1. O documento descreve a cultura dos Guató, um povo indígena que vivia no Pantanal Matogrossense.
2. Inclui detalhes sobre os assentamentos, estruturas, meios de subsistência como pesca e caça, e cultura material dos Guató.
3. Também fornece contexto sobre o ambiente físico do Pantanal e esboça a ocupação de outros grupos indígenas na região.
1. O documento descreve a cultura dos Guató, um povo indígena que vivia no Pantanal Matogrossense.
2. Inclui detalhes sobre os assentamentos, estruturas, meios de subsistência como pesca e caça, e cultura material dos Guató.
3. Também fornece contexto sobre o ambiente físico do Pantanal e esboça a ocupação de outros grupos indígenas na região.
1. O documento descreve a cultura dos Guató, um povo indígena que vivia no Pantanal Matogrossense.
2. Inclui detalhes sobre os assentamentos, estruturas, meios de subsistência como pesca e caça, e cultura material dos Guató.
3. Também fornece contexto sobre o ambiente físico do Pantanal e esboça a ocupação de outros grupos indígenas na região.
1. O documento descreve a cultura dos Guató, um povo indígena que vivia no Pantanal Matogrossense.
2. Inclui detalhes sobre os assentamentos, estruturas, meios de subsistência como pesca e caça, e cultura material dos Guató.
3. Também fornece contexto sobre o ambiente físico do Pantanal e esboça a ocupação de outros grupos indígenas na região.
Baixe no formato PDF, TXT ou leia online no Scribd
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1/ 210
PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
CURSO DE PS-GRADUAO EM HISTRIA REA DE CONCENTRAO EM ARQUEOLOGIA OS ARGONAUTAS GUAT: aportes para o conhecimento dos assentamentos e da subsistncia dos grupos que se estabeleceram nas reas inundveis do Pantanal Matogrossense JORGE EREMITES DE OLIVEIRA (E-mail: eremites@ceud.ufms.br - Fone: (67) 411-3645 e 9952-5751) Orientador: Prof. Dr. Klaus Peter C. Hilbert Dissertao apresentada como requisito parcial e ltimo para obteno do grau de Mestre em Histria, na rea de Concentrao em Arqueologia. Porto Alegre, Janeiro de 1995. Para Margareti, pelo amor, apoio e pacincia indispensveis. Para Luiz Octavius, pela inspirao. Para os Guat, pela amizade, sabedoria e resistncia. Alm de tudo isso o guat um habitante aqutico por excelncia; mais do que qualquer outra tribo do continente sul-americano (Max Schmidt, 1942b, p. 249). De Corumb para cima o pas dos Guats, tribo de navegantes eternos que, consubstanciados com suas canoas, quase como o caramujo com a sua concha, erra e vive por aquelas alegres e fartas regies dos pantanais do alto Paraguai, S. Loureno e Cuiab. Para o ndio essa a regio onde a vida fcil: a caa e o peixe so a no s em grande abundncia, mas to facilmente colhidos que, para viver e gozar de abundncia, no necessrio trabalhar (Jos V. Couto de Magalhes, 1873, p. 375). AGRADECIMENTOS A elaborao deste trabalho no teria sido possvel sem o apoio de muitas pessoas. So tantas que, desde j, quero pedir desculpas e agradecer aquelas que por ventura no estejam citadas nominalmente na relao abaixo: - Amlia, Idalina e Humberto, trs figuras importantes da minha famlia, sempre me apoiaram; - Margareti, minha esposa, foi companheira em todas as horas; - Luiz Octavius, meu filho, representou um estmulo minha jornada, apesar da distncia; - Pedro Ignacio Schmitz, meu mestre, muito me ensinou sobre arqueologia e antropologia, e sempre confiou na minha capacidade, dando apoio total e orientao cruciais; - Klaus Hilbert acompanhou toda a elaborao deste trabalho e mostrou ser um grande amigo e indispensvel orientador; - Severo Ferreira e Dalva Ferreira ajudaram no contato com os Guat; - Francolina Rondon, Josefina Alves Ribeiro e Pedro Gomes da Silva deram verdadeiras lies de vida e aulas sobre a cultura Guat; - Srgio Wilton Gomes Isquierdo e Maria Anglica de Oliveira Bezerra, companheiros desde meus tempos de graduao, deram apoio, incentivo e importantes sugestes sobre a descrio do ambiente; 5 - Jos Luis dos Santos Peixoto, outro amigo importante e parceiro de survey, juntamente com sua famlia, muito me ajudaram desde que cheguei no Rio Grande do Sul pela primeira vez, em 1991, para estagiar no IAP; - Maria Eunice Jardim Schuch compartilhou do debate sobre diversos problemas referentes a etnologia e etnoistria do Pantanal Matogrossense, e ajudou na aquisio de parte da bibliografia examinada; - Francisco da Silva Noelli e Fabola Andra Silva, amigos dedicados cincia, leram a maior parte dos rascunhos e fizeram crticas e sugestes de grande pertinncia; - Marcos Alberto Rahmeier traduziu os textos em alemo com muita habilidade, os quais foram de grande serventia; - Andr Osorio Rosa, Geraldo Alves D. Jnior, tala Basile Becker, Jairo Henrique Rogge, Marcelo Chaparro, Marcus Vinicius Beber, Maribel Girelli, Paulo Marcos Esselin e Rodrigo Lavina discutiram alguns tpicos no decorrer dos trabalhos e apresentaram relevantes consideraes; - Antnio Joo de Jesus, Edvaldo de Assis e Elizabeth Madureira Siqueira contriburam com sugestes bibliogrficas e abriram as portas da Universidade Federal de Mato Grosso, em Cuiab, onde pude encontrar e examinar vrios documentos histricos; - Adair Pimentel Palcio enviou textos e, por telefone, esclareceu algumas dvidas e relatou sua experincia com os Guat, sendo uma referncia importante; - Branislava Susnik e Adelina Pusineri muito gentilmente colocaram minha disposio o acervo da biblioteca do Museu Etnogrfico Andrs Barbero, quando estive em Assuno, Paraguai; - Maucir Pauletti e Nereu Schneider do CIMI-MS, e Yuri Matsunaka da Associao de ndios Desaldeados Kaguateca Maral de Souza, companheiros que militam pela causa indgena, cederam cpias dos relatrios que dispunham sobre os Guat; - Agostinho Carlos Catella ajudou na identificao das espcies de peixes que levantei atravs de relatos orais junto aos informantes Guat; 6 - Carla e Rosana da secretaria do Ps, da mesma forma que as funcionrias responsveis pelo COMULT junto biblioteca da PUCRS, sempre estiveram disponveis para o pronto atendimento; - Os demais colegas e professores do mestrado, com os quais tive contato no decorrer do curso, tambm contriburam para o meu amadurecimento intelectual ao longo de tantos seminrios, no raras vezes em momentos de confraternizao. Por ltimo, mas no menos importante, sou grato tambm a CAPES pela cedncia de uma bolsa de mestrado durante o perodo de julho/1992 a janeiro/1995, sem a qual no poderia ter me dedicado exclusivamente a este projeto. SUMRIO LISTA DE FIGURAS............................................................................................................ 10 RESUMO............................................................................................................................... 13 INTRODUO..................................................................................................................... 15 1 PANTANAL MATOGROSSENSE: AMBIENTE E OCUPAO INDGENA............. 21 1.1 DESCRIO DO AMBIENTE FSICO............................................................................ 21 1.1.1 Informaes paleoambientais........................................................................................... 23 1.1.2 Aspectos geolgicos, geomorfolgicos e pedolgicos..................................................... 25 1.1.3 Clima e hidrografia.......................................................................................................... 28 1.1.4 Aspectos florsticos e faunsticos..................................................................................... 30 1.2 ESBOO DA OCUPAO INDGENA........................................................................... 34 1.2.1 Grafismos rupestres........................................................................................................ 36 1.2.2 Tradio Tupiguarani...................................................................................................... 41 8 1.2.3 Tradio Aratu-Sapuca.................................................................................................. 44 1.2.4 Stios de ocupao cermica sem filiao tecnolgica...................................................... 52 1.2.5 Aterros........................................................................................................................... 58 1.2.6 Grupos tnicos conhecidos historicamente...................................................................... 68 2 OS GUAT: CANOEIROS POR EXCELNCIA........................................................... 71 2.1 FONTES DE PESQUISA.................................................................................................. 71 2.1.1 Fontes etnolgicas.......................................................................................................... 72 2.1.2 Fontes etnoistricas........................................................................................................ 79 2.2 HABITAT......................................................................................................................... 82 2.2.1 Tentativa de delimitao da rea de ocupao................................................................. 83 2.2.2 Aspectos gerais do ambiente fsico.................................................................................. 104 2.3 ASSENTAMENTOS E SUAS ESTRUTURAS................................................................. 106 2.3.1 Tipos de assentamentos................................................................................................... 106 2.3.2 Estruturas de habitao................................................................................................... 122 2.3.3 Estruturas de combusto................................................................................................. 129 2.3.4 Estruturas funerrias....................................................................................................... 131 2.3.5 Outras estruturas funerrias............................................................................................. 132 2.4 SUBSISTNCIA............................................................................................................... 134 2.4.1 Pesca.............................................................................................................................. 135 2.4.2 Caa............................................................................................................................... 138 9 2.4.3 Coleta............................................................................................................................. 143 2.4.4 Cultivo............................................................................................................................ 147 2.5 CULTURA MATERIAL................................................................................................... 149 2.5.1 Equipamento de subsistncia........................................................................................... 150 2.5.1.1 Arcos........................................................................................................................... 150 2.5.1.2 Flechas......................................................................................................................... 153 2.5.1.3 Bodoques..................................................................................................................... 162 2.5.1.4 Zagaias........................................................................................................................ 163 2.5.1.5 Canoas, remos e zingas................................................................................................ 165 2.5.1.6 Artefatos lticos............................................................................................................ 169 2.5.1.7 Armadilhas de caar..................................................................................................... 172 2.5.1.8 Outros......................................................................................................................... 172 2.5.2 Equipamento de uso domstico e de trabalho.................................................................. 172 2.5.2.1 Trabalhos em madeira e a utilizao de conchas de moluscos....................................... 173 2.5.2.2 Cermica...................................................................................................................... 177 2.5.2.3 Tranado e tecelagem................................................................................................... 183 2.5.2.4 Outros......................................................................................................................... 188 CONCLUSO....................................................................................................................... 190 BIBLIOGRAFIA................................................................................................................... 193 LISTA DE FIGURAS 1 Localizao do Pantanal Matogrossense................................................................................ 22 2 Provncias fitogeogrficas e reas de influncia que atuam no Pantanal................................. 31 3 Mapa das sub-regies do Pantanal Matogrossense................................................................. 31 4 reas abrangidas pelo Programa Arqueolgico do Mato Grosso do Sul............................ 35 5 Letreiro da Gaba............................................................................................................... 37 6 Quadro geral dos tipos de grafismos rupestres estudados por Girelli (1994)......................... 40 7 Cermica da Tradio Tupiguarani........................................................................................ 42 8 Material cultural coletado do Cemitrio I............................................................................. 45 9 Material cultural coletado do Cemitrio II........................................................................... 46 10 Material cermico coletado na Fazenda Barranco Vermelho............................................... 48 11 Material ltico coletado na Fazenda Barranco Vermelho...................................................... 49 12 Vasilhame coletado na Fazenda Barranco Vermelho e doado ao Museu Rondon................. 50 13 Cermica do Segundo Grupo............................................................................................. 54 14 Cermica do Segundo Grupo............................................................................................. 55 15 Cermica do Segundo Grupo............................................................................................ 56 16 Cermica do Terceiro Grupo............................................................................................. 57 11 17 Perfil aproximado de um aterro localizado no Pantanal do Abobral (Fazenda Bodoquena)... 59 18 Cermica dos aterros........................................................................................................... 65 19 Cermica dos aterros.......................................................................................................... 66 20 Cermica dos aterros........................................................................................................... 67 21 Itinerrio de Cabeza de Vaca............................................................................................... 86 22 Localizao do Puerto de los Reyes.................................................................................... 87 23 Grupos tnicos do Gran Chaco e de sua periferia em fins do sculo XVI........................... 89 24 Grupos tnicos do Gran Chaco e de sua periferia em 1720................................................. 94 25 Territrio dos Guat........................................................................................................ 98 26 Territrio dos Guat........................................................................................................ 99 27 Territrio dos Guat........................................................................................................ 100 28 rea aproximada de ocupao Guat................................................................................. 103 29 Perfil esquemtico dos elementos da paisagem no Pantanal Matogrossense, com destaque para os locais onde podem ocorrem os assentamentos Guat.............................................. 107 30 Aterros Guat da regio do Caracar.................................................................................. 114 31 Abrigo provisrio Guat..................................................................................................... 123 32 Casa tradicional Guat....................................................................................................... 125 33 Desenho esquemtico da casa tradicional Guat................................................................. 128 34 Arco Guat........................................................................................................................ 152 35 Arco e flechas infantis Guat.............................................................................................. 153 36 Flecha do primeiro grupo................................................................................................... 154 37 Flechas do segundo grupo................................................................................................... 155 38 Flechas do terceiro grupo................................................................................................... 156 39 Flechas do quarto grupo..................................................................................................... 157 40 Flechas do quinto grupo...................................................................................................... 158 12 41 Flecha do sexto grupo......................................................................................................... 160 42 Emplumao das flechas Guat.......................................................................................... 161 43 Extremidade do encaixe das flechas Guat......................................................................... 161 44 Bodoque Guat.................................................................................................................. 163 45 Zagaias Guat com ponteiras de metal e de osso................................................................ 164 46 Famlia Guat em sua canoa............................................................................................... 166 47 Remo infantil e remo adulto Guat..................................................................................... 167 48 Extremidade da zinga Guat............................................................................................... 168 49 Quebra-coquinho utilizado pelos Guat........................................................................... 170 50 Material ltico encontrado em aterros Guat....................................................................... 171 51 Colheres e esptulas Guat................................................................................................. 174 52 Esptulas utilizadas na tecelagem , arco para cardar algodo e fusos.................................. 175 53 Molinilho utilizado pelos Guat para produzir fogo............................................................. 176 54 Vasilha cermica utilizada para armazenar gua.................................................................. 178 55 Vasilhame Guat................................................................................................................. 180 56 Esteira feita de palha de acuri.............................................................................................. 184 57 Esteira feita de taboa........................................................................................................... 185 58 Cesto feito de palha de acuri............................................................................................... 185 59 Abano de fogo feito de palha de acuri................................................................................. 186 60 Abano de mosquito feito de fibras de tucum........................................................................ 187 61 Abano de mosquito feito de fibras de algodo..................................................................... 187 62 Mosquiteiro feito de fibras de tucum................................................................................... 188 RESUMO O presente trabalho aborda os assentamentos e a subsistncia do grupo tnico Guat, com base em dados etnogrficos obtidos a partir da documentao escrita (etnoistrica e etnolgica), e atravs de relatos orais recolhidos de trs informantes que residem na cidade de Corumb, Mato Grosso do Sul. O objetivo inferir sobre questes relacionadas adaptao ecolgica desse grupo canoeiro e, dessa forma, tambm contribuir para uma melhor compreenso e interpretao das evidncias arqueolgicas dos demais grupos, notadamente os ceramistas, que se estabeleceram nas reas inundveis do Pantanal Matogrossense, e que esto associados aos aterros que ali ocorrem. Os Guat historicamente ocuparam uma rea inclusa entre, aproximadamente, os paralelos de 1630 a 2100 de latitude Sul e os meridianos de 5630 a 5830 de longitude Oeste de Greenwich. Possuem trs tipos bsicos de assentamentos, todos relacionados a cursos dgua: aterros ou marrabr, beira de rio ou modidjcum e beira de morraria ou macarap. Esses assentamentos so ocupados sazonalmente, sendo os modidjcum e os macarap principalmente durante a seca, e os marrabr destacadamente no perodo da cheia. A subsistncia de cada famlia depende fundamentalmente da sua prpria capacidade autnoma de obter os recursos necessrios para sua sobrevivncia, o que justifica a grande mobilidade espacial e a ocupao sazonal dos seus assentamentos, sendo que os relatos etnoistricos destacam a pesca 14 como uma das principais atividades desenvolvidas, embora a caa, a coleta e o cultivo tambm estejam presentes. Os elementos da cultura material Guat registrados desde o sculo XIX, no indicam grandes variaes tecnolgicas quanto aos produtos finais, apesar do grupo estar socialmente organizado em famlias autnomas, independentes umas das outras, que vivem isoladamente. Mas atestam uma tecnologia bastante simples que satisfaz s necessidades das famlias, sendo esta sua principal caracterstica do ponto da funcionalidade dos artefatos. Supe-se que, assim como o Guat, os demais grupos que ocuparam as reas inundveis da regio e que se estabeleceram em aterros, principalmente os ceramistas, deveriam ser canoeiros de grande mobilidade espacial, ter uma semelhante forma de organizao social, possuir assentamentos sazonais, subsistir fundamentalmente da explorao dos recursos naturais ali existentes, e portar uma tecnologia bastante simples INTRODUO O assunto central desenvolvido no presente trabalho compreende os assentamentos e a subsistncia Guat. Trata-se de questes pertinentes problemtica ecolgico-cultural a respeito das relaes entre sociedade humana e meio ambiente. No propriamente um trabalho etnoarqueolgico, pois est baseado fundamentalmente em dados etnogrficos obtidos em fontes escritas (etnolgicas e etnoistricas) e atravs de relatos orais. a primeira etapa de um trabalho que poder culminar com a realizao de pesquisas etnoarqueolgicas na rea historicamente ocupada pelo grupo. A idia de desenvolver um projeto deste tipo surgiu no decorrer dos trabalhos do Programa Arqueolgico do MS - Projeto Corumb, principalmente diante da necessidade de melhor compreender os stios arqueolgicos que ocorrem nas reas inundveis do Pantanal Matogrossense, destacadamente os aterros que correspondem maioria dos stios arqueolgicos at ento levantados na regio. O referido projeto de pesquisa est em andamento desde 1989, na rea dos municpios sul- matogrossenses de Corumb e Ladrio, atravs de um convnio de mtua cooperao entre a Universidade do Vale do Rio dos Sinos, o Instituto Anchietano de Pesquisas e a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sob a coordenao cientfica do Prof. Dr. Pedro Ignacio Schmitz. 16 O anteprojeto que antecedeu o projeto ora concludo com esta dissertao, tambm previa o estudo dos aterros localizados na rea da Lagoa do Jacadigo, situada no municpio de Corumb, e a comparao dos dados arqueolgicos desses stios com os dados etnogrficos sobre os Guat. Pensava-se dessa forma, poder inferir, atravs de uma analogia sistemtica, sobre os assentamentos e a subsistncia dos grupos canoeiros que se estabeleceram no Pantanal. Contudo, devido grande quantidade de informaes etnogrficas obtidas na documentao histrica, na literatura etnolgica e atravs de informaes orais, o anteprojeto foi reformulado limitando-se a proposta de trabalhar basicamente com dados etnogrficos buscando respostas para problemas inerentes arqueologia da regio. Optou-se por estudar o grupo tnico Guat - tambm citado na documentao histrica como Guataes, Guats, Guaths, Guatos, Guats, Goatos, Guattos e Guatues - devido a quatro razes principais: 1) por estar associado a aterros que ocorrem na regio; 2) por ser o mais conhecido e melhor documentado, em termos etnolgicos, dos grupos canoeiros que se estabeleceram no Pantanal, sendo, inclusive, o ltimo remanescente dos mesmos; 3) por ter sido pouco estudado, principalmente dos pontos de vista arqueolgico, etnolgico e etnoistrico; 4) por existirem representantes falantes da lngua original que residem na cidade de Corumb. preciso deixar claro que no se pretende realizar uma analogia direta entre os stios que esto sendo estudados pelo projeto de pesquisa anteriormente citado e os Guat, pois, at o presente momento, no h evidncias que possam comprovar uma continuidade cultural. A proposta se limita ao estudo de uma cultura do presente para que, tambm, seja possvel, posteriormente, melhor compreender e interpretar as evidncias arqueolgicas de culturas que existiram no passado, dentro de uma mesma rea geogrfica. Neste sentido, o objetivo do trabalho demonstrar, o mais detalhadamente possvel, que o 17 Guat constitui um exemplo etnogrfico de grupo essencialmente canoeiro, organizado em famlias autnomas, independentes umas das outras, cuja adaptao ecolgica se caracteriza, entre outros fatores, pela ocupao sazonal de diferentes assentamentos, todos relacionados s reas inundveis que compreendem a maior parte da regio pantaneira. Constitui, portanto, uma possibilidade de melhor compreender os vestgios materiais das manifestaes culturais que ali ocorrem, de modo especial os aterros. Servir, por exemplo, para uma melhor interpretao de estruturas detectveis em escavaes arqueolgicas sistemticas e, ao menos, para estimular uma discusso acerca da influncia antrpica na formao dos aterros do Pantanal. Esta possibilidade de trabalho, conforme est explicado em Oliveira (1993), no nenhuma novidade na arqueologia, principalmente diante das contribuies etnoarqueolgicas apresentadas a partir da Nova Arqueologia, como se pode comprovar em alguns trabalhos j bastante conhecidos, como os de Binford (1967, 1973 e 1980), Borrero & Yacobaccio (1989), Campbell (1968), Chang (1967) e outros que foram publicados em Kramer (1979). O fato que, no caso especfico da arqueologia brasileira, ainda pouco se tem feito a esse respeito, embora mais recentemente tenham sido produzidos alguns interessantes trabalhos, como o de Lavina (1994) e, destacadamente, o de Noelli (1993), onde se comprova a utilizao de dados arqueolgicos, etnogrficos, etnoistricos e lingsticos, com o objetivo de abordar questes pertinentes arqueologia moderna. No caso especfico deste trabalho, realizou-se uma pesquisa exaustiva nas fontes escritas, de tal maneira que as informaes contidas na literatura etnolgica e na documentao relevante etnoistria, foram recolhidas e sistematizadas com o objetivo de construir um arquivo de dados culturais sobre os Guat. Para a concluso desta proposta metodolgica, todas as leituras realizadas resultaram em fichamentos, nos quais foram classificados os dados culturais ento apresentados. A confeco das referidas fichas foi orientada pelo Gua para clasificacin de los datos culturales (Murdock, Ford, Hudson et al., 1963). Outras obras tambm foram utilizadas, como o Guia prtico 18 de antropologia (Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, 1973), o Manual de etnografia (Mauss, 1993) e a obra Como se faz uma tese (Eco, 1983). Na prtica, todos os dados etnogrficos apresentados numa determinada obra ou documento histrico consultado foram transferidos para uma nica ficha de leitura, sendo organizados conforme temticas especficas de interesse da arqueologia e da etnologia, tais como: tipos de assentamentos e suas estruturas, equipamento de subsistncia, equipamento de uso domstico e de trabalho, pesca, caa, coleta e assim por diante. O arquivo de dados culturais foi til para a comparao dos dados apresentados por diferentes autores, alm de, em certos casos, observar a prpria evoluo das idias de alguns etnlogos que escreveram a respeito dos Guat, como ser demonstrado no decorrer do trabalho. Utilizaram-se ainda valiosas informaes etnogrficas obtidas a partir dos relatos orais de trs informantes Guat, todos residentes em bairros da periferia de Corumb. Esta possibilidade de trabalho, como bem explica Debert (1986), especialmente relevante quando se almeja produzir uma nova documentao, pois ela possibilita o estabelecimento de uma conversao entre informante e analista. Alm disso, o relato oral tambm uma forma de transmisso de conhecimentos e, como tal, no pode ser desprezado pelos arquelogos. O primeiro contato feito com os Guat, com o propsito de obter informaes orais, foi em julho de 1993, inicialmente com as lideranas Severo Ferreira e sua esposa Dalva Ferreira, em Campo Grande, na Associao de ndios Desaldeados Kaguateca Maral de Souza. A partir do contato com essas lideranas, e no mesmo perodo, foi feito contato com vrios outros Guat residentes na cidade de Corumb, em sua maioria j incorporados na massa de proletrios e subempregados da regio. Na ocasio, reivindicavam - e com muita propriedade - a demarcao e o reconhecimento, por parte do governo federal, da Ilha nsua ou Bela Vista como rea a ser 19 transformada na futura reserva indgena do grupo. A escolha dos informantes se deu de imediato e de acordo com um requisito fundamental, a qualidade de falante da lngua original. Isto porque se observou que os Guat que dominam sua lngua original, geralmente com idade igual ou superior a cinqenta anos, so os que mais conhecem a cultura tradicional do grupo. Assim, teve-se como informantes Francolina Rondon, Josefina Alves Ribeiro e Pedro Gomes da Silva, todos falantes, sendo que os dois primeiros muito contriburam com os estudos lingsticos de Palcio (1984). Os relatos foram obtidos entre os meses de julho e agosto de 1993 e 1994 atravs de entrevistas despadronizadas, isto , conversaes informais incentivadas por determinadas temticas, como assentamento, subsistncia e cultura material. As informaes etnogrficas relatadas pelos informantes foram registradas em dirios e atravs de gravador, e muito contriburam para a reviso das interpretaes apresentadas por cronistas e etnlogos, assim como para o desenvolvimento de hipteses, sugestes de trabalhos futuros e melhor refinamento dos dados conhecidos sobre a cultura Guat. Faz-se imprescindvel dar o testemunho de que, ao longo das descontradas conversaes, os informantes sempre demonstraram uma grande sinceridade e, na maioria das vezes, um igual interesse em dialogar sobre questes pertinentes arqueologia. Portanto, acredita-se que as informaes obtidas so confiveis e dignas de serem averiguadas atravs de pesquisas futuras. As palavras em Guat registradas durante as entrevistas no se encontram transcritas foneticamente neste trabalho. A transcrio provisria foi feita o mais prximo possvel da lngua portuguesa falada no Brasil, a saber: as slabas tnicas encontram-se sublinhadas; as vogais e e o, quando abertas, esto indicadas respectivamente pelo acento agudo (, ); as vogais fechadas somente receberam o acento circunflexo (, ) nos casos gerais em que palavras da 20 lngua portuguesa o recebem, como acontece com as proparoxtonas; e as consoantes d, j e t quando pronunciadas como dj e tch, foram transcritas tal qual como seria a pronuncia. As listas de palavras em Guat registradas por outros autores, como Palcio (1984) e Schmidt (1942b), tambm foram utilizadas. Por ltimo, se faz necessrio explicar que esta dissertao est dividida em duas partes ou grandes captulos. A primeira parte ou Captulo 1 relevante para o conhecimento geral do Pantanal Matogrossense e, indispensvel, para melhor compreender as idias desenvolvidas no decorrer do trabalho, pois trata do ambiente fsico e da ocupao indgena da regio. A segunda parte ou Captulo 2 a mais importante, porque aborda especificamente os Guat, tendo sido estruturada em cinco itens: 1) anlise das fontes de pesquisa, na qual consta, inclusive, informaes biogrficas sobre os trs informantes Guat; 2) tentativa de delimitar a rea ocupada pelo grupo atravs da documentao escrita, e apresentao de algumas de suas caractersticas ambientais; 3) abordagem dos assentamentos e de suas estruturas, com relevantes consideraes acerca dos aterros Guat; 4) ponderaes sobre aspectos da subsistncia - pesca, caa, coleta e cultivo; 5) descrio do equipamento de subsistncia e de uso domstico, sempre com inferncias sobre a funcionalidade dos artefatos. Espera-se que o presente trabalho possa servir, entre outras coisas, para estimular a pesquisa e a discusso interdisciplinar acerca da ocupao indgena pretrita e contempornea das reas inundveis do Pantanal e, porque no dizer, da conseqente influncia antrpica na sua atual configurao ambiental. Outrossim, para que possa chamar a ateno dos pesquisadores para a necessidade iminente de melhor conhecer a cultura desse grupo que , sem dvida alguma, um dos ltimos remanescentes dos grupos canoeiros do continente americano. 1 PANTANAL MATOGROSSENSE: AMBIENTE E OCUPAO INDGENA 1.1 DESCRIO DO AMBIENTE FSICO Nos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, pantanal no sinnimo de grande pntano, brejo, charco ou outros termos semelhantes, normalmente mencionados em dicionrios da lngua portuguesa. um vocbulo utilizado para substantivar a poro brasileira de uma das maiores plancies de inundao do globo, conhecida como Pantanal Matogrossense. Situa-se no centro da Amrica do Sul, na Bacia do Alto Paraguai que, por sua vez, est compreendida, a grosso modo, entre os paralelos de 1400 a 2200 de latitude Sul e os meridianos de 5300 a 6600 de longitude Oeste de Greenwich. Godoi Filho (1986) calcula que a Bacia do Alto Paraguai possui uma rea aproximada de 500.000 km, dos quais 28%, ou 140.000 km, pertencem Bolvia e ao Paraguai. Quanto ao 22 Pantanal Matogrossense, Admoli (1982) e Garca (1984) estimam sua extenso em aproximadamente 139.111 km. FIGURA 1: Localizao do Pantanal Matogrossense (Fonte: Garca, 1981). Em funo das diferentes fisionomias, regionalmente o termo pantanal tambm pode ser empregado para designar quaisquer das suas sub-regies ou pantanais; como por exemplo, Pantanal da Nhecolndia, Pantanal do Nabileque, Pantanal do Abobral, etc. 23 Para descrever o ambiente fsico regional possvel contar com uma considervel bibliografia de exposies gerais ou amplas consideraes, tais como os trabalhos realizados pelo Projeto Radambrasil (1982) e os artigos publicados por ocasio do Simpsio sobre recursos naturais e scio-econmicos do Pantanal (1986). No entanto, no que tange a temticas especficas, como a paleoambiental, assim como sobre determinadas reas, como a Lagoa do Jacadigo, h poucas informaes que possam subsidiar os trabalhos arqueolgicos na perspectiva de inferir sobre as relaes existentes entre sociedades humanas e meio ambiente. Diante deste quadro, as informaes ambientais aqui expostas tm por objetivo maior apresentar um panorama dos aspectos naturais mais gerais da regio. O propsito ltimo facilitar a compreenso das formulaes desenvolvidas no decorrer do trabalho, de modo especfico as consideraes arqueolgicas e etnolgicas de natureza ecolgico-cultural. 1.1.1 Informaes paleoambientais A maioria das informaes paleoambientais disponveis sobre o Pantanal Matogrossense, se enquadra nas grandes formulaes utilizadas para explicar as mudanas paleoclimticas que ocorreram na Amrica Tropical durante o Quaternrio. Pode-se encontrar importantes contribuies a este respeito no trabalho de Ab'Saber (1988), e tambm em Ab'Saber (1977), Brown Jr. (1986), Del'Arco, Silva, Tarapanoff et al. (1982) e Klammer (1982). O modelo climtico para o ltimo perodo prolongado de seca e frio, entre 20.000 a 13.000 anos A.P. (Wrm - Wisconsin), indica que o Pantanal era mais seco do que na poca que corre, em decorrncia de no haver a atual influncia amenizante das inundaes de inverno, pois o nvel do mar era quase 100 m mais baixo de que hoje, fazendo todos os rios encaixados nos tabuleiros da plancie atual (Brown Jr., 1986, p. 140). O referido autor considera que nesse perodo as 24 condies climticas do Pantanal tenham sido mais restritas e desfavorveis diversidade da vida vegetal e animal em relao aos tempos atuais, existindo eventualmente alguns organismos intimamente associados aos cursos d'gua que sempre cortavam a plancie. No limite Pleistoceno-Holoceno (por volta de 12.000 anos A.P.), quando ento predominava na regio um clima semi-rido com chuvas torrenciais, ocorreu a definio dos principais rios da sua rede hidrogrfica, e a formao dos extensos leques aluviais, cujas feies ainda hoje permanecem preservadas (Del'Arco, Silva, Terapanoff et al., 1982). A transio do Pleistoceno para o Holoceno, que aconteceu em decorrncia do processo de umidificao de mbito continental, trouxe para o Pantanal uma radical modificao climato- hidrogrfica de condies subtropicais semi-ridas para condies tropicais midas sob sazonalidade marcante. A partir do momento em que essa situao climato-hidrogrfica foi definida, ocorreu uma reconquista do antigo espao seco por diferentes stocks de vegetao tropical, a partir de refgios acantonados nas chapadas, serranias e terras firmes adjacentes (Ab'Saber, 1988, p. 45). A partir da aconteceu a multiplicao dos tipos e padres de habitats animais, enriquecendo extraordinariamente a diversidade biolgica da regio pantaneira. Mas, prossegue Ab'Saber (1988), os principais contornos e ecossistemas aquticos, subaquticos e terrestres do Pantanal Matogrossense devem ter sido elaborados nos ltimos cinco ou seis milnios, o que corresponde ao perodo do Optimum Climaticum. Atravs das consideraes paleoambientais apresentadas possvel deduzir que, somente quando o Pantanal se transformou numa regio geoecologicamente diversificada, pode oferecer maiores condies subsistncia e ao estabelecimento de populaes indgenas pr-cabralinas. Tambm possvel supor que a ocupao humana da regio pantaneira, propriamente dita, possa ter principiado ou se intensificado em torno do final do Optimum Climaticum, quando o Pantanal 25 passou a se apresentar de forma semelhante sua atual configurao ambiental. Esta hiptese, associada ao posicionamento geogrfico do Pantanal, tambm pode ser um dos pontos de partida para a compreenso da densidade populacional e diversidade tnica e lingstica constatadas na regio no incio da Conquista Ibrica. 1.1.2 Aspectos geolgicos, geomorfolgicos e pedolgicos A origem da regio, conforme argumenta Almeida (1959), est relacionada com os grandes abatimentos que ocorreram no interior do continente sul-americano na Era Cenozica. Tais abatimentos acompanharam e sucederam a gnese da Cordilheira dos Andes. Com base em Godoi Filho (1986) possvel afirmar que o Pantanal uma paisagem geologicamente recente, uma plancie aluvial quaternria (holocnica), um exemplo de bacia tectnica de sedimentao atual com caractersticas de bacia intratectnica, que se individualizou no final do Mesozico. Segundo os dados apresentados por Del'Arco, Silva, Terapanoff et al. (1982) e, principalmente, por Godoi Filho (1986), o Pantanal Matogrossense e sua rea de influncia compreendem as seguintes formaes geolgicas: Complexo Rio Apa, Complexo Xingu, Grupo Amonguij, Sute Intrusiva Alumiador, Sute Intrusiva Rio Alegre, Grupo Aguape, Grupo Rio Branco, Sute Intrusiva Guap, Grupo Cuiab, Grupo Corumb, Grupo Jacadigo, Grupo Alto Paraguai, Formaes da Bacia Sedimentar do Paran, Basalto Tapirapu, Formao Jauru, Intrusivas cidas, Depsitos Cenozicos da Bacia do Pantanal, Cobertura Detrito-Latertica, Depsitos Detrticos, Formao Xarais e Formao Pantanal. Sobre sua rea de influncia, esclarece Godoi Filho (1986, p. 63): Considera-se como rea de influncia aquela situada fora da regio geogrfica do Pantanal Mato-grossense (...), mas que 26 constitui sua rea fonte de gua e sedimentos. A esculturao do seu relevo decorreu de processos erosivos atuantes que rebaixaram as superfcies circunjacentes, provocando o recuo das escarpas, a dissecao das encostas e a eroso dos terraos, em decorrncia de um contnuo trabalho de ordem natural que fornece sedimentos regio (Geografia do Brasil, 1989). O processo de sedimentao que ocorre no Pantanal est diretamente relacionado com os rios da Bacia do Alto Paraguai. No caso, os rios atuam decisivamente no transporte de sedimentos das pores mais elevadas plancie pantaneira, pois ela est circundada por um planalto cristalino com cotas que variam de 600 a 700 m, e que corresponde a sua rea fonte de gua e sedimentos. Por isso, a evoluo pretrita, atual e futura da regio est submetida s condies das reas elevadas que a circundam (Godoi Filho, 1986). Franco & Pinheiro (1982) em seu trabalho sobre a geomorfologia de parte considervel do Pantanal Matogrossense e reas adjacentes, constatam a ocorrncia de uma grande variedade de aspectos geomorfolgicos, litolgicos e estruturais, caracterizados pelas seguintes unidades geomorfolgicas: Planaltos Residuais do Urucum-Amolar, Planaltos Residuais do Alto-Guapor, Planalto de Maracaj-Campo Grande, Planalto do Taquari-Itiquira, Planalto dos Guimares, Provncia Serrana, Planalto da Bodoquena, Depresso do Rio Paraguai, Depresso do Guapor e Pantanais Matogrossenses. Estas unidades geomorfolgicas comprovam que, ao contrrio do que se possa pensar num primeiro momento, tambm ocorrem na regio algumas reas elevadas - como as morrarias inclusas nos Planaltos Residuais de Urucum-Amolar -, embora a maior parte do Pantanal seja constituda por reas inundveis e grandes banhados. Situa-se topograficamente entre 80 a 160 m, e possui uma declividade extremamente fraca do terreno, de 6 a 12 cm/km no sentido Leste-Oeste e de 1 a 2 cm/km no sentido Norte-Sul, o que 27 favorece a ocorrncia do fenmeno das inundaes peridicas, caracterizando o Pantanal como um macroecossistema ecolgico peculiar (Admoli, 1982). Ocorrem na plancie pantaneira algumas formas de relevo peculiares e com denominaes regionais, tais como: baas - termo genrico utilizado para designar vrios tipos de lagoas de diferentes formas e dimenses, podendo ser temporrias ou permanentes; salinas - baas com grande concentrao de sais alcalinos em suas guas; cordilheiras - elevaes do terreno que separam baas, geralmente areno-argilosas e com 1 a 2 metros de altura, caracterizadas por uma densa vegetao que as destaca na paisagem, podendo ter formas comumente alongadas; capes-de-mato - semelhantes s cordilheiras, se distinguindo dessas basicamente pelo fato de apresentar formas circulares e subcirculares, muitas vezes de menor tamanho; vazantes - canais temporrios ou permanentes, que servem de escoadouros a baas e rios; corixos - pequenos cursos d'gua, normalmente permanentes, que conectam baas 1 . Sobre as caractersticas dos solos do Pantanal, de acordo com Amaral Filho (1986) e Orioli, Amaral Filho & Oliveira (1982), a quase totalidade do Pantanal Matogrossense formada por solos hidromrficos em conseqncia da deficincia de drenagem generalizada, e da sua forte tendncia a inundaes peridicas e prolongadas. Sua litologia constituda de sedimentos aluviais, que associados a dinmica do regime de inundao, provocam a grande variao constatada nos solos. De uma forma geral, os solos arenosos da plancie pantaneira possuem baixa fertilidade, sendo mais frteis os argilosos. Amaral Filho (1986), ao mapear os solos do Pantanal, constata que a parte norte da regio compreende solos que possuem o horizonte subsuperficial de textura mais argilosa: laterita
1 Conceitos elaborados com base em Almeida (1959, p. 47-48), Amaral Filho (1986, p. 92), Corra Filho (1946, p. 96 e 1969, p. 70), Geografia do Brasil (1977, p. 17 e 1989, p. 66), Guerra (1978, p. 49, 107 e 433), Macrozoneamento geoambiental do Estado de Mato Grosso do Sul (1989, p. 221-232), Magalhes (1992, p. 10 e 23-26), Stefan (1964, p. 177) e Valverde (1972, p. 60). 28 hidromrfica, planossolo, solonetz solodizado, vertissolo, podzlico vermelho-amarelo, glei pouco hmico e solos aluviais. A parte central est constituda de sedimentos de natureza arenosa transportados pelo rio Taquari, predominando o podzol hidromrfico seguido por areias quartzosas hidromrficas, planossolo, laterita hidromrfica e glei pouco hmico. A parte sul, por ltimo, se apresenta formada por sedimentos de natureza argilosa, depositados principalmente pelos rios Miranda, Negro e Paraguai, originando os seguintes tipos de solos: planossolo, vertissolo, solonetz solodizado, glei pouco hmico e laterita hidromrfica. 1.1.3 Clima e hidrografia Segundo Garca (1984), o clima do Pantanal est relacionado com o da Bacia do Alto Paraguai e com fatores orogrficos que influenciam os movimentos das massas de ar. Observam-se na regio variaes climticas orientadas em mais de um sentido, em conseqncia de complexas interaes de fenmenos que ali atuam: baixas presses, altas intensidades de radiaes solares, incidncias variveis de massas de ar (tropicais do Atlntico e equatoriais Continentais) responsveis pelas chuvas, e as massas polares da Antrtica responsveis pelas baixas temperaturas de junho/agosto (Garca & Castro, 1986). O clima do Pantanal do tipo AW, conforme a classificao de Kppen, ou seja, tropical sub- mido, com duas estaes notadamente distintas, uma seca, de maio a setembro, e outra chuvosa, de outubro a abril. Admoli (1986a) menciona ainda que, alm da variabilidade climtica interanual, a regio do Pantanal tambm apresenta uma variabilidade plurianual, isto , a alternncia de ciclos de anos muito chuvosos ou relativamente secos. Pott (1988) informa que o ltimo ciclo seco do Pantanal foi de 1960 a 1974. Carvalho (1986) levanta a hiptese de que o fenmeno das enchentes cclicas que 29 ocorre na regio deve obedecer um perodo de 10 a 13 anos. Atualmente possvel que o Pantanal Matogrossense esteja iniciando um ciclo seco. Esse fenmeno chamou a ateno da imprensa nacional, devido grande seca de 1994, como se pode comprovar na revista Isto n. 1.304, de 28 de setembro de 1994. Uma das explicaes apontadas por Isto (1994, p. 42-45), segundo informaes de especialistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), de So Jos dos Campos, que a seca constatada na poca possa ter alguma relao com o fenmeno metereolgico El Nio, caracterizado pelo aquecimento excessivo de correntes de gua do Oceano Pacfico, ao norte do Peru, e que, quando ocorre, interfere no clima brasileiro. Entretanto, a existncia ou no de uma relao do El Nio com a variabilidade climtica da regio, seja anual ou plurianual, uma questo ainda por ser estudada pelos especialistas. Durante o semestre primavera-vero, as superfcies baixas do Pantanal apresentam uma temperatura elevada, predominando mximas dirias de 30 a 35 C. Por vezes foram registradas temperaturas superiores a 40 C. No inverno, devido ocorrncia de temperaturas elevadas em contraste com dias muito frios, as mdias mnimas so superiores a 14 C. Mas h dias em que a temperatura atinge ao redor de 0 C, podendo ocorrer geadas. As mdias anuais esto em torno de 25 C, tendo como mnima 15 e mxima 34 C (Geografia do Brasil, 1989; Magalhes, 1992). No decorrer do perodo de dezembro a maio/junho o teor de humidade do ar se mantm elevado, acima dos 76%, enquanto no perodo de maro, no norte da regio, municpios de Cceres e Cuiab, os valores da umidade relativa do ar so superiores a 80%, tendo um piso de 84% nos meses de fevereiro a maro (Tarifa, 1986). Segundo Silva (1986), as precipitaes alcanam mdias de 1.500 mm (NE) a 1.200 mm (S) e 800 a 900 mm (NW). A descarga mxima ocorre em fevereiro e a mnima em agosto ou setembro. A fraca declividade do curso do alto rio Paraguai, como j foi explicado anteriormente, um 30 dos motivos que interferem sobremaneira na dinmica de inundao regional. Abaixo de Cceres ele possui uma declividade de 6,3 cm/km e decresce na confluncia do Apa at 1,0 cm/km. Sua drenagem feita por crregos, corixos, vazantes e baas (Carvalho, 1986). De acordo ainda com Carvalho (1986), a poro brasileira da Bacia do Alto Paraguai tem como principais tributrios os seguintes rios: Jauru, Cabaal e Sepotuba, pela margem direita; Cuiab (e seus afluentes So Loureno e Piquiri), Taquari, Miranda (e seu afluente Aquidauana) e Apa, pela margem esquerda. Os tributrios menos importantes, aqueles que possuem canais claramente definidos, embora sem vazo permanente, so: Negro (ou Utuquis) - afluente da margem direita vindo da Bolvia -, Paraguaizinho, Bento Gomes, Negrinho, Negro, Abobral, Aquidab, Branco, Terer e Amonguij. H ainda vrios outros rios, sendo que alguns no conseguem atingir nenhum outro rio ou se apresentam intermitentes. 1.1.4 Aspectos florsticos e faunsticos O Pantanal pode ser definido, em termos de vegetao, como um mosaico de diferentes comunidades florsticas (Prance & Schaller, 1982) e/ou como um verdadeiro carrefour fitogeogrfico de primeira magnitude, no qual convergem quatro das principais provncias fitogeogrficas da Amrica do Sul: Amaznia, Cerrados, Florestas Meridionais e Chaquenha (Admoli, 1986b, p. 105). Admoli (1982) explica que o Pantanal est longe de ser uma comunidade de paisagem homognea, pois apresenta uma heterogeneidade interna que, quanto regulao local, possvel reconhecer a existncia de diversos pantanais (ou sub-regies), a saber: Pantanal de Cceres, Pantanal do Pocon, Pantanal de Baro de Melgao, Pantanal de Paiagus, Pantanal da Nhecolndia, Pantanal do Paraguai, Pantanal de Aquidauana, Pantanal de Miranda, Pantanal do Abobral e Pantanal 31 do Nabileque. FIGURA 2: Provncias fitogeogrficas e reas de influncia que atuam no Pantanal (Fonte: Admoli, 1986b). FIGURA 3: Mapa das sub-regies do Pantanal Matogrossense (Fonte: Pott, 1988). 32 Sob os aspectos faunsticos, o Pantanal caracterizado de forma semelhante s idias apresentadas por Admoli (1982 e 1986b) e Prance & Schaller (1982): um corredor de disperso (papel importante), barreira disperso (secundrio) e criadouro importante para muitos animais (Brown Jr., 1986, p. 138). No se constitui numa regio geradora de endemismo, mas que absorve espcies das regies limtrofres no inundveis. A diversidade florstica regional pode ser constatada no trabalho de Loureiro, Lima & Fonzar (1982), que mapearam os tipos de vegetao que ocorrem em grande parte do Pantanal Matogrossense e adjacncias, identificando quatro tipos de regies fitogeogrficas: a) Savana (cerrado) - definida como vegetao xeromrfica que ocorre predominantemente em solos arenosos das reas alagveis, de fisionomia caracterizada por fanerfitas de pequeno porte, isoladas ou agrupadas sobre um revestimento graminide hemicriptoftico. Compreende formaes de Savana Arbrea Densa (Cerrado), Savana Arbrea Aberta (Campo Cerrado), Savana Parque (Parque de Cerrado) e Savana Gramneo-Lenhosa (Campo); b) Savana estpica (vegetao chaquenha) - vegetao neotropical de cobertura arbrea estpica, pouco expressiva na regio, caracterizada geralmente por plantas lenhosas, baixas e espinhosas, associadas a um campo graminoso, savancola, geralmente em relevo plano. Est representada por fisionomias de formaes Savana Estpica Arbrea Densa, Savana Estpica Arbrea Aberta, Savana Estpica Parque e Savana Estpica Gramneo-Lenhosa; c) Floresta estacional semidecidual - caracterizada por uma decidualidade parcial de suas espcies arbreas em conseqncia de uma relao direta com as condies climticas estacionais das reas de domnio, se apresentando descontnua e restrita s florestas-de-galeria e a pequenas faixas de vegetao dos terraos, onde os solos so mais frteis. Consiste nas formaes Floresta Aluvial e Floresta das Terras Baixas; 33 d) Floresta estacional decidual - de pouca expresso regional devido descontinuidade existente entre suas pequenas reas no Planalto dos Guimares, Planaltos Residuais de Urucum-Amolar, Depresso do Rio Paraguai e extremidade sul da serra da Bodoquena. Assemelha-se regio fitogeogrfica anterior, variando somente no seu grau de estacionalidade climtica, apresentando as formaes Floresta das Terras Baixas e Floresta Submontana. A fauna regional, por sua vez, alm de ser diversificada, abundante em toda a plancie e circunvizinhanas, em funo da diversidade de habitats ali existentes. Brown Jr. (1986), Magalhes (1992), Paiva (1984) e Rizzini, Coimbra Filho & Houaiss (1988) relacionam diversas espcies distribudas entre os anfbios, aracndeos, aves, crustceos, insetos, mamferos, moluscos, peixes e rpteis. Na opinio de Magalhes (1992), esta particularidade faunstica destaca o Pantanal como um dos maiores conglomerados de espcies animais do mundo. Rizzini, Coimbra Filho & Houaiss (1988) consideram a regio como o bioma brasileiro onde a concentrao faunstica atingiu sua maior expresso. 34 1.2 ESBOO DA OCUPAO INDGENA Este item compreende um resumo da arqueologia do Pantanal Matogrossense e um rpido painel dos grupos tnicos conhecidos historicamente. uma tentativa de sistematizar os dados ento conhecidos, apresentando uma sntese da ocupao indgena da regio. O atual conhecimento arqueolgico, etnolgico e etnoistrico sobre as populaes indgenas no Pantanal Matogrossense e sua rea de influncia, ainda muito restrito se comparado com sua importncia geogrfica e cultural para o conhecimento da ocupao indgena da Amrica do Sul. Do perodo correspondente a segunda metade do sculo passado at a dcada de oitenta deste sculo, pouco se produziu sobre a arqueologia da regio. Destacam-se principalmente as contribuies de Schmidt (1905, 1912, 1914, 1928, 1940a, 1940b e 1942b), alm de Petrullo (1932), Susnik (1959 e 1982) e, em menor importncia, Silimon (1972a e 1972b), Bluma (1973), Souza (1973) e Passos (1975). Muitas das principais informaes arqueolgicas disponveis at o presente momento, foram obtidas a partir das pesquisas realizadas pelo Programa Arqueolgico do MS - Projeto Corumb, que abrange uma rea de aproximadamente de 20.000 km, situada nos municpios de Corumb e Ladrio. Os trabalhos at ento apresentados so os seguintes: Bitencourt (1992), Chaparro & Bezerra (1993), Girelli (1994), Oliveira (1993), Oliveira & Peixoto (1993a e 1993b), Rogge & Schmitz (1992 e 1993) e Schmitz (1993) 2 .
2 Maiores informaes sobre o Programa Arqueolgico do MS - Projeto Corumb em Girelli (1994) e Schmitz (1993). 35 Os dados arqueolgicos apresentados pelos referidos autores indicam uma diversidade de conjuntos cermicos, cada qual ocorrendo em reas e ambientes caractersticos, sugerindo uma possvel diversidade cultural. Tambm chamam a ateno para questes relacionadas com a definio de habitats dos grupos que ali se estabeleceram no passado. FIGURA 4: reas abrangidas pelo Programa Arqueolgico do Mato Grosso do Sul (Fonte: Schmitz, 1993). 36 Sobre as populaes indgenas conhecidas historicamente, a maioria das consideraes etnogrficas sobre o Pantanal Matogrossense constitui parte de trabalhos que enfocam, de maneira geral, a etnologia e a etnoistria da regio do Gran Chaco. Destacam-se, entre outros, os trabalhos de Carvalho (1992), Kersten (1968), Mtraux (1944 e 1963), Schindler (1983) e, de maneira singular, Susnik (1972 e 1978). 1.2.1 Grafismos rupestres No Pantanal Matogrossense, a ocorrncia de grafismos rupestres restrita a reas de morrarias, localizadas prximas s reas alagveis que compreendem a maior parte da regio. Dentre as informaes apresentadas por Fonseca (1880) e, principalmente, por Schmidt (1912, 1914, 1928, 1940b e 1942b), constatam-se a existncia de, ao menos, trs stios com grafismos rupestres na poro norte da regio pantaneira, onde predominam signos geomtricos, como crculos concntricos e grandes sulcos sinuosos. O primeiro corresponde a uma ngreme parede rochosa localizada margem da Lagoa Gaba, local conhecido como Letreiro da Gaba. Os outros dois stios esto situados na parte inferior do rio So Loureno ou Cuiab, nos morros do Triunfo e do Caracar, e apresentam grafismos notadamente semelhantes aos do Letreiro da Gaba. Susnik (1978, p. 15), com base nos relatos dos cronistas do sculo XVI, associa os grafismos descritos por Schmidt, sobressaidamente os grandes sulcos sinuosos, ao culto da serpente relacionado a grupos neolticos paleoamaznicos que se dispersaram via rio Tapajs, trazendo consigo el caracterstico mitologema de la serpiente. Trata-se de uma associao direta, cujo maior mrito chamar a ateno para a necessidade da realizao de pesquisas amplas e meticulosas no campo da arqueologia, etnologia e etnoistria, com o objetivo de, entre outras questes, buscar possveis indicadores de continuidade temporal e cultural entre grupos que se estabeleceram no 37 Pantanal Matogrossense e na Amaznia. FIGURA 5: Letreiro da Gaba (Fonte: Schmidt, 1942b). Nas circunvizinhanas das cidades de Corumb e Ladrio tambm ocorrem stios semelhantes aos documentados por Fonseca (1880) e Schmidt (1912, 1914, 1928, 1940b e 1942b). As primeiras informaes sobre a existncia desse tipo de manifestao cultural foram apresentadas por Silimon (1972a e 1972b), Bluma (1973), Souza (1973) e Passos (1975). O mais recente trabalho sobre os stios com grafismos rupestres existentes na rea dos referidos municpios, foi apresentado por Girelli (1994), sob forma de dissertao de mestrado. A autora apresenta um detalhado registro e documentao de quatro stios: MS-CP-01 (Fazenda Laje ou Moutinho), MS-CP-02 (Fazenda Band'Alta), MS-CP-03 (Fazenda Figueirinha) e MS-CP-04 (Centro de Recuperao Maria Aparecida Pedrossian - CRMAP). Tratam-se de lajedos horizontais de minrio de ferro, chamados localmente de pedra canga, nos quais foram produzidas diversas gravuras possivelmente pela tcnica de picoteamento. Possuem dimenses variadas e se encontram 38 prximos a crregos d'gua e encostas de morrarias. As siglas dos stios arqueolgicos levantados pelo Programa Arqueolgico do MS - Projeto Corumb apresentam a seguinte seqncia: sigla do Estado, sigla da sub-bacia hidrogrfica e a ordenao numrica. A definio das sub-bacias hidrogrficas est orientada pelo Referencial hidrogrfico do Estado de Mato Grosso do Sul (1990, p. 10), conforme Oliveira & Peixoto (1993b). De acordo com Girelli (1994), os stios possuem um mesmo tipo de suporte rochoso, a mesma tcnica de produo e tipos de signos, bem como a mesma estrutura de composio dos painis. Esto caracterizados por signos, em sua grande maioria geomtricos, destacadamente crculos e sulcos curvos que ocupam grandes extenses dos lajedos. Foram tipologicamente classificados em dez tipos bsicos de signos: a) crculos e depresses circulares, que constituem a maior parte dos grafismos; b) depresses circulares com ou sem sulcos; c) retangulares ou elpticos, com divises de acordo com o preenchimento; d) figuras que lembram pisadas, humanas ou no; e) complexos; f) compostos por sulcos sinuosos com ou sem crculos nas extremidades; g) em forma de espiral; h) fechados, formados por linhas sinuosas; i) formados por outros sulcos; j) combinaes de outras formas de crculos com sulcos. A autora ressalva que, alm desses signos, existem ainda grandes sulcos, geralmente sinuosos, que incorporam ou vm acompanhados por crculos, os quais foram classificados independentemente da tipologia acima (Girelli, 1994, p. 99). Girelli (1994) conclui que possivelmente o conjunto dos stios estudados apresentam grafismos rupestres que foram feitos por uma mesma populao, pois apresentam semelhante tipologia e estruturao nos painis. Levanta a hiptese de que esto associados com os grupos que se estabeleceram em aterros localizados nas reas inundveis das proximidades, uma vez que os 39 grafismos parecem refletir a prpria fisiografia da regio pantaneira, destacadamente sua hidrografia. Os signos rupestres estudados apresentam certa semelhana tipolgica com os que ocorrem no Alto Araguaia, Estado de Gois e, assim como esses ltimos, podem ser incorporados no Complexo Estilstico Simbolista Geomtrico Horizontal. No constituem um fenmeno isolado, mas fazem parte de um horizonte estilstico que abrange a regio pantaneira e, pelo menos, a borda meridional da bacia amaznica, podendo estar relacionados a grupos ceramistas que vivem nas proximidades de grandes rios, embora seja ressalvado que as tradies ceramistas que ocorrem no Alto Araguaia no so as mesmas registradas nas proximidades das cidades de Corumb e Ladrio (Girelli, 1994). Nos trabalhos de campo de 1994 do Programa Arqueolgico do MS - Projeto Corumb foi feito o registro da ocorrncia de outro stio, MS-CP-41, com o mesmo padro de grafismos, localizado na morraria Grande, municpio de Corumb, sendo aparentemente menos expressivo, em termos quantitativos, do que a maioria dos stios estudados anteriormente. Embora a arqueologia moderna ainda no disponha de instrumentos terico-metodolgicos que possam equacionar os significados dos signos rupestres que ocorrem no Pantanal Matogrossense, as hipteses de interpretao levantadas por Susnik (1978) e Girelli (1994) chamam a ateno para o estudo das mitologias, principalmente atravs da etnoistria, dos grupos tnicos que habitaram e/ou habitam o Pantanal e reas adjacentes. 40 FIGURA 6: Quadro geral dos tipos de grafismos rupestres estudados por Girelli (1994). 41 1.2.2 Tradio Tupiguarani A Tradio Tupiguarani, aqui entendida como uma tradio definida arqueologicamente a partir da tecnologia cermica, est representada pelos seguintes stios: MS-CP-05, MS-CP-06, MS-CP-07, MS-CP-08, MS-CP-09, MS-CP-10, MS-CP-11, MS-CP-12, MS-CP-13, MS-CP-14, MS-CP-15, MS-CP-29, MS-CP-30, MS-CP-31, MS-CP-42, MS-CP-43, MS-CP-44, MS-CP-45, MS-CP-46 e MS-CP-48. Os stios geralmente so encontrados em patamares baixos e altos das morrarias prximas s cidades de Corumb e Ladrio, sempre relacionados a crregos d'gua, em reas favorveis ao cultivo e em locais onde a temperatura menos elevada em relao s reas baixas e inundveis, devido maior altitude. No morro do Caracar, poro norte do Pantanal Matogrossense, em Mato Grosso, pesquisadores da EMBRAPA, Centro de Pesquisa Agropecuria do Pantanal, tambm encontraram material cermico Tupiguarani. A cermica dos stios da Tradio Tupiguarani apresenta o mesmo padro tecnolgico em comparao que ocorre na regio sul do pas, e que amplamente conhecida na arqueologia sul- americana. Na Amrica do Sul, h muitas evidncias etnoistricas, etnolgicas, lingsticas e arqueolgicas que comprovam a relao direta entre a Tradio Tupiguarani e as populaes falantes de lnguas filiadas ao tronco lingstico Tupi. No caso especfico do Pantanal Matogrossense, a tradio est relacionada direta ou indiretamente com grupos falantes do Guarani. 42 FIGURA 7: Cermica da Tradio Tupiguarani (Fonte: Rogge & Schmitz, 1993). 43 As evidncias histricas constam desde os tempos de Cabeza de Vaca (1984, p. 250-251 e 259- 260). Pouco antes da chegada de Cabeza de Vaca na regio do Pantanal, em 1543, os Guarani, originrios do Itatim, fizeram uma grande convocatria de guerra entre os seus para combater diversas tribos inimigas que ali estavam estabelecidas. Durante os conflitos a grande maioria dos Guarani foram mortos, restando apenas uns duzentos sobreviventes, cuja maioria permaneceu nas montaas (morrarias) temerosos de serem destrudos pelos Guaxarapo, Guat e outros grupos estabelecidos na regio. Esta situao foi relatada a Cabeza de Vaca por um ndio Guarani do Itatim adotado pelos Xaray. oportuno esclarecer trs questes: 1) o Itatim se situava nas imediaes da foz do atual rio Miranda (Corra Filho, 1969); 2) os Guaxarapo correspondem a um grupo canoeiro, atualmente extinto, de provvel filiao lingstica na famlia Guaicuru, tambm conhecidos como Guachi, Guachico ou Guacharapo, e que habitaram a poro Centro-Sul do Pantanal Matogrossense, principalmente os rios Taquari, Miranda e parte do Paraguai (Susnik, 1978, p. 22-24); 3) os Xaray, atualmente extintos e sem quaisquer registros lingsticos, constituram um grupo agricultor de complexa organizao scio-poltica, tambm conhecidos como Sarabe e Jaray, que habitaram algumas reas da poro noroeste do Pantanal Matogrossense, principalmente as margem do rio Paraguai, como nas proximidades da sua confluncia com o Jauru at a desembocadura do Sepotuba (Susnik, 1978, p. 28-33). Outra evidncia pode ser extrada da carta nua do padre jesuta Ferrer (1952), datada de 21 de agosto de 1633, onde informa a existncia de ndios Guarani, chamados de Ibitiguara ou Gente da Serra, que moravam em grandes aldeias e mantinham relaes comerciais com os Chiriguano e Itatim. Portanto, os dados arqueolgicos e etnoistricos indicam que, no Pantanal, os assentamentos Tupiguarani esto limitados a reas no alagveis e favorveis ao cultivo. Embora ainda no haja 44 dataes absolutas para os stios, provvel que sejam recentes, ao redor do perodo inicial da Conquista Ibrica, e seu estudo relevante, entre outros motivos, para a melhor compreenso da disperso da cermica Tupiguarani no leste da Amrica do Sul. 1.2.3 Tradio Aratu-Sapuca A existncia de possveis stios cermicos da Tradio Aratu-Sapuca - que corresponde s antigas tradies Aratu e Sapuca - na regio do Pantanal encontra-se em nvel de hiptese, inicialmente apresentada por Prous (1992). Sua hiptese est baseada nas informaes contidas no relatrio do norte-americano Petrullo (1932), que realizou pesquisas arqueolgicas nas localidades de Descalvado e Barranco Vermelho, poro noroeste do Pantanal Matogrossense, municpio de Cceres, em Mato Grosso. No Centro e Nordeste do Brasil, a Tradio Aratu-Sapuca corresponde a uma tradio tecnolgica ceramista de grupos horticultores e moradores de grandes aldeias a cu aberto, semelhantes a alguns grupos lingisticamente Macro-J (Schmitz & Barbosa, 1985). Petrullo (1932) em 1931 investigou dois stios na regio, distantes entre si cerca de 8 km, totalizando 50 m de rea escavada, com uma profundidade mdia de 1,5 m. Tratam-se de dois cemitrios, de considerveis dimenses, localizados na margem do rio Paraguai, onde o autor encontrou vrios sepultamentos de diversas formas, em sua maioria completos, em urnas e associados a material cultural. O primeiro stio, ou Cemitrio I, situado na localidade de Barranco Vermelho, est caracterizado por uma grande quantidade de sepultamentos infantis. O material cultural de superfcie est representado basicamente por pequenos cacos de cermica simples, e raramente outros materiais. Dos estratos inferiores foi recolhido material cermico semelhante ao da superfcie, e 45 algumas vasilhas de formato esfrico que apresentam uma decorao feita com impresso de corda. Do material ltico coletado, o autor d destaque a lminas-de-machado polidas e com garganta. Alguns sepultamentos estavam acompanhados de conchas de gastrpodes (Pomacea australis), vasilhas cermicas e adornos feitos de dentes de macacos. FIGURA 8: Material cultural coletado do Cemitrio I (redesenhado de Petrullo, 1932). O segundo stio ou Cemitrio II, situado na localidade de Descalvado, aparentemente apresentou algumas diferenas em relao ao material cermico do stio anterior. O material cultural de superfcie e dos estratos inferiores est caracterizado, entre outros, por vasilhas esfricas de variados tamanhos e com engobo vermelho, algumas pintadas, uma ponta-de-flecha ssea, um pingente ltico e um possvel batedor. 46 Este stio apresentou um material cermico mais preservado e significativo para ser comparado com a cermica da Tradio Aratu-Sapuca. FIGURA 9: Material cultural coletado do Cemitrio II (redesenhado de Petrullo, 1932). Schmidt (1940a) tambm apresenta material cultural semelhante ao descrito por Petrullo (1932). Suas pesquisas foram realizadas entre 1926 a 1928 nas fazendas Faco e Passagem Velha, e nas mesmas localidades onde posteriormente Petrullo realizou suas escavaes. Porm, em Descalvado, 47 o autor no teve permisso, por parte dos administradores deste ento estabelecimento norte- americano, para realizar suas escavaes. Grande parte dos resultados mais significativos foi obtida em um stio localizado na Fazenda Barranco Vermelho. Dos artefatos coletados nessas localidades por Schmidt (1940a), sobressaram os seguintes: cermico - grande quantidade de cacos cermicos, alguns com pintura geomtrica, vasilhas inteiras como uma grande urna funerria bem conservada e com ossos humanos, um cachimbo e uma ocarina com incises geomtricas; ltico - uma lmina-de-machado polida e com garganta e dois provveis quebra-coquinhos. Segundo Schmidt (1940a), Rhode (1888 apud Baldus, 1954) tambm retirou urnas funerrias e outros artefatos das proximidades de Descalvado que foram levados ao Museu Etnolgico de Berlim, na Alemanha. Rego (1899), que acompanhou a viagem da expedio alem ao Xingu de Karl von den Steinen, cita outro stio, um cemitrio situado na localidade de Tucum, municpio de Cceres, onde foram encontradas vrias urnas funerrias com tampas, retiradas e levadas por Hermann Meyer, provavelmente para a Alemanha. Bertelli (1984, p. 21, 40 e 41) apresenta trs fotografias de urnas funerrias encontradas num stio arqueolgico s margens do rio Paraguai, mas no informa sobre sua localizao precisa. Foram retiradas pelo prprio autor em 1978, sem quaisquer critrios ou fins cientficos. No Instituto Luiz de Albuquerque (ILA), em Corumb, e no Museu Dom Bosco, em Campo Grande, tambm h vasilhas cermicas encontradas na regio pantaneira que possuem semelhanas com a Tradio Aratu-Sapuca e que necessitam ser analisadas. 48 FIGURA 10: Material cermico coletado na Fazenda Barranco Vermelho (redesenhado de Schmidt, 1940a). 49 FIGURA 11: Material ltico coletado na Fazenda Barranco Vermelho (redesenhado de Schmidt, 1940a). No Museu Rondon, rgo pertencente Universidade Federal de Mato Grosso, em Cuiab, h oito vasilhas cermicas semelhantes s apresentados por Petrullo e Schmidt. Segundo informao verbal recebida do indigenista Antnio Joo de Jesus, um dos responsveis pelo acervo do museu, o material procede da localidade de Barranco Vermelho e estava associado a sepultamentos. Numa observao prvia do material cermico, constatou-se tratar de uma cermica acordelada com vrios tipos de contornos, e sua quase totalidade est representada por vasilhas pequenas, com 20 cm de tamanho mdio de altura, de base arredondada, total ou parcialmente decorada com engobo vermelho escuro, sendo que alguns exemplares apresentam as bordas pintadas de vermelho. A queima parcialmente oxidante, e o antiplstico predominantemente composto por areia fina, raros gros de quartzo, outros minerais e possivelmente alguma concha moda. As vasilhas com boca estreita deveriam servir para armazenar lquidos. 50 FIGURA 12: Vasilhame coletado na Fazenda Barranco Vermelho e doado ao Museu Rondon. Nota-se que o material aqui exposto, especialmente as urnas funerrias, realmente lembram a 51 Tradio Aratu-Sapuca. Todavia, mais pertinente considerar essa filiao tecnolgica como uma hiptese a ser melhor verificada. Por outro lado, at o presente momento no h evidncias que possibilitam estabelecer correlaes, ainda que apriorsticas, desse material cultural com quaisquer grupos reconhecidamente Macro-J, que ali estavam estabelecidos durante o perodo colonial ou em tempos mais recentes. De todo modo, permanece uma hiptese a ser testada, um estmulo discusso e a novas pesquisas arqueolgicas na regio. De acordo com Susnik (1978), nessa rea do Alto Paraguai estavam estabelecidos, ao menos nos sculos XVI e XVII, os cultivadores Orejone e Xaray, que talvez fossem Arawak, mencionados pelos cronistas da poca. Koslowsky (1895), em analogia direta e caracterstica de seu tempo, associa o stio de Descalvado aos Xaray, o que para Schmidt (1914) foi uma concluso precipitada, pois Koslowsky (1895) no realizou uma pesquisa minuciosa na regio. Faz-se necessrio explicar que o termo Orejone corresponde a um apelativo utilizado pelos espanhis do sculo XVI, como se atesta em Cabeza de Vaca (1984, p. 248), para grupos que usavam grandes adornos nos lbulos das orelhas, atualmente extintos, e dos quais no h testemunhos lingsticos. Segundo Susnik (1978, p. 24-28) eram canoeiros como os Guaxarapo e Guat, seus aliados, e habitaram as lagoas Mandior, Gaba e Uberaba, e parte do rio Paraguai prximo a essas grandes lagoas, na poro noroeste do Pantanal Matogrossense. Seriam Nambiquara? Segundo informao escrita recebida do informante anteriormente citado, e verbal recebida de Pedro Ignacio Schmitz, no segundo semestre de 1994 Irmild Wst realizou pesquisas arqueolgicas, em nvel de avaliao de stios arqueolgicos, nas localidades de Barranco Vermelho e Descalvado. Seus resultados podero esclarecer melhor a questo da presena, ou no, da Tradio Aratu- Sapuca na regio pantaneira. 1.2.4 Stios de ocupao cermica sem filiao tecnolgica 52 A quase totalidade dos stios, sem filiao tecnolgica, levantados na rea dos municpios de Corumb e Ladrio no possuem uma cronologia absoluta. So stios superficiais que foram classificados de acordo com aspectos da tecnologia cermica e a insero dos respectivos assentamentos no relevo, sendo divididos em trs grupos ou conjuntos cermicos. Com base tambm nos trabalhos de Rogge & Schmitz (1992 e 1993), percebe-se que os conjuntos cermicos evidenciam, em sua maioria, um vasilhame utilitrio destinado a armazenar, preparar e servir alimentos. No apresentam, em princpio, quaisquer evidncias que possam ser enquadradas nos padres tecnolgicos gerais das tradies cermicas atualmente conhecidas. Entretanto, necessitam de uma reavaliao luz dos dados produzidos nos dois ltimos anos, a fim de que seja possvel melhor definir os grupos. A reavaliao imprescindvel e j se encontra em andamento. O Primeiro Grupo compreende mais de uma centena de aterros que ocorrem em reas alagveis, e que sero abordados de maneira especfica neste captulo. O Segundo Grupo corresponde a stios cujos assentamentos esto relacionados vegetao da poro mais baixa da encosta das morrarias, prximos a reas alagveis. Trs stios se encontram na borda da Lagoa do Jacadigo, dentre eles o MS-CP-17 e o MS-CP-18. Outro stio, MS-CP-26, est situado entre as morrarias de Santa Cruz e Rabicho. Segundo Rogge & Schmitz (1993), os 3.060 cacos coletados indicam vasilhas abertas e pouco profundas, de bordas diretas ou infletidas, com bocas que variam de 10 a 42 cm, sendo que a maioria permanece entre 10 a 30 cm. uma cermica acordelada, tendo como antiplstico quartzo, hematita, minerais opacos, cacos modos e, raramente, concha moda. Possui colorao avermelhada e sua quase totalidade constituda por fragmentos alisados, ocorrendo em pequena proporo as decoraes vermelho interno e/ou externo, corrugado simples, roletado, ungulado, pinado, serrungulado, inciso, impresso de corda e aplicado. 53 A cermica do Segundo Grupo e os locais onde se encontram os respectivos stios, apontam para uma considervel semelhana com o Primeiro Grupo. Nesta perspectiva, Rogge & Schmitz (1993) chamam a ateno para a possibilidade de alguns materiais cermicos coletados estarem misturados. Em verdade, somente o stio MS-CP-26 apresenta diferenas marcantes em relao aos outros stios que foram includos nesse grupo, havendo mais um stio, MS-CP-47, levantado em 1994, cujo material cermico ser analisado em breve. O Terceiro Grupo, representado pelo stio MS-CP-25, est localizado prximo encosta da Morraria Santa Cruz e a um crrego d'gua permanente que desce da mesma. Encontra-se a mais de 5 km de distncia das reas inundveis mais prximas. Os 934 cacos cermicos analisados esto caracterizados pela tcnica do acordelado, predominando a cermica simples (85,76%), seguida por uma relativamente alta porcentagem de impresso de corda (13,38%) e pela pintura vermelha (0,85%). Os lbios podem ser do tipo simples ou com corda impressa, com uma seqncia regular de entalhes transversais ao eixo do lbio. O antiplstico predominantemente constitudo por gros de quartzo, ocorrendo, em menor proporo, concha moda (4,71%). As bordas so geralmente diretas ou infletidas, raramente com uma carena. As vasilhas so de colorao avermelhada ou castanha, rasas e pouco profundas, com uma abertura da boca entre 12 a 42 cm, predominando as de 16 a 26 cm (Rogge & Schmitz, 1993). A caracterstica mais marcante do Terceiro Grupo, aquela que basicamente o distingue dos demais grupos, a maior percentagem da decorao feita por impresso de corda. Esta caracterstica tambm muito comum na regio chaquenha e, segundo as consideraes arqueolgicas e etnogrficas de Willey (1971, p. 458), caracteriza a Tradio Chaquenha. 54 FIGURA 13: Cermica do Segundo Grupo (Fonte: Rogge & Schmitz, 1993). 55 FIGURA 14: Cermica do Segundo Grupo (Fonte: Rogge & Schmitz, 1993). 56 FIGURA 15: Cermica do Segundo Grupo (Fonte: Rogge & Schmitz, 1993). 57 FIGURA 16: Cermica do Terceiro Grupo (Fonte: Rogge & Schmitz, 1993). 58 1.2.5 Aterros Entende-se por aterro um tipo de stio arqueolgico de interior, a cu aberto, que se apresenta na paisagem como uma elevao do terreno, total ou parcialmente antrpica, e que normalmente ocorre em reas inundveis. No Pantanal Matogrossense os aterros em geral possuem aspecto de capo-de-mato e cordilheira, o que no significa dizer que todos os capes-de-mato e cordilheiras que ocorrem na regio sejam aterros, ou vice-versa. Em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul possuem vrias denominaes: aterrados, aterros-de-bugre, capes-de-aterro ou simplesmente aterros. Ocorrem em reas de topografia bastante plana, como o Pantanal do Abobral, e tambm em reas prximas s morrarias, como o caso da Lagoa do Jacadigo. Apresentam-se como pontos protegidos das cheias peridicas, sendo atualmente os preferidos para a instalao das sedes das fazendas e dos currais de gado. So formados basicamente por um acmulo de material sltico-arenoso e orgnico associado, principalmente, a conchas de gastrpodes aquticos e a material arqueolgico, como fragmentos de vasilhas cermicas. Em muitos relatos de viajantes, alguns dos quais produzidos por etngrafos, possvel encontrar algum registro sobre esse tipo de manifestao cultural que ocorre na regio. Lvi-Strauss (1986, p. 158), por exemplo, observou alguns aterros nas proximidades de Porto Esperana, distrito que pertence ao municpio de Corumb, quando da sua viagem regio dos Kadiwo. Mas a maioria desses relatos informa principalmente sobre os aterros Guat, que sero tratados no prximo captulo. As pesquisas sobre os aterros esto em andamento pelo Programa Arqueolgico do MS - Projeto Corumb, faltando apenas mais uma etapa dos trabalhos de campo para que seja possvel concluir a etapa dos trabalhos de laboratrio. 59 At o presente momento, j foram identificados mais de uma centena de aterros, todos associados a cursos d'gua, como rios, baas e corixos. A metodologia mais utilizada para o levantamento e identificao dos stios consiste na sua localizao, atravs de fotografias areas e imagens de satlite, para uma posterior investigao in loco. FIGURA 17: Perfil aproximado de um aterro localizado no Pantanal do Abobral (Fazenda Santa Clara) elaborado por Jairo Henrique Rogge. 60 Numa rea de 91,84 km, situada no Pantanal do Abobral, entre os paralelos de 193000 a 192500 de latitude Sul e os meridianos de 570000 a 570624 de longitude Oeste de Greenwich, foram levantados 87 aterros em 1991, todos cermicos. De acordo com Bitencourt (1992, p. 797-798) os 87 aterros correspondem apenas a uma parcela da totalidade dos stios que ocorrem nesta rea. Pela anlise aerofotogramtrica podemos localizar os demais stios, os quais estimam-se em 200. Oliveira & Peixoto (1993b) relacionam e localizam em coordenadas geogrficas outros 48 aterros, a maioria distribudos entre a Lagoa do Jacadigo, o rio Verde e suas adjacncias, e entre os pantanais do Nabileque e Miranda (na Fazenda Bodoquena). So os seguintes: MS-CP-19, MS-CP- 20, MS-CP-21, MS-CP-22, MS-CP-23, MS-CP-24, MS-CP-32, MS-CP-33, MS-CP-34, MS-CP-35, MS-CP-36, MS-CP-37, MS-MA-01, MS-MA-02, MS-MA-03, MS-MA-04, MS-MA-05, MS-MA- 06, MS-MA-07, MS-MA-08, MS-MA-09, MS-MA-10, MS-MA-11, MS-MA-12, MS-MA-13, MS- MA-14, MS-MA-15, MS-MA-16, MS-MA-17, MS-MA-18, MS-MA-19, MS-MA-20, MS-MA-21, MS-MA-22, MS-MA-23, MS-MA-24, MS-MA-25, MS-MA-26, MS-MA-27, MS-MA-28, MS- MA-29, MS-MA-30, MS-MA-31, MS-MA-32, MS-MA-33, MS-MA-34, MS-MA-35 e MS-MA-36. Acrescenta-se a esta relao o stio MS-CP-38, localizado na Lagoa do Jacadigo. Grande parte dos aterros investigados apresentam ocupaes cermicas, embora existam alguns, como o stio MS-CP-16, localizado na Lagoa do Jacadigo, que apresentam ntidas evidncias de ocupaes pr-cermicas estratigraficamente cobertas por ocupaes cermicas. Em ambos os casos, as ocupaes devem estar relacionadas a populaes canoeiras que, mais freqentemente, poderiam permanecer estabelecidas nos aterros durante a cheia, perodo em que muitas reas permanecem inundadas, o que favorece maior mobilidade fluvial. Na cidade de Ladrio, foi identificado um grande aterro pr-cermico (MS-CP-22), localizado numa barranca alta da margem do rio Paraguai, onde no foram encontrados, num primeiro 61 momento, quaisquer indcios de ocupaes cermicas. Sobre parte do stio foi construdo um estabelecimento de ensino, a Escola 17 de Maro. No caso especfico do aterro MS-CP-16 dispe-se de dataes absolutas (C 14 ) para as ocupaes pr-cermicas, que foram realizadas atravs de amostras de conchas de moluscos aquticos (Ampullaridae), obtidas por meio de um corte estratigrfico. As dataes foram realizadas no laboratrio Beta Analytic Inc. da University Branch, em Miami, Flrida (EUA), atravs da tcnica radiomtrica. Os resultados obtidos so os seguintes: NVEL C 14 (IDADE EM ANOS A.P.) C 13 /C 12 C 13 (IDADE AJUSTADA) 30-40 cm 3.590 60 A.P. -5.0* o/oo 3.920 60 A.P.* 60-70 cm 3.610 60 A.P. -5.0* o/oo 3.940 60 A.P.* 130-140 cm 3.810 80 A.P. -5.0* o/oo 4.140 80 A.P.* * Estimadas as proporo de C 13 /C 12 e ajustadas as idades (usadas no calendrio de calibraes). As propores assumidas so tpicas de conchas de moluscos de gua doce. As dataes obtidas esto em torno de 2.000 anos a.C., perodo posterior ao Optimum Climaticum, onde o Pantanal j se apresentava, em termos ambientais, de forma semelhante sua atual configurao, o que deve ter favorecido sobremaneira a instalao de grupos humanos, conforme foi explicado no incio deste captulo. De maneira geral, provvel ainda que os grupos pr-cermicos relacionados aos aterros, sendo os primeiros a chegar na regio, inicialmente se estabeleceram em reas menos vulnerveis s cheias peridicas, prximas a morrarias, para, posteriormente, ocuparem reas mais baixas e que sofrem um maior grau de inundao. 62 Para as ocupaes cermicas ainda no se dispe de dataes absolutas, embora o conjunto da documentao histrica utilizada neste trabalho possibilite supor que, ao menos, as ltimas ocupaes sejam recentes, ao redor do incio da Conquista Ibrica. Explicar a gnese dos aterros tem sido outra das principais questes estudadas e discutidas pelos pesquisadores envolvidos no projeto de pesquisa anteriormente citado. At o presente momento, as evidncias indicam que tambm houve uma influncia antrpica no acmulo das conchas de gastrpodes aquticos que comumente se encontram sobre antigas elevaes naturais do terreno, possivelmente de origem aluvial. A justificativa maior est no fato de que as conchas sempre foram encontradas associadas a material cultural, como fragmentos de vasilhas cermicas, e a restos de alimentao, como ossos de peixes. Chaparro & Bezerra (1993, p. 6) analisaram conchas de moluscos de aterros do Pantanal do Abobral e constataram a predominncia de gastrpodes aquticos da famlia Ampullaridae, gneros Pomacea e Marisa, tambm aparecendo conchas pertencentes famlia Strophocheilidae, gnero Strophocheilus. Contudo, ainda no se sabe com exatido em que proporo as conchas de moluscos representam, por exemplo, restos de alimentao humana ou material de construo dos aterros. O material cermico analisado por Rogge & Schmitz (1992 e 1993) indica um mesmo padro de tecnologia cermica, com poucas variaes, sendo atualmente denominado de Primeiro Grupo: Os 1.550 fragmentos recolhidos num desses aterros da Baa do Jacadigo podem servir de amostra para este grupo. A manufatura acordelada, o antiplstico constitudo, predominantemente, de gros de quartzo, mas h grande ocorrncia de fragmentos de concha e caco modo. O ncleo apresenta-se, invariavelmente preto e cinza. A textura compacta e resistente. A queima oxidante incompleta. A dureza vai de 2,5 a 3 graus na escala de Mohs. A cor da superfcie costuma ser cinza. A decorao variada: simples (54,10%), corrugada simples com variaes (33,87%), cestaria impressa (7,69%), incisa (1,74%), vermelha (1,48%), roletada 63 (0,71%), com impresso de corda (0,38%). As formas, geralmente infletidas so, em sua maior parte, abertas, as bases arredondadas ou levemente aplanadas. Os vasilhames so pequenos, medindo as bordas de 12 a 34 cm, com corpos sub-esfricos. uma cermica tipicamente utilitria, sem nenhum refinamento, apesar do bom acabamento de muitas peas (Rogge & Schmitz, 1993, p. 4). Sabe-se recentemente que, na cermica dos aterros, no ocorre impresso de cestaria, como se pensava anteriormente, mas sim um tipo de corrugado que muito se assemelha a esse tipo de decorao. A disperso da cermica no se restringe apenas aos aterros levantados, pois tambm ocorre em stios superficiais relacionados a lagoas e prximos de morrarias, como o caso dos seguintes: MS- CP-49, MS-CP-50 e MS-CP-51, localizados margem da Lagoa Negra; e MS-CP-27 e MS-CP-28, situados na rea de influncia da Lagoa do Jacadigo, prximos aos stios com grafismos rupestres MS-CP-03 e MS-CP-04. Nos aterros da Lagoa do Jacadigo foram encontrados sepultamentos primrios estendidos ou fletidos, alguns provavelmente secundrios (Rogge & Schmitz, 1993, p. 3). O material ltico escasso e o pouco que foi coletado est por ser analisado. No Puerto 14 de Mayo, poro do Pantanal que pertence ao Paraguai, Susnik (1959) investigou um aterro ou conchal, tendo encontrado material cermico, ltico e sseo associado a uma camada de conchas de moluscos da espcie Ampullaria canaliculata, cuja espessura varia de 40 a 60 cm. Ossos humanos, colares de contas feitas de conchas, pingentes feitos de dentes de capivara (Hydrochaeris hydrochaeris) e lminas-de-machado polidas e com garganta tambm foram 64 encontrados 3 O material cermico recolhido do aterro semelhante ao descrito por Rogge & Schmitz (1992 e 1993), conforme pode-se comprovar atravs da observao de alguns fragmentos de vasilhas em exposio no Museu Etnogrfico Andrs Barbero, em Assuno. Entretanto, preciso fazer uma anlise detalhada do material recolhido do referido aterro para melhores comparaes. interessante mencionar que, na ocasio de suas pesquisas, Susnik estava acompanhada por cinco Chamacoco que associaram o stio aos Wettiadau-Mbay - wettiadau um termo Chamacoco utilizado para todos os grupos inimigos Mbay do norte. Esta uma questo que deve ser melhor averiguada pela arqueologia, assim como tambm pela etnoistria e etnologia. Em suma, possvel deduzir, em princpio, que os aterros do Pantanal atestam uma forma de adaptao ecolgica relacionada a fatores sazonais que ali ocorrem, pois so os nicos lugares protegidos das cheias, principalmente em reas de topografia bastante plana, sendo os mais importantes vestgios de manifestaes culturais que ocorrem nas mesmas. Uma das possibilidades de melhor compreend-los atravs do conhecimento da etnografia de grupos canoeiros que se estabeleceram na regio, como os Guat, Guaxarapo e Payagu. Neste sentido, h uma vasta documentao histrica a ser explorada pelos arquelogos. Outra possibilidade compar-los com aterros que ocorrem em outras regies da Bacia do Prata e da Bacia Amaznica; como por exemplo, os cerritos do Rio Grande do Sul e Uruguai, os montculos ou conchales da regio chaquenha, a cultura dos Ribereos Plsticos e os conchales do Litoral do Paran (Argentina), os llanos de moxos da Bolvia e os mounds da Ilha de Maraj. Esta questo, inclusive, de grande interesse para o estudo dos aterros que ocorrem na Amrica do Sul.
3 Em funo das mudanas que constantemente ocorrem no campo da sistemtica, possvel que a espcie Ampullaria canaliculata que Susnik (1959) menciona, corresponda espcie Pomacea canaliculata, que tambm ocorre em aterros no Pantanal Matogrossense. 65 FIGURA 18: Cermica dos aterros (Fonte: Rogge & Schmitz, 1993).
66 FIGURA 19: Cermica dos aterros (Fonte: Rogge & Schmitz, 1992). 67 FIGURA 20: Cermica dos aterros (Fonte: Rogge & Schmitz, 1992). 68 1.2.6 Grupos tnicos conhecidos historicamente comum em algumas snteses sobre a etnografia e arqueologia chaquenhas, como Kersten (1968), Mtraux (1963a) e Willey (1971), a insero do Pantanal Matogrossense na rea cultural do Gran Chaco. Todavia, embora sejam regies vicinais, constituem paisagens perceptivelmente distintas, conforme esclarece Moura (1943). Por outro lado, Susnik (1972 e 1978), ao enfocar as populaes indgenas chaquenhas, no acrescenta explicitamente o Pantanal Matogrossense na rea cultural do Gran Chaco e o relaciona como parte de sua periferia, onde se pressupe que periferia possua o sentido de vizinhana ou proximidade. Portanto, preciso tornar inteligvel que o Pantanal Matogrossense, enquanto regio geoecologicamente caracterizvel, no compreende parte da rea geogrfica tpica do Gran Chaco, e vice-versa, nem tampouco da sua, assim chamada, rea cultural. Esta constatao, porm, no conota a omisso, principalmente diante das evidncias etnoistricas, dos contatos e influncias culturais mantidos principalmente durante o perodo colonial, entre diversos grupos que se estabeleceram em ambos os territrios. Dos modelos apresentados sobre a ocupao indgena do Pantanal, sobressaem as formulaes de Susnik (1972 e 1978). Suas idias so fundamentadas em vasta documentao histrica e em trabalhos etnolgicos. Segundo Susnik (1972), nos princpios da Conquista Ibrica o Pantanal tambm constitua um limite natural para as populaes chaquenhas, e se caracterizava por um elevado ndice de densidade demogrfica, representada sobretudo por diversos grupos cultivadores, como os Xaray, e canoeiros-pescadores, como os Guaxarapo, que ali estavam estabelecidos. Todos esses grupos estavam sob a presso dos Paressi-Arawak, ao norte, e pelos Itatim-Guarani, ao sul, sendo que estes ltimos estariam necessitando de reas cultivveis na zona do rio Miranda. 69 De acordo com Susnik (1961 e 1978) e Mtraux (1963a), e tambm com a classificao lingstica de Rodrigues (1986), das populaes indgenas que se estabeleceram no Pantanal Matogrossense e reas circunvizinhas, cuja filiao lingstica conhecida, destacam-se as seguintes famlias lingsticas e seus respectivos grupos: a) Arawak - cultivadores que se estabeleceram desde alguns pontos do rio Apa e reas prximas, at partes da poro leste do alto curso do rio Paraguai. Esto representados pelos Layan ou Laiana (Chan e Guan), Echoaladi (Choarana, Chararana?), Tereno ou Terena (Tereno, Etelena), Kinikinao (Equiniquinao, Quainacona) e talvez os prprios Orejone; b) Guaicuru - 1) Mbay-Guaycur ou Eyiguayegu (Gente do Palmar), que tambm habitaram parte do Pantanal e seus limites com o Chaco, representados pelos Guetiadegod ou Montarace (Os Habitantes das Montanhas), Cadiguregod/Kadiwo (Os Habitantes dos Lugares onde Cresce a Planta Cadi), Apacachodegodegu (Os Habitantes dos Campos das Emas), Lichagotegod (Os Habitantes da Terra Vermelha), Eyibegodegu ou Enacagas (Os Escondidos), e Gotocogegodegu (Os Habitantes do Bambuzal); 2) Payagu ou Evuev (Gente do Rio ou Gente da gua), canoeiros que se locomoviam por grande parte do alto curso do rio Paraguai, tambm representados pelos Siracu ou Sarigu, Agaz (Agace) e provavelmente pelos Guaxarapo; c) J - populaes Kaingang guaranizadas que no sculo XVI ocupavam terras ao norte do rio Apa at a zona dos Caiap, representados pelos Guetri ou u-gura; d) Tupi-Guarani - provavelmente os Guarambarense, entre os rios Ypan e Apa, e, com certeza, os Itatim, entre os rios Apa e Miranda; e) Zamuco - Chamacoco ou Yshyr, representados pelos Xorshio, que talvez sejam os antigos Caitporade, habitantes das reas prximas Lagoa Negra, prxima ao atual limite Brasil-Paraguai, abaixo do paralelo 2000' de latitude Sul. 70 H ainda o Guat, lngua filiada gentica e diretamente no tronco Macro-J, e outras lnguas desconhecidas que foram extintas, juntamente com seus falantes, ao longo do contato com as sociedades coloniais; a exemplo, segundo os grupos citados por Susnik (1978), da lngua falada pelos cultivadores Xaray. Apesar de vrios grupos ter sido extintos, h ainda remanescentes, como o Guat, Kadiwo e Terena, que possuem representantes falantes da sua lngua original. Diante da configurao tnica da regio pantaneira, se faz mister o aprofundamento das pesquisas arqueolgicas com o intuito de definir as reas, ou talvez os nichos ecolgicos, onde cada grupo conhecido historicamente encontrava-se assentado. Num contexto mais amplo, as formulaes apresentadas por Susnik (1961, 1972 e 1978) so de grande relevncia, porque apresentam um primeiro panorama da ocupao indgena histrica do Pantanal Matogrossense e reas adjacentes. Seu modelo de ocupao pressupe, em princpio, uma situao de presso demogrfica, e esta, por sua vez, caracteriza o Pantanal como uma rea de grande diversidade tnica e lingstica, de intensos contatos intertnicos e influncias culturais, inclusive, com grupos originrios da regio do Gran Chaco. Em concluso s elucidaes deste captulo, de se consignar que o atual discernimento sobre a arqueologia, etnologia e etnoistrica do Pantanal Matogrossense, embora ainda diminuto, significativamente expressivo para registrar a complexidade que envolve o estudo da ocupao indgena da regio. Esta constatao tambm se fundamenta na quantidade e diversidade de stios arqueolgicos levantados at 1994 na regio, e que por sua vez corroboram, desde j, a diversidade tnica registrada nos documentos relevantes etnoistria regional. No captulo seguinte, ser abordado especificamente o Guat, na perspectiva de tambm contribuir para uma melhor elucidao a respeito da ocupao indgena das reas inundveis do Pantanal, principalmente em termos de adaptao ecolgica (assentamento e subsistncia) 2 OS GUAT: CANOEIROS POR EXCELNCIA 2.1 FONTES DE PESQUISA Para a elaborao deste captulo, realizou-se, em primeiro lugar, uma pesquisa exaustiva sobre os Guat a partir da bibliografia indicada nas seguintes obras: Baldus (1954 e 1969), Costa e Silva (1992), Hartmann (1984), Loukotka (1939 e 1968), Martins (1992), Mendona (1975), Nimuendaju (1981), Planella (1983), Susnik (1992) e Tovar (1961). Em seguida aprofundaram-se as pesquisas na literatura etnolgica mais recente e na documentao histrica regional para, por ltimo, realizar o levantamento de informaes orais junto a alguns Guat residentes na cidade de Corumb. Praticamente toda a bibliografia levantada foi devidamente analisada, permanecendo de fora apenas algumas poucas publicaes (relatos sem grandes informaes etnogrficas) que no foi possvel conseguir, o que no comprometeu, de maneira alguma, o desenvolvimento dos trabalhos. 72 As fontes de pesquisa utilizadas, primrias e secundrias, podem ser divididas, arbitrariamente e a grosso modo, em duas categorias bsicas, segundo a natureza do registro dos dados culturais: etnolgicas (escritas e orais) e etnoistricas (escritas). 2.1.1 Fontes etnolgicas Considera-se como fontes etnolgicas, aquelas produzidas por etnlogos de formao, ou por pessoas com habilidade no registro e/ou manipulao de dados culturais, quer tratem da arqueologia, cultura material, etnocincias, lingstica, mitologia, organizao social e poltica ou outros assuntos afins. Neste sentido, oportuno e necessrio explicitar as definies de etnografia e etnologia elaboradas por Lvi-Strauss (1991): ... a etnografia consiste na observao e anlise de grupos humanos considerados em sua particularidade (...), e visando reconstituio, to fiel quanto possvel, da vida de cada um deles; ao passo que a etnologia utiliza de modo comparativo (...) os documentos apresentados pelo etngrafo (Lvi-Strauss, 1991, p. 14). As fontes etnolgicas primrias, isto , aquelas que, entre outras informaes, apresentam um conjunto de dados culturais obtidos e organizados diretamente pelo autor, so as seguintes: Azanha (1991), Cardoso (1985), Castelnau (1949 [1850-1851 apud Baldus, 1954]), Cruvinel (1977 apud Cardoso, 1985), Figuiredo (1939), Florence (1948 [1875]), Hassler (1888 apud Baldus, 1954), Koslowsky (1895), Leverger (1862a), Magalhes (1975 [1876]), Monoyer (1905), Moure (1862), Palcio (1978, 1984, 1986 e 1987), Palcio & Rodrigues (1979), Rohde (1885 apud Baldus, 1954), Rondon (1949), Rondon (1938), Schmidt (1902, 1903, 1904, 1912, 1914, 1918, 1922, 1928, 1940a, 1942a, 1942b [1905], 1951 e 1974 apud Palcio, 1984), Silva (1930) e Wilson (1959). 73 Ressalva-se que da relao acima, somente Hassler (1888) merece pouco crdito, pois, segundo Baldus (1954, p. 297-298), seu relatrio entregue ao Museu de Aarau, na Alemanha, apresenta informaes fantasiosas, no dignas de confiana. Ao que se sabe, a primeira descrio etnogrfica dos Guat foi realizada entre fins de 1826 e incio de 1827 por Florence (1948 [1875]), desenhista da expedio Langsdorff. Atravs de relatos e ilustraes, Florence (1948 [1875]) apresenta uma importante descrio geral dos Guat. No entanto, foi Castelnau (1949 [1850-1851]) quem publicou pela primeira vez uma descrio etnogrfica e informaes lingsticas sobre o Grupo, obtidas em 1845. Segundo Palcio (1984) sua relao de palavras da lngua Guat foi reproduzida por Martius (1867), parcialmente copiada por Moutinho (1869 apud Palcio, 1984) e republicada por Schmidt (1942b [1905]) que a comparou com o seu prprio levantamento de 507 palavras e 39 oraes. Grande parte das descries realizadas aps Florence (1948) e Castelnau (1949) apresentam um semelhante, mas no menos importante e fidedigno, panorama etnogrfico dos Guat. Destacam-se as publicaes de Figuiredo (1939), Koslowsky (1895), Leverger (1862a), Magalhes (1975 [1876]), Monoyer (1905), Moure (1862), Cndido Rondon (1949), Frederico Rondon (1938) e Silva (1930). Os primeiros e os mais importantes estudos etnolgicos, propriamente ditos, foram realizados pelo etnlogo alemo Max Schmidt (1874-1950) durante os anos de 1901, 1910 e 1928. Dos seus trabalhos j citados, os principais foram publicados em 1902, 1912, 1914, 1942a e 1942b [1905]. Seus estudos seguem a linha evolucionista da poca, com grande destaque para os estudos jurdicos, econmicos e ergolgicos. Elaborou as principais descries e anlises sobre a cultura material Guat, caracterizadas por uma meticulosa descrio dos artefatos e por uma preocupao contnua em inferir a sua funo no cotidiano do grupo. Seus estudos econmicos, orientados pelas cincias 74 naturais, tambm acrescentam importantes contribuies para a compreenso dos assentamentos e da subsistncia Guat. Em Baldus (1951) e Susnik (1991) h maiores informaes biogrficas sobre Max Schmidt. A investigao arqueolgica a outra caracterstica marcante em algumas de suas pesquisas etnolgicas. Em Schmidt (1914) se verifica um grande interesse e empenho do autor em estudar os aterros ocupados pelos Guat que, no contexto atual da arqueologia moderna, pode ser definido como um verdadeiro trabalho etnoarqueolgico, cujos resultados sero abordados no decorrer deste captulo. Palcio (1984), mais recentemente, inspirada na leitura do artigo de Rodrigues (1966), realizou o mais importante registro e descrio estrutural sistemtica da lngua Guat, concluindo um estudo da fonologia e da gramtica (morfologia e sintaxe). Seu trabalho est parcialmente resumido em Palcio (1986 e 1987). Tem-se ainda Palcio (1978), um breve relato de seu primeiro contato com os Guat e os resultados preliminares de suas pesquisas; e um artigo em parceria com Aryon D. Rodrigues (Palcio & Rodrigues, 1979), onde os autores comparam os marcadores de pessoa em Guat e Kadiwu. Wilson (1959) apresenta uma lista de 201 palavras em transcrio fontica, que o autor registrou na Ilha de Bela Vista em 1959. Na mesma categoria de fontes etnolgicas, podem ser enquadrados vrios trabalhos secundrios, que, em sua quase totalidade, apresentam algumas formulaes fundamentadas em dados primrios contidos na literatura etnolgica e/ou na documentao histrica. So eles: Chamberlain (1913), Lehmann & Scotti (1972 apud Hartmann, 1984), Manizer (1967), Martins (1992), Martius (1867), Mtraux (1942 [apud Baldus, 1954], 1963a e 1963b), Moutinho (1869 apud Palcio, 1984), Oberg (1953), Oliveira, Laraia & Oliveira (1979), Rodrigues (1970 [apud Palcio, 1984] e 1986) e Susnik (1978). 75 Avalia-se que desta relao os mais completos trabalhos sejam Mtraux (1963b) e Susnik (1978). Ramires (1987), jornalista de formao, tambm apresenta um interessante artigo sobre os Guat. O mais importante em Ramires (1987) a apresentao de algumas informaes contidas no arquivo de Estanislao Pryjemski, taxidermista que esteve com os Guat entre as dcadas de 30 e 50; porm, durante as pesquisas no foi possvel ter acesso ao arquivo de Pryjemski. Oberg (1953) apresenta um diagrama de parentesco dos Guat que pouco confivel, uma vez que o autor no deixa explcita a fonte de seus dados. Baldus (1969, p. 514) faz uma interessante observao a respeito de Oberg: O autor pertence classe de etnlogos que sempre escrevem bem e que freqentemente observam bem, mas que quando pensam que pensam bem, no se esforam especialmente para inspirar-nos confiana. Os demais trabalhos apresentam poucas contribuies para a etnologia Guat: Chamberlain (1913) apenas menciona a lngua Guat como tronco lingstico, faz referncia sua rea de ocupao e indica uma pequena bibliografia levantada; Lehmann & Scotti (1972) informam sobre a coleo etnogrfica sul-americana Boggiani pertencente ao Museu Etnolgico de Berlim, que deve contar algum material Guat; Manizer (1967) relata sobre a expedio Langsdorff, apresenta informaes etnogrficas baseadas em Florence (1948) e informa sobre o material etnogrfico Guat adquirido pela expedio; Martins (1992) apresenta uma breve descrio de carter didtico; Martius (1867) e Moutinho (1869), como j foi esclarecido anteriormente, se basearam em Castelnau (1850- 1851); Oliveira, Laraia & Oliveira (1979) se basearam exclusivamente em Schmidt (1942b) e chamam a ateno ao processo de aculturao j bastante acelerado na poca de suas pesquisas, em 1901; e Rodrigues (1970 e 1986) apresenta importantes argumentos cientficos que justificam a hiptese da filiao da lngua Guat gentica e diretamente ao tronco lingstico Macro-J. 76 Alm das fontes escritas, utilizaram-se ainda informaes etnogrficas obtidas a partir dos relatos orais dos Guat Francolina Rondon, Josefina Alves Ribeiro e Pedro Gomes da Silva. Sobre os informantes seguem as informaes abaixo. Francolina Rondon ou Sadjuguiacam, mais conhecida como dona Negrinha, de 80 anos, nasceu no porto da Fazenda Conceio, localizada s margens do rio Alegre e na poca propriedade de Antnio Joo de Arruda. filha da Guat Maria Domingas e do no-ndio Manoel Rondon, um negro que ganhava o sustento como trabalhador braal na referida localidade. Tambm domina a lngua Guat e conhece as tcnicas de fabricao de vasilhas cermicas, de tecelagem, tranados e cestaria. Francolina foi casada com o Guat Pedro, filho do conhecido capito Fernandes que Max Schmidt ali conheceu em 1928, pelo qual foi muito bem recebido, e de quem apresenta a seguinte referncia: En un pequeo puerto estaban colocadas varias canoas tpicas de estos indios y a la ribera se hallaba una casa en forma de rancho. Vivia por aqu el Guat Chico, llamado por lo comn nombre de su padre Capito Fernandez. Su familia constaba de su mujer, de una hija adulta, de un hijo de ms o menos 12 aos y de un hijo adulto junto con su mujer que tenia una tez bastante oscura y estaba mestizada, ciertamente, de sangre de negro (Schmidt, 1942a, p. 44). 77 muito provvel que a esposa do filho do capito Fernandez, mencionada como mestia por apresentar alguns traos africanos, seja a prpria Francolina Rondon que, inclusive, est retratada em Schmidt (1942a, lmina 25, figura 2) 4 . Francolina no se recorda de Max Schmidt, mas se lembra que vrios estrangeiros contataram os Guat que moravam no porto da Fazenda Conceio. Outra informante, que muito contribuiu com a realizao desta etapa dos trabalhos, foi Josefina Alves Ribeiro ou Mobed, de 65 anos, irm de Francolina Rondon, tambm nascida no porto da Fazenda Conceio. filha de Maria Domingas, que, aps ter ficado viva, casou-se com Amrico, tambm no-ndio. Quando ainda era muito pequena sua me teve de ir trabalhar na Fazenda So Jos e, por este motivo, Josefina foi enviada para junto de sua av materna para que fosse desmamada. Sua av morava em frente ao porto da Fazenda Conceio, na outra margem do rio Alegre, possivelmente num aterro, e lhe ensinou, entre outras coisas, a lngua Guat. Alguns anos mais tarde sua me regressou e Josefina foi morar com ela e com seus tios Joo Quirino e Joana, ambos Guat falantes. No mesmo porto da Fazenda Conceio, Josefina casou-se aos quatorze anos de idade com um no-ndio, e foi morar no rio Cabaal, onde seu marido trabalhava na extrao de poaia (Cephaelis ipecacuanha). Posteriormente, se mudou para a Ilha nsua e l morou durante doze anos, e depois se estabeleceu definitivamente em Corumb. Pedro Gomes da Silva ou Gatu, ou simplesmente seu Pedro como todos o conhecem, de 82 anos, tio de Francolina e Josefina, tambm foi um dos importantes informantes. Nasceu na margem
4 Faz-se necessrio explicar que em nota abaixo dessa figura est escrito equivocadamente Mujer del Guat Fernandez, o que constitui um erro, possivelmente ocorrido durante a impresso grfica, pois na verdade trata-se da esposa do filho do capito Fernandez, conforme a citao acima de Schmidt (1942a). 78 da Lagoa Uberaba, filho de Pedro Gomes de Assis e Josefa ou Didetche, ambos Guat falantes. Foi criado num aterro no rio So Loureno, onde seu pai trabalhava para um fazendeiro conhecido como major Min. Ali Pedro morou at por volta de seus quinze anos de idade, quando decidiu partir para trabalhar na Fazenda So Jos da Barra, localizada s margens do mesmo rio. Mais tarde tambm trabalhou em outras fazendas da regio - Santo Amaro, Boa Vista, Coqueiro e So Miguel - , sempre como trabalhador braal. Durante alguns anos chegou a defender seu sustento como pescador e caador de capivara. Aos trinta anos de idade, Pedro casou-se com uma Guat que veio a falecer dois anos mais tarde, por ocasio do parto de seu primeiro filho. Aos trinta e cinco anos Pedro casou-se novamente, desta vez com a Guat Estelita, com quem teve seis filhos, sendo que dois deles, um menino e uma menina, morreram quando ainda eram muito pequenos. Com sua segunda esposa Pedro tambm morou num aterro pertencente ao seu sogro, prximo ao porto da Fazenda Conceio, margem do rio Alegre. Posteriormente perdeu Estelita, sua segunda esposa, vtima de sarampo e pneumonia. J bastante idoso, sozinho e quase completamente cego, decidiu morar num asilo para idosos em Corumb, onde residiu durante anos, sendo muito bem tratado. Desde ento, muito raramente faz uso da lngua Guat. Atualmente Pedro reside na casa de seu sobrinho Severo Ferreira, que o trouxe do asilo para morar consigo num bairro da periferia da cidade de Corumb. Todos os informantes, durante a maior parte de suas vidas, tiveram um intenso e contnuo contato com os fazendeiros que se apossaram do territrio Guat, tornando-se inevitveis as influncias culturais da sociedade nacional. Mesmo assim, sempre mantiveram um estreito vnculo com suas respectivas famlias Guat, apesar de ter havido inmeros casamentos com no-ndios. Isto significa dizer que, de maneira alguma, o contato com a sociedade nacional lhes impossibilitou 79 aprender e fazer uso da sua lngua de origem entre suas famlias, aprender ou ter observado as tcnicas de fabricao das vasilhas cermicas e outros artefatos, ter um profundo conhecimento sobre o ambiente onde moravam ou ter aprendido, por exemplo, as tcnicas utilizadas para caar e pescar. Tambm a convivncia com os mais antigos, principalmente com seus pais e avs, propiciou uma grande quantidade de experincias vividas e tradies orais que lhes foram transmitidas, muitas delas importantes para as pesquisas arqueolgicas. Pode-se constatar que a memria dos informantes geralmente recua at cerca de 150 anos atrs, pois eles receberam muitas informaes dos Guat com quem conviveram, especialmente de seus pais e avs. Francolina, por exemplo, falou, segundo informaes que recebeu de sua av materna, sobre alguns momentos de conflito que os Guat tiveram com os paraguaios durante a Guerra da Trplice Aliana contra o Paraguai (1864-1870). Dessa maneira, as informaes obtidas atravs dos relatos orais ajudaram a melhor entender muitos dados etnogrficos apresentados por diversos autores, como Schmidt, bem como a ter uma maior compreenso dos tipos de assentamentos e a forma de subsistncia Guat. 2.1.2 Fontes etnoistricas Carmack (1979, p. 17) define etnoistria como un conjunto de tcnicas y mtodos para estudiar la cultura a travs del uso de las tradiciones escritas y orales. Dessa maneira, considera- se como fontes etnoistricas primrias a documentao histrica que apresenta informaes a respeito de grupos tnicos, produzida sem rigor ou fins cientficos (etnolgicos). So relatos de viajantes e missionrios, documentao oficial produzida pela Diretoria Geral de ndios e 80 documentos encontrados em arquivos de entidades indigenistas, muitos dos quais ainda no publicados 5 . Segue a seguinte bibliografia: Alincourt (1857 e 1975), Azara (1962), Banks (1991), Beaurepaire-Rohan (1869), Berthod (1952), Bolland (1901 apud Schmidt, 1942b), Bossi (1863), Brando (1872), Bueno (1916), Cabeza de Vaca (1984 e 1987), Caldas (1887), Campos (1862), Conflitos da misso do Itatim com o bispo de Assuno e com algumas bandeiras paulistas (1952), Conselho Indigenista Missionrio-MS (1988), Cunha (1949), Ferreira (1993 [1905] e 1914), Ferrer (1952), Jardim (1869), Labrador (1910), Leite (1869), Leverger (1862a, 1862b, 1993a e 1993b), Lins Neto, Pereira & Gutman (1991), Lizarraga (1941), Lozano (1874-1875 e 1952), Macerata (1843), Magalhes (1942), Oliveira (1862a, 1862b e 1864), Quiroga (1970 [1838]), Rego (1899), Rodrigues, Matsunaka & Duarte (1991), Rondon (1946), Rondon (1971 e 1972), Roosevelt (1944), Roquette-Pinto (1975), S (1975), Serra (1866), Taunay (1940), Techo (1897) e Vieira (1852, 1853, 1855 e 1856). A maioria dos autores acima relacionados apresentam rpidas consideraes sobre os Guat, muitas vezes um nico pargrafo onde mencionam a localizao geogrfica dos locais ocupados pelas famlias. Os mais antigos, como Cabeza de Vaca (1984) e Campos (1862), so de grande relevncia para uma delimitao aproximada da rea ocupada pelo grupo durante os sculos XVI e XVIII, respectivamente. Outros, como Rodrigues, Matsunaka & Duarte (1991), tratam da situao atual do grupo e so de grande utilidade para o pesquisador interessado na histria recente dos Guat. No decorrer do captulo, os referidos autores, quando citados, sero devidamente comentados.
5 A Diretoria Geral de ndios foi uma instituio que funcionou durante o sculo passado em Mato Grosso, cuja funo era resolver as contentas entre brancos e ndios, atravs de critrios de justia, retirados das leis provinciais (Siqueira, Costa & Carvalho, 1990, p. 277). 81 Por ltimo, merecem destaque algumas fontes etnoistricas secundrias, ou seja, aquelas publicaes que apresentam informaes sobre os Guat, baseadas principalmente em documentao primria, sem realizar grandes anlises etnolgicas a respeito do grupo. So elas: Csar (1979), Corra Filho (1939, 1946 e 1969), Ganda (1929), Guzmn (1980), Ribeiro (1957 e 1986), Sganzerla (1992), Steinen (1940) e Souza (1973). Grande parte destas publicaes contm apenas algumas poucas informaes sobre os Guat, em geral a compilao de alguns documentos histricos ou uma breve referncia sobre sua participao em determinado momento da histria regional, acrescentando muito pouco para o conhecimento da cultura e da histria do grupo. 82 2.2 HABITAT A totalidade da documentao escrita permite afirmar que o habitat Guat, isto , a rea geogrfica ocupada pelo grupo, est limitado exclusivamente regio pantaneira. Entretanto, delimitar sua rea de ocupao uma das tarefas mais difceis de se concluir, pois at o presente momento dispe-se apenas de fontes etnolgicas e etnoistricas para este propsito. Diante desta realidade, somente possvel chegar a uma delimitao aproximada de sua rea de ocupao, at porque para uma formulao mais apurada necessrio que as informaes etnolgicas e etnoistricas possam ser testadas e/ou complementadas com dados obtidos atravs de um levantamento arqueolgico sistemtico. A maior parte das fontes etnolgicas e etnoistricas que apresentam informaes a este respeito, compreendem registros que foram produzidos a partir da primeira metade do sculo XIX. Os registros anteriores, principalmente os relatos dos conquistadores espanhis e missionrios jesutas - que datam desde a primeira metade do sculo XVI -, apresentam informaes de difcil discernimento em termos de localizao geogrfica. Um dos motivos que a maioria dos rios que so afluentes do Paraguai, ou que nele desguam, possuam outras denominaes, muitas vezes em lnguas indgenas, como a Guarani, e nem sempre passveis de localizao. Os relatos etnoistricos e as descries etnogrficas geralmente foram elaborados a partir do registro de viagens exploratrias, normalmente restritas aos cursos dos principais rios, como o Paraguai e o So Loureno, e ocorreram durante o perodo da cheia, quando os rios que cortam a plancie pantaneira se apresentam mais favorveis navegao. Logo, embora indispensveis etnoistria e etnologia regionais, apresentam limitaes quanto perspectiva de se procurar definir com exatido a rea ocupada por qualquer grupo tnico. No caso especfico dos relatos das viagens exploratrias dos sculos XVI e XVII, como Cabeza de Vaca (1984), muitas das etnias mencionadas 83 no correspondem a uma autodenominao, mas a apelativos Guarani ou espanhis para determinados grupos, como o caso do Orejone. Alguns grupos tambm so confundidos com outros, como o caso do Guat com o Guaxarapo, ambos canoeiros. Outra questo que dificulta a tarefa, como salienta Cardoso (1985), a prpria forma de organizao social e ocupao do espao pelos Guat que, diferentemente de outros grupos, no se organizam em aldeias, mas em famlias autnomas umas com relao s outras. Em cada famlia a maior autoridade e liderana exercida pela figura do pai, e a ocupao do espao em geral ocorre de forma dispersa e sazonal. Cada famlia ocupa uma determinada rea e h locais onde, na maioria das vezes, permanecem estabelecidas durante o perodo da seca e outros onde permanecem durante a cheia. 2.2.1 Tentativa de delimitao da rea de ocupao Os Guat foram mencionados pela primeira vez nos Comentarios de Cabeza de Vaca (1984), que esteve no Pantanal em 1543. Os Comentarios foram escritos por Pedro Hernndez, secretrio de Cabeza de Vaca. Ao todo h trs passagens onde eles aparecem mencionados pela autodenominao Guat. Faz-se relevante esclarecer que a autodenominao Guat ainda no foi devidamente explicada em termos lingsticos. Susnik (1978, p. 19), com base nas informaes lingsticas de Schmidt (1942b, p. 230), afirma que seu nombre tribal se correlaciona con la palabra maguaat (guaat), designativo para la gallineta de agua, una especie de aves zancudas. Ramires (1987, p. 45) apresenta a mesma idia, segundo informaes de Estanislao Pryjemski. Constatou-se, atravs de informaes orais, que a palavra maguato pode ser utilizada tanto para 84 a ave denominada localmente de frango-d'gua (Gallinula chloropus), quanto para designar a nao Guat ou no sentido de gente, ou seja, possui mais de um significado, dependendo da situao em que empregada. Segundo Palcio (1984, p. 48) o prefixo ma uma flexo determinativa dos substantivos e est presente na maioria das palavras em Guat. Dessa forma, maguato a aglutinao de ma e guato. Em princpio, e ressalvando a inexperincia que se tem com a lingstica, acredita-se que o vocbulo maguato est diretamente relacionado com a autodenominao Guato/Maguato - ou Guat/Maguat? -, pois essa espcie de ave pode estar associada com a prpria identidade social, enquanto grupo canoeiro adaptado a uma regio inundvel. Na primeira citao de Cabeza de Vaca (1984, p. 260) os Guat aparecem como aliados dos Guaxarapo e de outros grupos que tambm eram inimigos dos Guarani, conhecidos posteriormente como Itatim, e que estavam assentados nas montaas (morrarias) que ocorrem na plancie pantaneira. Na segunda citao (Cabeza de Vaca, 1984, p. 273), so novamente associados aos Guaxarapo e a outras tribos que fizeram um chamamento para combater os espanhis e os Guarani que acompanhavam a armada espanhola. Na terceira e ltima referncia feita por Cabeza de Vaca (1984, p. 280), so mencionados nas proximidades do Puerto de los Reyes, e outra vez aparecem como aliados de vrios grupos, dentre eles os Guaxarapo, Socorino, Xaquese e outros que moravam numa ilha situada a uma lgua do referido porto. Todos esses grupos se aliaram para combater os invasores espanhis e seus aliados Guarani. Numa ocasio atacaram alguns Guarani que pescavam numa lagoa, acompanhados por cinco espanhis. Durante o ataque muitos Guarani morreram, os cinco espanhis foram capturados e, depois de mortos, repartidos os pedaos entre os que moravam na referida ilha e entre os 85 Guaxarapo e Guat que tinham sido convocados para a guerra. Segundo Cabeza de Vaca (1984) todos levaram suas respectivas partes da diviso, cada qual para o local onde morava, e realizaram um suposto ato de antropofagia. Logo em seguida voltaram a atacar o povoado onde estavam os espanhis, levando outros cristos que tiveram o mesmo destino que os cinco primeiros. Segundo Susnik (1978, p. 24-28), os Socorino (Surucuci, Sacoci ou Sicoci) e os Xaquese (Xaquete ou Xaquede), atualmente extintos, foram tribos canoeiras Orejone que habitavam as lagoas Mandior, Gaba e Uberaba, e suas proximidades, sobre os quais no se dispe de quaisquer informaes lingsticas. Os relatos de Cabeza de Vaca (1984) atestam a diversidade tnica constatada no Pantanal desde o incio da Conquista Ibrica, e a complexidade que envolve a identificao dos grupos relacionados nos documentos da poca. No que diz respeito a antropofagia, esta uma questo duvidosa, ao menos para os Guat, pois no foi encontrada nenhuma outra referncia desse tipo de peculiaridade cultural em quaisquer dos outros documentos histricos que foram examinados, nem sequer na literatura etnolgica. A localizao do Puerto de los Reyes o problema inicial para se determinar o local aproximado, onde Cabeza de Vaca (1984) contatou com os Guat. Para o historiador Roberto Ferrando, responsvel pela edio e notas dos Comentarios, o Puerto de los Reyes estava situado na regio da atual cidade de Corumb e, conseqentemente, no mapa do itinerrio de Cabeza de Vaca os Guat esto localizados, ao invs dos Guaxarapo, entre os atuais rios Taquari (Taquarinono) e Negro. A localizao equivocada, pois segundo Susnik (1978, p. 24-25) o Puerto de los Reyes foi fundado por Domingo Martinez de Irala, na margem do rio Paraguai, em frente a Lagoa Gaba, e servia de apoio a vrias expedies espanholas originrias de Assuno. 86 Mello (1958, p. 87-91), conhecedor da documentao histrica luso-espanhola e da geografia regionais, apresenta um estudo sobre a localizao do Puerto de los Reyes. Explica que sua fundao se deu em 6 de janeiro de 1543 por Irala a mando de Cabeza de Vaca, e seu nome corresponde festa da Epifania ou dos Reis Magos. Sua localizao tambm contraria a hiptese de Roberto Ferrando e mais precisa que a de Susnik (1978): Por tudo quanto expendi, baseado na opinio geral dos autores, posso situar o clebre Porto dos Reis na costa ocidental da lagoa de Gaba, possivelmente no mesmo lugar em que se encontra o porto boliviano de Quijarro, em face da fronteira brasileira (Mello, 1958, p. 91). FIGURA 21: Itinerrio de Cabeza de Vaca (Fonte: Cabeza de Vaca, 1984). 87 FIGURA 22: Localizao do Puerto de los Reyes (Fonte: Mello, 1958). Deduz-se a posteriori que nesse perodo os Guat, tambm, habitavam as proximidades da Lagoa Gaba, onde estava localizado o Puerto de los Reyes. Segundo Guzmn (1980), nesse mesmo sculo, em 1557, o espanhol Nuflo de Chaves comandou 220 soldados e mais de 1.500 ndios numa expedio que partiu de Assuno, seguiu at o porto de Itatim, e dali chegou at o alto curso do rio Paraguai. Informa Guzmn: 88 Y prosiguiendo adelante, llegaron a los pueblos de los Guayasapos, que estaban a la mano izquierda y, a los de los Guatos que estaban a la derecha del ro Paraguay, con quienes tuvieron comunicacin y, desde all fueron a reconocer aquella tierra que llaman el Paraso, que es una gran isla, que est en medio de los brazos en que se divide el ro, tierra tan amena y frtil como queda referido (Guzmn, 1980, p. 162). Nuflo de Chaves deve ter encontrado os Guat nas proximidades do ponto de encontro dos rios Paraguai e So Loureno. preciso esclarecer em tempo que o rio So Loureno corresponde ao antigo Porrudos. Atualmente parte do antigo So Loureno - desde as proximidades do seu ponto de encontro com o Piquiri at encontrar com o Paraguai - tambm conhecido cartograficamente como Cuiab, embora na regio ainda seja mantido o nome de So Loureno. A partir das proximidades do seu ponto de encontro com o Piquiri at rio acima, passa a ser conhecido apenas pelo nome de Cuiab. Outrossim, no se deve confundir o rio So Loureno habitado pelos Guat com o rio homnimo habitado pelos Bororo. A expedio de Nuflo de Chaves prosseguiu para reconhecer a terra dos Guaxarapo, chegando at as bocas de dois ou trs rios ou lagoas, que deve ser o atual rio de Trs Bocas, situado num trecho do Paraguai, prximo serra do Amolar. Entraram pelo rio Araguay, possivelmente um trecho do Paraguai acima do seu ponto de encontro com So Loureno, que estava povoado de muitos Guat, os quais fizeram uma emboscada para a armada, matando 11 espanhis e mais de 80 Guarani (Guzmn, 1980). As referncias de Nuflo de Chaves apresentadas por Guzmn (1980) so de difcil inteligibilidade em termos de uma precisa localizao geogrfica. Supe-se que a expedio de Chaves tenha contatado com os Guat no curso principal do rio Paraguai, desde as proximidades do seu ponto de encontro com o So Loureno. 89 As hipteses, ora apresentadas, de localizar os Guat no incio da Conquista Ibrica esto de acordo com a localizao do grupo no sculo XVI por Susnik (1972). FIGURA 23: Grupos tnicos do Gran Chaco e de sua periferia em fins do sculo XVI (Fonte: Susnik, 1972). 90 Nos relatos produzidos no sculo XVII, os quais pode-se examinar, encontraram-se apenas dois relatos de missionrios jesutas que subsidiam a tentativa de definir a rea ocupada pelos Guat. A documentao produzida pelos missionrios jesutas, de uma maneira geral, atesta um grande conhecimento dos grupos tnicos, especialmente no que se refere s diferenciaes lingsticas e, portanto, constituem fontes histricas confiveis. Em 1650, um padre jesuta ao descrever os Conflitos da misso do Itatim com o bispo de Assuno e com algumas bandeiras paulistas (1952), noticia que a nao Guat a mais prxima da reduo de Nuestra Seora de Fee del Tar, mas no informa a que distncia. De acordo com o testemunho sobre a histria das redues do Itatim, escrito em 1652 pelo tambm jesuta padre Berthod (1952), Nuestra Seora de Fee del Tar foi invadida em 1647 pelos portugueses de So Paulo, que mataram alguns ndios e levaram outros consigo, despovoando e dispersando a gente daquele lugar. Em seguida foi fundada outra reduo a 18 ou 20 lguas de distncia da primeira, que havia sido destruda, no rio Boy Boy ou Mboiboi, prxima Reduo de Santa Maria. O objetivo era que as duas redues, prximas uma da outra, pudessem se auxiliar contra os inimigos bandeirantes. Na reduo de Nuestra Seora de Fee del Tar, tambm participavam alguns Guat e, segundo os aportes cartogrficos contidos em Labrador (1910) o antigo rio Boy Boy ou Mboiboi corresponde ao atual Aquidab, que encontra com o Paraguai prximo ao paralelo de 2100 de latitude Oeste de Greenwich 6 . Com base nos Conflitos da misso do Itatim com o bispo de Assuno e com algumas
6 Considera-se a lgua jesuta equivalente a lgua paraguaia que, segundo Beaurepaire-Rohan (1869), de 2.000 braas. Cada braa correspondia a 2,2 m (Ferreira, 1986, p. 280). Portanto, cada lgua jesuta deve corresponder a 4,4 km atuais. 91 bandeiras paulistas (1952) e em Berthod (1952), possvel supor que no sculo XVII os Guat foram contatados em alguns locais ao longo do alto curso do rio Paraguai, como nas proximidades do ponto onde se encontra com o rio Aquidab. No sculo XVIII o bandeirante Campos (1862) relata sobre as populaes indgenas que conheceu nas minas de Cuiab e seu recncavo, desde 1718 at 1723. Campos (1862, p. 441-442) se refere aos Guat como o primeiro lote de gentio que habitavam o rio Porrudos, atual So Loureno (ou Cuiab), a partir de seu encontro com o Paraguai. Os demais tambm so gente de corso e sem aldeias: Caracar, Guacharapo (Guaxarapo), Surucuba (Socorino?), Guacamo, Cuvuqua e Tuque. A informao de Campos (1862) sobre a localizao dos Guat no rio So Loureno pertinente e condiz com os relatos que foram produzidos no sculo seguinte. Contudo, a dos Guaxarapo duvidosa, pois segundo Susnik (1978) esse grupo estava dividido em diversas parcialidades, todas assentadas na margem oriental do Paraguai, entre os rios Miranda e Taquari. Os demais grupos, sobre os quais nada se encontrou, talvez fossem os Socorino e Xaquese mencionados por Cabeza de Vaca (1984), ou mesmo uma confuso do autor em se referir aos prprios Guat. No ano de 1760, o padre jesuta Lozano (1952) informa que abaixo da confluncia do rio Miranda, antigo Mbotetei, com o Paraguai habitavam os Guancha, Guapi e Guat. Os dois primeiros talvez sejam Guaxarapo. S (1975), cronista do sculo XVIII, em 1775 escreveu um relato no qual informa que em 1725 uma expedio de canoas comandada por Diogo de Souza, onde havia muitos escravos e
92 fazendas, foi atacada pelos Payagu na barra do rio Xars, morrendo 600 pessoas e sobrevivendo apenas um branco e um negro. Os Payagu lhes declararam que ... ... eram Payagus gentio de corso que no tinham morada certa viviam sobre as guas sustentando-se de montaria pelo Paraguai e pantanais gente que j em outro tempo fora aldeada pelos Padres missionrios da provncia do Paraguai de donde haviam fugido rebelando-se contra os Padres que os doutrinavam e que enquanto os Guats tiveram foras no fizeram os Payagus aventuras por serem deles coados e que como os brancos destruiro os Guats fossem tambm destruir os Payagus ..." (S, 1975, p. 18). Percebe-se neste interessante relato de S (1975) que os Guat tinham um papel importante na defesa de seu territrio, principalmente contra os inimigos Payagu. Mas a partir do momento em que os Guat tiveram sua populao reduzida pelos ataques dos bandeirantes, os Payagu no mais tiveram obstculos para adentrar por todo o alto curso do rio Paraguai, bem como para investir contra os prprios bandeirantes que significavam uma ameaa para eles. Outra questo que fica evidente em S (1975) que muitos Guat devem ter sido capturados e vendidos como escravos pelos bandeirantes, pois Siqueira, Costa & Carvalho (1990) afirmam que seu objetivo principal era a caa de ndios e, possivelmente, encontrar metais preciosos. Azara (1962, p. 391), que permaneceu no Paraguai entre os anos de 1781 a 1801, localizou os Guat em fins do sculo XVIII en laguna al Occidente del ro Paraguay, con quien comunica en los 1912 de latitud, y algunos escritores los han equivocado con los Guasarapo. Para Schmidt (1942a, p. 69) o ponto definido por Azara somente pode ser a Lagoa de Cceres, prxima a Corumb, na fronteira com a Bolvia. Esta hiptese a mais plausvel. Todavia, prossegue Schmidt, quando os Guat ficaram mais conhecidos, seus assentamentos estavam situados mais ao norte, mas se tratando de um grupo de grande mobilidade fluvial durante o perodo das cheias, possvel supor que em fins do sculo XVIII os Guat tambm tenham ocupado ocasionalmente a Lagoa de Cceres. 93 Os Guat tambm so mencionados, embora no nominalmente, na descrio do padre jesuta Quiroga (1970 [1838]) sobre o rio Paraguai, desde a boca do Jauru at a confluncia com o Paran. Seus relatos devem ter sido produzidos em fins do sculo XVIII. O autor localiza os Guat mais acima do rio Taquari, no rio Porrudos, atual So Loureno. At ento, os documentos dos sculos XVI, XVII e XVIII sugerem que os Guat, e outros grupos canoeiros, ocupavam, sazonalmente ou no, uma grande extenso do alto curso do rio Paraguai e do rio So Loureno, ao menos, os respectivos trechos situados entre os paralelos de 1730 a 2100 de latitude Sul e os meridianos de 5700 a 5830 de longitude Oeste de Greenwich. Esta hiptese tambm est parcialmente contemplada no mapa tnico do Gran Chaco e de sua periferia, vlido para o ano de 1720, elaborado por Susnik (1972). Os aportes de Kersten (1968), assim como os de Nimuendaju (1981), sobre a localizao dos Guat em fins do sculo XVIII so pouco seguros se comparados com os de Susnik (1972), porque os autores acrescentam o rio Taquari na rea ocupada pelos Guat, quando se sabe que historicamente esta uma rea que foi ocupada pelos Guaxarapo. Trata-se de um problema que talvez possa ser resolvido pela arqueologia. A partir do sculo XIX, as informaes sobre a delimitao da rea ocupada pelos Guat aumentaram substancialmente. Em sua maioria so relatos de viajantes, e tambm relatrios reunidos no Registro da correspondncia oficial da Diretoria Geral de ndios com a presidncia da Provncia (1848-1872). 94 FIGURA 24: Grupos tnicos do Gran Chaco e de sua periferia em 1720 (Fonte: Susnik, 1972). 95 Em 1826, Alincourt (1975) registrou a presena dos Guat no morro dos Dourados e, principalmente, na Lagoa Uberaba onde seguem os morros Chan, Trs Barras e da Laranjeira 7 . Em fins de dezembro, do mesmo ano e incio de janeiro de 1827, Florence (1948) esteve com os Guat no rio Paraguai, desde a localidade de Amolar at a Lagoa Gaba, e no rio So Loureno, desde sua confluncia com o Paraguai at rio acima 8 . Frei Macerata (1843, p. 4), em correspondncia a Zefirino Pimentel Moreira Freire, datada de 5 de dezembro de 1843, informa que os Guat residem pelo rio Paraguai abaixo at a boca superior do Paraguai-Mirim e uma parte pelo S. Loureno acima que corre para o mesmo Paraguai. Castelnau (1949), em 1845, registrou alguns locais ocupados pelos Guat e, para alguns pontos, tomou nota da respectiva denominao dada por eles. Encontrou famlias estabelecidas ao longo do rio Paraguai desde morraria dos Dourados ou Marap at a Fazenda Descalvado, na Lagoa Gaba, ao longo do canal D. Pedro II ou Jequi - isto , na Ilha nsua -, na Lagoa Uberaba ou Torequ-Bac e no rio So Loureno 9 . Em 1846 Jardim (1869), em seu discurso sobre a criao da Diretoria Geral de ndios, se refere ao Guat como uma nao pouco numerosa, inofensiva e semi-civilizada, que reside ordinariamente ao lado direito do Paraguai, mas que vagueiam em certos tempos do ano por gua e por terra, desde o Paraguai-Mirim at as lagoas de Gaba e Uberaba. No mesmo ano Beaurepaire-Rohan (1869), confirma as informaes de Jardim (1869), e
7 O morro dos Dourados est situado entre o paralelo 180002 de latitude Sul e o meridiano de 594450 de longitude Oeste de Paris (Leverger, 1993b [1905], p. 163). 8 A localidade de Amolar est localizada entre o paralelo 180146 de latitude Sul e o meridiano 594630 de longitude Oeste de Paris (Leverger, 1993b [1905], p. 163). 9 A denominao canal D. Pedro II foi dada por Castelnau (1949) em homenagem ao ento imperador do Brasil. Os bolivianos o conhecem como rio Pando. 96 acrescenta o rio So Loureno como parte da rea ocupada pelos Guat. De acordo com as informaes registradas em 1847 por Leverger (1862a), o rio So Loureno era ocupado pelos Guat desde a barra do Cuiab. Os relatos e descries etnogrficas apresentados posteriormente, aqueles cujas informaes foram registradas ao longo do sculo XIX at a primeira dcada do sculo XX, confirmam os dados apresentados desde Alincourt (1975) a Leverger (1862a). So eles: Bolland (1901 apud Schmidt, 1942a), Bossi (1863), Brando (1872), Caldas (1887), Ferreira (1993 [1905]), Koslowsky (1895), Leite (1869), Magalhes (1975 [1876]), Moure (1862), Oliveira (1862a, 1862b e 1864) e Vieira (1853). Dos autores acima relacionados, vale a pena citar o relato de Couto de Magalhes (1873), militar de grande conhecimento antropolgico, que ocupou a presidncia da ento Provncia de Mato Grosso nos dois ltimos anos da Guerra da Trplice Aliana contra o Paraguai, em 1869 e 1870: Estes Guats so os ndios que habitam os imensos campos paludosos do Alto Paraguay, S. Loureno e Cuiab; a regio de sua residncia se estende, pela margem direita do Paraguai, at a baa denominada por ns Gaba (...); pela margem direita at a baa a que chamamos Chans (...); pelo Paraguai arriba suas habitaes vo at o morro do Descalvado; pelo S. Loureno at a confluncia do Cuiab; e por este at dez lguas ao sul do ponto do Cassange. Pelos limites que acabo de traar, v-se que no tratamos de uma pequena tribo; e, se bem que no possamos nem de longe avaliar a sua populao, compreende-se, pela rea que ocupa, que tratamos de uma grande nao, dividida talvez em muitas tribos, o que por enquanto no sabemos, porque habitando eles montes isolados (aterros?) em meio daqueles vastos pantanais, ocupam por esse s fato uma regio pouco acessvel; e o que dizemos de seus costumes ou nos foi referido pelos oficiais fugitivos de Coimbra, ou pelo que pudemos observar, quando, para evitar a vigilncia das foras paraguaias na ocasio em que as amos atacar, tivemos necessidade de fazer nossas marchas em centenas de canoas, por pantanais conhecidos por eles, e onde nos foram de grande e valiosssimo socorro, j indicando lugares de descanso no meio daquelas imensas paludes, j guiando a nossos soldados o caminho naquela emaranhadssima rede de canais (Magalhes, 1873, p. 479-480). 97 As informaes apresentadas pelo autor so aceitveis, mais apuradas que as de Leverger (1862a) e, alm de comprovar muitas das informaes anteriormente apresentadas sobre a rea de ocupao dos Guat, atestam, entre outras coisas, que sua participao nesse episdio de conflito contra o Paraguai foi de grande importncia para o Brasil. Isto porque, segundo Magalhes (1873, p. 481), na poca os Guat consideravam os paraguaios como espanhis, seus inimigos, e os brasileiros como portugueses, seus aliados. Na primeira metade deste sculo, Monoyer (1905) e Schmidt (1914, 1942a e 1942b) buscaram delimitar com maior preciso a rea ocupada pelos Guat. Durante os anos de 1900, 1901 e 1902, Monoyer (1905, p. 155), francs com conhecimento em etnografia, esteve em Mato Grosso e observou os Guat nos rios Paraguai e So Loureno, numa rea pantanosa que margeia os rios entre os paralelos de 1700 a 1900 de latitude Sul. Em 1901, Schmidt (1942b) realizou sua primeira expedio etnolgica aos Guat, contatando com vrias famlias que habitavam a morraria dos Dourados, serra do Amolar, canal D. Pedro II (na Ilha nsua) e lagoas Gaba e Uberaba. Tambm obteve informaes da existncia de alguns Guat no rio Caracar, um leito do rio Paraguai. Schmidt (1942b) define o territrio Guat entre os paralelos de 1630 a 1930 de latitude Sul e os meridianos de 5630 a 5830 de longitude Oeste de Greenwich, totalizando 72.600 km. 98 FIGURA 25: Territrio dos Guat (Fonte: Schmidt, 1942b). Anos mais tarde, em 1910, Schmidt (1914) efetuou sua segunda expedio aos Guat. Seu objetivo principal era estudar os Guat que moravam no rio Caracar e seus respectivos aterros. Define o territrio Guat entre, aproximadamente, os paralelos de 1730 a 1900 de latitude Sul e os meridianos de 5700 a 5800 de longitude Oeste de Greenwich. Alm disso, levanta a hiptese de que a origem do grupo est na regio do Caracar. Contudo, a rea delimitada no corresponde exatamente demarcada anteriormente em Schmidt (1942b). 99 FIGURA 26: Territrio dos Guat (Fonte: Schmidt, 1914). Em 1928, Schmidt (1942a) empreendeu sua terceira e ltima expedio etnolgica aos Guat. Contatou com algumas famlias que moravam s margens do rio Paraguai desde a localidade de Descalvado at abaixo da Lagoa Gaba, no rio Alegre e no canal D. Pedro II (na Ilha nsua). Schmidt (1942a) reavalia seus trabalhos anteriores (Schmidt, 1942b e 1914) e melhor define o territrio dos 100 Guat entre, aproximadamente, os paralelos de 1630 a 1815 de latitude Sul e os meridianos de 5700 a 5800 de longitude Oeste de Greenwich 10 . FIGURA 27: Territrio dos Guat (Fonte: Schmidt, 1942a).
10 Segundo Admoli (1986b, p. 55) o rio Alegre aparentemente um rio sem bacia, mas na realidade um brao do rio Cuiab, que dele sai pela margem direita. 101 Nota-se que a maioria dos relatos, descries etnogrficas e estudos etnolgicos produzidos ao longo do sculo XIX at a primeira metade deste sculo, apontam o Guat como o nico grupo a ocupar a rea compreendida entre os paralelos de 1630 a 1830 de latitude Sul e os meridianos de 5630 a 5800 de longitude Oeste de Greenwich. Constata-se tambm que a extenso da rea mais restrita em relao sugerida na documentao dos sculos XVI, XVII e XVIII. O esclarecimento desta questo est sujeito s limitaes impostas pela documentao histrica e, fundamentalmente, pelo atual conhecimento da arqueologia da regio. Em nvel de hiptese, mais coerente buscar uma explicao que implique na concatenao de, ao menos, dois fatores cultural e historicamente importantes: 1) durante os trs primeiros sculos da Conquista Ibrica houve a provvel extino dos outros grupos que habitavam a rea, canoeiros ou no, quer seja apenas por parte dos colonizadores atravs de conflitos diretos e epidemias, quer seja tambm por parte dos prprios Guat no decurso de provveis guerras pela disputa de determinados territrios; 2) o avano das frentes colonizadoras, principalmente a partir da primeira metade do sculo XVIII com a descoberta de ouro em Cuiab, por entre a fundao de povoados, fortificaes militares e fazendas, causaram a diminuio da populao Guat decorrente, da mesma forma - de conflitos diretos e epidemias -, forando a reduo da sua rea de ocupao. O conjunto das evidncias documentais, aqui apresentadas, indica que a rea de ocupao dos Guat, na qual se devem encontrar seus respectivos stios arqueolgicos, est contida, a grosso modo, entre os paralelos de 1630 a 2100 de latitude Sul e os meridianos de 5630 a 5830 de longitude Oeste de Greenwich. Encontra-se encerrada na regio pantaneira, a maior parte em territrio brasileiro, em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, havendo ainda uma poro inclusa em terras bolivianas. Destacam-se dessa rea as seguintes extenses, comprovadamente ocupadas pelos Guat: curso principal do rio Paraguai, rio Paraguai-Mirim, rio Alegre, regio do Caracar, rio So Loureno, parte do rio Cuiab, canal D. Pedro II, lagoas Uberaba e Gaba, morraria dos Dourados, 102 serra do Amolar e Ilha nsua. Outras grandes lagoas, como a Mandior, Vermelha e Cceres, tambm devem ter sido ocupadas pelo grupo. Trata-se de extenses que ainda no foram investigadas pelos pesquisadores que integram o Programa Arqueolgico do MS - Projeto Corumb. Apesar de no se poder negar a importncia da documentao histrica e das pesquisas etnolgicas, a arqueologia que, em concatenao com as fontes escritas, poder fornecer dados para a elaborao de um mapa mais apurado da rea de ocupao do grupo, numa perspectiva espao-temporal. Uma das justificativas desta idia o fato do Guat ser um grupo canoeiro de grande mobilidade espacial e, portanto, de se consignar que no haveria grandes barreiras naturais que pudessem impedir as famlias de ocupar outras reas inundveis da regio, sobre as quais no se dispe de dados histricos. Se houver barreiras que pudessem impedir a mobilidade das famlias na regio, elas deveriam ser culturais, conforme se atesta no relato de S (1975), anteriormente citado. 103 FIGURA 28: rea aproximada de ocupao Guat (Mapa bsico: National Geographic Magazine, 1962). 104 2.2.2 Aspectos gerais do ambiente fsico A rea ocupada pelos Guat caracterizada por uma grande diversidade fisiogrfica, e est inclusa em parte dos pantanais do Paraguai, Paiagus, Cceres e Pocon. Nela se encontram, olhadas de maneira simplificada, as formaes geolgicas Complexo Rio Apa, Complexo Xingu, Grupo Corumb, Grupo Jacadigo, Grupo Alto Paraguai, Intrusivas cidas e Depsitos Cenozicos, apontadas em Godoi Filho (1986). Em termos geomorfolgicos, merecem destaque duas unidades geomorfolgicas definidas em Franco & Pinheiro (1982): Planaltos Residuais do Urucum-Amolar e Plancies e Pantanais Matogrossenses. A unidade Planaltos Residuais do Urucum-Amolar, posicionada na regio fronteiria com Bolvia, compreende dois conjuntos de relevos residuais, um setentrional e outro meridional, que so pores protegidas das inundaes peridicas do Pantanal. O conjunto setentrional abrange, entre outros relevos, a serra do Amolar e as morrarias da nsua e dos Novos Dourados (ou Dourados), locais historicamente ocupados pelos Guat. A unidade Plancie e Pantanais Matogrossenses, a mais expressiva na regio, compreende a extenso de uma superfcie de acumulao de sedimentos. Possui uma topografia bastante plana e periodicamente sujeita a inundaes, cuja rede de drenagem orientada pelo rio Paraguai (Franco & Pinheiro, 1982, p. 190). Na rea, tambm ocorrem grandes lagoas como a Uberaba, Gaba, Mandior, Vermelha e Cceres que, para Almeida (1959), representam ser fossas tectnicas ou calhas que permanecem como nvel de base. Para exemplificar a grandeza dessas lagoas, segundo Carvalho (1986), a Uberaba alcana 50 km em nveis mnimos e nas grandes enchentes 1.000 km. 105 No mapa de solos do Pantanal Mato-Grossense de Amaral Filho (1986), constata-se basicamente a ocorrncia do podzlico vermelho-amarelo, planossolo, planossolo soldico, solonetz solodizado, glei pouco hmico, solos aluviais e solos litlicos. A maior parte da rea composta por solos inundveis e/ou sujeitos elevao do lenol fretico prximo superfcie, de textura argilosa. Quanto ao clima, hidrografia, fauna e flora, as caractersticas gerais esto contempladas no primeiro captulo. A rea ocupada pelos Guat, por ser diversificada em termos fisiogrficos e biticos, consideravelmente importante para a subsistncia e o estabelecimento do grupo, bem como para o fornecimento de matria-prima para a produo de seus artefatos. Os dados etnogrficos apresentados nos tpicos que sero tratados a seguir, so restritos rea ocupada pelos Guat nos sculos XIX e XX, ou seja, aquela inclusa entre os paralelos de 1630' a 1830' de latitude Sul e os meridianos de 5630' a 5800' de longitude Oeste de Greenwich. 106 2.3 ASSENTAMENTOS E SUAS ESTRUTURAS Os assentamentos Guat podem ser entendidos como qualquer lugar ocupado por um ou mais indivduos, temporariamente ou no, e que constitui, sob o ponto de vista arqueolgico, una unidad arqueolgica, analtica e histricamente significativa, sobre cuya base se realizan los anlisis y comparaciones de las culturas prehistricas y las historias culturales (Chang, 1976, p. 50). O estudo dos assentamentos Guat e de suas respectivas estruturas, ainda que restrito a dados etnogrficos obtidos a partir de fontes escritas e orais, tambm representam uma possibilidade de melhor inteligibilidade dos resultados das pesquisas arqueolgicas realizadas no Pantanal Matogrossense. De maneira singular, poder contribuir para o conhecimento da adaptao ecolgica dos grupos ceramistas que se estabeleceram nas reas inundveis da regio e que esto relacionados aos aterros que ali ocorrem. 2.3.1 Tipos de assentamentos De acordo com os prprios Guat, eles possuem trs tipos bsicos de assentamentos, segundo sua localizao na paisagem, sendo todos relacionados a reas ecolgicas prximas a cursos d'gua: aterro ou marrabr, beira de rio ou modidjcum e beira de morraria ou macarap 11 . A ocupao desses assentamentos est diretamente relacionada, ao menos, a trs fatores cultural e ecologicamente importantes para a subsistncia desse grupo essencialmente canoeiro: 1) sazonalidade (perodos de seca e cheia); 2) forma de organizao social (famlias autnomas); 3)
11 Devido a problemas relacionados com a qualidade da gravao dos relatos, talvez a palavra modidjcum esteja com erro de grafia. Outras palavras transcritas acrescidas de ponto-de-interrogao, tambm indicam que a grafia pode 107 grande mobilidade espacial (fluvial). Magalhes (1992) apresenta um perfil esquemtico dos elementos da paisagem no Pantanal que serve para elucidar a ocorrncia desses assentamentos no ambiente, da seguinte maneira: a) marrabr - podem ocorrer nas matas ciliares, nos campos limpos, sob forma de capes-de-mato ou cordilheiras, e tambm nas margens de baas, banhados e rios; b) modidjcum - nas margens dos rios relacionados mata ciliar; c) macarap - relacionados mata ciliar e aos campos limpos, quando estes ocorrem prximos de serras e morros isolados. FIGURA 29: Perfil esquemtico dos elementos da paisagem no Pantanal baseado em Magalhes (1992), com destaque para os locais onde podem ocorrer os assentamentos Guat.
estar incorreta em funo do mesmo motivo. A traduo das palavras em Guat foi feita pelos prprios informantes. 108 Em alguns casos, no se pode descartar a possibilidade dos assentamentos modidjcum corresponderem arqueologicamente a aterros, tendo em vista sua localizao na paisagem. Muitas vezes so assentamentos que servem somente para o perodo da seca, pois, dependendo da intensidade da cheia, podem permanecer inundados por meses, o que acarreta a deposio de sedimentos e matria orgnica atravs das guas. Isto significa que para identific-los atravs de um levantamento arqueolgico, talvez seja mais pertinente a utilizao de tradagens sistemticas. Os assentamentos macarap so locais protegidos das inundaes, mas no devem ser confundidos com patamares elevados de morrarias. Os do tipo marrabr, por sua vez, devem ser os mais importantes para as famlias e so ocupados principalmente no perodo da cheia. Na documentao histrica e na literatura etnolgica h vrias informaes que comprovam a existncia de assentamentos sazonais dos Guat. Cabeza de Vaca observou alguns ndios canoeiros nas proximidades do Puerto de los Reyes, e apresenta pela primeira vez informaes a respeito de seus assentamentos: ... y los naturales del ro, cuando el agua llega encima de las barrancas, ellos tienen aparejadas unas canoas muy grandes para este tiempo, y en medio de las canoas echam dos o tres cargas de barro, y hacen un fogn; y hecho, mtese el indio en ella con su mujer e hijo y casa, y vanse con la cresciente del agua donde quieren, y sobre aquel fogn hacen fuego y guisan de comer y se calientan, y ans andan cuatro meses del ao que dura esta cresciente de las guas; y como las aguas andan crescidas, saltan en algunas tierras que quedan descubiertas, y all matan venados y antas y otras salvajinas que van huyendo del agua; y como las aguas hacen repunta (yemas) para volver a su curso, ellos se vuelven cazando y pescando como han ido, y no salen de sus canoas hasta que las barrancas estn descubiertas donde ellos suelen tener sus canoas; y es cosa de ver, cuando las aguas vienen bajando, la gran cantidad de pescado que deja el agua por la tierra en seco; y cuando esto acaesce, que es en fin de marzo y abril, todo este tiempo hiede aquella tierra muy mal, por estar la tierra emponzoada; ... (Cabeza de Vaca, 1984, p. 242). 109 Fica evidente que esses ndios canoeiros possuam, ao menos, dois tipos de assentamentos relacionados sazonalidade do ambiente: 1) nas margens dos rios durante a seca; 2) em outras reas protegidas das inundaes, durante a cheia. Por outro lado, a citao acima sugere tratar-se de um grupo socialmente organizado em famlias, pois ... Esta gente no tena principal, puesto que en la tierra los hay entre todos ellos; mas stos son pescadores, salvajes y salteadores; es gente de frontera, todos los cuales, y otros pueblos que estn a la lengua del agua por do el gobernador pas, no consinti que ningn espaol ni indio guaran saliese en tierra, por que no se revolviesen con ellos, por los dejar en paz y contentos; y les reparti graciosamente muchos rescates, y les avis que venan otros navos de cristianos y de indios guaranes, amigos suyos; que los tuviesen por amigos y que tratasen bien (Cabeza de Vaca, 1984, p. 242-243) (sic). muito provvel que Cabeza de Vaca (1984) esteja se referindo aos Guat, que habitavam as proximidades do Puerto de los Reyes na primeira metade do sculo XVI, como j foi exposto anteriormente. Os relatos sugerem tratar-se dos assentamentos modidjcum e marrabr. Outras informaes etnoistricas, relevantes ao estudo dos assentamentos Guat, somente foram produzidas a partir do sculo XIX. Castelnau (1949), ao passar pelo Canal D. Pedro II, tendo encontrado algumas famlias provavelmente na Ilha nsua, observou o seguinte: Os Guat apresentam exemplo raro de um povo sem nenhum liame nacional e que nunca se concentra em povoados; cada famlia leva vida isolada e constri a sua moradia nos lugares mais inacessveis. No meio de vastos pantanais ou de terras inundadas, avista-se uma pequena clareira em plena mata. Ali, sob o tosco barraco, instala o Guat a sua morada; por mobilirio apenas algumas cabaas e peles de ona, animal que abunda na regio e alvo de encarniada guerra. No conhecem outra diverso afora a caa deste terrvel animal que atacado corpo a corpo, por meio de uma comprida lana, que o ndio nunca abandona. Passam quase toda a vida em suas canoas, onde se refugiam com a famlia inteira 110 quando as enchentes lhes alagam os ranchos, forando-os a passar semanas inteiras sem descer em terra (Castelnau, 1949, p. 321). A descrio de Castelnau (1949) indica a ocupao dos marrabr em reas inundadas durante o perodo da cheia, provavelmente os que so encontrados nos campos limpos. Nota-se tambm que a canoa um elemento fundamental para o modo de vida Guat. Vieira (1852), diretor geral de ndios, relata ao presidente da Provncia, Augusto Leverger, que os Guat constituem uma ... Nao que nenhum esprito apresenta de sociedade, vivendo cada famlia sozinha, em distncia de 5 e mais lguas uma da outra, e da qual nada se pode esperar, negando-se inteiramente o terreno em que habitam (imensos pantanais) a qualquer estabelecimento fixo (Vieira, 1852, p. 17) 12 . As informaes de Vieira (1852), tambm contempladas em Vieira (1853), Ferreira (1993 [1905]) e Oliveira (1862b), chamam a ateno ao fato de que cada famlia procura se estabelecer a uma certa distncia das outras, no apresentando assentamentos fixos para todo o ano. Cndido Rondon (1949, p. 159) manteve contato com os Guat entre 1900 e 1906, durante os trabalhos da Comisso de Linhas Telegrficas do Estado de Mato Grosso. Esteve num aterro parcialmente destrudo pela ao das guas, conhecido como Aterradinho do Bananal, situado margem direita do rio So Loureno, a duzentos metros para dentro, que servia de sede a um retiro da Fazenda Rio Novo. Apesar de sua localizao ser pouco precisa, Rondon explica que o aterro deve ter sido erguido pelos Guat no intuito de se protegerem das cheias. O mais interessante a justificativa de sua hiptese:
12 A poltica da Diretoria Geral de ndios era de reunir os ndios em aldeias, tentativa essa que fracassou com os Guat. 111 Lembramo-nos ento do que havamos visto nos rios S. Loureno e Cuiab, cujos aterros foram feitos pelos paulistas Lemes com o auxlio dos Guat. Estes aterros acham-se desde os tempos coloniais cobertos de bananeiras, que se reproduzem admiravelmente (Rondon, 1949, p. 159). A justificativa acima pertinente, porque est fundamentada em observaes prprias realizadas in loco, e em informaes orais recebidas dos moradores locais, comprovando a influncia antrpica na formao do referido aterro. Mas Rondon (1949) no o nico a apresentar este tipo de informao. Florence (1948), antes mesmo de Rondon, relata que no dia 8 de janeiro de 1827 a expedio Langsdorff atingiu o citado aterro, tambm conhecido simplesmente como Bananal devido grande quantidade de bananeiras plantadas por um descobridor de ouro dos tempos das exploraes dos paulistas (sculo XVIII), chamado Joo Lemos. O objetivo do paulista era atender viajantes e at fundar um estabelecimento de agricultura. Naquele lugar Joo Lemos ... ... construiu uma casa num alto, para fugir das inundaes, teve que aterrar, plantou bananeiras, laranjeiras e mamoeiros; mas depois, por motivos especiais que no souberam contar-nos, abandonou o muito que j estava feito (Florence, 1948, p. 161). As informaes de Rondon (1949) e Florence (1948) so confiveis, e podem servir de ponto de partida para a localizao do aterro mencionado, com o propsito de se realizar pesquisas arqueolgicas. Roquette-Pinto (1975) tambm observou uma famlia Guat num aterro, possivelmente margem do rio So Loureno, quando da sua viagem para o Xingu, em 1912. Roosevelt (1944), ex-presidente dos Estados Unidos, durante a expedio Roosevelt-Rondon, em 1913, notou que havia vrias habitaes Guat s margens do Paraguai, acima do seu ponto de 112 encontro com o So Loureno. Um dos assentamentos observados lhe chamou a ateno: Uma destas habitaes ficava sobre um antigo terrapleno ndio, exatamente como os que formam os nicos montculos ao longo do baixo Mississipi e que tambm so de origem ndia. Os outeiros ndios, construdos em tempos idos, so os mais elevados monches de terreno nos pantanais imensos da regio do alto Paraguai (Roosevelt, 1944, p. 112). O major Frederico Rondon (1938), durante sua expedio regio fronteiria com a Bolvia em 1937, encontrou alguns Guat no Aterrado da Mangueira, situado margem do rio Paraguai, talvez prximo de Descalvado: Cerca de cinqenta metros do rio, ergue-se o aterrado dos Guats. No tem mais de quinze metros, no cume, acima do nvel das guas (estamos ainda na estao da seca). Um sistema de valas (vazante), que canaliza as guas, na enchente, protege o aterrado, impedindo o desmoronamento - rudimentar engenharia em abono inteligncia dos Guats (Rondon, 1938, p. 265). Rondon (1938, p. 259) define os aterrados Guat como um moncho artificial. Onde escasseavam os firmes, no Pantanal, os Guats faziam aterrados, amontoando, no ponto escolhido, a terra que tiravam dos arredores. Somente em Schmidt (1902, 1912, 1914, 1922, 1928, 1942a, 1942b e 1951) h maiores esclarecimentos sobre os assentamentos Guat, em especial sobre os marrabr. Em 1901, Schmidt (1902 e 1942b) verificou que os marrabr so semelhantes a sambaquis, porque apresentam grande quantidade de moluscos aquticos. Posteriormente, em 1910, o autor (Schmidt, 1912 e 1914) encontrou vrios aterros ao longo do curso do rio Caracar, e se refere a eles como lugares de descanso, isto , assentamentos temporrios, s vezes por uma nica noite, utilizados durante o perodo da cheia quando os Guat abandonam os locais onde permanecem 113 estabelecidos na seca. Explica que os aterros so facilmente reconhecveis, pois possuem forma elptica e uma densa vegetao que os destaca no ambiente (Schmidt, 1912, p. 139). Em verdade, muitos aterros Guat possuem forma de capo-de-mato e cordilheira. Isto no implica, vale a pena repetir, na afirmao de que todos os capes-de-mato e cordilheiras que ocorrem na rea ocupada pelos Guat sejam arqueologicamente aterros, ou vice-versa. H aterros nas margens de rios e lagoas que no possuem essa fisionomia, e deve haver capes-de-mato e cordilheiras que no sejam aterros, embora possam ter sido ocupados durante a cheia. Para Schmidt (1914, p. 251), a explicao cientfica da origem dos aterros est no discernimento de trs problemas: 1) se so de origem antrpica, ou se foram construdos pela natureza e depois ocupados pelo homem; 2) se construdos pelo homem como simples auxiliar da natureza - como por exemplo, atravs do acmulo de detritos; 3) se foram edificados pelo homem com um objetivo definido, e qual seria esse objetivo. Uma das possibilidades encontradas por Schmidt (1914), para explicar a presena de conchas de moluscos aquticos nos aterros, se respalda numa observao prpria feita sobre o comportamento de alguns pssaros. O autor encontrou acmulos de conchas em pequenas elevaes que ocorrem nas margens dos rios, e que no submergem na poca das cheias. Nas rvores de grande porte que ocorrem nesses locais, centenas de pssaros permanecem pousados e se alimentando de moluscos aquticos que retiram das reas inundadas das proximidades, e ali depositam suas conchas, contribuindo cada vez mais para a elevao do terreno 13 . Cinco aterros foram localizados pelo etnlogo na regio do rio Caracar. Na tentativa de esclarecer sua origem, escavaes arqueolgicas foram realizadas em dois deles, situados a uns dois
13 Schmidt (1914, p. 252) se refere especificamente aos bigus (Carbo brasilianus). Talvez seja a espcie Phalacrocorax phalacrocorax. Todavia, h outros pssaros, como alguns falconiformes, que tambm se alimentam de 114 quilmetros do leito do rio. Os aterros escavados possuam forma elptica e uma densa vegetao, e o solo estava perturbado por animais, como o tatu (Dasypodidae). FIGURA 30: Aterros Guat da regio do Caracar redesenhado de Schmidt (1914). No primeiro aterro, cujo tamanho era de 140 x 76 m, Schmidt (1914 e 1922) realizou uma pequena escavao de 95 cm de profundidade na rea central e mais elevada. Dois nveis foram claramente identificados. Os primeiros 55 cm corresponderam ao primeiro nvel, constitudo de sedimentos escuros - talvez sedimentos areno-argilosos com material orgnico em decomposio -, onde encontrou material cultural, como cacos de vasilhas cermicas e ossos de animais. O nvel inferior se apresentou formado de sedimentos mais argilosos, de cor mais clara e compactos - possivelmente concreo calcria. Entre os dois nveis foram encontrados fragmentos de vasilhas cermicas. No segundo aterro, de menor tamanho (52 x 45 m), o autor tambm identificou estratigraficamente dois nveis semelhantes aos do aterro anteriormente escavado, tendo o primeiro nvel 45 cm.
moluscos. 115 Schmidt (1914 e 1922) conclui que os aterros foram edificados pela ao humana, pelos antepassados ou parentes mais prximos dos Guat. Foram construdos com a tcnica da retirada de terra frtil de lugares mais baixos do pantanal para ser depositada em partes mais elevadas e, dessa forma, dar vida pobre, infrutfera e velha camada. A fertilidade do solo dos aterros e sua posio favorvel proteo das cheias favoreceu o surgimento de uma densa vegetao, inclusive com grandes rvores, tornando-se refgio e moradia de uma rica fauna. Em Schmidt (1922, p. 119), este modelo hipottico generalizado na tentativa de buscar uma explicao para a ocorrncia de aterros no continente americano. A idia central de que a construo dos aterros est associada necessidade econmica de cultivar, embora seja ressalvado que tambm tenham sido utilizados para habitao e cemitrio. Segue sua formulao terica: Uno de los mtodos ms primitivos para crear artificialmente un suelo frtil consiste en la aplicacin de tierra frtil sobre el suelo destinado para el cultivo, que es de por s estril y, por eso, no cubierto de vegetacin tupida. Para esta clase de agricultura he elegido el nombre de cultivo de mounds (montculos), pues por la aplicacin repetida de tierra frtil se producem pequeos montculos artificiales que son llamados en Amrica del Norte, por lo general, mounds. En la regin pantanosa de la desembocadura del Ro S. Loureno en el Alto Paraguay y especialmente en los stios al lado del pequeo ro Caracar que es un brazo del Ro S. Loureno inferior, tuve oportunidad de encontrar y examinar tales montculos que se llaman ahi aterrados y que hasta hoy da son empleados por los indios Guat para plantaciones y especialmente para el cultivo de la palma acur. En lo que respecta a estos aterrados se trata de lugares en pntanos, por su naturaleza ya elevados que han sido cubiertos de medio metro de matillo humfero extrado de partes bajas y pantanosas. Como el desgaste de la tierra por la plantacin exige la aplicacin repetida de siempre nuevas capas de matillo, estos aterrados bastante extensos no han sido levantados sino poco a poco y eso aclara mejor la distribuicin de la tierra por varias capas. Aun hoy los Guat vivem durante la poca de la obtencin del jugo de las palmas de acur, plantadas en los aterrados y aun hoy ellos entierran ah a sus muertos, lo que explica de por s el aparecer de esqueletos humanos y de residuos de objetos de cultura en estos aterrados (Schmidt, 1951, p. 246). 116 As idias de Schmidt (1951) podem servir como um dos pressupostos para a compreenso dos aterros dos Guat, mas necessitam ser reavaliadas luz de pesquisas arqueolgicas modernas e mais detalhadas. Faz-se necessrio e oportuno abordar a explicao dos prprios Guat sobre a origem dos aterros ou marrabr. Os Guat disseram a Schmidt (1902 e 1942b) que os Matschubehe ou Matsubehe foram os responsveis pela construo dos aterros, e tambm pelas plantaes de banana que neles so encontradas. Mas foram expulsos da regio pelos prprios Guat 14 . No incio de 1991, Lins Neto, Pereira & Gutman (1991) registraram um relato oral do Guat Joo Quirino, falecido a poucos anos, que talvez tenha alguma relao com as informaes de Schmidt (1942b) sobre os Matschubehe: Informou-nos que os aterros onde os Guat se protegiam das guas eram feitos por outros ndios, mais claros e de denominao desconhecida. Esses ndios, segundo o senhor Joo, eram canibais, de hbitos noturnos e moravam em campos altos, no comeo da mata. Cansados de sofrerem baixas os Guat teriam feito guerra ao inimigo (ndios brancos), matando muitos deles a flechadas. Os que sobreviveram fugiram rumo ao Descalvado e nunca mais foram vistos (Lins Neto, Pereira & Gutman, 1991, p. 5). Para Susnik (1978, p. 24), os Matschubehe correspondem aos Orejone do sculo XVI. Entretanto, no h dados histricos que possam comprovar sua hiptese, pois no se encontrou nenhuma referncia sobre esse possvel grupo nos documentos da poca. Nos relatos obtidos dos informantes Guat, de maneira especial de Francolina Rondon ou
14 Em Schmidt (1902) est citado Matschubehe, e em Schmidt (1942b [1905]) est escrito Matsubehe. 117 Sadjuguiacam, observou-se que em alguns mitos so mencionados os Tchub ou Matchub (ma + tchub), que correspondem aos Matschubehe ou Matsubehe citados por Schmidt (1902 e 1942b). Foi possvel constatar que na mitologia Guat os Tchub aparecem como o grupo que lhes ensinou a tcnica de construir aterros, mas que, em contrapartida, tambm aprendeu com os Guat a utilizar a canoa nos pantanais. Dessa maneira, explica Francolina, nem todos os aterros ocupados recentemente pelos Guat foram construdos por eles, uma vez que h alguns que foram construdos e ocupados anteriormente pelos Tchub, que no eram seus inimigos, ao contrrio, foram seus aliados. Quem foram os Tchub uma outra questo difcil de ser esclarecida diante dos dados disponveis; porm, o estudo estratigrfico dos aterros Guat pode auxiliar na questo. O fato que os Guat explicam os aterros como resultado da ao antrpica, de um trabalho coletivo sob a coordenao do chefe (ou madj?). Toda vez que um jovem Guat se casava e no dispunha de um aterro para morar, o chefe se encarregava de organizar as pessoas e coordenar os trabalhos para a construo de um novo marrabr. Em tempos recentes havia aterros suficientes para todos, por causa da diminuio da populao. Os aterros eram construdos durante o perodo da seca, atravs do transporte, em cestos- cargueiros, de sedimentos, conchas de gastrpodes aquticos e de bivalves, de pontos mais baixos para locais naturalmente elevados - que podem ser elevaes de origem aluvial. As conchas so importantes porque, alm de dar maior volume, firmam a terra contra a ao das guas, e poderiam ser encontradas nas proximidades do local escolhido para a construo do aterro, e geralmente pertenciam a indivduos que j estavam mortos por motivos naturais. Os Guat explicam que grande parte das conchas encontradas nos extratos dos seus aterros constituem material de construo ou foram ali depositados pela ao de animais. 118 Para melhor proteo contra a ao das guas, caso necessrio, plantavam nas bordas dos aterros acuris ou mudj (Scheelea phalerata), espcie de palmcea que ocorre na regio, de grande valor para a subsistncia dos Guat. No decorrer da ocupao dos aterros, normalmente durante a cheia, ali so depositados os seus lixos, como cacos de vasilhas cermicas que quebraram e ossos de diversos animais que serviram como alimento. Tambm poderiam servir de locais para sepultar os mortos. Cada aterro ocupado pertence a uma determinada famlia e conhecido pelo nome de seu patriarca: aterro do capito Fernandes, aterro do Joo Quirino, aterro do Joaquim, etc. Na morte do patriarca o aterro passava a pertencer a seus descendentes. Mais de uma famlia poderia ocupar, eventualmente, um mesmo aterro por um certo tempo, comumente respaldadas pela consanginidade. Por outro lado, caso o aterro no estivesse sendo ocupado durante um determinado perodo, devido mobilidade sazonal das famlias, poderia ser momentaneamente ocupado por outras famlias, s vezes por uma nica noite de descanso no decorrer de uma longa viagem. Dessa forma, se denota a existncia de uma continuidade das ocupaes dos marrabr. Algumas famlias poderiam ser numerosas, pois os Guat so polgamos. Beaurepaire-Rohan (1869, p. 377) conheceu um Guat apelidado de Joo Rebanho que possua doze esposas e um nmero proporcional de filhos, mas, segundo Moure (1862, p. 38), gegrafo e mdico francs, a maioria dos homens no possua mais de duas ou trs mulheres. Como nenhum dos autores conviveu muito tempo com os Guat, a questo do nmero de mulheres para cada homem deve ser refletida, principalmente diante da inexistncia de dados demogrficos mais detalhados. Outro fato interessante, e no menos lgico, que os Guat so categricos ao explicar que, para cada aterro h uma correspondente depresso do terreno nas proximidades, lugar de onde se 119 retirou a terra e que, quando inundada pelas guas da cheia, forma uma baa, ou moreeku (Schmidt, 1942b, p. 220). Sobre esta questo, o sertanejo Lucdio Rondon (1971), que foi fazendeiro no Pantanal de Pocon, faz uma elucidativa observao a respeito da construo dos aterros Guat: Na parte cavada, donde tiraram a terra, ficava uma depresso, onde ainda acumula gua de chuva e renovada, substituda com a alagao. Passava a ser viveiro de traras, rubafos para muitos; freqentado por pssaros, tuiuis, cabeas-scas, tabuiais, garas, patos, colhereiros, marrecos, frangos-d'gua, cares e muitos outros (Rondon, 1971, p. 101- 102). Segundo Rondon (1971), bem prximo de qualquer capo-de-aterro existe uma depresso conhecida regionalmente como corixo. Em outra obra Rondon (1972) ratifica sua idia: Tudo nos leva a acreditar que os corixos existentes no pantanal, principalmente no municpio de Pocon, so escavaes dos brasilndios guats, que alcanamos como reservatrios de gua e viveiros de peixe, resultaram de iniciativas visando ter ali perto do aterro no s os peixes como tambm gua e pssaros - patos, marrecos, tabuiais, jaburus, frangos-d'gua, colhereiros, socs, baguaris e muitos outros como ainda aparecem assim os peixes, principalmente traras, nos corixos que ainda existem (Rondon, 1972, p. 19). Rondon (1971 e 1972) no deixa explcita a fonte de suas informaes, mas sugere ter convivido com alguns Guat que devem ter trabalhado em sua fazenda, no Pantanal de Pocon. Suas consideraes so relevantes, mas devem ser ponderadas quanto s generalizaes sobre os corixos. Contudo, apesar de ser um sertanejo, como o prprio autor se intitula, suas formulaes seguem uma certa lgica e atestam uma forma de manejo do ambiente. Com base nas formulaes de Posey (1987b) sobre o manejo da floresta secundria, capoeiras, 120 campos e cerrados pelos Kayap, pensa-se que, no caso dos Guat, medida em que as depresses originrias da retirada de terra para a construo de aterros se transformam em baas, conseqentemente passariam a funcionar como fontes de recursos ictiofaunsticos e como reas de atrao de caa, principalmente durante a cheia. Este , sem sombra de dvida, um interessante problema a ser investigado do ponto de vista etnoarqueolgico. Em suma, os trs tipos de assentamentos Guat - marrabr, modidjcum e macarap - refletem uma adaptao sazonal relacionada ocupao de reas inundveis que, por sua vez, implica, entre outros fatores, na maior explorao de determinados recursos naturais durante perodos distintos, seca e cheia. Podem, em nvel de hiptese, ser indicadores de reas de circulao das famlias, principalmente durante a cheia, e tambm indicadores de ecozonas, definidas por Posey (1987a, p. 17) como categorias cognitivas (micas) que podem ou no coincidir com as tipologias cientficas. Quanto origem dos marrabr, a explicao mais pertinente, por tudo quanto foi exposto, a de que eles realmente foram formados por um conjunto de fatores de ordem natural e antrpica, como bem explicam os prprios Guat. Atestam uma forma de manejo do ambiente relacionado subsistncia, ao assentamento e demografia do grupo. So ocupados, principalmente, durante a cheia, mas at o presente momento no possvel definir o grau de influncia natural e antrpica na sua constituio. Permanece um problema a ser resolvido numa perspectiva interdisciplinar, que envolva diversas reas do conhecimento humano, como a arqueologia, geologia e geomorfologia. Os aterros quando no ocupados pelo homem, podem servir de refgio a diversas espcies de animais. Certamente muitas espcies podem morrer ali mesmo, por motivos naturais. O fato que nos aterros podem ser encontrados arqueologicamente restos faunsticos que no fizeram parte da dieta alimentar humana, necessitando de uma anlise laboratorial detalhada para identificar com 121 maior preciso o que corresponde a restos de alimentao e aquilo que possa ser natural. Talvez at pudessem funcionar como ilhas de recursos naturais, isto , reas onde poderiam estar concentradas determinadas espcies florsticas e faunsticas teis subsistncia, como define Posey (1987b, p. 177). Esta questo est orientada pela seguinte lgica: considerando que os Guat realmente se estabeleceram em aterros, ento muito provvel que tambm tenham manejado determinadas espcies florsticas nesses locais, buscando minimizar o tempo gasto para obt-las em outras reas. Poderiam servir como um atrativo para algumas espcies faunsticas a serem caadas. Assim, identificar essas espcies florsticas, e por ventura as faunsticas, uma questo fundamental. Os assentamentos modidjcum esto relacionados com a vegetao da mata ciliar. Normalmente so ocupados na seca, podendo ficar parcial ou totalmente inundados durante a cheia e, como j foi dito anteriormente, em alguns casos podem corresponder arqueologicamente a aterros. Por ltimo, no caso especfico dos assentamentos macarap, deve-se ressalvar que, apesar de serem os mais protegidos das inundaes, e talvez os mais aptos para o cultivo, normalmente so ocupados sazonalmente, na seca. Isto porque durante o perodo da cheia, quando os campos so inundados, aumenta a mobilidade dos Guat, tornando possvel a maior explorao de outras reas ecologicamente mais aptas para a subsistncia. nesse perodo que tambm ocorre a confraternizao com outras famlias que habitam locais mais distantes, revitalizando assim os laos que mantm a unio e a identidade social do grupo tnico. 2.3.2 Estruturas de habitao Ao contrrio de outros grupos, o Guat no possui casa-aldeia, mas habitaes que podem ser classificadas como abrigos provisrios e casas permanentes, que servem basicamente para abrigar as famlias diante de fatores climticos, como a chuva. 122 Os abrigos provisrios e as casas permanentes podem ter um mesmo padro de estruturas, que pode ser interpretado como o da casa tradicional Guat, chamada "movr" (Schmidt, 1942b, p. 221). As habitaes foram descritas, geralmente de maneira simplificada, por vrios viajantes e cronistas, a partir da primeira metade do sculo XIX. Em sua maioria, apresentam semelhantes consideraes, tais como: cabanas mal construdas (Macerata, 1843, p. 4); tosco barraco (Castelnau, 1949, p. 321); pequenos ranchos de ramagens, que fazem a pressa quando os ameaa a chuva (Beurepaire-Rohan, 1869, p. 377-378); pequenos ranchos em que dormem abrigados do tempo (Leverger, 1862a, p. 216); pequenos e baixos ranchos construdos de galhos, paus e folhas de palmeiras, que so apenas suficientes para abrig-los do sol e da chuva (Ferreira, 1993 [1905], p. 84); pequenas cabanas com ramos de rvores e folhas de palmeiras, somente para protegerem-se do sol e da chuva (Moure, 1862, p. 38); habitaes muito rudimentares, um simples pra-vento com teto de folhas de palmeiras sobre quatro esteios (Monoyer, 1905, p. 156-157). Outros autores, como Figuiredo (1939, p. 207), militar que estudou a fronteira do Brasil com a Bolvia entre 1928 e 1929, chegam mesmo a afirmar, com base em suas prprias observaes, que os Guat no possuam casas, pois moravam basicamente em suas canoas, que construam e navegavam como mestres. Florence (1948) , sem dvida alguma, uma excelente fonte de dados iconogrficos. Nele se pode encontrar uma figura que exemplifica um tpico abrigo provisrio construdo pelos Guat, talvez num aterro, situado no rio So Loureno junto sua confluncia com o Paraguai. 123 FIGURA 31: Abrigo provisrio Guat desenhado por Hrcules Florence (Fonte: Florence, 1948). O abrigo provisrio apresenta uma construo de estruturas improvisadas, basicamente com equipamentos de uso domstico e de subsistncia. menos elaborado que a casa tradicional e possui pequenas dimenses. Serve para uma famlia passar a noite ou descansar por alguns poucos dias. Constitui-se de dois esteios centrais fincados na terra e que sustentam um frechal improvisado por uma zinga. O frechal fixado por uma amarrao de enlace que deve ter sido feita com cip. Dez flechas funcionam como caibros para sustentar um revestimento improvisado com dois tipos de esteiras de dormir que servem de cobertura: uma de junco (Typha dominguensis) e outra de palma de acuri (Scheelea phalerata). Percebem-se ainda na figura outros artefatos: um arco, um abanador de mosquitos feito de algodo, outras duas esteiras, cabaas e uma provvel vasilha cermica para 124 armazenar lquidos 15 . Rondon (1938, p. 259) descreve um outro tipo de abrigo provisrio semelhante: habitaes rudimentares - quatro estacas, sustentando um teto de couro de anta ou veado ou ainda de palha de acuri, sem paredes. Quando os Guat mudam de lugar, este tipo de abrigo desfeito, sendo menos provvel encontrar evidncias de suas estruturas nos stios arqueolgicos. No entanto, os relatos apresentados anteriormente, como Beaurepaire-Rohan (1869), Ferreira (1993 [1905]) e Monoyer (1905), indicam que os abrigos provisrios tambm poderiam ser construdos com outros materiais, como varas e palmas de acuri (Scheelea phalerata). Podem ter, inclusive, o mesmo padro das casas tradicionais, tambm utilizadas como casas permanentes. A diferena bsica est na qualidade da madeira, uma vez que o abrigo provisrio est relacionado a uma ocupao momentnea, principalmente durante a cheia, de determinado assentamento, que pode ser um marrabr. Florence (1948, p. 157) apresenta uma outra figura, muito provavelmente de uma casa tradicional permanente, habitao utilizada por maior tempo, que pode servir como moradia, tanto no perodo da seca quanto na cheia, e na maioria das vezes por uma nica famlia. Acredita-se que seja mais utilizada na seca, quando as famlias permanecem fixas por meses num nico assentamento. Em Monteiro & Kaz (1988, p. 63), essa figura est mais ntida que em Florence (1948) e pode ser melhor analisada.
15 Os termos utilizados para a descrio das habitaes Guat esto conceituados no Glossrio da habitao de Malhano (1987). 125 | FIGURA 32: Casa tradicional Guat pintada em aquarela negra por Hrcules Florence em dezembro de 1826 (Fonte: Monteiro & Kaz, 1988). 126 A casa desenhada por Florence (1948) est caracterizada, em termos morfolgicos, por uma planta baixa retangular e fachada frontal. Os esteios so enterrados no cho. Dois esteios centrais em forquilha apoiam uma cumeeira e quatro esteios perifricos, tambm em forquilha, sustentam os frechais. H dois esteios perifricos para cada lado dos esteios centrais. A amarrao da cumeeira e dos frechais do tipo encaixe ou apoio sobre forquilha. Sobre a cumeeira e frechais so colocados caibros e sobre estes ripas, talvez amarradas com enlaces de cip. Fixada nos caibros h, inclusive, ripas que sustentam vrias varas que formam uma estrutura prxima parte mais elevada da casa, e que serve de estante para guardar materiais diversos. O revestimento da cobertura de palmas de acuri (Scheelea phalerata) e chega prximo ao solo. O teto do tipo duas-guas. No interior da casa nota-se um jirau, que uma pequena estrutura composta de quatro varas em forquilha, fincadas no cho, que apoiam outras varas sob forma de estrado, e que est servindo para pendurar um cesto e apoiar algumas flechas. Observa-se ainda no interior da casa um fogo, vasilhas cermicas, esteiras e cestos. Em frente da casa h um arco e um remo. Outra questo possvel de se observar nesta gravura que, provavelmente, ela esteja prxima ao rio, pois perceptvel a proa de uma canoa. Seria um assentamento do tipo modidjcum ou marrabr? Koslowsky (1895) descreve uma casa tradicional Guat, de estruturas semelhantes desenhada por Florence: La enramada, situada entre rboles unos veinte pasos del rio, estaba sostenida por dos orquetas en las que descansaba una viga que soportaba las perchas cubiertas densamente con hojas de palmeiras, alcanzando el techo, ambos lados, hasta el suelo. El interior slo contena unas vasijas de barro para sazonar alimentos, y dos cueros de ciervos extendidos en el suelo, sirvindo de cama. Junto un poste descansaba un arco y largas flechas; detrs de una puerta haba un entretejido de hojas de palmera en forma de bolsa canasta comprimida (Koslowsky, 1895, p. 3). 127 Schmidt (1942b) apresenta a descrio de uma casa tradicional Guat, que melhor elucida as descries de Florence (1948) e Koslowsky (1895): O esquema da casa tpica (...) um quadrado, cujos lados medem 4 ms. Na parte central desse esquema ergue-se uma vara de 3,10 ms. de altura. As partes superiores das duas varas so ligadas a uma outra em sentido horizontal que apoia os dois lados do telhado, que se estendem at o solo. Estes constam de uma armao de varas, que se acha necessariamente coberta pelas grandes folhas de acuri. Por toda a parte a chuva penetra por esse abrigo mal feito e aberto na cumeeira (Schmidt, 1942b, p. 140). O autor prossegue com sua descrio: A nota tpica das habitaes guats observa-se no cavalete, sob a cumeeira, que serve para armazenar diversos utenslios principalmente a reserva de flechas. Evidentemente essa singularidade das choas guats se relaciona com a singularidade da natureza em que vivem. Como nessas paragens pantanosas as habitaes certamente se acham sujeitas s inundaes, o engenho humano arranjou um recurso contra essa desvantagem, que aqu provoca interessante desenvolvimento das habitaes lacustres, sobretudo diante de outras regies da terra. Os objetos domsticos, que no encontram lugar no mencionado cavalete, so metidos no sap dos lados do telhado ou se dependuram sobre uma acuri ali prximo, cujas folhas voltadas para baixo se oferecem para isso (...). Vem-se, freqentemente, tais palmeiras carregadas de colheres de sopa, fuso de fiar, brinquedos e outras coisas (Schmidt, 1942b, p. 140-141). Segundo o referido autor a casa tradicional Guat reflete o fato de possurem poucos bens, que podem ser transportados na canoa, alm de uma grande mobilidade fluvial. No encontrou mais de duas casas juntas, e observou que geralmente esto localizadas prximas d'gua, escondidas no meio da vegetao, quase sempre junto a uma grande figueira (Ficus spp.) que se destaca das demais rvores. Muitas vezes so pequenas para abrigar toda a famlia, sendo comum dormirem fora da casa, no cho, sobre uma esteira, desde que no haja chuva. Quando servem como abrigos provisrios so abandonadas no final da cheia, quando as famlias retornam para seus assentamentos 128 mais fixos. Neste caso, o abrigo pode ser ocupado por outras famlias num outro momento, que pode ser numa prxima cheia. Schmidt (1914, p. 273) melhor detalha a tcnica da construo da tradicional casa Guat. A planta baixa retangular e a fachada frontal, tal qual a gravura de Florence. Primeiramente so fincados no solo dois esteios centrais em forquilha numa distncia de 1,93 m que, aps fincados, ficam com uma altura de 1,25 m. Em seguida colocada a cumeeira sobre os esteios centrais. Em cada parte lateral da casa so amarrados trs caibros na cumeeira, com enlaces de cips. Os caibros tambm so fincados no solo, em posio diagonal, compreendendo uma abertura de 2,15 m. Em cada lateral, e sobre os caibros, so amarradas trs ripas com enlaces de cips. Na parte mais elevada da casa, os caibros enlaados com cips formam uma espcie de forquilha, um pouco acima dos esteios centrais, onde colocada uma segunda cumeeira que suporta o revestimento da cobertura feito de palmas de acuri (Scheelea phalerata) que seguem contguas at o solo. FIGURA 33: Desenho esquemtico da casa tradicional Guat (Fonte: Schmidt, 1914). 129 As estruturas de habitao descritas por Schmidt (1914) se apresentam, de uma maneira geral, semelhantes s representadas na pintura de Florence. As variaes principais so as seguintes: a planta baixa pode ser quadrada ou retangular; ausncia ou no de esteios perifricos, frechais e pequenas estruturas no interior da casa que funcionam como estante e jirau. So pequenas variaes dentro de um mesmo padro de construo de casas permanentes. A durao da casa tradicional Guat varia conforme o tipo de madeira utilizada, podendo durar vrios anos. So construdas com madeiras encontradas no prprio local do assentamento ou nas proximidades. As casas permanentes duram mais tempo e so construdas com madeiras de melhor qualidade, ou seja, aquelas mais resistentes ao do tempo, como a de aroeira (Astronium urundeuva), sendo necessrio substituir com mais freqncia a cobertura feita de palmas de acuri (Scheelea phalerata) e os enlaces feitos com vrios tipos de cips, como o imb (Philodendron bipinnatifidum). As casas tradicionais que funcionam como abrigos provisrios, podem ser construdas com madeira de qualidade inferior. O nmero de casas num dado local de assentamento est relacionado com o tamanho da famlia, e as evidncias de suas estruturas podem ser detectadas em escavaes arqueolgicas. Em decorrncia do contato com a sociedade nacional os Guat tambm passaram a construir casas com outros tipos de estruturas, como a de pau-a-pique. 2.3.3 Estruturas de combusto As informaes disponveis sobre as estruturas de combusto utilizadas pelos Guat, se restringem aos trabalhos de Schmidt (1912 e 1914) e aos relatos orais recolhidos. 130 O fogo uma das principais estruturas de combusto, e geralmente feito fora das habitaes, sem pedras delimitadoras, e pode ser entendido a partir da descrio de Schmidt (1912): Enquanto que em outras estirpes dos ndios sul-americanos, normalmente, depois de desbravado o mato, ele era queimado, a lareira tpica dos Guat era composta de dois ou trs troncos de rvores mais ou menos grossas os quais, radiando em brasas, as suas pontas eram encostadas uma nas outras. Eles conseguiram essas rvores da seguinte forma: numa rvore seca eles ateavam fogo na parte inferior, sendo assim, no era necessrio o uso do machado para derrub-las (Schmidt, 1912, p. 144). As fogueiras so feitas dessa maneira, para que as achas de lenha dispostas radialmente possam servir de apoio vasilha cermica que colocada no centro do fogo para o preparo de alimentos (Schmidt, 1914, p. 276). A fim de manter o fogo aceso costumam colocar, depois, achas menores (Schmidt, 1942b, p. 166). Na figura da casa tradicional Guat, produzida por Florence, nota-se um fogo no interior da habitao, prximo ao esteio central, que se enquadra na descrio de Schmidt (1912, 1914 e 1942b). A tcnica de moquear tambm poderia servir-se dessas estruturas. A queima das vasilhas cermicas era feita geralmente pela colocao de madeira seca sobre os recipientes que eram empilhados, ou, muito raramente, em buracos para melhor proteger as vasilhas dos ventos. Qualquer madeira, desde que seca, poderia servir para os foges, e nos locais dos assentamentos h grande quantidade de madeira disponvel para isso. Fogueiras tambm eram feitas por baixo das canoas que eram sustentadas em estruturas de madeira, nos prprios assentamentos, e que serviam para retirar gua acumulada nos poros da madeira, atravs do seu aquecimento e evaporao. 131 Em escavaes meticulosas, possvel detectar todas as estruturas de combusto aqui descritas. 2.3.4 Estruturas funerrias Os Guat geralmente sepultavam seus mortos em locais especficos e protegidos das cheias, mas no muito prximos dos assentamentos mais fixos, os utilizados na seca. Os mortos eram enterrados em valas, em posio de decbito dorsal, estendidos sobre uma esteira. No Aterradinho do Bananal, Koslowsky (1895) encontrou o local onde foi sepultado o pai do Guat Joaquim Antnio. Havia uma cruz como marco e smbolo cristo. Quando morria um Guat, havia apenas o seu enterramento e o lamentar de sua perda. O luto era restrito s mulheres, que deixavam o cabelo muito curto quando perdiam o marido. Quando morria um filho, a me cortava seu cabelo pela metade do comprimento. No mesmo aterro, Cndido Rondon (1949) encontrou vrios ossos humanos numa parte que desbarrancou com a grande cheia de 1905. Segundo o autor um crnio parecia ter pertencido a um indivduo idoso. Em um aterro localizado no rio Caracar, Schmidt (1914) observou um sepultamento Guat: No meio da plantao das palmeiras encontrei um recente tmulo Guat (...) que estava demarcado por dois pedaos de madeira, de mais ou menos 0,50 m cada, fincados no cho. As duas estacas, que tinham uma distncia de 2 m uma da outra significavam, segundo o meu guia Guat Joo, uma o lado da cabea e a outra o lado dos ps. Ele ainda falou que eles enterravam o defunto com a cabea para oeste e os ps para o leste o que realmente indicavam as estacas. Segundo as palavras do Guat, os defuntos so enterrados rente superfcie (Schmidt, 1914, p. 256). 132 No menor aterro dos dois escavados na regio por Schmidt (1914), cujas medidas foram apresentadas anteriormente, foi encontrado um sepultamento na camada superior do stio. Na superfcie do aterro havia grande quantidade de cermica, conchas de gastrpodes aquticos, conchas de bivalves e ossos de animais. Na camada inferior no havia nenhum sepultamento. Schmidt (1914) constatou que diretamente sobre o crnio havia uma camada de cacos de vasilhas cermicas, e deduz que, provavelmente, deveriam ter sido depositadas vasilhas inteiras no momento do sepultamento do morto que, posteriormente, devido ao de animais e razes, foram fragmentadas. Outros sepultamentos tambm foram encontrados, a maioria perturbados por razes e buracos de tatu (Dasypodidae), indicando tratar-se de um cemitrio. Em dois sepultamentos havia uma lmina-de-machado polida e com garganta. A partir da totalidade dos sepultamentos encontrados, Schmidt (1914, p. 260) pode inferir que os sepultamentos se assemelham ao padro Guat: ... mais ou menos meio metro abaixo da superfcie, deitado, estendido e com a cabea para o Oeste. Frederico Rondon (1938) tambm encontrou um antigo sepultamento Guat no Aterrado da Mangueira onde havia fragmentos de vasilhame cermico. Um outro mais recente estava marcado por uma cruz de madeira e resduos de velas. Na parte norte da Ilha nsua, Cardoso (1985) observou cemitrios com cermica morturia, e afirma ser Guat. Trata-se de uma associao direta e equivocada, pois o fato de haver urnas funerrias em reas atualmente ocupadas pelos Guat, no significa que pertenam a sua cultura. Outrossim, porque a cermica Guat, conhecida historicamente, atesta uma funcionalidade essencialmente domstica, caracterstica desse grupo canoeiro, como ser explicado mais adiante. 133 2.3.5 Outras estruturas correlatas Alm das estruturas j descritas, a literatura no indica outras provveis que por ventura existissem. Schmidt (1942b) apenas informa que a palmeira acuri (Scheelea phalerata) tambm servia como suporte para tudo quanto objeto. No entanto, os relatos orais atestam a utilizao de estruturas para moquear carne, semelhantes s de um jirau, que consiste numa grelha apoiada em quatro varas com forquilha fincadas no solo, do lado externo da casa. Estruturas de madeira tambm eram utilizadas para sustentar a canoa em posio elevada, para eventuais trabalhos de manuteno. 134 2.4 SUBSISTNCIA Realmente, o estrangeiro tem a impresso de se encontrar numa paragem lendria. Primeiro pensa-se que se est numa completa priso, num pedacinho de terra fechado pelo rio e pelas ngremes montanhas onde a natureza generosa prov tudo de uma variedade fabulosa. Para o botnico e o zologo isto aqui (a serra do Amolar) seria realmente um eldorado. Em parte alguma vi tanta variedade de animais e plantas, em parte alguma me arrependi tanto de no ser um pouco naturalista para poder regalar-me como o que via (Schmidt, 1942b, p. 105). As atividades relacionadas subsistncia Guat esto pouco registradas na documentao histrica e na literatura etnolgica. Muitos dos dados que sero apresentados provm de relatos orais que, neste caso, servem basicamente para estabelecer uma pequena aproximao da realidade. Apesar das limitaes, uma questo est nitidamente evidente: a subsistncia de cada famlia depende exclusivamente da sua prpria capacidade autnoma de obter os recursos necessrios para a sua sobrevivncia. Esta uma caracterstica cultural importante para o grupo, e que tambm implica em uma maior explorao dos recursos naturais disponveis na sua rea de ocupao. Por outro lado, a totalidade das informaes escritas contidas nas fontes etnolgicas e etnoistricas no indicam uma escassez de alimentos na subsistncia do grupo, ao contrrio, sempre chamam a ateno para a abundncia de recursos naturais facilmente explorados pela pesca, caa e coleta. A identificao provisria das espcies faunsticas e florsticas foi feita, principalmente, com base em Berg (1986), Brown Jr. (1986), Caravello (1986), Conceio & Paula (1986), Ferreira (1986), Loureiro, Lima & Fonzar (1982), Macrozoneamento geoambiental do Estado de Mato Grosso do Sul (1989) e Magalhes (1992). 135 2.4.1 Pesca A pesca talvez seja a principal atividade de subsistncia dos Guat, e sempre mereceu destaque na documentao escrita, como se comprova em Beaurepaire-Rohan (1869), Ferreira (1993 [1905]), Moure (1862) e Monoyer (1905). Susnik (1978, p. 18-22), por exemplo, se refere aos Guat como canoeiros-pescadores. Trata-se de uma atividade realizada com muita freqncia durante todo o ano, principalmente na cheia, perodo em que os Guat abandonam suas habitaes permanentes e sua subsistncia passa a depender basicamente dos recursos ictiofaunsticos. Quase toda a famlia, excetuando os filhos menores, participa dessa atividade, realizada basicamente de canoa e com arco e flecha. Durante o perodo do contato com os colonizadores, os Guat passaram a utilizar anzis de metal, mas normalmente com linha de fibra de tucum (Bactris glaucescens), o que sugere, em nvel de hiptese, um provvel conhecimento e utilizao de outros tipos de anzis em tempos mais remotos, como o feito de osso. A pesca com anzol pode ser feita linha ou com canio e, neste caso, a isca utilizada varia conforme a espcie de peixe, podendo ser desde pequenos peixes e crustceos a alguns frutos, como o prprio tucum. Outra possibilidade o uso de redes e peneiras ou assemelhados para a captura eventual de espcies de pequeno porte. Utilizam tambm um porrete para bater na cabea do peixe que flechado ou fisgado com anzol. Na cheia a pesca se torna mais fcil e rendosa, porque nos campos inundados e nas baas ocorrem com maior freqncia algumas espcies de peixes, como o pacu (Piaractus mesopotamicus), normalmente encontrado em locais onde existem espcies florsticas em frutificao, como tucum e carand (Copernicia alba). So locais que funcionam como verdadeiras cevas para certas espcies. Nos campos inundados, a mobilidade com a canoa grande, assim como tambm a visibilidade 136 dos peixes na gua. Normalmente a mulher permanece sentada, remando na popa da canoa, e o homem em p, na proa, com arco e flecha, observando os peixes que sero flechados. Os Guat sempre fazem questo de afirmar que todas as espcies de peixes ocorrem durante todo o ano, na seca ou na cheia, bastando saber onde as encontrar. Evidentemente que algumas espcies so mais freqentes na seca e outras durante a cheia. A escolha das espcies utilizadas na alimentao se d em funo do sabor de sua carne e da sua aparncia. Exploram a maioria das espcies mais conhecidas no Pantanal Matogrossense, conforme a seguinte relao: NOME COMUM NOME EM GUAT NOME CIENTFICO bagre-mandim mir Pimelodus sp. barbado maradaturum Pinirampus pinirampu? cachara mapote Pseudoplatystoma fasciatum cascudo mat Loricariidae curimbat miv Prochilodus lineatus dourado macudja Salminus maxillosus jerupoca mocodjevanti Hemisorubim platyrhynchos muum muf Synbranchus marmoratus pacu moguaqu Piaractus mesopotamicus pacupeva mof Characidae, Myleinae piava maduv Characidae piavuu marradimoti Leporinus macrocephalus pirambeva motidequ Serrasalmus spp. piranha mot Pygocentrus nattereri piraputanga matab Brycon microlepis sardinha moguap Pellona flavipinnis ou Triportheus angulatus? surubi piriacumbucu Pseudoplatystoma corruscans trara guapichi Hoplias malabaricus Uma das espcies mais exploradas e apreciadas o pacu (Piaractus mesopotamicus), espcie rica em gordura e comumente pescada com arco e flecha. 137 Algumas espcies de peixes aparentemente no so utilizadas na alimentao, tais como: arraia ou macu (Potamotrygon spp.), cascudinho ou mat (Loricariidae), ja ou madicu/motodeatch (Paulicea luetkeni) e piquira ou modidjevoti (Characidae). Os Guat justificam a no explorao dessas espcies devido sua aparncia pouco atrativa para o uso alimentar ou, no caso da piquira, por ter um tamanho muito pequeno. interessante que, em relao ao ja, os Guat identificam dois tipos, madicu e motodeatch, conforme sua colorao, embora provavelmente correspondam a uma nica espcie. Os peixes geralmente so cozidos em vasilhas cermicas, acompanhados de algum vegetal e, pouco freqentemente, assados. Schmidt (1942b, p. 123) menciona que o prato indgena nacional dos Guat o ensopado gorduroso de peixe com banana verde (Musa spp.). Aparentemente no possuam sal, que somente ficou conhecido a partir do contato com os colonizadores. Na maioria das vezes, a refeio preparada pelos homens que permanecem em p, ao redor da panela, servindo-se com uma grande colher de madeira, utilizada para mexer os alimentos e que tambm serve de prato. Durante as refeies as mulheres sentam-se ao redor de uma outra panela ou de um tipo de tigela, onde o preparador da comida despeja o alimento, e elas no comem com as colheres, mas com conchas de bivalves chamadas magu(a) (Schmidt, 1942b, p. 166). A distribuio igualitria e os ossos dos peixes so jogados no mesmo local onde fazem a refeio. 138 2.4.2 Caa No Pantanal, ocorrem vrias espcies de mamferos, rpteis e aves, exploradas pelos Guat, destacadamente aquelas que habitam reas inundadas e cuja populao mais expressiva do que as demais, como o jacar-do-pantanal (Cayman crocodilus yacare) e a capivara (Hydrochaeris hydrochaeris). Em Schmidt (1942b) h um pargrafo que melhor elucida esta questo: circunstncia decisiva para as relaes econmicas dos guats a riqueza da flora e da fauna que os cercam, fornecendo-lhes tudo de que precisam para se manterem sem que despendam maiores esforos para isso. Os densos bosques esto cheios de caa, em que predomina o veado dos pntanos, a capivara e diversas espcies de macacos prprios para comer, assim como diversas aves. Freqentemente aparece um sinimbu, que aquele grande lagarto, cujos ovos se apreciam muito, uma boa, ou ainda uma tartaruga. Mas o elemento principal, a gua, oferece ao ndio guat rica fonte de alimentos: os crocodilos, cujas caudas so extraordinariamente apreciadas, encontram-se em superabundncia, ao passo que os lagos e braos de rio esto cheios de peixes, entre os quais predominam a piranha e o pacu (Schmidt, 1942b, p. 162). A atividade da caa envolve um grande conhecimento do habitat, dos hbitos e locais em que se encontram determinadas espcies. Entre os Guat ela realizada com arco e flecha, armadilhas, bodoque e zagaia. Assim como nas pescarias, as mulheres tambm podem acompanhar o marido nas caadas que geralmente fazem de canoa. Para a caa de pequenos mamferos e aves, poderiam utilizar armadilhas. Contudo, aparentemente o mais comum a caa com arco e flecha e zagaia, equipamento sempre presente entre os Guat, realizada muitas vezes em locais prximos dos assentamentos. 139 As tcnicas utilizadas para a caa da ona-parda (Felis concolor) e, principalmente, da ona- pintada (Panthera onca), foram documentadas por vrios viajantes, como se comprova em Florence (1948): Valentes agressores da ona, procuram de princpio enfurec-la, fazendo- lhe a flechadas ligeiros ferimentos: quando a fera irritada se atira, o Guat a espera de p quedo e crava-lhe a zagaia, lana curta armada de um osso de jacar ou espigo de ferro, conseguido por troca com os brasileiros (Florence, 1948, p. 146-149). Outros autores, como Ferreira (1993 [1905]), Jardim (1869), Macerata (1843) e Moure (1862), tambm chamam a ateno para a caa das onas. Koslowsky (1895) informa que as onas poderiam ser caadas noite. Cunha (1949), militar que em 1913 acompanhou, durante trs semanas, Theodore Roosevelt em suas caadas na regio, descreve uma outra estratgia semelhante de caar onas: Esses ndios so grandes caadores de onas, e, em tais caadas, adotam o processo que tem tanto de original quanto de ardiloso e arrojado: aproveitando que o pantanal cheio transforme alguns capes de mato em ilhas, o nosso Guat observa em qual destes ter urrado uma ona ciosa de amores ou de combates, e, conforme a poca, de um outro capo julgado prprio, o ardiloso Guat provoca o animal ao combate, ou o atrai aos desejos, imitando o urro que for conveniente; a mulher do ndio acompanha-o na perigosa empresa, e quando a ona, iludida pelo arremedo do ndio, procura a nado ganhar o capo de onde a chamam, o casal de ndios lana-se na canoa ao encontro da fera, e o vasto e deserto pantanal testemunho desse combate em que, o ndio armado de zagaia e a ndia de espingarda ou flecha, nem sempre levam de vencida o nosso valente felino, que tem na gua quase que a mesma assombrosa agilidade com que em terra faz prodgios (Cunha, 1949, p. 63). O autor deixa evidente que as onas poderiam ser caadas nos prprios capes-de-mato e cordilheiras, que muitas vezes podem ser aterros, onde tambm se estabelecem os Guat durante a cheia. So lugares que servem de refgio para diversas espcies nesse perodo, e que ali podem ser 140 caadas. A caa de onas, especialmente da espcie Panthera onca, possui um grande valor simblico, talvez maior do que propriamente como fonte de alimentao. Para os homens, quanto mais onas caadas maior o seu status de caador. Faz parte tambm de uma espcie de rito de passagem dos jovens adolescentes para a etapa adulta, pois cada ona caada poderia dar o direito a uma esposa. Em Castelnau (1949, p. 330), por exemplo, h uma referncia de um jovem Guat de dezessete anos que lhe disse no haver ainda se casado, porque faltava-lhe matar onas. A este respeito vale citar um relato de Rondon (1949): Vimos em redor de uma palmeira Uacur (acuri) um nmero considervel de caveiras de onas, provavelmente morto pelos ndios, pois, segundo o costume da Tribo Guat, que a que mais se destaca, entre as outras, como caadora de onas, nenhum caador dever deixar perder a caveira conquistada, para o fim de irem sendo depositadas, na frente do Aldeamento, que fica assim assinalado, tornando-se mais distinto aquele que maior nmero de caveiras apresentar. O trofu destarte constitudo o maior padro de glria que os ndios de cada Aldeia podem apresentar aos seus pares (Rondon, 1949, p. 158). Trata-se de outra informao importante, uma vez que crnios de onas podem ser encontrados em escavaes arqueolgicas, possivelmente associados s estruturas da casa tradicional Guat. Como os Guat so canoeiros, a maioria dos animais de grande porte - como cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus), jacar-do-pantanal e capivara - eram abatidos dentro d'gua, quando permanecem menos velozes do que em terra e mais fceis de serem perseguidos. No caso especfico da capivara e do bigu (Phalacrocorax phalacrocorax), quando esses animais mergulhavam os Guat seguiam as borbulhas da sua respirao e, quando eles subiam superfcie para respirar, eram abatidos com flechadas e/ou zagaiadas. 141 Os pssaros, por exemplo, tambm poderiam ser caados com bodoques, arcos que atiram pelotas de barro. Segundo Koslowsky (1895) pequenas excurses a p tambm eram realizadas com o objetivo de caar alguns animais, como o cervo-do-pantanal. Muitas espcies de animais que ocorrem no Pantanal so exploradas pelos Guat. Segue a relao de algumas espcies utilizadas na alimentao, segundo informaes orais: CLASSE NOME COMUM NOME EM GUAT NOME CIENTFICO Mammalia anta ma Tapirus terrestris Mammalia bugio moq Alouatta caraya Mammalia caititu maguaric Tayassu tajacu Mammalia capivara macu Hidrochaeris hydrochaeris Mammalia cervo-do-pantanal micum Blastocerus dichotomus Mammalia cutia mit Dasyprocta spp. Mammalia jaguatirica maotadjarro Felis pardalis Mammalia ona-parda machaco Felis concolor Mammalia ona-pintada mepago Panthera onca Mammalia ourio marrodjavi Coendou spinosus Mammalia pre mequi Cavea aperea Mammalia quati marradjarr Nasua nasua Mammalia queixada mabodja Tayassu pecari Mammalia tatu-bola ? Tolypeutes matacus Mammalia tatu-canastra mussdjipi Priodontes giganteus Mammalia tatu-galinha mipi Dasypus novemcinctus Mammalia veado-campeiro madjavi Ozotocerus bezoarticus Mammalia veado-mateiro mudidedjavi Mazama americana Reptilia cgado mopaguga Quelonia Reptilia jabuti mopago Testudo tabulata Reptilia jacar-do-pantanal mic Caiman crocodilus yacare Reptilia sinimbu migua Iguana iguana Reptilia sucuri micoari Eunectes spp. Aves aracu micarra Ortalis canicollis Aves bigu mitovea Phalacrocorax phalacrocorax Aves biguatinga ma Anhinga anhinga Aves caro mat Aramus guarauna Aves frango-dgua maguato Gallinula chloropus Aves gara-branca micu Casmerodius albus 142 Aves ja mufadjarr Crypturellus undulatus Aves juriti mab Leptotila verreauxi Aves marreca magemp Dendrocygna spp. Aves pato-do-mato miptchi Cairina moschata Aves pomba-trocaz micu? Columba picazuro Aves rolinha mit Columbina spp. Aves socozinho match Butorides striatus Aves soc-boi micuo Tigrisoma lineatum Aves tucano matogoi Ramphastos toco Aves tuiui marri Jabiru mycteria Schmidt (1902) presenciou ainda o preparo de uma grande jibia (Boa constrictor) caada pelos Guat. Dentre os mamferos, nem todas as espcies so aparentemente apreciadas como alimentos, como por exemplo, a ariranha ou mag (Pteronura brasiliensis), lobo-guar ou maqu (Chrysocyon brachyurus), lobinho ou mugutu (Speothos venaticus), lontra ou mi (Lutra longicaudis), morcego ou muf (Chiroptera) e tatu-cascudo ou marracadu (Euphractus sexcintus). A ariranha (Pteronura brasiliensis) e a lontra (Lutra longicaudis), embora no faam parte da dieta alimentar, so caadas para a obteno da pele. Dos rpteis, as inmeras serpentes que existem no pantanal, da mesma forma que a vbora-do-pantanal ou macarro (Dracaena paraguayensis), tambm no so exploradas. Outras inmeras aves, como o caracar ou macu (Polyborus plancus) e o urubu ou muangu (Cathartidae), so igualmente desprezados. Os motivos apresentados, para justificar o no consumo dessas espcies, so os mesmos apresentados para os peixes. Sobre a utilizao de insetos, como algumas espcies de larvas, no se dispe de nenhuma informao, embora seja uma possibilidade. Outra questo, no mnimo, surpreendente a referncia que os Guat fazem a mais duas 143 espcies de jacars que eles encontram ou encontravam na regio, e que utilizavam na alimentao. Isto porque na literatura examinada constatou-se a referncia, quase que exclusivamente, existncia de uma nica espcie, o jacar-do-pantanal. As duas outras espcies descritas se enquadram nas caractersticas do jacaretinga (Paleosuchus palpebrosus) e do jacar-de-papo-amarelo (Caiman latirostris) que, segundo os prprios Guat, so menos freqentes que a espcie mais conhecida, e se encontram em nichos especficos, alguns prximos a morrarias. A carne dos animais caados cozida com algum vegetal, preparada e servida da mesma maneira que preparam os peixes, algumas vezes com a prpria pele. Segundo Schmidt (1942b) a maneira mais comum consiste em, primeiro, chamuscar os pelos no fogo, depois retirar a pele e as vsceras para, em seguida, cortar a carne em pedaos que so colocados na panela. Os alimentos cozidos sempre ficam gordurosos, e desse jeito que so apreciados. Para maior conservao, eventualmente, a carne pode ser moqueada em grelhas quadrangulares apoiadas em quatro varas com forquilhas fincadas no solo, ou em espetos fincados ao redor da fogo. O excesso da gordura da carne a ser moqueada retirada, para que possa ser conservada por mais tempo e posteriormente ser cozida. Aproveitam ainda a gordura de jacar (Caiman crocodilus yacare) e de capivara (Hydrochaeris hydrochaeris) para a conservao de suas canoas. 2.4.3 Coleta A diversidade biolgica da regio favorece uma coleta diversificada de vrias espcies florsticas, mel de abelhas melferas, ovos de aves e rpteis, e moluscos. Os dados aqui apresentados evidentemente so bastante fragmentrios, pois no foram realizadas pesquisas exaustivas. So teis para uma pequena elucidao e, fundamentalmente, para chamar ateno dos especialistas para a 144 necessidade de se desenvolver estudos etnobiolgicos na regio. As informaes etnoistricas sobre a explorao de algumas espcies florsticas pelos Guat, remontam primeira metade do sculo XVIII. Campos (1862), Ferreira (1993 [1905]) e Florence (1948) relatam sobre o arroz-do-pantanal ou matchamo (Oryza sp.), colhido pelos Guat no perodo da cheia, quando amadurece. Castelnau (1949, p. 328) encontrou essa espcie de arroz nativo na Lagoa Uberaba, sendo identificada como Oryza paraguayensis; Schmidt (1951, p. 244) identifica equivocadamente como Oryza sativa; Mtraux (1963b, p. 410-411) questiona se se trata de Oryza sativa ou Oryza perennis; e Susnik (1978, p. 17) identifica como Oryza subulata. Berg (1986, p. 132), pesquisadora junto ao Museu Paraense Emlio Goeldi, menciona a espcie Oryza subulata. No entanto, segundo informao verbal recebida do botnico Geraldo Alves D. Jnior, professor e pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, na regio do Pantanal Matogrossense ocorre uma nica espcie de arroz nativo, a espcie Oryza latifolia. O arroz-do-pantanal (Oryza latifolia) de grande importncia para a subsistncia, e coletado nos campos inundados e brejos, durante a cheia. Os Guat coletam o arroz em suas prprias canoas, sacudindo as espigas dentro delas que logo ficam cheias dos gros (Florence, 1948, p. 130). Os gros so secados ao sol por alguns dias, podendo ser sobre uma pele de cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus). Depois de secos, so socados num pilo de madeira e depois torrados em vasilhas cermicas. Podem ser conservados por meses e sempre so cozidos em gua para a ingesto. A coleta desta espcie de arroz nativo, como est implcito em Labrador (1910, v. 1, p. 185), jesuta do sculo XVIII, foi motivo de muitos conflitos com outros grupos inimigos e invasores, principalmente com os Payagu. Segundo Schmidt (1902, 1922 e 1942b), os Guat coletavam muitas espcies florsticas prximas das casas, especialmente frutas, mas menciona apenas as seguintes: acuri ou mudj 145 (Scheelea phalerata), forno-d'gua ou miguata (Victoria amazonica), e uma fruta chamada sitob ou mats'i que talvez seja a espcie siput (Salacia elliptica). Uma das principais, seno a principal, espcie vegetal explorada a palmcea acuri (Scheelea phalerata). Sua explorao constitui uma questo polmica, pois para Schmidt (1912 e 1951) essa palmcea plantada nos aterros pelos Guat, formulao esta reproduzida por Mtraux (1963b). Mas em Schmidt (1922, p. 144) feita a ressalva de que no continente americano a separao entre coleta e cultivo muito difcil, e um exemplo tpico so as prprias palmeiras acuri utilizadas pelos Guat que, na verdade, no so cultivadas, mas transplantadas de um local para outro. Entende-se que a palmeira acuri no uma espcie domesticada, isto , sua reproduo no depende exclusivamente da interveno do homem, como ocorre no caso do milho (Zea mays). Em alguns casos, a presena da palmcea nos aterros Guat pode estar realmente relacionada a uma influncia antrpica direta. Os prprios Guat tambm explicam, assim como explicaram a Schmidt, que eles retiravam a acuri, ainda no incio do seu desenvolvimento, de alguns lugares prximos dos aterros e ali a transplantavam. Mas explicam que seu desenvolvimento lento, e somente aps alguns anos se d a frutificao. Em concatenao com as idias desenvolvidas por Posey (1987a e 1987b), pensa-se que a transplantao constitui um verdadeiro manejo do ambiente, uma forma de minimizar esforos para localizar as plantas de que necessitam. A transplantao se d tambm em substituio s palmceas que morreram devido produo de uma bebida que feita da seguinte forma: Cada famlia possua o seu prprio depsito de palmeiras. Uma picada estreita e muito sinuosa nos guiava at l. Prepara-se o acuri de tal maneira que as folhas maiores se dobram para baixo. Na base superior do tronco, escava-se, por meio de uma concha ou pedacinho de ferro, um orifcio, onde de ajunta a seiva. A bebida leitosa e de bom sabor servida no tronco por meio de um canudo. Dizem que pela manh ela ainda mais embriagadora do que noite. Isto se explica pelo fato de, durante a noite, o 146 lquido completar a fermentao. Todo o dia preciso consumir toda a produo, porque do contrario o resto no orifcio apodreceria, prejudicando a rvore. Logo que o buraco esvaziado, noite, procede-se nova escavao, pelo que fica sempre mais fundo. Cheguei a ver buracos de at 30 cm. de fundo. Logo que as chuvas se intensificam, cessa o habito de beber a tchitcha. Naturalmente as palmeiras, roubadas em sua seiva, acabavam morrendo (Schmidt, 1942b, p. 122-123). Alm dessa bebida, que pode ser fermentada ou no, da referida palmcea eram utilizados na alimentao o palmito e a amndoa de seus frutos, rica em leo graxo. Segundo Conceio & Paula (1986) sua frutificao ocorre durante todo o ano, e seus cachos, com cerca de 1 m de comprimento, tm centenas de frutos. A espcie forno-d'gua ou miguata (Victoria amazonica) tambm frutifica na cheia. Seus frutos so torrados e depois socados em pilo de madeira ou esfregados com a mo para retirar a casca. Segundo Schmidt (1902 e 1942b) seus gros so farinhentos e semelhantes ao milho. Os Guat eventualmente tambm coletavam, para consumo imediato, os frutos das espcies florsticas relacionadas no quadro abaixo. Contudo, na regio pantaneira, devido sua diversidade florstica, h vrias outras espcies que poderiam ser aproveitadas, cujo levantamento requer uma pesquisa mais detalhada e especfica. NOME COMUM NOME EM GUAT NOME CIENTFICO gua-pomba map? Melicoccus lepidopetalus bacupari ? Rheedia brasiliensis bocaiva maguedji Acrocomia aculeata caraguat ? Bromelia balansae carand muf Copernicia alba figueira muc Ficus spp. goiabinha migu Myrcia spp. jatob mocu Hymenaea spp. jenipapo mat Genipa americana laranjinha macodj Pouteria glomerata 147 maracuj ? Passiflora spp. tarum mad Vitex cymosa tucum magueto Bactris glaucescens veludinho macariqu Zizyphus oblongifolius Koslowsky (1895) informa sobre a coleta de ovos de jacar-do-pantanal (Caiman crocodilus yacare) que eram acrescentados aos alimentos cozidos; e Schmidt (1942b) menciona ovos de sinimbu (Eunectes notaeus) e indica a coleta de mel de abelhas, o qual chamam de mpagua. A coleta de moluscos uma questo ainda por ser totalmente explicada. Segundo o Guat Pedro Gomes da Silva apenas a espcie marr (Pomacea canaliculata) faz parte, ocasionalmente, da alimentao, pois a que oferece maior quantidade de carne. Os moluscos so assados diretamente no fogo. Para a retirada do molusco de sua concha, necessrio cortar o msculo adutor que o prende na mesma, utilizando um espeto ou a ponta de uma flecha. Depois de assados so cozidos com algum vegetal coletado ou cultivado. As conchas tambm funcionavam como recipientes para beber lquidos. 2.4.4 Cultivo Na documentao histrica, percebe-se que muitos cronistas, como Ferreira (1993 [1905]), so unnimes ao afirmar que os vegetais domesticados tm pouca importncia na subsistncia dos Guat. As primeiras informaes a este respeito provm de Florence: So mui pouco agricultores e no plantam seno algumas razes e milho. Costumam apanhar os frutos de um grande bananal, que foi plantado margem esquerda do So Loureno por um antigo sertanista, e colhem o arroz bravo que cresce nos pantanais circunvizinhos (Florence, 1948, p. 149). Alm do milho (Zea mays), Florence (1948, p. 156) menciona o cultivo de car (Dioscorecea) 148 e mandioca (Manihot spp.). Leverger (1862a) confirma as informaes de Florence (1948) e acrescenta o cultivo de abbora (Cucurbitcea) e banana (Musa spp.). A banana (Musa spp.) deve ter sido introduzida no sculo XVIII pelos bandeirantes, conforme as informaes do prprio Florence (1948). Entretanto, esta uma questo que requer maiores pesquisas. O fato que passou a ter grande importncia entre os vegetais cultivados pelos Guat, sendo consumida ainda verde, geralmente cozida com alguma carne. Koslowsky (1895) visitou uma pequena roa de milho (Zea mays), onde diariamente pela manh os Guat colhiam algumas espigas, que eram assadas. No comeo deste sculo, Monoyer (1905) observou algumas plantaes de mandioca (Manihot spp.) e cana-de-acar (Saccharum officinarum), esta ltima em decorrncia do contato com a sociedade nacional. Nesse mesmo perodo Rondon (1949) diz ter observado vrios vegetais cultivados nos aterros, mas s faz referncia banana (Musa spp.) e ao algodo (Gossypium spp.) que predominavam. De acordo com Mtraux (1963b), algumas manufaturas descritas por Schmidt (1942b), indicam o provvel cultivo de algodo (Gossypium spp.), utilizado na tecelagem. Os relatos orais confirmam ainda o cultivo de fumo (Nicotiana tabacum). O cultivo poderia ser feito no incio do perodo chuvoso, antes das famlias abandonarem temporariamente seus assentamenos mais fixos, com a chegada da cheia. Poderiam abrir as covas onde seriam plantados os vegetais com o auxlio de um pau de cavouco. Pelo pouco que se sabe sobre o cultivo entre os Guat, no possvel afirmar aprioristicamente que seja uma atividade menos importante que a pesca, a caa e a coleta, pois como bem diz Sauer (1987, p. 59): O acervo de plantas cultivadas pelos povos das Amricas um dos aspectos mais importantes, mais difceis e menos conhecidos de sua cultura. 149 2.5 CULTURA MATERIAL O objetivo deste item apresentar uma descrio dos artefatos utilizados nas atividades de subsistncia e de uso domstico, atravs da organizao e sistematizao dos dados contidos na literatura etnolgica. uma tentativa de aproximao da cultura material reproduzida no cotidiano do grupo. Para este propsito, foram indispensveis os estudos realizados por Schmidt (1942b), que compreendem os mais importantes sobre a cultura material Guat. Atravs de relatos orais, tambm foi possvel resgatar alguns elementos da cultura material, especialmente da manufatura cermica. Esta possibilidade de pesquisa se justifica e se faz necessria medida em que se entende a cultura material no somente como a codificao da forma fsica do artefato, mas tambm como uma codificao existente na mente do arteso (Newton, 1987). Outra possibilidade estudar as colees etnogrficas que se encontram em museus, em sua maioria no exterior, e cuja relao consta em Dorta (1992). Faz-se necessrio verificar, por exemplo, quais dos diversos materiais ergolgicos coletados por Max Schmidt ainda existem no Museu Etnolgico de Berlim, na Alemanha, pois, conforme Dorta (1992, p. 506), o referido museu perdeu parte de suas colees etnogrficas durante a Segunda Guerra Mundial. A abordagem de vrios elementos da cultura material foi realizada com base em Ribeiro (1988) e nos artigos publicados na Suma etnolgica brasileira (Ribeiro, 1987a, v. 2). Aqui ficam de fora os artefatos que no se enquadram na categoria de equipamento de subsistncia e de uso domstico e de trabalho; como por exemplo, adornos e instrumentos musicais. 150 2.5.1 Equipamento de Subsistncia O equipamento de subsistncia aqui apresentado, restringe-se aos artefatos utilizados diretamente na obteno de alimentos, e est baseado principalmente no trabalho de Schmidt (1942b). A produo desses artefatos , em geral, uma atividade masculina. 2.5.1.1 Arcos Ribeiro (1988) define arco da seguinte maneira: Arma com a qual se atiram flechas. constituda de uma ripa de madeira, recurvada por desbastamento e pela ao do calor, sendo provida de corda. Entre os grupos indgenas do Brasil, encontram-se unicamente arcos simples (em oposio aos compostos), isto , de um nico segmento curvo de madeira flexvel (Ribeiro, 1988, p. 216). O arco Guat ou magatcha, muito bem descrito por Schmidt (1942b), utilizado nas atividades de caa e pesca, e tambm em guerras. Pode ser classificado, segundo o corte transversal, como arco circular, isto , arco cuja seco reta transversal na altura da empunhadura apresenta forma circular (Ribeiro, 1988, p. 216). feito exclusivamente da madeira da palmeira carand (Copernicia alba), como bem diz o Guat Pedro Gomes da Silva ou Gatu: Ns, os Guat, s de carand. Em regra, o tamanho do arco superior ao de seu dono, geralmente medindo de 2 m a 2,25 m de comprimento e 3,5 cm de largura, conforme as informaes de Figuiredo (1939), Leverger (1862a), Koslowsky (1895) e Schmidt (1942b). Koslowsky (1895) em 1894 observou um jovem Guat fabricar um arco em poucas horas, com 151 o auxlio de um faco para o desbastamento da madeira at seu acabamento final. Em tempos mais remotos deveria ser confeccionado com outros materiais, inclusive, lticos. Aps o acabamento da madeira o arco lubrificado com resina de jatob (Hymenaea spp.) ou cera de abelha, e depois revestido com tiras de imb (Philodendron imbe) para evitar rachaduras, permanecendo descoberto apenas os ombros. Os ombros no possuem nenhum remate especial, e neles a corda ou mats'aagtir amarrada com ns simples. Para evitar que a corda possa escorregar para o meio, feito nos ombros do arco um anel grosso feito da prpria tira de imb (Schmidt, 1942b, p. 147-148). De acordo com os relatos orais e com os dados disponveis em Castelnau (1949), Koslowsky (1895) e Schmidt (1942b), a corda feita com fibras longas de tucum (Bactris glaucescens). Menos freqentemente pode ser feita de fibra de raiz de figueira (Ficus spp.) ou tripa de bugio (Alouatta caraya). As cordas poderiam ser enceradas com cera de abelha. A manufatura das cordas de fibras vegetais uma atividade feminina e absorve muito tempo (Koslowsky, 1895, p. 19). A corda de tripa de bugio feita da seguinte maneira: uma das extremidades amarrada num galho de rvore, e na outra necessrio amarrar uma espcie de pndulo, que pode ser qualquer pedra de certo peso; o objetivo esticar a tripa e torc-la gradativamente durante sua secagem, at adquirir aspecto de corda. A distenso do arco exige bastante fora, e necessrio usar um protetor ou ligadura de pulso, tecido com fibras de algodo, para maior proteo contra o impacto da corda. 152 FIGURA 34: Arco Guat (Fonte: Schmidt, 1942b). 153 Arcos infantis tambm eram utilizados; seu tamanho deve ser proporcional ao da criana. FIGURA 35: Arco e flechas infantis Guat (Fonte: Schmidt, 1942b). 2.5.1.2 Flechas So armas perfurantes usadas como projtil do arco (Ribeiro, 1988, p. 224). Constituem artefatos mais complexos que os arcos, e o tipo de ponta utilizada a principal base para uma classificao funcional (Chiara, 1987; Mtraux, 1987). Neste trabalho utilizou-se basicamente a nomenclatura proposta por Chiara (1987). Schmidt (1942b, p. 147-160) divide as flechas ou match em duas categorias bsicas, conforme a madeira empregada para a aste: as de cambaiva ou canava (Gramnea) que so as mais utilizadas devido a dois motivos - por ser uma madeira mais resistente e por ser mais fcil de ser trabalhada; e as de ub, identificada por Schmidt (1951, p. 245) como Ginerium parviflorum, que so menos resistentes e requerem maior trabalho na sua elaborao. 154 O autor classifica seis tipos ou grupos bsicos de flechas, levando em conta a forma e a utilizao das pontas. Esto representadas, em sua quase totalidade, por flechas de ub (Gynerium parviflorum) que Schmidt (1942b) conseguiu adquirir junto aos Guat. De maneira geral, os diferentes tipos de flechas possuem em mdia de 1,60 a 2 m de comprimento. O primeiro grupo est representado por flechas cujas pontas so as prprias varetas de madeira. A forma pontiaguda aguada, e so utilizadas basicamente para exerccios de tiro ao arco. FIGURA 36: Flecha do primeiro grupo (Fonte: Schmidt, 1942b). 155 O segundo grupo corresponde a flechas de pontas pontiagudas farpadas em madeira, de pouca importncia, e raramente utilizadas para pescar. FIGURA 37: Flechas do segundo grupo (Fonte: Schmidt, 1942b). O terceiro grupo compreende flechas de pontas rombudas, ou tauats'i, do tipo vareta talhada, utilizadas geralmente pelos mais jovens na caa de pssaros ou para derrubar frutos das rvores. Em Schmidt (1942b) h a descrio de uma nica flecha de cambaiva (Gramnea), de ponta rombuda. 156 FIGURA 38: Flechas do terceiro grupo (Fonte: Schmidt, 1942b). Obs.: A primeira ponta da esquerda feita de cambaiva. O quarto grupo est representado por flechas de pontas lanceoladas de taquara, com encaixe, geralmente sulcadas e com ombros, chamadas de mandauts'. Destinam-se caa de grandes animais como ona-pintada (Panthera onca) e cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus). 157 FIGURA 39: Flechas do quarto grupo (Fonte: Koslowsky, 1895; Schmidt, 1942b). 158 O quinto grupo corresponde a flechas de pontas de osso com ombros e encaixe ou mandpi, utilizadas para caar pequenos animais e, principalmente, para pescar. As pontas poderiam ser feitas de ossos de mamferos e rpteis; como por exemplo, de rdio de jacar (Caiman crocodilus yacare) e bugio (Alouatta caraya). Nas gravuras de Florence, as quais foram apresentadas anteriormente, tambm esto representadas vrias flechas desse tipo. FIGURA 40: Flechas do quinto grupo (Fonte: Koslowsky, 1895; Schmidt, 1942b). 159 Koslowsky observou a fabricao de flechas de pontas de osso e apresenta as seguintes informaes: Las flechas que hizo el indio, despues de haber concluido el arco, eran compuestas de las siguientes materias: para las astas emple los pedculos de una caa, poco resistente, que crece en las orillas bajas del ro, y que se recomienda por su ligereza, y para cuya construcion cort trozos de un metro hasta metro y medio de largo, al que se ajusta, por medio de tiras de dicha corteza, una pequea astilla delgada de cuarenta y cinco centmetros de largo en una de cuyas extremidades se pegan las puntas, que son de hueso, hechas del radio del yacar, el que, cortado de siete centmetros de largo, se une con la resina del rbol yatub. Estas flechas son de dos metros mas menos de largo y tienen dos plumas fuertes atadas en la parte basal con hilo de algodon, que enceran en parte, formando anillos alternativos de color blanco y negro (Koslowsky, 1895, p. 20). A resina de jatob (Hymenaea spp.) no o nico adesivo utilizado, pois as pontas de osso geralmente eram fixadas nas varetas com uma cola feita de bexiga natatria de peixes, j mencionada, mas no descrita, desde os tempos de Castelnau (1949). chamada de madko (Schmidt, 1942b, p. 227). O processo de fabricao da cola consiste em cozinhar bexigas natatrias de peixes em certa quantidade de gua at dissolv-las, formando um grude. Antes, porm, do cozimento, preciso esfreg-las com as mos em gua durante algum tempo, para facilitar sua dissoluo. O sexto grupo, e ltimo, compreende flechas com pontas de arpo em osso ou mats'abaga, especialmente destinadas pesca. A ponta presa numa espiga com vrias farpas que encaixada frouxamente na parte superior da vareta, e ligada haste por uma corda de fibras de magueto (Bactris glaucescens), chamada eits'egeri. Ao atingir o peixe a ponta se desprende da vareta, permanecendo presa apenas na haste que funciona como um flutuador. Segundo os relatos orais, as pontas sseas eram trabalhadas com pequenos alisadores de arenito, que poderiam ser facilmente transportados nas viagens. 160 As varetas so fixadas nas hastes por encaixe e depois amarradas no ponto da juno. Para a amarrao pode ser utilizado imb (Philodendron imbe). Quanto emplumao, percebe-se em Florence (1948), Koslowsky (1895) e Schmidt (1942b), apenas o tipo radial ou paralela, arredondada e em paralelograma, atada nas duas extremidades distais com uma corda de fibras de algodo. As penas podem ser inteiras, recortadas em uma de suas partes longitudinais, formando um bordo serrilhado, ou talvez divididas em duas partes. FIGURA 41: Flecha do sexto grupo (Fonte: Schmidt, 1942b). 161 Schmidt (1942b) observou que a extremidade do encaixe da flecha composta de trs palitos introduzidos na haste, o que no comum nas flechas fabricadas por outros grupos. FIGURA 42: Emplumao das flechas Guat (Fonte: Koslowsky; 1895; Schmidt, 1942b). FIGURA 43: Extremidade do encaixe das flechas Guat (Fonte: Schmidt, 1942b). 162 2.5.1.3 Bodoques Define Ribeiro (1988, p. 218): O bodoque uma combinao de funda e arco servindo para atirar bolas de barro endurecidas ao fogo, colocadas em um invlucro de pano entre as cordas do arco. A introduo do bodoque na Amrica do Sul considerada como ps-colombiana, devido semelhana com os bodoques hindus. Supe-se ter sido difundido pelos portugueses que mantiveram comrcio com a ndia (Mtraux, 1987, p. 149). Entre os Guat, as informaes sobre o uso do bodoque so restritas a Schmidt (1942b), o que faz pensar na possibilidade de ser um artefato introduzido ao longo do contado com a sociedade nacional, pois nos relatos e descries etnogrficas do sculo XIX no foi encontrado nenhuma referncia sobre esse artefato. Os bodoques ou madogopiinu so usados principalmente pelas crianas para caar pssaros, e possuem pouca importncia na subsistncia do grupo. As bolas de barro, chamadas de madogapino, so levemente queimadas ao fogo. Em linhas gerais, consiste numa madeira diferente da usada na confeco dos arcos, mais larga, com corda de fibra de tucum (bactris glaucescens) ou algodo (Gossypium spp.), cujos detalhes podem ser observados na figura que segue. 163 FIGURA 44: Bodoque Guat (Fonte: Schmidt, 1942b). 2.5.1.4 Zagaias uma lana curta, tambm conhecida como azagaia, utilizada para caar grandes mamferos e rpteis, mencionada em Castelnau (1949), Florence (1948) e Leverger (1862a); e descrita por Koslowsky (1895) e Schmidt (1902 e 1942b) que, por sua vez, a menciona como madzr. Pode ser arremessada ou, no caso das onas, cravada a curta distncia quando o animal salta sobre o caador e, por isso, deve ser feita com madeira de cerne resistente. muito utilizada para 164 caar grandes mamferos quando esses esto dentro d'gua, e tambm para caar jacar (Caiman crocodilus yacare). Leverger (1862a, p. 216-217) informa que s vezes a zagaia usada at para matar peixes. Koslowsky (1895) conseguiu uma zagaia que media 1,5 m de comprimento e 8 ou 10 cm de largura, cuja ponteira era de fmur de ona e forma lanceolada. Florence (1948) menciona o uso de ponteira de osso de jacar (Caiman crocodilus yacare) e, j naquela poca, utilizavam tambm ponta de metal conseguida por troca com os brasileiros. Schmidt (1942b, p. 146) explica que jamais um homem guat se afasta da sua casa sem levar sobre os ombros a sua comprida lana (madzr). O autor tambm encontrou zagaias de pontas de metal e de osso. FIGURA 45: Zagaias Guat com ponteiras de metal e de osso (Fonte: Schmidt, 1942b). 165 2.5.1.5 Canoas, remos e zingas ... e passam o dia nas suas canoas que eles mesmos fabricam com bastante perfeio e so pequenas e velozes; multiplicam o numero delas na proporo dos membros da familia, e como so polgamos, no raro ver um Guat com 5 ou 6 canoas cheias de suas mulheres, e mesmo alguns contentam-se com uma (Ferreira, 1993 [1905], p. 84-85). A canoa monxila ou manum o principal meio de transporte para os Guat, principalmente na cheia, a tal ponto que as pernas dos homens so pouco desenvolvidas e arqueadas para dentro, enquanto o tronco permanece notadamente mais desenvolvido por causa da atividade de remar. Moure (1862, p. 32) relata que muitas vezes as famlias passam a noite em suas prprias canoas, que so fabricadas com uma rara perfeio, e possuem notvel elegncia e rapidez. A mulher responsvel por govern-la, permanecendo na popa. Quando toda a famlia est embarcada, a borda da canoa fica alguns centmetros acima d'gua, o que no impede o uso do arco e flecha para pescar e caar (Florence, 1948). O processo de fabricao da canoa implica na escolha da madeira apropriada, que deve ser mole, leve e flutuante, geralmente cambar (Vochysia divergens). Segundo Conceio & Paula (1986, p. 111) essa espcie atinge de 6 a 8 m de altura. A derrubada da rvore deve ter sido feita no passado com o auxlio de machado com lmina feita de material ltico. Figuiredo (1939) explica que canoa do tipo ub, escavada com fogo beira d'gua at adquirir a forma almejada. O uso do machado deveria ser decisivo no acabamento final. Observam-se nas ilustraes de Ayala & Simon (1914), Florence (1948) e Schmidt (1914 e 1942b), canoas com aproximadamente 5 m de comprimento. O comprimento das canoas depende do 166 tamanho do tronco trabalhado. FIGURA 46: Famlia Guat em sua canoa pintada por Hrcules Florence (1948). A proa ou eopgag possui forma cnica, e a popa ou hihe mais larga para servir de assento (Schmidt, 1942b, p. 138 e 221). Para uma melhor conservao da canoa contra a ao da gua ou de brocas (insetos), quando necessrio, deve-se retir-la da gua, ergu-la em estruturas de madeira para, em seguida, atear fogo por baixo, retirando a gua que penetra nos poros da madeira. A impermeabilizao era feita atravs do processo de defumao da canoa, lubrificando-a concomitantemente com gordura animal, geralmente retirada de capivara (Hydrochaeris hydrochaeris) ou jacar (Caiman crocodilus yacare). 167 Os remos ou macum normalmente so feitos de caneleira (Ocotea spp.), tambm conhecida na regio pela sinonmia de loro. Koslowsly (1895) menciona que o tamanho dos remos pode variar, mas os mais usados possuem ps lanceoladas que medem 70 cm de comprimento por 26,5 cm de largura. Schmidt (1942b, p. 138) menciona remos grandes com 2,5 m e remos infantis com 84 cm de comprimento. FIGURA 47: Remo infantil e remo adulto Guat (Fonte: Schmidt, 1942b). A zinga ou madyuada, por sua vez, uma vara comprida usada na propulso da canoa em lugares pouco profundos, feita de caneleira (Ocotea spp.). Segue sua descrio: A longa vara que impulsiona o bote (em brasileiro: zinga) termina em ponta na extremidade inferior ou, o que o comum, ela possui uma disposio especial que a adapta s necessidades da regio. que todas essas vias fluviais so recheadas de plantas aquticas em confuso, atravs das quais, muitas vezes, se torna difcil a passagem do bote. Assim, para vencer a resistncia desses obstculos, os ndios introduziram na vara em 168 baixo uma espcie de garfo de madeira que permite segurar melhor os arbustos no caminho havendo mais firmeza no momento de impulsionar a embarcao. Este garfo (...) tem dois pedaos de pau amarrados de modo tal que a extremidade pontuda da vara forma o terceiro dente no centro. A vara propriamente, (...), da zinga tem o comprimento de 4 metros, ao passo que o garfo em baixo s se estende at 12 centmetros (Schmidt, 1942b, p. 139-140). FIGURA 48: Extremidade da zinga Guat (Fonte: Schmidt, 1942b). Schmidt (1914, p. 271) observou ainda uma zinga com ponta feita de dente de ona-pintada (Panthera onca), que possua duas finalidades, empurrar a canoa no meio da vegetao e ser usada como zagaia. 169 2.5.1.6 Artefatos lticos As informaes contidas na documentao escrita sobre a utilizao de artefatos lticos entre os Guat, so escassas e restritas a algumas poucas referncias feitas por Schmidt (1902, 1912, 1914, 1940a, 1942b e 1951). Contudo, a utilizao de diversos artefatos, principalmente os de madeira, indica que a indstria ltica Guat bem maior do que os dados ora apresentados. A matria-prima para a indstria ltica encontrada num lugar chamado vagukurigaku ou pedreira, palavra registrada em Schmidt (1942b, p. 223). Os vagukurigaku so lugares onde h afloramentos rochosos, ou seja, as reas de morrarias que ocorrem na plancie pantaneira. Schmidt (1902 e 1942b) descreve um malhador de pedra ou mtaha que encontrado em grande quantidade nas proximidades das casas, e que serve para quebrar os frutos da acuri (Scheelea phalerata) e de outras palmceas. Trata-se de um interessante artefato: O nico utenslio de pedra dos guats o malhador para partir caroos de palmeira, principalmente o da acuri. Chego a chamar de utenslio a essas pedras rudes, porque com o uso elas adquirem forma; assim, ao colocar-se uma pedra para suporte e outra (...) para malhar nela os caroos, o manejo constante acaba por lhes dar uma forma cncava, evitando que os gros pulem longe, obtendo-se assim, um verdadeiro utenslio. Quanto mais usado mais perfeito fica. O importante que, durante o manejo certo de ambas as pedras, elas adquiram uma concavidade idntica. claro que na pedra que oferece dois ou mais lados por onde se possa malhar, as escavaes vo se formando nessas superfcies proporo que so utilizadas. Encontram-se esses malhadores em maiores quantidades junto s casas ou aos pontos de maior movimento, sob as palmeiras (Schmidt, 1942b, p. 169-171). O material descrito um verdadeiro quebra-coquinho, chamado de mtaha, cuja matria- prima devem ser seixos. A depresso descrita por Schmidt (1942b) formada a partir do uso do seixo, por picoteamento, e pode existir em ambos os lados do artefato. O autor chama a ateno para uma rea de atividade prxima da casa, onde se encontram os quebra-coquinhos. Isto significa 170 que, em escavaes arqueolgicas meticulosas, alm das estruturas de habitao, possvel evidenciar este tipo de artefato ltico que pode ser indicador de uma rea de atividade, o local onde se quebra cocos de palmceas. FIGURA 49: Quebra-coquinho utilizado pelos Guat (Fonte: Schmidt, 1942b). Em outra publicao Schmidt (1940a) relata que encontrou um quebra-coquinho junto casa do Guat Joo Cot, situada no canal D. Pedro II (na Ilha nsua), e apresenta a seguinte descrio: ... es un utensilio para golpear, fabricado de una piedra, de color gris, que muestra en su superficie seis cavidades redondas de forma de tales cuales son producidas por abrir de golpe las frutas de palmeros. De estas cavidades una est al lado superior, dos estn al lado inferior y una a cada uno de tres lados laterales ... El otro utensilio de piedra, de forma global, se asemeja a un ejemplar que he hallado, antes, al pi del Morro de Caracar, junto a los grabados rupestres (Schmidt, 1940a, p. 60). Nas escavaes dos dois aterros localizados na regio do Caracar, Schmidt (1914) encontrou os seguintes materiais, todos associados a sepultamentos: quebra-coquinho com marcas de picoteamento, lmina-de-machado ltica com garganta e marcas de percusso, mo-de-m, alisador porttil em arenito e com marcas de polimento, uma lasca, um fragmento de hematita e lticos fragmentados no identificados. 171 FIGURA 50: Material ltico encontrado em aterros Guat (redesenhado de Schmidt, 1914). Os relatos orais confirmam o uso de quebra-coquinhos na extrao da amndoa do fruto da acuri (Scheelea phalerata), e de alisadores portteis de arenito na manufatura das pontas sseas para flechas e zagaias. A matria-prima era obtida nas morrarias prximas aos assentamentos. Machados com lmina ltica tambm eram utilizados, ao que se sabe, at a primeira metade do sculo XIX, pois no Museu de Antropologia e Etnografia de So Petersburgo, na Rssia, h um exemplar que foi adquirido pela expedio Langsdorff (Dorta, 1992, p. 503). 172 2.5.1.7 Armadilhas para caar Sobre as armadilhas no h quaisquer dados na literatura, porm as informaes orais recebidas comprovam a utilizao de armadilhas de aprisionamento por enlaamento para a caa de pequenos mamferos, como a pre (Cavea aperea), e o uso de armadilhas de aprisionamento que funcionam com a fora da gravidade para a caa de pequenas aves, como a juriti (Leptotila verreauxi). 3.5.1.8 Outros Existem poucas referncias e descries sobre outros artefatos utilizados pelos Guat. Utilizavam pau de cavouco para abrir as covas onde seriam plantados os vegetais, e um porrete ou maragueu de madeira resistente, com 50 cm, para dar na cabea do peixe que era pescado. Palcio (1984, p. 141) registrou ainda a palavra togoce equivalente a zarabatana, que ser objeto de pesquisas futuras. 2.5.2 Equipamento de uso domstico e de trabalho Sobre o equipamento de uso domstico e de trabalho explica Velthem (1987): O item equipamento domstico e de trabalho compreende elementos descritos nas vrias categorias em que, tradicionalmente, se divide a cultura material de grupos tribais: tranados, tecelagem, cermica, trabalhos em madeira e outros. Neste sentido, ele no deve ser entendido como uma categoria especfica, da mesma natureza das acima citadas; ou seja, um conjunto de artefatos caracterizados pela matria-prima e a tcnica de manufatura. No presente trabalho utiliza-se um artifcio de sistematizao de dados, cujo critrio classificatrio nico a funcionalidade: o conjunto de utenslios que guarnece a casa indgena. Em virtude disso, o repertrio de artefatos que o integra se caracteriza por 173 grande diversidade e complexidade, detectvel no apenas em relao aos grupos tribais, como tambm em diferentes aldeias de uma mesma tribo e, ainda, de uma a outra casa (Velthem, 1987, p. 95). Apesar de concordar com a autora, ressalva-se que neste primeiro momento ser apresentado o equipamento domstico e de trabalho Guat a partir da matria-prima utilizada. Isto porque, em princpio, o objetivo maior abordar a questo da cermica Guat, pois esta pode ser encontrada nos seus stios arqueolgicos, ao contrrio dos artefatos cuja matria-prima de origem orgnica. Outrossim, porque sobre a cermica dispe-se de maiores informaes, principalmente orais. 2.5.2.1 Trabalhos em madeira e a utilizao de conchas de moluscos Sobre os artefatos de madeira de uso domstico, as informaes so basicamente restritas a Koslowsky (1895) e, fundamentalmente, a Schmidt (1902, 1914, 1918 e 1942b). So os seguintes: a) utenslios para preparar, servir e armazenar alimentos - cabaa utilizada para armazenar lquidos, cocho, colher ou mgua(a)d utilizada para mexer e servir alimentos, canudo de taquara ou matik para tomar a bebida feita da seiva da palmeira acuri (Scheelea phalerata), concha de bivalve para retirar o palmito da palmeira acuri (Scheelea phalerata), copo de cabaa ou mis'evekn, copo de concha de Pomacea canaliculata ou marr, esptula ou mkuada para mexer alimentos cozidos, fogo, jirau que poderia servir para acondicionar alimentos, mo-de-pilo, moqum, peneira para farinha de mandioca, pilo, ralador de mandioca ou matekuma, tigela para servir alimentos ou ms'aad; 174 FIGURA 51: Colheres e esptulas Guat (Fonte: Schmidt, 1942b). b) utenslios para o preparo de artefatos - arco para cardar algodo ou magayida, esptulas lanceoladas ou mapra utilizadas na tecelagem de abanos de mosquito, fuso ou madhuits'i, tear para redes ou madtiadapana; 175 FIGURA 52: Esptulas utilizadas na tecelagem, arco para cardar algodo e fuso (Fonte: Schmidt, 1942b). c) utenslios para o conforto pessoal - banco para assento ou mikirbada. H tambm o equipamento utilizado para obter fogo que consiste na frico de duas madeiras, uma mole e outra dura. A madeira mole ou madetchum funciona como eixo, podendo ser ing (Inga spp.), e a dura ou matdadetchum funciona como fuso, sendo geralmente caneleira (Ocotea spp.). A madeira que funciona como eixo deve ser mais grossa que a do fuso. Em Schmidt (1903 e 1942b) h a descrio da tcnica utilizada na obteno de fogo: 176 Obtm o fogo, com o molinilho como se sabe, colocando-se um pau, denominado o fuso, na cavidade de um outro, o eixo, de modo que o primeiro est de p e o outro horizontal, remexe-se ento com as palmas das mos para l e para c, devendo fazer-se uma presso to forte para baixo, que a frico produza suficiente quantidade de farelo e calor, provocando o encandecimento do farelo (Schmidt, 1942b, p. 169). importante, ressalva o autor, que o orifcio do eixo possua uma abertura lateral, feita por meio de um corte agudo, para que o farelo desprendido da madeira mole seja amontoado at se obter a combusto. FIGURA 53: Molinilho utilizado pelos Guat para produzir fogo (Fonte: Schmidt, 1942b). Obs.: O fuso da direita foi feito a partir de uma velha flecha. 177 2.5.2.2 Cermica O conjunto das informaes escritas e dos relatos orais atestam que o vasilhame Guat essencialmente de uso domstico, isto , serve basicamente para armazenar lquidos, preparar e servir alimentos. Sua produo uma atividade exclusivamente feminina. A argila facilmente encontrada prxima aos assentamentos, nas margens dos rios. Pode ser retirada com o auxlio de uma p de remo e depositada dentro da canoa, sobre uma esteira ou, mais usualmente, dentro de uma couraa de jacar (Caiman crocodilus yacare) em forma gamela, onde ser trabalhada. Quanto mais escura for a cor da argila, melhor matria-prima ser para a fabricao do vasilhame. No local dos assentamentos, fora da casa, a argila limpa de todo tipo de impurezas orgnicas, principalmente de pequenas razes, para evitar que o vasilhame possa apresentar rachaduras durante a queima. Depois devidamente amassada juntamente com o antiplstico, at atingir um aspecto homogneo. O antiplstico utilizado feito de caco modo de vasilhame quebrado, devidamente peneirado. Utilizam a tcnica do acordelado, ou seja, so feitos roletes de argila que vo sendo, gradativamente, sobrepostos por outros at atingir a forma e o tamanho desejados para a vasilha. Primeiramente so alisadas interna e externamente com os dedos e, em seguida, raspadas com o auxlio de uma concha de bivalve, constituindo dessa forma uma decorao simples. A secagem geralmente feita sombra, e as formas das vasilhas, em sua maioria, so esfricas ou sub-esfricas, de contornos simples ou infletidos, conforme a sua funo. A queima do vasilhame deve ser feita em lugares protegidos dos ventos, por entre a vegetao, ou, muito raramente, em buracos. As vasilhas so cobertas com madeira seca, que pode ser ing (Inga spp.), e ento queimadas, tendo como resultado um vasilhame de colorao avermelhada. possvel que, em geral, a queima seja 178 parcialmente oxidante. As fontes escritas complementam as informaes orais aqui apresentadas, e elucidam melhor as formas e tamanhos das vasilhas. As informaes apresentadas por Koslowsky (1895) confirmam a descrio feita atravs de relatos orais: Las mujeres se ocupaban, mientras tanto, en la fabricacion de potes de diferentes tamaos, empleando como material el fango del ro, que conducian en una coraza ventral de yacar, la que tambien emplean entre los objetos de su vajilla pobre, haciendo las veces de una fuente. El barro fango lo trabajan bien con las manos, en rollos, los que son agregados unos los otros por presin de los dedos. El objeto manejado de este modo, adquiere la forma de una espiral ascendente, correspondiendo la parte media el dimetro mayor, y toma el aspecto, por la impresion dejada por los dedos, de una soga arrollada. Cuando han dado, de esta manera, forma y tamao al pote, lo raspan y alisan con una concha, tanto la parte externa como la interna, hasta que consiguen el grosor deseado de las paredes, las que en general son muy delgadas. Ponen despues la vasija la sombra para que se seque. Cuando est seco el pote, amontonan hojas y ramitas delgadas y secas su alrededor, lo que proporciona un fuego de poca fuerza y duracion. Diez minutos es lo mas que dura la llama, quedando el barro cocido y la vasija pronta para el uso. En el rbol, debajo del cual trabajan las mujeres, habia una numerosa colonia del pjaro Cassicus persicus, el japuira de los brasileros (Koslowsky, 1895, p. 20-21). O autor adquiriu uma vasilha utilizada para armazenar gua, com as seguintes caractersticas: cerca de 30 cm de comprimento, contorno infletido, forma esfrica, decorao simples, base plana, borda aparentemente cambada e possvel lbio plano. FIGURA 54: Vasilha cermica utilizada para armazenar gua (Fonte: Koslowsky, 1895). 179 Nas figuras produzidas por Florence, anteriormente apresentadas, nota-se o seguinte: a) na Figura 32 possvel observar, dentro da casa, trs vasilhas de pequenas dimenses, contorno simples, forma sub-esfrica, decorao simples e base arredondada - uma prxima a um esteio perifrico e outras duas no fogo, uma servindo de panela e outra de tampa; b) na Figura 31 se percebe apenas uma provvel vasilha com cerca de 30 cm de altura, contorno infletido, forma esfrica, decorao possivelmente simples e base arredondada, utilizada para armazenar lquidos, e localizada prximo a uma esteira feita de palma de acuri (Scheelea phalerata). Schmidt (1942b, p. 163-169) classifica o vasilhame que encontrou sendo utilizado pelas famlias Guat, em trs categorias: panelas ou mik()r que servem para preparar alimentos; tigelas rasas ou msa utilizadas como tampas de panelas e como pratos; e bilhas-dgua ou matum que so acompanhadas por cabaas (Cucurbitcea) que servem de tampas, copos e para retirar gua de dentro do vasilhame. As mik()r, num total de trs vasilhas coletadas pelo autor, possuem cor cinza escuro, provavelmente em decorrncia do contato direto com o fogo durante o preparo dos alimentos, e apresentam as seguintes caractersticas: vasilha a - com 22,6 cm de altura e 35,5 cm da boca, contorno simples, forma sub-esfrica, decorao simples, base cnica, borda direta e lbio aparentemente plano; vasilha b - com 18,2 cm de altura e 28 cm de dimetro da boca, contorno simples, forma sub-esfrica, decorao simples, base arredondada, borda direta e lbio plano; vasilha c - com 15,7 cm de altura e 35,5 cm de dimetro da boca, contorno simples, forma sub-esfrica, decorao simples, base arredondada, borda direta e possivelmente lbio plano. As duas msa retratadas, tambm de cor cinza escuro, apresentam as seguintes caractersticas: vasilha d - 12,6 cm de altura e 39,3 cm de dimetro da boca, contorno simples, forma de meia calota, decorao simples, base arredondada, borda inclinada interna e um possvel 180 lbio plano; vasilha e - semelhante vasilha d, com 6,8 cm de altura e 26 cm de dimetro da boca. Tanto as msa quanto s mik()r possuem boca proporcionalmente maior que a altura. FIGURA 55: Vasilhame Guat (Fonte: Schmidt, 1942b). 181 Por ltimo, as trs matum que apresentam as seguintes caractersticas: vasilha f - 31,2 cm de altura e aproximadamente 18,2 cm de boca, contorno infletido, forma esfrica, decorao simples, base plana, borda cambada e lbio aparentemente plano; as vasilhas g e h possuem cerca de 28 cm de altura e caractersticas semelhantes anterior, sendo que a vasilha h apresenta como decorao alguns apliques na parede externa. Ambas apresentam cor avermelhada e so idnticas ao vasilhame retratado por Koslowsky (1895) 16 . Nas figuras 32 e 33, esto representados os trs tipos de vasilhas classificadas por Schmidt (1942b), que por sua vez, tambm foram descritas por Mtraux (1963b) e Lima (1987). Quando das pesquisas de Schmidt (1942b), os Guat utilizavam vasilhas com asas, semelhantes a xcaras ou matsugirgn (vasilhames i e j), onde, apesar de se constatar uma influncia da sociedade nacional, possvel notar formas semelhantes s panelas ou mik()r e s bilhas-d'gua ou matum. Na regio do rio Caracar, Schmidt (1914, p. 262-268) coletou vrios fragmentos de vasilhas cermicas, cujas espessuras das bordas geralmente permanecem entre de 0,5 cm a 1,1 cm, embora o autor tenha encontrado um nico fragmento com uma espessura de 0,2 cm. Os fragmentos encontrados, em sua maioria, correspondem a vasilhas com decorao simples, sem quaisquer evidncias de pinturas, sendo que em algumas foi constatada queima incompleta. As bordas o autor classificou em quatro tipos: 1) de contorno simples e liso; 2) salientes; 3) salientes com incises em forma de linhas curvas; 4) salientes em formas de anel (Schmidt, 1914, p. 264).
16 Em Schmidt (1905 e 1942b) as respectivas medidas das alturas dos vasilhames g e h so 11,8 cm e 14,3 cm, o que faz pensar que estejam erradas, pois com estas medidas no poderiam estar enquadradas na categoria de bilhas- d'gua ou matum. Outrossim, porque no caso do vasilhame g h uma nota abaixo da figura indicando que o seu tamanho equivale a 1/7 do tamanho natural, ou seja, aproximadamente 28 cm. Os erros devem ter ocorrido na grfica. Por outro lado, comum nas referidas publicaes o uso de escalas que no correspondem s verdadeiras medidas dos artefatos, uma vez que o prprio etnlogo as relaciona no decorrer do texto. 182 Faz-se necessria uma anlise atual dessas bordas para um estudo mais aprofundado da cermica Guat. No entanto, no que tange decorao, possvel atestar que dos 77 cacos apresentados pelo autor, 90,9% apresenta decorao simples, e 9,1% incisa, sendo que as incises so restritas aos fragmento das bordas. Em alguns casos Schmidt (1912, p. 140) notou um tratamento de superfcie mais apurado, e uma queima mais homognea. Todavia, os dados apresentados sugerem que o acabamento da superfcie do vasilhame Guat geralmente pouco refinado. Num aterro da regio do rio Caracar, Schmidt (1914, p. 262) observou que os Guat utilizavam vasilhas do mesmo tipo dos descritos em Schmidt (1942b), e encontrou ainda uma conta- de-colar feita de cermica. Em Schmidt (1922, p. 119), o autor faz referncia a fragmentos de vasilhas com impresso de espiga de milho, encontrados num aterro na regio do rio Caracar. muito provvel que seja um tipo de decorao escovada feita com sabugo de milho. Caso seja verdica esta constatao do autor, tambm possvel datar esse tipo de cermica, por termoluminescncia, e inferir sobre o tempo do cultivo do milho (Zea mays) entre os Guat. Na localidade de Talhamar, situada margem do rio Paraguai, abaixo de Descalvado, Schmidt (1942a, p. 43-44) encontrou material cermico semelhante ao encontrado no Aterradinho, que tambm est localizado margem do rio Paraguai. Em outra publicao Schmidt (1940a, p. 59) descreve que a cermica encontrada no Aterradinho corresponde dos Guat - a maioria dos cacos apresenta uma queima irregular e decorao simples, e, provavelmente, corresponda a vasilhas de pequenas dimenses. At o presente momento no h elementos suficientes para uma comparao sistemtica da cermica Guat com a dos aterros investigados pelo Programa Arqueolgico do MS - Projeto 183 Corumb, denominada provisoriamente de Primeiro Grupo. Isto requer um trabalho etnoarqueolgico especfico nos locais historicamente ocupados pelo grupo, tendo como um dos objetivos a coleta de material cermico para ser analisado com este propsito. Numa comparao prvia, percebe-se que a cermica Guat, conhecida a partir do sculo XIX, apresenta ntidas diferenas em relao do Primeiro Grupo. As principais so: a no constatao da decorao corrugada na cermica Guat e, basicamente, a ausncia, at o presente momento, de vasilhas do tipo matum entre as formas reconstitudas para a do Primeiro Grupo. Sem embargo, as formas das vasilhas mik()r e msa assemelham-se a algumas formas que ocorrem na cermica do Primeiro Grupo, o que no significa dizer que os Guat sejam os responsveis por essa nova cermica estudada pelo projeto de pesquisa acima referido. Isto porque essas formas de recipientes cermicos so muito comuns em outras tradies cermicas conhecidas no Brasil; como por exemplo, na tradio Taquara, caracterstica da regio Sul. Mas possvel afirmar, com base nos dados at ento conhecidos, que em ambos os casos trata- se de um vasilhame pequeno em relao, por exemplo, ao das tradies Tupiguarani e Aratu- Sapuca, e, fundamentalmente, de uso domstico. Talvez esta seja uma das principais caractersticas tecnolgicas da cermica dos grupos canoeiros que se estabeleceram nos aterros do Pantanal Matogrossense. 2.5.2.3 Tranado e tecelagem De acordo com Schmidt (1904 e 1942b), o tranado e a tecelagem dos Guat apresentam a mesma simplicidade que caracteriza os demais elementos da sua cultura material. O autor apresenta um detalhado estudo sobre o tranado e a tecelagem do grupo. 184 O tranado Guat uma atividade masculina e se enquadra, em funo da matria-prima utilizada e de sua elaborao, no macroestilo do tranado de palha, ao qual se refere Ribeiro (1987b). Foi classificado por Schmidt (1942b) em dois tipos: da folha simples e da folha flabeliforme. Os Guat utilizam basicamente a palha da palmeira acuri (Scheelea phalerata) em seus tranados, sendo que o dos cestos geralmente do tipo xadrezado, enquanto que o das esteiras pode ser do tipo sarjado. Fabricam, principalmente para uso e conforto domstico, esteiras de dormir feitas de acuri, denominadas mdaakts'i, e feitas de taboa (Typha dominguensis) chamadas de mir, alm de abanos para fogo ou tiakanat. Como meio de transporte de carga fabricam cestos ou mu(n)d. FIGURA 56: Esteira feita de palha de acuri (Scheelea phalerata) (Fonte: Schmidt, 1942b) 185 FIGURA 57: Esteira feita de taboa (Typha dominguensis) (Fonte: Schmidt, 1942b). FIGURA 58: Cesto feito de palha de acuri (Scheelea phalerata) (Fonte: Schmidt, 1942b). 186 FIGURA 59: Abano de fogo feito de palha de acuri (Scheelea phalerata) (Fonte: Schmidt, 1942b). Atravs da tecelagem os Guat fabricam, com fibra de tucum (Bactris glaucescens) e para o conforto pessoal, abano de mosquito ou mapara e, de maneira mais apurada e segundo a tcnica do entretorcido, mosquiteiro ou mageet - que tambm foi descrito por Silva (1930). Ambos so indispensveis para a regio devido quantidade de mosquitos que ocorrem em certas pocas do ano. Com algodo (Gossypium spp.) fabricam, tambm para conforto pessoal, abano de mosquito ou mapara e ligadura para pulso ou mavaerta. Schmidt (1942b), embora no descreva, menciona tambm o uso de redes de dormir feitas de fibras de algodo e de tucum. 187 FIGURA 60: Abano de mosquito feito de fibras de tucum (Bactris glaucescens) (Fonte: Manizer, 1967). FIGURA 61: Abano de mosquito Guat feito de fibras de algodo (Gossypium spp.) (Fonte: Schmidt, 1942b). 188 FIGURA 62: Mosquiteiro feito de fibras de tucum (Bactris glaucescens) (Fonte: Schmidt, 1942b). 2.5.2.4 Outros Entre as outras matrias-primas utilizadas, destaca-se o couro que muito usado, por exemplo, para forrar o cho antes de dormir, como cobertura de abrigos provisrios e para forrar o cho na secagem do arroz (Oryza latifolia). Utilizam pele de vrios mamferos, tais como: anta (Tapirus terrestris), ariranha (Pteronura brasiliensis), capivara (Hydrochaeris hydrochaeris), cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus), lontra (Lutra longicaudis), jaguatirica (Felis pardalis), ona-parda (Felis concolor) e ona-pintada (Panthera onca). As peles geralmente poderiam ser descarnadas, estiradas e secadas ao sol, embora tambm pudessem ser curtidas com a casca de algumas espcies tanferas; como por exemplo, angico (Piptadenia peregrina), jatob (Hymenaea spp.), gonalo (Astronium fraxinifolium) e ing (Inga 189 spp.), que so encontradas na mata ciliar. Alm disso, Schmidt (1942b, p. 189) menciona que o peso do fuso utilizado na tecelagem poderia ser feito com osso de tartaruga, ou seja, cgado (Quelonia). Em suma, fica evidente que a cultura material Guat muito simples e sem grandes variaes tecnolgicas quanto aos produtos finais, embora satisfaa as necessidades exigidas pelo grupo, sendo esta sua principal caracterstica do ponto de vista da funcionalidade dos artefatos. CONCLUSO Os dados contidos na documentao escrita, somados s informaes obtidas atravs de relatos orais, possibilitaram aduzir que o Guat um tpico representante dos grupos canoeiros que se estabeleceram nas reas inundveis do Pantanal Matogrossense. Portanto, o conhecimento de seus assentamentos e da sua forma de subsistncia de fundamental importncia para o entendimento da adaptao ecolgica dos demais grupos canoeiros que ali existiram no passado, especialmente os ceramistas que esto associados a aterros. Com base em fontes etnoistricas, foi possvel elucidar, ainda que de maneira aproximada, que a rea de ocupao do grupo est inclusa entre os paralelos de 1630 a 2100 de latitude Sul e os meridianos de 5630 a 5830 de longitude Oeste de Greenwich. Trata-se de uma rea de considervel extenso, cuja estratgia de ocupao do espao est relacionada a trs fatores cultural e ecologicamente importantes a sua subsistncia: 1) organizao social baseada em famlias autnomas umas das outras; 2) grande mobilidade espacial em decorrncia do uso da canoa como principal e decisivo meio de transporte, cuja caracterstica est intimamente associada ao etos cultural do grupo; 3) existncia de diferentes assentamentos que so ocupados sazonalmente. A subsistncia de cada famlia depende fundamentalmente da sua prpria capacidade autnoma de obter os recursos necessrios para sua sobrevivncia. Por outro lado, a diversidade biolgica que 191 caracteriza o habitat Guat favorece a explorao de uma gama de recursos faunsticos e florsticos, atravs das atividades de pesca, caa e coleta. De acordo com informaes orais, os Guat possuem trs tipos bsicos de assentamentos, segundo sua localizao na paisagem: marrabr ou aterro, modidjcum ou beira de rio e macarap ou beira de morraria. So locais associados s reas inundveis que compreendem a maior parte da regio, em geral ocupados sazonalmente - os modidjcum e os macarap principalmente durante a seca, e os marrabr destacadamente na cheia. Em relao aos marrabr, possvel afirmar a posteriori que eles so formados por um conjunto de fatores de ordem natural e antrpica. Representam uma forma de manejo do ambiente, uma interferncia direta do homem na paisagem local. o resultado, entre outras coisas, do trabalho humano de retirar sedimentos, conchas de gastrpodes aquticos e conchas de bivalves, de pontos mais baixos, para serem depositados em locais naturalmente elevados. Para as famlias sua principal funo era a de servir de assentamentos protegidos das inundaes peridicas. Apesar das limitaes impostas pelos dados etnogrficos, haja vista a no realizao de pesquisas etnoarqueolgicas, possvel apontar os aterros como os principais vestgios materiais das manifestaes culturais que ocorrem nas reas inundveis da regio. So testemunhos materiais de um tipo de estratgia de sobrevivncia caracterstica dos grupos canoeiros que ocuparam o Pantanal Matogrossense. Neste sentido, as fontes etnoistricas investigadas sugerem que as ltimas ocupaes cermicas dos aterros, que correspondem a grupos j extintos, devem datar em torno do incio da Conquista Ibrica. Numa perspectiva mais ampla, supe-se que os demais grupos ceramistas que ocuparam as reas inundveis da regio, assim como o Guat, deveriam apresentar algumas caractersticas culturais em comum, uma vez que deveriam estar submetidos a presses naturais semelhantes, seno 192 s mesmas. So elas: ser canoeiros de grande mobilidade espacial, ter uma semelhante forma de organizao social, possuir a mesma dinmica de assentamentos sazonais, subsistir fundamentalmente da explorao dos recursos naturais ali existentes, e portar uma tecnologia de nvel bastante simples quanto aos produtos finais. Como sugesto para trabalhos futuros, destaca-se a necessidade iminente de se desenvolver pesquisas etnoarqueolgicas na rea historicamente ocupada pelo grupo, com o propsito de averiguar os dados etnogrficos ora apresentados, alm de aprofundar o estudo acerca dos assentamentos e da subsistncia Guat. No caso, a prioridade dever ser para aquelas reas onde seja possvel contar com representantes que dominam a lngua original, como o caso da regio do rio Caracar. A partir desses estudos ser possvel, por exemplo, uma maior comparao da cultura material Guat com aquela que ocorre nos aterros e demais stios superficiais relacionados cermica do Primeiro Grupo, em busca de um modelo de ocupao pretrita para as reas inundveis do Pantanal. Por outro lado, muitas informaes ainda podem ser recolhidas atravs de relatos orais junto aos Guat que atualmente residem na cidade de Corumb. Outrossim, se faz necessrio ampliar as pesquisas a respeito de outros grupos canoeiros que se estabeleceram na regio, destacadamente o Guaxarapo e o Payagu, sobre os quais existe uma vasta documentao a ser explorada pelos arquelogos. BIBLIOGRAFIA AB'SABER, Aziz Nacib. O Pantanal Mato-grossense e a teoria dos refgios. Revista brasileira de geografia. Rio de Janeiro: IBGE, n. 50, p. 9-57, 1988. Tomo especial. ______. Pleo-climas quaternrios e pr-histria da Amrica Tropical. Ddalo. So Paulo: Universidade de So Paulo, Museu de Arqueologia e Etnologia, n. 1. p. 9-25, 1989. Publicaes avulsas. (Anais da 4 Reunio Cientfica da Sociedade de Arqueologia Brasileira). ADMOLI, Jorge. O Pantanal e suas relaes fitogeogrficas com os cerrados - discusso sobre o conceito de Complexo do Pantanal. In: CONGRESSO NACIONAL DE BOTNICA, 32, 1981, Teresina. Anais ... Teresina: Sociedade Botnica do Brasil, 1982. p. 109-119. ______. A dinmica das inundaes no Pantanal. In: SIMPSIO SOBRE RECURSOS NATURAIS E SCIO-ECONMICOS DO PANTANAL, 1, 1984, Corumb. Anais ... Braslia: EMBRAPA, Centro de Difuso e Tecnologia, 1986a. 265 p. p. 51-61. (Srie Documentos, 5). ______. Fitogeografia do Pantanal. In: SIMPSIO SOBRE RECURSOS NATURAIS E SCIO- ECONMICOS DO PANTANAL, 1, 1984, Corumb. Anais... Braslia, EMBRAPA, Centro de Difuso e Tecnologia, 1986b. 265 p. p. 105-106. (Srie Documentos, 5). ALINCOURT, Luiz d'. Reflexes sobre o systema de defesa que se deve adoptar na fronteira do Paraguay, em consequencia da revolta e dos insultos praticados ultimamente pela nao dos indios Guaicurus ou Cavalleiros. Revista do Instituto Historico e Geographico Brazileiro. Rio de Janeiro: Universal de Laemmert, t.20, p. 360-365, 1857. ______. Memria sobre a viagem do porto de Santos cidade de Cuiab. Prefcio de Mrio Guimares Ferri. Belo Horizonte: Itatiaia, So Paulo: Edusp, 1975. 207 p. (Coleo Reconquista do Brasil, 25). ALMEIDA, Fernando Flvio M. de. Traos gerais da geomorfologia do Centro-Oeste brasileiro. In: ALMEIDA, Fernando Flvio M. de, LIMA, Miguel A. de. Planalto centro-ocidental e Pantanal Mato-Grossense. Rio de Janeiro: Conselho Nacional de Geografia, 1959. 170 p. p. 7-65. 194 AMARAL FILHO, Zebino P. do. Solos do Pantanal Mato-Grossense. In: SIMPSIO SOBRE RECURSOS NATURAIS E SCIO-ECONMICOS DO PANTANAL, 1, 1984, Corumb. Anais ... Braslia: EMBRAPA, Departamento de Difuso e Tecnologia, 1986. 265 p. p. 91-103. (Srie Documentos, 5). AYALA, S. Cardoso, SIMON, F. Album graphico do Estado de Matto-Grosso. [s. n.]: Hamburgo, 1914. AZANHA, Gilberto. Relatrio Guat. Campo Grande: Centro de Trabalho Indigenista-MS, fev. 1991. 28 p. (no publicado). AZARA, Felix de. Descripcin e historia del Paraguay y del Ro de la Plata. Estudio preliminar y notas aclaratorias por Fernando Marquez Miranda. In: GAIBROIS, Manuel Ballesteros (Org.). Viajes por America del Sur. Madrid: Aguilar, t. 2, 1962. p. 331-497. BALDUS, Herbert. Max Schmidt 1874-1950. Revista do Museu Paulista. So Paulo: Museu Paulista, Nova Srie, v. 5, p. 253-260, 1951. ______. Bibliografia crtica da etnologia brasileira: So Paulo: Comisso do 4 Centenrio da Cidade de So Paulo, Servio de Comemoraes Culturais, 1954. 859 p. ______. Bibliografia crtica da etnologia brasileira. Hannover: Kommisionsverlag Mnstermann- Druck GMBH, v. 2, 1969. 864 p. (Vlkerkundliche Abhandlungen, Band 4). BANKS, Vic. The Pantanal: Brazil's forgotten wilderness. San Francisco: Sierra Club Books, 1991. 254 p. BEAUREPAIRE-ROHAN, Henrique de. Viagem de Cuyab ao Rio de Janeiro, pelo Paraguay, Corrientes, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, em 1846. Revista trimensal de historia e geographia ou Jornal do Instituto Historico e Geographico Brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Joo Ignacio da Silva, t. 9, p. 376-397, 1869. BERG, Maria Elisabeth van den. Formas atuais e potenciais de aproveitamento das espcies nativas e exticas do Pantanal Mato-Grossense. SIMPSIO SOBRE RECURSOS NATURAIS E SCIO-ECONMICOS DO PANTANAL, 1, 1984, Corumb. Anais ... Braslia: EMBRAPA, Departamento de Difuso e Tecnologia, 1986. 265 p. p. 131-136. (Srie Documentos, 5). BERTELLI, Antnio de P. O paraso das espcies vivas, Pantanal de Mato Grosso. So Paulo: Cerifa, 1984. 333 p. BERTHOD, Manuel. Testemunho do padre Manuel Berthod sbre a histria das redues do Itatim (20-03-1652). In: CORTESO, Jaime (Org.). Jesutas e bandeirantes no Itatim (1596-1760). Introduo, notas e glossrio por Jaime Corteso. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, Diviso de Obras Raras e Publicaes, 1952. 367 p. p. 98-103. (Manuscritos da Coleo de Angelis, 2). BINFORD, Lewis R. Smudge pits and hide smoking: the use of analogy in archaeological reasoning. American antiquity. v. 32, n. 1, p. 1-12, Jan. 1967. ______. Methodological considerations of the archeological use of ethnographic data. In: LEE, Richard B., DE VORE, Irven (Ed.). Man the hunter. Chicago: Aldine, 1973. p. 268-273. 195 ______. Willow smoke and dog's tails: hunter-gatherer settlement systems and archaeological site formation. American antiquity. v. 45, n. 1, p. 4-20, Jan. 1980. BITENCOURT, Ana Luisa V. Projeto Corumb - sub-regio do Abobral: a implantao dos aterros. In: REUNIO CIENTFICA DA SOCIEDADE DE ARQUEOLOGIA BRASILEIRA, 6, 1991, Rio de Janeiro. Anais ... Rio de Janeiro: CNPq/FINEP/Universidade Estcio de S, v. 2, p. 792-800, 1992. BLUMA, Fritz V. Stios arqueolgicos em Mato Grosso. Dimenso. Corumb: UEMT, Centro Pedaggico de Corumb, a. 3, n. 3, p. 133-38, set. 1973. BOLLAND, Henry. Exploraciones practicadas en el Alto Paraguay y en la laguna Gaiba. Buenos Aires: [s. n.?], 1901. apud SCHMIDT, Max. Estudos de etnologia brasileira. Peripcias de uma viagem entre 1900 e 1901; seus resultados etnolgicos. Traduo de Catharina Baratz Cannabrava. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942b. 393 p. (Coleo Brasiliana - Srie 5, 5). BORRERO, Luis Alberto, YACOBACCIO, Hugo Daniel. Etnoarqueologa de asentamientos Ach. Cazadores-recoletores del Paraguay Oriental. Journal de la Socit des Amricanistes de Paris. Paris, v. 75, p. 7-33, 1989. BOSSI, C. Batolom. Viage pintoresco por los ros Paran, Paraguay, Sn Lorenzo, Cuyab y el Arino tributario del Grande Amazonas con la descripcin de la Provincia de Mato Grosso bajo su aspecto fisico, geogrfico, mineralojico y sus producciones naturales. Paris: Dupray de la Mahrie, 1863. 153 p. BRANDO, Antnio Luiz. Carta destinada ao ilm e exm sr. presidente da Provncia de Mato Grosso (Cuiab, 13 de janeiro de 1872). In: Registro da correspondncia oficial da Diretoria Geral de ndios com a presidncia da Provncia (1848-1872). Cuiab: Arquivo Pblico de Mato Grosso, 1872. (manuscrito). BROWN JR., Keith S. Zoogeografia da regio do Pantanal Mato-grossense. In: SIMPSIO SOBRE RECURSOS NATURAIS E SCIO-ECONMICOS DO PANTANAL, 1, 1984, Corumb. Anais ... Braslia: EMBRAPA, Departamento de Difuso e Tecnologia, 1986. 265 p. p. 137-178. (Srie Documentos, 5). BUENO, Jos Antnio P. Extracto do discurso do presidente da Provincia do Mato-Grosso, o doutor Jos Antnio Pimenta Bueno, na abertura da Assemblia Legislativa Provincial, em o dia 1 de maro de 1837. Revista do Instituto Historico e Geographico Brazileiro. 3 ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, t. 2, p. 172-176, 1916. CABEZA DE VACA, Alvar N. Naufragios y comentarios. Edicin, introduccin y notas de Roberto Ferrando. 2 ed. Madrid: Raycar, 1984. 318 p. (Celecin Historia, 16 - Serie Cronicas de Amrica, 3). ______. Naufrgios e comentrios. Traduo de Jurandir Soares dos Santos. Porto Alegre: L & PM, 1987. 256 p. (Coleo L & PM/Histria - Srie Os Conquistadores, 3). CALDAS, Joo Augusto. Memoria historica sobre os indigenas da Provincia de Matto-Grosso. Rio de Janeiro: Moraes & Filhos, 1887. 61 p. 196 CAMPBELL, John M. Territoriality among ancient hunters: interpretations from ethnography and nature. In: MEGGERS, Betty (Ed.). Anthropological archaeology in the Americas. The Anthropological Society of Washington. Washington: Theo. Gau's sons Inc., 1968. p. 1-21. CAMPOS, Antnio P. de. Breve noticia que d o capito Antnio Pires de Campos do gentio barbaro que ha na derrota da viagem das Minas do Cuyab e seu reconcavo, ... Revista trimensal do Instituto Historico, Geographico e Ethnographico do Brazil. Rio de Janeiro: D. Luiz dos Santos, t. 25, p. 437-449, 1862. CARDOSO, Paulo A. Relatrio de viagem aos Guats. Braslia: Ministrio do Interior, Fundao Nacional do ndio-FUNAI, 1985. 32 p. (no publicado). CARMACK, Robert M. Etnohistoria y teora antropolgica. Traduccin de Flavio Rojas Lima. Guatemala: Ministrio de Educacin/Jos de Pineda Ibarra, 1979. 47 p. (Cuadernos del Seminario de Integracin Social Guatemalteca, 26). CARAVELLO, Jlio Csar. Fauna terrestre e aqutica. In: SIMPSIO SOBRE RECURSOS NATURAIS E SCIO-ECONMICOS DO PANTANAL, 1, 1984, Corumb. Anais ... Braslia: EMBRAPA, Departamento de Difuso e Tecnologia, 1986. 265 p. p. 179-182. (Srie Documentos, 5). CARVALHO, Newton de O. Hidrologia da bacia do Alto Paraguai. In: SIMPSIO SOBRE RECURSOS NATURAIS E SCIO-ECONMICOS DO PANTANAL, 1, 1984, Corumb. Anais ... Braslia: EMBRAPA, Departamento de Difuso e Tecnologia, 1986. 265p. p. 43-49. (Srie Documentos, 5). CARVALHO, Slvia M. S. Chaco: encruzilhada dos povos e melting pot cultural. In: CUNHA, Manuela C. da. Histria dos ndios no Brasil. So Paulo: Fapesp/Secretaria Municipal de Cultura/Companhia das Letras, 1992. 614 p. p. 457-474. CASTELNAU, Francis. Expdition dans les parties centrales del l'Amrique du Sud, de Rio de Janeiro a Lima, et de Lima au Para. Histoire du voyage. Paris, 1850-1851. 6 t. apud BALDUS, Herbert. Bibliografia crtica da etnologia brasileira. So Paulo: Comisso do 4 Centenrio da Cidade de So Paulo, Servio de Comemoraes Culturais, 1954. 859 p. ______. Expedio s regies centrais da Amrica do Sul. Traduo de Olivrio M. de Oliveira Pinto. So Paulo: Companhia Editora Nacional, t. 2, 1949. 379 p. (Coleo Brasiliana, 266-A). CSAR, Jos Vicente. Guat reaparecem aps 40 anos. Revista da atualidade indgena. Braslia: [s. n.?], a. 3, n. 17, p. 51-54, 1979. CHAMBERLAIN, Alexander F. The Carayan, Caririan, Chavantean and Guatoan linguistic stoks of South America. Sciense. v. 37, n. 948, p. 344, 1913. CHANG, K. C. Major aspects of the interrelationship of archaeology and ethnology. Current Anthropology. v. 8, n.3, p. 227-243, June 1967. ______. Nuevas perspectivas en arqueologa. Traduccin de Enrique Bernrdez y Miguel Rivera Dorado. Madrid: Alianza, 1976. 175 p. (Seccin Humanidades, 627). CHAPARRO, Marcelo, BEZERRA, Maria Anglica de O. Moluscos do Pantanal do Abobral - uma 197 abordagem arqueolgica. Corumb: UFMS, Centro Universitrio de Corumb, 1993. 18 p. (no publicado). CHIARA, Vilma. Armas: bases para uma classificao. In: RIBEIRO, Berta G. (Coord.). Suma etnolgica brasileira. 2 ed. Petrpolis: Vozes/FINEP, v. 2, 1987. 448 p. p. 117-137. CONCEIO, Cludio de A., PAULA, Jos Elias de. Contribuio para o conhecimento da flora do Pantanal Mato-Grossense e sua relao com a fauna e o homem. In: SIMPSIO SOBRE RECURSOS NATURAIS E SCIO-ECONMICOS DO PANTANAL, 1, 1984, Corumb. Anais ... Braslia: EMBRAPA, Centro de Difuso de Tecnologia, 1986. 265 p. p. 107-130. (Srie Documentos, 5). CONFLITOS DA MISSO DO ITATIM COM O BISPO DE ASSUNO E COM ALGUMAS BANDEIRAS PAULISTAS. C. 1650. [annimo?]. In: CORTESO, Jaime (Org.). Jesutas e bandeirantes no Itatim (1596-1760). Introduo, notas e glossrio por Jaime Corteso. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, Diviso de Obras Raras e Publicaes, 1952. 367 p. p. 84-97. (Manuscritos da Coleo de Angelis, 2). CONSELHO INDIGENISTA MISSIONRIO-MS. Dossi Guat. Campo Grande, 1988. 12 p. (no publicado). CORRA FILHO, Virglio. Mato Grosso. 2 ed. Rio de Janeiro: Braslica, v. 1, 1939. 269 p. ______. Pantanais Matogrossenses (devassamento e ocupao). Rio de Janeiro: IBGE, Conselho Nacional de Geografia, 1946. 170 p. (Coleo Biblioteca Geogrfica Brasileira - Srie A, 3). ______. Histria de Mato Grosso. Rio de Janeiro: MEC, Instituto Nacional do Livro, 1969. 741 p. (Coleo Cultura Brasileira - Srie Estudos, 2). COSTA E SILVA, Paulo P. Estudo bibliogrfico da histria, geografia e etnologia de Mato Grosso. Cuiab: CCS, 1992. 333 p. (Coleo Coisas de Mato Grosso, 3). CRUVINEL, Noraldino Vieira. Relatrio de viagem aos Guats. Processo FUNAI/BSB/4683/77, 1977. p. 82-127. apud CARDOSO, Paulo A. Relatrio de viagem aos Guats. Braslia: Ministrio do Interior, Fundao Nacional do ndio/FUNAI, 1985. 32 p. (no publicado). CUNHA, H. Pereira. Viagens e caadas em Mato Grosso. 4 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1949. 207 p. DEBERT, Guita G. Problemas relativos utilizao da histria de vida e histria oral. In: CARDOSO, Ruth. (Org.). Aventura antropolgica. So Paulo: Paz e Terra, 1986. 156 p. p. 141-156. DEL'ARCO, Jeferson O., SILVA, Rgis H. da S., TARAPANOFF, Igor et al. Geologia. In: PROJETO RADAMBRASIL. Folha SE.21 e parte da folha SE.20. Rio de Janeiro: Ministrio das Minas e Energia, Secretaria-Geral, 1982. 451 p. p. 25-160. (Srie Levantamento de Recursos Naturais, 27). DORTA, Snia F. Colees etnogrficas: 1650-1955. In: CUNHA, Manuela C. da (Org.). Histria dos ndios no Brasil. So Paulo: Fapesp/Secretaria Municipal de Cultura/Companhia das Letras. 1992. 614 p. p. 501-528. 198 ECO, Humberto. Como se faz uma tese. Traduo de Gilson Csar Cardoso de Souza. Apresentao edio brasileira de Lucrcia D'Alssio Ferrara. So Paulo: Perspectiva, 1983. 184 p. (Coleo Estudos, 85). FERREIRA, Joaquim A. Noticia sobre os indios de Matto-Grosso dada em officio de 2 de dezembro de 1848 ao ministro e secretrio d'Estado dos Negcios do Imperio, pelo director geral dos indios da ento Provincia. O Archivo. Revista destinada vulgarisao de documentos geographicos e historicos do Estado de Matto-Grosso. Cuiab: [s. n.], a. 3, v. 2, 1905. p. 79-96. Edio fac-similar completa 1904-1906. Vrzea Grande: Fundao Jlio Campos, 1993. (Coleo Memrias Histricas, 3). ______._________. In: AYALA, S. C. & SIMON, F. Album graphico do Estado de Matto-Grosso. Hamburgo: [s. n.], 1914. p. 88-97. FERREIRA, Aurlio B. de H. Novo dicionrio da lngua portuguesa. 2 ed. 25 impresso. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. 1.838 p. FERRER, Diogo. nua do padre Diogo Ferrer para o provincial sbre a geografia e etnografia dos indgenas do Itatim (21-8-1633). In: CORTESO, Jaime (Org.). Jesutas e bandeirantes no Itatim (1596-1760). Introduo, notas e glossrio por Jaime Corteso. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, Diviso de Obras Raras e Publicaes, 1952. 367 p. p. 29-49. (Manuscritos da Coleo de Angelis, 2). FIGUIREDO, Lima. ndios do Brasil. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939. 348 p. (Coleo Brasiliana, 163). FLORENCE, Hrcules. Esboo da viagem feita pelo sr. de Langsdorff no interior do Brasil, desde setembro de 1825 at maro de 1829. Traduo de Alfredo d'Escragnolle Taunay. Revista trimensal do Instituto Historico, Geographico e Etnographico do Brasil. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, t. 38, Segunda parte, p. 355-469, 1875. ______. Viagem fluvial do Tiet ao Amazonas de 1825 a 1929. Traduo de Alfredo d'Escragnolle Taunay. 2 ed. So Paulo: Melhoramentos, 1948. 343 p. FONSECA, Joo Severiano da. Viagem ao redor do Brasil (1875-1878). Rio de Janeiro: Typographia de Pinheiro & C., v. 1, 1880. FRANCO, Maria do Socorro M., PINHEIRO, Rui. Geomorfologia. In: PROJETO RADAMBRASIL. Folha SE.21 Corumb e parte da folha SE.20. Rio de Janeiro: Ministrio das Minas e Energia, Secretaria-Geral, 1982. 451 p. p. 161-224. (Srie Levantamento de Recursos Naturais, 27). GANDA, Enrique de. Historia del Gran Chaco. Buenos Aires: Juan Roldan, 1929. 211 p. GARCA, Eduardo Alfonso C. ndices tcnico-econmicos da regio do Pantanal Mato- Grossense. Corumb: EMBRAPA, Unidade de Execuo de Pesquisa de mbito Estadual, 1981. 81 p. (Srie Circular Tcnica, 7). ______. O clima no Pantanal Mato-Grossense. Corumb: EMBRAPA, Unidade de Execuo de Pesquisa de mbito Estadual, 1984. 39p. (Srie Circular Tcnica, 14). 199 GARCA, Eduardo Alfonso C., CASTRO, Lus Hernn R. Anlise da freqncia de chuva no Pantanal Mato-grossense. In: Pesquisa agropecuria brasileira. Braslia: EMBRAPA, n. 21, v. 9, set. 1986. p. 909-925. GEOGRAFIA DO BRASIL. Rio de Janeiro: IBGE, Diretoria Tcnica, v. 4, 1977. 364 p. ______.______--. Rio de Janeiro: IBGE, Diretoria de Geocincias, v. 1, 1989. 267 p. GIRELLI, Maribel. Lajedos com gravuras na regio de Corumb, MS. So Leopoldo: Instituto Anchietano de Pesquisas/UNISINOS, 1994. 176 p. GODOI FILHO, Jos D. de. Aspectos geolgicos do Pantanal Mato-Grossense e sua rea de influncia. In: SIMPSIO SOBRE RECURSOS NATURAIS E SCIO-ECONMICOS DO PANTANAL, 1, 1984, Corumb. Anais ... Braslia: EMBRAPA, Departamento de Difuso e Tecnologia, 1986. 265 p. p. 63-76. (Srie Documentos, 5). GUERRA, Antnio T. Dicionrio geolgico-geomorfolgico. 5 ed. Reviso e atualizao de Ignez Amlia Teixeira Guerra e Antnio Jos Teixeira Guerra. Rio de Janeiro: IBGE, 1978. 446 p. GUZMN, Ruy Daz de. Anales del descubrimiento, poblacin y conquista del ro de la Plata. Observacin, notas, etc. de Roberto Quevedo. Asuncin: Comuneros, 1980. 305 p. HARTMANN, Thekla. Bibliografia crtica da etnologia brasileira. Berlin: Reimer Verlag, v. 3, 1984. 724 p. (Vlkerkundliche Abhandlungen, Band 9). HASSLER, Emir. Zentralsdamerikanische Forschungen Fernschau. Jahrbuch der Mittelschweizerischen Geographisch-Commerziellen Gesellschaft in Aarau. Aarau: [s.n.?], v. 2, 1988. p. 1-138, 1888. apud BALDUS, Herbert. Bibliografia crtica da etnologia brasileira. So Paulo: Comisso do 4 Centenrio da Cidade de So Paulo, Servio de Comemoraes Culturais, 1954. 859 p. ISTO . So Paulo: Trs Editorial, n. 1.304, set. 1994.112 p. JARDIM, Ricardo Jos G. Creao da Directoria dos Indios na Provincia de Mato Grosso. Revista trimensal de historia e geographia ou Jornal do Instituto Historico e Geographico Brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Joo Ignacio da Silva, t. 9, p. 548-554, 1869. KERSTEN, Ludwig. Las tribus indgenas del Gran Chaco hasta fines del siglo XVIII. Una contribuicin a la etnografa histrica de Sudamrica. Traduccin de Jorge von Hauenschid. Advertencia preliminar del Professor Eldo Serafn Morresi. Resistencia: Universidad Nacional del Nordeste, Faculdad de Humanidades, 1968. 130 p. KLAMMER, Gerhard. Die Palowste des Pantanal von Mato Grosso und die pleistozne Klimageschichte der brasilianischen Randttropen. Zeitschrift fr Geomorphologie. Berlin: Gebrder Borntraeger, Band 26, Helf 4, p. 393-416, 1982. KOSLOWSKY, Julio. Tres semanas entre los indios Guats. Excursin efectuada en 1894. La Plata: Talleres de Publicaciones del Museo, 1895. 30 p. Separata de la Revista del Museo de La Plata. t. 6. 200 KRAMER, Carol (Ed.). Ethnoarchaeology: implications of etnography for archaeology. New York: Columbia University, 1979. 292 p. LABRADOR, Jos Snchez. El Paraguay Catlico. Buenos Aires: Coni Hermanos, 1910. 2 t. LAVINA, Rodrigo. Os Xokleng de Santa Catarina: uma etno-histria e sugestes para arquelogos. So Leopoldo: Instituto Anchietano de Pesquisas/UNISINOS, 1994. 171 p. LEHMANN, Alberto; SCOTTI, Pietro. La collezione etnografica sudamericana Boggiani del Museo Etnologico de Berlino. Atti della Accademia Ligure di Scienze e Lettere. Genova: [s.n.?], v. 28, p. 121-141, 1972. apud HARTMANN, Thekla. Bibliografia crtica da etnologia brasileira. Berlin: Reimer Verlag, v. 3, 1984. 724 p. (Vlkerkundliche Abhandlungen, Band 9). LEITE, Alexandre Jos. Relatrio exigido pelo presidente da Provncia, Augusto Leverger, em ofcio de 10 de junho de 1869 (Cuiab, 27 de julho de 1869). In: Registro da correspondncia oficial da Diretoria Geral de ndios com a presidncia da Provncia (1848-1872). Cuiab: Arquivo Pblico de Mato Grosso, 1869. (manuscrito). LEVERGER, Augusto [Baro de Melgao]. Roteiro da navegao do rio Paraguay desde a foz do S. Loureno at o Paran. Revista trimensal do Instituto Historico, Geographico e Ethnographico do Brazil. Rio de Janeiro: D. Luiz dos Santos, t. 25, p. 211-284, 1862a. ______. Roteiro da navegao do rio Paraguay desde a foz do rio Sepotuba at o rio S. Loureno. Revista trimensal do Instituto Histrico, Geographico e Ethnographico do Brasil. Rio de Janeiro: D. Luiz dos Santos, t. 25, p. 287-352, 1862b. ______. Condies administrativas da Provincia de Matto-Grosso apresentadas em relatrio de 13 de janeiro de 1852 ao ministro e secretario de Estado dos Negocios do Imperio, pelo presidente, Augusto Leverger. O archivo. Revista destinada vulgarizao de documentos geographicos e historicos do Estado de Matto-Grosso. Cuiab: [s. n.], a. 1, v. 3, p. 143-150, 1905. Coleo fac- similar completa 1904-1906. Vrzea Grande: Fundao Jlio Campos, 1993a. (Coleo Memrias Histricas, 3). ______. Tabella de latitudes e longitudes de diversos logares de Matto-Grosso, determinadas por observaes astronomicas, pelo Baro de Melgao. O archivo. Revista destinada vulgarizao de documentos geographicos e historicos do Estado de Matto-Grosso. Cuiab: [s. n.], a. 1, v. 3, p. 161-166, 1905. Coleo fac-similar completa de 1904-1906. Vrzea Grande: Fundao Jlio Campos, 1993b. (Coleo Memrias Histricas, 3). LVI-STRAUSS, Claude. Tristes Trpicos. Traduo de Jorge Constante Pereira. Lisboa: Edies 70, 1986. 416 p. (Coleo Perspectivas do Homem - Srie As Culturas, As Sociedades). ______. Antropologia estrutural. Traduo de Chaim Samuel Katz e Eginardo Pires. 4 ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1991. 456 p. (Biblioteca Tempo Universitrio, 7). LIMA, Tnia A. Cermica indgena brasileira. In: RIBEIRO, Berta G. (Coord.). Suma etnolgica brasileira. 2 ed. Petrpolis: Vozes/FINEP, v. 2, 1987. 448 p. p. 173-229. LINS NETO, Jos Gondim, PEREIRA, Luiz Rogrio, GUTMAN, Csar Roberto. Relatrio do deslocamento regio habitada pelos ndios Guat. Campo Grande: FUNAI, 1991. 17 p. (no publicado). 201 LIZARRAGA, Reginaldo de. Carta del obispo del ro de la Plata, fray Reginaldo de Lizarraga, al rey, en que informa sobre el estado eclesistico de su dicesis, 30 de septiembre de 1609. In: REVELLO, Jos Torre (Org.). Documentos histricos y geogrficos relativos a la conquista y colonizacin rioplatense. Memorias y relaciones histricas y geogrficas, introduo de Jos Torre Revello. Buenos Aires: Casa Jacobo Peuser, t. 1, 1941. p. 211-217. LOUKOTKA, Cestmr. Linguas indigenas do Brasil. Revista do Arquivo Municipal. So Paulo: a. 5, v. 54, p. 147-174, 1939. ______. Classification of south american indian languages. Los Angeles: Latin American Center of University of California, 1968. 453 p. (Reference Series, 7). LOUREIRO, Rui Lopes de, LIMA, Joo Paulo de S., FONZAR, Benedicta Catharina. Vegetao: as regies fitogeogrficas, sua natureza e seus recursos econmicos. In: PROJETO RADAMBRASIL. Folha SE.21 Corumb e parte da folha SE.20. Rio de Janeiro: Ministrio das Minas e Energia, Secretaria-Geral, 1982. 451 p. p. 329-372. (Srie Levantamento de Recursos Naturais, 27). LOZANO, Pedro. Historia de la conquista del Paraguay, ro de la Plata y Tucumn. Buenos Aires, Imprenta Popular, 1874-1875. 5 t. ______. Exame necessrio do padre Lozano sbre o manifesto do padre Vargas Machucha (1760). In: CORTESO, Jaime (Org.). Jesutas e bandeirantes no Itatim (1596-1760). Introduo, notas e glossrio por Jaime Corteso, Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, Diviso de Obras Raras e Publicaes, 1952. 367 p. p. 311-330. (Manuscritos da Coleo de Angelis, 2). MACERATA, Jos Maria de. Relatrio de frei Jos Maria de Macerata ao sr. Zefirino Pimentel Moreira Freire, onde descreve as diversas naes de ndios que residem em diversos lugares da Provncia de Mato Grosso (Cuiab, 5 de dezembro de 1843). Transcrio de Alfredo Sganzerla. Cuiab, 1843. 9 p. (no publicado). MACROZONEAMENTO GEOAMBIENTAL DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. Campo Grande: Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, FIPLAN-MS, 1989. 242 p. MAGALHES, Almicar A. B. Impresses da Commisso Rondon. 5 ed. Illustrada, actualizada e augmentada. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942. 445 p. (Coleo Brasiliana, 211). MAGALHES, Jos V. C. de. Ensaio de anthropologia: regio e raas selvagens. Revista trimensal do Instituto Historico, Geographico e Ethnographico do Brasil. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, t. 36, 2 Parte, 1873. p. 359-508. ______. O selvagem. Prefcio de Vivaldi Moreira. Belo Horizonte: Itatiaia, So Paulo: Edusp, 1975. 159 p. [Em apndice o fac-smile da 1 edio de 1876]. (Coleo Reconquista do Brasil, 16). MAGALHES, Ncia W. de. Conhea o Pantanal. So Paulo: Terragraph, 1992. 390 p. MALHANO, Hamilton B. Glossrio da habitao. In: RIBEIRO, Berta G. (Coord.). Suma etnolgica brasileira. 2 ed. Petrpolis: Vozes/FINEP, v. 2, 1987. 448 p. p. 93-94. MANIZER, G. G. A expedio do acadmico G. I. Langsdorff ao Brasil (1821-1928). Traduo de 202 Osvaldo Peralva. Edio pstuma organizada por B. G. Xprintsin. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967. 244 p. (Coleo Brasiliana, 329). MARTINS, Gilson Rodolfo. Breve painel etno-histrico do Mato Grosso do Sul. Campo Grande: UFMS/FNDE, 1992. 80 p. MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Beitrge zur Ethnographie und Sprachenkunde Amerika's zumal Brasiliens. Erlangen: Druck von Junge & Sohn, 1867. 2 v. MAUSS, Marcel. Manual de etnografia. Traduo de J. Freitas e Silva. Prefcio de Denise Paulme. Lisboa: Dom Quixote, 1993. 250 p. (Coleo Nova Enciclopdia, 44). MELLO, Raul S. de. Histria do Forte de Coimbra. Rio de Janeiro: Imprensa do Exrcito, v. 1, 1958. 292 p. MENDONA, Rubens de. Bibliografia mato-grossense. Cuiab: Edies UFMT, 1975. (Coleo Esboos e Levantamentos, 13). MTRAUX, Alfred. Estudios de etnografa chaquense. Anales del Instituto de Etnografa Americana. Traduo de Salvador Canals Frau. Cuyo: Universidad Nacional de Cuyo, v. 5, p. 263-314, 1944. ______. The native tribes of eastern Bolivia and western Matto Grosso. Bulletin. Washington: United States Government Printing Office/Smithsonian Institution, Bureau of American Ethnology, n. 134, 1942. 182 p. apud BALDUS, Herbert. Bibliografia crtica da etnologia brasileira. So Paulo: Comisso do 4 Centenrio da Cidade de So Paulo, Servio e Comemoraes Culturais, 1954. 859 p. ______. Etnography of the chaco. In: STEWARD, Julian H. (Ed.). Handbook of south american indians. New York: Cooper Square Publishers, v. 1, 1963a. 624 p. p. 197-370. ______. The Guat. In: STEWARD, Julian H. (Ed.). Handbook of south american indians. New York: Cooper Square Publishers, v. 1, 1963b. 624 p. p. 409-419. ______. Armas. In: RIBEIRO, Berta G. (Coord.). Suma etnolgica brasileira. 2 ed. Petrpolis: Vozes/FINEP, v. 2, 1987. 448 p. p. 139-161. MONOYER, E. Les indiens Guatos du Matto-Grosso. Journal de la Socit des Amricanistes de Paris. Paris: [s.n.?], v. 2, p. 155-158, 1905. MONTEIRO, Salvador, KAZ, Leonel (Ed.). Expedio Langsdorff ao Brasil. Iconografia do Arquivo da Academia de Cincias da Unio Sovitica. Reproduo fotogrfica por Claus C. Meyer. Texto por Boris Komissarov. Classificao cientfica e comentrios por Luiz Emygdio de Mello Filho e outros. Rio de Janeiro: Alumbramento/Livroarte, v. 3, 1988. 135 p. (Aquarelas e desenhos de Florence). MOURA, Pedro de. Bacia do Alto Paraguai. Revista brasileira de geografia. So Paulo: IBGE, a. 5, n. 1, p. 3-38, jan.-mar. 1943. MOURE, Amd. Les indiens de la Province de Mato-Grosso (Brsil). Paris: E. Thunot et Ce, 1862. 56 p. 203 MOUTINHO, Joaquim Ferreira. Notcia sobre a Provncia de Matto Grosso. So Paulo: Henrique Schoroeder, p. 182-185, 1869. apud PALCIO, Adair P. Guat: a lngua dos ndios canoeiros do rio Paraguai. Tese (Doutorado em Cincias) - Departamento de Lingstica do Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, 1984. 155 p. MURDOCK, George P., FORD, Clellan S., HUDSON, Alfred E. et al. Gua para la clasificacin de los datos culturales. Versin castellana preparada por el Instituto Indigenista Nacional de Guatemala y la Unin Panamericana. 3 ed. Washington: Secretara General de la Organizacin de los Estados Americanos, 1963. 295 p. (Serie Manuales Tcnicos, 9). NATIONAL GEOGRAPHIC MAGAZINE. Washington: National Geographic Society, v. 122, n. 3, Sep. 1962. 458 p. NEWTON, Dolores. Cultura material e histria cultural. In: RIBEIRO, Berta (Coord.). Suma etnolgica brasileira. 2 ed. Petrpolis: Vozes/FINEP, 1987. 448 p. p. 15-25. NIMUENDAJU, Curt. Mapa etno-histrico de Curt Nimuendaju. Rio de Janeiro: IBGE/Fundao Nacional Pr-Memria, 1981. 97 p. NOELLI, Francisco Silva. Sem tekoh no h tek: em busca de um modelo etnoarqueolgico da aldeia e da subsistncia Guarani e sua aplicao a uma rea de domnio no delta do rio Jacu- RS. Dissertao (Mestrado em Histria, rea de Concentrao em Histria Ibero-Americana) - Instituto de Filosofia e Cincias Humanas, Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, 1993. 2 v. OBERG, Kalervo. Indian tribes of northern Mato Grosso, Brazil. Publication. Washington: Smithsonian Institution, Institute of Social Anthropology/United States Government Printing Office, n. 15, 1953. 144 p. OLIVEIRA, Joo Baptista de. Relatrio da catechese e civilizao dos indios destinado ao conselheiro Herculano Ferreira Penna Serra, dignssimo presidente da Provncia de Mato Grosso (Cuiab, 28 de abril de 1862). In: Registro da correspondncia oficial da Diretoria Geral de ndios com a presidncia da Provncia (1848-1872). Cuiab: Arquivo Pblico de Mato Grosso, 1862a. (manuscrito). ______. Carta endereada ao ilm e exm sr. Herculano Ferreira Penna, dignssimo presidente da Provncia de Mato Grosso (Cuiab, 10 de julho de 1862). In: Registro da correspondncia oficial da Diretoria Geral de ndios com a presidncia da Provncia (1848-1872). Cuiab: Arquivo Pblico de Mato Grosso, 1862b. (manuscrito). ______. Carta endereada ao exm e ilm sr. conselheiro Herculano Ferreira Penna, dignssimo presidente da Provncia de Mato Grosso (Cuiab, 2 de maio de 1864). In: Registro da correspondncia oficial da Diretoria Geral de ndios com a presidncia da Provncia (1848- 1872). Cuiab: Arquivo Pblico de Mato Grosso, 1864. (manuscrito). OLIVEIRA, Jorge E. de. A utilizao da analogia etnogrfica no estudo dos aterros da regio pantaneira de Corumb, MS. Comunicao apresentada na 7 Reunio Cientfica da Sociedade de Arqueologia Brasileira, Joo Pessoa, 1993. 7 p. (no prelo). OLIVEIRA, Jorge E. de; PEIXOTO, Jos Luis dos S. Arqueologia no Pantanal: o Projeto Corumb. Comunicao apresentada no Seminrio-Feira de Pesquisa e Ps-Graduao da 204 Universidade do Vale do Rio dos Sinos, So Leopoldo, 1993a. 3 p. (no publicado). ______. Diagnstico de avaliao do impacto do Gasoduto Bolvia-Brasil ao patrimnio arqueolgico do Estado de Mato Grosso do Sul - trecho Corumb-Terenos (km 0-350). Trabalho de consultoria tcnica em Arqueologia, Porto Alegre, 1993b. 96 p. (no publicado). OLIVEIRA, Roberto C. de, LARAIA, Roque de B., OLIVEIRA, A. G. de. Os ndios do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul. Relatrio, Braslia, 1979. 134 p. (no publicado). ORIOLI, lvaro Luiz, AMARAL FILHO, Zebino P. do, OLIVEIRA, Ademir Benedito de. Pedologia: levantamento exploratrio de solos. In: PROJETO RADAMBRASIL. Folha SE.21 Corumb e parte da folha SE.20. Rio de Janeiro: Ministrio das Minas e Energia, Secretaria- Geral, 1982. 451 p. p. 225-328. (Srie Levantamento de Recursos Naturais, 27). PAIVA, Melquades Pinto. Aproveitamento de recursos faunsticos do Pantanal Mato-Grossense: pesquisas necessrias e desenvolvimento de sistemas de produo mais adequados regio. Braslia: EMBRAPA, DPP, 1984. (Srie Documentos, 7). PALCIO, Adair P. Os Guat. Comunicao apresentada na 11 Reunio da Associao Brasileira de Antropologia, Recife, 1978. 10 p. (no publicado). ______. Guat: a lngua dos ndios canoeiros do rio Paraguai. Tese (Doutorado em Cincias) - Departamento de Lingstica do Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, 1984. 155 p. ______. Aspects of the morphology of Guat. In: ELSON, Benjamin F. (Ed.). Language in global perspective. Dallas: Sumer Institute of Linguistic, p. 363-371, 1986. ______. Guat: uma lngua redescoberta. Cincia hoje. v. 5, n. 29, p. 74-75, 1987. PALCIO, Adair P. & RODRIGUES, Aryon D. Marcadores de pessoas em Guat e Kadiwu. Comunicao apresentada na 18 Reunio do Grupo de Estudos Lingsticos de So Paulo. So Paulo, 1979. 3 p. (no publicado). PASSOS, Jos Afonso de M. B. Alguns petrglifos em Mato Grosso com apndice sobre outros do Paraguai e Bolvia. Tese (Livre-Docncia em Histria, disciplina de Pr-histria) - Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, 1975. 79 p. PETRULLO, Vicent M. Primitive peoples of Matto Grosso. The Museum Journal. Philadelphia: n. 2, v. 23, p. 91-178, 1932. PLANELLA, Joo Jos. Instrumento de trabalho: a revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro. Porto Alegre: PUC-RS, 1983. 341 p. (no publicado). POSEI, Darrel A. Etnobiologia. In: RIBEIRO, Berta G. (Coord.). Suma etnolgica brasileira. 2 ed. Petrpolis: Vozes/FINEP, v. 1. 1987a. 302 p. p. 15-25. ______. Manejo da floresta secundria, capoeiras, campos e cerrados (Kayap). In: RIBEIRO, Berta G. (Coord.). Suma etnolgica brasileira. 2 ed. Petrpolis: Vozes/FINEP, v. 1, 1987b. 302 p. p. 173-185 p. 205 POTT, Arnildo. Pastagens no Pantanal. Corumb: EMBRAPA, Centro de Pesquisa Agropecuria do Pantanal, 1988. 58 p. (Documentos, 7) PRANCE, G. T., SCHALLER, G. B. Preliminary study of some vegetation types of the Pantanal, Mato Grosso, Brasil. Brittonia. New York, v. 32, n. 2. p. 228-251, 1982. PROJETO RADAMBRASIL. Folha SE.21 Corumb e parte da folha SE.20. Rio de Janeiro: Ministrio das Minas e Energia, Secretaria-Geral, 1982. 451 p. (Srie Levantamento de Recursos Naturais, 27). PROUS, Andr. Arqueologia brasileira. Braslia: UnB, 1992. 605 p. QUIROGA, Jos. Descripcin del ro Paraguay desde la boca del Xauru hasta la confluencia del Paran (1838). In: ANGELIS, Pedro de. Colecin de obras y documentos relativos a la historia antigua y moderna de las provincias del ro de la Plata. Prlogos y notas de Andrs M. Carretero. Buenos Aires: Plus Ultra, t. 6, 1970. 803 p. p. 65-88. RAMIRES, Mrio. A volta de maguat, o frango d'gua pantaneiro. MS Cultura. Campo Grande: Fundao de Cultura de Mato Grosso do Sul, a. 3, n. 7, p. 37-46, 1987. REFERENCIAL HIDROGRFICO DE MATO GROSSO DO SUL. Campo Grande: FIPLAN-MS, Coordenadoria de Geografia e Cartografia, 1990. 177 p. REGISTRO DA CORRESPONDNCIA OFICIAL DA DIRETORIA GERAL DE NDIOS COM A PRESIDNCIA DA PROVNCIA (1848-1872). Cuiab: Arquivo Pblico de Mato Grosso, 1848-1872. (manuscrito). REGO, Maria do Carmo de M. Artefactos indgenas de Matto Grosso. Archivos do Museo Nacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, v. 10, p. 175-184, 1899. RIBEIRO, Berta G. (Coord.). Suma etnolgica brasileira. 2 ed. Petrpolis: Vozes/FINEP, 1987a. 3 v. ______. A arte de tranar: dois macroestilos, dois modos de vida. In: RIBEIRO, Berta G. (Coord.). Suma etnolgica brasileira. 2 ed. Petrpolis: Vozes/FINEP, v. 2, 1987b. 448 p. p. 283-321. ______. Dicionrio do artesanato indgena. Ilustraes de Hamilton Botelho Malhano. Belo Horizonte: Itatiaia, So Paulo: EDUSP, 1988. 344 p. (Coleo Reconquista do Brasil - 3 Srie Especial, 4). RIBEIRO, Darcy. Culturas e lnguas indgenas do Brasil. Educao e cincias sociais. Boletim do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisas Educacionais, a. 3, n. 6, v. 2, p. 5-102, 1957. ______. Os ndios e a civilizao. A integrao das populaes indgenas no Brasil moderno. 5 ed. Petrpolis: Vozes, 1986. 509 p. RIZZINI, Carlos T., COIMBRA FILHO, Adelmar F., HOUAISS, Antnio. Ecossistemas brasileiros. Edio bilnge portugus-ingls. Rio de Janeiro: Enge-Rio/Index, 1988. RODRIGUES, Aryon D. Tarefas da lingstica no Brasil. Revista brasileira de lingstica terica e 206 aplicada. So Paulo: Centro de Lingstica Aplicada do Izigi, n. 1, v. 1, p. 4-15, 1966. ______. Lnguas Amerndias. In: Grande enciclopdia Delta Larousse. Rio de Janeiro: Delta, 1970. apud PALCIO, Adair Pimentel. Guat: a lngua dos ndios canoeiros do rio Paraguai. Tese (Doutorado em Cincias) - Departamento de Lingstica do Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, 1984, 155 p. ______. Lnguas brasileiras. Para o conhecimento das lnguas indgenas. So Paulo: Loyola, 1986. 135 p. RODRIGUES, Sandra N., MATSUNAKA, Yuri, DUARTE, Paulo. Guat: povo canoeiro do Pantanal. Boletim Kaguateca. Campo Grande: Associao de ndios Desaldeados Kaguateca Maral de Souza, n. 2, 1991. 4 p. ROGGE, Jairo Henrique, SCHMITZ, Pedro Ignacio. Projeto Corumb: a cermica dos aterros. In: REUNIO CIENTFICA DA SOCIEDADE DE ARQUEOLOGIA BRASILEIRA, 6, Rio de Janeiro. Anais ... Rio de Janeiro, CNPq/FINEP/Universidade Estcio de S, 1992. p. 781-791. ______. Projeto Corumb: a ocupao pelos grupos ceramistas pr-coloniais. Comunicao apresentada na 7 Reunio Cientfica da Sociedade de Arqueologia Brasileira, Joo Pessoa, 1993. 11 p. (no prelo). ROHDE, Richard. Original-Mittheilungen aus der Ethnologischen Abtheilung der Kniglichen Museen zu Berlin. Berlin: [s.n.?], 1885. p. 11-16. apud BALDUS, Herbert. Bibligrafia crtica da etnologia brasileira. So Paulo: Comisso do 4 Centenrio da Cidade de So Paulo, Servio de Comemoraes Culturais, 1954. 859 p. RONDON, Cndido Mariano da S. ndios do Brasil do centro, noroeste e sul de Mato-Grosso. Rio de Janeiro: Conselho Nacional de Proteo aos ndios/Ministrio da Agricultura, v. 1, 1946. 366 p. ______. Relatrio dos trabalhos realizados de 1900-1906 pela Comisso de Linhas Telegrficas do Estado de Mato-Grosso, apresentadas s autoridades do Ministrio da Guerra. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1949. 333 p. RONDON, Frederico. Na Rondnia ocidental. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. 281 p. (Coleo Brasiliana, 130). RONDON, J. Lucdio N. No Pantanal e na Amaznia em Mato Grosso. So Paulo: Urups, 1971. 209 p. ______. Tipos e aspectos do Pantanal. So Paulo: Urups, 1972. 160 p. ROOSEVELT, Theodoro. Atravs do serto do Brasil. Traduo de Conrado Erichsen. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1944. 228 p. (Coleo Brasiliana, 232). ROQUETTE-PINTO, Edgar. Rondnia. 6 ed. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1975. 285 p. (Coleo Brasiliana, 39). ROYAL ANTHROPOLOGICAL INSTITUTE OF GREAT BRITAIN AND IRELAND. Guia Prtico de Antropologia. Traduo de Octvio Mendes Cajado. 2 ed. So Paulo: Cultrix, 207 1973. 431 p. S, Joseph Barboza de. Ralaa das povoaoens do Cuyab e Mato Grosso de seus principios th os prezentes tempos. Cuiab: Edies UFMT, 1975. 55 p. (Coleo Ouro e Mel, 12). SAUER, Carl O. As plantas cultivadas na Amrica do Sul tropical. In: RIBEIRO, Berta G. (Coord.). Suma etnolgica brasileira. 2 ed. Petrpolis: Vozes/FINEP, v. 1, 1987. 302 p. p. 59-90. SCHINDLER, Helmut. Die Reiterstmme des Gran Chaco. Berlin: Dietrich Reimer Verlag, 1983. 242 p. (Vlkerkundliche Abhandlungen, Band VIII). SCHMIDT, Max. Die Guat. Verhandlungen der Berliner Anthropologischen Gesellschaft. Sitzung vom 15 Feb. 1902, p. 77-89, 1902. ______. Das Feuerbohren nach indianischer Weise. Zeitschrift fr Ethnologie. Berlin, Band 35, Heft 1, 75-80, 1903. ______. Ableitung sdamerikanischer Geflechtmuster aus der Technik des Flechtens. Zeitschrift fuer Ethnologie. Berlin, Band 36, Heft 3-4, p. 490-512, 1904. ______. Indianerstudien in Zentralbrasilien. Erlebnisse und ethnologische Ergebnisse einer Reise in den Jahren 1900 bis 1901. Berlin: Dietrich Reimer (Ernst Vohsen), 1905. 456 p. ______. Reisen in Matto Grosso im Jahre 1910. Zeitschrift fr Ethnologie. Berlin, Band. 44, Heft 1, p. 130-174, 1912. ______. Die Guato und ihr Gebiet. Ethnologische und archologische Ergebnisse der Expedition zum Caracara-fluss in Matto-Grosso. Baessler-Archiv. Berlin: Druck und Verlag von B. G. Teubner, Band 4, Heft 6, p. 251-283, 1914. ______. Verhltnis zwischen Form und Gebrauchszweck bei sdamerikanischen Sachgtern, besonders den keulenfrmigen Holzgerten. Zeitschrift fr Ethnologie. Berlin, Heft 1, p. 12-39, 1918. ______. Die Anfnge der Bodenkultur in Sdamerika. Zeitschrift fr Ethnologie. Berlin, Band 54, p. 113-122, 1922. ______. Ergebnisse meiner zweijhrigen Forschungsreise in Mato-Grosso; September 1926 bis August 1928. Zeitschrift fr Ethnologie. Berlin, Band 60, Heft 1-3, p. 85-124, 1928. ______. Hallazgos prehistricos en Matto-Grosso. Revista de la Sociedad Cientfica del Paraguay. Asuncin: Imprenta Guarani, n. 1, t. 5, p. 27-62, 1940a. ______. Nuevos hallazgos de grabados rupestres en Matto Grosso. