado, para quando ? Para quando se consolidar no poder a retumbante aggremiao politica que est sempre balanando... Segundo me dizem pessoas viajadas, no Brasil, a capital da Bahia das nossas grandes cidades aquella que d mostras do mais absoluto desleixo municipal, nos seus logradouros pblicos e servios d edilidade; os professores pblicos, na terra de tantos talentos, esmorecem na sua prestimosa tarefa, por no receberem em dia ps seus vencimentos. Ainda no tudo. O Sr. Ruy Barbosa, no seu ultimo manifesto, traou um quadro deprimente das sedes dos poderes pblicos, numa cidade do interior; no serto, conforme elle descreve, a cousa pavorosa. Insisto no quadro porque preciso que elle seja posto por todos ns que escrevemos alguma cousa, aos olhos de todos, sobretudo dos bahianos, que parece no o verem em todos os seus detalhes.

191 No se trata mais da capital; o Estado inteiro. Apezar do grande respeito que me merece Ruy Barbosa, no julgo que o Sr. Paulo Fontes fosse fazer na presidncia da Bahia mais do que o Sr. J'. J. Seabra. Considerando-se bem o malso estado de espirito que avassalou a Bahia nestes ltimos trinta annos, de politica republicana, em que grupinhos se degladiam sem saber por que para que, em que os seus jornaes se injuriam e s parecem feitos para injuriar os adversrios, seria para um governador, por mais hbil que fosse, tarefa sobrehumana apaziguar, conter e encaminhar a intelligencia bahiana para outras funces que no as da luta politica. Em breve, mesmo no seio dos que elegeram o Sr. Paulo Fontes, surgiria a dissidncia e era novo barulho. E' preciso pr toda a politica e politicagem de lado; preciso ns outros meros espectadores convencer a todos os nossos patrcios do grande Estado do norte, pedir-lhes at filialmente, a elles, aos naturaes da nossa irm mais velha e que nos criou, que deixem de banda esse partidarismo exaltado; que no votem mesmo e empreguem as suas qualidades naturaes de intelligencia e corao em tudo o que a nossa vida pede, excepto com politica. Faam versos como os seus grandes poetas, porque no mal fazer versos quando elles so cheios de grandes sentimentos e se orientam para grandes ideaes; faam romances como o seu notvel romancista Xavier Marques; faam musica, theatro; intentem a grande industria; sejam banqueiros, commerciantes; mas deixem a politica, pelo amor de Deus ! Deixem to pavorosa actividade para muito poucos exercel-a e sejam estes obrigados pela presso moral de trabalho e de ideaes superiores da sociedade bahiana, a guardar as convenincias, e a no pr as manguinhas de fora. Pois possvel que a cidade.de S. Salvador que possue uma tradicional Escola de Medicina, que tem dado tantos mdicos notveis, seja a toda a hora e todo o instante, invadida pelas epidemias ? E' um contracenso que difficilmente/se admitte quando no se conhecem os effeitos malficos da politica. Para elles, s ha um remdio, mas este no est nas mos de tal ou qual governo applical-o, segundo tal ou qual Constituio; est na vontade de cada um, mesmo daquelles que no tm no exercem direitos polticos. As mulheres, as mes, as irms, as namoradas e as amantes devem afastar os seus maridos, os seus filhos, os seus irmos, os seus namorados e os seus amantes dessa actividade estril que a politica, e s fecunda para o mal. ' Cabe a cada bahiano desprezar totalmente a politica e fazer isso de tal modo que nunca mas vejamos o archonte; Callogeras o pOlemarcha do basileus Epitacio debruado sobre mappas alta noite, no Quartel General, planejando um movimento envolvente e fulminante que esmague de vez os seus patrcios bahianos, com que obteria a gloria que o seu antepassado Alexandre da Macedonia

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levou para o tmulo e at agora no quer deixar pousar mais na cabea de qualquer dos seus descendentes. Se por acaso algum bahiano me lr, espero que ver nestas bisonhas linhas a manifestao da mais viva sympathia pelo seu grande Estado e o desejo sincero de que a ra de felicidade que ha de um dia chegar para toda a humanidade, o encontre capaz dex recebel-a sem assombro. 6320.

Homem ou boi de canga?


Em 1893, quando se dava na bahia da nossa cidade a revolta Saldanha-Custodio, meu pae exercia um pequeno emprego.de almoxarife das Colnias de Alienados na ilha do Governador. , Um bello dia, os revoltosos, capitaneados por um official de Marinha;de cuja patente no tempo no me lembro, o Sr. Eliezer Tavares, que morreu almirante, tendo por segundo um cirurgiodentista, o Sr. Nogueira da Gama, l desembarcaram, mataram bois, carregaram gneros, medicamentos e roupas e se foram em paz. Assisti tudo. Na manh seguinte, de falu'a, com alguns moveis e outros pertences domsticos,, transportvamos ns, isto , a minha gente, para a Ponta do Caju', tomando caminho pelos canaes pouco profundos que ficam entre os mangues e praias de Inhama e as ilhas do Fundo (ahi o canal fundo), Caqueirada, Bom Jesus e outras, cujos nomes me escapam. Emigrvamos. Ficou estabelecido, entre as altas autoridades, que meu pae ficasse no Engenho da Pedra, littoral da Penha, com O deposito de gneros necessrios ao alimento de duzentos doentes que estavam na ilha, e alli fosse morar, para guardal-os e envial-os em raes dirias para os dementados em abandono. Assim fez elle. Todas as manhs, eu e meu pae sahiamos, elle, afim de providenciar para o envio dirio de gneros, e eu, menino de doze annos, para acompanhal-o at onde Deus fosse servido mandar-nos. Embarcvamos os gneros no logar denominado Engenho da Pedra, fronteiro a uma das colnias, Conde de Mesquita, tendo de permeio, no canal, a ilha do Fundo, coberta de grandes e frondosas arvores: quellas manhs primaveris eram lindas e plcidas. Tudo muito azul; as arvores muito verdes e roagantes; as guas do mar, espessas de azul da Prssia; os longes dos Orgaos solemnes, soberbos e altos; tristonho, o ilho do Cambambe, com as ruinas de um sobrado que parecia ter sido incendiado, a vista dos -vestgios d fumaa nas paredes, nuas e erectas; risonha, a ilha do Raymundo, com o seu bananal verde-ctaro mirar as guas mansas do mar pela manh e a -de Saravata, Ia longe, com o * u paiol abandonado - todo este quadro immarcessivel me ficou gra-

