Biomagnetismoa PDF
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BIOMA
Os seres vivos
so capazes de gerar
campos magnticos.
Embora muito fracos,
esses campos j podem
ser detectados por
equipamentos sofisticados,
o que abre um novo campo
de pesquisa.
Estudos recentes
sobre esse fenmeno
o biomagnetismo
revelam que a deteco
e a anlise dos campos
gerados em rgos como
crebro, corao, pulmes,
fgado e outros podem
facilitar o diagnstico
de doenas e auxiliar
cirurgias e tratamentos,
entre inmeras outras
aplicaes. Para que isso
se torne uma realidade,
porm, algumas
dificuldades ainda
precisam ser superadas.
Nova interface e
B I O F S I C A
G NETISMO
B I O F S I C A
Resposta
neuromagntica
Magneto
Retinograma
Contaminantes
Atividade
muscular
Magneto
Cardiograma
Volume
sangneo
cardaco
Ferro no fgado
Magneto
Gastrograma
Magneto
Enterograma
Ferro no bao
Tempo
de trnsito
Magneto
Cardiograma
Fetal
Figura 3.
O mapeamento
de fontes
de campos
magnticos
evocados no crtex
cerebral permitem,
de acordo com
sua intensidade
(o azul mais forte
indica o mximo
campo negativo,
que entra
na cabea,
e o vermelho
mais forte indica
o mximo campo
positivo, que sai),
localizar as reas
ativadas
AS POSSVEIS
APLICAES
As pesquisas nessa rea tm
explorado diversos mtodos
no-invasivos de medio dos campos biomagnticos, que podem vir a
ser usados para diagnsticos mais precisos, auxlio a
tratamentos e identificao (prcirrgica) de reas afetadas em diferentes rgos do corpo. Outras tcnicas
j conseguem, em grande parte, esses resultados, mas so em geral invasivas. Assim, o biomagnetismo poder ser uma alternativa prtica,
rpida e segura e, em alguns casos, menos custosa.
Figura 2.
Principais fontes
de campos
biomagnticos
localizados no
corpo humano
As reas de pesquisa nas quais maior o potencial para futuras aplicaes so o neuromagnetismo,
o cardiomagnetismo, o gastromagnetismo, o pneumomagnetismo e a biossusceptibilidade magntica.
No neuromagnetismo, os dados obtidos sobre os
campos magnticos cerebrais, com os mtodos j
disponveis, permitem vrias aplicaes, como na
pesquisa sobre o funcionamento do rgo. Os campos podem ajudar a mapear o processamento (feito
atravs de impulsos eltricos) das informaes no
crebro. Saber onde e quando certas informaes
so processadas importante para a neurocincia, e
os dados tambm podem ajudar a entender certas
patologias e a formular novas terapias.
O alto custo ainda limita o uso clnico da magnetoencefalografia (MEG) o registro dos campos
magnticos cerebrais. No entanto, a rapidez na obteno de dados, a no-invasividade e a excelente
resoluo temporal a tornam uma tcnica de grande potencial. Sua aplicao crescente na determinao pr-cirrgica de reas afetadas do crebro,
no mapeamento de regies de atividade cerebral e
na localizao de atividade ligada epilepsia. Vrios grupos pesquisam mtodos mais acessveis para localizar regies cerebrais atravs de campos
magnticos e caracterizar suas anormalidades, em
geral ligadas a doenas.
O estudo das atividades magnticas cerebrais
realizado basicamente de duas maneiras: pelo registro de sinais espontneos do crebro (como a onda
alfa) e pelo registro de respostas a estmulos externos (campos evocados). Em ambas, o registro precisa ser feito em diversos pontos para que a fonte seja
localizada. Os estmulos externos, porm, podem
ser alterados de modo controlado, obtendo-se a
informao de interesse por um processo de mdia
dos sinais magnticos vindos de regies ativas
(figura 3). Recentemente, esse tipo de
imagem tem sido combinada s obtidas por ressonncia magntica
nuclear, o que gera as chamadas imagens multimodais.
Dentro das aplicaes do
biomagnetismo, o corao o
segundo rgo mais importante, em funo da grande
incidncia das doenas cardacas e das chances de interveno. A magnetocardiografia (MCG) tem o mesmo potencial
de diagnstico da eletrocardiografia (ECG) e acredita-se que poder localizar fontes de atividade eltrica anormal no corao sem a fixao de dispositivos na pele do paciente ou no rgo (ver O sinal
magntico do corao, nesta edio, na pgina 30).
