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LUIZA HELENA LELLIS ANDRADE DE S SODERO TOLEDO
CURATELA DO IDOSO PORTADOR DA DOENA DE ALZHEIMER
CENTRO UNISAL U. E. LORENA 2008
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LUIZA HELENA LELLIS ANDRADE DE S SODERO TOLEDO
CURATELA DO IDOSO PORTADOR DA DOENA DE ALZHEIMER
Dissertao apresentada como exigncia parcial para obteno do ttulo de Mestre em Direito (Biodireito, tica e Cidadania) Comisso Julgadora do Centro Universitrio Salesiano de So Paulo, sob orientao da Professora Doutora Ana Maria Viola de Sousa.
UNISAL LORENA 2008
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Toledo, Luiza Helena Lellis Andrade de S Sodero. A curatela do idoso portador da Doena de Alzheimer/ Luiza Helena Lellis Andrade de S Sodero Toledo Lorena: Centro Universitrio Salesiano de So Paulo, 2008. 179 f.
Dissertao (Mestrado em Direito). UNISAL SP Orientadora: Prof. Dra. Ana Maria Viola de Sousa.
1. Idoso 2. Doena de Alzheimer 3. Curatela
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Comisso Avaliadora
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Ao meu marido, Frederico, amor da minha vida. minha pequena Sofia, fruto primeiro desse amor.
Dedico o presente trabalho de dissertao de mestrado s minhas avs, Hilda e Helena, com quem tenho tido a honra de conviver por longos anos.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo, em primeiro lugar, minha me, Maria Tereza, que tem dispensado, diariamente, carinho e ateno maternais Sofia, sem o que a realizao desse trabalho no seria possvel.
Ao meu pai, Chico S, exemplo maior de retido nessa vida.
Aos meus irmos, Francisco Eduardo e Ana Cludia, e cunhada, Ana Luiza, flores que enfeitam o jardim da minha existncia.
Aos meus sogros, Sodero e Maria Amlia, pela acolhida, incentivo e pacincia de todas as semanas.
minha amiga Keziah Alessandra Vianna Silva Pinto, que muito admiro, pelas dicas preciosas.
Professora Doutora Grasiele Augusta Ferreira Nascimento, sem cuja competncia e empenho o curso de Mestrado em Direito do Centro Unisal de Lorena no se teria tornado realidade.
Ao Professor Doutor Lino Rampazzo, estimado compadre, pela colaborao e amizade de h muito.
Em especial, Professora Doutora Ana Maria Viola de Sousa, pela orientao e confiana. Minha sincera homenagem.
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H dias que a gente se sente,/ como quem partiu ou morreu,/ a gente estancou de repente/ ou foi o mundo ento que cresceu.../ A gente quer ter voz ativa/ e quer no destino mandar,/ mas eis que chega roda viva/ e carrega o destino pra l.../ Roda mundo, roda gigante/ roda moinho, roda pio,/ o tempo rodou num instante,/ nas voltas do meu corao.
(CHICO BUARQUE) 8
RESUMO
O trabalho que ora se inicia tem como objeto de estudo a curatela do idoso portador da Doena de Alzheimer. Cuida o primeiro captulo da situao jurdica do idoso no Brasil. A seguir, faz-se abordagem detalhada acerca dos institutos da incapacidade, interdio e curatela. No mesmo captulo dois tratamos da Doena de Alzheimer, mal que atinge nmero significativo de idosos no mundo todo. Por fim, o captulo 3 apresenta reflexo sobre o tema propriamente dito: a curatela do idoso portador do Mal de Alzheimer.
Palavras-chave: Idoso Doena de Alzheimer Curatela.
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ABSTRACT
The objective of the current essay is to study the curatela of the elderly people with Alzheimer Disease. The first chapter talks about the elderly peoples legal situation in Brazil. Then, it shows in details the incapability institutions and talks about closing and curatela. In the same second chapter we talk about Alzheimer Disease that attack a wide number of elderly people all over the world. Finally, chapter 3 presents a reflection about the theme itself: the curatela of the elderly people with Alzheimer Disease.
Key-words: Elderly people Alzheimer Disease Curatela.
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SUMRIO
INTRODUO .................................................................................................... 1. IDOSO ............................................................................................................ 1.1 Conceito .................................................................................................... 1.2 Dados estatsticos ..................................................................................... 1.3 Legislao protetiva .................................................................................. 1.4 Estatuto do Idoso e direitos fundamentais ................................................
2 . INCAPACIDADE, INTERDIO, CURATELA E DOENA DE ALZHEIMER 2.1 Incapacidade ............................................................................................. 2.1.1 Incapacidade absoluta ..................................................................... 2.1.2 Incapacidade relativa ....................................................................... 2.1.3 Proteo aos incapazes ................................................................... 2.2 Interdio .................................................................................................. 2.2.1 Conceito ........................................................................................... 2.2.2 Legitimidade e foro competente ....................................................... 2.2.3 Procedimento ................................................................................... 2.2.4 Natureza jurdica da sentena de interdio .................................... 2.3 Curatela ..................................................................................................... 2.3.1 Conceito ........................................................................................... 2.3.3 Evoluo histrica do instituto .......................................................... a) Cura furiosi .................................................................................. b) Cura prodigi ................................................................................ c) Cura minorum XXV annorum ...................................................... 2.3.4 Pressupostos ................................................................................... 2.3.5 Espcies ........................................................................................... 2.3.5.1 Curatela dos adultos incapazes ........................................... a) A curatela dos psicopatas ............................................... b) A curatela dos que, por outra forma duradoura, no puderem exprimir sua vontade ............................................ c) A curatela dos deficientes mentais, seja a deficincia gentica ou adquirida .......................................................... d) A curatela dos brios habituais ....................................... e) A curatela dos toxicmanos ............................................ f) A curatela dos excepcionais sem completo desenvolvimento mental ...................................................... g) A curatela dos prdigos .................................................. 2.3.5.2 Curatelas particulares ......................................................... a) A curatela do nascituro ................................................... b) A curatela do ausente ..................................................... 2.3.5.3 Curadorias especiais ........................................................... a) A curadoria instituda pelo testador para os bens deixados a herdeiro ou legatrio menor ............................. b) A curadoria que se d herana jacente ....................... c) A curadoria que se estabelece para o filho, sempre que os interesses dele e do pai, no exerccio do poder familiar, colidirem .............................................................................. d) A curadoria concedida ao incapaz que no tiver representante legal .............................................................. e) A curadoria conferida ao ru preso ................................. f) A chamada curatela especial, em se tratando do ru revel citado por edital ou com hora certa ............................ g) A curatela do enfermo ou portador de deficincia fsica 2.3.6 Pessoas habilitadas a exercer a curatela ........................................ 12 15 15 18 25 30
2.3.7 Exerccio da curatela ........................................................................ 2.4 Doena ou Mal de Alzheimer .................................................................... 2.4.1 Alois Alzheimer dados biogrficos relevantes ............................... 2.4.2 Histrico da doena e origem do termo ........................................... 2.4.3 Definio e estatsticas .................................................................... 2.4.4 Fatores de risco ............................................................................... 2.4.5 Sintomas principais e diagnstico .................................................... 2.4.6 Evoluo da doena ......................................................................... 2.4.7 Tratamento ....................................................................................... 2.4.8 Doena de Alzheimer e legislao ...................................................
3. CURATELA DO IDOSO PORTADOR DA DOENA DE ALZHEIMER .......... 3.1 Senilidade e Doena de Alzheimer ........................................................... 3.2 Incapacidade do idoso portador do Mal de Alzheimer .............................. 3.3 Interdio e curatela do idoso portador do Mal de Alzheimer ................... 3.4 Relevncia da medida ...............................................................................
ANEXO A - Portaria n 843 de 06 de novembro de 2002 ...................................
ANEXO B - Protocolo clnico e diretrizes teraputicas Demncia por Doena de Alzheimer ....................................................................................................... 106 111 111 112 114 117 123 131 137 141
147 147 152 159 166
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INTRODUO
o presente trabalho de dissertao de mestrado sobre a curatela do idoso portador da Doena de Alzheimer. A anlise que se pretende fazer no outra seno a possibilidade de cabimento de medida protetiva curatelar queles que, com sessenta anos de idade ou mais, vem-se acometidos por tal tipo de demncia degenerativa. Parece-nos, a princpio, de relevo o tema, sob os pontos de vista cientfico e social, tanto quanto qualquer outro que se refira camada idosa da populao. Sim, posto que, conforme procuraremos apurar no primeiro captulo, que cuida especificamente da disciplina geral do idoso, h certa tendncia de inverso da pirmide etria, sempre no sentido de crescimento da terceira idade, bem nos moldes europeus. Ademais, por essa razo especfica, a comunidade jurdica tem se dedicado cada vez mais ao estudo do Direito do Idoso, o que se denota pelo nmero crescente de trabalhos publicados a esse respeito, bem como o renome dos juristas interessados no tema (vejam-se as obras citadas ao longo do texto que ora se inicia). Acrescente-se, j, que tambm nossa pretenso, ainda no Captulo 1, trazer baila o conceito de idoso, a evoluo histrica da proteo legal que se dispensa a esse grupo de pessoas, bem como a legislao brasileira, atualmente em vigor, que confere tutela ampla aos direitos desse grupo, hoje ainda minoritrio. Tudo isso a par das anlises estatsticas, j comentadas, to caras cientificidade de qualquer trabalho dessa natureza. Definido, pois, o conjunto de pessoas objeto de nossa preocupao nesse momento, qual seja, os idosos, seguimos, no Captulo 2, para a anlise 13
pormenorizada do instituto assistencialista da curatela. Antes, porm, achamos por bem comentar, de modo geral, a incapacidade civil, absoluta e relativa, esta, sim, motivo primeiro da nomeao de curador. Tambm o estudo da interdio se faz imprescindvel, posto que tal o procedimento judicial de jurisdio voluntria que culmina no estabelecimento da medida curatelar. Sobre a interdio, abordaremos sua conceituao, legitimidade, foro competente para a propositura, rito procedimental propriamente dito e pessoas habilitadas ao seu exerccio. Tambm a natureza jurdica da sentena de interdio ser alvo de nossos comentrios, vez que nos interessam os efeitos jurdicos que da deciso decorrem. Sobre a curatela propriamente dita, nossa pesquisa procura abarcar desde o conceito e as caractersticas fundamentais, pontos de partida de estudo em qualquer ramo do conhecimento, seguindo pela evoluo histrica da medida, pressupostos, espcies (cuidaremos, aqui, inclusive das curadorias especiais, muito embora no digam respeito direto ao tema) e seu exerccio. A Doena de Alzheimer doena mental que aniquila por completo o discernimento dos pacientes; assim, entendemos o Captulo 2 tambm oportuno para a abordagem desta enfermidade. Em se tratando de patologia, necessria se faz meno inicial aos dados biogrficos fundamentais de seu descobridor (o alemo Alois Alzheimer, da o nome da anomalia), histrico da doena, estatsticas, fatores de risco, sintomas principais, diagnstico, evoluo do quadro e tratamento. Sublinhe-se, desde j, o carter interdisciplinar dessa obra, posto considerarmos de fundamental importncia o intercmbio entre cincias de mltiplos ramos (Direito e Medicina, no caso em tela). O direito tem mesmo a tarefa primordial de servir pacificao social. Para tanto, por vezes, necessrio que fornea respostas a problemas de 14
outros campos do saber, cujos estudiosos no teriam subsdios suficientes para oferecer. Este, alis, frise-se, nosso objetivo fundamental quando da escolha do tema. O Captulo 3 versa sobre a curatela do idoso portador do Mal de Alzheimer. Assim que se pretende visitar senilidade e Doena de Alzheimer, de modo a atestar a incapacidade do idoso portador da doena, ensejadora de processo judicial de interdio, seguido pela nomeao de curador. A fim de comprovar a relevncia da medida, faremos uso da jurisprudncia, mormente do Judicirio paulista, por ser esta a regio do pas em que residimos e atuamos profissionalmente. O que se quer verificar, repetimos, a necessidade da interdio e subseqente nomeao de curador para o idoso acometido do Mal de Alzheimer, por evidente a situao de incapacidade ocasionada pela completa alienao mental. Verdadeiro problema prtico, pendente de soluo, sobre o qual intentamos emitir nosso parecer, ao final, parece ser mesmo o momento (fase da doena) apropriado para a decretao da interdio e estabelecimento da curatela. Visto se tratar de doena de evoluo relativamente lenta, podendo o falecimento do paciente se dar at vinte anos depois do diagnstico, fundamental a fixao da oportunidade exata em que se faz necessria a interdio do idoso e a entrega da gesto de sua pessoa e bens aos cuidados do curador. Isto tambm, e principalmente, o que queremos analisar no mesmo Captulo 3. No que tange ao mtodo de trabalho, salientamos se tratar de pesquisa eminentemente bibliogrfica. Por isso, pretendemos reunir material doutrinrio e jurisprudencial farto e reconhecido perante a comunidade cientfica mdica e jurdica.
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1. IDOSO
1.1 Conceito
Considera-se idoso no Brasil, para todos os fins de direito, a pessoa que conta sessenta anos de idade ou mais. Essa a definio trazida no artigo 1 da Lei n 10.741, de 1 de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso, assim apelidado pelo prprio legislador ordinrio). O Instituto Antnio Houaiss conceitua idoso como sendo aquele que tem muitos anos de vida, o velho (cujo antnimo o novo) (HOUAISS, 2001, p. 1567). A par dessas duas concepes, outras tantas se colocam. Mencionem- se, apenas, a temporal ou cronolgica, segundo a qual pessoa idosa aquela que tem tantos anos de idade, comprovados atravs de sua certido de nascimento ou casamento, ou outro meio cientfico oriundo da Medicina Legal; a mdica ou psicobiolgica, que leva em conta no a faixa etria, mas as aptides fsicas do organismo e do intelecto (acepo bastante subjetiva e, portanto, de difcil constatao, diga-se de passagem); a econmico-financeira, conforme a qual o idoso deve, em geral, ser entendido como hipossuficiente, carecedor de proteo especial, se comparado a algum independente (frise- se, porm, que no se trata apenas do pobre) e a social, cujo abalizamento se d pela observncia do local onde a pessoa vive, seja na companhia da famlia ou em estabelecimento dito de repouso (MARTINEZ, 2005, p. 20). 16
Maria Berenice Dias, inclusive, faz questo de salientar que a palavra idoso aparenta conotao pejorativa, estando cercada de certo desprestgio, sendo praticamente ofensiva (2007, p. 412). definio legal, que inaugura esse captulo, acrescentem-se outros dados de relevo: idoso o homem ou a mulher, o nacional ou o estrangeiro, aquele que vive no campo ou na cidade, o empregado ou o servidor pblico, o cidado livre ou o recluso, o contribuinte em exerccio ou o aposentado, inclusive o pensionista. De qualquer condio social. Desde que tenha, no mnimo, sessenta anos de idade (MARTINEZ, 2005, p. 20). Atente-se, porm, para o fato de que em algumas situaes especficas a prpria legislao protetiva do idoso solicita idade superior a 60 anos de idade para efeito de tutela jurdica. o caso, v. g., do teor do artigo 34 do Estatuto do Idoso, que prev a garantia do pagamento de um salrio mnimo mensal ao idoso maior de sessenta e cinco (65) anos de idade, de acordo com os critrios elencados na Lei Orgnica da Assistncia Social (LOAS Lei n 8.742/93) (MARTINEZ, 2005, p. 20). O vocbulo consagrado , pois, mesmo, idoso, em detrimento de velho. Wladimir Novaes Martinez tambm noticia a utilizao de meia-idade, idade avanada, melhoridade. Senil e ancio so termos raramente empregados na atualidade brasileira. Em contrapartida surgiram os neologismos juvelhista, envelhecente e terceiristas, ainda de aplicao restrita a determinados crculos sociais (2005, p. 21). A expresso idoso foi adotada pela Organizao Mundial de Sade, em 1957, e tem larga aceitao no Brasil. A Organizao Internacional do Trabalho (OIT) aplica o critrio cronolgico, entendendo pessoa idosa como aquela maior de sessenta e cinco anos de idade. Nossa Constituio Federal 17
atualmente em vigor, critique-se, de modo bastante antiquado, utilizou velhice em seu artigo 203, I, in verbis: A assistncia social ser prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuio seguridade social, e tem por objetivos: I a proteo famlia, maternidade, infncia, adolescncia e velhice (grifamos) (MARTINEZ, 2005, p. 22). Leis anteriores ao Estatuto do Idoso, que tambm cuidaram da proteo a esse grupo de pessoas, no atentaram para a elaborao de conceito legal. E mesmo a Lei n 10.741/03, a despeito do teor de seu artigo 1 (que, digno de se observar, encampou o critrio cronolgico de modo evidente, no tendo cuidado de conceito estritamente jurdico), usou a palavra idoso com conotaes diferentes ao longo de todo o seu texto. Wladimir Novaes Martinez menciona, apenas a ttulo de exemplo, os artigos 11 (que cuida dos alimentos), 15, 4 (disciplina dos deficientes), 16 (internados), 39 (transporte), 40, II (descontos), 41 (de acordo com a lei local), 71 (tramitao de processos) e 153, 2, II (imunidade do Imposto de Renda) (2005, p.22). Tambm ns, como Martinez, entendemos necessria a regulamentao da Lei n 10.741/03, inclusive no que tange a aspecto to propedutico quanto a prpria definio do objeto do Estatuto (2005, p. 23). Marcos Ramayana, em seu Estatuto do Idoso Comentado, salienta que estudos cientficos da Organizao das Naes Unidas (ONU) dividem a populao idosa em trs categorias, quais sejam: pr-idosos, de cinqenta e cinco a sessenta e quatro (55 a 64) anos de idade; idosos jovens, de sessenta e cinco a setenta e nove (65 a 79) anos e idosos de idade avanada, aqueles que contam mais de oitenta (80) anos de idade (2004, p. 14). Consideraremos, para todos os fins pretendidos pelo trabalho presente, idosa a pessoa com sessenta anos de idade completos ou mais, de acordo 18
com o artigo 1 do Estatuto do Idoso, esse que nos parece, hoje, o critrio mais comumente utilizado e, por isso mesmo, aceito no Brasil.
1.2 Dados estatsticos
Em 1991, segundo dados colhidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), conforme os resultados do censo demogrfico (tabelas transcritas abaixo), havia cerca de 10.722.705 idosos (pessoas com sessenta anos de idade ou mais) no Brasil, sendo a maior concentrao dessa faixa etria na Regio Sudeste (4.984.058 indivduos). Em 2000, tais valores, respectivamente, subiram para 14.536.029 idosos no pas e 6.732.88, apenas no Sudeste (regio que ainda concentrava a maior parcela da terceira idade brasileira). Em termos percentuais, a populao idosa no Brasil correspondia a 7,3% do total de brasileiros em 1991, tendo-se observado acrscimo significativo em 2000: 8,6% (IBGE, 2008). Como se nota, a tendncia mesmo de crescimento. Vejam-se os dados gerais da populao residente, de sessenta anos ou mais de idade, segundo as Grandes Regies e Unidades da Federao, coletados, respectivamente, em 1991 e 2000:
Cresceu 21% desde o censo de 1991 o grupo de pessoas com mais de sessenta e cinco anos de idade. Para cada cem crianas h 19,8 idosos. A Regio Centro-Oeste foi a que apresentou maior crescimento de pessoas com sessenta e cinco anos de idade ou mais: 30,58%. Anote-se, ainda, que em 2000 havia cerca de 24.576 brasileiros com mais de cem anos de idade. Em 1991, o grupo contava com 13.865 pessoas (SOUSA, 2004, p. 101). Marcos Ramayana registra, segundo dados coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica, que em 2050 a expectativa de vida da populao, nos pases desenvolvidos, ser de 87,5 anos para os homens e 92,5 para as mulheres; 82 anos para os homens e 86 para as mulheres, nos pases subdesenvolvidos, donde se depreende aumento significativo da populao idosa mundial (em 1998 os nmeros eram 70,6 anos para os homens e 78,4 para as mulheres). Isso se deve, noticia o autor, a uma conjuno de fatores: a reduo na taxa de fecundidade (as mulheres geraro cada vez menos filhos), a evoluo da medicina preventiva e a diminuio da mortalidade infantil, sobretudo em razo do uso difundido de gua tratada, vacinas, antibiticos e nutrio adequada (2004, p. 14). De cada 100 brasileiros que viviam na dcada de 20, apenas trs ultrapassavam a barreira dos 60 anos. Para os que esto nascendo hoje, a probabilidade de romper essa marca trs vezes maior. E com uma vantagem enorme sobre os antepassados: no apenas se vive mais, mas com qualidade. O primeiro passo para uma vida longeva foi dado com o controle das doenas infecto-contagiosas e com o investimento em saneamento bsico, na primeira metade do sculo XX, o que reduziu drasticamente o nmero de mortes precoces. Desde o incio do sculo, a expectativa de vida deu um salto de 120%: passou de 33 para 73 anos (LOPES, 30 jul. 2008).
Em consulta recente ao site do IBGE (IBGE, 2008), constatamos, por meio da apreciao de grfico, que a populao brasileira com mais de oitenta 22
anos estimada em pouco menos de 9.000.000 de mulheres e pouco mais de 5.000.000 de homens, em 2050 (veja-se a figura abaixo).
Figura 1 Populao de 80 anos ou mais de idade por sexo (1980 a 2050)
Ademais, relevantes tambm as representaes grficas que apresentam dados demogrficos dos anos de 1980, 1990, 2000, 2005, bem como projees para os anos de 2010, 2020, 2030, 2040 e 2050. De modo a no cansar o leitor, selecionamos apenas as figuras referentes s informaes populacionais de 1980, 2005 e 2050, a seguir estampadas:
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Figura 2 Brasil: Pirmide etria absoluta (1980)
Note-se a forma piramidal tpica: elevado nmero de crianas e jovens na base (valores entre 1.000.000 e 1.500.000, tanto de homens quanto de mulheres) e pequena quantidade de idosos no vrtice (algo em torno de 250.000 em cada faixa etria 60, 65, 70 e 75 anos de idade).
Figura 3 Brasil: Pirmide etria absoluta (2005)
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de se perceber crescimento significativo do nmero de adultos jovens entre 15 e 25 anos de idade, tanto entre os homens como entre as mulheres. Veja-se que j h ligeira alterao no formato original do grfico, inclusive com sensvel engrossamento do vrtice (crescimento absoluto da populao com mais de 60 anos de idade).
Figura 4 Brasil: Pirmide etria absoluta (2050)
A projeo populacional, como se depreende da anlise atenta da figura acima, quase que a igualao da populao jovem entre 15 e 25 anos e os idosos entre 60 e 65 anos. possvel supor, portanto, que a tendncia, a longo prazo, a inverso da pirmide (pequeno nmero de crianas e jovens na base e grande nmero de idosos no topo), semelhana do que j ocorre em pases ditos desenvolvidos, como os europeus. Na ordem natural da vida, cada gerao deveria gerar descendentes suficientes para repor as mortes e ainda acrescentar alguns indivduos populao. A Unio Europia inverteu essa lgica da natureza. De acordo com dados divulgados neste ms pelo Instituto de Poltica Familiar, sediado na Espanha, pela primeira vez na histria o nmero de 25
europeus com mais de 65 anos ultrapassou o de menores de 14 anos. [...] O envelhecimento da populao e a falta de bebs no so uma exclusividade europia. Trata-se de tendncia generalizada entre os pases ricos e desenvolvidos (SCHELP, 24 out. 2007).
Ana Paula Ariston Barion Peres relata que na Frana, em 2011, segundo estudos feitos naquele pas, as pessoas com mais de sessenta anos sero mais numerosas do que aquelas que tm menos de vinte anos (2008, p. 19). O envelhecimento da populao um fenmeno contemporneo que atinge diversos pases e traz srias repercusses econmicas, culturais, ticas, sociais e legais. Paralelamente ao crescimento do nmero de idosos, houve um aumento da longevidade humana, que passou a alcanar a faixa etria prxima aos cem anos de idade, cerca de trinta anos a mais do que no sculo passado (PERES, 2008, p. 18).
Assim, qualquer trabalho cientfico que tenha como objeto central a preocupao com o idoso se mostra bem-vindo e atual. Ademais, no seria mesmo exagero considerar primordial a preocupao jurdica com as pessoas maiores de sessenta anos, tendo em vista que, daqui a poucas dcadas, comporo grossa e significativa camada de nossa populao.
1.3 Legislao protetiva
Do ponto de vista histrico, a questo do idoso nunca teve muita relevncia, vez que a idade avanada era privilgio das classes mais ricas, sendo poucos os pobres que chegavam velhice (SOUSA, 2004, p. 13). Em certas tribos esquims era considerado velho aquele cuja capacidade para o trabalho desaparecia, caso em que era bastante difundida a prtica do suicdio. Os velhos, tais como as pessoas incapacitadas, deveriam 26
desaparecer. No Himalaia os idosos sabem ler e sobrevivem de seu prprio trabalho na lavoura. Ademais, so respeitados pelas famlias, e vivem confortavelmente, sobretudo quando as famlias so grandes. Se, porm, for analfabeto e no tiver filhos, sofre com o desprezo do grupo social (SOUSA, 2004, p. 14). No Panam, onde alta a expectativa de vida, os idosos vivem em grupos familiares onde o chefe o marido da irm mais velha. No h qualquer privilgio em razo da idade; todos trabalham de acordo com sua capacidade, sendo tambm este o critrio para a determinao da liderana do grupo. No Japo de outrora os velhos eram abandonados em certos locais para que morressem longe dos demais. Ao contrrio, no sul da Argentina (Terra do Fogo) os idosos eram muito respeitados por sua sabedoria e experincia, sendo freqentemente consultados pelos mais jovens. Tambm entre os ndios Caiaps, no Brasil, so os mais velhos dignos de respeito e apreo. Alis, somente o Conselho dos Velhos, cuja atribuio maior estabelecer regras polticas e sociais para a comunidade, autorizado a utilizar o botoque e goza de prestgio mpar dentre os mais jovens. Semelhante respeito era observado na China antiga. Inclusive, de modo geral as sociedades da Antigidade dedicavam especial ateno ao ancio; era tido como sbio o longevo (SOUSA, 2004, p. 14). No que tange, especificamente, legislao, a Declarao Universal dos Direitos Humanos, de 1948, consagra, em seu artigo XXV, o direito segurana na velhice (DIAS, 2007, p. 412). O Cdigo Civil de 1916, Lei n 3.071/16, em seu artigo 399, Pargrafo nico, mencionava o direito dos idosos carentes e enfermos, impedidos de garantir a prpria subsistncia, de pleitear alimentos dos filhos maiores e 27
capazes. O Cdigo Penal, Decreto-Lei n 2.848/40, prev benefcios aos idosos que cometem crimes, tais como circunstncias atenuantes e diminuio dos prazos prescricionais. A Lei de Execuo Penal, Lei n 7.210/84, tambm traz baila certas vantagens conferidas aos mais velhos: possibilidade de solicitar ocupao condizente com sua idade e condio, bem como, se for o caso, cumprimento de pena em residncia particular, em se tratando do regime aberto (SOUSA, 2004, p. 108). O Cdigo de Defesa do Consumidor, Lei n 8.078/90, determina a existncia de circunstncia agravante de crime cometido contra o consumidor quando a vtima maior de sessenta anos de idade. A legislao previdenciria, por sua vez, sobretudo a Lei de Benefcios, Lei n 8.213/91, dispensa larga proteo pessoa idosa, mormente no que respeita s aposentadorias. O mesmo se diga da Lei Orgnica da Assistncia Social (LOAS), Lei n 8.742/93; veja-se o benefcio de prestao continuada, no valor de um salrio mnimo mensal, a ser pago aos idosos com sessenta e cinco anos de idade ou mais que no tenham condies de prover sua subsistncia ou t-la provida por sua famlia (SOUSA, 2004, p. 110 e 111). Tambm o Cdigo de Processo Civil, Lei n 5.869/73, alterado pela Lei n 10.173/01, d conta da obrigatoriedade da tramitao prioritria de processos judiciais em que figure como parte pessoa com idade igual ou superior a sessenta e cinco anos (artigo 1211-A, B e C) (SOUSA, 2004, p. 121 e 122). Precursora do Estatuto do Idoso, a Lei n 8.842, regulamentada pelo Decreto Federal n 1.948/96, dispe sobre a Poltica Nacional do Idoso e cuida, dentre outras matrias, da sade, educao, trabalho, previdncia social, habitao, urbanismo, justia, cultura, esporte e lazer referentes pessoa com 28
mais de sessenta anos de idade. A Lei n 8.926/94 obriga a incluso, nas bulas de remdios, de advertncias e recomendaes sobre seu uso correto por pessoas de mais de sessenta e cinco anos de idade. O disposto na Lei n 10.048/00 assegura atendimento prioritrio e imediato, nas reparties pblicas e empresas concessionrias de servios pblicos, s pessoas idosas com mais de sessenta e cinco anos de idade. Afora as leis vigentes, comentadas linhas acima, tambm h uma srie de projetos de lei em trmite que dizem respeito pessoa idosa. Tambm h vasta gama de leis estaduais em vigor que cuidam de aspectos particulares da proteo pessoa idosa. No faremos meno a elas posto no ser esse nosso objeto de estudo central (SOUSA, 2004, p. 112 a 121). Na esteira da Declarao Universal dos Direitos Humanos, nossa CF de 1988 veda qualquer tipo de discriminao, inclusive em razo da idade (artigo 5, caput), assim como determina famlia, sociedade e ao Estado o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participao na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito vida. Alm disso, salienta que os programas de amparo aos idosos sero executados preferencialmente em seus lares e aos maiores de sessenta e cinco anos garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos (artigo 230 da CF). No que diz respeito dignidade e bem-estar do idoso, frise-se, segundo a lio de Maria Berenice Dias, que tambm as necessidades afetivas e psquicas dos mais velhos devem restar asseguradas (DIAS, 2007, p. 412). de se ver, ento, que a proteo pessoa idosa no Brasil, hoje, faz-se principalmente por intermdio da Constituio Federal (artigo 1, III a dignidade da pessoa humana, como fundamento da Repblica Federativa do Brasil; artigo 5, caput tratamento igualitrio a ser dispensado a todos os 29
brasileiros e estrangeiros residentes no pas e artigo 230, supracitado e comentado). Para a Constituio Federal, todavia, pessoa idosa aquela com mais de sessenta e cinco anos de idade, para efeito da obteno de gratuidade em transportes coletivos, e com mais de setenta anos de idade, para fins de aposentadoria compulsria (SOUSA, 2004, p. 106). Outros artigos constitucionais que remontam tutela do idoso so os seguintes, de acordo com a lio de Ana Maria Viola de Sousa: artigo 1, II e III (garantias da cidadania e dignidade da pessoa humana para o idoso), artigo 3, IV (a idade no consiste em elemento discriminador em nosso pas), artigo 5, incisos diversos (direitos e garantias fundamentais, estendidos aos idosos), artigo 14, 1, II, b (facultatividade do voto para os maiores de setenta anos), artigo 201, 7, II (direito aposentadoria por idade, aos sessenta anos para a mulher e sessenta e cinco para o homem), artigo 203, V (assistncia social que dever ser prestada a quem dela necessitar, sobretudo pessoa idosa), artigo 204 (responsabilidade de execuo da assistncia social conferida aos Governos Federal, Estadual e Municipal) e 226, 8 (a famlia assegurada como a base do Estado), alm do artigo 230, caput e 1 e 2, j mencionado oportunamente (2004, p. 106 a 108). A fim de regulamentar o teor dos artigos da Constituio dedicados tutela do idoso, que foi editado, por meio da Lei n 10.741/03, o Estatuto do Idoso que, em seus 118 dispositivos, assegura um vasto rol de prerrogativas e direitos s pessoas com, pelo menos, sessenta anos completos (saliente-se que os maiores de sessenta e cinco anos receberam tratamento ainda mais especial) (DIAS, 2007, p. 413). 30
Por isso, objetivando dar continuidade proteo deferida pela Constituio pessoa em sua terceira idade, o legislador ordinrio editou diversas leis. Nesse sentido, em funo da idade, foi elaborada uma legislao protetora nos ternos da Constituio Federal, tendo o Direito brasileiro reconhecido a vulnerabilidade da pessoa idosa (PERES, 2008, p. 29).
As normas que compem o Estatuto do Idoso tm aplicao imediata, por se tratarem de regras que definem direitos e garantias fundamentais, conforme preceitua o artigo 5, 1 da CF. Tanto quanto as crianas, tambm os idosos, por sua situao semelhante de hipossuficincia, recebem proteo especial, garantida pelo Estatuto (DIAS, 2007, p. 413). A par dos direitos assegurados, so identificados os obrigados a lhes dar efetividade, quais sejam: a famlia, a comunidade, a sociedade e o Poder Pblico (artigo 3). Tambm so vedados quaisquer tipos de negligncia, discriminao, violncia, crueldade e opresso (artigo 4), bem como determinada a responsabilidade de pessoas fsicas e jurdicas que no observarem as regras protetivas (artigo 5) (DIAS, 2007, p. 413).
1.4 Estatuto do Idoso e direitos fundamentais
O Estatuto do Idoso (Lei n 10.741/03) confere proteo, no Brasil, s pessoas que contam sessenta anos de idade ou mais. A elas devem ser asseguradas, pela lei ou por outros meios, amplas oportunidades, a fim de que se preserve sua sade fsica e mental, seu aperfeioamento moral, intelectual, espiritual e social, com liberdade e dignidade (SOUSA, 2004, p. 179). 31
Compete, pois, como j se afirmou outrora, famlia, comunidade, sociedade e ao Poder Pblico assegurar, com prioridade total, os direitos dos idosos vida, sade, alimentao, educao, cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, cidadania, liberdade, dignidade, ao respeito e convivncia familiar e comunitria (SOUSA, 2004, p. 179). Alis, por isso mesmo possvel afirmar que a Lei n 10.741/03 verdadeira guardi da dignidade do idoso, tal qual preceitua o artigo 1, inciso III da CF. Sobre isso, veja-se a lio de Celso Antonio Pacheco Fiorillo: [...] para comear a respeitar a dignidade da pessoa humana tem-se de assegurar concretamente os direitos sociais previstos no artigo 6 da Carta Magna, que por sua vez est atrelado ao caput do artigo 225, normas essas que garantem como direitos sociais a educao, a sade, o trabalho, o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados, na forma da Constituio [...]. Somem-se a isso os demais direitos fundamentais, tais como o direito vida, liberdade, intimidade, vida privada, honra, etc. (apud NUNES, 2007, p. 51).
O caput do artigo 10 cuida especificamente da proteo dignidade da pessoa idosa. Assim, literalmente: obrigao do Estado e da sociedade, assegurar pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, polticos, individuais e sociais, garantidos na Constituio e nas leis (grifamos). O Pargrafo 3 do mesmo artigo completa: dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatrio ou constrangedor. A noo de dignidade inspira respeito, distino, brio. Ou seja: apresenta-se como aquela que pode trazer as qualidades apresentadas. Para tal, o Estatuto do Idoso, no artigo 10, 3, afirma ser dever de todos e no apenas das autoridades pblicas livrar o idoso de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatrio ou constrangedor (tal como transcrevemos acima). Na verdade, bastaria o primeiro termo desumano para exprimir o restante. Porm, o legislador quis deixar bem claro (SIQUEIRA, 2004, p. 73). 32
Cumprida risca tal lei, nenhum idoso ser vtima de negligncia, discriminao, violncia, crueldade ou opresso, sendo toda e qualquer violao a seus direitos punida conforme a lei (SOUSA, 2004, p. 179). o Estatuto composto por 118 artigos, agrupados nos seguintes Ttulos: Ttulo I Disposies preliminares (artigos 1 a 7); Ttulo II Dos direitos fundamentais (artigos 8 a 42); Ttulo III Das medidas de proteo (artigos 43 a 45); Ttulo IV Da poltica de atendimento ao idoso (artigo 46 a 68); Ttulo V Do acesso justia (artigos 69 a 92); Ttulo VI Dos crimes (artigos 93 a 108) e Ttulo VII Disposies finais e transitrias (artigos 109 a 118). Vez que no nossa pretenso proceder anlise minuciosa do Estatuto do Idoso, os comentrios que se seguem to somente ilustram alguns dos principais direitos garantidos aos brasileiros maiores de sessenta anos de idade. Compete aos filhos maiores a obrigao de amparar os pais na velhice, carncia ou situao de enfermidade. So deveres da famlia, da sociedade e do Poder Pblico a garantia, ao idoso, de acesso aos bens culturais, bem como participao e integrao na comunidade. Liberdade e autonomia lhe devem ser asseguradas, alm do direito da pessoa idosa viver junto famlia (SOUSA, 2004, p. 102). Os motoristas de nibus devem atentar para a condio especial do idoso, assegurando seu embarque e desembarque confortveis e seguros. O atendimento do idoso em qualquer estabelecimento comercial deve ser prioritrio, sendo necessria a existncia de avisos nesse sentido, em local de visibilidade. No Estado de So Paulo os dizeres dos avisos devem ser os 33
seguintes: Respeitar o idoso respeitar a si mesmo (SOUSA, 2004, p. 102 e 103). O Poder Pblico deve criar servios alternativos de sade para o idoso, no sentido de prevenir e tratar doenas. Certas vacinas so anuais e gratuitas, v. g., a vacina contra gripe. O idoso tem direito educao (ensino fundamental obrigatrio e gratuito). Os rgos municipais esto encarregados de criar programas educacionais que se prestem a estimular o idoso a ingressar em curso de ensino superior, bem como implementar programas educacionais de incluso (certos contedos sobre envelhecimento, disciplinas como gerontologia e geriatria em cursos superiores, etc.) (SOUSA, 2004, p. 104). O idoso tem direito moradia, devendo ser destinadas, em regime de comodato, certas unidades de programas habitacionais, feitas as melhorias devidas, de modo que sejam levadas em conta as condies fsicas peculiares da pessoa idosa, sendo removidas as barreiras arquitetnicas das cidades, de modo geral. Todo cidado tem o dever de denunciar autoridade competente qualquer forma de desrespeito ao idoso, competindo ao Ministrio Pblico zelar pela aplicao das normas protetivas do idoso (SOUSA, 2004, p. 104). sabido que da competncia de todos prevenir ameaa ou efetiva leso a direito do idoso. Caso a famlia no tenha condies para arcar com a mantena do maior de sessenta anos, tal papel compete ao Estado, por meio da Assistncia Social. Alm disso, o Estatuto do Idoso traz uma srie de medidas de proteo, que devem ser aplicadas quando da violao de direito fundamental da pessoa idosa, por ao ou omisso (SOUSA, 2004, p. 179). 34
Tambm h rol de crimes tipificados na Lei n 10.741/03, cujos agentes esto sujeitos a penas de recluso ou deteno que variam de seis meses a doze anos, alm de multa (SOUSA, 2004, p. 179). Importante foi a edio do Estatuto do Idoso, que representa, para os maiores de sessenta anos, guardadas as inegveis diferenas, o que o Estatuto da Criana e do Adolescente significa para os menores de dezoito anos no Brasil: garantia mnima dos direitos fundamentais da pessoa humana, bem como responsabilizao ampla aos seus violadores.
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2. INCAPACIDADE, INTERDIO, CURATELA E DOENA DE ALZHEIMER
2.1 Incapacidade
Personalidade idia ligada pessoa, e significa sua aptido geral para contrair direitos a assumir obrigaes, segundo Maria Helena Diniz (2007a, p. 114). Trata-se de pressuposto para a insero e atuao da pessoa no mundo jurdico. qualidade jurdica que se revela como condio anterior de todos os direitos e deveres. Anote-se, no entanto, que nem sempre foi assim, visto que o escravo, no direito romano, era tido como coisa, sendo totalmente desprovido de direitos. O Cdigo Civil de 2002 deixa claro o reconhecimento da personalidade em seu artigo 1, ao proclamar, in verbis, que toda pessoa capaz de direitos e deveres na ordem civil (GONALVES, 2008, p. 70 e 71). Inclusive, o novo Cdigo substituiu a antiga expresso homem por pessoa, em ntida atualizao conforme a Constituio Federal de 1988. Adquirida a personalidade, o indivduo passa a atuar na qualidade de sujeito de direitos, pessoa natural ou jurdica, praticando os mais variados atos jurdicos (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2007, p. 80). A capacidade, por sua vez, a medida, no mundo jurdico, da personalidade, donde se infere que para ser pessoa basta a existncia humana, ao passo que para ser capaz preciso preencher certos requisitos constantes da legislao civil em vigor (DINIZ, 2007a, p. 115). O supracitado artigo 1 do Cdigo Civil promove o entrosamento dos conceitos de personalidade e capacidade, na medida em que, j transcrevemos, toda 36
pessoa capaz de direitos e deveres na ordem civil (grifamos) (GONALVES, 2008, p. 71). Barbero deixa claro que a personalidade jurdica conceito absoluto (ela simplesmente existe ou no), ao passo que a capacidade jurdica conceito relativo (pode-se ter mais ou menos capacidade jurdica) (apud GONALVES, 2008, p. 71). Dessa definio primeira e fundamental decorrem outras duas, igualmente importantes: capacidade de gozo ou de direito e capacidade de fato ou de exerccio. A primeira a aptido humana original para a aquisio de direitos e deveres, que no pode ser recusada a quem quer que seja, desde que nascido vivo. Alis, consigne-se, o nascimento com vida da pessoa humana representa o momento inicial da personalidade (DINIZ, 2007a, p. 195); grande parte da doutrina tem aceito a chamada teoria natalista, segundo a qual o recm-nascido adquire personalidade jurdica no exato instante em que principia sua atividade cardiorespiratria (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2007, p. 81). A capacidade de gozo ou de direito tambm chamada capacidade de aquisio de direitos, e reconhecida a todos os seres humanos, sem quaisquer distines. estendida, inclusive, queles que no possuem discernimento e aos infantes em geral, independentemente de seu grau de desenvolvimento mental. Somente no h capacidade de aquisio de direitos quando no h personalidade; caso do nascituro, por exemplo (GONALVES, 2008, p. 71 e 72). Orlando Gomes ensina que a capacidade de direito acaba por se confundir com a personalidade, j que toda pessoa capaz de direitos (apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2007, p. 88). A segunda a aptido para exercer, sozinho, os atos da vida civil. Isso porque, conquanto todos os nascidos vivos tenham capacidade de direito, a lei limita a prtica de atos jurdicos a algumas pessoas, quais sejam aquelas 37
consideradas incapazes. A incapacidade, por sua vez, pode decorrer de fator genrico, tal qual o tempo (maioridade ou menoridade), ou de insuficincia decorrente de patologia, como se sucede com os deficientes mentais. Por no ser capaz de discernir entre o certo e o errado, lcito e ilcito, dever o incapaz, para a prtica de atos civis, fazer-se acompanhar por representante ou assistente, conforme o grau de sua incapacidade. Saliente-se que a capacidade de exerccio pressupe a de gozo, mas esta ltima pode existir sem a primeira (DINIZ, 2007a, p. 147). tambm denominada capacidade de ao. Como j se disse, por faltarem a algumas pessoas certos requisitos materiais, dentre os quais maioridade, sade, desenvolvimento mental, etc., a lei lhes confere apenas capacidade para a aquisio de direitos, negando-lhes a aptido para exerc-los sozinhos, sendo imprescindvel a presena de outra pessoa, que os represente ou assista (GONALVES, 2008, p. 72). Quem detentor das duas espcies de capacidade, diz-se, plenamente capaz. Quem apenas possui capacidade de direito tem capacidade limitada, sendo chamado incapaz, devendo ser representado ou assistido, repita-se. No se confunda, porm, capacidade com legitimao, esta ltima entendida como a aptido especfica para a prtica de certos atos jurdicos. A falta de legitimao para determinados atos no implica em incapacidade da pessoa (GONALVES, 2008, p. 72). Trata-se, a legitimao, de pressuposto subjetivo-objetivo do negcio jurdico, enquanto que a capacidade de gozo ou de direito requisito subjetivo (DINIZ, 2007a, p. 149). Em sntese, a legitimao traduz uma capacidade especfica, certos impedimentos circunstanciais, que no se confundem com a hiptese geral de incapacidade (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2007, p. 89). 38
A incapacidade a restrio, imposta pela lei, prtica de atos da vida civil. sempre excepcional, sendo regra a capacidade. Frise-se que somente a lei pode estabelecer situao de incapacidade que, portanto, no pode advir de ato jurdico inter vivos ou causa mortis. Tambm no se confunde a incapacidade com a proibio de realizar negcios jurdicos com determinadas pessoas ou referentes a bens a elas pertencentes (DINIZ, 2007a, p. 148). Carlos Roberto Gonalves define incapacidade como a decorrncia do reconhecimento da inexistncia, em uma pessoa, dos requisitos indispensveis ao exerccio dos seus direitos. Somente por exceo expressa na lei, diga-se outra vez, que pode ser sonegada ao indivduo sua capacidade de ao. Lembre-se, ademais, que no Brasil inexiste incapacidade de direito, j que todos os que nascem com vida se tornam capazes de adquirir direitos. Somente se fala na incapacidade de fato ou de exerccio (2008, p. 85). O instituto da incapacidade visa a conferir proteo quele que portador de deficincia jurdica relevante, estando, pois, impedido de praticar atos jurdicos, exceto se acompanhado de seu representante (caso do absolutamente incapaz artigo 3 do Cdigo Civil) ou de seu assistente (artigo 4 do mesmo diploma legal). Absolutamente incapazes no podem praticar desacompanhados quaisquer atos da vida civil; relativamente incapazes, por sua vez, podem atuar na vida civil, desde que devidamente autorizados. Representao e assistncia so mecanismos de suprimento da incapacidade (DINIZ, 2007a, p. 149). Atos exercidos por absolutamente incapaz sem representao so nulos (artigo 166, I, CC), da mesma forma que so passveis de anulao aqueles praticados por relativamente incapaz desassistido (artigo 171, I, CC) (GONALVES, 2008, p. 85). 39
Ressalte-se que os artigos 3 e 4 do Cdigo Civil, regentes das situaes de incapacidade, so dispositivos cogentes ou de ordem pblica, vez que o Estado no pode deixar ao arbtrio particular situao ensejadora de prejuzos sociais graves (DINIZ, 2007a, p. 149). Por fim, mencione-se que a incapacidade jurdica no exclui por completo a responsabilizao patrimonial, j que, conforme o artigo 928 do Cdigo Civil, o incapaz responde pelos prejuzos que causar, se as pessoas por ele responsveis no tiverem obrigao de faz-lo ou no dispuserem de meios suficientes (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2007, p. 90).
2.1.1 Incapacidade absoluta
Incapacidade absoluta, tambm chamada total, aquela em que h proibio plena para o exerccio de atos da vida civil. Disso decorre que, como j se disse linhas acima, uma vez violado preceito que estabelece causa de incapacidade absoluta, o ato jurdico nulo, de acordo com o artigo 166, I, do Cdigo Civil. imprescindvel, pois, a presena do representante em se tratando de absolutamente incapaz (DINIZ, 2007a, p. 149). O Cdigo Civil de 1916 consagrava, em seu artigo 5, quatro situaes de incapacidade absoluta: os menores de dezesseis anos, os loucos de todo o gnero, os surdos-mudos que no pudessem exprimir sua vontade e os ausentes, assim declarados por ato judicial (GONALVES, 2008, p. 85). O legislador elencou no artigo 3 do Cdigo Civil vigente o rol dos absolutamente incapazes, qual seja, in verbis: 40
So absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I os menores de dezesseis anos; II os que, por enfermidade ou deficincia mental, no tiverem o necessrio discernimento para a prtica desses atos; III os que, mesmo por causa transitria, no puderem exprimir sua vontade.
Ora, interessa-nos, na senda da curatela, instituto assistencialista voltado exclusivamente aos maiores incapazes, apenas o contido nos incisos II e III do referido artigo 3, em cuja anlise nos deteremos a partir desse ponto. No demais lembrar que os menores de dezesseis anos, absolutamente incapazes para os atos da vida civil, esto sujeitos no curatela, mas tutela, razo pela qual no cuidaremos de modo detalhado de tal grupo de pessoas. No inciso II do artigo 3 do Cdigo Civil de 2002 esto inseridos aqueles que por motivo de patologia ou acidente, problema gentico ou adquirido, no possuem condies de gerir sua prpria vida e patrimnio. Essas pessoas sero representadas por curador (artigo 1767, I, CC) nomeado em processo de interdio (DINIZ, 2007a, p. 151), conforme se ver nas linhas que se seguem. So tpicos os casos dos portadores de doena fsico-psquica que impede o discernimento, de que exemplo a demncia ou fraqueza mental senil, a demncia afsica, a degenerao, a psicastenia 1 , a psicose txica, a psicose autotxica (depresso, uremia, etc.), a psicose infectuosa (delrio ps- infeccioso, etc.), a parania, a demncia arteriosclertica, a demncia sifiltica, o Mal de Parkinson senil (quando o doente apresenta tremores, sinais de depresso evolutiva, rigidez muscular, instabilidade emocional e demncia progressiva), doena neurolgica degenerativa, etc.. Tambm os que sofrem de doena mental ou psquica, o que inclui os alienados mentais, psicopatas
1 Psicastenia o enfraquecimento do psiquismo, que conduz a certos sintomas neurticos, como angstia, atos compulsivos e obsesses (HOUAISS, 2001, p. 2325). 41
mentecaptos, manacos, imbecis, dementes e loucos furiosos ou no (DINIZ, 2007a, p. 152). A expresso loucos, utilizada pelo Cdigo Civil de 1916 e no repetida no atual diploma civil, comporta todo tipo de desequilbrio mental, ainda que haja intervalos lcidos, e desde que tenha sido feita a interdio do doente, hbil a comprovar sua impossibilidade para administrar seus negcios. Quando a debilidade mental causa apenas a capacidade limitada do enfermo no se trata de absoluta, mas relativamente incapaz, consoante a disciplina do artigo 4, II e III do Cdigo Civil (DINIZ, 2007a, p. 152). S se fala em incapacidade absoluta quando a insanidade mental permanente e duradoura. At mesmo alguns distrbios psquicos, de que exemplo a doena do pnico, podem acarretar a incapacidade absoluta do enfermo, desde que ele esteja privado do necessrio discernimento para a prtica dos atos da vida civil (GONALVES, 2008, p. 87). Note-se que, salienta Maria Helena Diniz, fez bem o legislador em no enumerar as espcies de anomalias psquicas que ensejam a interdio e conseqente nomeao de curador, pois que, se o tivesse feito, rdua seria a tarefa da percia de modo a fazer a subsuno exata entre lei e enfermidade. Dessa forma, uma vez que reste constatada a incapacidade para a gesto da prpria pessoa e bens, o juiz decretar a interdio e far a distribuio do encargo da curatela conforme a lei civil (2007a, p. 152). Gagliano e Pamplona Filho admitem a existncia de uma incapacidade natural, assim entendida situao do enfermo cuja incapacidade no se encontra judicialmente declarada. Para esses autores, de acordo com a lio de Orlando Gomes, possvel a invalidao de ato jurdico praticado pelo doente desde que haja a existncia de trs requisitos, quais sejam: a 42
incapacidade de entender ou querer, a demonstrao de que o agente sofreu prejuzo grave e a m-f do outro contraente, que possvel auferir a partir das clusulas do prprio contrato, do dano causado ao incapaz e da tipologia do instrumento contratual. Anote-se que a doutrina bastante divergente a respeito desse assunto (2007, p. 92). J se sabe que a existncia de intervalo de lucidez no ilide a necessidade de interdio, mas, frise-se, a doena deve ser permanente, ainda que no seja contnua. Falta de percepo passageira, portanto, no consiste motivo bastante para a nomeao de curador quele que sofre de doena psquica. Tambm no interessa ao direito apurar quais atos praticados pelo doente so afetados pela anomalia, mas apenas e to somente deve restar constatado que o problema mental tal que o impede de cuidar de sua pessoa e negcios (DINIZ, 2007a, p. 152). Os eventuais intervalos de lucidez no so considerados, sendo nulos, tambm, os atos praticados pelo incapaz, ainda que em momento em que se encontrava lcido (GONALVES, 2008, p. 87). A velhice, por si s, no geradora de incapacidade a ensejar interdio e curatela, por no se equiparar a estado psicoptico. Somente haver a interdio do idoso que se encontra acometido de doena mental que lhe retira ou diminui a capacidade para gerir a prpria pessoa e bens, tal como ocorre com o paciente de arteriosclerose (DINIZ, 2007a, p. 154). No mesmo sentido a lio de Carlos Roberto Gonalves, para quem a incapacidade advm do estado psquico, no da velhice (2008, p. 92). Tambm Gagliano e Pamplona Filho tm a mesma opinio (2007, p. 93). No inciso III do mesmo artigo 3 o legislador mencionou, conforme transcrio feita linhas acima, aqueles que por causa transitria no podem exprimir sua vontade. Trata-se de inciso bastante abrangente, segundo Maria 43
Helena Diniz, vez que no houve meno expressa ao surdo-mudo, mas pode ele se enquadrar em tal situao (muito embora seja possvel, tambm, ser constatada sua incapacidade com base no inciso II do artigo 3, ou sua incapacidade relativa, nos moldes do artigo 4, III do mesmo diploma civil) (2007a, p. 156). Nesse sentido, o surdo-mudo que no conseguir expressar sua vontade por no ter sido educado de modo adequado ou por sofrer de leso mental que lhe retire o discernimento plenamente, ser considerado absolutamente incapaz. Ao contrrio, se se fizer compreender, restar apenas impedido de praticar ato que lhe requeira a utilizao da audio (sobretudo ser testemunha quando a prova que se pretende fazer depender exclusivamente desse sentido). Receber, portanto, o surdo-mudo, quando for o caso, curador que lhe represente nos atos da vida civil, muito embora sua interdio no possa ser feita (artigo 1780 do Cdigo Civil). Isso porque o surdo-mudo e o cego, capazes de se fazer entender, necessitam de curador que lhes auxilie apenas na prtica de certos atos. O mesmo se diga do deficiente fsico, com dificuldade de locomoo, situao em que solicitar a nomeao de curador para gerir seus negcios, conforme a disciplina do artigo 1780 do Cdigo Civil (DINIZ, 2007a, p. 156). Carlos Roberto Gonalves comenta que tal inciso abarca aqueles que no puderem exprimir sua vontade por causa transitria (caso, por exemplo, do surdo-mudo, j trazido baila linhas acima) ou em razo de alguma patologia (de que exemplo presso arterial excessiva, paralisia, embriaguez no habitual, uso eventual e exagerado de entorpecentes ou substncias alucingenas, hipnose e etc.). Isso no significa dizer que se promover a interdio de algum por causa transitria, ressalte-se. A curatela medida 44
que se amolda apenas s situaes de ausncia duradoura do discernimento. Mas, nulo o ato jurdico exercido por pessoa de condio psquica normal que, no entanto, encontrava-se completamente embriagada, incapaz de, por causa transitria, expressar inequivocamente sua vontade (2008, p. 92 e 93). Em suma, se h patologia reconhecida ou limitao definitiva, est-se diante da hiptese do inciso II do artigo 3 do CC. Se, de outra forma, apesar de ser a doena permanente houver apenas reduo no discernimento, mas no supresso, o caso de incapacidade relativa, a ser analisada adiante, prevista no artigo 4, II do Cdigo Civil (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2007, p. 93). de se notar que os ausentes ficaram de fora do rol dos absolutamente incapazes, bem como, de modo expresso, os surdos-mudos (GONALVES, 2008, p. 93).
2.1.2 Incapacidade relativa
Relativamente incapazes so as figuras elencadas no artigo 4 do Cdigo Civil, in verbis: So incapazes, relativamente a certos atos, ou maneira de os exercer: I os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II os brios habituais, os viciados em txicos, e os que, por deficincia mental, tenham o discernimento reduzido; III os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV os prdigos. Pargrafo nico. A capacidade dos ndios ser regulada por legislao especial.
O Cdigo Civil de 1916 considerava relativamente incapazes os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos, os prdigos e os silvcolas. Veja- 45
se que o CC de 2002 alargou o rol, tendo diminudo a maioridade para dezoito anos (GONALVES, 2008, p. 93). Interessam-nos, do mesmo modo que se processou com as situaes de incapacidade absoluta, apenas os casos que desembocam na curatela, quais sejam, os expressos nos incisos II, III e IV mencionados linhas acima. Certos atos jurdicos praticados por pessoas relativamente incapazes so passveis de anulao se no forem realizados na presena do assistente, de acordo com o artigo 171, I do Cdigo Civil. Outros atos, por sua vez, dispensam a presena do assistente. Participam, tais pessoas, portanto, da vida jurdica em zona intermediria entre a capacidade e a incapacidade absoluta (DINIZ, 2007a, p. 164 e 165). Em suma, o relativamente incapaz s pode praticar atos jurdicos assistido por seu representante legal, sob pena de anulabilidade, consoante o artigo 171, I, CC. Alguns atos, porm, dispensam a presena do representante: ser testemunha (artigo 228, I, CC), aceitar mandato (artigo 666, CC), fazer testamento (artigo 1860, Pargrafo nico, CC), exercer cargos pblicos para os quais no haja exigncia de maioridade (artigo 5, Pargrafo nico, III, CC), casar (artigo 1517, CC), votar, firmar contrato de trabalho, etc. (GONALVES, 2008, p. 93). O inciso II do artigo 4 abarca a situao daqueles que tm sua capacidade reduzida por causa permanente ou transitria. Por exemplo, os alcolatras ou dipsmanos (aqueles que tm compulso por bebida ou que so dependentes de lcool), os toxicmanos (opimanos, usurios de psicotrpicos, crack, herona, maconha, cocainmanos, morfinmanos, etc.) e os que tiverem sua capacidade reduzida em funo de molstia superveniente, tal qual uma psicose ou a doena de Alzheimer. Tais pessoas, como j se disse outrora, somente podero praticar atos da vida civil assistidos por 46
curador, nomeado judicialmente ao final de processo de interdio (artigo 1767, III, CC) (DINIZ, 2007a, p. 167). Inclusive, dependendo das leses cerebrais ocasionadas, que podem mesmo o impedir de manifestar livre e claramente sua vontade, possvel considerar o toxicmano absolutamente incapaz, de acordo com o artigo 3, II do Cdigo Civil (DINIZ, 2007a, p. 167). O mesmo se diga do usurio de drogas eventual que, por efeito transitrio de substncia entorpecente, fica impedido de exprimir plenamente sua vontade, tendo aplicao, nesse caso, o artigo 3, III do Cdigo Civil (GONALVES, 2008, p. 96). Ainda acerca dos deficientes mentais, brios habituais e viciados em txicos, o juiz determinar os limites da curatela, que poder se circunscrever, apenas, privao da prtica de atos que possam onerar ou desfalcar seu patrimnio, conforme determinam os artigos 1772 e 1782 do Cdigo Civil (GONALVES, 2008, p. 97). Cuida, o inciso III do artigo 4, por sua vez, dos excepcionais, sem desenvolvimento mental completo. So os fracos de mente, surdos-mudos que no receberam educao apropriada e os portadores de doena psquica gentica que os tornam inaptos para a prtica de atos da vida civil desassistidos por seu curador (DINIZ, 2007a, p. 167). Tambm os portadores de Sndrome de Down. A eles igualmente se aplicam os limites da curatela assinalados pelos artigos 1772 e 1782 do CC, comentados linhas acima (GONALVES, 2008, p. 97). Note-se que so pessoas que merecem educao especializada e podem, perfeitamente, ingressar no mercado de trabalho. A previso legal de sua incapacidade relativa tem o escopo mximo de lhes conferir proteo (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2007, p. 97 e 98). 47
O inciso IV menciona o prdigo, entendido esse como aquele que dilapida seu patrimnio, gastando de modo excessivo ou anormal. A prodigalidade, segundo Roberto Senise Lisboa (apud Diniz, 2007a, p. 169) pode se dar por oniomania (perturbao mental que leva o enfermo a adquirir de modo descontrolado tudo o que v pela frente), cibonamia (doena que conduz ao arrasamento do patrimnio em razo de gastos com jogos de azar) e imoralidade (aquele que despende exagerada quantia na satisfao de impulsos sexuais). Tambm o prdigo est sujeito interdio e submisso curatela, somente havendo necessidade da presena do curador para a prtica de atos que tenham contedo patrimonial (artigos 1767, V e 1782, ambos do Cdigo Civil) (DINIZ, 2007a, p. 169). No h, portanto, limitao quanto realizao de atos pessoais, propriamente. Pode o prdigo votar, ser jurado, prestar testemunho, fixar seu domiclio, autorizar o casamento dos filhos, exercer profisso diferente da de comerciante e at contrair matrimnio, havendo necessidade da presena do curador, nesse caso, apenas para a celebrao de pacto antenupcial que ocasione alterao em seu patrimnio (GONALVES, 2008, p. 99). Note-se, em tempo, que at mesmo a prodigalidade pode dar ensejo constatao de incapacidade absoluta, sendo o prdigo incurso no artigo 3, II do Cdigo Civil se o perdularismo for causado por desordem mental (DINIZ, 2007a, p. 169). A curadoria do prdigo tradicional no direito luso-brasileiro, apesar de alguns autores no concordarem com sua interdio, considerando a medida violao liberdade individual. Justificativa para a determinao da curatela o fato de que, por despender recursos de modo descuidado, est 48
constantemente sujeito a causar sua prpria misria, em detrimento de sua pessoa e de seus familiares (GONALVES, 2008, p. 98). A incapacidade suprida pela representao ou pela assistncia, em se tratando, respectivamente, de incapacidade absoluta ou relativa. O Cdigo Civil de 1916 trazia o seguinte dispositivo, literalmente: Art. 84 As pessoas absolutamente incapazes sero representadas pelos pais, tutores ou curadores em todos os atos jurdicos; as relativamente incapazes, pelas pessoas e nos atos que este Cdigo determina.
O CC de 2002 no trouxe artigo semelhante, mas dedica captulo especfico aos preceitos gerais sobre a representao legal e voluntria. O artigo 115 preceitua que os poderes de representao conferem-se por lei ou pelo interessado. O artigo 120 completa, ao determinar que os requisitos e os efeitos da representao legal so os estabelecidos nas normas respectivas; os da representao voluntria so os da Parte Especial do Cdigo (contrato de mandato, cujo cerne a representao). Assim, o artigo 1634 cuida da representao do filho menor exercida pelos pais; o artigo 1747, I trata da representao do tutor em relao ao tutelado, o que, por fora do artigo 1774, guardadas as devidas diferenas, tambm se aplica representao estabelecida na curatela. O absolutamente incapaz est proibido da prtica de quaisquer atos civis, que devem ser levados a cabo pelo seu representante, sob pena de nulidade (artigo 166, I, CC). Os relativamente incapazes podem praticar certos atos, desde que assistidos por seu representante legal, sob pena de anulabilidade (artigo 171, I, CC). Na prtica, se necessrio for assinar algum documento, sero duas as assinaturas: a do relativamente incapaz e a de seu representante. A falta da assinatura de qualquer deles enseja a anulao do ato (GONALVES, 2008, p. 103). 49
2.1.3 Proteo aos incapazes
Embora no seja objeto central de nosso estudo, consigne-se, rapidamente, que a proteo aos menores de dezoito anos (representao e assistncia) ser feita por seus pais, desde que no tenham sido destitudos do poder familiar, ou pelo tutor, quando o menor no estiver sob o poder familiar (DINIZ, 2007a, p. 176). No que diz respeito ao maior incapaz, interdito por doena mental, alcoolismo, toxicomania, desenvolvimento mental incompleto ou prodigalidade, o curador quem vai assisti-lo e represent-lo nos atos da vida civil. Pressuposto ftico da curatela a incapacidade do maior de dezoito anos que no tenha discernimento para a prtica dos atos da vida civil. O fundamento desse instituto a proteo que deve ser dispensada ao incapaz, no que tange sua pessoa e bens. Inclusive, h interesse pblico na assistncia dada pelo curador ao interdito, vez que desacompanhado poderia o interdito causar prejuzos a si prprio e sua famlia (DINIZ, 2007a, p. 177). O curador sempre nomeado ao final de processo judicial de interdio, em que o juiz aufere a incapacidade do maior e a necessidade, bem como a extenso, da medida curatelar. Assim, a interdio tem relevncia tico-jurdica, haja vista que no pode o maior incapaz ser abandonado prpria sorte (DINIZ, 2007a, p. 178). Ao instituto da curatela dispensamos especial ateno no item 2.3, desenvolvido linhas abaixo.
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2.2 Interdio
2.2.1 Conceito
Aurlio Buarque de Holanda Ferreira define interdio como o ato de interdizer; proibio, impedimento; privao judicial de algum reger sua pessoa e bens (apud BRUM, 1995, p. 42). Deriva do latim interdictio, do verbo interdicere, proibir, segundo Eduardo Scrates Castanheira Sarmento, e significa, genericamente, a vedao de fazer alguma coisa ou praticar um ato (apud BRUM, 1995, p. 42). Para Planiol uma medida de proteo jurdica para os alienados (apud MACHADO; FREITAS, 1981, p. 12). Interdio , primordialmente, a medida protetiva de incapaz para que se evite dano sua pessoa e bens. Trata-se de processo judicial, que pode culminar na nomeao de curador. O magistrado deve atuar de modo a apurar os fatos que justificam a medida, cuidando da verificao da real necessidade da interdio, diante de patente incapacidade. Somente se fala na instituio de curador se houver processo judicial de interdio que desemboque em sentena declaratria e constitutiva da situao de incapacidade. Enquanto dura o processo, todavia, possvel a determinao de administrador provisrio ao interditando (DINIZ, 2007b, p. 612). Segundo a mesma Maria Helena Diniz, em transcrio literal, 51
Interdio , portanto, o procedimento especial de jurisdio voluntria, mediante o qual se apura a capacidade ou incapacidade de pessoa maior de dezoito anos. Constatada a incapacidade, decretar-se- a proibio, absoluta ou relativa, para que o interditado pratique, por si s, ato jurdico, bem como ser-lhe- nomeado curador, que dever represent-lo ou assisti-lo (2007a, p. 178).
Por se tratar, assim, de procedimento de jurisdio voluntria, est-se diante de tutela administrativa de interesse privado realizada pelo Poder Judicirio. de se ver, no h lide, mas interesses que convergem no sentido de buscar proteo pessoa e bens do maior incapaz, decretando-lhe a interdio. Desse modo, pode a curatela ser permanente ou temporria, j que, cessada a incapacidade, h chance da interdio ser levantada, readquirindo, o interdito, sua capacidade para os atos da vida civil (DINIZ, 2007a, p. 178).
2.2.2 Legitimidade e foro competente
Muito embora no se possa falar, com rigor tcnico, em ao de interdio e partes, por se tratar de procedimento de jurisdio voluntria, inexistente a lide (DINIZ, 2007a, p. 179), legitimados a propor a interdio so, de acordo com o artigo 1768 do Cdigo Civil, in verbis (desde que, evidentemente, maiores e capazes): os pais (casados ou no, em concurso ou de modo isolado. Se houver discordncia entre eles, apela-se para o bom senso do magistrado GONALVES, 2007, p. 628) ou tutores (quando o tutelado completa dezesseis anos e se mostra incapaz para os atos da vida civil. Saliente-se que para o menor de dezesseis anos a curatela intil, vez que o tutor exerce todos os poderes que seriam conferidos ao curador 52
GONALVES, 2007, p. 629), o cnjuge, desde que no esteja separado de fato ou judicialmente, a no ser que haja interesse, por exemplo, caso em que ainda no se procedeu partilha de bens do casamento (falta, pois, legitimao expressa ao convivente e ao concubino, situao que restar resolvida com a entrada em vigor do Projeto de Lei n 6.960/02), todo parente, em qualquer grau, na linha reta, e at o 4 grau, na linha colateral, excludos os afins, para alguns autores (grifamos) (DINIZ, 2007b, p. 613). Somente os filhos maiores e capazes, frise-se, que esto aptos a requerer a interdio dos pais (DIAS, 2007, p. 547). Saliente-se que no existe ordem de preferncia, podendo qualquer das pessoas assinaladas promover a interdio. Inclusive, mais de um legitimado pode requerer a medida, em litisconsrcio ativo facultativo. Tambm, se a ao proposta por um dos legitimados, outro que tenha idntica legitimao pode ingressar no processo na qualidade de assistente litisconsorcial, conforme o artigo 54 do Cdigo de Processo Civil (DIAS, 2007, p. 546). Maria Helena Diniz afirma que parece que a prpria lei exige, a par da relao de parentesco, a existncia de laos de afetividade e proximidade entre interditando e promovente da interdio, de modo que esse ltimo seja capaz de averiguar os motivos que justifiquem a medida, bem como sua convenincia (2007a, p. 180). A mesma civilista entende que tm interesse na interdio apenas os parentes sucessveis, assim entendidos os constantes do artigo 1829 do Cdigo Civil, cuja preocupao evitar eventual dilapidao do patrimnio do interditando (2007b, p. 613). Silvio Rodrigues comenta que a falta de legitimidade do companheiro, excludo do rol do artigo 1768, foi fruto de mero esquecimento do legislador, razo pela qual deve ser desconsiderada, podendo o convivente promover a 53
interdio, j que est apto, inclusive, para ser nomeado curador, de acordo com o artigo 1775, caput, CC (2004, p. 422). Carlos Roberto Gonalves sustenta que tambm os afins podem requerer a interdio uns dos outros, vez que a finalidade precpua do instituto a proteo do incapaz (2007, p. 630). Em sentido idntico, Venosa se pronuncia a favor da possibilidade de propositura da interdio pelos parentes por afinidade, quando para tanto houver justificativa (2007, p. 432). Gonalves afirma, ainda, que a enumerao taxativa, mas no necessariamente preferencial, donde se infere que qualquer das pessoas mencionadas no artigo 1768 pode propor a interdio, inclusive, entende ele, o companheiro ou a companheira, em virtude da equiparao da unio estvel ao casamento. Todavia, no esto, de forma alguma, legitimados o credor do alienado e, tampouco, o juiz, de ofcio (2007, p. 628 e 631). Pela taxatividade do rol estampado no artigo 1768 tambm Jander Maurcio Brum (1995, p. 59). As pessoas elencadas no artigo 1768 do Cdigo Civil, entende Paulo Nader, tm o dever de propor a ao de interdio (2006, p. 663 e 664). Caso no o faa o parente sucessvel mais prximo, outro, cujo parentesco mais remoto, poder faz-lo (DINIZ, 2007a, p. 182). Ademais, observe-se que o autor da ao de interdio no ser necessariamente nomeado curador do incapaz, no caso de ser o pedido procedente. Em tempo: terceiros estranhos esto impedidos de ajuizar ao de interdio, por lhes faltar interesse de agir. Invivel, ainda, o pedido feito pelo prprio incapaz, que seria, ao mesmo tempo, autor e ru da ao de interdio, o que no tecnicamente possvel. O melhor, se houver intervalo de lucidez, 54
que solicite ao membro do Ministrio Pblico a propositura da medida (NADER, 2006, p. 663 e 664). Tambm o Ministrio Pblico parte legtima, nos casos elencados no artigo 1769 do Cdigo Civil. So as seguintes as situaes em que se fala em legitimao do promotor de justia para a propositura de interdio: caso de doena mental grave, congnita ou adquirida, que pode culminar em risco de vida para o prprio paciente e para terceiros (interessa, a interdio, a toda a sociedade, da a legitimidade do MP NADER, 2006, p. 665); se no for pedida a interdio pelos pais, tutores, cnjuge ou parente mencionado linhas acima (que podem simplesmente no existir ou no querer prop-la); ou, por fim, se tais pessoas forem incapazes. Perceba-se que a interdio promovida pelo Ministrio Pblico subsidiria, no havendo necessidade de expedir notificao aos legitimados do artigo 1768, a fim de que se manifestem em prazo assinalado judicialmente (GONALVES, 2007, p. 631). Determina, ainda, o artigo 1770 do Cdigo Civil que, se for o caso de propositura da medida pelo membro do Ministrio Pblico, ser nomeado defensor ao suposto incapaz. J nas situaes em que a interdio requerida pelas pessoas constantes do artigo 1768, I e II do Cdigo Civil, o Ministrio Pblico faz as vezes de defensor, podendo impugnar a medida e fiscalizar a regularidade do processo (no se fala, pois, em revelia do interditando, j que a ele deve ser nomeado defensor pelo juiz NADER, 2006, p. 665). Ademais, saliente-se, no que tange interdio do prdigo, que o Ministrio Pblico no pode intervir, vez que o caso, apenas, de resguardo do patrimnio familiar (DINIZ, 2007b, p. 613). Apenas a ttulo de curiosidade, anote-se que pesquisa realizada na cidade de Porto Alegre, cujos resultados foram publicados em 2007, constatou 55
que as aes de interdio promovidas por familiares giram em torno de 72,9% do total, ao passo que o Ministrio Pblico responsvel pela propositura de apenas 27,1% das demandas (MEDEIROS, 2007, p. 164). Caso esteja o enfermo mental internado em estabelecimento para tratamento, no pode terceiro estranho, ligado a tal estabelecimento, requerer a sua interdio. Deve, sim, procurar o Ministrio Pblico e relatar a situao. Poder, todavia, ao depois, tal pessoa ser nomeada curadora, vez que possvel, como se ver, a curatela dativa (DIAS, 2007, p. 548). O interditando pode constituir advogado que promova sua defesa no processo de interdio (artigo 1182, 2 do Cdigo de Processo Civil), embora o Ministrio Pblico seja seu defensor primeiro e legal (artigo 1182, 1 do Cdigo de Processo Civil e artigo 1770 do Cdigo Civil). Imprescindvel a ampla defesa do interditando, a fim de se evitarem fraudes por parte de familiares inescrupulosos. Lembre-se, ainda uma vez, que a idade avanada, por si s, no autoriza a interdio. Alis, o prprio Venosa quem noticia, enquanto membro do Poder Judicirio, casos de idosos perfeitamente lcidos cujas famlias tentaram interditar com o escopo exclusivo de se apossar de seu patrimnio. Felizmente, o exame pericial comprovou a capacidade plena do interditando, o que ele prprio j tinha alegado na presena do juiz (VENOSA, 2007, p. 432). Contudo, se foi o prprio membro do MP que deu incio interdio, o juiz nomear curador lide (artigos 1179 e 9, ambos do Cdigo de Processo Civil) (DINIZ, 2007b, p. 613). Alis, Carlos Roberto Gonalves relata a discusso surgida na doutrina e jurisprudncia acerca da nomeao de membro do Parquet como curador lide, de acordo com a disciplina do artigo 9 do CPC. A tendncia, observa Gonalves, a no admisso do Promotor de 56
Justia para o exerccio do encargo, vez que a curadoria lide incompatvel com sua funo precpua, qual seja, a de custus legis. Fala-se, tambm, no mesmo sentido, na inconstitucionalidade do artigo 1182, 1 do Cdigo de Processo Civil. Confira-se, a esse respeito, a redao do artigo 129, IX da Constituio Federal (2007, p. 624). Foro competente o domiclio do interditando, exceto se estiver em local incerto e no sabido ou no tiver domiclio no Brasil, caso em que a ao dever ser proposta no domiclio do requerente (DINIZ, 2007b, p. 613). Essa a melhor interpretao, vez que o Cdigo de Processo Civil no fixa competncia em matria de jurisdio voluntria. Onde houver Vara de Famlia, ser ela a responsvel pelo processamento (VENOSA, 2007, p. 434). No mesmo sentido a lio de Raimundo Nonato de Alencar Dantas e Afonso Tavares Dantas Neto, para quem, por ser a curatela medida de amparo individual mas efeito social, nada mais importante que situar o domiclio do interditando como sede para sua promoo (2001, p. 53).
2.2.3 Procedimento
O rito procedimental da interdio vem disposto nos artigos 1177 e seguintes do Cdigo de Processo Civil ( procedimento especial de jurisdio voluntria), bem como tratado pela Lei de Registros Pblicos (Lei n 6.015/73) (GONALVES, 2007, p. 624). Quanto ao procedimento, h variao de acordo com a causa da interdio. Quando o interesse a curatela de insano mental, deve-se proceder 57
a exame, realizado por mdico especialista, de sua sanidade fsico-psquica. Se restar atestada a sade mental, dever o magistrado ouvir o eventual curatelado, assistido por especialistas (mdicos e psiclogos), de acordo com o teor do artigo 1771 do Cdigo Civil. Observe-se que a interdio no ser decretada se houver contradio entre o laudo mdico e a impresso pessoal do juiz quando do interrogatrio, o que significa dizer que no est o magistrado obrigado a acatar resultado de percia, em razo do interesse pblico sobressalente que cerca a matria. Em tempo: nulo ser o processo em que no houver percia, contudo. No que diz respeito interdio dos prdigos e toxicmanos, o processo tem incio com a citao do interditando, o que no ocorre com o alienado mental (DINIZ, 2007b, p. 614). O artigo 1180 do Cdigo de Processo Civil assim dispe, literalmente: Na petio inicial, o interessado provar a sua legitimidade (por meio da apresentao de certido de nascimento, documento hbil a fazer prova da relao de parentesco existente DINIZ, 2007a, p. 182), especificar os fatos que revelam a anomalia psquica e assinalar a incapacidade do interditando para reger a sua pessoa e administrar os seus bens. A seguir, ser o interditando citado, a fim de que comparea diante do juiz, que o interrogar acerca de seus negcios e bens, com o escopo de verificar sua eventual situao de incapacidade (artigo 1181 do Cdigo de Processo Civil) (GONALVES, 2007, p. 625). Se o oficial de justia constatar que o interditando no tem condies de receber a citao, devido ao seu estado mental frgil, o juiz designar curador especial, sendo o mandado citatrio cumprido em nome dele, de acordo com o artigo 218 do Cdigo de Processo Civil (NADER, 2006, p. 666). 58
A audincia ser feita em segredo de justia (DINIZ, 2007a, p. 153). O juiz far perguntas triviais, para que possa avaliar o estado mental do interditando. Questionar acerca do valor do dinheiro, conhecimentos de fatos da atualidade, nomes de familiares, contas em bancos, patrimnio imobilirio etc. (VENOSA, 2007, p. 433). Se o interditando no puder se locomover, devido ao seu estado clnico, o juiz se dirigir ao seu domiclio, acompanhado do escrevente, do representante do Ministrio Pblico e de seu advogado ou curador especial nomeado para realizar o interrogatrio, lavrando-se, ao final, o termo respectivo (GONALVES, 2007, p. 625). Note-se que o exame pessoal do incapaz somente ser dispensado se se tratar de pessoa gravemente excepcional, de modo que se evitem fraudes. As respostas proferidas pelo interditando sero consignadas no auto de interrogatrio; se este no tiver como se expressar, o juiz descrever detalhadamente seu comportamento (GONALVES, 2007, p. 625). Sobre a importante atuao do magistrado nos processos de interdio, mormente durante o interrogatrio, leia-se trecho da novela A Interdio, de Balzac, que integra a obra A comdia humana, escrita no sculo XIX: Os magistrados, os advogados, os procuradores, todos quanto labutam no terreno judicirio, distinguem dois elementos numa causa: o direito e a eqidade. Somente a eqidade resulta dos fatos, o direito a aplicao dos princpios aos fatos. Um homem pode ter razo por eqidade e no ter razo por justia, sem que o juiz seja censurvel. Entre a conscincia e o fato h um abismo de razes determinantes desconhecidas do juiz e que condenam ou legitimam um fato (apud MEDEIROS, 2007, p. 104).
O prazo para impugnao, por parte do interditando, de cinco dias (artigo 1182, caput, do Cdigo de Processo Civil) findo o qual o juiz nomear perito para examin-lo, a no ser que j esteja convencido de sua deficincia, 59
pela apresentao de documentos ou pela impresso pessoal quando do interrogatrio (DINIZ, 2007b, p. 614). Frise-se que esse exame pericial somente pode ser dispensado em situaes excepcionais, ante a necessidade de se fazer prova robusta da incapacidade, tendo em vista a relevncia dos efeitos do instituto da curatela. Se no estiver convencido, pode o magistrado, at mesmo, solicitar a feitura de nova percia, com respaldo no artigo 437 do Cdigo de Processo Civil (GONALVES, 2007, p. 626 e 627). Interessante mencionar, nesse ponto, que a determinao da incapacidade, como se v, ser resultado do encontro entre duas prticas e saberes: direito e medicina que, juntos, tm o poder de atribuir ao sujeito determinado papel (MEDEIROS, 2007, p. 98). Tambm o momento para que se nomeie curador lide para o interditando, caso ele no tenha constitudo procurador que atue em prol de seus interesses. Relevante, ainda, dizer que qualquer parente sucessvel est apto a nomear advogado para o interditando, responsabilizando-se pelos honorrios advocatcios respectivos, conforme o que se l no artigo 1182 do Cdigo de Processo Civil (GONALVES, 2007, p. 626). Uma vez apresentado o laudo, o juiz designar dia e hora para a audincia de instruo e julgamento (no h que se falar em audincia de tentativa de conciliao, por incabvel do ponto de vista tcnico, j que se trata de litgio acerca de direitos personalssimos NADER, 2006, p. 666) (artigo 1183 do Cdigo de Processo Civil), desde que haja necessidade de produo de outras provas. Se for esse o caso, indispensvel a concesso de oportunidade ao suposto incapaz para que prove sua sanidade. Pode, mesmo, o interditando indicar assistente tcnico para acompanhar a percia e criticar o 60
laudo (GONALVES, 2007, p. 627). A presena do assistente, cuja manifestao por vezes completamente contrria ao laudo do perito, no pode ser negada, mormente quando o interditando impugnou a pretenso (VENOSA, 2007, p. 434). A seguir, decidir o juiz acerca da incapacidade, interdio e conseqente estabelecimento de curador. Acatada a interdio, na prpria sentena o magistrado nomear curador, conforme o artigo 1775 do Cdigo Civil (NADER, 2006, p. 666). A sentena que constitui a curatela, desta feita, coloca os bens e interesses do interdito nas mos do curador, que dever exercer o encargo pessoalmente. Pode, inclusive, em se tratando dos deficientes mentais, brios habituais, viciados em txicos e excepcionais sem completo desenvolvimento mental, a deciso determinar a incapacidade absoluta ou parcial do interdito, situaes em que se defere, respectivamente, a curatela plena ou limitada, de acordo com o artigo 1772 do Cdigo Civil (DINIZ, 2007b, p. 615). No caso dos interditos referidos nos incisos I e II do artigo 1767 do Cdigo Civil (enfermos ou deficientes mentais sem o necessrio discernimento e aqueles que, por outra causa duradoura, no puderem exprimir a sua vontade), o legislador no explicitou a possibilidade de estabelecimento de limites para a curatela. Os curatelados inseridos nos incisos I, III e IV do artigo 1767 do Cdigo Civil, reafirme-se, sero internados em estabelecimento adequado, se no se adaptarem ao convvio domstico (GONALVES, 2007, p. 628). A sentena ser publicada pela imprensa local e pelo rgo oficial, por trs vezes, bem como ser registrada em livro prprio no Cartrio do 1 Ofcio do Registro Civil da comarca em que for prolatada (em livro especial para as 61
emancipaes, interdies e ausncias, de acordo com a disciplina do artigo 89 da Lei de Registros Pblicos NADER, 2006, p. 666). Pontes de Miranda lembra-nos que o assento no registro civil e publicao de edital so condies sine qua non para que a deciso opere efeitos erga omnes (artigo 9, III, CC) (apud DINIZ, 2007a, p. 153). A partir desse momento, no podem terceiros alegar o desconhecimento do estado do incapaz (GONGALVES, 2007, p. 628). Frise-se que essa deciso gera efeitos desde logo, ainda que seja passvel de recurso (apelao, sem efeito suspensivo, todavia artigos 1773 do Cdigo Civil e 1184 do Cdigo de Processo Civil) (DINIZ, 2007b, p. 615). Inclusive, tem essa sentena execuo provisria, e se for reformada pelo tribunal so vlidos os atos praticados entre terceiro e curador, na pendncia do recurso interposto, j que se deram na vigncia da interdio (DINIZ, 2007a, p. 184). Reafirme-se que o juiz pode determinar a administrao provisria dos bens do interdito, desde que necessria para a manuteno de seus interesses financeiros, j que, por vezes, a fonte pagadora do incapaz se recusa a fazer o depsito de proventos ou penso, alegando justamente a incapacidade. A administrao provisria tem prazo de validade, e deve ser exercida prioritariamente por aqueles a quem a lei atribui a curatela (NADER, 2006, p. 667). Maria Berenice Dias entende, porm, que a administrao provisria medida desnecessria diante do largo uso que se faz, atualmente, da tutela antecipada e das medidas cautelares inominadas, caso em que se poderia pedir a antecipao dos efeitos da curatela (2007, p. 552). J se falou, outrora, em curador provisrio, expresso criticada por Jander Maurcio Brum, posto 62
que a curatela deve ser antecedida pela interdio, no podendo ser provisria. O melhor, como j se disse, falar em administrador provisrio (1995, p. 113). Por fim, diga-se com Castel que, de todo modo, quer seja total ou parcial, definitiva ou provisria, a excluso, no sentido prprio da palavra, sempre o desfecho de procedimentos oficiais e representa um verdadeiro status. uma forma de discriminao negativa que obedece a regras estritas de construo (apud MEDEIROS, 2007, p. 105).
2.2.4 Natureza jurdica da sentena de interdio
Discute-se, em primeiro lugar, se o pronunciamento judicial exarado no processo de interdio ou no sentena. Isso por se tratar de jurisdio voluntria, caso em que se est diante de deciso administrativa, vez que a sentena ato puramente jurisdicional, que pressupe lide a ser resolvida, o que inexiste na interdio. Edson Prata sustenta que no rito da interdio h sentena como ocorre nos procedimentos contenciosos, j que o prprio Cdigo de Processo Civil (artigo 1184) que adota a expresso para identificar a deciso final prolatada tanto em procedimento contencioso como em procedimento de jurisdio voluntria (apud DINIZ, 2007a, p. 183). Uma vez proferida a sentena, nulos ou anulveis so os atos praticados pelo interdito, conforme seja a interdio plena ou limitada. Ademais, a doutrina entende nulos ou anulveis mesmo os atos praticados antes da decretao da curatela, se restar comprovada a incapacidade, total ou parcial, no momento da prtica do ato (DINIZ, 2007b, p. 615). 63
Donde possvel concluir que parte da doutrina (de que so exemplares Rogrio Lauria Tucci e Humberto Theodoro Jnior, arrolados por Maria Helena Diniz) entende serem ex nunc os efeitos da sentena que determina a curatela, visto se tratar de sentena constitutiva 2 . A par dessa tese, a prpria Maria Helena Diniz defende posio antagnica no sentido de considerar ex tunc os efeitos da deciso que decreta a curatela, j que, como visto, mesmo os atos praticados antes da prolao da deciso so tidos como nulos ou anulveis, caso em que se deve considerar a sentena constitutiva e declaratria ao mesmo tempo (2007b, p. 615). A autora traz baila posicionamento de Lafayette Rodrigues Pereira no sentido de considerar sentena que decreta a interdio meramente declaratria. Mas, continua, no que tange ao momento da eficcia da deciso seus efeitos so ex nunc, vez que comea a valer a partir de sua prolao, ainda antes do trnsito em julgado (artigo 1184, CPC). Assim que alguns autores defendem o carter declaratrio da deciso no sentido de reconhecer a molstia mental, e constitutiva em seus efeitos (2007a, p. 154). de Maria Helena Diniz a seguinte lio, in verbis: Por isso, a sentena de interdio tem natureza mista, sendo, concomitantemente, constitutiva e declaratria. Temos constitutividade do regime curatelar e declaratividade da existncia do pressuposto que o justifica. Realmente, no cria ela a incapacidade do insano, esta nasce da demncia (quaestio facti), confirme-se to-somente a suposio de quem a promoveu, acautelando interesses de terceiros, interditando o incapaz e providenciando sobre sua pessoa e bens. Logo, constitutiva com eficcia declaratria, produzindo efeitos ex tunc. No deixa de ser declaratria no no sentido de que todas as sentenas o so, mas no de declarar a incapacidade
2 Sentena declaratria a que declara a existncia ou inexistncia de uma relao jurdica, gerando efeitos ex tunc, quer dizer, retroagindo poca em que se formou a relao jurdica em questo. Sentena constitutiva, por sua vez, a que declara a existncia de uma relao ou situao jurdica preexistente, criando, modificando, ou a extinguindo, produzindo efeitos ex nunc, em geral, e, excepcionalmente, efeitos ex tunc, quando houver previso legal nesse sentido. Sentena condenatria, por fim, a que declara um direito e comina uma sano (DINIZ, 2007a, p. 183). 64
de que o interditando portador. Mas , ao mesmo tempo, constitutiva de uma nova situao jurdica quanto capacidade da pessoa que, ento, ser considerada legalmente interditada (2007a, p. 185).
Carlos Roberto Gonalves sustenta que a sentena no constitutiva, mas apenas declaratria, por no criar o estado de incapacidade, mas apenas declarar sua existncia (que decorrente da alienao mental do interditando) (2007, p. 637). Silvio Rodrigues, por sua vez, afirma que uma vez decretada a interdio por doena mental, os atos praticados pelo interdito so nulos, conforme o artigo 166, I do Cdigo Civil; se o ato for, todavia, praticado antes da decretao da interdio, apenas anulvel, desde que se comprove a existncia da doena poca da realizao do negcio jurdico. Essa a soluo largamente apontada pela jurisprudncia, sinaliza o autor, embora ele prprio discorde, defendendo posio segundo a qual no se devem anular os atos praticados pelo enfermo mental quando a pessoa que contratou com ele desconhecia a situao de incapacidade. Ao contrrio, se era notria a falta de lucidez, ou se poderia ser apurada com investigao simples, anulvel o negcio jurdico, j que no h mais que se falar em proteo boa-f de terceiro, por segurana jurdica (2004, p. 422). Slvio de Salvo Venosa, por sua vez, afirma que o Cdigo Civil conferiu caracterstica eminentemente declaratria sentena que decreta a interdio, muito embora, conceitualmente, tal deciso tenha carter constitutivo. Assim, continua o autor, a incapacidade firmada no retroage a perodo anterior (efeitos ex nunc). Em sede de atos praticados antes da declarao da interdio, deve ser proposta ao de nulidade do negcio jurdico praticado pelo agente, em prol do terceiro de boa-f, caso em que, se restar comprovada 65
a existncia, no momento da celebrao do ato jurdico em questo, da incapacidade do interdito, deve tal ato ser anulado, a fim de que se preserve a segurana nas relaes jurdicas. Nesse sentido o entendimento do STJ, manifestado na deciso ora transcrita, colacionada pelo mesmo Venosa: Para resguardo da boa-f de terceiros e segurana do comrcio jurdico, o reconhecimento de nulidade dos atos praticados anteriormente sentena de interdio reclama prova inequvoca, robusta e convincente da incapacidade do contratante (STJ 4 Turma, RE 9.077-RS, Rel. Min. Slvio de Figueiredo) (2007, p. 435).
Maria Berenice Dias entende constitutiva a sentena que declara a interdio, vez que tem relao com o estado da pessoa. Segundo a autora, tal sentena tem efeitos ex nunc, tornando nulos apenas os atos praticados depois de sua publicao (2007, p. 551). Sobre serem anulveis ou nulos os atos praticados antes da prolao da sentena de interdio, Maria Helena Diniz entende anulveis, podendo ser assim declarados mediante a produo de prova segundo a qual foram praticados em poca em que a insanidade mental j se manifestava. J Jos Carlos Barbosa Moreira, citado pela prpria Maria Helena Diniz, afirma a nulidade desses atos, desde que comprovada a incapacidade preexistente, posto que, de todo modo, so atos praticados por pessoa incapaz de discernir (2007a, p. 186). Acrescente-se, em tempo, que a declarao de nulidade ou anulao dos atos praticados antes da interdio s pode ser obtida por meio de ao autnoma, j que o processo de interdio especial e destinado, exclusivamente, decretao da prpria interdio. Admite-se, porm, a utilizao de laudo em que se fundou a sentena de interdio para corroborar a nulidade ou anulao de ato praticado outrora pelo agora interdito. O laudo 66
tem o condo de afirmar a existncia, prvia interdio, da situao de incapacidade do interdito. De inspirao francesa a corrente, aplicada no Brasil atual, segundo a qual o ato praticado pelo deficiente mental antes da interdio somente ser considerado nulo se o estado de loucura era de conhecimento pblico, de maneira que restem resguardados direitos de terceiros que negociaram com o curatelado, desconhecedores de sua situao de incapacidade (GONALVES, 2007, p. 637). A interdio ser desfeita se for provada a cessao da causa que lhe deu origem. Assim o entendimento do legislador, externado no artigo 1186 do Cdigo de Processo Civil. O procedimento tem incio por provocao do Ministrio Pblico ou de interessado (artigo 1104 do CPC) e ser apensado aos autos do processo de interdio (para tanto, os autos de interdio sero desarquivados NADER, 2006, p. 672). O curador ser citado, vez que est sujeito aos efeitos da sentena (DIAS, 2007, p. 552). A seguir, o juiz nomear perito, a fim de que se proceda a exame de sanidade mental do curatelado (RODRIGUES, 2004, p. 423). Aps a apresentao do laudo, designar audincia de instruo e julgamento (artigo 1186, 1, CPC). Acolhido o pedido, ser decretado o levantamento da interdio, sendo a sentena publicada, depois do trnsito em julgado, na imprensa local e oficial por trs vezes, com intervalo de dez dias, seguindo-se a averbao no Registro de Pessoas Naturais ( 2). Pode, tambm, o juiz levantar parcialmente a interdio, permitindo ao curatelado a prtica de alguns atos, de acordo com a melhora em seu estado mental clnico (GONALVES, 2007, p. 638). Tal sentena, observe-se, deve ser levada a registro no cartrio competente e publicada para conhecimento de terceiros (artigos 1184 e 1186 67
do Cdigo de Processo Civil e artigo 29, V e 104 da Lei de Registros Pblicos, Lei n 6.015/73).
2.3 Curatela
2.3.1 Conceito
Maria Helena Diniz define a curatela, baseada em Clvis Bevilqua, Espnola, Washington de Barros Monteiro e Yussef Cahali, como o encargo pblico atribudo a algum para cuidar e zelar pelos bens de pessoas maiores inaptas a faz-lo sozinhas, em razo de doena mental (2007b, p. 602). Tambm menores emancipadas (NADER, 2006, p. 653). Outrossim, Silvio Rodrigues inclusive transcreve ipsis litteris conceito de Clvis Bevilqua, qual seja: Curatela o encargo pblico, conferido, por lei, a algum, para dirigir a pessoa e administrar os bens de maiores, que por si no possam faz-lo (apud RODRIGUES, 2004, p. 411). Theodor Kipp e Martin Wolff j definiam, em 1952, a curatela como sendo: [...] por concepto una asistencia tutelar que se distingue de la tutela por delimitacin de su cometido o porque el sujeto a la curatela no carece de capacidad. [...] Slo puede designarse curador em los casos en que lo permite la ley [...] (p. 445).
A capacidade se presume, ao passo que a incapacidade deve ser comprovada. Isso significa dizer que, a princpio, todo maior capaz; sua 68
eventual incapacidade deve ser comprovada em procedimento jurdico prprio (VENOSA, 2007, p. 422). Regra geral, trata-se de munus pblico pelo qual se encarrega algum de dirigir a pessoa e os bens de maior incapaz (DINIZ, 2007b, p. 602). encargo pblico, tal qual o so, tambm, a tutela, o servio militar e eleitoral e o Jri, imposto pelo Estado em prol do bem-estar coletivo (VENOSA, 2007, p. 422). Porm, ocorre a curatela em situaes outras, o que acaba por tornar complexo o instituto, dificultando sua conceituao. Chega mesmo a atingir menores e nascituros, alm de pessoas que estejam no gozo de sua capacidade, da a complexidade da situao. Orlando Gomes informa ser a curatela do maior incapaz de carter permanente, ao passo que a curatela de pessoas que possam exercer de modo pleno sua capacidade tida como temporria (apud DINIZ, 2007b, p. 602). Carlos Roberto Gonalves, a par da preocupao com a extenso da definio de curatela tambm aos maiores capazes, menores e nascituros, cita Caio Mrio da Silva Pereira, para quem a curatela ou curadoria O cargo conferido por lei a algum, para reger a pessoa e os bens, ou somente os bens, de indivduos menores, ou maiores, que por si s no o podem fazer, devido a perturbaes mentais, surdo-mudez, prodigalidade, ausncia, ou por ainda no ter nascido (apud GONALVES, 2007, p. 607).
Note-se o principal objetivo do legislador quando da criao do instituto, qual seja, a gesto patrimonial, de modo a evitar a runa do incapaz e sua conseqente dependncia do Estado (VENOSA, 2007, p. 422). Na verdade, so mltiplas as preocupaes do legislador, que fizeram desembocar na criao da curatela. Primeiramente, h que se proteger o incapaz, que no pode ser abandonado prpria sorte, em situao de falta de 69
lucidez. Tambm no se olvide da famlia, tendo em vista os laos de afeto que a unem ao incapaz, bem como o interesse na preservao do patrimnio do grupo, que no pode restar prejudicado pela falta de discernimento de um parente. Ademais, o grupo social, de modo geral, no deve ficar vulnervel a atitudes insanas. Por fim, atente-se para o interesse pleno do Estado em proteger aquele que no pode responder por sua pessoa e bens, vez que representaria nus para a Administrao Pblica arcar com sua manuteno. De fato, tm natureza privada as normas regentes da curatela, por se tratar de evidente instituto de Direito Civil. Conquanto isso seja acertado, tais normas so cogentes ou taxativas (NADER, 2006, p. 654), o que significa dizer no poderem ser alteradas pelo bel-prazer das partes envolvidas. A par das diversas situaes abrangidas pela medida, de se perceber a dificuldade em estabelecer conceito unvoco de curatela. Alis, segundo os romanos, omne definitio periculosa est (leia-se, toda definio perigosa), e, no se tenha dvida, definitio est initium omni disputationi, isto , a definio o princpio para toda disputa (NADER, 2006, p. 655). Desse modo, interessante transcrever a definio do prprio Paulo Nader, literalmente (ainda que, evidentemente, no abranja todas as hipteses legais de curatela): A curatela um instituto de Direito Privado, formado por normas de ordem pblica, destinado a amparar pessoa maior, ou menor pbere, que, em razo de enfermidade mental ou deficincias outras de sade, no possui condies de gerir sua pessoa e bens, ou apenas estes, dotando-a de curador, pessoa que ir zelar por seus interesses, suprindo-lhe a incapacidade (2006, p. 655).
Do ponto de vista etimolgico, curador descende de curare, que quer dizer cuidar (essa a funo precpua do curador: cuidar dos interesses do maior incapaz) (VENOSA, 2007, p. 422). Idntica a acepo de De Plcido e Silva, 70
para quem curatela possui o sentido etimolgico de cuidar, curar ou tratar pessoa estranha e seus negcios (apud BRUM, 1995, p. 31). Carlos Roberto Gonalves enumera cinco caractersticas determinantes da curatela, quais sejam: seus fins so eminentemente assistenciais ( o terceiro instituto assistencialista previsto no Direito de Famlia, depois do poder familiar e da tutela), seu carter publicista (porquanto dever do Estado zelar pela integridade dos incapazes; o Estado delega essa funo pessoa maior e capaz de exercer o munus), alm de supletivo da capacidade (ao curador compete representar ou assistir o curatelado, dependendo do grau de incapacidade, conforme j se analisou linhas acima), temporria, perdurando pelo tempo em que existir a situao de incapacidade que lhe deu causa (cessa, pois, a medida, em se tratando de loucura ou surdo-mudez quando desaparece a causa fsica que a motivou; j no que tange menoridade, finda a curatela com a maioridade ou a emancipao), e sua decretao depende de inequvoca constatao de incapacidade, comprovada em processo judicial de interdio, cujo procedimento especial de jurisdio voluntria vem elencado nos artigos 1177 e seguintes do Cdigo de Processo Civil (2007, p. 609 e 610), seja ela plena ou absoluta.
2.3.3 Evoluo histrica do instituto
Tutela e curatela, ambos institutos de carter assistencialista, integrantes do Direito de Famlia, estiveram quase unificados a partir de Justiniano, no Direito Romano Oriental (VENOSA, 2007, p. 421). A curatela 71
um tipo de capitis deminutio, pois modifica o estado da pessoa no sentido de que o capaz se torna incapaz (VENOSA, 2007, p. 424). A princpio, defina-se a incapacidade luz do Direito Romano. Absolutamente incapazes eram os infantes (os que no sabiam falar, nos perodos pr-clssico e clssico, e as crianas at sete anos de idade, no direito ps-clssico), os infatiae proximi (no direito pr-clssico) e os doentes mentais (furiosi, dementes e mentecapti), a menos nos intervalos de lucidez, o que s poderia acontecer com os furiosi. Relativamente incapazes eram as crianas sadas da infncia (infantiae proximi, nos perodos clssico e ps- clssico, e os pubertati proximi), as mulheres (at o sculo IV d. C., quando adquiriram capacidade), os prdigos e, apenas no perodo ps-clssico (j que no clssico eram capazes), os pberes 3 de ambos os sexos, desde que menores de vinte e cinco anos de idade (ALVES, 1986, p. 379). Os absolutamente incapazes no estavam autorizados a praticar quaisquer atos, vez que se considerava no terem vontade. J os relativamente incapazes somente no poderiam realizar atos que implicassem na diminuio de seu patrimnio. Quando so alieni iuris os absoluta e relativamente incapazes, no h qualquer dificuldade em relao administrao de seus bens, uma vez que tais pessoas no possuem patrimnio, sendo esse da propriedade exclusiva do paterfamilias, encarregado da manuteno integral do incapaz. Quando, porm, o incapaz sui iuris, quem administra seus bens o tutor ou o curador, dependendo da situao concretamente considerada (ALVES, 1986, p. 379 a 380).
3 Pbere o menor que chegou puberdade, entendida essa como adolescncia (HOUAISS, 2001, p. 2330).
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Evolutivamente falando, no direito romano pr-clssico a curatela era instituto de proteo aos futuros herdeiros do incapaz (consistia na gesto patrimonial dos bens do curatelado realizada pelo curador), tanto que seria exercida pelos parentes agnados mais prximos do incapaz, ou, na falta deles, pelos gentiles mais chegados, quer dizer, seus herdeiros. Era, pois, a curatela instituto de direito privado, no havendo em sua seara qualquer interveno do Estado. No perodo clssico do direito romano ainda imperava tal concepo, embora tivesse deixado de ser medida voltada proteo dos herdeiros do incapaz para se tornar soluo em prol do prprio curatelado. Nesse nterim, tornou-se a curatela encargo pblico, o que se denota pela impossibilidade de recusa ao seu exerccio, exceto nas situaes expressamente autorizadas por lei (ALVES, 1986, p. 381). Eram tutela e curatela medidas diversas, na medida em que a curatela se aplicava aos incapazes por causa anormal (aqueles acometidos de doena mental: furiosi, dementes e prdigos), ao passo que a tutela era exercida sobre os incapazes por fato normal, tais quais os impberes e as mulheres. Na tutela, era permitido ao tutor administrar o patrimnio do pupilo de duas formas, quais sejam: agindo como seu representante indireto ou integrando sua vontade; na curatela somente era permitido ao curador gerir os bens do curatelado (negotium gerere). No direito romano ps-clssico surgiu a curatela dos pberes menores de vinte e cinco anos, situao em que ao curador era permitido se valer dos dois modos de administrao do patrimnio do curatelado: negotium gerere e auctoritatis interpositio (ALVES, 1986, p. 382). Ainda no que diz respeito s semelhanas e diferenas entre os institutos da tutela e da curatela no direito romano, h que se dizer que a tutela acarreta verdadeiro poder a ser usufrudo por seu titular, ao passo que a 73
curatela, tambm tida como poder, se desenvolve em consonncia com o poder familiar, com ele se coadunando, mas tendo finalidade prioritariamente patrimonial. Assim, tem-se que na Roma Antiga, tutor datur personae, curator rei, o que, em parte, inverdico, posto que tambm a curatela dada a uma pessoa (CORRA; SCIASCIA, 1988, p. 110). A tutela, portanto, implica a subordinao total do pupilo, impbere, ao tutor, encarado como substituto do poder do pater; a curatela pressupe preocupao patrimonial com os interesses do curatelado. Ao longo da evoluo romana, todavia, tutela e curatela muito se aproximaram, mormente a partir da obra de Justiniano, como j se afirmou linhas acima; e, saliente-se, a tendncia tem sido a preocupao com o sujeito, no com o que interessa sua famlia. So paralelos os institutos no sentido de serem tratados pelo mesmo magistrado, terem, igualmente, tutor e curador, obrigao de aceitar o encargo, e poderem igualmente se valer das chamadas escusas. Diferem quanto s pessoas a quem se dirigem, bem como pelo fato de no poder ser o tutor nomeado por ato especial, como se opera com o curador, e por no haver curatela testamentria, nos moldes da tutela (CORRA; SCIASCIA, 1988, p. 110). No que diz respeito exclusivamente curatela, diga-se que, originalmente, o instituto tem vistas proteo dos interesses familiares, de modo geral, o que se denota pela proteo do patrimnio do naturalmente incapaz. So vrios os tipos de cura romana, dos quais em apenas alguns se fala na gesto ampla dos bens do curatelado. Note-se, no entanto, que os romanistas no chegaram a um consenso sobre os trs termos que mais comumente designam os alienados mentais: furiosi, dementes e mentecapti. Ainda hoje h dvidas quanto diferena de sentido entre eles. Predomina a 74
opinio segundo a qual os furiosi eram os loucos com intervalos de lucidez, enquanto os mentecapti sofriam de loucura contnua, sem intervalos. Os autores que dessa maneira entendem acreditam que no perodo pr-clssico, conforme o teor da Lei das XII Tbuas, somente existia a curatela dos furiosi. No direito clssico, por sua vez, a medida curatelar foi estendida aos dementes (mentecapti). De outro lado, h estudiosos da matria que defendem a designao furiosus como sendo atribuda a qualquer alienado mental, donde possvel inferir que, no direito pr-clssico, a curatela furiosi abarcava todas as espcies de alienao mental, no tendo sido ela estendida, no direito clssico, aos dementes, que nela j incidiam desde h muito. No direito ps-clssico falou-se em intervalo de lucidez; da a distino entre os furiosi e os dementes (ou mentecapti, que tinham inteligncia reduzida NADER, 2006, p. 656) (ALVES, 1986, p. 405).Tem-se, portanto: 2.3.3 a) Cura furiosi, prevista na Lei das XII Tbuas, Tbua Quinta, item 8, literalmente: Se algum torna-se louco ou prdigo e no tem tutor, que a sua pessoa e seus bens sejam confiados curatela dos agnados e, se no h agnados, dos gentios (apud VIEIRA, 1994, p. 141), disposta quele que, na oportunidade da morte do paterfamilias, tem seu estado de loucura constatado. Compete, nesse caso, ao agnado mais prximo administrar seu patrimnio. Na falta dele, a curatela compete aos gentiles. Se o louco sarar, extinta ser a medida que, ao revs, somente ser suspensa nos intervalos de lucidez (CORRA; SCIASCIA, 1988, p. 114). Como no havia interdio do louco, tal qual ocorre hodiernamente, a determinao da medida decorria da simples manifestao da loucura. Dessa maneira, o alienado mental ficava sob curatela at que se curasse ou morresse, no sendo levados em conta eventuais intervalos de lucidez. Acerca 75
disso, Justiniano determinou que deveria a medida curatelar restar suspensa durante o espao de tempo em que o curatelado estivesse lcido, retornando, imediatamente, ao poder do curador uma vez que se desse recada (ALVES, 1986, p. 406). No direito do perodo pr-clssico apenas se falava na existncia da curatela legtima, que quer dizer que o curador seria sempre parente do incapaz (agnados e, na falta deles, os gentiles). J no direito clssico, no era deferida a curatela somente em favor dos parentes, mas de igual modo seria exercida por pessoa estranha (curatela dativa, situao em que, em sede testamentria, deveria o paterfamilias indicar curador a fim de cuidar dos interesses do incapaz). Se no houvesse testamento, a curatela seria conferida a um parente agnado, ou, na falta deles, gentiles (ALVES, 1986, p.406). Caso a nomeao no parecesse adequada aos olhos do pretor, poderia designar pessoa outra que lhe parecesse apta ao desempenho da questo. A diferena entre curatela legtima e testamentria apenas desapareceu do ordenamento jurdico no Imprio Romano do Oriente, com Justiniano. O curador quem administra os bens do louco, tendo sobre eles poderes amplos de alienao, inclusive (lembre-se que tais poderes somente desapareceram no sculo III d. C.) As aes porventura movidas pelo curador sero discutidas por meio das actiones negotiorum gestorum (aes de gestes de negcios). Nessa senda, debatero os autores se tais obrigaes eram diretas ou teis (ALVES, 1986, p.406); 2.3.3 b) Cura prodigi, tambm com previso na Lei das XII Tbuas (mesmo item 8 da Tbua Quinta, retro citado), cabvel ao prdigo, entendido esse como aquele que desbaratava seus bens. A curatela seria exercida pelos agnados do incapaz, responsveis pela administrao do patrimnio da famlia 76
(CORRA; SCIASCIA, 1988, p. 114). Na falta deles, pelos gentiles. Ausentes as duas categorias de parentes, o magistrado poderia nomear curador sujeito indicado pelo paterfamilias em sede de testamento, ou outra pessoa idnea (ALVES, 1986, p.408). Note-se que no perodo pr-clssico do direito romano prdigo era apenas aquele que gastava desordenadamente os bens que recebera por herana de seu pai; portanto, a proteo era somente dos bens familiares (s os ingnuos poderiam seriam tidos como prdigos). J no perodo clssico, prdigo era aquele que dilapidava seu patrimnio, qualquer que tenha sido a origem deste (tambm os libertos e os filhos emancipados poderiam se sujeitar prodigalidade). A determinao da prodigalidade dependia, necessariamente, de sentena de interdio prolatada pelo pretor, diferentemente do que ocorria com os loucos (ALVES, 1986, p. 408). Eram duas as conseqncias de tal decretao: o prdigo perdia a administrao de seus bens, que passava ao curador, assim como o ius commerci e estava impedido, por ter se tornado incapaz, de praticar atos, por si s, que diminussem seu patrimnio, restando autorizada, somente, a prtica de situaes que incrementassem seus haveres. O curador do prdigo tinha poderes semelhantes ao do curator furiosi. Extinguia-se tal curatela quando do falecimento do prdigo, caso em que, segundo a maioria dos romanistas, havia necessidade de revogao expressa, pelo pretor, do decreto que determinara a interdio (ALVES, 1986, p. 408); 2.3.3 c) Cura minorum XXV annorum, j mencionada linhas acima, surgida depois da Lei Plaetoria, no sculo II a. C. (perodo ps-clssico do direito romano). Era exercida em relao aos menores de vinte e cinco anos de idade, de modo que o curador estava encarregado de intervir nos atos por eles 77
praticados, para evitar fossem enganados, impedindo sua posterior anulao, mesmo que a pedido do prprio menor. Depois de Marco Aurlio, tal tipo de curatela ganhou ares de tutela (CORRA; SCIASCIA, 1988, p. 114). No governo de Justiniano, era provvel que tais menores fossem considerados capazes de fato. Competia ao prprio menor pbere, fosse homem ou mulher, a escolha de seu curador, conquanto a nomeao devesse ser feita pelo magistrado, que, inclusive, poderia confirmar nome sugerido pelo pai do menor em testamento. Para realizar dbitos ou alienar bens, o menor necessitava do consensus do curador, autorizao assemelhada auctoritas do tutor. Ademais, o curador ou curadores (j que se admitia a pluralidade de representantes), uma vez que quisesse declinar do encargo, deveria apresentar escusa admissvel. Poderia ele administrar os bens do menor pbere de vinte e cinco anos, ou se limitar a dar seu consentimento (consensus) nos negcios jurdicos em que ele era requisitado. Tinha o curador responsabilidade idntica ao do tutor. Poderia, mesmo, alienar bens do curatelado, exceto as coisas imveis ou mveis de valor (ALVES, 1986, p. 411). Com vinte anos de idade, por outro lado, os vares eximiam-se da curatela, o mesmo se dando com as mulheres de dezoito, desde que tivessem, homens e mulheres, boa conduta (obteriam a chamada venia aetatis do imperador, por meio da qual estavam autorizados a celebrar, dissociados do curador, negcios jurdicos diversos da doao ou alienao de coisas imveis ou mveis de valor - ALVES, 1986, p. 411). O curador tinha a responsabilidade de administrar o patrimnio do curatelado, atravs da actio negotiorum gestorum. No direito Justiniano h um juzo especial contra o curador, o curationis iudicium. Outros tipos de curatelas particulares so aquelas 78
exercidas pelo curator ventris, em prol dos interesses do nascituro, os diversos curatores bonorum, encarregados da administrao do patrimnio dos prisioneiros de guerra, ausentes por motivo oficial, devedor insolvente que cedeu seus bens aos credores, de modo a evitar a infmia, e o curador da herana nos casos em que ela ainda no foi adida pelos herdeiros voluntrios (CORRA; SCIASCIA, 1988, p. 114). Em legislao anterior, de que so exemplos significativos o Cdigo de Hamurabi, de origem mesopotmica, datado, aproximadamente, de 1754 a. C., e o Cdigo de Manu (livros oitavo e nono), proveniente da ndia, em torno de 1000 a. C., no h meno curatela nem a instituto a ela assemelhado (VIEIRA, 1994). Na Idade Mdia, acobertados pela noo de caridade, os hospcios comearam e exercer funo de verdadeiro controle social, j que isolavam da comunidade os desviados e excludos, tais como os leprosos e pestilentos. Ao depois, durante o Antigo Regime, estas casas abrigavam os grupos considerados potencialmente perigosos: loucos, pecadores, sifilticos, deficientes, pobres, vagabundos, criminosos, prostitutas, rfos, idosos, desempregados e marginais (grifamos) (MEDEIROS, 2007, p. 83). O Cdigo Civil francs de 1804, de Napoleo Bonaparte, trazia previso da interdio dos incapazes, com sua conseqente privao da liberdade, somente aps julgamento em que se deveria garantir o interrogatrio do suposto incapaz. Bem se v, da, a proteo ao contraditrio, ou direito de defesa do interditando em relao decretao unilateral de sua incapacidade (MEDEIROS, 2007, p. 85). A Consolidao das Leis Civis, de Teixeira de Freitas, vigente antes da edio do Cdigo Civil de 1916, encarava o incapaz como verdadeiro estorvo 79
social, como de se depreender da leitura de sue artigo 311, assim disposto, in verbis: Logo que o Juiz dos rfos souber que em sua jurisdio h algum demente, que pela sua loucura possa fazer mal, entrega-lo- a um curador, que administre sua pessoa e bens. O alvo da proteo era, nitidamente, a sociedade, no o insano (NADER, 2006, p. 656). O Cdigo Civil de 1916 cuidou do instituto da curatela nos artigos 446 e seguintes. Por aquele diploma civil, estavam sujeitos curatela os loucos de todo o gnero, os surdos-mudos sem educao que os tornasse hbeis a expressar sua vontade, e os prdigos (VENOSA, 2007, p. 421). De acordo com a disciplina do Cdigo Civil de 1916, alis, eram tidos como vlidos os atos praticados pelo amental em intervalo de lucidez, o que no mais acontece, de acordo com a previso do Cdigo Civil de 2002 (RODRIGUES, 2004, p. 415). A curatela do prdigo remonta ao Direito Romano, poca em que o patrimnio era propriedade comum e sua destruio refletia sobre todo o grupo familiar, como j se observou linhas acima. A interdio, nesses casos, era decretada em prol da coletividade (VENOSA, 2007, p. 428). Na disciplina de 1916, tal curatela tinha como finalidade a proteo da famlia daquele que dissipa de modo desvairado seu patrimnio. Tanto que, conforme o artigo 460 daquele Cdigo Civil, a interdio do prdigo s poderia ser feita se houvesse cnjuge, ascendentes ou descendentes que a promovessem. Caso tais parentes no existissem, levantada seria a interdio, cujo escopo mximo era a proteo daquelas pessoas. Tal restrio no foi renovada pelo legislador de 2002 (RODRIGUES, 2004, p. 417). No que tange aos limites da curatela no Cdigo Civil de 1916, tem-se que nos casos de loucura a curatela abrangia todos os atos da vida civil por se 80
tratar de notria incapacidade plena do interdito. Em se tratando do surdo- mudo, deveria o magistrado diminuir alguns dos efeitos da interdio, se entendesse que a inaptido do curatelado no era plena, podendo ele praticar atos tidos como de menor importncia. Silvio Rodrigues considerava sbia tal gradao permitida pela lei (2004, p. 418). O mesmo autor informa que algumas leis que se seguiram ao Cdigo Civil de 1916 modificaram a matria. So de relevo as alteraes que se referiam ao psicopata, as que incluram os viciados em txicos entre os incapazes, assim como as que estabeleceram graus de incapacidade a fim de limitar a interdio e as que criaram a figura do administrador provisrio (2004, p. 412). Detalhe-se, pois: o Cdigo Civil de 1916 utilizava a expresso loucos de todo o gnero (absolutamente incapazes, que s poderiam praticar atos jurdicos quando representados por seu curador; eram includos no grupo dos incapazes por meio de sentena que decretava sua interdio), o que acabou sendo substitudo pelo termo psicopata (portador de psicopatologia ou molstia mental ou de qualquer anomalia psquica; hoje a psiquiatria distingue o psicopata do psictico e do neurtico RODRIGUES, 2004, p. 413), aventado pelo Decreto n 24.559/34 (RODRIGUES, 2004, p. 412). Tal norma dispunha que o psicopata recolhido em estabelecimento para tratamento no poderia praticar ato jurdico de alienao ou administrao de bens em noventa dias a contar de sua internao, exceto por intermdio de seu cnjuge, pai, me ou descendente maior, uns na falta de outros (artigo 27, 1). Decorrido o prazo de noventa dias, a menos que fosse conveniente a interdio imediata, era nomeado administrador provisrio dos bens do psicopata. Ento, somente transcorridos dois anos, caso o doente no tivesse 81
readquirido capacidade para reger sua pessoa e bens, seria interditado. At a interdio todas as medidas tomadas deveriam acontecer em segredo de justia, visto que se tinha confiana na recuperao do enfermo mental (RODRIGUES, 2004, p. 412). O artigo 26 do mesmo diploma estabeleceu, ainda, que os psicopatas poderiam ser tidos como absoluta ou relativamente incapazes, dependente, tal gradao, de percia mdica. Desse modo, a sentena judicial que decretava a interdio deveria ser precisa em relao a ser a incapacidade absoluta ou relativa, exegese confirmada pelo artigo 28, 3 do mesmo Decreto. Assim que a ao do administrador provisrio , por conseqncia, tambm limitada. Tal Decreto foi revogado por outro, de nmero 99.678/90, que, por sua vez, tambm foi revogado (RODRIGUES, 2004, p. 413). O Decreto-Lei n 891/38 regia a situao dos toxicmanos, cuidando de sua internao e regulando os tipos de interdio a que estavam sujeitos (plena ou limitada, conforme fossem, respectivamente, absoluta ou relativamente incapazes, de acordo com seu artigo 30, 5). Tambm gradativos, pois, os poderes reservados ao curador do viciado em drogas (RODRIGUES, 2004, p. 414). No que respeita ao exerccio da curatela no Cdigo Civil de 1916, o artigo 455 dispensava o cnjuge de fazer inventrio ou apresentar balanos anuais das contas em duas situaes, quais sejam: quando o regime de bens fosse o da comunho e, qualquer que fosse o regime de bens do casamento, quando os bens do interdito se achassem descritos em instrumento pblico. O Decreto n 24.559/34, por sua vez, previa tratamento mais rigoroso, vez que determinava a prestao de contas trimestral para o administrador provisrio e 82
curador do psicopata. O dispositivo no vinha sendo cumprido na prtica, porm, por representar exigncia demasiada (RODRIGUES, 2004, p. 420). Em muitos pases do Ocidente as reformas legislativas gerais se deram principalmente nas dcadas de 60 e 70 do sculo XX, e refletiam preocupao crescente com a preservao dos direitos personalssimos e indisponveis das pessoas, tais como a vida, a liberdade, a integridade fsica, moral e intelectual, o que acabou por refletir tambm em sede de interdio e curatela. No Brasil, apesar de serem bastante ativos os movimentos pelas reformas Sanitria e Psiquitrica, cujas influncias j se tornavam evidentes em algumas normas, as alteraes legislativas substanciais, ainda tmidas, somente se operaram com a entrada em vigor do Cdigo Civil de 2002, objeto central de nosso estudo (MEDEIROS, 2007, p. 97 e 98).
2.3.4 Pressupostos
Principal requisito ou pressuposto ftico da curatela a incapacidade. Assim que, na maior parte dos casos, esto sujeitos a ela os maiores que, em razo de doena, seja ela gentica ou adquirida, no tm condies de gerir sua pessoa e administrar seus bens. Encaixam-se, pois, nessa situao padro as seguintes figuras elencadas no artigo 1767 do Cdigo Civil: aqueles que, por enfermidade ou deficincia mental, no tiverem o necessrio discernimento para os atos da vida civil (I); aqueles que, por outra causa duradoura, no puderem exprimir a sua vontade (II); os deficientes mentais, os 83
brios habituais e os viciados em txicos (III); os excepcionais sem completo desenvolvimento mental (IV) e os prdigos (V). Nesse ponto, importante mencionar a situao, por exemplo, de pessoas cegas, analfabetas, epilpticas ou surdas; uma vez que sejam capazes de manifestar sua vontade, no h que se falar em interdio e conseqente estabelecimento de curatela. O mesmo se aplica ao idoso, pelo simples fato da idade provecta, exceto se houver doena que prejudique a regncia de sua prpria pessoa e patrimnio, caso em que, em razo da enfermidade, dever haver nomeao de curador (DINIZ, 2007b, p. 603). Isso o que, sustentamos, deve acontecer ao idoso portador do Mal de Alzheimer quando, em razo da evoluo da doena, apresenta-se absolutamente incapaz de cuidar de si prprio, em todos os sentidos. H, ainda, quem se refira existncia de curatela que se estende do curador aos filhos do curatelado, desde que haja necessidade de suprimento do poder familiar. Trata-se da chamada curatela prorrogada ou extensiva. Na prtica, no passa de simples tutela. A par dessas, h a curatela do nascituro e do ausente. Outros tipos existem ainda, sendo chamadas curadorias especiais, em razo de sua natureza, fins e efeitos peculiares (DINIZ, 2007b, p. 604). Pressuposto jurdico, sem o qual no se fala na existncia do encargo, o processo judicial em que resta decidida a interdio do incapaz e, subseqentemente, nomeado curador, conforme j se analisou em itens anteriores (DINIZ, 2007b, p. 604).
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2.3.5 Espcies
A classificao principal tem como base a pessoa que esteja sob curatela. Desse modo, possvel falar em: curatela de adultos incapazes, curatelas destacadas do regime legal do instituto, em razo de suas particularidades e curadorias especiais (DINIZ, 2007b, p. 604). O rol de pessoas sujeitas curatela vem disciplinado no artigo 1767 do Cdigo Civil atualmente em vigor (CC de 2002, Lei n 10.406/02). Trata-se de rol taxativo, que no admite outras hipteses, afora as elencadas pelo legislador. No so, pois, permitidas a interpretao extensiva e a analogia, sob pena de ser abalada a segurana jurdica. A interdio, de que decorre a nomeao de curador, tem carter excepcional, donde se infere que, na dvida, no deve ser decretada, de acordo com Nagib Slaib Filho (apud NADER, 2006, p. 657). A disciplina legal atual, segundo Silvio Rodrigues, retrata a nova realidade, em que h amplas possibilidades mdicas de deteco de doenas mentais ou situaes outras em que resta prejudicada a lucidez de algum. O mesmo autor adianta: so sete as espcies de curatela previstas nesse Captulo do Cdigo Civil, quais sejam, as situaes enumeradas no artigo 1767, a curatela do nascituro, prevista no artigo 1779, e a curatela do enfermo ou portador de deficincia fsica, expressa no artigo 1780 (2004, p. 414 a 415). Registre-se, ademais, outras duas classificaes da curatela, hoje j superadas, visto estarem de acordo com o j revogado Cdigo Civil de 1916. Limongi Frana divide o instituto em duas espcies, quais sejam: quanto natureza, que pode ser legal ou legtima, judicial ou dativa e voluntria, e 85
quanto ao objeto que, por sua vez, pode ser ordinria (dos loucos, dos surdos- mudos e dos prdigos) e extraordinria (do nascituro, do ausente, do menor, para certo negcio, processual e judicial) (apud BRUM, 1995, p. 36 a 37). Eduardo Espnola faz a seguinte diviso: curatela de pessoas (dos loucos, dos toxicmanos, dos surdos-mudos e dos prdigos), curatela de bens (dos nascituros, dos ausentes, dos menores e da herana jacente) e curatelas especiais (coliso de interesses entre o menor e seu representante, ru preso, revel citado por edital ou com hora certa, para citao de demente ou enfermo impossibilitado de receb-la, incapaz que concorre com seu representante em inventrio, certo negcio, suposto incapaz, curador ao vnculo do casamento e curadorias especiais ou oficiais, desempenhadas pelo Ministrio Pblico (apud BRUM, 1995, p. 36 a 37). Vejamos a classificao adotada majoritariamente pela doutrina atual:
2.3.5.1 Curatela dos adultos incapazes
Ademais dos comentrios acerca das outras espcies de curatela, frise- se, desde j, que nos importa aqui analisar, com a profundidade que uma dissertao de mestrado requer, apenas a curatela dos adultos incapazes; essa, que ora se nos apresenta. Tal medida abrange: a) A curatela dos psicopatas (ou, segundo o Cdigo Civil de 1916, ora revogado, os loucos de todo o gnero GONALVES, 2007, p. 613), alienados mentais sem o necessrio discernimento para os atos da vida civil e 86
excepcionais sem completo desenvolvimento mental (artigo 1767, I, III, 1 parte, e IV, CC). O CPC se refere anomalia psquica, no artigo 1178, I (VENOSA, 2007, p. 425). Trata-se dos portadores de doenas mentais que, em razo da enfermidade, mostram-se incapazes para a gesto de sua pessoa e bens (DINIZ, 2007b, p. 605). So exemplos de doentes mentais, colacionados por Maria Helena Diniz, que menciona Pontes de Miranda: dementes, oligofrnicos, fracos de esprito (imbecis), dipsmanos (impulso irresistvel a beber), quer seja a enfermidade demncia afsica, fraqueza mental senil, degenerao, psicastenia, psicose txica (morfinismo, cocainismo, alcoolismo), psicose autotxica (esgotamento, uremia, etc.), psicose infectuosa (delrios ps- infecciosos etc.), parania, demncia arteriosclertica, demncia sifiltica, etc., uma vez que a molstia cause alterao no uso regular de suas faculdades mentais, alterando o exerccio dos atos da vida civil (2007b, p. 605). Outrossim, anote-se que so tidas como enfermidades mentais ensejadoras de interdio as doenas congnitas ou adquiridas, como o so a oligofrenia e a esquizofrenia, assim como a deficincia mental decorrente de distrbios psquicos, de que exemplo a doena do pnico, etc. (GONALVES, 2007, p. 614). O simples distrbio de inteligncia no o bastante para que se declare a interdio de algum, nomeando-lhe curador (GONALVES, 2007, p. 613). Tambm a velhice, por si s, no representa limitao da capacidade civil, exceto se acompanhada de mal psquico que prive o paciente de discernimento suficiente para gerir seus bens e negcios (GONALVES, 2007, p. 614). O mesmo o posicionamento de Paulo Nader acerca da questo, para quem a interdio da pessoa idosa somente deve ser levada a efeito se houver 87
algum comprometimento fsico que a impea de discernir ou expressar racionalmente sua vontade (2006, p. 659). Maria Berenice Dias categrica ao afirmar que a simples idade avanada no justifica a medida, j que o mero enfraquecimento psquico expresso prpria da idade e no caracteriza estado de alienao mental. Ao contrrio, a demncia senil autoriza a medida (2007, p. 545). Isso o que queremos demonstrar, saliente-se. Jander Maurcio Brum claro ao dizer que a senilidade, por si s, no autoriza a interdio. No h que se falar, ento, em interdio em razo de idade avanada (1995, p. 71 e 72). A pessoa idosa, em razo do seu estado intelectual e/ou fsico, pode apresentar uma deficincia que a torne inapta para o exerccio dos seus direitos. No a idade que d ensejo incapacidade dos maiores, como se d no caso dos menores, mas a falta de autodeterminao que precisa ser comprovada (PERES, 2008, p. 67).
Tambm o analfabeto, pelo simples fato do analfabetismo, no deve ser posto sob curatela (DIAS, 2007, p. 545). Consigne-se, ainda, que h quem entenda deva ser a expresso deficiente mental, utilizada pelo legislador de 2002, substituda por portador de necessidades especiais (NADER, 2006, p. 657), mais moderna e menos discriminatria. Rememore-se nesse momento que, de acordo com o artigo 3, II do Cdigo Civil, so absolutamente incapazes para exercer os atos da vida civil, textualmente, os que, por enfermidade ou deficincia mental, no tiverem o necessrio discernimento para a prtica desses atos. Entenda-se enfermidade mental como estgio patolgico da mente, e deficincia como um dficit de inteligncia, quer seja congnito ou adquirido (DINIZ, 2007b, p. 605). 88
O doente mental recolhido a qualquer estabelecimento para tratamento est impedido de praticar atos de alienao ou administrao de bens nos noventa dias que seguirem ao seu recolhimento, caso em que isso ser feito por seu cnjuge, pai, me ou descendente maior, uns na falta dos outros (perceba-se, ento, que tais parentes praticam atos de administrao, mas no de disposio, antes mesmo da interdio do enfermo mental). Aps os noventa dias referidos, ser nomeado administrador provisrio dos bens do alienado mental, a menos que a interdio imediata seja conveniente. Se no for, os dois anos que se seguirem sero perodo determinante para que o doente se recupere. Caso a recuperao no se efetive, necessria a interdio definitiva (GONALVES, 2007, p. 615). De se perceber, portanto, que a interdio solicita que o estado de insanidade mental seja prolongado, ainda que haja intervalos de lucidez (Venosa entende que o estado de incapacidade deve ser duradouro, de modo a justificar a interdio 2007, p. 426). Alis, mesmo os atos praticados pelo interditado em momento de lucidez so igualmente nulos (GONALVES, 2007, p. 615). Tampouco se fala na necessidade de ser a doena perptua ou incurvel, posto que, mesmo passageiro o mal, ser nomeado curador ao psicopata incapaz de gerir sua pessoa e bens (DINIZ, 2007b, p. 606). Uma vez decretada a interdio, o magistrado determinar a internao do doente em estabelecimento adequado, pblico ou particular, sempre de acordo com a condio econmica e social do enfermo, se entender conveniente ou arriscado deix-lo em casa, ou se o tratamento mdico assim exigir. o caso, por exemplo, do insano violento, do viciado em txicos obsessivo, etc. (VENOSA, 2007, p. 436). Esse o teor dos artigos 1776 e 1777, ambos do Cdigo Civil. 89
Rodrigo da Cunha Pereira (apud DINIZ, 2007b, p. 606), no entanto, afirma estar convencido de que, na atualidade, o melhor tratamento para o enfermo mental aquele em que o paciente no retirado do seio da famlia, pois a companhia daqueles que o amam mecanismo teraputico dos mais eficazes. a prpria Maria Helena Diniz, todavia, quem sustenta imprescindvel, por vezes, a internao, em razo da impossibilidade de manuteno do convvio domstico, geralmente por conta da agressividade e periculosidade do paciente, ou pela exigncia do prprio tratamento (2007b, p. 606). Caso se perceba a recuperao do incapaz, tendo cessado a psicopatologia, finda a curatela, conforme o que restar apurado em processo judicial de levantamento de interdio (DINIZ, 2007b, p. 606). Por fim, anote-se que o maior nmero de casos de curatela em andamento nos tribunais ptrios tem como fundamento esse inciso do artigo 1767 do Cdigo Civil (NADER, 2006, p. 658); b) A curatela dos que, por outra forma duradoura, no podem exprimir a sua vontade. o caso de pessoas acidentadas, com seqelas nas funes cerebrais, surdos-mudos que no consigam exprimir sua vontade (a esperana de recuperao no pode fazer com que o patrimnio reste acfalo por longo perodo de tempo VENOSA, 2007, p. 426). Tambm , comumente, a situao na qual se encontram os portadores de arteriosclerose ou paralisia avanada e irreversvel, falta de controle dos movimentos e impossibilidade de compreender os processos de linguagem, como se d com aquele vtima de isquemia ou derrame cerebral (GONALVES, 2007, p. 615). Ainda os pacientes em estado de coma 90
(RODRIGUES, 2004, p. 416). Tais pessoas so tidas como absolutamente incapazes, de acordo com preceito estampado no artigo 3, III do Cdigo Civil. O surdo-mudo est sujeito interdio apenas quando no tiver recebido educao adequada de modo que se faa compreender. Ressalte-se que surdo-mudo aquele que por no ser capaz de ouvir, tambm no consegue emitir sons articulados. A surdo-mudez gentica indcio de grave doena mental, mas desde que o surdo-mudo receba tratamento compatvel com sua condio, a interdio no ser medida necessria em todos os casos. Inclusive, ainda que o deficiente seja submetido aos poderes de curador, podero tais poderes ser limitados pelo magistrado, conforme o teor do artigo 1772 do Cdigo Civil (VENOSA, 2007, p. 427). Frise-se, todavia, que o surdo-mudo capaz de se expressar e fazer compreender no deve ser submetido curatela (por exemplo, plausvel a comunicao por meio de digitao eletrnica NADER, 2006, p. 660). Ademais, saliente-se que se houver maneira de educar ou recuperar o interdito (surdo-mudo, brio habitual, toxicmano, etc.), o curador obrigado a promover seu ingresso em estabelecimento para tanto apropriado, utilizando- se, para isso, de recursos financeiros do prprio incapaz ou procedendo internao em instituio pblica, caso no haja meios para arcar com as despesas. A curatela cessa na medida em que o interdito tenha condies de expressar sua vontade (DINIZ, 2007b, p. 608). Acerca da situao do surdo-mudo, Silvio Rodrigues entende que para ele deve ser aplicado o artigo 1780 do Cdigo Civil, j que, nesse caso, restrita ser a atuao do curador gesto de alguns negcios ou bens do curatelado (2004, p. 415); 91
c) A curatela dos deficientes mentais, seja a deficincia gentica ou adquirida. Esses no so aqueles incapazes de discernir, caso contrrio seria dispensvel a previso, posto que o inciso I do artigo 1767 claro ao abarcar os insanos mentais. Assim, a deficincia mental deve ser entendida como perturbao da mente que torna confuso o raciocnio, impedindo o pleno entendimento da realidade (NADER, 2006, p. 660). Tais pessoas podem ser submetidas a tratamento, que pode levar cura, sendo, por isso, esses problemas, a priori, resolvidos, o que denota a reversibilidade da medida (GONALVES, 2007, p. 616); d) A curatela dos brios habituais, ou consumidores compulsivos de bebidas alcolicas, tambm tidos como relativamente incapazes para os atos civis, ainda de acordo com o artigo 4, II, CC. Carecem, portanto, de curador, ante o fato de poderem ser acometidos por alucinaes decorrentes da deteriorao mental pelo lcool, ou embrutecimento da mente, alm da chamada psicose aguda pelo alcoolismo (delirium tremens) (DINIZ, 2007b, p. 607). A interdio, nesses casos (e tambm em se tratando do viciado em txico), pode ser total ou parcial, de acordo com a capacidade do interditando (RODRIGUES, 2004, p. 416); e) A curatela dos toxicmanos, entendidos esses como aqueles que consomem compulsivamente substncias que ativam o psiquismo, tais como o lcool e as drogas (HOUAISS, 2001, p. 2742), (cocana, morfina, pio ou maconha GONALVES, 2007, p. 616), prevista no artigo 1767, III, parte final do Cdigo Civil. Paulo Nader elenca rol mais amplo, qual seja: cocana e derivados (crack, merla, etc.), maconha e derivados (skunk, haxixe, etc.), anfetaminas (a menos que para uso teraputico), metanfetaminas e derivados 92
(speed, ice, etc.), herona, codena, ecstasy, happy, super ecstasy, morfina, para citar apenas as mais conhecidas e consumidas (NADER, 2006, p. 660). Por txico se entenda toda substncia natural ou sinttica capaz de modificar as funes do organismo, quando nele introduzida (VENOSA, 2007, p. 427). A Lei n 4.294/21 cuidou da sua equiparao aos psicopatas, tendo o Decreto-Lei n 891/38, artigo 30, 5, estabelecido duas espcies de interdio, de acordo com o grau de intoxicao, quais sejam: a limitada, semelhante interdio dos relativamente incapazes, e a plena, similar dos absolutamente incapazes. Desta feita, dependendo da maior ou menor extenso da incapacidade, ao toxicmano seria nomeado curador com poderes mais ou menos alargados (DINIZ, 2007b, p. 607). De modo geral, so considerados relativamente incapazes quanto prtica de atos da vida civil (artigo 4, II, CC), e esto sujeitos internao em estabelecimentos especiais de tratamento e teraputica ocupacional, conforme previso da recente Lei n 11.343/06 que, dentre outras medidas, prescreve meios de preveno do uso indevido, ateno e reinsero social de usurios e dependentes de drogas, cuida da represso produo no autorizada e ao trfico ilcito de entorpecentes e tipifica condutas, alm de instituir o Sistema Nacional de Polticas Pblicas sobre Drogas, o chamado SISNAD (DINIZ, 2007b, p. 607). Chame-se a ateno para o fato de que o uso transitrio de substncias entorpecentes no o bastante para justificar pedido de interdio/curatela (GONALVES, 2007. p. 616); f) A curatela dos excepcionais sem completo desenvolvimento mental. bem verdade que essa situao poderia ter sido absorvida pelo inciso anterior 93
do artigo 1767, quando o legislador se refere aos deficientes mentais (VENOSA, 2007, p. 428). So os detentores de enfermidade mental que os alienam do mundo ao redor, inabilitando-os para a prtica dos atos da vida civil. Apenas a ttulo de exemplo, tem-se o portador de Sndrome de Down. Tambm o surdo-mudo que no tenha recebido educao que o insira no seio social carece de desenvolvimento mental completo. Excepcional aquele que nasceu com alguma anormalidade fsica ou mental, destacando-se o dficit mental. Aqui, no se fala propriamente em doena mental, mas reduo da capacidade do excepcional, de modo que ele incapaz de compreender situaes mais complexas ou difceis (GONALVES, 2007, p. 618). Compete, pois ao magistrado, apoiado em percias mdicas cuidadosas, aferir se caso de deficincia mental ou se se est diante de excepcional sem completo desenvolvimento mental. As situaes, por suas semelhanas, acabam por se confundir. Deixe-se claro que o excepcional tem enfermidade congnita, em geral acompanhada de anormalidade fsica, e diminuta capacidade para os atos da vida civil. Aplica-se, ento, no caso em tela, o artigo 1772 do Cdigo Civil, vez que pertinente que o magistrado gradue a curatela (GONALVES, 2007, p. 618). Da mesma forma que se opera com os viciados em lcool ou drogas, tambm para os excepcionais sem completo desenvolvimento mental existe previso de interdio total ou parcial, conforme o grau da incapacidade (RODRIGUES, 2004, p. 416). Apesar dessa previso legal, Maria Bernadete de Moraes Medeiros noticia que pesquisa realizada durante o ano de 2001 no Estado de So Paulo apurou a existncia de 1183 registros de interdio, 99,3% dos quais interdio total, isto , o interdito foi tido como absolutamente incapaz para manifestar sua 94
vontade, tendo sido cassados todos os seus direitos civis e polticos (2007, p. 99). Paulo Nader concebe o excepcional sem completo desenvolvimento mental como sendo o oligofrnico, doena que Hlio Gomes, por ele mencionado, define, in verbis, como: [...] distrbios da evoluo cerebral durante a gestao, ou nos primeiros anos da vida, acompanhados de numerosas anomalias e com acentuado dficit intelectual. H uma parada, ou um atraso, do desenvolvimento mental, determinando diversos graus de deficincia intelectual (apud NADER, 2006, p. 661).
g) A curatela dos prdigos, sendo esses aqueles que dissipam seu patrimnio de modo desordenado, por serem portadores de grave desvio de personalidade (GONALVES, 2007, p. 618). Faz-se, portanto, necessria a medida em prol dos interesses da famlia e do Estado, para quem o prdigo se tornaria pesado nus. Registre-se, de incio, que tal previso do Cdigo Civil de 2002, j constante do texto do diploma de 1916, foi criticada por Joo Luiz Alves, para quem a medida parecia totalmente desnecessria, porquanto se h distrbio mental que o leva a gastos desordenados, o prdigo estaria bem alocado no inciso I do mesmo artigo 1767 (artigo 460 do Cdigo Civil de 1916), vez que estaria em jogo situao de doena mental (apud NADER, 2006, p. 662). So os onemanacos (aqueles que tm impulso irresistvel a comprar toda a sorte de objetos), os dipsmanos (os que tm impulso para a bebida, terminando, dessa forma, por dissipar seu patrimnio) e os depravados de qualquer espcie, que gastam imoderadamente com mulheres, diverso, luxo, doaes e emprstimos (GONALVES, 2007, p. 619). anomalia, ao mesmo tempo, social, jurdica e psiquitrica (VENOSA, 2007, p. 428). 95
O prdigo relativamente incapaz, diga-se inicialmente (artigo 4, IV, CC), apto, unicamente, prtica de atos que se referem administrao de seu patrimnio, sendo o curador necessrio para a efetivao dos atos seguintes, dentre outros: emprestar, transigir, dar quitao, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, etc., de acordo com o artigo 1782 do Cdigo Civil (DINIZ, 2007b, p. 608). Somente ser autorizado a conduzir sua vida civil nos limites dos rendimentos que lhe forem atribudos. Acerca de sua pessoa, no h que se falar em restrio; assim, possvel que se case (sendo necessria, porm, a presena do curador para a celebrao de pacto antenupcial NADER, 2006, p. 671), exera profisso (a menos que de comerciante ou empresrio), seja testemunha, fixe preo em contrato de compra e venda (artigo 485, CC), vote, determine o domiclio conjugal, autorize o casamento dos filhos (GONALVES, 2007, p. 620). No entanto, ato proibido que eventualmente venha a praticar ser anulvel por iniciativa dele prprio, de seu cnjuge, ascendente ou descendente. Se a prodigalidade vier acompanhada de psicopatia, a doena que justifica a interdio e subseqente nomeao de curador (DINIZ, 2007b, p. 608). Inclusive, Pontes de Miranda, arrolado por Carlos Roberto Gonalves, sustenta que a prodigalidade tida como doena degenerativa, muitas vezes manifestao inicial da loucura. Anote-se, ainda, que hoje so raras as decises que versam sobre a curatela do prdigo, uma vez que difcil a prova, no caso concreto. Isso porque h diferena gritante entre a conduta daquele que dilapida em razo de patologia psquica e o irresponsvel, 96
despreocupado com a sorte dos membros da famlia (apud GONALVES, 2007, p. 620). Nesse sentido, Arnaldo Rizzardo: O grande problema definir as fronteiras entre a desordem mental ou falta de coerncia na direo do patrimnio com a conduta desvairada do perdulrio por querer a pessoa aproveitar a vida, canalizando sua fortuna ou ganhos em diverses, noitadas em bares, boates, motis e outras formas de dilapidao do patrimnio, obrigando a famlia a sofrer necessidades, inclusive alimentares. H uma diferena entre a demncia e a irresponsabilidade. Talvez, o que se verifica mais amide a conduta irresponsvel, a total ausncia de compromisso, ou despreocupao com a sorte dos membros da famlia (apud VENOSA, 2007. p. 429).
Inclusive, senescncia 4 no significa prodigalidade. Sobre a questo, leia-se a seguinte jurisprudncia:
Interdio. Prdigo. Senescncia. No prdigo o que despende de quantias moderadas com sua companheira. Dependncia de homem idoso em relao sua companheira, explicvel do ponto de vista mdico, que no chega a justificar a sua interdio. Distino entre senescncia e senilidade 5 . Ao de interdio julgada improcedente. Embargos rejeitados. (TJRS EI 585.034.846, 3 G. C., rel. Des. Ruy Rosado de Aguiar Jr., RJ 116/110, in Vade-Mecum Jurdico Atualizvel, Editora Sntese, p. 680, jul./92).
No que diz respeito prodigalidade, Venosa entende ter a sentena de interdio inegveis efeitos ex nunc. Os atos jurdicos praticados antes de sua publicao, pois, devem ser tidos como perfeitamente vlidos, restando protegida a boa-f de terceiros que com ele negociaram (VENOSA, 2007, p. 430). Deve o magistrado averiguar o grau da incapacidade, determinando, se for o caso, atos que podem ser praticados pelo interdito, em se tratando de deficiente mental, brio habitual, toxicmano e excepcional sem completo desenvolvimento mental (artigo 1772, CC). O que se passa, desse modo, a estipulao, por parte do juiz, de restries para o interdito, mormente no que
4 Senescncia quer dizer qualidade de senescente, velhice (HOUAISS, 2001, p. 2545). 5 Esclarea-se: por senilidade se deve entender certa debilidade fsica e mental associada idade ou a uma alterao prematura dos tecidos (HOUAISS, 2001, p. 2546). 97
tange a emprestar, transigir, dar quitao, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, praticar, em geral, atos que no se restrinjam mera administrao. Isso significa dizer que os atos restritos somente podem ser praticados pelo curatelado com a presena do curador. Idntico o sentido do artigo 1782 do Cdigo Civil (DINIZ, 2007b, p. 609). Nessa seara, Venosa entende imprescindvel a atenta atuao do magistrado no que respeita ao estabelecimento dos limites da curatela, com base na prova pericial produzida, vez que no se pode submeter os interditos a um regime idntico de incapacidades, porque mesmo os deficientes mentais tm graus diferentes de falta de discernimento. Corrobora, portanto, o autor, o pensamento supramencionado de Maria Helena Diniz (2007, p. 423). O artigo 1767 do Cdigo Civil, ora examinado, coaduna-se perfeitamente com os artigos 3 e 4 do mesmo diploma, j estudados oportunamente quando da abordagem da incapacidade absoluta e relativa. Desse modo, os incisos I e II do artigo 1767 harmonizam-se com a incapacidade absoluta, constante do artigo 3 do Cdigo Civil, ao passo que os incisos III, IV e V encontram correspondncia no artigo 4 do CC, e trazem luz situaes afetas incapacidade relativa. Inclusive, como j se percebeu, a situao do prdigo foi especialmente abordada pelo artigo 1782 da mesma Lei n 10.406/02 (Cdigo Civil) (GONALVES, 2007, p. 612). De modo geral, sobretudo no que respeita aos doentes mentais, vale mencionar o preconceito que, ainda hoje, permeia as relaes em torno desse indivduo, que tido mesmo, muitas vezes, como no-cidado. Maria Bernadete de Moraes Medeiros acredita que isso se deve, tambm, ao fato da doena mental poder ser empiricamente identificada pelo prprio grupo social, em funo de avaliao que se faz acerca do comportamento social do 98
enfermo, distinto da dita normalidade. A doena mental, diferentemente de outras, no se faz acompanhar, necessariamente, de dor ou sofrimento. O doente nem sempre se percebe nessa condio; algum o define como tal (2007, p. 87).
2.3.5.2 Curatelas particulares
So assim consideradas aquelas curatelas apartadas da disciplina legal do instituto, conforme se aferiu da leitura das linhas acima. Trata-se da curatela do nascituro e do ausente. a) A curatela do nascituro se faz necessria, j que, muito embora a personalidade tenha incio com o nascimento com vida, a lei pe a salvo os direitos do nascituro (artigo 2 do Cdigo Civil e artigos 7 a 10 do ECA, Lei n 8.069/90). Nascituro, esclarea-se, o ser j concebido, que se encontra no ventre materno (GONALVES, 2007, p. 621). Nesse sentido, quando enviuvar a mulher grvida sem condies de exercer o poder familiar, por ter sido dele destituda em relao a outros filhos menores, deve ser nomeado curador ao nascituro, se houver herana, legado ou doao a ser por ele recebida, de acordo com os artigos 1779 do Cdigo Civil e 878, Pargrafo nico do Cdigo de Processo Civil. Lembre-se, porm, que a efetivao de quaisquer desses atos jurdicos est subordinada implementao de condio suspensiva, qual seja, o nascimento com vida. Tambm se pode aventar a hiptese da me estar interditada, situao em que 99
a curatela se estende ao nascituro; a curatela estendida, outrora mencionada (artigo 1778 do Cdigo Civil) (DINIZ, 2007b, p. 610). curatela temporria, visto que, aps o nascimento com vida, ser nomeado tutor ao menor (DIAS, 2007, p. 548). Silvio Rodrigues salienta que so raros os casos de curatela de nascituro, no tendo o debate acerca da questo grande interesse prtico (2004, p. 418). O Cdigo de Processo Civil o diploma regente da posse dos bens em nome do nascituro (artigos 877 e seguintes). Se a me, por outro lado, estiver apta a exercer o poder familiar, dever solicitar a feitura de exame mdico que comprove a gravidez, a fim de que o juiz possa investi-la na posse dos direitos sucessrios que caibam a seu filho (DINIZ, 2007b, p. 610). Esse tipo de curadoria cessa com o nascimento com vida do nascituro. Nesse momento, institui-se criana tutor, seja ele testamentrio, legtimo ou dativo, de acordo com a lei. Raras so as situaes prticas desse tipo de curadoria, j se comentou (GONALVES, 2007, p. 622); b) A curatela do ausente, cuja finalidade precpua pr a salvo o patrimnio daquele que desaparece de seu domiclio sem deixar representante ou procurador para lhe administrar os bens (artigos 22 e seguintes do Cdigo Civil). situao tpica de curatela de coisas, no de pessoas. Do mesmo modo ser nomeado curador, quando o ausente deixar procurador que no queira ou no possa dar continuidade ao exerccio do mandato. Tambm se seus poderes forem insuficientes. Nesse diapaso, se for caso de ausncia, mediante requerimento de qualquer interessado (cnjuge ou outro parente sucessvel), inclusive o Ministrio Pblico, o magistrado nomear curador que, 100
sob compromisso, inventariar os bens, administrando-os, auferindo-lhes as rendas para entreg-las ao ausente, se retornar, ou aos seus herdeiros. O termo final dessa curatela ocorre em um ano a contar da ausncia, quando h a converso em sucesso provisria, requerida pelos interessados (DINIZ, 2007b, p. 610).
2.3.5.3 Curadorias especiais
Cuida o legislador, nesses casos, de curadorias cujo escopo a proteo dos bens de algum, no a tutela pessoal; da sua alcunha: curadorias especiais (grifamos). Uma vez exaurida a administrao dos bens do curatelado, pois, esgotada a funo do curador (DINIZ, 2007b, p. 610). Venosa entende, inclusive, que essas curadorias tm mais carter processual que material, propriamente (2007, p. 422). So enquadradas, portanto, como curadorias especiais as situaes seguintes: a) A curadoria instituda pelo testador para os bens deixados a herdeiro ou legatrio menor, conforme o artigo 1733, 2 do Cdigo Civil; b) A curadoria que se d herana jacente, de acordo com o artigo 1819 do Cdigo Civil; c) A curadoria que se estabelece para o filho, sempre que os interesses dele e do pai, no exerccio do poder familiar, colidirem (artigo 1692 do Cdigo Civil e artigo 90, 142, Pargrafo nico e 148, Pargrafo nico, f do ECA, Lei n 8.069/90); 101
d) A curadoria concedida ao incapaz que no tiver representante legal ou, mesmo que tenha, houver interesses conflitantes entre eles; e) A curadoria conferida ao ru preso; f) A chamada curatela especial, em se tratando do ru revel citado por edital ou com hora certa (artigo 9, I e II do Cdigo de Processo Civil); g) A curatela do enfermo ou portador de deficincia fsica, requerida pelo prprio, ou, se no puder faz-lo, por seus pais, tutor, cnjuge (ou companheiro VENOSA, 2007, p. 431), parente ou mesmo, ainda que excepcionalmente, pelo membro do Ministrio Pblico, para cuidar de todos ou de alguns de seus negcios ou bens, conforme a disciplina do artigo 1780 do Cdigo Civil. Tal curadoria, na verdade, significa espcie de curatela-mandato, vez que o que ocorre certa transferncia de poderes do enfermo para o curador, sem que tenha havido prvia interdio. Fala-se, nesse caso, em gesto do patrimnio do curatelado, no de sua pessoa (curador ad negotia). Diz respeito, segundo Rodrigo da Cunha Pereira (apud DINIZ, 2007b, p. 611) de curatela administrativa especial (tambm essa a nomenclatura adotada por Paulo Nader NADER, 2006, p. 670), ou, de acordo com a lio de Zeno Veloso (apud DINIZ, 2007b, p. 611), caso singular e especial de curatela sem interdio, de contedo restrito e patrimonial. Carlos Roberto Gonalves entende, nesse ponto, ter havido desvirtuamento do instituto da curatela, vez que no se trata da proteo do maior incapaz, mas do maior capaz, apto a discernir plenamente (2007, p. 623). Idntica a opinio de Silvio Rodrigues (RODRIGUES, 2004, p. 418). Note-se que, nessa situao, o curatelado no sofre de doena mental, mas de mal fsico (que, segundo a abalizada lio de Carlos Roberto Gonalves, deve ser grave, de modo a obstruir o desempenho da gesto de 102
seus negcios 2007, p. 623) que o impede de exercer com plenitude seus negcios, da advindo a necessidade de nomeao de curador (situao em que se encontra, por exemplo, o paciente internado em Centro de Terapia Intensiva CTI, portanto incapaz de assinar procurao GONALVES, 2007, p. 623). O mesmo se aplique ao idoso com dificuldade de locomoo. A vantagem da curatela administrativa sobre a outorga de mandato o fato de que a procurao, em caso de constatada incapacidade, poder perder a validade (NADER, 2006, p. 670). Apela-se, nesse caso, de maneira irrestrita ao bom senso do magistrado, de modo a se evitarem fraudes. Na mesma medida se faz necessrio o consentimento do prprio curatelado, podendo, esse ltimo, mesmo impugnar o pedido de curatela feito por seu cnjuge ou parente (DINIZ, 2007b, p. 611). Inclusive, quando o prprio quem faz o pedido de curatela, compete-lhe, pessoalmente, a definio do mbito pretendido para a medida. Frise-se que o consentimento do curatelado imprescindvel nesses casos, sobretudo quando terceiro o autor do pedido de interdio. Se o interditando no puder exprimir sua vontade, o caso de curatela ordinria. Venosa no entende desnecessria a medida, ainda que haja a possibilidade, ao doente, de nomear procurador para cuidar de sua vida negocial (2007, p. 431). Para o cumprimento dessas finalidades especficas de curadoria, a Lei Orgnica do Ministrio Pblico, as leis locais de Organizao Judiciria e o Cdigo de Processo Civil atribuem ao membro do Parquet as funes de curadoria, quais sejam: Curadoria da Famlia, Curadoria das Massas Falidas, Curadoria de Resduos, Curadoria de rfos, Curadoria de Menores, Curadoria de Ausentes e Incapazes, Curadoria de Casamento, Curadoria de Acidentes e 103
Curadoria de Heranas Jacentes. So curadorias especiais, encarregadas da interveno nos negcios em que existam interesses de menores rfos, falidos, ausentes, etc.. (DINIZ, 2007b, p. 612). Carlos Roberto Gonalves, invocando Orlando Gomes, salienta que tais curadorias, cometidas aos membros do Ministrio Pblico, como se disse, tm finalidade especfica, porquanto uma vez exauridas, esgotam a funo do curador. Tm, inclusive, carter meramente funcional, posto que so destinadas administrao e defesa de bens do curatelado (2007, p. 611).
2.3.6 Pessoas habilitadas a exercer a curatela
Caso reste comprovada a incapacidade, o juiz se decidir pela interdio e conseqente nomeao de curador (artigo 1183, Pargrafo nico do Cdigo de Processo Civil). Para tanto, observar a ordem contida no artigo 1775 do Cdigo Civil, qual seja: companheiro (inclusive o homoafetivo, segundo Maria Berenice Dias 2007, p. 550) ou cnjuge, desde que no esteja separado judicialmente ou de fato (essa a curatela obrigatria, por no ser permitida escusa por parte do curador. Ademais, a curatela preferencial GONALVES, 2007, p. 633). Silvio Rodrigues entende, porm, que se os cnjuges so inimigos ou se o regime de bens do casamento a separao total, no h que se falar em preferncia inflexvel do cnjuge quando da nomeao de curador 2004, p. 419); na falta de companheiro ou cnjuge, o pai ou me do interditando e, caso esses tambm no existam, o descendente 104
que se mostre mais afeto medida, sem distino de sexo ou idade, sendo os mais remotos precedidos pelos mais prximos (curatela legtima). Diante da falta das pessoas constantes do artigo 1775 do Cdigo Civil, o juiz nomear curador dativo, sendo, para tanto, considerada sua idoneidade e capacidade para exercer o munus, ainda que seja estranho famlia do interdito ( 1, 2 e 3 do artigo 1775 do Cdigo de Processo Civil). Assim que, segundo Silvio Rodrigues, existe uma curatela legtima ao lado de uma curatela dativa (2004, p. 419). Ocorre, porm, que o artigo 1775 de nosso Diploma Civil no tem carter absoluto, pois que o interesse e o bem- estar do interditando devem ser levados em conta. Silvio Rodrigues entende no ser rgida a ordem prevista na lei. Inclusive, sustenta a possibilidade de nomeao de curador estranho s figuras elencadas no artigo 1775 mesmo quando elas existam, desde que tal definio se mostre mais adequada no caso concreto (2004, p. 419). Dessa maneira, igualmente, o interdito no ser submetido curatela por parte de quem no lhe inspirava confiana quando em pleno gozo de sua capacidade (DINIZ, 2007b, p. 615). O Cdigo Civil no prev a curatela testamentria, a exemplo do que se d com a tutela. Conquanto inexista dispositivo legal expresso, Clvis Bevilqua, citado por Carlos Roberto Gonalves, sustenta que pode o ascendente, em sede de testamento, indicar algum que, depois de sua morte, cuidar da pessoa e bens do curatelado. O juiz, por sua vez, dever levar em conta tal indicao, a par dos curadores determinados pela lei. No poder o magistrado, porm, preferir o curador indicado em testamento, em detrimento dos curadores legais existentes (apud GONALVES, 2007, p. 632). Venosa entende ser possvel a curatela testamentria, semelhana da tutela. Os pais podem, em sede de testamento, nomear curador para os filhos 105
incapazes, uma vez que atinjam a maioridade. Como na tutela, sustenta o autor, tambm na curatela deve-se admitir a possibilidade de nomeao de curador por documento autntico (2007, p. 424). Maria Berenice Dias da mesma opinio. Alis, a autora afirma que como vedado o testamento conjunto, consoante o artigo 1863 do Cdigo Civil, cada um dos pais pode indicar curador que mais lhe parea adequado, curador esse que assumir o encargo quando o genitor sobrevivente falecer (2007, p. 544). Tambm no previu, o Cdigo Civil de 2002, dando azo dvida, a possibilidade de ser a curatela atribuda ao padrasto, madrasta ou enteado. Mas, revele-se, no artigo 1775 do Cdigo Civil ntida a preocupao do legislador com o resgate do princpio constitucional da igualdade de direitos e deveres entre marido e mulher, conforme a orientao do artigo 226, 5 da Constituio Federal (LEITE, 2004, p. 450). Deve o curador, em todas as situaes, proporcionar tratamento adequado ao curatelado, de modo que ele se recupere da situao de incapacidade, tornando desnecessria a medida, que ser, pois, levantada (GONALVES, 2007, p. 633). O estabelecimento adequado para o tratamento pode ser clnica de psicologia, hospital psiquitrico, ou clnica especializada na recuperao dos viciados em txicos, dependendo do caso (NADER, 2006, p. 672). H necessidade, nessa situao, de ser feita comunicao ao juiz, que autorizar a medida. Diante da omisso do curador, pode o magistrado ordenar que seja promovida, podendo a desobedincia injustificada culminar na remoo do representante (GONALVES, 2007, p. 633). Alis, ao curador se aplica a disciplina prevista para o tutor quanto remoo do encargo, que pode ocorrer diante de negligncia, prevaricao ou 106
incapacidade do representante. Arnaldo Rizzardo elenca outras causas de remoo: falta de defesa em questes judiciais ou administrativas, falta de prestao de alimentos, omisso da declarao de quanto deve ao curador o interdito, quando da nomeao, o cumprimento desidioso do munus, que possa acarretar prejuzo ao curatelado, o mau emprego do dinheiro ou saque, junto aos estabelecimentos bancrios, de quantias muito elevadas, o pagamento de dvidas sem autorizao judicial, a venda de bens perecveis, em que se dispensa a autorizao judicial, por ser o valor insignificante, a falta de capacidade para gerir contas, o desperdcio de quantias elevadas, dentre outros comportamentos que podem dar ensejo remoo (apud BRUM, 1995, p. 119). O procedimento de retirada do curador vem previsto nos artigos 1195 e 1196 do Cdigo de Processo Civil. Inclusive, pode o curador ser suspenso de suas funes, havendo a nomeao de substituto, em prol do bem-estar do curatelado, consoante o artigo 1197 do CPC (BRUM, 1995, p. 120).
2.3.7 Exerccio da curatela
No se confundem, evidentemente, tutela e curatela. A tutela recai sobre menores, ao passo que a curatela concedida para maiores incapazes ou nascituros; a tutela pode ter origem em procedimento voluntrio (testamento GONALVES, 2007, p. 608), enquanto a curatela sempre nasce de procedimento judicial; os poderes do tutor so mais amplos que os do curador, os quais podem se referir, apenas, mera administrao dos bens do interdito 107
(DINIZ, 2007b, p. 616). Alm disso, a tutela abrange a pessoa e bens do menor, ao passo que a curatela pode compreender a simples gesto patrimonial (GONALVES, 2007, p. 608). A despeito dessas diferenas, aplicam-se curatela dispositivos que pertinem tutela, quando com ela no forem incompatveis (assim, os artigos 1774 e 1781 do Cdigo Civil, 1187 e 1198 do Cdigo de Processo Civil), observadas as modificaes trazidas nos artigos 1775 e 1781 do novo Cdigo Civil. Na Espanha, o mesmo ocorria j em 1952: em general a la curatela se aplican en lo pertinente las normas de la tutela (KIPP; WOLFF, 1952, p. 453). Isso se d por se tratarem, ambos, de institutos de natureza assistencialista que, por essa razo, foram alocados no mesmo Ttulo (IV, diga- se de passagem) do Livro do Direito de Famlia (GONALVES, 2007, p. 608). Estevam de Almeida, trazido colao por Paulo Nader, considera a curatela a tutela dos maiores (apud NADER, 2006, p. 654). Nesse diapaso, ter o curador os mesmos direitos, garantias e obrigaes impostas ao tutor, podendo apresentar escusa ou ser removido do encargo, nos casos previstos na lei (DINIZ, 2007b, p. 616). Maria Berenice Dias entende mesmo que o ECA (Estatuto da Criana e do Adolescente) deve ser aplicado curatela. Desse modo, deve o curatelado ser reconhecido como dependente do curador, para todos os fins, inclusive previdencirios (vez que o tutelado goza da mesma condio). Embora isso represente nus ao curador. Ainda, mesmo que a guarda do filho maior incapaz seja da competncia dos pais, isso no significa que ele esteja sujeito ao poder familiar, bem como no quer dizer que no possa ser interditado e posto sob curatela (2007, p. 544). 108
Aplicam-se, portanto, ao curador as escusas voluntrias e proibitrias previstas nos artigos 1735 e 1736 do Cdigo Civil (exonerao e escusa do munus). Tambm est adstrito cauo (artigo 1745 e Pargrafo nico do Cdigo Civil), apresentao do balano anual e prestao de contas de sua gesto (artigo 201, IV do ECA, Lei n 8.069/90) (DINIZ, 2007b, p. 617). A prestao de contas de sua administrao deve ser feita a cada dois anos, alm de ser juntado aos autos, anualmente, balano das operaes financeiras realizadas no perodo (NADER, 2006, p. 671). Tambm, certo que o curador pode mover ao regressiva em face do curatelado para reaver o que despendeu, desde que o interdito tenha bens suficientes para tanto (DINIZ, 2007b, p. 617). Em se tratando da curatela exercida pelo cnjuge, se o regime for o da comunho universal de bens, no se fala em prestao de contas, vez que o acervo patrimonial comum, donde se depreende preocupao do cnjuge- curador com a sua preservao (artigo 1783 do Cdigo Civil). Se for outro o regime de bens, no entanto, a prestao de contas se faz necessria, bem como o balano anual (DINIZ, 2007b, p. 617). Na unio estvel, se eleito regime da comunho universal, diferente, portanto, do regime usual da comunho parcial, o curador tambm est desobrigado de prestar contas do encargo, pela mesma razo mencionada quanto aos cnjuges (GONALVES, 2007, p. 639). Maria Berenice Dias entende que o curador faz jus ao recebimento de quantia proporcional aos bens por ele administrados, de forma anloga ao que ocorre com o tutor. Tambm possvel, como na tutela, a nomeao de um pr-curador, quando houver interesse administrativo que exija conhecimento tcnico ou se deva realizar fora do domiclio do curador. Lembre-se que o pr- 109
curador pode ser pessoa fsica ou jurdica, a quem ser delegado o exerccio parcial da curatela, que dever ser aprovado pelo juiz e receber singela remunerao (2007, p. 549). No que concerne autorizao para o casamento, compete ao curador d-la ao curatelado. Lembre-se, porm, que somente os prdigos (artigo 1767, V, CC) e os sujeitos curatela relativa (artigo 1767, II e III, CC) podem se casar, sendo nulo o casamento do doente mental (artigo 1548, I, CC) e anulvel o casamento daquele incapaz de manifestar de modo inequvoco sua vontade (artigo 1550, IV, CC). Maria Berenice Dias entende, porm, que deve ser reconhecida a putatividade desses casamentos ou, pelo menos, a unio estvel, de modo que gere efeitos para o cnjuge de boa-f (2007, p. 544). No deve o curador se casar com o curatelado antes de prestadas as contas da curatela (artigo 1523, IV, CC). Caso tal casamento ocorra, inobservada causa suspensiva retro mencionada, o regime ser necessariamente o da separao obrigatria de bens (artigo 1641, I, CC), que somente ser afastado caso seja provada a ausncia de prejuzo para o interdito (artigo 1523, nico, CC). Tambm vedada a adoo do curatelado pelo curador antes de saldadas as contas do munus (artigo 1620, CC e artigo 44, ECA) (2007, p. 545). O curador titular de direitos e obrigaes no que concerne pessoa e bens do interdito, estendendo-se essa autoridade pessoa e patrimnio dos filhos do curatelado, de acordo com o artigo 1778 do Cdigo Civil, ainda que estejam tais filhos por nascer (artigo 1779, Pargrafo nico do Cdigo Civil), posto que o curador ser nomeado tutor dos filhos menores do incapaz sujeito curatela (DINIZ, 2007b, p. 617). Isso para que se garanta a unidade e a indivisibilidade da proteo (GONALVES, 2007, p. 634). 110
Paulo Nader evidencia que o trabalho do curador dificultado nesse caso, mas tambm comenta que seria, de fato, problemtica a convivncia entre curador do incapaz e tutor(es) de seu(s) filho(s) menor(es). Tambm sabido que o tratamento dispensado ao curatelado e aquele voltado a seus filhos, por extenso, sero diferentes, por diversas serem as necessidades (2006, p. 669). Somente podero ser vendidos os bens do interdito em hasta pblica, contanto que exista autorizao judicial para isso e se apresente vantagem na operao (artigo 1750 do Cdigo Civil). De acordo com a Lei n 1.869/53, todos os valores em dinheiro pertencentes ao curatelado sero recolhidos a estabelecimento bancrio, de onde sero sacados, apenas, para os custos com tratamento do enfermo ou para a aquisio de bens de raiz ou de ttulos da dvida pblica (DINIZ, 2007b, p. 617). Conforme a disciplina do artigo 1194 do Cdigo de Processo Civil, incumbe ao Ministrio Pblico, ou a quem tenha legtimo interesse, requerer a remoo do curador. O artigo 1197 do mesmo diploma legal, j mencionado, dispe que, em caso de extrema gravidade (de que so exemplos a administrao ruinosa do patrimnio do interdito, a falta de respeito para com ele, o marido nomeado curador que mantm relaes com outra mulher, etc. GONALVES, 2007, p. 635), pode o juiz suspender (suspenso liminar, segundo Maria Berenice Dias 2007, p. 551) o exerccio da curatela, nomeando-lhe substituto interino (administrador provisrio que poder, posteriormente, ser designado curador ou no). Dever o curador ser citado, de acordo com o artigo 1195 do CPC, para contestar a argio no prazo de cinco dias (exerccio da ampla defesa). Ser o curador destitudo do encargo, tambm, se cometer crime doloso contra o curatelado, caso em que se est 111
diante de efeito da condenao penal (artigo 92 do Cdigo Penal) (DIAS, 2007, p. 552). Assim que cessam as funes do curador quando termina o prazo em que est obrigado a servir, quando h escusa, quando houver remoo ou com o falecimento do prprio curador. Se a incapacidade permanecer, o caso do juiz nomear curador substituto. Se for o caso de requerer a sua exonerao do encargo, deve o curador faz-lo em dez dias, cessadas as funes, sob pena de reconduo automtica (artigo 1198, CPC). o que mais acontece na prtica (BRUM, 1995, p. 121).
2.4 Doena ou Mal de Alzheimer
2.4.1 Alois Alzheimer dados biogrficos relevantes
Alois Alzheimer nasceu em 1864, na regio da Bavria, ao sul da Alemanha (Marktbreit). Em 1883 ingressou na Faculdade de Medicina de Berlim, tendo obtido o bacharelado em cincias mdicas em 1888, em Wrzburg. Entre os anos de 1888 e 1902 prestou servios relevantes como mdico psquiatra e neurologista no Asilo Municipal para Doentes Mentais, em Frankfurt am Main. Ali recebeu o apelido, por parte de seus colegas, de psiquiatra do microscpio, em razo de seu interesse notrio pela utilizao deste instrumento nas pesquisas envolvendo o crebro humano. Alzheimer foi casado com C. S. Nathalie Geisenhemer (1894), com quem teve trs filhos. 112
Faleceu em 1915, em Breslau, em decorrncia de problemas renais agravados (SAYEG, 25 maio 2008).
2.4.2 Histrico da doena e origem do termo
As descries iniciais de demncia datam da Idade Antiga da Histria, tanto que, em razo disso, foram invalidados um testamento para Slon, em 500 a. C., e, mais tarde, um para Plato (em 350 a. C.). No sculo II depois de Cristo, Galeno incluiu o termo "dementia" na lista de perturbaes mentais crnicas, distinta do delrio, em razo de sua evoluo aguda. De modo clssico, o termo "demncia" foi introduzido no vocabulrio mdico por Pinel, em 1797, embora exista notcia da utilizao da expresso desde o sculo XIV. Etimologicamente, vem do latim "demens", palavra formada pela juno do prefixo "de", que quer dizer "fora de", mais o sufixo "mens", que significa "esprito". Originalmente sinnimo de loucura (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 13). Em 1906 Alois Alzheimer, ento neuropatologista da Escola de Munique (MAGNI & THOMAS, 1998, p. 14) apresentou, no 37 Encontro de Psiquiatras do Sudeste da Alemanha, tese cujo ttulo era Sobre uma enfermidade especfica do crtex cerebral, a relatar a evoluo do quadro da paciente Fran August D., de 51 anos, que tinha apresentado um delrio de cime seguido de uma desintegrao das funes cognitivas, tendo falecido num quadro demencial de evoluo progressiva (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 14), de quem 113
sintomas e estado clnico foram acompanhados pelo mdico durante seus anos de atuao no Asilo de Frankfurt (SAYEG, 25 maio 2008). A partir da anlise microscpica do crebro de August D., falecida em 1906, Alzheimer foi capaz de detectar a anomalia fisiolgica e o conjunto de manifestaes fsicas e comportamentais que ele chamou "degenerescncia neurofibrilar" (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 14). Ernest Kraepelin, psiquiatra alemo, introduziu a noo de demncia precoce e, em 1920, na 10 edio de seu tratado de doenas mentais, concedeu o nome de seu aluno Alzheimer demncia pr-senil degenerativa, restringindo-se aos casos em que a demncia se manifesta antes dos sessenta e cinco anos de idade (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 14). H informao, tambm, no sentido de que mais tarde a doena foi chamada Doena ou Mal de Alzheimer pelo prprio Alois (o primeiro registro da enfermidade, sob esta alcunha, foi feito em 1910) (CAMARGO, 2003, p. 19). Em 1977 ocorreu, em Londres, o primeiro congresso mundial sobre Doena de Alzheimer e doenas senis em geral. Tal data tambm coincide com a tomada de conscincia primeira da sociedade com o aumento da expectativa de vida, elevando a doena categoria de "fato da sociedade". Tambm a pesquisa neurolgica no que tange s demncias conheceu largo avano no mesmo perodo. Nos anos oitenta os progressos nos estudos clnicos e epidemiolgicos das doenas neurodegenerativas foram grandes. Especificamente em 1980, a Associao Americana de Psiquiatria editou o Manual disgnstico e estatstico das perturbaes mentais. Em 1984 o grupo de trabalho multidisciplinar NINCDS-ADRDA (National Institute of Neurological and Communication Disorders Association) estabeleceu critrios diagnsticos da Doena de Alzheimer (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 15). 114
Nos anos noventa a pesquisa relativa biologia e gentica molecular das leses fundamentais da doena se desenvolveram extraordinariamente, o que permitiu avano no tratamento, graas farmacologia aplicada (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 15).
2.4.3 Definio e estatsticas
O Mal de Alzheimer doena neurodegenarativa. Em linguagem mais acessvel, trata-se do tipo mais comum de demncia 6 (aparece em cerca de 50% dos casos) (CAYTON; WARNER; GRAHAM, 2000, p. 16). Atinge, sobretudo, idosos. Alis, representa a primeira causa de demncia do idoso. chamada demncia senil porque se refere a uma deteriorao intelectual do indviduo que, em geral, tem mais de sessenta e cinco anos de idade (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 9). Assim, a Doena de Alzheimer [...] uma sndrome clnica caracterizada pela alterao progressiva e irreversvel das funes cognitivas, acompanhada de modificaes neurohistolgicas particulares, compreendendo degenerescncia neurofibrilar e placas senis. Esta afeco pode-se exprimir, clinicamente, antes ou depois dos sessenta e cinco anos (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 10).
De acordo com o CID (Classificao Estatstica Internacional de Doenas, da OMS), Doena de Alzheimer, cujo nmero identificador 10, definida como doena cerebral degenerativa primria de etiologia desconhecida (CAMARGO, 2003, p. 20).
6 A Classificao Internacional das Doenas (CID) define a demncia como uma alterao progressiva da memria e da ideao, suficientemente marcada para perturbar as atividades da vida diria, surgida h pelo menos seis meses e de uma perturbao de pelo menos uma das funes seguintes: linguagem, clculo, julgamento, alterao do pensamento abstrato, praxia, gnosia ou modificao da personalidade (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 35). 115
Em geral, neurologistas do mundo todo costumam tratar a Doena de Alzheimer como demncia do tipo Alzheimer (DTA), distinta das formas pr- senis da doena, chamadas, portanto, demncias de tipo Alzheimer de incio precoce. A DTA a demncia degenerativa cortical mais freqente e tpica (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 51). O transtorno usualmente insidioso no incio e se desenvolve lenta mas continuamente, durante um perodo de vrios anos (CAMARGO, 2003, p. 20). Seu diagnstico feito, em geral, por excluso de outros tipos de demncia, alm de exame fsico completo e inmeros testes, incluindo exames de sangue e tomografia de crnio (CAYTON; WARNER; GRAHAM, 2000, p. 44). Alis, Magni e Thomas defendem a existncia de subtipos da Doena De Alzheimer, em razo das diferenas do quadro neuropsicolgico dos pacientes, bem como de acordo com a idade dos enfermos (1998, p. 10). O envelhecimento crescente da populao, conforme restou apurado no Captulo 1 do presente estudo, a gravidade e o significativo aumento da freqncia da incidncia de demncias, sobretudo do tipo Alzheimer, tornam a questo visivelmente prioritria, em termos de sade pblica, para as prximas dcadas (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 17). Estima-se que, em 2025, ser um bilho de idosos no mundo. S no Brasil haver trinta e quatro milhes de pessoas com mais de sessenta anos de idade nesta data, o que equivale a 10% do total de nossa populao (SAYEG, 25 maio 2008). Entre as demncias, a Doena de Alzheimer a mais prevalente e uma das mais aterradoras. Surgem problemas de memria. Sem memria, o presente sem sentido. O passado construdo ora com dificuldades, ora com alegrias, se torna estranho e desconhecido, mesmo quando gravado em fotografias. Ento, o doente de Alzheimer se torna prisioneiro 116
dos medos de um mundo antes desbravado e construdo (LIMA; MARQUES, maio/ago. 2007, p. 159).
Leve-se, pois, em conta, inicialmente, a dificuldade na obteno de dados estatsticos seguros a respeito da incidncia da doena, vez que o diagnstico da Doena de Alzheimer um diagnstico de presuno, j que leva em conta as alteraes cognitivas dos pacientes, bem como se manifesta em grupo bastante heterogneo de pessoas, alm do fato de existir uma srie de patologias associadas DTA (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 17). Apesar disso, estima-se, so, hoje, dezoito milhes de pacientes de Alzheimer (esta que considerada a peste negra do sculo XXI) no mundo e um milho e duzentos mil no Brasil (SAYEG, 25 maio 2008). Metade dos casos de demncia pode ser imputada DTA (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 17). E as perspectivas no so animadoras: dez a quinze por cento dos brasileiros com mais de sessenta e cinco anos de idade sofrer da doena, sendo o percentual em torno de cinqenta, em se tratando de pessoas com mais de oitenta anos de idade (sim, metade dos brasileiros que passarem da casa dos oitenta anos desenvolver a Doena de Alzheimer) (SAYEG, 25 maio 2008). A expecativa de vida de um paciente que sofre de Alzheimer diminui cerca de cinqenta por cento. Os indivduos acometidos pela doena antes de sessenta e cinco anos de idade tm diminuio consideravelmente maior em sua expecativa de vida; a se concentram os casos mais raros e graves da doena (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 20). As many as 5 million Americans are living with Alzheimers disease. Alzheimer's destroys brain cells, causing problems with memory, thinking and behavior severe enough to affect work, lifelong hobbies or social life. Alzheimers gets worse over time, and it is fatal. Today it is the sixth-leading cause of death in the United States (ALZHEIMERS ASSOCIATION, 17 jul. 2008). 117
A estimativa, nos Estados Unidos da Amrica, de que haja 10 milhes de doentes em 2040 (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 21). Isto representa gasto aproximado de cem bilhes de dlares por ano naquele pas, sendo noventa bilhes gastos exclusivamente pelas famlias dos enfermos e apenas 10 bilhes subsidiados pelo governo americano (considere-se que setenta por cento dos pacientes recebe cuidados em sua prpria casa, podendo a doena se arrastar por at vinte anos) (SAYEG, 25 maio 2008). As previses mais otimistas falam em cerca de 240 milhes de doentes de Alzheimer em 2025 (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 21). O elevado nmero de falecimentos de pacientes acometidos pelo Mal de Alzheimer se deve, principalmente, perda da autonomia ocasionada pela enfermidade e os efeitos da decorrentes, tais como escaras, infeces, desnutrio, etc.. De qualquer modo, a durao da vida dos doentes praticamente dobrou de cinco dcadas para c; isso se deve ao melhor controle exercido pela cincia mdica sobre as complicaes secundrias decorrentes da doena (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 20).
2.4.4 Fatores de risco
O nico fator de risco da Doena de Alzheimer aceito universalmente a idade (alm, claro, de predisposio gentica familiar). Alguns estudiosos chegam mesmo a definir a doena como um processo de envelhecimento acelerado (trata-se, portanto, de envelhecimento anormal) (CAYTON; 118
WARNER; GRAHAM, 2000, p. 19). No mesmo sentido a opinio de Magni e Thomas: nico fator de risco incontestvel da DTA a idade, apesar de vrios estudos tambm conclurem pelo aumento do risco individual nas pessoas que apresentam antecedentes familiares de Doena de Alzheimer (1998, p. 22 e 23). A norte-americana Alzheimers Association informa que: The greatest known risk factor for Alzheimers is increasing age. Most individuals with the disease are 65 or older. The likelihood of developing Alzheimers doubles about every five years after age 65. After age 85, the risk reaches nearly 50 percent (17 jul. 2008).
A comunidade cientfica j constatou que a trissomia vinte e um mais comum nas famlias de pacientes acometidos por DTA (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 22 e 23). Apesar de, algumas vezes, a doena aparecer logo aps um perodo de estresse ou depresso, no h qualquer relao comprovada entre estes acontecimentos e a demncia (CAYTON; WARNER; GRAHAM, 2000, p. 19). Reportagem da Revista Veja relata: O Alzheimer ainda um mistrio para a cincia. O diagnstico feito por excluso e os remdios so s paliativos. Os fatores de risco permanecem obscuros de certo, s h o fato de que manter-se intelectualmente ativo desde a juventude pode reduzir os riscos de aparecimento do mal. Na ltimas duas dcadas, foram desvendados em parte alguns dos processos que levam os neurnios morte. Basicamente, os cientistas descobriram que, nos portadores de Alzheimer, duas protenas, chamadas beta-amilide e tau, funcionam de maneira inadequada. Elas formam placas e emaranhados de fibras que sufocam, atrofiam e matam as clulas cerebrais (PASTORE, 6 ago. 2003).
Pesquisas realizadas em todo o mundo tm revelado, todavia, que as mulheres tm maior propenso para desenvolver a patologia. Isto encontra explicao fcil no fato de a expecatativa de vida das mulheres ser maior que a 119
dos homens, o que faz com que mais pessoas do sexo feminino cheguem chamada terceira idade e desenvolvam a doena (SAYEG, 25 maio 2008). O risco relativo da mulher desenvolver a doena, em relao ao homem, superior 1,5 vezes (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 23). Estudo sobre interdio civil realizado em Porto Alegre, em 2002, revelou a existncia de maior concentrao de interdies no segmento feminino da populao na faixa posterior aos sessenta e um anos de idade, ou seja, idosa. Isso porque os homens dessa faixa etria, quando vivos, tm maior facilidade para recompor sua vida conjugal, constituindo nova famlia com mulher mais jovem e tendo outros filhos, o que diminui o risco de desenvolvimento de doena do tipo demncia, inclusive DTA. De se notar que as vivas sentem muito mais o peso da solido (MEDEIROS, 2007, p. 127 a 128). Tambm o grau de escolaridade, ou os anos de estudo formal, influem no aparecimento ou no dos sintomas tpicos de Alzheimer: quanto mais tiver estudado, menores so as chances da pessoa desenvolver o problema, afirmam os cientistas (SAYEG, 25 maio 2008). Magni e Thomas sustentam que o determinismo hormonal ainda carece de explicao satisfatria enquanto possvel fator de risco da doena (h cientistas que defendem a ligao provvel entre altas doses de cortisol, hormnio secretado pelas glndulas supra-renais em situaes de estresse, e a DTA, vez que tal hormnio extremamente prejudicial para o crebro, pois danifica as clulas cerebrais, destri a integridade bioqumica do crebro, retirando dele a glicose, e aniquila os neurotransmissores, encarregados de conduzir os pensamentos de uma clula a outra SILVEIRA JR., 1998, p. 91). Os mesmos autores no vem ligao comprovada entre o nvel cultural do 120
paciente e a ocorrncia da doena. Apesar disso, diferentes estudos relatam taxa significativamente elevada de doentes provindos de camadas da populao menos favorecidas socioculturalmente (1998, p. 23). No que tange eventual predisposio gentica para o desenvolvimento do Mal, alguns pesquisadores, nos ltimos anos, tm apontado um certo gene, apo E (apoliptotena E) como intimamente ligado doena. Tal gene apresenta varies: E2, E3 e E4, sendo que o E2 protege as pessoas da Doena de Alzheimer; o E3 torna o incio da enfermidade mais provvel e o E4, que o tipo mais comum de gene E, est associado a um possvel risco de desenvolvimento da DTA. Como todos ns herdamos duas cpias de cada um dos nossos genes, cada uma advinda de um de nossos pais, h seis possveis combinaes desses trs genes apo E. A pior situao que pode ocorrer termos dois genes E4, o que se d com dois ou trs por cento da populao, j que o E4 o gene responsvel pela provvel manifestao da Doena de Alzheimer. Sendo este o caso, as chances de ter a DTA so de noventa por cento, aos oitenta anos de idade. O melhor destino, do ponto de vista gentico, a presena de dois genes apo E2, caso em que haver maior proteo contra a patologia, ao menos teoricamente. Se estiverem presentes dois genes E3, h risco mdio de incidncia da doena, haja vista a ligao desse gene especfico com a possibilidade mediana de desenvolvimento do Mal de Alzheimer (SILVEIRA JR., 1998, p. 90). H, ainda, quem defenda que a utilizao de alguns produtos contendo certa quantidade de alumnio tambm pode levar ao desenvolvimento do Mal de Alzheimer, uma vez que destri os neurnios, facilitando a instalao da doena (CAMARGO, 2003, p. 22) (anticidos, desodorantes, enlatados e utenslios de cozinha). No entanto, nada disso j restou comprovado. Magni e 121
Thomas tm opinio semelhante: a exposio a zinco e alumnio foi incriminada, mas careceu de comprovao (1998, p. 23). Silveira Jr. noticia a publicao, em 1989, de artigo em renomada revista mdica acerca da relao entre intoxicao por alumnio e Doena de Alzheimer. Necropsias apontavam que havia excesso do metal em crebros de pacientes portadores de DTA (SILVEIRA JR., 1998, p. 91). A mesma falta de certeza cientfica se d com pessoas que sofreram algum tipo de traumatismo craniano; no h qualquer comprovao de fundo cientfico entre esse acontecimento e a Doena de Alzheimer, apesar da incidncia da patologia nesses indivduos ter sido mais freqente (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 23). Outros possveis fatores de risco, mencionados isoladamente em algumas pesquisas: o consumo de lcool, o uso de determinados medicamentos e a manifestao de tumores malgnos (os chamados cnceres) podem aumentar as chances de surgimento da molstia (SAYEG, 25 maio 2008). Quando os sintomas se manifestam antes dos quarenta anos de idade, provvel que isto se deva exclusivamente ao fator gentico (ou presena da Sndrome de Down) (CAYTON; WARNER; GRAHAM, 2000, p. 18). Casos com esta caracterstica, no entanto, no so muito comuns. Alis, sobre a Sndrome de Down, diga-se que ambos os pacientes, aqueles portadores de DTA e trissomia 21 (ou Sndrome de Down), apresentam falta de uma isoenzima da superxido dismutase (potente enzima que combate os radicais livres 7 ), alterao que no se observa em pacientes
7 Radical livre fragmento molecular com eltrons desemparelhados, normalmente instvel e reativo, que promove reaes em cadeia (HOUAISS, 2001, p. 2374). 122
normais. Tal caracterstica gentica a nica que relaciona as duas enfermidades, o que j foi, inclusive, publicado na New York Academy of Science, em livro intitulado Alzheimer e Sndrome de Down, ainda nos anos oitenta (SILVEIRA JR., 1998, p. 91). Outros pesquisadores, citados por Silveira Jr, falam na presena de um tipo especial de vrus lento, que somente se manifesta em pessoas idosas, apesar de j se encontrar alojado no organismo muito tempo antes da velhice. Tal manifestao se d pela queda da imunidade, manifestao tpica da terceira idade (1998, p. 92). Tambm os radicais livres, dizem alguns cientistas, esto associados DTA, j que o excesso dessas clulas no crebro acaba por pr fim atividade cerebral normal, o que tambm se pode constatar pelas necropsias realizadas em doentes de Alzheimer. Por fim, reafirme-se com o Dr. Silveira Jr., pesticidas, herbicidas e vrios poluentes ambientais so apontados como substncias nocivas que podem provocar a DTA, alm de outra srie de produtos qumicos industriais. Tambm h quem diga que o prprio sistema imune do paciente que produz o Mal de Alzheimer, na medida em que fabrica, por si s, anticorpos que atacam as clulas cerebrais (1998, p. 92). O prprio Dr. Antonio Augusto de Arruda Silveira Jr. observou, em seus pacientes, que a utilizao de algumas drogas tranqilizantes, antidepressivas e anorexgenas (aquelas usadas nos tratamentos para emagrecer) influenciam de modo negativo as alteraes cerebrais que aparecem na DTA, mormente em pacientes que fazem uso exagerado dessas substncias. De se salientar, ainda, a opinio do mdico, que acredita no ser nica a causa da Doena de Alzheimer; antes, uma reunio de fatores de risco que favorecem a manifestao do Mal, tal como se d com as doenas cardiovasculares, o que 123
implica em tratamento holstico, o mais amplo possvel, no devendo ser os sintomas tratados com a administrao de remdio nico (1998, p. 92). Em tempo: no h, ainda hoje, tratamento hbil a prevenir a manifestao da Doena de Alzheimer, como tambm no se fala, por hora, em cura para a enfermidade, adiante-se. There is no treatment that can prevent Alzheimers disease. There is, however, a growing amount of evidence that lifestyle choices that keep mind and body fit may help reduce the risk. These choices include being physically active; eating healthy foods including fresh fruits, vegetables and fish; keeping your brain challenged; reducing stress, keeping an eye on your blood pressure, blood sugar and cholesterol levels; avoiding traumatic brain injury; and keeping socially active (ALZHEIMER SOCIETY, 17 jul. 2008).
2.4.5 Sintomas principais e diagnstico
O primeiro grande sintoma (e mais visvel deles) a perda gradativa da memria. Primeiro a memria recente, depois a remota. Mudanas significativas de comportamento tambm foram observadas em pacientes com Alzheimer. Alm disso, srias dificuldades de comunicao e falta de autonomia (que, em estgios mais avanados da doena, chega a ser total) para a consecuo das tarefas dirias mais simples, tais como ir ao banheiro, tomar banho, vestir-se, alimentar-se, fazer compras e etc.. Tambm a falta de orientao no tempo e no espao corriqueira (SAYEG, 25 maio 2008). Em entrevista Revista Veja, John Zeisel, socilogo com doutorado em arquitetura e design, especializado na consecuo de projetos de prdios para idosos portadores de Alzheimer, afirmou: 124
[...] Pelo menos um tero dos comportamentos que identificamos como agitao, agresso ou ansiedade , na verdade, conseqncia da incapacidade de se lembrar, de achar o caminho, de ter certeza de que se tem de fazer uma coisa mas no se sabe o que . Como tambm conseqncia o outro extremo do comportamento de quem tem Alzheimer: a apatia. Quando a parte do crebro que marca o tempo, que permite que a gente saiba em que parte do dia est sem olhar o relgio, danificada, no h mais senso de passado nem de futuro, s de presente. As pessoas com Alzheimer vivem no presente. Por causa disso, tornam-se apticas. Ficam sentadas, olhando para o vazio (25 abr. 2007, p. 102).
Em grande parte dos casos o doente conduzido ao consultrio mdico por familiares e, uma vez submetido aos testes para a deteco da doena, esfora-se para responder com acerto s perguntas, dirigindo-se ao parente para pedir auxlio quando se d conta de que sua memria j no mais capaz de reter certas informaes (SAYEG, 25 maio 2008). A britnica Alzheimers Society informa, acerca dos sintomas da DTA:
Some of the first signs of Alzheimers disease include lapses in memory and problems with finding the right words. Other symptoms that may develop include: - Memory problems: for example, forgetting the way home from the shops, or being unable to remember names and places. - Mood changes: particularly as the parts of the brain that control emotion become affected by disease. People with dementia may also feel sad, frightened or angry about what is happening to them. - Communication problems: or example, a decline in the ability to talk, read and write (16 jul. 2008).
O diagnstico feito por meio de exame histolgico, j que so duas as leses histolgicas que assinalam a DTA: uma extracelular, constituda pela placa senil 8 , e outra, intracelular, de degenerescncia neurofibrilar 9 . Decorrem dessas leses morte celular e despopulao neuronal. Entretanto, as caractersticas anatmicas da doena no se baseiam tanto na natureza das leses, vez que tanto a degenerescncia neurofibrilar quanto a placa senil
8 As placas senis (OS) so leses extracelulares esfricas que contm um ncleo central sem forma envolvido por axnios degenerados (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 27). 9 A degenerescncia neurofibrilar (DNF) uma leso que h dentro do neurnio, constituda pelo acmulo anormal de material fibrilar (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 29). 125
aparecem em outras patologias. principalmente a densidade e a difuso das alteraes bsicas que caracterizam a demncia do tipo Alzheimer (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 25). Silveira Jr. faz afirmao semelhante: o nico meio preciso de obter diagnstico da DTA proceder ao exame do tecido cerebral do paciente acometido pelo Mal, depois de sua morte. Apesar disso, possvel obter praticamente noventa e cinco por cento de preciso atravs de testes de funo cognitiva e tcnicas avanadas de imagem. Conforme se ver a seguir, porm, nem todos os pacientes com debilitao cognitiva sofrem de DTA. H outras causas para tal perturbao, tais como mltiplos infartos cerebrais, depresso clnica, consumo excessivo de lcool e, at mesmo, maus hbitos alimentares (1998, p. 93). Lembre-se, em tempo, que o diagnstico da DTA no totalmente seguro, o que significa dizer que os pacientes sero considerados portadores de uma possvel ou provvel DTA (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 57). Alm disso, o j comentado carter insidioso da doena, associado sua freqente banalizao, geralmente acabam por retardar o diagnstico positivo, difcil de ser feito, com margem grande de acerto, em estgio inicial da doena. Quando a demncia do tipo Alzheimer facilmente constatada, em geral o paciente j se encontra em estado grave, que culminar, em poucos anos, na sua total perda de autonomia e posterior falecimento. Somente os dados do exame anatmico permitiriam a obteno de diagnstico confivel; porm, tal exame no recomendado do ponto de vista prtico e tico. Assim que ainda se fala, hoje, que o diagnstico da DTA se baseia, mormente, em uma estratgia de eliminaes sucessivas (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 59). 126
Ocorre que as perturbaes da memria so imprescindveis para a descoberta da DTA e, quase sempre, determinantes. Geralmente, tais perturbaes j acontecem h vrios meses quando o paciente procura se consultar. No estgio inicial da doena o enfermo j no se lembra de fatos recentes, tais como a localizao de objetos usuais. Depois, reunies familiares e outros fatos mais significativos caem no esquecimento. A falta de orientao no tempo e no espao freqente desde o estgio inicial do Mal de Alzheimer, mas se agrava com o passar do tempo, podendo se tornar permanente (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 61). Alguns doentes permanecem indiferentes perda gradual da memria; outros a percebem, manifestando verdadeiras crises de ansiedade em razo delas, chamadas "reaes de catstrofe" (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 61). Tambm h que se falar em perturbaes comportamentais do paciente, que, em geral, traduzem-se por desinteresse e inibio, assemelhando-se o quadro clnico ao da pessoa que sofre de depresso. Igualmente crises confusionais ou episdios psicticos podem revelar a presena da DTA. Outro sintoma bastante corriqueiro a perturbao da linguagem, da praxia (saber fazer) e/ou da gnosia (saber reconhecer). Na prtica, as queixas acerca de eventuais dificuldades de natureza prxica ou gnsica no so muito comuns, todavia. Quase sempre, a dificuldade na expresso verbal que leva o doente ao consultrio mdico (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 61). Em geral, possvel ao mdico, j na primeira consulta, avaliar as funes cognitivas do paciente, atravs da realizao de teste, aplicado em cerca de dez minutos, levando-se em conta, evidentemente, o nvel intelectual e o grau de escolaridade do doente. (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 62 e 63). 127
Impossvel que uma avaliao rpida detecte precocemente uma DTA. Caso reste dvida, depois da consulta inicial, dever ser realizado exame psicosomtrico mais detalhado, por psiclogo clnico treinado. Os resultados devero ser confrontados com o contexto clnico (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 66). Antes do diagnstico definitivo de DTA, preciso proceder eliminao de dois grupos de sndromes, quais sejam: a pseudodemncia depressiva (nesse caso h um contraste grande entre as queixas do doente, que exagera nos sintomas, e a pontuao razovel obtida nos testes de memria aqui os esquecimentos se referem a detalhes. Tambm no h que se falar em desorientao do paciente, e, apesar do discurso verbal ser pobre, resta geralmente conservada sua coerncia) e os esquecimentos de senescncia, ou perturbaes de memria associadas idade, que podem ser benignas ou malignas. O esquecimento benigno se caracteriza pela perda da memria, em geral aps cinqenta anos de idade, e sobretudo acerca de detalhes da vida cotidiana, datas, nomes prprios, etc.. Podem ser esquecimentos relacionados ao passado recente ou antigo, pouco importa. Os dados esquecidos so lembrados em oportunidades futuras, e esses indivduos tm as mesmas chances de quaisquer indviduos normais de desenvolver a DTA. J o esquecimento maligno, que tambm se d depois dos cinqenta anos de idade, refere-se perda de passagens inteiras do passado recente. Aplicados os testes, so freqentes as respostas falsas e confabulatrias, mas no se fala, aqui, em alterao de outras funes superiores, tais como o pensamento abstrato, o julgamento, a linguagem, etc.. de 15% a chance de agravamento desse tipo de patologia para uma DTA em 4 anos, aproximadamente (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 68). 128
A seguir, deve o especialista eliminar as causas mdicas no neurolgicas, de que exemplo a intoxicao medicamentosa crnica, causada, dentre outras drogas, pela administrao de antidepressivos tricclicos, antiepilpticos e at alguns corticides. Tambm intoxicao causada pelo lcool, desde que o alcoolismo seja macio e prolongado e a avaliao se d, no mnimo, depois de trs semanas. Ainda, algumas afeces mdicas mais raras, de que so exemplos certas carncias vitamnicas, neurossfilis, grandes insuficincias renais, respiratrias e cardacas e a presena do vrus HIV. Imprescindvel, portanto, a realizao de certos exames biolgicos para que restem confirmadas tais causas no neurolgicas (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 68 a 70) e tambm as causas neurolgicas e neurocirrgicas (a eliminao dessas causas baseada em interrogatrio e exame clnico meticuloso, assim como em dados de balano paraclnico, principalmente exames morfolgicos). O interrogatrio levado a cabo pelo mdico tem o intuito de verificar o incio e a evoluo de eventual DTA, caso em que a deteriorao ser progressiva e uniforme, diferentemente do que ocorre em outras demncias. Tambm sero considerados antecedentes familiares, fatores de risco vasculares porventura existentes, ocorrncia de possvel traumatismo craniano e etc.. (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 70). O exame neurolgico investiga sinais que tornam desacreditvel o diagnstico de DTA; ao contrrio, mostra sinais de um acometimento cerebral orgnico difuso. O exame cardiovascular tambm deve ser feito com cuidado, de modo que reste averigada a ocorrncia de leso cerebral de natureza vascular, de que so indcios a presena de hipertenso arterial, cardipatia tromboemblica, perturbao do ritmo cardaco, etc.. (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 72). 129
Tambm sero realizados exames paraclnicos: a densitometria enceflica ou scanner X, que permite eliminar uma srie de dvidas envolvendo o diagnstico; a imagem por ressonncia magntica, que possibilita a distino entre indivduo portador de DTA e idoso normal; o exame de imagem funcional, que proporciona o estudo do metabolismo cerebral, em repouso e em atividade, sobretudo durante a realizao de tarefas que exigem esforo de memria e, ainda, os exames neurofisiolgicos (eletroencefalograma, que geralmente se apresenta alterado em pacientes portadores de Doena de Alzheimer) (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 73 a 78). Silveira Jr. cita, dentre as tcnicas de diagnstico por imagem, as tomografias computadorizadas (TC), as ressonncias magnticas (RM) e as tomografias por emisso de psitrons (PET) (1998, p. 93). A tomografia computadorizada meio hbil para a deteco de reduo do volume cerebral, espessura fina do neocrtex, expanso dos espaos abertos do crebro e a presena dos j comentados emaranhados neurofibrilares e placas senis. Apesar disso, a TC no fornece o diagnstico definitivo da doena; apenas indica possibilidade. A ressonncia magntica, por sua vez, mais sensvel que a TC, indica rupturas cerebrais mnimas, que podem prejudicar a funo cognitiva. J a tomografia por emisso de psitrons fornece espcie de fotografia em movimento do interior do crebro, e monitora a quantidade de glicose usada por diversas partes do rgo. Se apenas pequena quantidade de glicose estiver sendo usada, haja vista que muitas clulas do crebro do portador de DTA esto mortas, sinal de que h deteriorao causada pela doena. Silveira Jr. est convencido, ao contrrio de outros cientistas, que esse conjunto de medidas o bastante para indicar a presena certeira do Mal de Alzheimer (1998, p. 94). 130
Magni e Thomas acrescentam, no entanto, que devem ser sopesados os custos e benefcios de todos esses exames paraclnicos, principalmente em pacientes cuja idade j mais elevada (1998, p. 82). Reportagem recente da Revista Veja noticia a descoberta, por cientistas americanos das universidades da Pensilvnia e Rush, de uma estreita associao entre a perda da capacidade olfativa (para sentir cheiros familiares, tais quais os de banana, canela e limo) e o aparecimento da doena alguns anos mais tarde. Para chegar a essa concluso, os mdicos acompanharam cerca de 600 pessoas com mais de cinqenta e quatro anos de idade, durante cinco anos. No incio dos estudos, os pacientes foram submetidos a testes neurolgicos e cognitivos, repetidos todos os anos, alm de um exame que avaliou a percepo deles para doze odores. Para cada um dos cheiros eram dadas quatro opes de reposta. A mdia de acerto foi de nove questes. Quem ficou abaixo dessa marca mostrou-se at 50% mais suscetvel ao aparecimento da DTA ou a perdas cognitivas em ritmo mais acelerado. A esse trabalho, some-se outro, tambm americano, em que os pesquisadores identificaram uma variante do gene GAB2, cuja presena parece aumentar o risco de desenvolvimento da doena. Lembre-se que o diagnstico precoce instrumento fundamental para ajudar a diminuir o ritmo do avano da Doena de Alzheimer. Hoje, metade dos casos da doena so detectados em estgio avanado, quando o comprometimento das funes cognitivas bastante extenso. Com os novos recursos, espera-se antecipar a constatao da doena em at 30% dos casos (NEIVA, Revista Veja). Neiva tambm relata que o protocolo seguido pelos mdicos de 1984, e dele consta apenas uma avaliao clnica feita em consultrio, que inclui histrico familiar e teste de cognio. Estudo recente elaborado por uma junta 131
de mdicos europeus e americanos, divulgado na revista cientfica Lancet Neurology, defende a incluso de exames de imagem, tais como ressonncia magntica e tomografia computadorizada, hbeis, como j dissemos, a flagrar a atividade e anatomia cerebrais. Ademais, os mdicos sugerem a incluso de marcadores biolgicos e genticos para descobrir os riscos da ocorrncia da doena, o que j tem sido feito em alguns hospitais americanos (NEIVA, Revista Veja).
2.4.6 Evoluo da doena
A Doena de Alzheimer enfermidade que se desenvolve em perodo de aproximadamente dez a vinte anos. Antes do incio acentuado da doena, porm, pode o paciente passar cerca de sete anos em declnio de sua capacidade cognitiva, sofrendo com sintomas muito semelhantes debilitao da memria em razo da idade. claro que o tempo de evoluo da doena peculiar a cada paciente, mas certo que a degenerao total do crebro inevitvel na maioria deles (SILVEIRA JR., 1998, p. 94). Os especialistas dividem a evoluo da Doena de Alzheimer em quatro grandes fases, quais sejam: inicial, intermediria, final e terminal (SAYEG, 25 maio 2008). Note-se que noventa e cinco por cento dos pacientes falece nos primeiros cinco anos de desenvolvimento da doena. A primeira fase, chamada inicial, a mais crtica. Isto se deve no tanto aos sintomas apresentados, mas dificuldade que se observa no diagnstico (muitas pessoas creditam senilidade determinados comportamentos tpicos 132
do paciente com Alzheimer, o que atrasa o tratamento, agravando a evoluo do quadro). Observe-se, desde j, que a Doena de Alzheimer ainda no apresenta cura, mas o acompanhamento mdico deve comear o mais rpido possvel, para que os efeitos sejam minimizados (CAMARGO, 2003, p. 29). Desta feita, a chamada fase inicial dura de dois a quatro anos. A primeira caracterstica, que denota mesmo a presena da doena em grande parte dos casos, a perda da memria recente. O paciente no se lembra mais das refeies que fez no dia, das pessoas com quem conversou, das estrias que ouviu nos ltimos tempos e etc. (SAYEG, 25 maio 2008). A partir de pequenos esquecimentos, por vezes engraados colocar sal no caf ou acar no feijo se chega completa indiferena para com os seus, para com o mundo em volta e para consigo mesmo. O desconhecimento das familiares vai se instalando, no sabendo mais quem so os filhos, netos, ou parceiro(a). Perde a auto-referncia a ponto de passar diante do espelho e cumprimentar aquele que l est, por no reconhecer sua prpria imagem refletida (FRANCA, 2004, p. 50).
Roberto Pompeu de Toledo narra: O senhor D., de 95 anos, choca-se toda vez que v, na televiso, notcia da morte da menina Isabella. No que se choque com novos desenvolvimentos do caso. Como no se lembra do noticirio do dia anterior, e nem mesmo, quando chega a hora do noticirio da noite, daquele que viu tarde, a cada noticirio trava conhecimento do caso pela primeira vez. A cada vez um choque novinho em folha. D. mora com a filha e o genro. A mulher j morreu h alguns anos. A filha chama-se Luza, mas ele a chama de Ana, que era o nome da mulher. A famlia j se acostumou s confuses que povoam a mente de D. e em geral no se d ao trabalho de corrigi-lo. Contra essa confuso especfica, porm, o genro costuma se insurgir. Se esta aqui a Ana, que estou fazendo eu nesta casa?, pergunta (16 abr. 2008, p. 134).
A senhora T., de 87 anos, passa horas lendo a mesma pgina do mesmo livro. Sentada mesa, acompanha com o dedo a linha em que os olhos pousam. s vezes o dedo permanece muito tempo na mesma linha. Outras vezes, vai velozmente at o fim da pgina, e ento volta ao incio, e comea de novo. Chega uma hora em que vira a pgina, e ento permanece nela outro longo tempo, subindo e descendo as linhas, s vezes estacionando por tempo exagerado numa delas. Quando se levante por algum motivo, ao voltar mesa, retoma o livro 133
na mesma pgina, ou na anterior, ou, se o livro est fechado, em qualquer ponto em que venha a abri-lo. T. no apenas no grava o que leu tambm no grava o que come. Pode j ter almoado, mas, se v a sobrinha, que chega sempre atrasada, sentar-se mesa, ela se senta tambm. Se no for detida, almoar tantas vezes quantas perceber algum almoando na casa. A irm que cuida dela tem o cuidado de no deixar nenhuma comida exposta na casa. As bananas e laranjas so guardadas dentro de um armrio trancado a chave (16 abr. 2008, p. 134).
As alteraes relacionadas memria se devem a diversas causas, dentre as quais a leso do hipocampo. Tambm os baixos nveis de acetilcolina, importante neurotransmissor responsvel pelo incremento da memria humana, que se deve deteriorao do sistema lmbico do crebro, o centro de nossas emoes (SILVEIRA JR., 1998, p. 95). Observa-se, tambm, certa desorientao espacial, o que, gradativamente, acaba por impedir sadas desacompanhadas, bem como a realizao de tarefas rotineiras sem o auxlio de outra pessoa. o mesmo Pompeu de Toledo quem relata: O senhor L., de 94 anos, s vezes levado pelo acompanhante para dar uma volta no quarteiro, na cadeira de rodas a que foi reduzido desde que quebrou a perna. Outras vezes, a filha o tira de casa para uma ida ao mdico. Quando volta, ele custa a reorientar-se. De quem esse apartamento?, pergunta. No adiante dizerem que o seu prprio apartamento, ele no aceita tal explicao. Que apartamento bom, elogia (16 abr. 2008, p. 134).
A senhora H., de 82 anos, costumava comparecer uma vez por ms reunio em que, com amigas da mesma idade, costurava roupas de criana para os pobres. Como as amigas sabiam que ela andava meio esquecida, telefonaram na vspera para lembr-la da reunio. No dia mesmo voltaram a ligar, para lembrar que o compromisso era s 15 horas. E uma amiga mais zelosa ainda telefonou de novo meia hora antes da reunio, para um ltimo lembrete. Eis porm que a reunio se inicia e nada de H. aparecer. Passa meia hora, passa uma hora. Resolvem telefonar para a casa dela e ficam sabendo pela empregada que H. realmente chegou a sair de casa. Na rua, em vez de tomar um txi, ps-se a andar a p em volta do quarteiro. Esqueceu-se de para que sara. Quando cansou, voltou para casa. Ainda bem que voltou, comentou a empregada. Foi a ltima vez que chamaram H. para a reunio (16 abr. 2008, p. 134). 134
Tambm so notadas mudanas comportamentais; na maior parte dos casos, ganham nfase caractersticas negativas da personalidade do doente, tornando a convivncia com ele mais difcil. Em tempo: foram relatadas dificuldades de comunicao (esquecimento de palavras, impossibilidade de formular frases e etc.) e distrbios do sono (SAYEG, 25 maio 2008). Alguns pacientes apresentam dificuldade de concentrao para realizar tarefas corriqueiras, como ler um livro ou assistir a um filme (SILVEIRA JR., 1998, p. 95). No que respeita s perturbaes da linguagem oral, passam elas por trs estgios evolutivos, crescentemente graves, a saber: em um momento inicial h uma diminuio da fluncia verbal, ou seja, diminui a quantidade de palavras utilizadas pelo doente, caso em que ele passa a substituir um termo por outro, cometendo erros notveis. Ex: utiliza-se "hora" em vez de "relgio". Logo depois, esses sintomas se agravam, e o doente substitui palavras parecidas erroneamente. Ex: "progresso" por "processo". Tambm cria neologismos, ou palavras que no existem na lngua. Ainda nessa fase aparecem dificuldades de compreenso. No terceiro e mais grave estgio, toda a linguagem est afetada. O doente simplesmente repete as palavras de seu interlocutor (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 84). Ademais, ocorre, de maneira ainda mais acelarada, perturbao na linguagem escrita (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 84). No que tange s perturbaes prxicas, no incio da doena elas tm pouca interferncia na vida do paciente. Em geral, a perturbao se manifesta pela cpia de gestos feitos pelo interlocutor, sendo comum a presena de gestos mmicos. Tal situao resta agravada com o passar do tempo, ao ponto 135
de o portador de DTA no ser capaz de realizar os afazeres cotidianos mais fundamentais, tais como pr em prtica pequenas tarefas domsticas, como arrumar a mesa, vestir-se, preparar-se ou alimentar-se. Acidentes com gua, eletricidade e fogo so comuns nesse estgio da doena (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 85). J no que concerne s perturbaes gnsicas, em um primeiro momento ocorre a dificuldade visual. Ex: o enfermo no mais capaz de reconhecer os objetos que lhe so apresentados. O problema fica bastante delicado quando so os rostos dos familiares que se tornam desconhecidos. Inclusive, o doente deixa de reconhecer seu prprio reflexo no espelho (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 86). Ao final, a deteriorao mental macia, havendo desintegrao da memria, desorientao em relao a tempo e espao e mudana no conjunto das faculdades intelectuais. O raciocnio e o julgamento so afetados, de modo que o paciente no mais se adapta a uma nova situao. Tambm a ateno resta prejudicada, subsistindo grande distrao por parte do enfermo que, ademais, incapaz de localizar o prprio quarto na residncia em que vive. Tambm so observadas mudanas comportamentais, em alguns casos, como j mencionamos linhas acima, no sentido de uma exacerbao da alimentao, do comportamento sexual e etc.. O paciente de DTA permanece bastante agitado. So sinais neurolgicos pr-terminais: rigidez extrapiramidal, com estado acintico e hipertnico e crises epilpticas generalizadas. A morte, como j se disse, causada, via de regra, por infeces, escaras e problemas tromboemblicos, dentre outros secundrios (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 86). Nessa fase da doena h dissenso entre os mdicos: uns entendem que o melhor esperar a piora dos sintomas; outros, ao revs, consideram esse o 136
melhor momento para a administrao das chamadas smart drugs, ou drogas inteligentes. Outros especialistas, na mesma linha, utilizam nutrientes capazes de melhorar a sntese de neurotransmissores, associados a vasodilatadores cerebrais que melhoram a oxigenao e nutrio cerebral, alm de oxidantes cujo poder de ao reduzir o stress oxidativo do crebro (SILVEIRA JR., 1998, p. 95). A fase intermediria pode durar de trs a cinco anos e representa, basicamente, o agravamento dos sintomas da fase inicial. Instalam-se, neste momento, afasias (perda do poder de expresso e comunicao pela fala ou pela palavra escrita, sem que tenha havido qualquer alterao no aparelho fonador), apraxias (incapacidade de realizar movimentos dirigidos a um fim especfico, sem que haja paralisia de membros) e agnosias (perda da capacidade perceptiva sensorial, auditiva, visual e etc). O paciente emagrece sobremaneira e apresenta dificuldades para reconhecer seus familiares. Repete frases e palavras sem qualquer significado e acaba por perder a iniciativa para as tarefas mais simples. J no capaz de sobreviver sem ajuda (SAYEG, 25 maio 2008). Por fase final entende-se o estgio da doena em que os sintomas mais graves comeam a surgir. Desaparece, agora, a memria antiga (tal desaparecimento se deve morte de neurnios do neocrtex, como tambm falta absoluta de neurotransmissores, sobretudo a acetilcolina SILVEIRA JR., 1998, p. 96). O paciente apresenta-se, quase na maior parte do tempo, aptico, prostrado, restrito ao leito ou poltrona. J no mais capaz de sorrir e no mais se reconhece quando de frente para o espelho (nem mesmo sustenta a cabea erguida SILVEIRA JR., 1998, p. 96). A incontinncia urinria e fecal 137
so tpicas desta fase. Em suma, o doente caminha para o estgio terminal, regredindo paulatinamente estrutura fsica e mental semelhante a de um recm-nascido. Note-se que, quanto mais cedo a doena se instala, mais rpida e avassaladora sua evoluo (SAYEG, 25 maio 2008). Pacientes portadores de Alzheimer em estgio terminal so aqueles que assumem a posio fetal, ficando restritos exclusivamente ao leito. Em razo da imobilidade perene acabam por apresentar leses nas mos, que mantm fortemente unidas, e lceras por todo o corpo. Tambm so caractersticas desta fase o mutismo e a necessidade de alimentao por suco ou pela via enteral. Encontra-se o enfermo em completo estado vegetativo. A morte, nestes casos, evento muito provvel em um prazo no superior a um ano, geralmente ocasionada por processos infecciosos, (sobretudo pulmonares e urinrios ou acidente vascular cerebral CAYTON; WARNER; GRAHAM, 2000, p. 16) (SAYEG, 25 maio 2008).
2.4.7 Tratamento
certo que ainda no h cura para o Mal de Alzheimer. Nesse sentido se manifesta a ABRAz Associao Brasileira de Alzheimer: At o momento no existe um tratamento curativo para a DA. Algumas medicaes especficas (estabilizadoras) podem retardar a progresso da doena; outras (comportamentais) podem ajudar a minimizar a freqncia e a gravidade dos distrbios de humor e comportamento (17 de jul. 2008).
Mas, a ausncia de medicamento eficaz contra a doena no significa a falta total de teraputica (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 111). 138
H, portanto, que se proceder ao tratamento, em uma tentativa de minimizar as decorrncias perversas da doena. Fala-se, ento, em trs pilares bsicos a serem administrados aos pacientes: retardamento da evoluo do Mal, tentativa de melhora da cognio do paciente e abrandamento dos sintomas, com a utilizao de medicamentos (preocupao, sobretudo, com as alteraes comportamentais) (SAYEG, 25 maio 2008). Magni e Thomas se referem ao tratamento nas trs fases principais da doena: momento do diagnstico, momento em que o paciente ainda capaz de viver em harmonia junto famlia e momento em que, segundo os autores, ser inevitvel a institucionalizao (1998, p. 111). O tratamento das perturbaes cognitivas se faz por meio de medidas farmacolgicas (diversas so as substncias ativas a serem ministradas ao portador de DTA como, por exemplo, vasodilatadores, estimulantes de metabolismo cerebral, estimulantes de viglia e etc.) e no farmacolgicas, dentre as quais, principalmente, a organizao da vida do doente e a tentativa de correo dos primeiros distrbios (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 113). No que diz respeito organizao da vida do paciente, compreende a organizao de espao fsico simples e totalmente adaptado s necessidades do doente. Os objetos de uso pessoal devem ser colocados sempre nos mesmos locais. As fontes de luz devem ser vrias e bem posicionadas. Todo fator de risco domstico deve ser mantido fora do alcance do enfermo, sobretudo isqueiros, palitos de fsforo, alavancas de gs, ferro de passar roupa, detergentes, inseticidas e medicamentos. As tomadas devem ser protegidas, bem como devem ser instaladas barras de apoio principalmente no banheiro de uso do doente. Tapetes devem ser evitados. Portas e janelas 139
devem ser controladas, de modo que se evite a sada clandestina do portador de DTA (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 117). J no que respeita s medidas que visam correo de dficits primrios, tem-se: para o distrbio da linguagem, interessante a contratao de servios de um fonoaudilogo. Ademais, as pessoas que convivem com o portador de Alzheimer devem ser pacientes no sentido de pronunciar as palavras devagar, usar palavras concretas em vez das abstratas e, principalmente, aprender a administrar os momentos de estresse. No que tange perturbao da memria, exerccios mnsicos simples podem ser feitos, caso em que a colaborao da famlia de vital importncia. Tambm a ajuda de psiclogo bem-vinda. O mesmo se diga da fisioterapia e da cinesioterapia, armas importantes contra a incontinncia, mal que afeta a maioria dos pacientes de Alzheimer. Ainda, outras terapias menos conhecidas so tambm de grande valia para o doente: animao, dinmica de grupo, socioterapia, ergoterapia, musicoterapia, arteterapia, etc. (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 118). As perturbaes de comportamento podem ser minimizadas com a realizao de psicoterapias, sobretudo se houver participao efetiva da famlia do paciente. Tambm a administrao de tranqilizantes pode se fazer interessante nesses casos, bem como a utilizao de antidepressivos. As afeces intercorrentes (infeces urinrias, brnquicas, cutneas, problemas ortopdicos e podolgicos, doena tromboemblica, obstipao, diarrias, desidratao, anemia, carncia vitamnica e m nutrio, para citar apenas os mais freqentes), devem ser constantamente vigiados pelo mdico e familiares. A internao hospitalar nem sempre representa a melhor soluo. Fundamental a correo dos distrbios sensoriais; assim que o uso de aparelho auditivo, 140
o tratamento de catarata ou a colocao de uma prtese na bacia podem representar melhora significativa no quadro clnico (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 120). O tratamento psicossocial envolve a proteo dos bens do demente. Desta feita, quando a DTA se torna grave, deve o mdico sugerir a interdio e conseqente nomeao de curador ao incapaz. A participao da famlia, em todos os aspectos do tratamento, fundamental para o xito das teraputicas (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 121). A manuteno do doente em casa deve se dar pela maior parte possvel do tempo. Nesse ponto, de se observar a atitude das pessoas que cuidam do enfermo, vez que a proteo exacerbada ser prejudicial, apenas contribuindo para a perda gradativa de sua autonomia. Tambm o cuidador merece ateno especial, bem como acompanhamento psicolgico, vez que a tarefa das mais rduas (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 122). Ademais, mencione-se o custo do tratamento, em geral elevado. Da a necessidade de verificao do tratamento mais adequado, mesmo em termos de custo-benefcio (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 123). Hospitalizao de longa durao e internao em clnicas especializadas so medidas a serem tomadas como ltima alternativa, vez que a presena da famlia fundamental para a qualidade de vida do doente (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 124). Vm sendo testadas, constantemente e em todo o mundo, novas drogas com ao nas regies do crebro afetadas pela molstia. Tal tratamento farmacolgico j tem sido administrado aos doentes, tendo se observado razovel melhora do quadro geral (SAYEG, 25 maio 2008). 141
Relevante a meno, tambm, grande esperana de cura (ou, ao menos, atenuao) que representa a utilizao de clulas-tronco, graas sua capacidade de regenerao (TOLEDO, 16 abr. 2008, p. 134).
2.4.8 Doena de Alzheimer e Legislao
O artigo 6, inciso XIV da Lei n 7.713/88, com modificao trazida pela Lei n 11.052/04, determina, in verbis: XIV os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em servio e os percebidos pelos portadores de molstia profissional, tuberculose ativa, alienao mental, esclerose mltipla, neoplasia maligna, cegueira, hansenase, paralisia irreversvel e incapacitante, cardiopatia grave, doena de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avanados da doena de Paget (ostete deformante), contaminao por radiao, sndrome da imunodeficincia adquirida, com base em concluso da medicina especializada, mesmo que a doena tenha sido contrada depois da aposentadoria ou reforma (grifamos).
Assim, de se ver que so beneficiados pela iseno em tela os portadores de Doena de Alzheimer, por serem tidos como alienados mentais, desde que haja comprovao por laudo mdico especfico. O Ministrio da Sade, Gabinete do Ministro, cuidou da instituio, no mbito do Sistema nico de Sade (SUS), do Programa de Assistncia aos Portadores da Doena de Alzheimer, por meio da Portaria n 703 de 2002, de autoria de Barjas Negri, ora transcrita, na ntegra: O Ministro de Estado da Sade, no uso de suas atribuies legais, Considerando a Portaria GM/MS n 702, de 12 de abril de 2002, que cria mecanismos para organizao e implantao de Redes Estaduais de Assistncia Sade do Idoso, no mbito do Sistema nico de Sade; 142
Considerando a Portaria SAS/MS n 249, de 12 de abril de 2002, que aprova as Normas para Cadastramento de Centros de Referncia em Assistncia Sade do Idoso e as Orientaes Gerais para a Assistncia ao Idoso; Considerando o dever de assegurar ao idoso todos os direitos de cidadania, de defesa de sua dignidade, seu bem estar e direito vida; Considerando que a demncia uma sndrome clnica decorrente de doena ou disfuno cerebral, usualmente de natureza crnica e progressiva, na qual ocorre perturbao de mltiplas funes cognitivas, incluindo memria, ateno e aprendizado, pensamento, orientao, compreenso, clculo, linguagem e julgamento e produz um declnio aprecivel no funcionamento intelectual de seus portadores e interfere com as atividades do dia-a-dia, como higiene pessoal, vestimenta, alimentao, atividades fisiolgicas e de toalete; Considerando que a Doena de Alzheimer a principal causa de demncia, sendo uma doena cerebral degenerativa primria, de etiologia no totalmente conhecida, com aspectos neuropatolgicos e neuroqumicos caractersticos; Considerando a incidncia da Doena de Alzheimer no Brasil; Considerando que a Doena de Alzheimer, embora podendo ocorrer em pacientes de outras faixas etrias, tem sua maior incidncia entre a populao idosa e que esta doena compromete severamente a qualidade de vida de seus portadores, e Considerando a necessidade de adotar medidas que permitam melhor organizar a assistncia aos portadores da Doena de Alzheimer, em todos os aspectos nela envolvidos, resolve: Art. 1 Instituir, no mbito do Sistema nico de Sade, o Programa de Assistncia aos Portadores da Doena de Alzheimer. Art. 2 Definir que o Programa ora institudo ser desenvolvido de forma articulada pelo Ministrio da Sade e pelas Secretarias de Sade dos estados, do Distrito Federal e dos municpios em cooperao com as respectivas Redes Estaduais de Assistncia Sade do Idoso e seus Centros de Referncia em Assistncia Sade do Idoso. Pargrafo nico. Os Centros de Referncia integrantes da Rede mencionada no caput deste Artigo so os responsveis pelo diagnstico, tratamento e acompanhamento dos pacientes, orientao a familiares e cuidadores e o que mais for necessrio adequada ateno aos pacientes portadores da Doena de Alzheimer. Art. 3 Determinar que a Secretaria de Assistncia Sade estabelea o Protocolo Clnico e Diretrizes Teraputicas para o tratamento da demncia por Doena de Alzheimer, inclua os medicamentos utilizados neste tratamento no rol dos Medicamentos Excepcionais e adote as demais medidas que forem necessrias ao fiel cumprimento do disposto nesta Portaria. Art. 4 Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicao, revogadas as disposies em contrrio (grifamos) 143
A Portaria n 249 de 2002, da Secretaria de Assistncia Sade do Ministrio da Sade aprovou as normas para o Cadastramento de Centros de Referncia em Assistncia Sade do Idoso. A Portaria n 843 de 2002, da mesma Secretaria, chancelou o protocolo clnico e as diretrizes teraputicas para a demncia por Doena de Alzheimer, cujo texto integral segue em anexo (Anexo I). A Portaria n 255 de 2002, tambm do Ministrio da Sade, autoriza o fornecimento gratuito, pelo SUS, de medicamentos voltados ao tratamento da Doena de Alzheimer. O Projeto de Lei n 2.031 de 1999, de autoria do deputado Rodrigo Maia, do PFL do Rio de Janeiro, dispunha sobre o atendimento obrigatrio dos portadores de Doena de Alzheimer pelo SUS. Foi arquivado em 16 de novembro de 2004, no entanto. O PL de n 3.630/04, do deputado Carlos Nader, do PFL do Rio de Janeiro, tambm arquivado, previa a definio de diretriz para a poltica de ateno integral aos portadores da Doena de Alzheimer no mbito do SUS. Foram dois os requerimentos endereados ao Ministro da Sade que do conta da DTA. O primeiro, de nmero 559 de 2003, de autoria do Senador Arthur Virglio, solicitava informaes sobre a Doena de Alzheimer no Brasil, seu controle pelas autoridades do Ministrio da Sade, bem como esclarecimentos a respeito de denncia feita pelo Jornal Correio Brasiliense, segundo o qual a entrega de medicamentos para o tratamento da doena sofre atraso e acarreta falhas no fornecimento aos necessitados, por excesso de mecanismos burocrticos. Tal requerimento foi respondido em outubro de 2003, e arquivado no final do mesmo ms. O segundo data de 27 de setembro de 2007, leva o nmero 1060 e tem como autor o deputado Marcelo Serafim. 144
Solicita, ao Ministro da Sade, informaes acerca das estatsticas de pessoas portadoras do Mal de Alzheimer em todo o Estado do Amazonas. A resposta foi encaminhada ao autor em 14 de novembro do ano passado. O senador Tio Viana, do PT do Acre, por meio do Projeto de Lei n 255/05, pretendia a criao do Dia Nacional de Conscientizao da Doena de Alzheimer, a ser estabelecido em vinte e um de setembro. No dia 10 de julho de 2008 foi sancionada a Lei n 11.736, cujo texto integral vem a seguir: Lei n 11.736, de 10 de julho de 2008. Institui o Dia Nacional de Conscientizao da Doena de Alzheimer. O Vice-Presidente da Repblica, no exerccio do cargo de Presidente da Repblica. Fao saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1 Fica institudo o Dia Nacional de Conscientizao da Doena de Alzheimer, a ser celebrado anualmente, no dia 21 de setembro, com o objetivo de conscientizar a populao brasileira sobre a importncia da participao de familiares e amigos nos cuidados dispensados aos portadores da doena. Art. 2 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicao. Braslia, 10 de julho de 2008; 187 da Independncia e 120 da Repblica. Jos Alencar Gomes da Silva Jose Gomes Temporo (SENADO FEDERAL, 20 jul. 2008).
O deputado Pastor Amarildo, do PMDB do Tocantins, por meio do Projeto de Lei n 4.935 de 2005, pretende alterao no artigo 20 da Lei n 8.036 de 1990, que rege o Fundo de Garantia por Tempo de Servio, no sentido de permitir a movimentao da conta vinculada no Fundo quando o titular ou seu dependente for portador de doena grave degenerativa do sistema neurolgico, o que o caso da Doena de Alzheimer. O Projeto referido se encontra em trmite na Cmara dos Deputados. No mesmo sentido so os Projetos de nmeros 4.879/05, de autoria do deputado Carlos Sampaio, do PSDB de So Paulo, e 4.800/05, cujo autor o deputado Corauci Sobrinho, do PFL paulista, ambos em tramitao. 145
O Projeto de Lei n 2.362 de 2007, de autoria do deputado Luiz Carlos Hauly, do PSDB do Paran, prev alterao no artigo 20 da Lei Orgnica da Assistncia Social (LOAS Lei n 8.742/93), no sentido de estender o benefcio de prestao continuada (BPC) de um salrio mnimo ao portador de Doena de Alzheimer, alm de conceder abono para seu responsvel e reduzir para sessenta e cinco anos o limite de idade do idoso beneficirio. Encontra-se, referido Projeto, sob anlise da Comisso de Seguridade Social e Famlia (CSSF) da Cmara dos Deputados, desde 27 de novembro de 2007. Semelhante teor tm os Projetos de Lei nmeros 3.047/04, do deputado Joo Mendes de Jesus, do PSL/RJ, e 4.645/01, cujo autor o deputado Feu Rosa, do PSDB do Esprito Santo, ambos em andamento. Em termos de Direito Internacional, consigne-se o texto, de 1999, da Carta de Princpios da Associao Alzheimer Internacional, cuja ntegra segue: A Associao Alzheimer Internacional reconhece os seguintes princpios, como fundamentais para prover o cuidado de pessoas com demncias, de seus familiares e cuidadores. 1. A doena de Alzheimer e as outras demncias so doena neurolgicas incapacitantes e de carter progressivo, apresentando um grande impacto profundo em pacientes afetados por elas, bem como seus familiares e cuidadores. 2. Uma pessoa com demncia continua sendo uma pessoa de valor e dignidade, merecendo o mesmo respeito como qualquer outra pessoa. 3. Pessoas com demncia necessitam de um ambiente seguro e adequado. Tambm necessitam de proteo contra a explorao de sua pessoa e de sua propriedade. 4. Pessoas com demncia tm direito informao sobre a sua doena, de atendimento e acompanhamento mdico contnuo, bem como de outros profissionais afins. 5. Pessoas com demncia, at onde for possvel, devem participar das decises que afetam a sua vida e do cuidado despendido no presente e no futuro. 6. Os familiares/cuidadores de uma pessoa com demncia devem ter suas necessidades, relativas ao seu trabalho de cuidar, avaliadas e posteriormente satisfeitas e providas. Tambm devem participar ativamente no processo de avaliao e soluo de recursos. 7. Todos os recursos possveis e necessrios devem estar disponveis para a pessoa com demncia e para seus familiares e cuidadores. 146
8. Educao, informao e treinamento sobre demncia e suas conseqncias, bem cuidar efetivamente, devem estar disponveis para os familiares/cuidadores de pessoas com demncia (NCLEO DE INFORMAES SOBRE O MAL DE ALZHEIMER, 20 jul. 2008).
147
3 CURATELA DO IDOSO PORTADOR DA DOENA DE ALZHEIMER
3.1 Senilidade e Doena de Alzheimer
Eis o objeto central desta dissertao: a curatela do idoso portador da Doena ou Mal de Alzheimer. Acerca da curatela, j se observou com afinco no Captulo 2, trata-se de encargo (munus) pblico conferido a algum a fim de que dirija a pessoa e bens do maior incapaz de faz-lo. Essa a lio de Clvis Bevilqua sobre o instituto (apud RODRIGUES, 2004, p. 411). Jander Maurcio Brum menciona definies de De Plcido e Silva e de Paulo Dourado de Gusmo a respeito desse instituto de Direito Civil, as quais achamos por bem transcrever, o que fazemos a seguir: Na tcnica jurdica, outra no sua acepo, desde que tido para designar a pessoa a quem dada a comisso ou o encargo com os poderes de vigiar (cuidar, tratar, administrar) os interesses de outra pessoa, que tal no pode fazer por si mesma, sustenta De Plcido e Silva (apud BRUM, 1995, p. 31).
Paulo Dourado de Gusmo, por sua vez, leciona: Encargo conferido a pessoa de idoneidade moral e econmica por sentena fundamentada, decretadora da incapacidade absoluta (interdio) ou relativa de pessoa de maioridade com o encargo de proteg-la, represent-la ou de assisti-la e de administrar os bens do interditando, com poderes plenos ou limitados. Assim, enquanto a tutela o encargo de proteo assistencial de pessoa de menoridade, a curatela de pessoa de maioridade, interditada por sentena (apud BRUM, 1995, p. 31).
Isto posto, lembre-se que a curatela no se restringe aos casos expressos no artigo 1767 do Cdigo Civil (maiores incapazes); antes, existem a 148
curatela dos adultos incapazes, supramencionada, a curatela particular (mormente a do nascituro e a do ausente) e a chamada curadoria especial, estabelecida, inclusive, em prol do menor, de acordo com a lio de Maria Helena Diniz (2007b, p. 604). Da porque, afirma Brum, rdua a tarefa daquele que pretende conceitu-la de maneira unitria, haja vista a complexidade dos casos compreendidos pelo instituto. No se confundam, ademais, curatela e interdio (para tanto, oportuna a remessa do leitor para o Captulo 2 do presente estudo) (1995, p. 33). Inclusive, o Cdigo Civil no cuidou da classificao da curatela, tal qual ocorreu com a tutela, o que nos leva observao atenta das construes doutrinrias a respeito da matria. Fala-se, pois, em curatela legtima, dativa e testamentria, de modo anlogo tutela (GOZZO, 1986, p. 4). Interessa-nos, porm, de ora em diante, a curatela do maior incapaz para a prtica de atos da vida civil, j que, conforme salientamos linhas acima, o que se quer explorar a curatela do idoso portador do Mal de Alzheimer. Antes, quer-se lembrar a definio de idoso no Brasil atual, de acordo com o expresso no artigo 1 do Estatuto do Idoso, Lei n 10.741/03: pessoa que conta com sessenta anos de idade ou mais. Por fim, parece-nos, esse, o momento oportuno para que se retome o conceito de Doena ou Mal de Alzheimer: um tipo especial de demncia que ocasiona a perda progressiva das funes intelectuais. , portanto, doena neurodegenerativa cuja causa ainda desconhecida da comunidade cientfica (CAMARGO, 2003, p. 19). o tipo mais comum de demncia (CAYTON; WARNER; GRAHAM, 2000, p. 15). enfermidade que acomete, principalmente, a camada idosa da populao (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 19). Ainda no h teraputica eficaz 149
para conter a evoluo da Demncia do Tipo Alzheimer (DTA), mas existem tratamentos que amenizam de maneira significativa o quadro geral de sintomas (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 111). Adequadamente retomadas a curatela, o idoso e a Doena ou Mal de Alzheimer, o que se pretende, nas linhas que se seguem, demonstrar o cabimento da medida jurdica da curatela para o idoso que sofre da Doena de Alzheimer. A Demncia do Tipo Alzheimer doena degenerativa do crebro que leva o paciente a estado de absoluta e notria incapacidade, decorrente da destruio de grande parte de suas clulas neuronais. Verifiquem-se, pois, a par da definio da doena, seus principais sintomas e a evoluo do quadro clnico. Uma vez que se instale estado permanente de incapacidade em pessoa maior de idade, que a impea de gerir, por si s, sua pessoa e bens, no h outra medida jurdica pertinente a ser tomada seno a interdio (sobre o procedimento de interdio, j se falou, aquele, de jurisdio voluntria, destinado constatao da existncia de eventual incapacidade de pessoa maior de dezoito anos de idade, que culmina, uma vez que tal constatao ocorra, na proibio da realizao de atos civis e na nomeao de curador - DINIZ, 2007a, p. 178), cuja conseqncia lgica o estabelecimento da curatela, nos moldes da legislao civil em vigor. Dvida no h, pois, a respeito da necessidade de interdio e nomeao de curador para a pessoa demente, inclusive a pessoa idosa. Por outro lado, evidente que a senilidade, por si s, no autoriza a interdio. o que afirma a doutrina ptria, em unssono. Maria Helena Diniz sustenta que a velhice no motivo bastante para a interdio e estabelecimento da curatela, 150
por no ser equiparada a estado psicoptico. O idoso somente ser interditado quando estiver acometido de doena mental que lhe retire ou diminua a capacidade para cuidar da prpria pessoa e bens, tal qual ocorre com o paciente de arteriosclerose (2007a, p. 154). E tal como se d com o doente de Alzheimer. A mesma a lio de Carlos Roberto Gonalves, para quem a velhice somente desemboca na interdio e curatela se o idoso sofrer de mal psquico que o afete de modo significativo no que tange prtica de atos da vida civil (2007, p. 614). Idntica a postura de Paulo Nader, segundo a qual a pessoa idosa dever ser interditada apenas em caso de existncia de mal fsico que comprometa seu discernimento, assim como sua capacidade de expressar, de modo racional e inequvoco, sua vontade (2006, p. 659). No mesmo sentido leciona Maria Berenice Dias, para quem certo enfraquecimento psquico manifestao tpica da idade avanada, o que no denota, via de regra, a presena de perturbao mental que prejudique o discernimento do idoso. Ter sessenta anos de idade ou mais no , definitivamente, sinnimo de alienao mental (2007, p. 545). Jos Augusto de Abreu Machado e Gilberto Passos de Freitas citam Washington de Barros Monteiro, para quem [...] a velhice acarreta, sem dvida, diversos males, verdadeiro cortejo de transtornos, mas s quando assume carter psicoptico, com estado de involuo senil em desenvolvimento e tendncia a se agravar, pode sujeitar o paciente curatela (apud MACHADO; FREITAS, 1981, p. 14).
Os mesmos autores mencionam trecho da obra do Desembargador Octvio Guilherme Lacorte, para quem: 151
E a velhice, por si s, por mais avanada que seja, no basta a justificar o Decreto de Interdio; mister que faa entrever um quadro de fraqueza mental com cores to carregadas que logre tolher ou prejudicar substancialmente o livre exerccio da capacidade civil. Assemelha-se, a velhice, a nova infncia (apud MACHADO; FREITAS, 1981, p. 14).
Alis, a mentalidade do idoso foi classificada em trs estados, segundo Legrand du Saulle: fisiolgico, misto e patolgico. No primeiro no h que se falar em comprometimento das faculdades mentais em razo da idade. No segundo possvel falar em certo enfraquecimento senil, j o poder de entendimento reduzido, conquanto a conscincia dos prprios atos ainda no tenha sido aniquilada. Trata-se da chamada caduquice. Terceiro estado a fase mrbida da decrepitude. A caducidade j o suficiente para que leve a efeito a medida jurdica de proteo cabvel, qual seja, a curatela (MACHADO; FREITAS, 1981, p. 14). Interessantes, ao menos do ponto de vista histrico, vez que so todas elas de dcadas passadas, as seguintes jurisprudncias, colacionadas por Machado e Freitas: Se a idade avanada e o estado de decadncia orgnica no so motivos legais para a interdio, esta no pode deixar de ser decretada quando o paciente no consegue, pela palavra falada ou escrita, manifestar seu pensamento, cuidar dos prprios negcios e reger sua pessoa e bens (Ac. Do TJSP, proc. N 13.047, DO de 21/9/1941) (1981, p. 15). Demncia senil. Interdio. Exame extrajudicial. Decidiu o Tribunal que no estava demonstrada a demncia senil, porque o exame pericial processado em juzo no trazia as respostas fundamentadas, ao passo que um exame extrajudicial feito por mdicos especialistas era completo e convincente (RT 54/238) (1981, p. 15). A avanada idade, por si s, e o precrio estado de sade fsica, de quem no apresenta nenhuma anormalidade mental, no justificam o pedido de interdio, feito por quem no tem qualidade para isso e em processo divisrio (RT 68/38) (1981, p. 15). Interdio. Pessoa de idade provecta, que apenas apresenta discreta diminuio da capacidade mental. Inexistncia de incapacidade provada. Pedido indeferido. Deciso confirmada (RT 206/115) (1981, p. 15). 152
Interdio. Estados mentais alegados na inicial e no abordados na percia. Conseqncia. Prevalncia do laudo mdico sobre o depoimento testemunhal. Interditanda de idade avanada, analfabeta, apta porm a administrar seus bens. Pedido improcedente (RT 224/189) (1981, p. 15). Interdio. Demncia senil. Laudos mdicos que afirmam apenas existncia de uma discreta diminuio da capacidade mental. Indeferimento do pedido pela aplicao do princpio in dbio pro capacitate. Inadmissibilidade. Caso de proteo da pessoa e bens do interditando. Acolhimento de recurso extraordinrio para que o tribunal pronuncie a interdio ou mantenha a concluso negativa depois de toda diligncia (RT 278/922) (1981, p. 16). Pessoa com arteriosclerose adiantada e perda de memria. Incapacidade para reger os prprios bens. Prova concludente. Sentena sem abranger atos anteriores do interditando (RT 325/165) (1981, p. 16). Arteriosclerose no passa de mera deficincia mental, entendendo-se mesmo que no justifica, isoladamente, decreto de interdio (RT 441/05) (1981, p. 16). A demncia senil dificilmente poder ser pronunciada como causa de incapacidade e, mesmo com o recurso de percia mdico-legal, salvo nos casos de uma ao absurda vir a ser praticada (RT 460/113) (1981, p. 16).
De fato, foroso que se conclua, portanto, que a senilidade no doena mental, de modo que a exegese do artigo 1767, I do Cdigo Civil deve ser no sentido de no incluir pessoa com sessenta anos de idade ou mais pelo simples fato de ser idosa. Em contrapartida, indene a afirmao segundo a qual deve ser tambm o idoso interditado e privado do exerccio dos atos civis caso reste comprovada sua falta de discernimento para a administrao de sua pessoa e bens.
3.2 Incapacidade do idoso portador do Mal de Alzheimer
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Por incapacidade se entenda, de acordo com a lio de Maria Helena Diniz, a inaptido para exercer os atos da vida civil e conseqente restrio legal para tanto (2007a, p. 148). Assim que, so incapazes, dentre outras figuras elencadas pelos artigos 3 (incapacidade absoluta) e 4 (incapacidade relativa) do Cdigo Civil, os que, por enfermidade ou doena mental, no tiverem o necessrio discernimento para a prtica dos atos da vida civil (inciso II do retro mencionado artigo 3 do CC). Conforme j se observou no Captulo 2 do presente trabalho, inserem-se no rol do artigo 3, II do Cdigo Civil todos os acometidos por patologias mentais, tais como a demncia ou fraqueza mental senil, a demncia afsica, a degenerao, a psicastenia, a psicose txica, a psicose autotxica (depresso, uremia, etc.), a psicose infectuosa (delrio ps-infeccioso, etc.), a parania, a demncia arteriosclertica, a demncia sifiltica, o Mal de Parkinson senil, doena neurolgica degenerativa, etc.. Tambm os alienados mentais, psicopatas mentecaptos, manacos, imbecis, dementes e loucos furiosos ou no. Alis, a expresso loucos, j se disse, comporta todo tipo de perturbao da sade mental, mesmo que existam intervalos de lucidez (DINIZ, 2007a, p. 152). Bem fez o legislador ao no apresentar rol taxativo de enfermidades. Se o tivesse feito, de grande dificuldade seria o trabalho do hermeneuta no sentido de enquadrar a doena manifestada no caso concreto ao dispositivo legal (DINIZ, 2007a, p. 152). Patente a insero do paciente de Alzheimer, qualquer que seja sua idade, na disciplina do inciso II do artigo 3 do Cdigo Civil. A Doena de Alzheimer mesmo patologia mental que degenera as clulas cerebrais, 154
levando seu portador a um estado praticamente vegetativo, que encontrar seu pice na morte (CAYTON; WARNER; GRAHAM, 2000, p. 16). Entendemos necessria a curatela do idoso portador do Mal de Alzheimer, como doena incapacitante que , e por no ser outra a medida cabvel ao caso sob comento. Impende-se, pois, sanar dvida concernente fase da doena em que a interdio imprescindvel e nomeao de curador medida que se impe. Qual o momento em que o paciente acometido pelo Mal de Alzheimer acaba por se tornar incapaz de discernir, em razo do agravamento das leses cerebrais? Essa a dvida que nos acomete, primordialmente. Reexaminaremos a questo, voltando nossos olhos atentos para cada um dos estgios pelos quais evolui o doente de DTA, de modo que, ao final desta anlise, sejamos capazes de concluir, com a clareza que se faz necessria, o momento exato em que se pode falar em incapacidade do paciente de Alzheimer para a gesto da prpria pessoa e bens, bem como em curatela como medida eficaz para a proteo pessoal e patrimonial do enfermo. Especialistas da rea mdica costumam, em geral, distinguir a existncia de trs fases (inicial, intermediria e final CAMARGO, 2003, p. 29) pelas quais passa a doena, desde os primeiros sintomas, at o desfecho fatal. So evidncias da primeira fase, conforme se observou no Captulo 2, esquecimentos, dificuldades de memria, descuido com a aparncia pessoal, perda da autonomia para a vida corriqueira, desorientao no tempo e no espao, perda da espontaneidade e iniciativa, alteraes comportamentais, cansao, falta de ateno e concentrao. O paciente pode, ainda, mostrar-se irritvel, impaciente e depressivo (CAMARGO, 2003, p. 29). Na fase intermediria surge certa dificuldade para reconhecer pessoas, bem como incapacidade para aprender coisas novas; comum a 155
perambulao do doente, lembranas apenas do passado remoto, hostilidade, agressividade, inaptido para a realizao de julgamentos e pensamentos abstratos, necessidade de ajuda para a realizao das tarefas dirias. Tambm so tpicas desse perodo da doena a incontinncia urinria e fecal, alm de alucinaes, idias sem sentido, tais como desconfiana e cimes (CAMARGO, 2003, p. 29). A fase final ou avanada se caracteriza pelo emagrecimento exagerado do doente, vez que se encontra por demais debilitado para se alimentar. Tambm grande a dificuldade para caminhar e praticamente a realizao de tarefas cotidianas desacompanhado se torna impossvel. Os dficits de memria agora so muito graves. O doente quase no pronuncia palavra, ficando restrito ao leito at o falecimento (CAMARGO, 2003, p. 30). Note-se, porm, que as trs fases nem sempre so bem delineadas como aqui se apresentam. Ademais, tem-se constatado que a evoluo da DTA nos homens mais acelerada do que nas mulheres, vez que o tecido cerebral se degenera em velocidade mais rpida. Como qualquer doena, certo que o Mal de Alzheimer tem evoluo peculiar em cada indivduo (CAMARGO, 2003, p. 30). Em geral, a contar do diagnstico, um portador de DTA vive, em mdia, oito anos (LOKVIG; BECKER, 2005, p. 81). Cayton, Warner e Graham apontam como caractersticas do estgio inicial da doena as seguintes: dificuldades com a linguagem, perda significativa da memria recente, desorientao no tempo, desorientao mesmo em ambientes familiares, dificuldades para tomar decises, falta de iniciativa e motivao, sinais de depresso e agressividade, perda de interesse por hobbies e atividades. No estgio intermedirio so comuns o esquecimento 156
de eventos recentes e nomes de pessoas, falta de capacidade para realizar tarefas dirias sem a ajuda de terceira pessoa, incapacidade para cozinhar, fazer limpeza ou compras, necessidade de ajuda para os cuidados com a higiene, perambulao, agressividade sem motivo aparente e alucinaes. O estgio avanado aquele de total dependncia, em que a memria est profundamente comprometida e o paciente no pode mais, de maneira alguma, viver sozinho. So tpicas dificuldades para se alimentar, entender e interpretar eventos, localizar-se e voltar para casa. Ademais, o doente no reconhece parentes, amigos e objetos familiares, sofre de incontinncia intestinal e/ou urinria, mostra um comportamento imprprio em pblico e est confinado a uma cadeira de rodas ou cama (2000, p. 24). O Dr. Norton Sayeg, autor do portal AlzheimerMed, alocado na rede mundial de computadores Internet, aponta como sintomas inicias da doena perda de memria, confuso e desorientao; ansiedade, agitao, iluso e desconfiana; alterao da personalidade e do senso crtico; dificuldades com as atividades dirias de se banhar e vestir; inaptido para a realizao de tarefas mais elaboradas, de que so exemplos cozinhar, dirigir, fazer compras e telefonar. Na fase intermediria ocorre o agravamento visvel dos sintomas iniciais, assim como o doente apresenta dificuldades em reconhecer parentes e amigos, perde-se mesmo em ambientes conhecidos, tem alucinaes, inapetncia, perda de peso e incontinncia urinria, assim como dificuldades de fala e comunicao. Tambm pode apresentar movimentos e fala repetitivos, distrbios do sono e problemas com aes rotineiras, de que decorre sua dependncia progressiva. Vagncia e dificuldades motoras so outros sintomas tpicos desse estgio evolutivo da DTA. Na fase final o paciente se apresenta totalmente dependente de terceiro cuidador. A 157
imobilidade crescente, bem como se agravam as incontinncias urinria e fecal. H certa tendncia do doente em assumir a posio fetal, restringindo-se poltrona ou ao leito. J no pronuncia palavra e h perda progressiva de peso. Aparecem escaras, ou lceras por presso, e tambm so comuns infeces do trato respiratrio e urolgico, que tendem a levar o paciente, bastante enfraquecido j, ao falecimento (SAYEG, 25 maio 2008). So sintomas comuns, observados pela comunidade mdica desde a fase inicial da Doena de Alzheimer, perda da memria recente, desorientao no tempo e no espao, mesmo em ambientes familiares, inaptido para a feitura de tarefas domsticas corriqueiras, falta de ateno e de concentrao, dificuldades de comunicao em geral, falta de iniciativa e dificuldade para tomar decises. No tarefa difcil, pois, concluir pela incapacidade do doente de Alzheimer para a gesto de sua pessoa e bens desde a primeira fase da doena, vez que ela reste definitivamente diagnosticada. Ora, medida jurdica que se impe, a fim de proteger pessoa e patrimnio do maior incapaz, a curatela, instituto assistencialista, examinado a fundo por ns, cujo escopo reside fundamentalmente na tutela dos interesses do maior incapaz para os atos da vida civil. O doente de Alzheimer mostra-se mesmo incapaz para a realizao dos atos civis desde a primeira fase da enfermidade, o que se quer comprovar e defender. Fundamento legal, conforme estudo anterior, o artigo 1767, I do Cdigo Civil, j que, em razo de enfermidade mental (Demncia do Tipo Alzheimer) est o idoso (e, no se olvide, maior incapaz de qualquer idade) privado de seu discernimento de modo permanente (a doena, j se afirmou 158
outrora, neurodegenerativa, e para ela a cincia ainda no conhece cura), caso em que a interdio e nomeao de curador se fazem imprescindveis. Nas duas fases que se seguem, intermediria e final, ocorre apenas o agravamento dos sintomas, donde possvel inferir, de modo claro, que persiste a necessidade, agora mais premente, de interdio e estabelecimento de medida curatelar. Tal conjunto sintomatolgico varivel de um paciente para outro, o que nos impede de afirmar, de modo taxativo, a necessidade de interdio e nomeao de curador sempre no momento evolutivo inicial da DTA. Da que, uma vez proposta a interdio do idoso portador de Alzheimer, supostamente incapaz para a realizao dos atos da vida civil, extremamente necessrios so o interrogatrio do doente, procedido pelo magistrado sempre que possvel for, e a efetivao de exame pericial cuidadoso, cujo laudo seja conclusivo a respeito da incapacidade. Na prtica, o que se tem observado nmero farto de julgados no sentido de promover a interdio de pessoa idosa portadora de Demncia do Tipo Alzheimer, como se ver linhas abaixo. A seguir, observaremos detalhes do procedimento de interdio, assim como do estabelecimento de curador pertinentes situao especfica do idoso acometido pela Doena de Alzheimer.
159
3.3 Interdio e curatela do idoso portador do Mal de Alzheimer
Dbora Gozzo define a interdio como o procedimento judicial apto investigao da capacidade ou incapacidade do maior de idade. Uma vez que reste constatada a incapacidade, absoluta ou relativa, ser o interdito proibido de praticar, sozinho, atos jurdicos. Assim, ser-lhe- nomeado curador, encarregado de sua representao ou assistncia, conforme o caso (1986, p. 3). Se a incapacidade no ficar comprovada, no h que se falar em interdio e conseqente nomeao de curador. o que tem decidido o Tribunal de Justia de So Paulo: Interdio - Interditanda se apresenta apta ao exerccio regular do direito por si mesma Laudo do Imesc no constatou nenhuma anomalia Interditanda capaz de realizar operaes matemticas, alm de ter pleno conhecimento de valores monetrios - Anormalidade no configurada Apelo desprovido (Apelao Cvel n 487.418.4/5-00).
Interdio Incapacidade Debilidade mental no comprovada Mulher que apresentou to s limitaes de carter instrumental e efetivo, sem comprometimento da capacidade de reger sua pessoa e bens Laudo pericial estreme e conclusivo Pedido rejeitado Improvimento ao recurso No se pode decretar interdio de pessoa que, embora apresentando personalidade limitada por fatores de natureza instrumental e efetiva, guarda plena capacidade de reger sua pessoa e bens (Apelao Cvel n 088.654-4).
Esse o rito procedimental hbil, portanto, para a interdio do idoso portador do Mal de Alzheimer, de que decorrer o estabelecimento da curatela (lembre-se que tanto a interdio quanto a curatela j foram abordadas de modo detalhado no captulo 2 do presente trabalho, para o qual remetemos o leitor, a fim de sanar eventuais dvidas). 160
Trata-se de procedimento de jurisdio voluntria para o qual so legitimados, segundo a lei, o pai, a me, o tutor, o cnjuge ou algum parente prximo do interditando. Tambm o rgo ministerial, apenas no caso de anomalia psquica, se no existirem as pessoas mencionadas anteriormente, ou, se, mesmo que existam, sejam menores ou incapazes para propor a medida (artigo 1178, CPC). No existe ordem de preferncia constante do artigo 1177 do Cdigo de Processo Civil. Se a interdio for requerida pelo Parquet, o juiz nomear curador lide ao interditando (artigo 1179, CPC). Acompanhado, pois, de advogado com poderes para o ato, o primeiro passo a apresentao de petio inicial por meio da qual o interessado provar a sua legitimidade, especificar os fatos que revelam a anomalia psquica e assinalar a incapacidade do interditando para reger a sua pessoa e administrar os seus bens. Em se tratando da interdio do idoso, inclusive em razo da existncia de Doena de Alzheimer que leve incapacidade, a prtica tem demonstrado que, em geral, a medida postulada pelos filhos do suposto incapaz, vez que, quase sempre, no h mais que se falar na presena dos pais do interditando, muito menos de tutor. Tambm bastante corriqueiro o estado de viuvez em que se encontra aquele cuja curatela se pretende, da que, repetimos, so, via de regra, os filhos maiores e capazes que pretendem a interdio do idoso portador do Mal de Alzheimer. Estando de acordo a petio inicial, ser o suposto incapaz citado para, em dia designado, comparecer perante o juiz, que o examinar, interrogando-o minuciosamente acerca de sua vida, negcios, bens e do mais que lhe parecer necessrio para verificar seu estado mental, sendo reduzidas a termo perguntas e respostas (artigo 1181, CPC). As decises dos Tribunais tm revelado que o interrogatrio momento de importncia sem igual no processo 161
de interdio, posto que hbil para que o juiz ateste, pessoalmente, a falta de discernimento do interditando. Algumas decises revelam, inclusive, que os magistrados entendem, muitas vezes, desnecessria, do ponto de vista prtico, a percia realizada por mdico psiquiatra e psiclogo, j que ele mesmo capaz de auferir a incapacidade plena do idoso portador da Doena de Alzheimer no instante em que o interroga. Nesse sentido o acrdo exarado pelo Tribunal de Justia de So Paulo em Apelao Cvel n 413 234.4/9-00, da comarca de So Paulo, foro regional de Itaquera, cuja ementa transcrevemos a seguir: Interdio - Sentena que reconheceu a incapacidade do interditando aps interrogatrio, dispensando a prova pericial - Elementos de convencimento fidedignos da incapacidade absoluta da interditanda, que eliminam a mais remota possibilidade de fraude - Sentena mantida - Recurso no provido.
Em outra oportunidade, o TJ/SP decidiu de forma semelhante:
Interdio Sentena que julgou procedente ao de interdio, sem a apreciao de um laudo mdico Convencimento satisfatrio Recurso improvido (Apelao Cvel n 552.575.4/9-00).
Ressalte-se que o recurso foi interposto pelo Ministrio Pblico, e o pleito era de nulidade da sentena em razo da falta do exame pericial. No foi provido o recurso, j que os desembargadores do TJ de So Paulo entenderam suficiente o interrogatrio realizado pelo juiz, pelo qual se pde constatar o completo alheamento da interditanda. Ademais, foram acostados laudos mdicos de exames realizados no Hospital do Servidor Pblico Municipal, restando inconteste a presena, j em estgio avanado, da Demncia do Tipo Alzheimer. Em sentido contrrio, porm, tambm j entendeu o TJ de So Paulo, em recurso interposto pelo Ministrio Pblico, pela nulidade da sentena de 162
interdio de idoso portador do Mal de Alzheimer, diante da ausncia de realizao do exame pericial. Assim, Interdio Sentena que decretou interdio sem realizao de exame mdico pericial Recurso apresentado pelo Ministrio Pblico postulando a anulao da r. sentena para que se determine a realizao da percia mdica Nulidade reconhecida Inteligncia do artigo 1.183 do CPC A percia mdica indispensvel nos casos de interdio Anulao da sentena, devendo o MM. Juiz nomear Advogado para defender a interditanda; conceder o prazo previsto no artigo 1.182 do Cdigo de Processo Civil para a apresentao de impugnao e determinar a realizao do exame pericial. Recurso provido (Apelao Cvel n 489.962.4/1-00).
A contar de audincia de interrogatrio, poder o interditando impugnar o pedido no prazo de cinco dias. Para tanto, ser representado nos autos pelo Ministrio Pblico ou por curador lide, quando a interdio tiver sido proposta pelo prprio promotor de justia. Todavia, possvel que constitua advogado para proceder sua defesa. Inclusive, qualquer parente sucessvel pode lhe constituir advogado com os mesmos poderes judiciais que teria se fosse nomeado pessoalmente pelo interditando. Os parentes que respondero pelos honorrios do profissional (artigo 1182, CPC). Esgotado o prazo para a apresentao de impugnao, o juiz nomear perito para proceder ao exame do interditando (artigo 1183, CPC). No caso do idoso portador da Doena de Alzheimer, consideramos extremamente relevante a realizao de percia, a fim que se constate, de fato, o estado de alienao mental que decorre da enfermidade. Importante a percia cuidadosa principalmente quando o doente se encontra, ainda, em estgio inicial da doena, caso em que o leigo poderia confundir esquecimentos tpicos da idade avanada com a perda de memria decorrente do Mal de Alzheimer, essa sim ensejadora de interdio, desde que acompanhada de outros sintomas que levem o perito a concluir pela falta de capacidade do idoso. No so incomuns 163
os casos de tentativas de interdio de idosos completamente saudveis, sob a alegao de que sofrem de DTA, por parte de filhos que simplesmente tm a inteno de se apoderar do patrimnio dos pais. Alis, to ou mais grave o comportamento do filho que se apodera dos bens do genitor interdito, portador do Mal de Alzheimer. O Tribunal de Justia de So Paulo j decidiu no sentido de condenar por danos morais, no valor de cento e cinqenta salrios mnimos, filho que dilapidou o patrimnio da me, poca ainda no sujeita curatela, mas j portadora de DTA, aproveitando-se de sua incapacidade mental. Eis a ementa: Responsabilidade Civil - Indenizao por danos morais e materiais Filho de portadora de "Mal de Alzheimer" se aproveita dessa condio para sacar valores das contas bancrias da genitora, para uso prprio e no em benefcio daquela. Dano material - Montante do saque - Valor que deveria ter sido utilizado em benefcio da autora - Ocorrncia de prejuzo -Valor utilizado em beneficio do requerido. Danos morais - Caracterizao O ocorrido grave, mormente se levado em conta que o autor dos danos o prprio filho da autora, situao inimaginvel tendo em vista que da natureza humana o dever de assistncia e confiabilidade mtua entre pais e filhos - Recurso do ru desprovido e provido o da autora (Apelao com reviso nmero 492.630.4/4-00).
Uma vez decretada a interdio, ser nomeado curador ao idoso portador de Doena de Alzheimer (artigo 1183, Pargrafo nico do CPC). Note- se, mais uma vez, que a sentena de interdio produz efeito desde logo, mesmo que sujeita apelao. Alm disso, ser inscrita no Registro de Pessoas Naturais, bem como publicada pela imprensa local e pelo rgo oficial por trs vezes, com intervalo de dez dias, constando do edital o nome do interdito e do curador, a causa da interdio e os limites da curatela (artigo 1184 do CPC). A princpio, ser nomeado curador o cnjuge ou companheiro, desde que no separado juridicamente ou de fato do interdito. Na falta dessas 164
pessoas, curador legtimo o pai ou a me, e, na falta deles, o descendente que se mostrar mais apto a exercer a medida. Entre os descendentes, os mais prximos precedem os mais remotos. Na falta das pessoas mencionadas acima, compete ao juiz a escolha do curador (artigo 1775 do Cdigo Civil). No caso do idoso portador do Mal de Alzheimer repita-se o que foi dito acerca da legitimidade para a propositura da interdio: em geral, nomeado curador o filho maior do doente que se mostra mais apto ao encargo, entendido esse, quase sempre, como o filho que naturalmente se preocupa com o interdito, dispensando-lhe cuidado e afeto. Na falta de parente apto a exercer a curatela pode o juiz, diante da eventual necessidade, estabelecer a nomeao de curador especial para idoso portador da Doena de Alzheimer, caso em que o munus ser exercido em situao especfica. Nesse sentido a deciso do TJ de So Paulo (note-se que a enfermeira do asilo onde residia a idosa incapaz que foi nomeada curadora especial para o fim de zelar pelo recebimento, do Estado, de suplemento alimentar para a curatelada): Ao de obrigao de fazer Juzo a quo que indeferiu o pedido de nomeao de curador especial, bem como a antecipao dos efeitos da tutela de mrito pretendida, voltada a compelir a ora agravada ao fornecimento peridico e contnuo do suplemento alimentar que foi prescrito autora agravante Decisrio que no merece subsistir Recorrente que possui 100 anos de idade, sobrevive em asilo e padece de Mal de Alzheimer, inferindo-se, da, a sua incapacidade para os atos da vida civil, o que induz pertinncia da nomeao da pessoa indicada na petio inicial como curadora especial, nos moldes do artigo 9, I do CPC, com atuao restrita causa Hiptese, outrossim, em que a Fazenda Estadual deve ser compelida, por seu rgo regional especfico, ao fornecimento peridico e contnuo do suprimento alimentar prescrito promovente, sob pena de multa diria Agravo provido (Agravo de Instrumento n 664.584.5/5-00).
Sendo nomeado curador, pessoa e bens do interdito passam a ser por ele administrados, nos moldes do que se opera com a tutela, feitas as 165
ressalvas estipuladas pela prpria lei. No so incomuns, todavia, situaes conflitantes entre o curador e os demais filhos do idoso portador de DTA, geralmente no que respeita gesto patrimonial. De acordo com a necessidade evidenciada no caso concreto, pode o juiz nomear administrador provisrio para os bens do interdito, que deve ser exercida, prioritariamente, por aquele autorizado por lei para ser curador (NADER, 2006, p. 667). J cuidamos da matria no Captulo 2. A respeito, veja-se deciso do Tribunal de Justia de So Paulo: Agravo de Instrumento Interdio Nomeao de curadora provisria do interditando que padece do Mal de Alzheimer, em estgio avanado, comprometida, inclusive, sua locomoo Esposa que j vem exercendo, de fato, a curatela Necessidade de regularizao, tendo em vista a possibilidade de fiscalizao judicial, bem como a regularizao do recebimento de benefcio previdencirio Providncia que no se mostra despropositada, visando, ao contrrio, a proteo da pessoa e do patrimnio do incapaz Deferimento Agravo provido (Agravo de Instrumento n 515.759.4/8-00).
O artigo 1186 do CPC prev a possibilidade de levantamento da interdio, sempre que houver cessao da causa que lhe deu origem. O pedido de levantamento pode ser feito pelo prprio interdito, e ser apensado aos autos da interdio. Novamente haver a nomeao de perito, com o intuito de se atestar a sanidade do interditado. Aps a apresentao do laudo, ser designada audincia de instruo e julgamento. Se for acolhido o pedido, o juiz decretar o levantamento da interdio, e mandar publicar a sentena, outra vez, aps o trnsito em julgado, pela imprensa local e rgo oficial em trs momentos distintos, com intervalo de dez dias, seguindo-se a averbao no Registro de Pessoas Naturais (artigo 1186 do CPC). Note-se, porm, que em se tratando da interdio de idoso portador do Mal de Alzheimer, rara, seno inexistente, a situao de levantamento da medida, posto ser ainda a enfermidade incurvel, ademais de seu carter 166
degenerativo das funes cerebrais, quase sempre culminando no falecimento do doente.
3.4 Relevncia da medida
Quase todas as pessoas que sofrem do Mal de Alzheimer tornam-se incapazes de gerir as prprias finanas, o que, inclusive, acaba por se tornar motivo de grande preocupao para os parentes e cuidadores, em geral (CAYTON; WARNER; GRAHAM, 2000, p. 115). Lya Luft escreveu a seguinte passagem em Veja: A doena se manifesta em geral muito sutil: um esquecimento aqui, uma confuso ali. Uma atitude estranha aqui, outra ali, intercaladas por fases de aparente normalidade. A sociabilidade muda, os bons modos parecem esquecidos, o controle do dinheiro se torna catico, e dificlimo interferir. H enorme resistncia dos familiares em aceitar essa enfermidade [...] (grifamos) (16 abr. 2008, p. 22).
comum as pessoas perderem a compreenso do dinheiro medida que a Doena de Alzheimer progride (CAYTON; WARNER; GRAHAM, 2000, p. 117). Diante da inaptido para a realizao de atividades corriqueiras, bem como perda da memria, falta de iniciativa e desorientao espao-temporal, resta clara a dificuldade do doente para lidar com dinheiro e bens. Assim , repetimos ainda uma vez, necessria a nomeao de curador para o idoso interditado em razo da constatao de sua incapacidade, decorrente de DTA. Cayton, Warner e Graham citam as seguintes situaes concretas: Minha me, que viva, sempre foi uma pessoa metdica e bem organizada e no gosta que eu interfira em seus assuntos 167
financeiros. Entretanto, ela est ficando muito esquecida e a luz de sua casa quase foi cortada porque ela esqueceu de pagar sua conta [...] (2000, p. 117). Meu pai, portador de doena de Alzheimer, no mais capaz de lidar com seu dinheiro de forma adequada. Ele se esquece de receber a penso, perde seu dinheiro e se recusa a pagar as coisas nas lojas [...] (2000, p. 117).
De se ver, nessas duas situaes, a relevncia do estabelecimento da curatela, a fim de que o curador exera sua funo de modo a facilitar a vida do paciente de Alzheimer e de seus familiares, evitando, dentre outros prejuzos, a deteriorao patrimonial. Magni e Thomas sustentam que, quando a DTA se torna grave, o prprio mdico deve propor uma medida de proteo jurdica, Dentre outras (as quais no mencionaremos apenas por no se aplicarem disciplina jurdica brasileira), a curatela mecanismo de longo prazo hbil a garantir proteo pessoa e bens do enfermo (1998, p. 121). O paciente posto sob curatela deve ser assistido por seu curador para todos os atos da vida cvica (MAGNI; THOMAS, 1998, p. 121). famlia compete, ento, buscar aconselhamento legal e financeiro, o que recomendam Cayton, Warner e Graham. salutar, portanto, consulta a um advogado (2000, p. 116). Compete ao profissional da advocacia informar o cliente acerca do estabelecimento da curatela e suas decorrncias, bem como sobre o procedimento judicial competente para a interdio do idoso incapaz e subseqente estabelecimento de curador. A par das medidas jurdicas cabveis, ora objeto de nossa ateno, recomendam os profissionais da sade que se trate com carinho e pacincia o doente, no sentido de preservar sua autonomia, ao mesmo tempo em que se cuida para evitar sua runa financeira. Ademais, no se perca de vista que deve restar protegido o eventual patrimnio do enfermo no para benefcio exclusivo 168
da famlia; antes, todos os recursos reunidos sero bem-vindos para o custeio de tratamento adequado ao doente, com a finalidade exclusiva de lhe diminuir o sofrimento.
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CONSIDERAES FINAIS
Entendemos ter restado clara a importncia da temtica cujo cerne a pessoa idosa, entendida como aquela que tem sessenta anos de idade ou mais, de acordo com o artigo 1 do Estatuto do Idoso. Isto porque, pudemos constatar no Captulo 1, os dados estatsticos revelam: a estimativa de que, em 2050, a populao de idosos no Brasil seja algo em torno de quatorze milhes (sendo nove milhes de mulheres e 5 milhes de homens). A expectativa de vida tambm tende a se elevar, mesmo nos pases tidos como subdesenvolvidos, caso do nosso. De fcil percepo , pois, o fato de que significativa ser, nas prximas dcadas, a camada idosa de nossa populao, o que nos faz considerar relevante qualquer anlise voltada para ela, como pretendeu ser essa, que ora se encerra. Ademais, ainda que no compusessem o tema propriamente dito, achamos de interesse do leitor conhecer a evoluo da proteo dispensada terceira idade, bem como trazer baila seus direitos fundamentais, estampados, hoje, no supracitado Estatuto do Idoso (Lei n 10.741/03), o que fizemos ainda em sede de primeiro captulo. Afora tal comprovao, por certo igualmente importante o detalhamento da incapacidade civil, interdio e curatela. De fato, o idoso portador do Mal de Alzheimer, em franco processo de degenerao de sua atividade cerebral, mostra-se, com o passar do tempo e na medida em que evolui a enfermidade, absolutamente incapaz, totalmente privado do discernimento necessrio para a realizao dos atos mais simples do dia-a-dia (que se dir, pois, acerca da gesto de seu patrimnio?). Deve, portanto, estamos certos, ser tido como incapaz absoluto para os atos da vida civil, tal qual enuncia o artigo 3, inciso II 170
do Cdigo Civil de 2002, o qual transcrevemos, ainda uma vez: So absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: II os que, por enfermidade ou deficincia mental, no tiverem o necessrio discernimento para a prtica desses atos. No h outra medida a ser tomada, seno a interdio e conseqente instituio de curador ao idoso interdito, portador da Doena de Alzheimer. O procedimento de interdio do paciente de Alzheimer aquele constante dos artigos 1177 e seguintes do Cdigo de Processo Civil: o mesmo que se aplica em todas as demais interdies, diga-se de passagem. As jurisprudncias colacionadas ao longo do Captulo 3 demonstraram que, no que tange promoo da medida, em geral so os filhos do idoso enfermo que solicitam judicialmente sua interdio, bem como pleiteiam lhe seja nomeado curador. No verificamos a presena macia do Ministrio Pblico enquanto plo ativo destas demandas especficas, consoante admite o CPC, em seu artigo 1178. Observou-se, outrossim, que a simples alegao, na petio inicial, da presena da Doena de Alzheimer tem-se mostrado suficiente, ademais, evidentemente, do interrogatrio procedido pelo magistrado e da percia mdica, para ocasionar a decretao da interdio. Constatou-se, ainda, no serem raros os casos de descendentes que se aproveitam do estado de alienao mental de seus pais para lhes usurpar o patrimnio. Ou mesmo, o que ainda pior, aqueles que pretendem na interdio medida hbil a proporcionar controle total sobre as finanas de ascendente idoso, ainda que perfeitamente so (remetemos o leitor ao Captulo 3). A curatela medida que se amolda com perfeio situao do idoso portador do Mal de Alzheimer, de acordo com o texto do artigo 1767, I do Cdigo Civil, in verbis: Esto sujeitos curatela: I aqueles que, por 171
enfermidade ou deficincia mental, no tiverem o necessrio discernimento para os atos da vida civil. Sobre o curador, conforme permisso estampada no artigo 1775, 1 e 2 do Cdigo Civil, tem sido institudo para o encargo, na maioria das situaes que envolvem idosos portadores de DTA, um de seus filhos. No so incomuns os casos de desavenas entre descendentes, mormente no que concerne gesto patrimonial. Na parte final do Captulo 2, servindo-nos, para tanto, da literatura mdica nacional e estrangeira mais atualizada, realizamos anlise acurada da Doena de Alzheimer. De tudo quanto foi mencionado, merecem destaque, nesse momento de concluso, dois aspectos fundamentais: a sintomatologia evolutiva da enfermidade e o tratamento, se bem que, vale lembrar desde j, ainda no h se falar em cura. Na observao dos sintomas da DTA, que variam conforme a fase da doena em que se ache o paciente, reside o elemento motriz do presente trabalho, conforme se quis deixar claro ainda na Introduo. Ora, certo que a Doena de Alzheimer, por causar a leso irreversvel das clulas cerebrais, destruindo a memria do doente, primeiro a recente e ao depois a remota, privando-lhe do entendimento das coisas mais elementares (tais quais se vestir, banhar-se, fazer compras e etc.), reclama, do mundo jurdico, medida competente que, de modo inegvel, mesmo a interdio, seguida pela nomeao de curador. Realmente, o doente de Alzheimer espcie de doente mental que, por absolutamente incapaz para os atos da vida civil, necessita de curador que lhe assista ou represente, principalmente para fins de gesto patrimonial (artigo 3, 172
II c/c artigo 1767, I, ambos do Cdigo Civil). Tal o entendimento pacfico da doutrina e jurisprudncia nacionais. Dvida que nos acometeu e motivou a consecuo deste estudo o momento exato em que a interdio deve ser concedida, bem como institudo curador ao doente. Pois bem. Estamos convencidos de que a Demncia do Tipo Alzheimer, mesmo em sua fase inicial, invoca, na maioria dos casos, a interdio do idoso enfermo e o estabelecimento da medida assistencialista da curatela. Explicamos: j no primeiro estgio pelo qual passa a Doena de Alzheimer, o paciente se v privado de seu discernimento, vez que a memria recente afetada, o que torna o doente incapaz de lidar com dinheiro, sair de casa desacompanhado e tomar decises relevantes. Que fique claro: se presentes tais sintomas que prejudicam de modo substancial o entendimento do paciente, que se decrete sua interdio e nomeie curador, a fim de o representar em todos os negcios civis. Em contrapartida, se esses sinais, mais graves, da doena ainda no se tiverem manifestado, mesmo que o diagnstico seja de Doena de Alzheimer, de modo que reste imaculado o discernimento do idoso enfermo, razovel que continue, por si s, a exercer os atos da vida civil, protelando-se, tanto quanto possvel, sua sujeio curatela. Patente, portanto, a necessidade de realizao de interrogatrio judicial, bem como exame pericial por profissionais capacitados, de maneira que subsista inconteste a incapacidade do idoso portador de Alzheimer, a fim de que o magistrado se decida, com acerto, pela interdio. o caso concreto, tambm nessas situaes, que regular e solicitar medida mais adequada. No se olvide da coibio s fraudes, j comentadas linhas acima. 173
Apesar da ausncia atual de cura, fazemos questo de mencionar a esperana que ganhou corpo com o recente julgamento do STF no sentido de considerar constitucional a Lei de Biossegurana (Lei n 11.105/05), permitindo-se, no Brasil, de ora em diante, a realizao de pesquisas com clulas-tronco embrionrias. Alguns dos cientistas consultados acerca da questo afirmam pela possibilidade do desenvolvimento de tratamento eficaz no combate Doena de Alzheimer, com a utilizao de ditas clulas-tronco embrionrias, o que nos parece motivo de enorme comemorao. Consideramos satisfatoriamente cumprida a misso que inicialmente nos propusemos: aproximar o Direito de outras cincias, fornecer respostas (jurdicas) para problemas de outros ramos do conhecimento (a Medicina no capaz de apontar soluo para as famlias do doente de Alzheimer, no que diz respeito administrao de seu patrimnio e representao/assistncia para os demais atos da vida civil). Saudvel , desta feita, a interdisciplinaridade que se quer defender e fomentar. Uma vez restado claro o entendimento dos institutos da interdio e da curatela, bem como ampliadas as informaes acerca de doena to comum nos nossos dias, como a Doena de Alzheimer, culminando na demonstrao de aplicabilidade da curatela em relao a idoso que sofra de DTA, damos por encerrada a presente dissertao de mestrado.
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ANEXO I Portaria n 843 de 06 de Novembro de 2002. O Secretrio de Assistncia Sade, no uso de suas atribuies legais, Considerando a necessidade de estabelecer Protocolo Clnico e Diretrizes Teraputicas para o tratamento da Demncia por Doena de Alzheimer, que contenha critrios de diagnstico e tratamento, observando tica e tecnicamente a prescrio mdica, racionalize a dispensao dos medicamentos preconizados para o tratamento da doena, regulamente suas indicaes e seus esquemas teraputicos e estabelea mecanismos de acompanhamento de uso e de avaliao de resultados, garantindo assim a prescrio segura e eficaz; Considerando a Consulta Pblica a que foi submetido o Protocolo Clnico e Diretrizes Teraputicas Tratamento da Demncia por Doena de Alzheimer, por meio da Consulta Pblica SAS/MS n 01, de 12 de abril de 2002, que promoveu sua ampla discusso e possibilitou a participao efetiva da comunidade tcnico cientfica, sociedades mdicas, profissionais de sade e gestores do Sistema nico de Sade na sua formulao, e Considerando as sugestes apresentadas ao Departamento de Sistemas e Redes Assistenciais DSRA/SAS/MS no processo de Consulta Pblica acima referido, resolve: Art. 1 - Aprovar o PROTOCOLO CLNICO E DIRETRIZES TERAPUTICAS DEMNCIA POR DOENA DE ALZHEIMER Rivastigmina, Galantamina e Donepezil , na forma do Anexo desta Portaria. 1 - Este Protocolo, que contm o conceito geral da doena, os critrios de incluso/excluso de pacientes no tratamento, critrios de diagnstico, esquema teraputico preconizado e mecanismos de acompanhamento e avaliao deste tratamento, de carter nacional, devendo ser utilizado pelas Secretarias de Sade dos estados, do Distrito Federal e dos municpios, na regulao da dispensao dos medicamentos nele previstos. 2 - As Secretarias de Sade que j tenham definido Protocolo prprio com a mesma finalidade, devero adequ-lo de forma a observar a totalidade dos critrios tcnicos estabelecidos no Protocolo aprovado pela presente Portaria; 3 - obrigatria a observncia deste Protocolo para fins de dispensao dos medicamentos nele previstos; 179
4 - obrigatria a cientificao do paciente, ou de seu responsvel legal, dos potenciais riscos e efeitos colaterais relacionados ao uso dos medicamentos preconizados para o tratamento da Doena de Alzheimer, o que dever ser formalizado por meio da assinatura do respectivo Termo de Consentimento Informado, de acordo com o medicamento utilizado, conforme o modelo integrante do Protocolo. Art. 2 - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicao, revogadas as disposies em contrrio.
RENILSON REHEM DE SOUZA Secretrio
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PROTOCOLO CLNICO E DIRETRIZES TERAPUTICAS DEMNCIA POR DOENA DE ALZHEIMER Rivastigmina, Galantamina, Donepezil,
1. Introduo A demncia uma sndrome clnica decorrente de doena ou disfuno cerebral, usualmente de natureza crnica e progressiva, na qual ocorre perturbao de mltiplas funes cognitivas, incluindo memria, ateno e aprendizado, pensamento, orientao, compreenso, clculo, linguagem e julgamento. O comprometimento das funes cognitivas comumente acompanhado, e ocasionalmente precedido, por deteriorao do controle emocional, comportamento social ou motivao. A demncia produz um declnio aprecivel no funcionamento intelectual e interfere com as atividades do dia-a-dia, como higiene pessoal, vestimenta, alimentao, atividades fisiolgicas e de toalete(1). A sobrevida mdia aps o diagnstico de demncia de 3,3 anos(2). A doena de Alzheimer a principal causa de demncia uma doena cerebral degenerativa primria, de etiologia no totalmente conhecida, com aspectos neuropatolgicos e neuroqumicos caractersticos. Fatores genticos so extremamente relevantes, pois alm da idade a existncia de membro da famlia com demncia o nico fator sistematicamente associado, presente em 32,9% de casos diagnosticados (3). A DA transmitida de forma autossmica dominante e as caractersticas de idade de incio e evoluo identificam subtipos diferentes com correlatos genticos. Por ser autossmica dominante a penetrao completa, entretanto a manifestao observada na prole no de 50%, mas de aproximadamente 25%. A reduo da manifestao sugere que outros fatores devam fazer parte do processo da doena, caracterizando sua multifatoriedade. O risco relativo geral calculado foi de 3,5 para aqueles sujeitos com pelo menos um parente de 1 grau acometido de demncia. Instala-se usualmente de modo insidioso e desenvolve-se lenta e continuamente por um perodo de vrios anos. O incio pode ser na meia-idade ou at mesmo mais cedo, mas a incidncia maior medida que a idade avana (a partir dos 60-65 anos)(1). As alteraes neuropatolgicas e bioqumicas da doena de Alzheimer podem ser divididas em duas reas gerais: mudanas estruturais e alteraes nos neurotransmissores ou sistemas neurotransmissores. As mudanas estruturais incluem os enovelados neurofibrilares, as placas neurticas e as alteraes do metabolismo amilide, bem como as perdas sinpticas e morte neuronal. 181
As alteraes nos sistemas neurotransmissores esto ligadas s mudanas estruturais (patolgicas) que ocorrem na doena, porm, de forma desordenada. Alguns neurotransmissores so significativamente afetados ou relativamente afetados indicando um padro de degenerao de sistemas. Porm, sistemas neurotransmissores podem estar afetados em algumas reas cerebrais as no em outras, como no caso da perda do sistema colinrgico cortical basal e da ausncia de efeito sobre o sistema colinrgico do tronco cerebral. Efeitos similares so observados no sistema noradrenrgico. Baseado na hiptese colinrgica da doena de Alzheimer, evidenciada pela perda de neurnios colinrgicos centrais, atividade reduzida da colinacetiltransferase em crebro de pacientes com Alzheimer e pela correlao de dficit colinrgico e prejuzo da funo cognitiva, os inibidores da acetilcolinesterase foram testados na doena de Alzheimer com um modesto benefcio comprovado. Vrios ensaios clnicos testaram a utilizao de alguns representantes desta classe de medicaes. A maioria destes estudos apresentou um seguimento de 06 a 12 meses e utilizou escalas padronizadas de avaliao de prejuzo cognitivo (ADAS Alzheimers Disease Assessment Scale) e de estado mental (MMSE Mini-Mental State Examination) como desfechos principais, demonstrando uma diferena de cerca de 4 a 5 pontos na escala ADAS (escala de 0 a 70, sendo os valores mais elevados representam maior prejuzo). Considerando que a histria natural da doena prev uma deteriorao anual de 8 a 10% nesta escala(4), tal diferena significa uma reduo de aproximadamente 6 meses na histria natural do Alzheimer(5).
2. Classificao CID 10 G30.- Doena de Alzheimer F00.- Demncia na doena de Alzheimer
3. Diagnstico Clnico Requisito primrio para o diagnstico de demncia a evidncia de um declnio tanto na memria quanto no pensamento, o qual suficiente para comprometer atividades pessoais da vida diria. O comprometimento da memria tipicamente afeta o registro, armazenamento e evocao de novas informaes, porm, material familiar e os aprendizados mais antigos (mais precoces na vida) podem tambm ser perdidos, especialmente nos estgios mais tardios. O processamento de informaes afetado, de modo que o indivduo tem progressivamente mais dificuldade em responder a mais de um estmulo de 182
cada vez, tal como participar de uma conversa com vrias pessoas ao mesmo tempo. Os sintomas e comprometimentos acima mencionados devem ser evidentes por pelo menos 06 (seis) meses para que um diagnstico clnico confivel de demncia seja feito(1,4). O diagnstico de doena de Alzheimer um processo de excluso.
3.1. Critrios para o diagnstico clnico de provvel doena de Alzheimer(4,6) 3.1.1. presena de demncia estabelecida por teste objetivo; 3.1.2. prejuzo da memria e de pelo menos uma outra funo cognitiva (linguagem ou percepo, por exemplo); 3.1.3. piora progressiva da sintomatologia; 3.1.4. ausncia de distrbio do nvel de conscincia; 3.1.5. incio entre 40 e 90 anos de idade, mas mais freqentemente aps os 65 anos; 3.1.6. ausncia de distrbios sistmicos e/ou outra doena do SNC que poderiam acarretar dficit cognitivo progressivo (demncia), como por exemplo hipotireoidismo. 3.1.7. O diagnstico provvel apoiado por: a) deteriorao progressiva de funes cognitivas como linguagem (afasia), habilidades motoras (apraxias) e percepo (agnosias); b) atividades do dia-a-dia prejudicadas e padro de comportamento alterado; c) histria familiar de demncia, particularmente se confirmada por exame anatomo-patolgico; d) exames complementares normais (EEG, TCC, RM) ou com alteraes inespecficas (ex. EEG com lentificao, TCC com atrofia difusa); e) evidncia documentada de progresso da atrofia cerebral.
3.1.8. Outros achados clnicos consistentes com provvel DA, aps excluso de outras causas de demncia: 183
a) Plat no curso da doena; b) Sintomas associados de depresso, insnia, incontinncia, iluses, surtos de descontrole (verbal, emocional ou fsica), mudanas no comportamento sexual, e perda de peso; Aparecimento de outras alteraes neurolgicas em fase avanada da doena (alteraes motoras como aumento do tnus muscular, alteraes da marcha, entre outras.).
3.2. Critrios para diagnstico de possvel DA (4,6) 3.2.1. Feito com base na sndrome demencial, na ausncia de outras alteraes neurolgicas, psiquitricas ou sistmicas, suficientes para produzir demncia mesmo que em presena de variaes de apresentao do incio ou do curso clnico; 3.2.2. Pode ser feito na presena de uma segunda alterao sistmica ou cerebral suficiente para produzir demncia, mas no considerada causa do quadro demencial presente; 3.2.3. Pode ser usado em investigaes, quando um nico e gradual dficit cognitivo severo documentado na ausncia de outras causas identificveis.
3.3. Critrios para diagnstico de doena de Alzheimer definitiva (4,6) 3.3.1. Preenchimento dos critrios de provvel DA com comprovao por histopatologia de tecido cerebral por bipsia ou autpsia. Achados que tornam o diagnstico de DA improvvel ou incerto: a) Incio sbito; b) Achados neurolgicos focais como hemiparesia, alteraes de sensibilidade e dos campos visuais, sinais cerebelares, crises convulsivas, entre outras, no incio da doena ou muito precoces no curso da doena.
Em at 10 a 15% dos casos, a demncia da doena de Alzheimer pode coexistir com demncia vascular.
4. Diagnstico Laboratorial 184
No existem exames que confirmem o diagnstico de doena de Alzheimer, pois at agora isso s ocorre por bipsia cerebral ou necrpsia (autpsia). Os exames complementares servem para a excluso de condies que poderiam provocar demncia que no a doena de Alzheimer. No entanto, utilizando-se os critrios padronizados a correlao (acurcia) entre o diagnstico clnico provvel para doena de Alzheimer com os achados de bipsia/autpsia alcana 80-90% (7). A incluso de pacientes com incio de doena mais cedo diminui a acurcia. Instrumentos padronizados so de auxlio fundamental como o Mini- exame do Estado Mental (4) e a Escala Clnica de Avaliao de Demncia (Clinical Dementia Rating Scale CDR).
5. Exames Subsidirios Exigidos Mini-exame do Estado Mental e Escala Clnica de Avaliao de Demncia realizado pelo mdico prescritor; avaliao por um comit de especialistas a ser institudo pelo gestor estadual.
6. Critrios de Incluso no Protocolo de Tratamento Ter sido avaliado por um neurologista e/ou psiquiatra e/ou geriatra; preencher os critrios clnicos de demncia por doena de Alzheimer possvel ou provvel; apresentar Mini-Exame do Estado Mental com escore entre 12 e 24 (8) para pacientes com mais de 4 anos de escolaridade e entre 8 e 17 para pacientes com at 4 anos de estudo e Escala CRD 1 ou 2 (demncia leve ou moderada).
7. Critrios de Excluso do Protocolo de Tratamento No sero includos neste Protocolo de tratamento pacientes que apresentarem pelo menos um dos itens abaixo: avaliao, por parte do mdico assistente e/ou do comit de especialistas, que o paciente apresentar m aderncia ao tratamento; evidncia de leso cerebral orgnica ou metablica simultneas no compensadas; insuficincia cardaca grave ou arritmia cardaca; 185
sndrome parkinsoniana (Doena de Parkinson ou sndrome parkinsoniana); diarria; doena pptica sem resposta ao tratamento.
8. Centros de Referncia O diagnstico, tratamento e acompanhamento dos pacientes portadores da Doena de Alzheimer dever se dar nos Centros de Referncia em Assistncia Sade do Idoso, definidos pela Portaria GM/MS n 702 e Portaria SAS/MS n 249, ambas de 12 de abril de 2002. A aquisio dos medicamentos previstos neste Protocolo de responsabilidade das Secretarias de Sade dos estados e do Distrito Federal, em conformidade com o Programa de Medicamentos Excepcionais. A dispensao poder ocorrer na prpria Secretaria de Sade ou, a critrio do gestor estadual, nos Centros de Referncia. Nesse ltimo caso, deve ser celebrado um acordo operacional entre a Secretaria de Sade do estado e o Centro de Referncia, e, estabelecidos mecanismos de avaliao, acompanhamento e controle. Para a manuteno da dispensao dos medicamentos, os pacientes includos no Programa devero ser reavaliados 3 a 4 meses aps o incio do tratamento e, aps, a cada 4-6 meses, conforme estabelecido nos itens 9.2 e 9.3 deste Protocolo.
9. Tratamento 9.1. Frmacos e dose Os medicamentos abaixo podero ser utilizados. No sero permitidas associaes entre estes frmacos. 9.1.1. Rivastigmina: Incio com 1,5mg duas vezes ao dia com aumento gradual at 6mg duas vezes ao dia (8,10,12-20) 9.1.2. Galantamina: Incio com 5 a 8mg ao dia com aumento gradual at 24 a 25mg ao dia (8,10,21-24) 9.1.3. Donepezil: dose inicial de 5mg ao dia, podendo ser aumentada para 10mg ao dia no havendo resposta em algumas semanas (8-11)
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9.2. Critrios de Interrupo de Tratamento O tratamento deve ser suspenso em 3 situaes distintas(8): a) Aps 3-4 meses do incio do tratamento o paciente dever ser reavaliado; no havendo melhora ou estabilizao da deteriorao do quadro o tratamento deve ser suspenso por falta de benefcio; b) Mesmo que em tratamento continuado, este deve ser mantido apenas enquanto o Mini-exame de Estado Mental estiver acima de 12 para pacientes com mais de 4 anos de escolaridade e acima de 8 para pacientes com menos de 4 anos de estudo, abaixo do que no existe nenhuma evidncia de benefcio da medicao e esta deve ser suspensa; de forma semelhante, somente deve ser mantido em tratamento pacientes com Escala CDR igual ou inferior a 2; c) Intolerncia da medicao.
9.3. Monitorizao Trs a quatro meses aps o incio do tratamento o paciente deve fazer uma reavaliao no Centro de Referncia. Aps este perodo, as reavaliaes nos Centros de Referncia devem ocorrer a cada 4 a 6 meses, para avaliar o benefcio e a necessidade de continuidade do tratamento atravs de avaliao clnica e realizao do Mini-exame do Estado Mental e da Escala CDR.
10. Consentimento Informado obrigatria a cientificao do paciente, ou de seu responsvel legal, dos potenciais riscos e efeitos colaterais relacionados ao uso dos medicamentos preconizados para o tratamento de Demncia por Doena de Alzheimer, o que dever ser formalizado por meio da assinatura do respectivo Termo de Consentimento Informado, de acordo com o medicamento utilizado, conforme o modelo integrante deste Protocolo.
11. Referncias Bibliogrficas 1. Classificao de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10: Descries Clnicas e Diretrizes Diagnsticas Coord. Organiz. Mund. Da Sade ; trad. Dorgival Caetano. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1993. 2. Wolfson C, Wolfson DB, Asgharian M, et al. A reevaluation of the duration of survival after the onset of dementia. N Engl J Med 2001;344:1111- 16 3. Heyman A, Peterson B, Fillenbaum G, Pieper C: The consortium to establish a registry for Alzheimers disease (CERAD) Part XIV: demographic 187
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Termo de Consentimento Informado Rivastigmina, Galantamina, Donepezil
Eu ________________________ (nome do(a) paciente), abaixo identificado(a) e firmado(a), declaro ter sido informado(a) claramente sobre todas as indicaes, contra-indicaes, principais efeitos colaterais e riscos relacionados ao uso do medicamento _____________________ para o tratamento de demncia por doena de Alzheimer. Estou ciente de que este medicamento somente pode ser utilizado por mim, comprometendo-me a devolv-lo caso o tratamento seja interrompido. Os termos mdicos foram explicados e todas as minhas dvidas foram resolvidas pelo mdico ___________________ (nome do mdico que prescreve). Expresso, tambm, minha concordncia e espontnea vontade em submeter-me ao referido tratamento, assumindo a responsabilidade e os riscos pelos eventuais efeitos indesejveis. Assim, declaro que: Fui claramente informado(a) de que os medicamentos podem trazer os seguintes benefcios: reduo na velocidade de progresso da doena; melhora da memria e da ateno Fui tambm claramente informado(a) a respeito das seguintes contra- indicaes, potenciais efeitos colaterais e riscos: medicaes classificadas na gestao como: - fator de risco C (significa que risco para o beb no pode ser descartado, mas um benefcio potencial pode ser maior que os riscos): donepezil; - fator de risco B (significa que risco para o beb muito improvvel): galantamina e rivastigmina; risco de ocorrncia dos seguintes efeitos colaterais: - Donepezil: freqentes: dor de cabea, nuseas e diarria; menos freqentes: sncope, dor no peito, fadiga, insnia, tonturas, depresso, pesadelos, sonolncia, perda do apetite, vmitos, perda de peso, aumento da freqncia urinria, espasmos musculares, artrite e dores pelo corpo; - Galantamina: freqentes: nuseas, vmitos, diarria; menos freqentes: diminuio da freqncia de batidas do corao, desmaios, dor no peito, tontura, dor de cabea, depresso, cansao, insnia, sonolncia, tremor, perda do apetite, emagrecimento, dor abdominal, azia e outros sinais de irritao gstrica, gases, infeces urinrias, incontinncia, anemia, rinite; 190
raros: so descritas as ocorrncias de apatia, fibrilao atrial, bloqueio atrio- ventricular, convulso, delrio, diverticulite, gastrite, gastroenterite, insuficincia cardaca, aumento da glicose no sangue, presso baixa, aumento de desejo sexual, sangue nas fezes, palpitao, boca seca, aumento de salivao, vertigem, clculo renal, reteno urinria. - Rivastigmina: freqentes: tonturas, dor de cabea, nuseas, vmitos, diarria, perda do apetite, dor abdominal; menos freqentes: desmaios, presso alta, cansao, insnia, sonolncia, confuso, depresso, ansiedade, tontura, alucinao, agressividade, azia e sintomas de irritao gstrica, priso de ventre, gases, perda de peso, arrotos, infeces urinrias, fraqueza muscular, tremores, rinite. Estou ciente da necessidade de comparecer s consultas peridicas conforme agendadas e a realizar os exames e avaliaes solicitadas pelo mdico. Estou ciente, tambm, de que posso suspender este tratamento a qualquer momento, sem que este fato implique qualquer forma de constrangimento entre mim e meu mdico, que se dispe a continuar me tratando em quaisquer circunstncias. Autorizo o Ministrio da sade e as Secretarias de Sade a fazer uso de informaes relativas ao meu tratamento desde que assegurado o anonimato. Declaro, finalmente, ter compreendido e concordado com todos os termos deste Consentimento informado. Assim, o fao por livre e espontnea vontade e por deciso conjunta, minha e de meu mdico.
O meu tratamento constar do seguinte medicamento: donepezil galantamina rivastigmina
Paciente: ________________________________ __________ Documento de Identidade: ______________________________ Se xo: Masculino ( ) Feminino ( ) Idade: ______________ __ Endereo: ________________________________ _________ Cidade: _________ CEP: ________ _ Telefone: ( ) ______ Responsvel legal (quando for o caso): 191
____________________ Documento de Identidade do responsvel legal: _______________
________________________________ __________ Assinatura do paciente ou do responsvel legal
________________ ________ Assinatura e carimbo do mdico
_______________ ________ Data
Obs.: 1. O preenchimento completo deste Termo e sua respectiva assinatura so imprescindveis para o fornecimento do medicamento. 2. Este Termo ser preenchido em duas vias: uma ser arquivada na farmcia responsvel pela dispensao dos medicamentos e a outra ser entregue ao paciente.