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vado na memria at hoje. indelevelmente, como se fosse impresso machina. Ns morvamos numa casinha de telha v, muito poeticamente situada meia encosta de uma collina, cavalgando a estrada que levava ao porto de embarque. Na frente, a vista era curta pois do outro lado da via publica, no alto de um monte que se erguia rapidamente, havia ruinas de uma capella. barrando, morrote e runas, o horizonte fronteiro da nossa casinha. Aos lados, porm, a vista era vadia e larga, apezar de, esquerda, existir construces meio acabadas de uma fabrica de vidros que no chegou a funccionar. Todas as manhs iamos, eu e meu pae, at o "porto", ver o embarque de gneros para a ilha. Havia ahi um destacamento de policia, commandado por um alteres ou tenente. Lembro-me ainda de alguns factos que l assisti . Uma manh, quando estvamos beira da praia, conversando meu pae com o commandante do destacamento, appareceli entre as Frecheiras, Ilha do Governador, a Ilha de Saravat, uma lancha revoltosa. Logo se viu que ella disparava o seu canho-revolver contra ns. Abrigmo-nos; os soldados, apanharam as carabinas e entrincheiraram-se no casebre que lhes servia de quartel. Fosse por que fosse, aps dous ou trs disparos, a pequena embarcao armada voltou para donde viera, e o socego tornou de novo ao local em que estvamos. No eirado, assim que o perigo cessou, o commandante- disse para o meu pae : Olha, Barreto: se "elles" desembarcassem, eu fazia assim . . . E mostrou como viraria a blusa pelo avesso. Esse caso, porm, no o que nos interessa agora. E' outro. Uma dessas manhs, antes e depois do apparecimento da lancha na ilha de Saravat no me lembro bem um soldado ou cabo chamou meu pae de parte e poz-se a'conversar com elle. Fiquei afastado, olhando o mar encrespado pelo terral, as gaivotas e as bellas mangueiras do Galeo, l no outro lado, que tinham visto D . Joo VI e recebido, por varias vezes, a sagrada visita do raio, na sua secular existncia. Acabada a conversa, veiu meu pae para mim. Nada me disse logo; mais tarde, porm, confidenciou-me: Voc sabe o que aquelle soldado queria ? No, papae. Queria que eu lhe dissesse por que esses dous homens esto brigando. Esses dous homens eram Floriano e Custodio. Esse pequeno facto, que podia passar completamente despercebido, feriu-me immensamente naquella fraca idade que eu tinha ento. Nunca podia imaginar que um homem arriscasse sua vida sem saber porque, nem para que. Pareceu-me isto estpido e indigno da condio de homem. Um acto desses, de jogar a prpria

195 existncia, devia ser perfeitamente reflectido e consciente. Ficou-me o facto; e, annos depois, muitos annos mesmo, quando fui ler o formidvel Guerra e Paz, de Tolstoi, encontrei uma scena nc idntica, mas do mesmo fundo. No me recordp bem como ; mas delia se deprehende que o soldado nada sabe dos motivos por que combate. E assim feita a guerra. As massas de combatentes, homens simples e sem luzes, em geral, no sabem nitidamente porque do tiros uns contra os outros. A's vezes, os seus chefes e directpres conseguem instillar n espirito delles, vagos motivos patriticos; mas, na ultima guerra, tal cousa no pode ser concebida como movendo rabes, gurkos, senegalezes, kurdos, e t c , a se matarem e a matar. Esta ultima guerra, foi uma mystificao de parte a parte. Vimos, agora, depois do que veio tona o "negocio dos navios", como e porque ns entrmos na guerra; como estvamos ameaados de morrer aos milhares no norte da Frana, unicamente para que-alguns especuladores ganhassem, em summa, um, dous ou mais milheiros de contos. Eis ahi a guerra, na sua essncia. O que, porm, faz resaltar, de um modo cortante, o feitio de inconsciencia com que a massa dos combatentes levada para os campos de batalha, este trecho das burocrticas memrias do teimoso Ludendorff, que o "Correio da Manh" publicou, ,em 18 do corrente. Eil-o: / "Atravessando as montanhas, eu abordei uma sentinella. Respondeu-me, em no sei que lingua estranha, umas cousas que no ' comprehendi. Os officiaes austro-hungaros que me acompanhavam, tambm no comprehenderam". E' eloqente o patriotismo desse pobre diabo, de sentinelta, que no cmprehende os seus officiaes e os seus officiaes no o omprehendem! Perdido entre as montanhas, soffrendo frio e outras privaes, com risco de morte, ele tudo isto soffre, a tudo se arrisca, certamente sem saber porque, e nem ao menos entende a lingua dos seus chefes ! E' incrvel ! As causas da luta lhe devem ser perfeitamente extranhas, pois nem no minimo pode comprehender as exhortaes dos interessados nella;'elle no tem nenhum interesse prximo ou remoto na contenda; mas elle vae morrer!... E' extranho, meu Deus ! No parece ser um homem; parece um boi de canga...

O cedro de Therezopolis
O eminente poeta Alberto de Oliveira, segundo informaes dos jornaes, est empenhado em impedir que um proprietrio ganancioso derrube um cedro veneravel que lhe cresce nos terrenos. A arvore remanescente de antigas florestas que outr'ora existiram para quellas bandas e viu crescer Therezopolis j adulto. No conheo essa espcie de arvore, mas deve ser bella porque Alberto de Oliveira se interessa peta sua conservao. Homem de cidade, tendo viajado unicamente de cidade para cidade, nunca me foi dado ver essas essncias florestaesque todos que as contemplam, se enchem de admirao e emoo superior deante dessas maravilhas naturaes. ( O gesto de Alberto de Oliveira sem duvida louvvel e no ha homem de mediano gosto que no o applauda do fundo d'alma. Desejoso de conservar a relquia florestal, o grande poeta propoz comprar, ao dono, as terras onde ella crescia. Tenho para mim que, vista da quantia exigida por este, ella s poder ser subscripta por gente rica, em cuja bolsa umas poucas de centenas de mil ris no faam falta. Ahi que me parece que o carro pega. No que tenha duvidas sobre a generosidade da nossa gente rica; o meu scepticismo no vem dahi. A minha duvida vem do seu mo gosto, do seu desinteresse pela natureza. Excessivamente urbana, a nossa gente abastada no povoa os arredores do Rio de Janeiro de vivendas de campo com'pomares, jardins, que os figurem graciosos como a linda paysagem da maioria delles est pedindo. _ _ Os nossos arrabaldes e subrbios sao uma desolao. As casas de gente abastada tm, quando muito, um jardimzito liliputiano de pollegada e meia; e as da gente pobre no tem cousa alAntigamente, pelas vistas que ainda se encontram, parece que, no era assim. , . ,. , Os ricos gostavam de possuir vastas chcaras, povoadas de laranjeiras, de mangueiras soberbas, de jaqueiras, dessa exquisita S - p o que no vejo mais e no sei ha quantos annos nao a como assada e untada de manteiga.,
SWtt

198 No eram s essas arvores que a enchiam, mas muitas outras de frutas adorno, como as palmeiras soberbas, tudo isso envolvido por bambuaes sombrios e sussurrantes brisa. Onde esto os jasmineiros das cercas ? Onde esto quelles extensos tapumes de marics que se tornam de algodo que mais neve, em pleno estio ? Os subrbios e arredores do Rio guardam dessas bellas cousas roceiras, destroos como recordaes. A rua Baro do Bom Retiro que vem do Engenho Novo Villa Isabel d a quem por ella passa uma amostra disso. So restos.de bambuaes, de jasmineiros que se enlaavam petas cercas em fora; so mangueiras isoladas, tristonhas, saudosas das companheiras de alameda que morreram ou foram mortas. No se diga que tudo isso desappareceu para dar logar a habitaes; no, no verdade. Ha trechos e trechos grandes de terras abandonadas, onde os nossos olhos contemplam esses vestgios das velhas chcaras da gente importante de antanho que tinha esse amor fidalgo pela "casa" e que deve ser amor e religio para v todos. * Que os pobres no possam exercer esse culto; que os mdios no o possam tambm, v l ! e comprehende-se; mas os ricos ? Qual o motivo ? Elles no amam a natureza; no tm, por lhes faltar irremediavelmente o gosto por ella, a iniciativa para escolher bellos stios, onde erguerem as suas custosas residncias, e elles no faltam no Rio. Atulham-se em dois ou trs arrabaldes que j foram lindos, no pelas edificaes, e no s pelas suas disposies naturaes, mas tambm, e muito, petas grandes chcaras que nelles havia. Botafogo est neste caso, Laranjeiras, Tijuca e Gvea tambm. Aos famosos melhoramentos que tm sido levados a cabo nestes ltimos annos, com raras excepes, tem presidido o maior contrasenso. Os areiaes de Copacabana, Leme, Vidigal, e t c . que tm merecido os carinhos dos reformadores apressados. No se comprehende que uma cidade se v estender sobre terras combustas e estreis e ainda por cima aoitadas pelos ventos e perseguidas as suas vias publicas pelas frias do mar alto. A continuar assim, o Rio de Janeiro ir por Sepetiba, Angra dos Reis, Ubatuba, Santos, Paranagu, sempre procurando os areiaes e os logares onde o mar se possa desencadear em resacas mais fortes. E' preciso no cessar em profligar tal erro; tanto mais que no ha erro, o que ha especulao, jogo de terrenos, que so comprados a baixo preo e os seus proprietrios procuram valorisal-os num pice de tempo, encaminhando para elles os melhoramentos municipaes. Todo o Rio de Janeiro paga impostos, para que tal absurdo seja posto em pratica; e os panurgianos ricos vo documente sa-

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tisfazendo a cupidez de matreiros sujeitos para quem a belleza a sade dos homens, os interesses de uma populao nada valem. E' por isso que disse no me fiar-muito que Alberto de Oliveira alcanasse realisar o seu desideratum. Os ricos se afastam dos encantos e perspectivas dos sitios em que possam casar o mais possvel a arte e a natureza. Perderam a individualidade da escolha; no associam natureza as suas emoes nem esta lhes provoca meditaes. O estado dos arredores do Rio, abandonados, enfeitados com construces contra-indicadas, cercados de terrenos baldios onde ainda crescem teimosamente algumas ,grandes arvores das cass de campo de antanho, faz desconfiar que os nababos de Therezopolis pouco se incommodam com o cedro 'que o turco quer derrubar, para' fazer caixas caixes que guardem quinquilharias e bugigangas. Dahi pode ser que no; e eu desejaria muito que tal acontecesse, pois deve ser um soberbo espectaculo contemplar a magnfica arvore, cantando e affirmando pelos tempos em fora, a vistoria que obteve to somente pela fora de sua belleza e raagestade . 27220.

Coisas eleitoraes
Epilogar sobre eleies? Para que? Eleio isso mesmo. Diz o povo peta boca dos seus eleitores mais representativos. Os animaes, conforme La Fontaine ou Esopo, tinham o costume de pedir a Deus os seus reis; os homens, em tempos passados, iam pedil-os aos bandidos, formando-se a realeza n a descendncia do escolhido cuja origem era tida como divina. Ultimamente, porm, adoptaram a cerimonia eleitoral que no totalmente nova. E ' um modo como qualquer outro de obterem um senhor, porque os homens no podem passar sem um. Elles tm a illuso de que, possuindo-o no sero roubados, assassinados, suas famlias e negcios sero protegidos, e t c , e t c Ningum lhes diga que no ha necessidade disso; que uma illuso e tel-os uma desgraa. Elles, quando tal cousa ouvem, bramam, vociferam, dizem o diabo; mas, amanh, aps a eleio, esto a lanar a culpa de todos os seus males nas costas do pobre rei que arranjaram antehontem. Um dia desses, os nossos patrcios resolveram escolher um rei. Havia duas pessoas que queriam ser: o sr. Ruy Barbosa e o sr., Epitacio Pessoa. Pelo que conversei, pelo que ouvi, pelo que me disseram pessoas insuspeitas, todo o Brasil queria o sr. Ruy; mas quem saiu eleito foi o sr. Epitacio Pessoa. Est ahi uma prova, entre muitas outras, de qe eleio cousa mysteriosa. No tenho o habito de desvendar mysterios, nem mesmo os das charadas que antigamente os jornaes traziam; mas, um dia, examinarei esse das eleies, com auxilio de luzes astraes superiores que hei de adquirir por ahi. Uma cousa, por exemplo, logo, nesse negocio de eleies do dia 13, pde ser j examinada. Para que o Brasil quer um novo rei? O que est dos mais excellentes que eu tenbo conhecido e pouca gente pde negar que o sr. Delphim Moreira no est a calhar. Elle governa maravilhosamente, porque passou por duras provas e commetteu graves oeccados de governana no comeo do seu transitrio reinado. A "Religiosa" de Diderot af firma em qualquer logar de suas cohfisses. que s vem a dar freira virtuosa aquella que tem faltas a resgatar... > O .: TVInhim Moreira, nara lavar-se da culpa de ter sido, nos

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primeiros dias do seu imprio, uma sombra, caixeiro dos amigos de um moribundo, vem governando de facto, com uma vontade constante e*"macia, e cousa singular! de accordo com a Constituio e as leis. O vozerio dos "metings" e o berreiro dos jornaes se esqueceram delle e elle vae discretamente fazendo o que deve. Nenhum de ns sente a sua existncia, "v" o presidente; elle vae suavemente empurrando o carro do Estado. Ento, depois que se viu livre das barafundas protocollares do esotrico Hlio e ficou com o bonancho Maggi ao lado, mesmo um pae que o povo tem no Cattete. A Constituio diz que elle deve escolher livremente os seus secretrios e ministros; ele, que tinha acceitado alguns fora, quando poude, fez o que devia: pz o sr. Joo Ribeiro, no Thesouro. Esse sr. Joo Ribeiro deve ser seu amigo e , no consenso de todos, entendido em cousas de fazer dinheiro com o dinheiro alheio. No ha pessoa melhor para gerir as finanas arrebentadas da ptria. Ainda no sentimos os effeitos da sentena especial do antigo director de "uma casa de prego da roa", como elle mesmo j se intitulou; mas havemos de sentil-os em breve quando a sua turra com os bacharis, e burocratas do Tribunal de Contas estiver acabada e victoriosa para o seu lado. Outra cousa ba que o actual rei da Republica fez, foi nomear governador da cidade o sr. Frontin. Sem negar outros mritos ao actual prefeito, s. ex. tem o primordial de ter nascido no Rio de Janeiro e conhecer a cidade e seus arredores. O dr. Rivadavia. por exemplo, que era ba pessoa e excellente administrador estimava muito a "urbs" carioca, mas no a conhecia. Construiu custa de heranas inopinadamente recebidas, verdadeiras cidades no Engenho Novo. Podia tel-as edificadp em Alegrete seu torro natal; mas quiz fazer aqui, e fez. Entretanto, quando se afastava da rua do Ouvidor queria que lhe mostrassem estncias e xarqueadas. Est ahi. Pelo facto de muitas autoridades locaes desconhecerem assim o Rio de Janeiro, aconteceu um facto muito engraado com o dr. Lon Roussoulires. Este senhor, logo nos seus primeiros dias de delegado auxiliar, foi rua do Ouvidor e assustou-se muito com aquelle povilo. Nunca tinha visto cousa egual em Bello Horizonte. Cioso de suas prerogativas policiaes e temeroso da segurana do amo e amigo Wenceslau Braz, envergou o boto na lapella e correu para o primeiro guarda-civil: Seu guarda, voc no cumpre a sua obrigao! Como, doutor? Voc no est vendo esse ajuntamento sedicioso. Que ajuntamento, doutor? Esse, ahi, na rua... Isto assim todos os dias, doutor.

203 O sr. Roussoulires convenceu-se e ficou dahi em deante o mais carioca da gemma e de cinema que at ento se tinha conhecido. A nomeao do carioca Frontin para a Prefeitura veiu impedir que o seu numero augmentasse, com um caro aprendizado custa dos cofres pblicos; e, alm de tudo isso, foi Uma grande satisfao para o Club de Engenharia. Aquelle club sociedade de homens prticos e sizuds, mas "possue poetas e oradores para as grandes cerimonias e festividades. E' de espantar qua l no houvesse surgido uma festa com sonetos e discursos, para commemorar o advento do sr., Frontin. Ha afc guns annos, quando se effectuou a encampao dos "Melhoramentos", a cousa foi assim festejada. Disseram-me, entretanto, que o brodio est para ter logar no dia em que a Prefeitura puzer dez mil trabalhadores seus, as ordens do sr. Kennedy de Lemos, destinados a valorisar as restingas e areaes do Leblon. No me lembro de mais algum de valor e significancia; mas quem como o sr. Delphim Moreira, af firmou a sua vontade com essas duas nomeaes excepcionaes, ha de ter tido mais actos de verdadeira autoridade. Procurem o "Dirio Official". Eu que sou cidado brasileiro e no desejo nenhum emprego, estou muito contente com o dr. Delphim de Sant' Anna do Sapucahy. Se pudesse, no deixava que elle sahisse mais do Cattete para voltar sua cidade natal. O povo, porm, no enxerga a felicidade prxima e larga a carne pela sombra, apezar de dizer que antes um passarinho na mo do que dous voando... E' isto; no ha quem queira obedecer a este sabidissimo dictado; e, apezar de termos um bom rei como o sr. Delphim, todos insistem em pedir um outro. O sr. Ruy seria excellente, mas para o ser, devia fazer o que c sr. Moreira est fazendo: executar a Constituio. Sendo assim, tanto faz um, como outro; e o melhor no experimentar uma mudana. , No insisto neste ponto para no parecer que tenho alguma preteno junto ao sr. Delphim- e deixo a minha admirao por esse modesto estadista mineiro consignada nas linhas acima Entretanto, no posso despedir-me destas tiras sem observar que foi com agrado que vi o sr. dr. (quantas vezes?) Cmara eleito senador pelo Rio de Janero. . *_, / Conheo o dr. Camar ha muitos annos. Isto foi nos tempos em que eu era estudante e morava pela Lapa. 0 * r . Cmara ja era uma celebridade entre os estudantes, por estudar ou freqentar dous ou trs cursos de doutor. Tinha vindo, creio eu, de Ouro Preto e j soccava, com quellas suas pernas curtas, as caladas a geito de mos de pilo. As barbas j crescidas abundantes tambm. Uma vez. na Bibiiotheca Nacional, naquelle tempo na Lapa,

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quasi defronte ao Passeio Publico, lia um livro que nada tinha a ver com o meu curso, quando entrou o actual dr. Camar. Fez um pedido, fez dous. fez trs, fez quatro e esperou de p.. Dahi a tempos, vieram os livros e, sobraando-os, procurou o logar que a sua senha marcava. Lembrei-me de um livro de leitura de Hilrio Ribeiro em que ha um menino prodgio que estuda "latim", "francez", "mais inglez"... "j fala em sciencia, raizes, potncias", e t c . etc. O actual dr. Camar sentou-se, folheou rapidamente os livros e, de repente, ergueu-se e foi at mesa elevada do empregado da Bibliotheca. Fez um pedido, fez dous, fez trs... Houve uma duvida na leitura do boletim e eu poude ouvir, quando elle explicou o seu pedido, o seguinte titulo de um dos livros: "Thogonie de Mise". Vieram os livros e o sr. Camar desappareceu entre elles durante vinte minutos, ao fim dos quaes, levantou-se, pediu a senha e foi-se embora. Tinha consultado mais de quinze volumes. Era assim o homem que hoje vae ser senador pela minha cidade natal. Comquanto senador seja cargo de altas responsabilidades, melhor que elle tenha acabado na rua do Areai do que houvesse escripto alguns estudos sobre religies. Cada um para o que Deus o fez. 14 _ 4 _ 19.