B I O F S I C A
Figura 4.
na sntese das hemoglobinas), que precisam de
Equipamento
freqentes transfuses de sangue.
para medir a
Determinar a concentrao dessas partculas ,
susceptibilidade
portanto, indispensvel. Vrias tcnicas conseguem
magntica
isso, mas a grande maioria exige exames invasivos,
de grandes
amostras: um campo
o que no ocorre com medimagntico
das biomagnticas. A con(gerado pela
centrao de partculas fercorrente de excitao)
romagnticas nos pulmes
aplicado para
(pneumomagnetismo) obtiorientar os dipolos
magnticos
da medindo-se a magnetizada amostra,
o remanente (a que resta
o que altera o campo
aps a aplicao do campo).
magntico original.
No caso do acmulo de partO campo resultante
culas paramagnticas em ou medido atravs
da corrente sensora
tros rgos (como o fgado)
que ele gera
ou tecidos, mede-se a susno SQUID
ceptibilidade magntica (figura 4). Nessa tcnica (biossusceptometria), a medio feita durante a aplicao de um
campo pouco intenso. O campo aplicado alterado pelo
magnetismo induzido nas partculas paramagnticas presentes no rgo avaliado, e o campo resultante
proporcional concentrao das partculas.
A medida do campo magntico gerado pela atividade eltrica do estmago chamado de magnetoFigura 5.
gastrografia. Essa tcnica tem sido desenvolvida paSinal de
ra avaliar a freqncia dessa atividade, sua velocicontrao
dade de propagao e seu comportamento sob difedo estmago,
rentes condies alimentares (e no caso de ingesto
medido atravs
de drogas). As contraes do estmago tambm poda tcnica
susceptomtrica,
dem ser estudadas atravs da susceptibilidade magmostrando
ntica e da magnetizao remanente. Aproximandoa freqncia
se um biossusceptmetro do rgo, as ondas de contpica de
trao so registradas em um grfico (figura 5). Tais
contrao
ondas provocam a mistura do alimento com o suco
de trs ciclos
gstrico e a empurra em direo ao intestino.
4 por minuto
30
~1 min
~
CONTROLE DO ACMULO
DE FERRO
rgos que armazenam partculas magnticas, como
os pulmes e o fgado, so tambm objeto de estudos
biomagnticos. Em geral, pessoas expostas a ambientes insalubres por muito tempo acumulam partculas ferromagnticas nos pulmes, o que pode
afetar a respirao. No fgado, o depsito de partculas paramagnticas (na protena ferritina) ocorre,
por exemplo, em pessoas com talassemia (distrbio
Amplitude (mV)
20
10
0
-1 0
-20
-30
1 00
200
Tempo (s)
300
400
B I O F S I C A
Figura 6.
Sistema
para medio
de campo
magntico
remanente com
magnetmetros
fluxgates: um par
de bobinas aplica
um pulso de
campo magntico
na amostra,
atravs
da descarga
de um banco
de capacitores,
e a magnetizao
remanente
medida por dois
gradimetros
que utilizam
magnetmetros
fluxgates
Figura 7.
Medida de
campo
magntico
remanente de
partculas
magnetizadas
dentro do
estmago de um
voluntrio,
observando-se
tanto o
decaimento da
magnetizao
remanente (em
azul) quanto as
ondas de
contrao do
rgo (em
vermelho)
O mesmo processo pode ser estudado medindose, com magnetmetros (figura 6), o decaimento da
magnetizao remanente. Um alimento-teste, contendo magnetita, ingerido e magnetizado em uma
certa direo por bobinas, mas a magnetizao induzida perde intensidade com o tempo (figura 7).
Esse decaimento est ligado ao movimento que o
estmago impe sobre o bolo alimentar em seu
interior. Tais estudos so uma alternativa a certos
mtodos invasivos atuais, que usam sondas, tubos
ou radiao ionizante (como em alimentos-teste
com brio e com radiofrmacos).
500
Magnetizao (nT)
400
300
~1 min
~
200
1 00
0
0
50
1 00
1 50
Tempo (s)
200
250
300
B I O F S I C A
SQUIDC-DC
Is
Ip
Is
B1
Is
B2
O TUNELAMENTO DE ELTRONS
Em uma corrente eltrica que percorre um condutor separado de outro por uma fina camada
de material isolante, os eltrons podem, em
condies especiais, atravessar essa barreira.
O fenmeno, explicado pela mecnica quntica, chamado de tunelamento. Isso tambm
ocorre em materiais supercondutores (que no
oferecem resistncia passagem de uma corrente eltrica), mas nesse caso os eltrons esto unidos em pares (os pares de Cooper).
O tunelamento dos pares de Cooper, em
supercondutores, o efeito Josephson. Sua
descoberta, em 1962, deu ao ingls Brian Josephson o Nobel de Fsica em 1973 (junto com
outros pesquisadores). Nesse tunelamento, o
supercondutor separado por uma barreira isolante (chamada de juno Josephson) mantm
suas propriedades, mas a corrente supercondutora alterada na presena de um campo
magntico os SQUIDs registram tal alterao
e isso permite determinar o fluxo magntico.
percondutores cermicos (ligas de trio, brio, cobre e oxignio), com temperatura de transio mais
alta. A supercondutividade, nesses materiais, ocorre em torno de 35 K (-238oC). Poucos anos depois,
foram descobertos materiais supercondutores a cerca de 95 K (-178oC), o que j permite usar nitrognio
lquido (mais barato) para o resfriamento. A busca
de supercondutores com temperaturas de transio
mais altas continua, visando reduzir o custo da fabricao de SQUIDs.
Todos esses novos dispositivos permitem uma
srie de aplicaes no-invasivas promissoras, tanto na identificao de estruturas quanto no planejamento de terapias, envolvendo regies muito delicadas e pouco compreendidas do corpo humano.
Em conjunto com outros mtodos tambm recentes,
como a imagem funcional por ressonncia magntica (que permite visualizar rgos durante seu
funcionamento), as tcnicas biomagnticas tornamse cada vez mais importantes e eficazes.
Figura 8.
Variao do fluxo
de campo
magntico
em funo da
permeabilidade:
se esta alta
(m 0), as linhas
de fluxo so
atradas
para dentro
do material,
e se baixa
(m 0),
no h atrao
Figura 9.
Esquema de um
SQUID, com um anel
supercondutor
(em azul)
apresentando duas
barreiras, as junes
COMO ISOLAR
Josephson (setas),
O RUDO AMBIENTAL
e com um sensor
biogradimetro
(a bobina maior,
Quando se consegue construir um dispositivo para
direita). A bobina
medir campos magnticos to pouco intensos, surmenor (ao centro)
ge um srio problema: o rudo magntico ambiental
transfere o fluxo entre
, em alguns casos, dezenas de milhes de vezes
o sensor e o SQUID, e
mais intenso que os campos que se pretende detecos fluxos magnticos
produzidos pelos
tar. Como superar esse problema? A soluo mais
campos B1 e B2
simplista a construo de uma cmara magneticaso detectados
mente blindada. Elas, de fato, existem, e so inevicada um por uma
tveis em certos casos, mas tm como grande inespira (os dois aros
conveniente o custo elevado.
do gradimetro,
nos quais a corrente
Outra soluo engenhosa so os gradimetros,
tem sentidos
dispositivos capazes de detectar as linhas de camopostos). A corrente
pos magnticos que atravessam o interior de suas boresultante equivale
binas. Dependendo de sua construo, os gradi subtrao
metros podem registrar de forma seletiva esses cam- 4 dos dois fluxos
setembro de 1999 CINCIA HOJE 29
B I O F S I C A
B I O F S I C A
Figura 10.
O gradimetro
de ordem zero (A),
com apenas uma
espira, detecta
todas as linhas
de campo
magntico que
o atravessam,
enquanto
gradimetros
de primeira (B)
ou segunda (C )
ordem, com mais
espiras, podem
cancelar de modo
seletivo certos
tipos de campo
magntico
quanto mais
complexo o rudo
ambiental,
maior a ordem
do gradimetro
usado para seu
cancelamento
Sugestes
para leitura
ANDR, W. & NOWAK,
H. (Eds.).
Magnetism in
medicine:
a handbook,
Wiley-VCH, 1998.
HMLINEN,
M. e outros.
Magnetoencephalography
Theory,
instrumentation,
and applications
to noninvasive
studies of the
working human
brain, in Review
of Modern Physics,
v. 65, p. 413 (1993).
ROMANI, G.L.,
WILLIAMSON, S.J.
& KAUFMAN, L.
Biomagnetic
instrumentation,
in Review of
Scientific
Instruments, v. 53,
p. 1.815 (1982).
LOUNASMAA, O. &
HARI, R. Le
magntisme du
cerveau, in La
Recherche n 223,
p. 874 (julhoagosto de 1990).
O sinal
A
B I O F S I C A
magntico do corao
Figura 1. O eletrocardigrafo original
de Einthoven inclua trs tinas,
que continham uma soluo
condutora, para estabelecer
o contato eltrico com os dois pulsos
e uma das pernas do paciente
VENDO ESTRELAS
AO MEIO-DIA
O magnetismo, embora j tenha sido muito estudado, ainda uma promissora rea de pesquisa, em especial no caso de campos magnticos extremamente fracos. Esses campos
s puderam ser estudados aps a construo de aparelhos os SQUIDs capazes de detectar sinais magnticos at 10 bilhes de vezes menores que o do
campo da Terra, que orienta a agulha das bssolas.
Tais aparelhos baseiam-se na supercondutividade
a ausncia de resistncia passagem de correntes
eltricas, propriedade exibida por alguns materiais
quando resfriados a temperaturas muito baixas. Os
SQUIDs permitiram medir e estudar campos magnticos to fracos que nunca tinham sido detectados,
como aqueles gerados por correntes eltricas muito
fracas presentes no corpo humano.
As correntes eltricas do corpo j eram conhecidas h muito tempo. O primeiro eletrocardigrafo,
capaz de detectar as correntes produzidas pela atividade eltrica do corao (figura 1), foi construdo
em 1903 pelo fisiologista alemo Willem Einthoven
(1860-1927). Essa atividade est diretamente ligada
ao comportamento muscular do corao e seu registro hoje importante para os diagnsticos cardacos.
Se o corpo tem correntes eltricas, elas geram
campos magnticos. Isso ocorre no corao, mas o
Para dar uma idia dessa dificuldade, basta comparar essa deteco com a de outro tipo de sinal o da luz. Para
fotografar as estrelas preciso usar um filme muito
mais sensvel do que o normalmente usado para
fotografar luz do dia. Isso porque a intensidade da
luz que vem das estrelas (e incide no filme dentro da
cmera) tambm cerca de um milho de vezes
menor do que a proveniente do cu claro durante o
dia. O olho humano sensvel o bastante para
observar as estrelas noite, mas incapaz de v-las
de dia, pois em condies de grande luminosidade
ele no detecta pequenas variaes de intensidade
de luz um milho de vezes menores.
Ao contrrio do que ocorre com a luz do Sol, o
campo magntico terrestre est sempre presente. S
pode ser excludo se for usada uma blindagem
magntica, que exige uma liga especial de ferro,
extremamente cara e pouco prtica. Por isso, s em
1963 Gerhard Baule e Richard McFee, da Universidade de Siracusa (Nova York, Estados Unidos),
detectaram o primeiro sinal magntico cardaco,
usando um complexo sistema de bobinas capaz de
anular o campo magntico terrestre.
Detectar o sinal magntico do corao, sem anular o campo terrestre, equivale a ver estrelas ao
meio-dia. Como conseguir isso? A maneira encon- 4
s e t e m b r o d e 1 9 9 9 C I N C IIA H O JJE 3 1
A HO E
B I O F S I C A
Figura 2.
A
B
C
O efeito
estereoscpico,
na viso,
permite explicar
a discriminao
espacial usada, na
magnetocardiografia,
para separar o sinal
magntico do corao As imagens de peas de um jogo de xadrez (prximas e distantes) recebidas pelo olho esquerdo (A)
e pelo direito (B) so superpostas para compor a imagem final (C ). Nesta, as imagens das peas distantes
(prximo) do rudo
magntico ambiental se confundem e as das peas prximas ficam ligeiramente deslocadas (o que d ao crebro a noo da distncia)
(de fontes distantes)
B
D
E
Superpondo-se a imagem normal recebida no olho direito (B) e o negativo da imagem recebida no esquerdo (D),
possvel subtrair essas imagens, obtendo a diferena entre uma e outra (E). Aplicando-se um processo anlogo
aos sinais magnticos captados, possvel separar e reconhecer o sinal especfico do corao
Figura 3.
Representao
das correntes
primrias
(que aparecem
no corao)
e das secundrias
(geradas
no resto do corpo)
UM DISPOSITIVO ENGENHOSO
Para diferenciar, e assim detectar, o sinal do corao usa-se um sistema com duas bobinas sensoras
enroladas em oposio. Os campos magnticos, que
variam no tempo, geram na primeira bobina uma
corrente com sentido oposto ao gerado na segunda.
Se a fonte de um campo est distante, a amplitude de
variao do campo com o tempo idntica nas duas
bobinas e as correntes induzidas anulam-se. Se a
fonte est prxima, a variao do campo com o
tempo maior na bobina mais prxima da fonte.
Com isso, as correntes induzidas no se anulam.
H uma corrente resultante que pode ser detectada
pelo SQUID.
As bobinas sensoras so feitas, como o SQUID,
de um material supercondutor, e precisam ser mantidas a uma temperatura muito baixa. O conjunto
(bobinas e SQUID) fica, por isso, dentro de um
recipiente trmico (vaso Dewar) com hlio lquido,
que mantm os dois componentes temperatura de
cerca de -270C. Assim como o complexo aparelho
original de Einthoven evoluiu at o atual eletrocardigrafo, possvel prever que o sofisticado magnetocardigrafo (detector do sinal magntico car-
B I O F S I C A
MCGf
ECGf
Figura 4.
Magnetocardiograma
e eletrocardiograma
de um feto:
no primeiro
s aparece o sinal
do feto, e no outro
tambm esto
presentes os sinais
da atividade eltrica
do corao da me
(picos mais altos)