O texto discute três tópicos principais:
1) A história dos conceitos de educação politécnica e sua interpretação na Revolução Russa de 1917 e na Revolução Cubana como forma de unir estudo e trabalho para a emancipação humana.
2) O significado da formação integrada e como ela se relaciona com a educação politécnica.
3) A disputa em torno das Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação profissional técnica no Brasil e a luta por uma educação que transforme a sociedade.
O texto discute três tópicos principais:
1) A história dos conceitos de educação politécnica e sua interpretação na Revolução Russa de 1917 e na Revolução Cubana como forma de unir estudo e trabalho para a emancipação humana.
2) O significado da formação integrada e como ela se relaciona com a educação politécnica.
3) A disputa em torno das Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação profissional técnica no Brasil e a luta por uma educação que transforme a sociedade.
O texto discute três tópicos principais:
1) A história dos conceitos de educação politécnica e sua interpretação na Revolução Russa de 1917 e na Revolução Cubana como forma de unir estudo e trabalho para a emancipação humana.
2) O significado da formação integrada e como ela se relaciona com a educação politécnica.
3) A disputa em torno das Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação profissional técnica no Brasil e a luta por uma educação que transforme a sociedade.
O texto discute três tópicos principais:
1) A história dos conceitos de educação politécnica e sua interpretação na Revolução Russa de 1917 e na Revolução Cubana como forma de unir estudo e trabalho para a emancipação humana.
2) O significado da formação integrada e como ela se relaciona com a educação politécnica.
3) A disputa em torno das Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação profissional técnica no Brasil e a luta por uma educação que transforme a sociedade.
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|187| Trabalho & Educao | Belo Horizonte | v.23 | n.1 | p.
187-205 | jan-abr | 2014
O ENSINO INTEGRADO, A POLITECNIA E A EDUCAO OMNILATERAL. POR QUE LUTAMOS? 1 The integrated education, the polytechnic and the omnilateral education. Why do we fght? CIAVATTA, Maria 2 RESUMO O texto destina-se a fazer uma refexo sobre o tema, em um momento de embates sobre polticas para o ensino mdio e a educao profssional. No primeiro momento, tratamos da histria das palavras e das aes que registram a travessia para mudanas sociais, no sentido de alterar a qualidade da educao sob o iderio da politecnia; em segundo lugar, trazemos alguns elementos da educao politcnica e sua realizao na Revoluo de 1917 e na Revoluo Cubana; terceiro, discutimos a formao integrada quanto ao termo e seu signfcado; em quarto lugar, recuperamos aspectos da disputa sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a educao tcnica profssional de nvel mdio hoje, no Brasil. Palavras-chave: Educao profssional; Educao politcnica; Diretrizes curriculares. ABSTRACT The text is intended to make a refection on the subject, at a time of political discussions on the for high school and vocational education. At frst, we treat the history of words and actions that record the passage to social change, to alter the quality of education under the ideas of polytechnic; Second, bring some elements of polytechnic education and its realization in the Revolution of 1917 and the Cuban Revolution; third, we discuss the integrated education regarding the term and what it means; fourthly, we present aspects of the dispute over the national curriculum guidelines for vocational technical education middle level today, in Brazil. Keywords: Vocational education; Polytechnic education; Curriculum guidelines. 1 Texto apresentado, originalmente, no VII Seminrio sobre Trabalho e Educao Uma dcada de estudos e pesquisas sobre trabalho e educao na Amaznia, realizado no Centro de Cincias Jurdicas da Universidade Federal do Par, dias 20 e 21 de outubro de 2011. 2 Doutora em Cincias Humanas (Educao). Professora Titular em Trabalho e Educao Associada ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal Fluminense (UFF); ex-Professora Visitante da UERJ; Pesquisadora do 1-A, CNPq. E-mail: <mciavatta@terra.com.br>. Trabalho & Educao | Belo Horizonte | v.23 | n.1 | p. 187-205 | jan-abr | 2014 |188| A educao pela qual precisamos trabalhar no a que procura nos adaptar para os novos tempos, mas sim a que prope a mudana do prprio sentido das mudanas (OSCAR JARA). INTRODUO O tema proposto tem a pergunta Por que lutamos? e traz implcita a resposta, Ensino integrado, politecnia, educao omnilateral. No se trata de sinnimos, mas de termos que pertencem ao mesmo universo de aes educativas quando se fala em ensino mdio e em educao profssional. Essa compreenso especialmente importante para ns que somos no apenas estudiosos do tema. Somos tambm militantes de uma causa, a qualidade da educao que desejamos que seja um direito assegurado a todos os trabalhadores brasileiros e a seus flhos. Partindo dessa condio inicial, no incio desta segunda dcada do sculo, lutamos por uma concepo e prticas educativas que no so novas. Elas remontam ao iderio da educao socialista revolucionria que previa a elevao das massas ao nvel de conhecimento e capacidade de atuao como as elites sempre reservaram para si e seus pupilos. Seria mais simples se fssemos apenas estudiosos do tema. Como militantes de uma causa, compreenso dos princpios e dos conceitos, segue-se a exigncia histrica de conhecer e levar em conta a realidade neles compreendida, e o compromisso com sua transformao segundo os princpios declarados. De modo mais incisivo, coerente com o materialismo histrico que nos d elementos para a anlise da sociedade capitalista em que vivemos, recuperamos a XI tese ad Feuerbach que diz que os flsofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras, o que importa transform-lo (MARX; ENGELS, 1979, p.14). O que signifca [...] formar cidados crticos e capazes de infuenciar e promover mudanas. Como fazer isso num pas como o Brasil, onde grande parte da populao tem preocupaes mais urgentes que aprender, como comer e morar? (JARA, s.d., grifos nossos). A est a mudana do prprio sentido das mudanas de que fala Oscar Jara. Pensando no ensino mdio, no se trata, pois, de mera adaptao s mudanas no mundo da produo e do trabalho, tais como adaptar-se fexibilizao produtiva, sociedade da incerteza, s relaes de trabalho desregulamentadas, ao empreendedorismo, aos programas breves de aprendizagem, aos programas paliativos da tenso social. H condies de vida que permeiam as opes das pessoas. E estas passam pela forma histrica como produzem a prpria vida. Totalidade social, mediao, contradio, tempo e espao, trabalho e educao so os principais conceitos norteadores da anlise documental e da reviso de literatura efetuadas para a reconstruo histrica das questes presentes neste texto. 3 Estaremos diante de um impasse, de um n que no pode ser desatado? A histria 3 Para seu detalhamento, cf. Ciavatta (2001). |189| Trabalho & Educao | Belo Horizonte | v.23 | n.1 | p. 187-205 | jan-abr | 2014 do presente sempre obscurecida pelo sentido de sua transformao que, como soe acontecer, somente nos dado depois que o futuro/presente se realiza. Mas isso no pode nos levar imobilidade. O tema da formao integrada, remetido ao conceito de politecnia, tem sido objeto de polmica e de divergncias quando se trata de pensar a educao articulada ao trabalho como instrumento de emancipao humana na sociedade capitalista. H divergncias na interpretao do conceito e da prtica da educao politcnica na implantao do socialismo pela Revoluo Russa e na recuperao desse iderio educacional no Brasil. Aparentemente, estamos do mesmo lado, buscando manter a coerncia do compromisso com a transformao da sociedade brasileira no sentido do direito de todos a uma vida digna. Mas precisamos delinear estratgias para o presente. Politecnia, educao omnilateral, formao integrada so horizontes do pensamento que queremos que se transformem em aes. Nessa refexo sobre o tema, trataremos, primeiro, da histria das palavras e das aes que registram a travessia para mudanas sociais, que alterem a qualidade da educao sob o iderio da politecnia; segundo, o sentido da educao politcnica e sua realizao na Revoluo de 1917 e na Revoluo Cubana; terceiro, a formao integrada, o termo e seu signfcado; em quarto lugar, a disputa das Diretrizes Curriculares Nacionais para a educao profssional de nvel tcnico hoje, no Brasil; e, por ltimo, nossas consideraes fnais. 1. EDUCAO POLITCNICA: AS PALAVRAS TM HISTRIA No vamos nos deter na palavra mais adequada, se educao politcnica ou educao tecnolgica, os dois termos utilizados por Marx. Seu uso foi polemizado por Nosella (2007), trazendo, tambm, a palavra de Manacorda (1975; 2006), e foi discutido por Saviani (1989; 2003), 4 Marx (1980), a exemplo de um dos poucos textos que deixou sobre a questo, fala nas escolas politcnicas e no ensino tecnolgico e lhe d o sentido da unio estudo e trabalho, do conhecimento e da prtica para uma outra sociedade, para a superao da diviso social do trabalho. 5
Etimologicamente, politecnia signifca muitas tcnicas. No Brasil, o termo, com esse sentido, deu nome a instituies educacionais como escolas de engenharia (a Escola Politcnica da Universidade de So Paulo); e com o sentido voltado para a formao humana em todos os aspectos, a educao omnilateral, humanista e cientfca, como a Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio (EPSJV-Fiocruz). Na segunda interpretao do termo, h um sentido poltico, emancipatrio no sentido 4 Anteriormente, Rodrigues (1998) discutiu longamente o pensamento dos principais autores que trataram da educao politcnica nos anos 1980 e 1990 (KUENZER, 1988; MACHADO, 1989; SAVIANI, 1989). 5 Falando sobre a legislao fabril inglesa e a educao, a indstria moderna e a populao operria, disponvel para a explorao do trabalho, trata-se de [...] substituir o indivduo parcial, mero fragmento humano que repete sempre uma operao parcial, pelo indivduo integralmente desenvolvido para o qual as diferentes funes sociais no passariam de formas diferentes e sucessivas de sua atividade. As escolas politcnicas e agronmicas so fatores desse processo de transformao. [...] Mas no h dvida de que a conquista inevitvel do poder poltico pela classe trabalhadora trar a adoo do ensino tecnolgico, terico e prtico nas escolas dos trabalhadores (MARX, 1980, p.559, grifos nossos). Trabalho & Educao | Belo Horizonte | v.23 | n.1 | p. 187-205 | jan-abr | 2014 |190| de superar, na educao, a diviso social do trabalho entre trabalho manual/trabalho intelectual, e formar trabalhadores que possam ser, tambm, dirigentes no sentido gramsciano (GRAMSCI, 2011, p.287; SEMERARO, 2003, p.271). esse sentido amplo de democratizao do saber que estava presente nas lutas pela LDB, nos anos 1980: A pergunta para ns que estamos tentando avanar uma refexo sobre o 2 Grau [atual ensino mdio] e a politecnia seria o que deve saber aquele que executa o trabalho na sociedade? O que ele deve saber para, de alguma maneira, controlar o processo e o produto de seu trabalho? (CIAVATTA et al., 1991, p.110). Nestas trs dcadas, as perguntas permanecem as mesmas; mudaram as relaes de trabalho e algumas estratgias de fazer avanar o conhecimento e a prtica na educao dos trabalhadores. Alm de reconhecer o empenho em elucidar a semntica do termo, seu uso e signifcado nos autores mais expressivos que dele trataram (NOSELLA, 2007), importa-nos a sua histria. H um sentido histrico que o termo politecnia adquiriu no Brasil, de acordo com as transformaes socioeconmicas e polticas do pas e as polticas educacionais que lhe deram sustentao. Nesta busca da historicidade no apenas da palavra, mas tambm das aes implementadas sob sua argumentao, temos dois momentos marcantes, a disputa do termo na discusso da LDB, iniciada nos anos 1980, e o retorno dessa concepo nas duas primeiras dcadas dos anos 2000, quando se tenta aprovar e implementar a formao integrada entre a educao profssional e o ensino mdio, e se recorre memria das lutas pela educao politcnica na elaborao da LDB dos anos 1990. Essa a origem recente da ideia de formao integrada em defesa de uma formao educacional que no fosse apenas o arremedo da profssionalizao compulsria implantada a partir da Lei n. 5.692/71. Buscava-se a da superao do tradicional dualismo da sociedade e da educao brasileira e a defesa da escola pblica, particularmente, no primeiro projeto de LDB, elaborado logo aps o fm da ditadura civil-militar (1964-1989), em consonncia com os princpios de educao na Constituio de 1988. Sua origem remota est na educao socialista que pretendia ser omnilateral no sentido de formar o ser humano na sua integralidade fsica, mental, cultural, poltica, cientfco-tecnolgica. Foi a que se originou o grande sonho de uma formao completa para todos conforme queriam os utopistas do Renascimento, Comenius, com seu grande sonho de regenerao social e, principalmente, os socialistas utpicos da primeira metade do sculo XIX. De modo especial, foram Saint-Simon, Robert Owen e Fourier que levantaram o problema de uma formao completa para os produtores. Finalmente, Karl Marx extrai das prprias contradies da produo social a necessidade de uma formao cientfco-tecnolgica. Em sntese, ao longo de trs dcadas, muitas foram as derrotas sofridas em face das polticas sociais, econmicas, educacionais do neoliberalismo nos anos 1990 e 2000. Mas preservou-se, no mbito do convencimento e da luta poltica, o denso signifcado da educao politcnica como educao omnilateral ou formao |191| Trabalho & Educao | Belo Horizonte | v.23 | n.1 | p. 187-205 | jan-abr | 2014 em todos os aspectos da vida humana fsica, intelectual, esttica, moral e para o trabalho, integrando a formao geral e a educao profssional. Alm do fato historicamente comum de disputa de signifcados, mesmo dentro da esquerda, ocorre que essa concepo alargada de educao foi pensada para uma sociedade socialista, cujo valor da vida humana e do seu desenvolvimento tem signifcado diverso da educao nos pases capitalistas. 2. A RELAO TRABALHO E EDUCAO NA PEDAGOGIA SOCIALISTA6 No apenas a educao, mas toda vida social e o trabalho tm uma articulao diferente com a vida dos indivduos em uma sociedade que revolucionou as relaes sociais de produo. No cabe nas dimenses deste artigo discutir os malogros e os avanos da democracia nas experincias socialistas mais conhecidas, a URSS e Cuba. Mas, tendo um projeto diferente de sociedade e de formao humana, a relao trabalho e educao ganha um signifcado diverso das sociedades capitalistas. No se faz a transposio da educao de um sistema para outro. O que podemos aprender com a pedagogia socialista so, basicamente, trs lies: primeiro, a relao trabalho e educao continuar sendo objeto de disputa acirrada no sistema capital onde vivemos; segundo, o conhecimento da pedagogia socialista preserva a memria e constri a histria da educao para a humanizao, e no apenas a meia educao para a explorao, a servio do mercado; terceiro, as lutas por uma nova relao trabalho e educao devem avanar pari passu com outras lutas sociais, pelas melhorias de vida de toda a populao. com essas observaes preliminares que trazemos o conjunto das reformas educacionais trazidas por revolues socialistas, nomeadamente, a Russa e a Cubana. 2.1. A REVOLUO RUSSA Nosso imaginrio sobre a Revoluo de 1917, na Rssia, marcado pelas imagens de violncia que a acompanharam, e pela utopia da criao de um mundo sem opresso. Como outros grandes eventos dessa natureza, ela foi feita por homens e tem todas as caractersticas dos ideais e das ambies que alimentaram e as disputas no exerccio do poder. As revolues promovem mudanas das estruturas econmicas e polticas. Como um processo mais lento, mas no menos importante, esto as mudanas dos sujeitos sociais no modo de pensar sobre o trabalho, as relaes sociais, as classes sociais, a cultura, a educao. H que se levar em conta a relao dialtica entre a conscincia e o modo de produzir a vida, fundamental para a realizao dos objetivos revolucionrios. No foi diferente na revoluo socialista russa, que teve muitos embates para implantar a nova sociedade e contou com pedagogos idealistas e apaixonados pelos ideais da educao do futuro, a educao do homem novo que deveria crescer com a sociedade comunista. 6 Este texto serviu de base elaborao do verbete pedagogia socialista em colaborao com Roberta Lobo, para o Dicionrio da Educao do Campo (CIAVATTA; LOBO, 2012). Trabalho & Educao | Belo Horizonte | v.23 | n.1 | p. 187-205 | jan-abr | 2014 |192| Seria a culminncia de um projeto que se iniciou com a contradio histrica da primeira revoluo socialista [que] teve lugar, no no mais avanado pas capitalista, mas em um pas atrasado onde as foras produtivas e a estrutura da sociedade eram ainda semifeudais (CASTLES; WSTENBERG, 1982, p.66). No havia ensino formal para a maioria dos operrios e dos camponeses; ao menos trs quartos da populao eram analfabetos; os professores no estavam capacitados, tinham baixos salrios e baixa posio social. A Igreja Ortodoxa dirigia a maioria das escolas (CASTLES; WSTENBERG, 1982, p.67-69). Neste breve texto vamos nos deter apenas na primeira etapa da construo de um sistema educacional socialista (1917 a 1931), perodo que dado como balizador da educao pretendida pelos pedagogos revolucionrios, sendo alguns de seus expoentes: Schulgin, Krupskaia, Lunacharsky, Pistrak e Makarenko. No primeiro governo revolucionrio, Krupskaia dirigia a Comisso Estatal para a Educao. Sua tarefa era projetar um novo sistema educativo. Lunacharsky, nomeado Comissrio do Povo, tinha a responsabilidade da administrao de todos os tipos de educao. A populao foi informada sobre as mudanas pretendidas: educao geral, livre e obrigatria para todas as crianas e cursos especiais para os adultos, escola secular, unitria com diferentes nveis, para todos os cidados, apoio para o movimento educativo e cultural das massas trabalhadoras, assim como para organizaes de soldados e operrios, os professores deveriam cooperar com outros grupos sociais e se tomariam medidas imediatas para sua miservel situao material, principalmente os mais pobres, os mais importantes trabalhadores culturais e os professores das escolas elementares. Alm disso, o Estado chamava a si uma srie de medidas e responsabilidades que daria forma nova sociedade e educao em todos os seus nveis: assumiria as escolas privadas e confessionais, haveria a separao entre Estado e Igreja e entre Igreja e escola na qual era proibida a instruo religiosa; roupa, alimentos e material escolar para todas as crianas em sistema de educao mista, abolio de notas e exames e uniformes; supresso do latim nas escolas superiores, fm das distines hierrquicas e igualdade de salrios para os professores, proibio de castigos e de tarefas de casa e transformao de todas as escolas em escolas unitrias de trabalho. A estrutura das escolas unitrias de trabalho fxava duas etapas: dos oito aos 13 anos (cinco anos de estudo); e dos 13 aos 17 anos (mais quatro anos); e jardim de infncia articulado s escolas para crianas de cinco a sete anos. As escolas deveriam fcar abertas os sete dias da semana, para que as crianas pudessem desenvolver seus prprios interesses fora das aulas. O trabalho produtivo era um elemento essencial desse tipo de escola, com o objetivo de combinar a aprendizagem escolar com o trabalho produtivo segundo analistas, esse objetivo foi muito reduzido e distorcido posteriormente, na Unio Sovitica e na Europa Ocidental (CASTLES; WSTENBERG, 1982, p.72-73). Para Krupskaia, o princpio do trabalho deve ser educativo e gratifcante, e devia ser levado a cabo sem efeitos coercitivos sobre a personalidade da criana e organizado de forma social e planejada, para que desenvolvesse uma disciplina interna, sem a qual o trabalho coletivo planejado racionalmente seria impensvel. Ela e Lunacharsky enfatizavam que |193| Trabalho & Educao | Belo Horizonte | v.23 | n.1 | p. 187-205 | jan-abr | 2014 a educao socialista no era somente uma questo de contedos do ensino, mas tambm de seus mtodos. Rejeitavam a escola livresca e exigiam que as crianas aprendessem tomando parte no trabalho e na vida social (CASTLES; WSTENBERG, 1982, p.74-75). 7 A ascenso de Stalin, em 1931, trouxe mudanas substantivas de direo poltica do pas, pondo em confronto a concepo de Estado e seu papel na organizao da sociedade e da educao, diferente do que defendiam os primeiros pedagogos para a educao socialista. Stalin proclamou a coletivizao forada no campo e a industrializao (novas fbricas, refnarias de petrleo, indstrias qumicas, eletrifcao etc.). A construo do socialismo passou a signifcar trabalho duro e obedincia, medidas disciplinares. A revoluo cultural propugnada por Lnin ganhou outro signifcado. No seria baseada nos interesses e nas iniciativas das massas, mas controlada pela direo do partido (CASTLES; WSTENBERG, 1982, p.95-96). O mtodo complexo sofreu oposio do grupo Petrogrado de Educadores, liderado por Blonsky, que aceitava a escola unitria de trabalho, mas pedia que se mantivessem a diviso entre as matrias, a forma de ensino sistematizada, um programa de estudos defnido, e a diferenciao em diversos ramos do conhecimento no oitavo e no nono ano (CASTLES; WSTENBERG, 1982, p.77). Em 1931, Bubnov atacou a teoria pedaggica dos primeiros pedagogos. Considerava que estavam em um perodo agudo da luta de classes, e o Estado proletrio deveria ser fortalecido. Para o novo pensamento pedaggico socialista, a educao politcnica signifcaria a aprendizagem slida e sistemtica das cincias, especialmente fsica, qumica e matemticas, e foi proibido o ensino pelo mtodo complexo daqueles primeiros educadores. Nesse sentido, seriam danosas as ideias de extino do Estado, prevista na transio para a sociedade comunista, assim como a ideia de extino da escola, como queria Schulgin, que dirigia o Instituto de Pesquisas para a Educao Marxista-Leninista. Pistrak era um dos grandes educadores do iderio pedaggico dos primeiros tempos da Revoluo. A ideia bsica de uma nova sociedade que realizaria a fraternidade e a igualdade, o fm da alienao, era uma imensa esperana coletiva que tomou conta da sociedade sovitica entre 1918 e 1929. Sua viso educacional concomitante ascenso das massas na Revoluo, a qual exigia a formao de homens vinculados ao presente, desalienados, mais preocupados em criar o futuro do que em cultuar o passado, e cuja busca do bem comum superasse o individualismo e o egosmo (TRAGTENBERG, 1981, p.8-9). O Comit Central do Partido Comunista (bolchevique) publicou, em 30 de setembro de 1918, o documento Deliberao sobre a escola nica do trabalho e, em 16 de outubro do mesmo ano, publicou os Princpios fundamentais sobre a escola nica do trabalho, conhecido por NarKomPros, documentos escritos pela Comisso Estatal para a Educao, em que se anuncia 7 Defendiam o mtodo complexo, segundo o qual os professores no deviam ensinar seguindo um programa rgido, por matrias acadmicas. Em vez disso, os aconselhava a tomar como ponto de partida os problemas das crianas, da produo local e da vida cotidiana e examin-los, simultaneamente, luz das vrias disciplinas (CASTLES; WUNSTEMBERG, 1982, p.75). Trabalho & Educao | Belo Horizonte | v.23 | n.1 | p. 187-205 | jan-abr | 2014 |194| [...] a criao das Escolas Experimentais Demonstrativas, entre as quais, as Escolas- Comunas, instituies de tipo internato que, entre 1918 e 1925, voltaram-se para a tarefa de resolver a questo prtica de elaborar a nova pedagogia, a escola do trabalho e, em 1937, foram fechadas e integradas ao sistema regular de ensino (FREITAS, 2009, p.12-13). Uma das mais reconhecidas, a Escola-Comuna P. N. Lepeshinskiy (ou Escola-Comuna do NarComPros), era conduzida por Pistrak. Fundamentava-se no estudo das relaes do homem com a realidade atual e na auto-organizao dos alunos e se defnia pela nfase nas leis gerais que regem o conhecimento do mundo natural e social, a preocupao com o atual, as leis do trabalho humano, os dados sobre a estrutura psicofsica dos educandos, o mtodo dialtico que atua como fora organizadora do mundo (TRAGTENBERG, 1981, p.9). Buscava introduzir a dimenso poltica no trabalho pedaggico de acordo com os objetivos da Revoluo e privilegiava a teoria marxista para orientao do trabalho escolar (TRAGTENBERG, 1981, p.9). Em 1824, Pistrak publicou com o coletivo de sua Escola-Comuna, o livro Fundamentos da Escola do Trabalho, 8 talvez o mais completo e importante documento sobre essa experincia. Nele, o autor trata da relao teoria e prtica, da escola do trabalho na fase de transio, do trabalho na escola, do ensino e da auto-organizao dos alunos Anton Semionovitch Makarenko j lecionava em escolas populares na Ucrnia antes da Revoluo Russa. Formou-se sob a infuncia do grande escritor e humanista Maxim Gorki. Seu trabalho mais expressivo iniciou-se em 1920, quando passou a dirigir instituies educacionais correcionais para crianas e adolescentes abandonados: a Colnia Maxm Gorki (em Poltava, 1920 a 1928) e a Comuna Dzerzhinski (em Krkov, 1927 a 1935). Sua insero no projeto educacional da Revoluo ocorreu no momento em que o Estado sovitico proporcionou todas as condies para a educao, inclusive com a reduo do horrio de trabalho em duas horas para todos os que estudavam. E era permitido aproveitar as Casas do Povo, igrejas, clubes, casas particulares e locais adequados nas fbricas, empresas e reparties pblicas para dar aulas (CAPRILES, 1989, p.30-31). Para Makarenko, as relaes sociais da nova realidade do pas excluam qualquer atitude negativa para com os ex-contraventores [...]: Os insights e conquistas de Makarenko, como pedagogo inovador, se baseavam no enorme potencial educacional do coletivo e se apoiavam na combinao contnua e coerentemente mantida da instruo escolar com o trabalho produtivo, e na integrao do crdito de confana com a exigncia rigorosa para com a pessoa do educando (BELINKY, 1985, p.8-9). Sua obra mais expressiva tem o ttulo de Poema Pedaggico, uma criao artstico- literria de criao cientfca na rea da educao (BELINKY, 1985), em que, com base nos seus apontamentos de trabalho, com personagens de sua experincia como 8 Cf. em Pistrak (2000), nova traduo para a obra. |195| Trabalho & Educao | Belo Horizonte | v.23 | n.1 | p. 187-205 | jan-abr | 2014 educador ele relata os confitos e situaes vividos e tratados como descobertas coletivas (FREITAS, 2002, p.246), atravs da nova relao, entre teoria e prtica, [da] dialtica do processo pedaggico (CAPRILES, 1989, p.31). 2.2. A EXPERINCIA DA PEDAGOGIA SOCIALISTA DA REVOLUO CUBANA A histria da Revoluo Cubana deve ser vista no contexto do continente latino- americano. Cuba era um pas secularmente dominado pela explorao colonialista, ditaduras, gangsters, policiais, militares neocoloniais, conservadores escravistas, reformistas falsos. Os povos da Amrica Latina tiveram no movimento cubano um exemplo de lutas de libertao vitoriosas e de continuidade na tentativa de implantar o iderio socialista. O historiador Pablo Gonzlez Casanova (1987) relata que a Revoluo ocorreu em um pas onde todos os projetos reformistas e nacionalistas tinham fracassado sistematicamente. Um Estado dominado por interesses individuais e pela corrupo, no abrindo espaos de ascenso social para a pequena burguesia, estudantes e intelectuais. Mas, desde os anos 1920, o pas contava com um dos partidos comunistas mais combativos e melhor armados ideologicamente para a luta de libertao e a luta operria (CASANOVA, 1987, p.187). 9 No obstante os revezes do partido nos anos 1940, sua aliana potencial com o Movimento 26 de Julho que, em 1953, dirigiu o assalto ao quartel de Moncada, fortaleceu as lutas das duas organizaes. Trabalhadores assalariados, operrios industriais e camponeses constituam uma fora potencialmente socialista. Homens morais e valentes, tais como Jos Mart, Cspedes, e os mais novos, Fidel Castro, Carlos Rafael Rodriguez e outros, comearam uma nova histria sobre trs linhas de conduta: uma democrtica, uma humanista e uma comunista. Fidel Castro e os companheiros haviam estudado o marxismo e o leninismo e sabiam que a revoluo devia contar com as massas e estas precisavam estar conscientes como ator coletivo dos requisitos do sucesso. O grupo do Moncada e o grupo que saiu do Mxico, no Gramma, em 1956, ligaram-se ao setor mais atrasado e combativo, aos camponeses da serra, que queriam terras (CASANOVA, 1987, p.189). O desenvolvimento da luta na serra, da luta de guerrilhas, no foi feito apenas na serra, nem s com armas. O grupo rebelde repartiu terra enquanto combatia, fundou escolas e hospitais, praticou uma educao poltica e militar dos camponeses combatentes e de seus prprios quadros. [...] O sucesso dos revolucionrios cubanos no terreno poltico e militar foi to impressionante como o que obtiveram na educao, na justia social, no desenvolvimento econmico e na democracia concreta, popular, socialista (CASANOVA, 1987, p.190-192). A educao das massas foi uma das metas principais da Revoluo Cubana desde o seu incio em 1959. Seus princpios norteadores foram: o princpio do carter massivo da educao, ou a educao como um direito e um dever de todos 9 Jos Mart organizou o Partido Revolucionrio Comunista Cubano no fnal do sculo XIX (CASANOVA, 1987, p.188). Trabalho & Educao | Belo Horizonte | v.23 | n.1 | p. 187-205 | jan-abr | 2014 |196| uma realidade em Cuba; o que signifca a educao para crianas, jovens e adultos, em todas as idades, sexo, grupos tnicos, religiosos, por local de residncia ou por limitaes fsicas ou mentais, de modo a alcanar a universalizao do ensino primrio inicialmente e, progressivamente, o ensino secundrio (MINISTERIO, 1984, p.12, grifo nosso). A nova educao teve incio com uma ampla campanha de alfabetizao que se iniciou logo aps a Revoluo, envolvendo toda a sociedade e contando com o deslocamento de jovens e maestros de outros pases da Amrica Latina para alfabetizar onde houvesse analfabetos, nos lugares mais distantes do pas (MURILLO et al., 1995; ROSSI, 1981). Outro princpio a combinao estudo e trabalho, que tem profundas razes no iderio pedaggico de Jos Mart. Consiste em vincular a teoria com a prtica, a escola com a vida e o ensino com a produo, o trabalho manual com o trabalho intelectual, a fuso destas atividades na obra educacional da escola. Destaca a necessidade de uma nova formao humana para a edifcao da sociedade socialista. O objetivo formativo busca desenvolver a conscincia de produtor de bens sociais; criar condies para eliminar o preconceito da diviso entre o trabalho manual e o intelectual, eliminar o intelectualismo do ensino e fomentar o interesse pela pesquisa do mundo em torno de si (MINISTRIO, 1984, p.13). Pelo princpio da participao de toda a sociedade nas tarefas da educao do povo, reconhece-se que a sociedade, como uma grande escola, manifesta o carter democrtico e popular da educao cubana, que no s se estende s diferentes zonas e regies do pas e a todas as camadas da populao, mas tambm o fato transcendente de que o povo participa da realizao e controle da educao e da garantia de seu desenvolvimento exitoso (MINISTRIO, 1984, p.13). Outros princpios so a coeducao e a gratuidade, com um amplo sistema de bolsas para estudantes e condies especiais para os trabalhadores visando universalizao do ensino. Os subsistemas do sistema nacional de educao so os seguintes: Educao Pr-escolar, Educao Geral Politcnica e Laboral, Educao Especial, Educao Tcnica e Profssional, Formao e Aperfeioamento do Pessoal Pedaggico, Educao de Adultos e Educao Superior (MINISTRIO, 1984, p.14). Hoje se trabalha para aperfeioar essa obra, com o intuito de conseguir um Sistema Educacional que corresponda cada vez mais igualdade, justia social, satisfao das necessidades morais e sociais dos cidados, para atingir o modelo de sociedade culta que nos propusemos a criar, como realidade da mxima martiana de que no h igualdade possvel sem igualdade de cultura
(LPEZ, 2011). |197| Trabalho & Educao | Belo Horizonte | v.23 | n.1 | p. 187-205 | jan-abr | 2014 3. FORMAO INTEGRADA: O TERMO E SEU SIGNIFICADO 10 Reiterando o que dissemos acima, no se faz a transposio da educao politcnica das sociedades socialistas para um sistema secularmente dominado pelo capital como a educao no Brasil. 11 As condies de vida so adversas, as relaes de trabalho so dominadas pelo poder hegemnico do capital, a educao no est universalizada em acesso e em qualidade para toda a populao; a ideologizao crescente da educao subsumida ao consumo e ao mercado de trabalho torna ambguo o conceito de qualidade da educao, e incipiente a participao da populao na reivindicao de um sistema educacional pblico, gratuito e de qualidade para todos. No obstante as frustraes da democracia representativa, temos espaos de palavra e de ao para prosseguir nos embates. Um destes se mantm ao longo dos anos, no campo trabalho e educao. Seus principais antecedentes so as lutas em defesa da escola pblica na campanha pela LDBEN (Lei n. 4.024/61), contra a Ditadura (1964-1985), por uma nova Constituio (1988) e uma nova LDB (Lei n. 9.394/96), pela revogao do Decreto n. 2.028/97; pela defesa da formao integrada (Decreto n. 5.154/03, posteriormente incorporado LDB pela Lei n. 11.941/08). Na concepo do ensino tcnico de nvel mdio, anterior ao Decreto n. 2.208/97, o ensino mdio era integrado educao profssional no sentido que signifcava a possibilidade de a formao bsica e a profssional acontecerem numa mesma instituio de ensino, num mesmo curso, com currculo e matrculas nicas, o que havia sido impedido pelo referido decreto (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005). Com esse sentido o termo integrado foi incorporado legislao como uma das formas pela qual o ensino mdio e a educao profssional podem se articular. Essa possibilidade, por sua vez, baseia-se no enunciado do pargrafo 2. o do artigo n. 36 da LDB, ratifcado pela lei que a alterou: O ensino mdio, atendida a formao geral do educando, poder prepar-lo para o exerccio de profsses tcnicas. Esse enunciado apresenta, simultaneamente, uma condio a formao geral que no pode ser substituda nem minimizada pela formao profssional e, tambm, abre a possibilidade, da formao profssional. Condio e possibilidade, nesse caso, convergem para a garantia do direito a dois tipos de formao bsica e profssional no ensino mdio; o que assegura por isso a legalidade e a legitimidade do ensino mdio integrado educao profssional (CIAVATTA; RAMOS, 2012a, p.306). Do ponto de vista do conceito, formao integrada signifca mais do que uma forma de articulao entre ensino mdio e educao profssional. Ela busca recuperar, no atual contexto histrico e sob uma especfca de correlao de foras entre as classes, a concepo de educao politcnica, de educao omnilateral e de escola unitria, que esteve na disputa por uma nova LDB na dcada de 1980 e que foi perdida na aprovao da Lei n. 9.394/96. Assim, essa expresso tambm se relaciona com a luta pela superao do dualismo estrutural 10 Esta seo tem por base os estudos realizados para os verbetes publicados em Ciavatta (2009), Ciavatta; Ramos (2012a) e Frigotto; Ciavatta (2012). 11 Sobre a diviso trabalho manual / trabalho intelectual e a inexistncia de um sistema educacional para a populao, desde os idos da Colnia, ver a Histria do Ensino Industrial no Brasil, de Celso Suckow da Fonseca (FONSECA, 1986; CIAVATTA; SILVEIRA, 2010). Trabalho & Educao | Belo Horizonte | v.23 | n.1 | p. 187-205 | jan-abr | 2014 |198| da sociedade e da educao brasileira, a diviso de classes sociais, a diviso entre formao para o trabalho manual ou para o trabalho intelectual, e em defesa da democracia e da escola pblica. Da sua forma transitiva integrar algo a outra coisa, neste caso, o ensino mdio educao profssional , essa ampliao conceitual levou utilizao do verbo na forma intransitiva. Ou seja, no se trata somente de integrar um a outro na forma, mas sim de se constituir o ensino mdio como num processo formativo que integre as dimenses estruturantes da vida, trabalho, cincia e cultura, abra novas perspectivas de vida para os jovens e concorra para a superao das desigualdades entre as classes sociais (CIAVATTA; RAMOS, 2012a, p.306). Esse tipo de integrao no exige, necessariamente, que o ensino mdio seja oferecido na forma integrada educao profssional. Esta, entretanto, na realidade brasileira, se apresenta como uma necessidade para a classe trabalhadora e como uma mediao para que o trabalho se incorpore educao bsica como princpio educativo e como contexto econmico, formando uma unidade com a cincia e a cultura. Assim concebido, diferente do que alegam seus crticos, o ensino mdio integrado difere das determinaes da Lei n. 5.692/91, ora revogada, que instituiu a profssionalizao compulsria no ensino de 2. Grau atual ensino mdio. Assim, o termo integrado remete-se, por um lado, forma de oferta do ensino mdio articulado com a educao profssional; mas, por outro, tambm a um tipo de formao que seja integrada, plena, vindo a possibilitar ao educando a compreenso das partes no seu todo ou da unidade no diverso. Tratando-se a educao como uma totalidade social, so as mltiplas mediaes histricas que concretizam os processos educativos. No caso da formao integrada, a educao geral se torna parte inseparvel da educao profssional em todos os campos em que se d a preparao para o trabalho: seja nos processos produtivos, seja nos processos educativos como a formao inicial, como o ensino tcnico, tecnolgico ou superior. Signifca que buscamos enfocar o trabalho como princpio educativo, no sentido de superar a dicotomia trabalho manual/trabalho intelectual, incorporar a dimenso intelectual ao trabalho produtivo e formar trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidados (GRAMSCI, 1981, p.144). Se a formao profssional no ensino mdio uma imposio da realidade da populao trabalhadora, admitir legalmente essa necessidade um problema tico-poltico. No obstante, se o que se persegue no somente atender a essa necessidade, mas mudar as condies em que ela se constitui, tambm uma obrigao tica e poltica garantir que o ensino mdio se desenvolva sobre uma base unitria, para todos. Portanto, o sentido de formao integrada ou o ensino mdio integrado educao profssional, sob uma base unitria de formao geral, uma condio necessria para se fazer a travessia para a educao politcnica e omnilateral realizada pela escola unitria. 12 12 Assim se expressa Gramsci (2006): Por isso, na escola unitria, a ltima fase deve ser concebida e organizada como a fase decisiva, na qual se tende a criar os valores fundamentais do humanismo, a autodisciplina intelectual e a autonomia moral necessrias a uma posterior especializao, seja ela de carter cientfco (estudos universitrios), seja de carter imediatamente prtico-produtivo (indstria, burocracia, comrcio etc.). O estudo e o aprendizado dos mtodos criativos na cincia e na vida devem comear nesta ltima fase da escola, |199| Trabalho & Educao | Belo Horizonte | v.23 | n.1 | p. 187-205 | jan-abr | 2014 Mas, cabe destacar, no se confundindo totalmente com ela porque a realidade das sociedades capitalistas assim no o permite. Ele um ensino possvel e necessrio aos flhos dos trabalhadores que precisam obter uma profsso ainda durante a educao bsica. Porm, tendo como fundamento a integrao entre trabalho, cincia e cultura, esse tipo de ensino acirra contradies e potencializa mudanas. semelhana dos pases que universalizam a educao bsica at o ensino mdio, para toda a populao, urge superar essa conjuntura da sociedade brasileira, de grande pobreza e carncia de investimentos substantivos nas polticas sociais. E constitua-se uma educao que contenha elementos de uma sociedade justa e que, assim, no exija dos jovens a profssionalizao precoce nesse momento educacional, mas possa remet-la, nos termos de Gramsci (1981), a uma etapa posterior em que a maturidade intelectual lhes permita fazer escolhas profssionais. 4. A DISPUTA DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAO PROFISSIONAL TCNICA DE NVEL MDIO Novas diretrizes em tempo de paz uma pea de teatro de Bosco Brasil, levada cena no incio dos anos 2000. Dois atores em cena conduzem uma disputa de identidades, de palavras e de aes, tendo em vista a solicitao de visto de entrada no pas, de um judeu polons, refugiado, no fm da Segunda Guerra, em 1945. O burocrata de planto na sala de imigrao, poderoso no seu papel de agente do governo ditatorial de Vargas, no tem ainda as diretrizes em tempo de paz que lhe permita conceder o visto ao suposto agricultor/poeta que busca convenc-lo de sua identidade para o trabalho no Brasil. Alm dos sentidos da palavra diretriz na geometria, anunciando linhas que vo de um ponto a outro, o termo tem o sentido geral de linha reguladora do traado de um caminho ou de uma estrada, conjunto de instrues ou indicaes para se tratar e levar a termo um plano, uma ao, um negcio, etc., norma de procedimento; diretiva. No sentido poltico que lhe d a pea, h uma direo de lei que organiza e ordena a relao entre os dois homens, sob o signo do autoritarismo. Transposto o termo para a educao hoje e para o debate sobre as Diretrizes Curriculares para a Educao Profssional Tcnica de Nvel Mdio (DCN EPT EM), vemos que as diretrizes no so sugestes, so orientaes a serem cumpridas. Por isso, falamos na era das diretrizes (CIAVATTA; RAMOS, 2012b) dos anos do Governo F. H. Cardoso, lamentavelmente, com continuidades no Governo Lula da Silva e no Governo Dilma Roussef. Leis e programas relativos educao, se no estavam marcados pela represso de palavra dos governos ditatoriais, tinham a imposio das determinaes para serem implantadas nas escolas segundo a pedagogia das competncias, segmentando o conhecimento e a educao de acordo com as necessidades do mercado. Era uma concepo funcional tradio da educao profssional e tcnica no Brasil, gerida com base no mercado e em controles autoritrios, segundo os homens de negcio (FRIGOTTO, 2001), no devendo mais ser um monoplio da universidade ou ser deixado ao acaso da vida prtica: esta fase escolar j deve contribuir para desenvolver o elemento da responsabilidade autnoma dos indivduos, deve ser uma escola criadora (p.39). Trabalho & Educao | Belo Horizonte | v.23 | n.1 | p. 187-205 | jan-abr | 2014 |200| alicerada na tradio da meia educao, da educao das primeiras letras, da educao primria, do semianalfabetismo. A aprovao da LDB, em 1996, signifcou, na verdade, somente o incio de um movimento de reformas na educao brasileira, que tomou corpo mediante as regulamentaes posteriores realizadas na estrutura do sistema educacional, a Educao Profssional de Nvel Mdio Tcnico, pelo Decreto n. 2.208/97 e outras no mbito da Educao Bsica, pelas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental, do Ensino Mdio. A elaborao de competncias e diretrizes fcou a cargo da Unio, em colaborao com os Estados, o Distrito Federal e os Municpios, de modo a nortear os currculos e seus contedos mnimos, de modo a assegurar formao bsica comum (BRASIL, 1996, art. 9, inciso IV). Dado seu carter discursivo inovador, atravs da mdia e da abundante distribuio de materiais impressos, direcionados aos professores e s escolas, a era das diretrizes foi paralela a uma tendncia global regulao curricular, articulando as reformas internas da educao com as reformas internacionais. As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) constituram peas textuais que apresentam a concepo orientadora do currculo nos respectivos nveis e modalidades de ensino, reunidas em um Parecer denso e circunstanciado jurdica, histrica e flosofcamente o qual se objetiva na forma de uma Resoluo, com efeito de lei, que visa dar operacionalidade s orientaes conceptuais dispostas no Parecer. No que concerne s polticas educacionais, nos anos do govermo F. H. Cardoso, as decises fecharam-se distante dos fruns democrticos e do debate, do rico consenso que educadores brasileiros construram sobre pontos bsicos da educao brasileira, na luta pela democratizao do pas (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2003, p.11). No bastasse, no fnal do governo Lula da Silva e nos primeiros meses do governo Dilma Russeff, ressuscitam-se as Diretrizes Curriculares Nacionais. Emanadas do Conselho Nacional de Educao (CNE), em 1998, para orientar a implantao do Decreto n. 2.208/97, foram maquiadas e reiteradas em 2004, aps a revogao do mesmo decreto pela exarao do Decreto n. 5.154/04. Novamente em 2010, o relator da Cmara de Educao Bsica, Prof. Cordo, ignorou a particularidade da introduo da alternativa formao integrada ao lado das consagradas modalidades do ensino mdio articulado educao profssional, a concomitante e a subsequente. O documento veio a lume no primeiro semestre de 2010. 13 A partir da divulgao da nova proposta de regulao da Educao Profssional Tcnica de Nvel Mdio (DCN EPTNM), houve uma mobilizao do Frum de Dirigentes de Ensino (FDE) da rede federal de EPT e da ANPEd. O primeiro documento alternativo de um Grupo de Trabalho, promovido pelo Ministrio da Educao, reunindo movimentos sociais, entidades cientfcas e setores do prprio Ministrio, comeou a ser elaborado em meados do mesmo ano. Tendo em vista a importncia e a premncia da matria, o Conselho dos Dirigentes 13 Essa recuperao do histrico sobre o documento alternativo para as DCN EPT foi adaptada da Carta (2011), aprovada em Natal (RN), em maio de 2011, e assinada por 23 entidades em Braslia, no mesmo ms, entre as quais me incluo, representando o GT Trabalho e Educao da ANPEd. |201| Trabalho & Educao | Belo Horizonte | v.23 | n.1 | p. 187-205 | jan-abr | 2014 das Instituies Federais de Educao Profssional, Cientifca e Tecnolgica (CONIF), por intermdio do FDE, juntamente com a Secretaria de Educao Profssional e Tecnolgica do Ministrio da Educao (SETEC/MEC), promoveram, em Braslia, nos dias 5 e 6 de maio de 2010, o Seminrio da Educao Profssional e Tecnolgica. Participaram desse encontro, alm dos dirigentes de ensino das instituies federais, pesquisadores da rea, conselheiros e assessores do CNE. A Carta do Seminrio estabeleceu, entre os encaminhamentos, a ampliao do debate com a participao das demais redes pblicas de ensino e a criao de grupo de trabalho com a colaborao de pesquisadores da rea. A partir dessa iniciativa, a SETEC/MEC reuniu um Grupo de Trabalho para o qual foram convidadas quatro Secretarias do MEC, 14 contando com a colaborao de pesquisadores da educao profssional e tecnolgica, representantes de entidades e de movimentos sociais. O GT reuniu-se durante os meses de junho e julho, em trs encontros presenciais em Braslia, recebendo ainda diversas contribuies enviadas por outros rgos, instituies de ensino e pesquisadores (DIRETRIZES, [2010]). Depois da 33 Reunio da ANPEd, em outubro de 2010, em Caxambu (MG), de comum acordo com a Secretria de Educao Bsica do MEC, produziu-se um novo documento, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio, cujo contedo teve por base o primeiro documento (DCN EPTNM). Durante sua elaborao fez-se a aproximao das duas discusses (diretrizes para o EM e para a EP), com a expectativa de que, no mbito do CNE, fosse produzido um nico parecer e duas resolues especfcas (uma para o Ensino Mdio e outra para a Educao Profssional Tcnica de Nvel Mdio). Mas esse caminho no foi viabilizado. A Cmara de Educao Bsica do CNE no concordou com a discusso conjunta dos documentos, mas o Relator incorporou a fundamentao bsica do primeiro documento. O Parecer e Resoluo das DCN EM foi aprovado no CNE no dia 04/05/2011 e homologado pelo MEC. Quanto s diretrizes para a Educao Profssional Tcnica de Nvel Mdio, o CNE emitiu, j em 2011, uma nova proposta de parecer e de resoluo que, apesar de incorporar alguns trechos do documento produzido pelo GT, j referenciado, mantm explicitamente a perspectiva do currculo centrado em competncias para empregabilidade. Dessa forma, tm-se as diretrizes para o Ensino Mdio que sinalizam para a possibilidade de se avanar na perspectiva da politecnia e da formao humana integral, enquanto as diretrizes para a Educao Profssional Tcnica de Nvel Mdio apontam para uma direo oposta competncias para mercado (CARTA, 2011). O documento alternativo sobre as DCN EPTEM mantm o trabalho como princpio educativo dentro de uma concepo politcnica e omnilateral da educao: Centralidade no ser humano e suas relaes sociais, sem ignorar as exigncias da 14 Secretaria de Educao Bsica (SEB), Secretaria de Educao (SEESP), Secretaria de Educao a Distncia (SEED), Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade (SECAD); o Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE); o Ministrio da Sade (MS), representado pela Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio (EPSJV Fiocruz); os gestores estaduais de educao profssional, vinculados ao Conselho Nacional dos Secretrios de Educao (CONSED); o Frum dos Conselhos Estaduais de Educao; o Conselho Nacional das Instituies da Rede Federal de Educao Profssional, Cientfca e Tecnolgica (CONIF); a Central nica dos Trabalhadores (CUT), representada pela Escola dos Trabalhadores; o Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educao Bsica, Profssional e Tecnolgica (SINASEFE); e a Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (ANPEd GT Trabalho e Educao e GT Educao de Jovens e Adultos). Trabalho & Educao | Belo Horizonte | v.23 | n.1 | p. 187-205 | jan-abr | 2014 |202| produo econmica, como campo de onde os sujeitos sociais retiram os meios de vida. Formao que aponta para a superao da dualidade histrica entre formao bsica e formao profssional. Currculo centrado na concepo de formao humana integral, tendo como eixo estruturante a integrao entre trabalho, cincia, tecnologia e cultura, baseando-se no trabalho como princpio educativo e, dentre outros, nos seguintes fundamentos pedaggicos: construo coletiva do Projeto Poltico-Pedaggico; pesquisa como princpio pedaggico; articulao com o desenvolvimento socioeconmico e a educao ambiental (CARTA, 2011, p.3). 15 Em fevereiro de 2012, o Relator, Prof. A. F. Cordo, Presidente da CEB/CNE, quadro orgnico do SENAI, divulgou mais uma verso hbrida de seu Parecer, buscando incorporar termos do documento alternativo e mantendo o esprito dos documentos anteriores em que predomina a viso empresarial e do Sistema S 16
sobre a educao profssional. CONSIDERAES FINAIS Em ltima anlise, a pergunta Para que lutamos?, no campo da educao e do trabalho, implica uma nova qualidade de educao universalizada para toda a populao. De modo especfco, busca-se contribuir para um futuro em que a superao da dualidade de classes sociais traga um padro digno de vida e de conhecimento no apenas para as elites, mas tambm para os trabalhadores, os verdadeiros produtores da riqueza social, e seus flhos. A refexo sobre o objeto de nossa luta, a formao integrada, a educao politcnica e a educao omnilateral tem exemplos histricos no sistema educacional do incio da Revoluo Russa de 1917, na Revoluo Cubana de 1959 e nas lutas pela democratizao do ensino no Brasil, nos anos 1980, quando se introduziu o termo educao politcnica no primeiro projeto da LDB e, nos anos 2000, quando se implementou a discusso e tentativas de implantao da formao integrada. Para que esses objetivos poltico-pedaggicos se concretizem nos processos educativos, o ensino mdio precisa de uma elaborao relativa integrao de conhecimentos no currculo, ou seja, um currculo integrado. Signifca que tambm o currculo deve ser pensado como uma relao entre partes e totalidade na produo do conhecimento, em todas as disciplinas e atividades escolares. Signifca a educao como compreenso e apropriao intelectual de determinado campo emprico, terico ou simblico. Por eles se apreendem e se representam as relaes que constituem e estruturam a produo social da existncia humana, que 15 No obstante toda a mobilizao de pesquisadores e entidades, o embate continuou. A Cmara de Educao Bsica do Conselho Nacional de Educao (CEB/CNE) aprovou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Profssional Tcnica de Nvel Mdio (Parecer CNE/CEB n. 11, de 9 de maio de 2012 e Resoluo CEB/CNE n. 6, de 20 de setembro de 2012). Ver a ntegra do documento alternativo em Pacheco (2012) e a discusso detalhada da questo em Ciavatta; Ramos (2012). 16 O assim chamado, Sistema S, constitudo por instituies que, com base na Constituio Federal (art. 149, inciso III), recebem contribuies de interesse das categorias profssionais ou econmicas, tais como: o SENAI (Servio Nacional de Aprendizagem Industrial), o SENAC (Servio Nacional de Aprendizagem Comercial), o SENAR (Servio Nacional de Aprendizagem Rural), o SENAT (Servio Nacional de Aprendizagem do Transporte), o SEBRAE (Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas) e o SESCOOP (Servio Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo). |203| Trabalho & Educao | Belo Horizonte | v.23 | n.1 | p. 187-205 | jan-abr | 2014 tem no trabalho e na prxis poltica suas principais formas de interveno no real. Por isso lutamos! REFERNCIAS BELINKY, Tatiana. Apresentao. In: MAKARENKO, Anton S. Poema pedaggico. So Paulo: Brasiliense, 1989. BISSIO, Beatriz. Cuba 1985. 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