Aps a guerra
Decididamente os homens no tomam juizo e mesmo a Morte, que deve ser a soberana mestra de todos ns, impotente para nos pr na cachola um pouco de bom senso elementar. Ha um anno que as hostilidades entre povos de diversos feitiose estgios de civilisao foram suspensas, aps uma carnificina nunca vista nos annaes da historia escripta. As mais cruis campanhas da antigidade, com os seus massacres subsequentes, nada so comparadas com essa guerra que se desdobrou por todo o antigo continente. Cidades, aldeias, monumentos insubstituveis do passado, foram destrudos, sem d nem piedade, bala de canhes descommunaes e pelo fogo implacvel. Aquella regio da Europa que, depois da Itlia, das mais interessantes sob o ponto de vista artstico, alm de outros, foi calcada aos ps pelos exrcitos allemes, arrazada, queimada. Quero falar da Flandres, tanto a belga como a franceza. O espectaculo aps a guerra de uma tristeza sem limites. No daquella grandiosa tristeza do Oceano que nos leva a grandes pensamentos; o de uma tristeza que nos arrasta a pensar na immensa maldade da espcie humana. No se sente isso s no que se v ou se tem noticia por quelles que viram; mas tambm na fome, na misria que lavra nas populaes dos paizes vencidos e vencedores. Cousas mais invisveis ainda enchem-nos dessa tristeza inqualificvel que nos faz maldizer a espcie humana, a sua intelligencia, a sua capacidade de aproveitar as foras naturaes, de apprehender um pouco do mysterio ds cousas, para fazer tanto mal. Os nascimentos, se no diminuram aqui e ali, a mortalidade infantil augmentou e as crianas defeituosas ou sem o peso normal surgiram luz em numero maior que nos transaCtos annos de paz. A actividade intellectual toda ella se orientou para os malefcios da guerra; e foi um nunca acabar de inventar engenhos mortferos ou augmentar o poder dos j existentes. Os chimicos, os maiores, trataram de combinar nos seus laboratrios corpos de

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modo a obter gazes que fossem portadores da morte e misturas incendiarias que o mesmo fizessem. A Historia veiu em soccorro dos guerreiros que, no contentes de ter o fuzil Mauser e Lebel, ainda foram se inspirar em estampas de livros dos tempos dos Cruzados para ter catapultas ultra modernas de molas de ao e um bojo greguez cujas compostas eram dosadas em balana de preciso. No so s os engenhos de guerra antigos que so imitados e amplificados de poder com as conquistas da industria moderna. Com os "tanks" elles imitam os famosos carros de,guerra da antigidade e do medievo, mas com as taes trincheiras-valas em Polybio que vo buscar inspirao. A arte da guerra de todos os tempos se baralha, se confunde nessa guerra immensa que, no mar, se stendeu a todo o universo; e em terra s poupou a America. Um painel desses, de to sombrias cores e de to-eloqente relevo de horror e sangue, devia inspirar aos homens idas novas sobre a politica', sobre a ptria, sobre as relaes internacionaes. Se a Allemanha levantou contra ella todo o mundo, deve-o concepo hyper-mystica, se assim se pode dizer, da ida de ptria que ella inoculou na cabea dcil de seus filhos, com auxilio dos seus professores, padres e instructores de recrutas. Seja-me dado aqui relembrar um trecho de leitura de menino. Quero falar nos filhos do Capito Grant de Jules Verne, o meu amigo dos 12 annos. Quando' os que procuram o Capito Grant, atravessam a Austrlia, encontram dormindo, numa certa - paragem, um pequeno indgena que vem de sair de um estabelecimento inglez de instruco e se dirige sua tribu. Sabendo que elle estudava geographia, Paganel, o geographo, que fazia parte da caravana, o interroga. O pequeno responde e responde que toda a Europa possesso da Inglaterra, at a Frana, que governada pelo prncipe Napoleo, em nome da rainha Victoria. Semelhante processo de instillar nos espritos simples, desde o primeiro arrebl da intelligencia, a ida de um immenso poder de uma incalculvel fora de uma certa aggremiao politica, foi pelos allemes erigido em systema, em methodo de educao em drenagem do espirito dos seus filhos em relao ao Imprio Germnico, com aquella pacincia e tenacidade prprias aos allemes e fecebida com aquella perfeita e profunda candura e obedincia tambm prprias a elles'. O poder allemo era sem limites; tudo o que havia no mundo de bom era allemo. Pascal, Dantes, Descartes, Cervantes, no eram nem hespanhoes, nem francezes, nem italianos; eram allemes . Com a gerigona de uma erudio pantafauda faziam crer os sbios teutonicos, elles mesmos j auto-illudidos, todas essas baboseiras aos seus ouvintes. O padre fazia o mesmo; o instructor, desde o cabo at o capito de companhia, repetia a seu geito patranhas semelhantes.

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A Allemanha nunca havia sido derrotada e talvez dissessem os do clero que Jesus era allemo. Passavamjse essas cousas na Allemanha e agora que to dolorosamente ella expiou essa mystica exaltao patritica e militar, que vemos todos ns ? Vemos os governantes, com ou sem investidura, de todos os paizes se apossarem das idas allems, dos processos allemes, para incutir no espirito das suas populaes delrio semelhante. Deixo de parte o Sr. dAnnunzioou Rapagueta para no irritar o Sr. Dr. Bellagamba, a quem devo um servio de sua profisso inesqecivel; seno perguntaria, porque razo o poetavoador no appella para os ttulos do antigo imprio romano do occidente, afim de se apoderar da Frana, da Blgica, da Espanha, da Arglia. A sede do imprio era em Roma, na Itlia, que ainda l est com as suas runas grandiosas que eu tanto desejaria ver. Os allemes eram mais lgicos, pois julgavam herdeiros dos Francos, Sbios e Ripnarios, e queriam a Frana at ao Loire para elles, allemes. Deixo de parte este ponto para no zangar a um medico que teve cuidados commigo em occasio bem critica; e passo a falar de ns mesmos que estamos tomando ares de querer ser uma Allemanha despovoada e cantarolante. Por toda a parte surgem medidas e cantigas patriticas; por toda a parte so aventadas leis draconianas dignas do digesto allemo . Ns chamamos os estrangeiros e no queremos que elles se queixem dos erros dos nossos governantes e da oppresso da nossa joven plutocracia; ns procuramos por todos os modos restringir a liberdade de pensamento e houve at um projecto no Senado que transformava, dava ao Estado poltico ares de, Magestade. Toda a critica a elle, era um crime, um crime vago, assim como quem diz um crime de lesa-magestade. No preciso dizer mais. Um tal estado de espirito enche-me de immensa tristeza e de sombrias apprehenses para o futuro. Como acabar tudo isto ? Onde iremos parar com essa nossa megalomania militar e patritica ? Que sair desse delrio de grandezas dos nossos dirigentes, exaltando a simplicidade das massas nesse fervor pela ptria politica, cousa obsoleta na Europa e sem motivo de ser aqui, entre ns ? Eu no digo nada, pois sou doido; mas, parece-me, que os cadveres dos milhares de allemes que morreram na guerra, no foram sepultados. Esto se decompondo ao ar livre e infeccionando a Terra toda, com os ideaes que tinham, quando vivos, de violncia, de brutalidade, de carnagem, em nome da Ptria, pelos quaes morreram... Boas Festas, meus senhores.

Mas uma vez


Este recente crime da rua da Lapa traz de novo tona essa questo do adultrio da mulher e seu assassinio pelo marido. Na nossa hypocrita sociedade parece estabelecido como direito, e mesmo dever do marido, o perpetral-o. No se d isto nesta ou naquella camada de alto a baixo. Eu me lembro ainda hoje que, numa tarde de vadiao, ha muitos annos, fui parar com o meu amigo, j fallecdo Ary Toom, no Necrotrio, no largo do Moura, por aquella poca., Uma rapariga ns sabamos isio pelos jornaes creio que hespanhola, de nome Combra, havia sido assassinada pelo amante e, suspeitava-se, ao mesmo tempo "maquereau" delia, numa casa da rua de San^Anna^ O crime teve a repercusso que os jornaes lhe deram e os arredores do Necrotrio estavam povoados da populao daquellas paragens e das adjacncias do becco da Musica e da rua da Misericrdia, que o Rio de Janeiro bem conhece No interior da "morgue", era a freqncia algo differente sem deixar de ser um pouco semelhante do exterior, e^ talvez mesmo, em substancia igual, mas bem vestida. Isto quanto s mulheres bem entendido! Ary ficou mais tempo a contemplar os cadveres. Eu sahi logo., Lembro-me s do da mulher que estava vestida com um corpete e tinha s a saia de baixo. No garanto se estivesse calada com as chinellas, mas me parece hoje qu estava. Pouco sangue e um furo bem circular no lado esquerdo, com bordas escuras, na altura do corao^, __ Escrevi cadveres pois o amante-caften se havia suicidado aps matar a Combra o que me havia esquecido de dizer. Como ia contando, vim para o lado de fora e puz-me a ouvir os""commentarios daquellas pobres "pierreuses" de todas as cores, sobre o facto. , No havia uma que tivesse compaixo da sua collega da aristocrtica classe. Todas ellas tinham objugatorias terrveis, condemnando-a, julgando o seu assassinio cousa bem feita; e, se fossem homens, diziam, fariam o mesmo tudo isto entremeado de palavras do calo obsceno prprias para injuriar uma mulher. Admirei-me e continuei a ouvir o que diziam com mais attena. Sabem por que eram assim to severas com a morta?

210 Porque a suppunham casada com o matador e ser adultera., Documentos to fortes como este no tenho sobre as outras camadas da sociedade; mas, quando fui jurados, tive por collegas os mdicos da nossa terra, funccionarios e doutos de mais de trs contos e seiscentos mil ris de renda annual como manda a*Jei sejam os juizes de facto escolhidos, verifiquei que todos pensavam da mesma frma que quellas maltrapilhas "rodeuses" do Largo do Moura. Mesmo eu j contei isto alhures servi num conselho de sentena que tinha de julgar um exorcida e O absolvi. Fui fraco, pois a minha opinio, se no era fazer-lhe comer alguns annos de cadeia, era manifestar que havia, e no meu caso completamente incapaz de qualquer conquista, um homem que lhe desapprovava a barbaridade do acto. Cedi a rogosxe at alguns partidos dos meus collegas de sala secreta. No caso actual, neste caso da rua da Lapa, v-se bem como'os defensores do criminoso querem explorar essa estpida opinio de nosso povo que desculpa o exoricidio quando ha adultrio, e parece at impor ao marido ultrajado (sic) o dever de matar a sua ex-cara metade. Que um outro qualquer advogado, explorasse essa abuso barbara da nossa gente, v l; mas que o Sr. Evaristo de Moraes, cuja illustrao, cujo talento e cujo esforo na vida me causam tanta admirao, endosse, mesmo profissionalmente, semelhante doutrina que me entristece. O liberal, o socialista Evaristo, quasi anarchista, est me parecendo uma dessas engraadas feministas do Brasil, gnero professora Daltro, que querem a emancipao da mulher unicamente para exercer sinecuras do governo e rendosos cargos polticos; mas que, quando se trata desse absurdo costume nosso de perdoar os maridos assassinos de suas mulheres, por^isso ou aquillo, nada dizem e ficam na moita. A meu vr, no ha degradao maior para a mulher do que semelhante opinio quasi geral; nada a degrada mais do que isso, penso eu. Entretanto... A's vezes mesmo, o adultrio o que se v e o que no se v so outros interesses e despeitos que s uma analyse mais subtil podia revelar nesses lagos. No crime da rua da Lapa, o criminoso, o marido, o interessado no caso, portanto, no allegou quando depoz ssinho que a sua mulher fosse adultera; entretanto, a defesa, lemos nos jornaes, est procurando "justificar" que ella o era. O crime em si no me interessa, seno no que toca minha piedade por ambos; mas, se tivesse de escrever um romance, e no o caso, explicaria, ainda me louvando nos jornaes, a cousa de modo talvez satisfactorio. No quero, porm, escrever romances e estou mesmo disposto a no escrevel-os mais; se algum dia escrevi um, de accrdo com os cnones da nossa critica, por isso guardo as minhas observaes e illuses para o meu gasto e para o julgamento da nossa atroz socie-

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dade burgueza, cujo espirito, cujos imperativos da nossa aco na vida animaram, o que parece absurdo, mas de que estou absolutamente certo o protagonista do lamentvel drama da rua da Lapa. Afastei-me do meu objectivo, que era mostrar a grosseria, a barbaridade desse nosso costume de achar justo que o marido mate a mulher adultera ou que a cr tal. Toda a campanha para mostrar a iniqidade de semelhante julgamento no ser perdida; e no deixo passar vasa que no diga algumas toscas palavras, condemnando-o. Se a cousa continuar assim, em breve, de lei costumeira, passar a lei escripta e retrogradamos s usanas, selvagens que queimavam e enterravam vivas as adlteras. f Convm entretanto lembrar que, nas velhas legislaes, havia casos de adultrio legal. Creio que Solon e Lycurgo os admittia; creio mesmo ambos. No tenho aqui o meu Plutarcho. Seja, porm, como fr, no digo que todos os adultrios so perdoaveis. Peor do que o adultrio o assassinio; e ns queremos crear uma espcie delle baseado na lei.

A nossa situao
Quando os leitores desta revista forem ler, se acaso mereo esta honra, as presentes linhas, muitos outros factos se tero passado que me daro razo. Do dia em que as escrevo decorre uma boa semana at o apparecimento deltas em letras de forma; e desejaria muito que, durante esse intervallo, nada houvesse acontecido que as justificasse, antes quizera que os acontecimentos m'as, negassem. No se abre actualmente um jornal qualquer sem que logo o leitor mais attento, no sinta a situao desesperada, o mal estar, a irritao contida, mas denunciada por este ou aquelle facto, que ha por estes Brasis afora. A guerra em que fomos um belligerante platnico, festeiro, "kermesseiro e gritador, poz em foco muitas das incapacidades dos nossos pr-homens e "arruinou", como diz o vulgo, as nossas chagas de -povo, abrindo muitas outras. Estes trinta annos de Republica tm mostrado, mais do que o passado regimen, alm da incapacidade dos dirigentes- para guiar a massa da populao na direco de um relativo bem estar, a sua profunda deshonestidade, os baixos ideaes de sua politica que, em presena de propinas e gorgetas, lucros ou quaes seja em moeda, no trepidam em lanar na misria, na mendicncia, no alcouce, na taverna os seus patrcios, mesmo atirai-os aventura de uma guerra, quando o "pour boire", estrangeiro em geral, de encher os olhos. A todas as reclamaes, a todas as criticas, elles s sabem responder com o Santo-Officio policial que j arvoraram em Academia, Synodo, Concilio, para julgar e condemnar esta ou aquella theoria politica que qualquer precisa expor e no lhes agrade. Cobriram a nossa pobre gente de injustos buscatinas, s vezes em duplicata, fizeram crescer os desfalques com o exemplo de suas delapidaes aos cofres pblicos; inventaram obras sumptuarias nas cidades, custando ellas o dobro, o triplo, o qudruplo, para endinheirar parentes e apaniguados; tudo encareceu com a creao de industrias artificiaes mantidas sob exhorbitantes taxas alfandegrias, para afastar concurrencia similares estrangeiras, taxas estabelecidas com o intuito preconcebido de enriquecer meia dzia de condes de arribao, de commendadores de S. Thia-

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go, de egressos do foro e da clinica, mas com boas relaes no Congresso e nos sales archi-burguezes. Basta ver, no "Dirio Official", as actas ou cousa parecida das%esses ou incorporaes dessas felizardas emprezas, para se verificar como os polticos, os mais influentes, tanto da opposiao, como do governo, tm interesse nellas. L se encontram os seus nomes no minimo, como advogados. O caso da "loua dos plos", no oramento do anno passado, veio mostrar saciedade como se fazem essas nababescas fortunas actuaes, cujos possuidores blasonavam a sua extraordinria honestidade e merecem dos jornalistas, grandes e pequenos, panegyricos de verdadeiros homens illustres, que Plutarcho teria vergonha de fazel-os to encumiasticos para Numa e Timoleo. Tenho dito muitas vezes aqui e alhures que o principio geral a que obedece a politica republicana, enriquecer cada vez mais os ricos e empobrecer cada vez mais os pobres. A fortuna nas mos dos que tm dinheiro ou alcanam possuir algum, por este ou aquelle processo inconfessvel, graa a toda a sorte de expedientes administrativos e legislativos, em breve, triplicada, quintpliada, at decuplicada. em' detrimento da economia dos pobres e dos remediados que no conhecem a governamental gallinha de ovos de ouro e so chamados de tolos pelos activos pro-homens bafejados pelos graudos da politica e da adminis^ trao As ultimas obras municipaes, os famigerados melhoramentos de Copacabana, Vidigal, Leblon, Ubatubas e Lagoa dos Patos, mostram ao mais incrdulo, como essas obras sem utilidade geral, sem alcance algum para a totalidade da populao, so mais levadas a effeito para proteger certos e determinados indivduos do que mesmo para embellezar, no minimo, a cidade. "A Noite" tem publicado a tal respeito dados excellentes. Na construco do Tnel Joo Ricardo, pouco menos do tero, sob o Sr. Frontin, custou quasi) mais do dobro que o resto, na gesto do Sr. S Freire, Diante de tudo isso, desse enriquecimento sbito de indivduos pouco preparados para usar da-perigosa arma de fortunas avultadas, j pelo seu fraco cultivo, j peta sua nenhuma educao no sentido elevado, j pela massa de baixos appetites que os governa, causa pasmo que os moralistas se admirem de apresentar a sociedade carioca "up-to-date" manifestao de uma corrupo profunda, no s na "toilette", mas tmbem no palavreado, na escolha de divertimentos e prazeres. E' que os pobres so muitos e no se conformam com a pobreza; e os ricos se aproveitam disso para corromper quelles que, sequiosos de luxo e, sendo muitos, formam com que um ambiente favorvel descahida daquelles mesmos que esto na fartura e na ignorncia. Uns reagem sobre os outros... O verdadeiro trabalhador, mesmo quando no uni simples assalariado, quem mais soffre com esse nefasto estado de cousas e v todo o seu esforo, por todos os motivos, respeitvel, annul-

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lado pela incapacidade e concusses dos que governam esta estupenda democracia, cujo chefe tem dous palcios de inverno e no sei quantas casas de vero . Ainda ha dias, um jornal noticiava que os "herbateiros" do Rio Grande do Sul, em Herval, preparavam um ataque a essa estao de estrada de ferro, em represlia ao descaso do governo que no providencia, apezar das queixas, para fornecer-lhes transporte destinado a exportar as suas colheitas de herva-matte para o Uruguay. Eram 700 homens dispostos ao que desse e viesse. Ha annos .que se fala nessa falta de transporte de toda a sorte. < Que se ha feito para sanal-a ? Onde se tem gasto tanto dinheiro? Os senhores sabem? Certamente, no; pois nem eu. Os constructores, os empreiteiros de estradas de ferro, os arrendatrios esto ricos, mas as estradas de ferro virtualmente no existem, pois no preenchem a sua misso. Ainda mais. O carvo mineral ameaa faltar-nos devido ao decrescimento de sua extraco nos paizes carboniferos. Fala-se em carvo nacional. At hoje, porm, nada de positivo, de pratico, foi mostrado ao povo. Os doutores mais sbios do que os famosos sbios da Grcia, discutem. Um diz: presta; outro diz: no presta; mas vem o Dr. Caruru' e af firma: serve, mas em briquettes; entretanto, o Dr. Jamelo contesta: no se presta a linguetas, mas pode ser aproveitado em p, ao que o Dr. Camelo objecta: muito perigoso usal-o assim, porquanto a hulha nesse estado fica um verdadeiro explosivo. Emquanto se discute tudo isto, a hulha nacional no apparece nas fornalhas dos paquetes e locomotivas; mas o governo empresta milhares de contos aos messias que cavam a terra em busca da nossa salvao. So administraes dessas que se riem e endossam patranhas descabelladas contra o governo excepcional e, por sua natureza precrio dos Lenines e Trotsky. Ri-se o roto, l diz o povo, do esfarrapado e o torto do aleijado. Crleou o governo um Commissariado de Alimentao para regular o "maximum" dos preos dos gneros de primeira necessidade. , . . . Appareceram logo os doutores a discutir a discutir tal e qual em Byzancio, como os turcos s portas. Todos elles sabem economia politica e at, por signal, o A^o Commissario ou foi professor dessa disciplina numa afamada escola superior; mas, por tanto saberem, no se entendem. Singular sciencia, essa ! O mal estar da populao cresce sempre, a especulao de alto a baixo prolifera, os agiotas e bancos de agiotagem, catholicos, protestantes, sintoristas, distribuem pasmosos dividendos em relao ao valor das aces. Maravilhoso symptoma ! No ha carne na capital da Republica dias seguidos e a parte da populao que pde, appella para as aves domesticas, conservas, para a carne de porco e o peixe que custam carssimo.

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A outra parte, a maioria, a mais pobre, no tem para onde appellar, pois a carne secca hoje alimento de luxo, tendo deixado de figurar dos "menus" dos encarceirados de toda a natureza. Nesta cidade, j ha fome e no tardar muito a verificar-se criminosos que assim se fizeram, para ter sustento custa do Estado; entretanto, projecta-se a creao de uma Universidade no Rio de Janeiro. Que amor ao archaismo, tanto em tal creaao como no desprezo ao soffrimento do povo ! . . , Nunca houve na nossa administrao "espirit de suite . Tudo feito aos saltos e o governo que substitue outro, trata logo de desmanchar aquillo que o anteoessor fez. Ha annos que ha uma Inspectoria contra as Seccas, installada aqui com o luxo digno da alta conta ducal em que se tm os nossos sublimados e pantafaudos doutores. As seccas so no Cear, na Parahyba, no Rio Grande do Norte, mas a Inspectoria aqui, onde s se conhece esse phenomeno quando as chuvas, durante alguns dias, no fazem os reservatrios do Dr. Van Erven, encherem-se. Muita gente ha de admirar-se disso; eu, no. Um facto desses est na lgica das cousas do Brasil, em que o Dr. general ou general Dr. Lauro Muller e o reservista do Exercito Miguel Calmon so summidades em agricultura e cousas correlatas. Aps tantos annos de existncia da tal Inspectoria, as seccas, sem nenhum abrandamento nos effeitos, continuam a devastar o desgraado nordeste de modo impiedoso. O arcebispo ou bispo do Cear disse em S. Paulo que ellas, nestes prximos annos passados, mataram 70 mil pessoas e dous milhes de cabeas de gado. E ellas no cessam e continuam a matar; e os audes da Inspectorta onde esto ? No Congresso, nos jornaes, nas nossas divertidas sociedades sabias, discute-se a grande audagem, a remoo da populao da regio flagellada para as que no foram, com auxilio de estradas de ferro e de rodagem tudo muito bonito, com algarismos, schemas, graphias, diagrammas e alguma rhetorica, e nada se faz de til. . O Brasil feito para desanimar; e nao serei capaz de negar que haja entre os homens que tm estudado o problema das seccas, capacidades respeitveis. Mas a doutoromania que, em ultima analyse, desande num pedantismo livresco, impede os nossos technicos de observar directamente o phenomeno e, consequentemente.de descobrir um adequado e prprio remdio. Sabem o que em matria de irrigao, barragem, audagem, fizeram os rabes, na Hespanha, os inglezes-, no Egypto, os francezes, na Tunisia, os americanos, no Colorado, e t c , e t c ; e com autores e relatrios estrangeiros fazem os nossos sbios brilharetes; mas, caso de perguntar, algum delles observou as condies da nossa zona de seccas e o porque das differenas entre ella e quelles paizes ?

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A nossa sciencia assim uma espcie de escolastica, em que a dialectica tudo. O brasileiro um 'typo que no pode se afastar do modelo. Em todas as suas manifestaes tem de copiar. V-se nas suas conversas , sobre qualquer assumpto de intelligencia como feita a sua critica, tendo sempre presente a autoridade: fulano, dizem uns, errou porque Haldane ensina assim; o livro beltrano defeiutoso, pois Anatole' France nunca architectou um romance dessa maneira. ^ Ns temos o horror iniciativa e nunca seguimos aquelle concelho de Flaubert a Maupassant a quem elle recommendav que se puzesse uma, duas, trs, cinco, cem vezes diante de uma fo-p gueira, at que esta lhe apparecesse de um modo particular a elle prprio, para ento descrevel-a. ' Ao lado de todos os quadros tristes da nossa sombria situao, vem a politica para ennegrecel-os mais. A Bahia anda em polvorosa. Ha conflictos nas cidades sertanejas; o govVno estadual arma e embarca para o interior, foras de policia. E o Amazonas? E o Par ? E Goyaz que no tem viveres ? E Uberaba e adjacncias que se querem fazer independentes? Ao lado disto tudo,, projecta-se um arsenal de marinha, uma escola de aviao de guerra, discute-se a construco da esquadra outras cousas indispensveis populao da misria, da molstia, da fome e.da... politica. O melhor no tratar dessas cousas. O real me desgosta, como disse o outro; e tanto mais me desgosta quanto no tenho ideal e no posso, portanto, viver nelle.

DO AUTOR Recordaes do Escrivo Isaias Caminha (novela). Triste fim de Polycarpo Quaresma (idem). "Numa e a "Nympha (idem). Vida e morte de M. J. Gonzaga de S (idem). Historias e sonhos (contos).

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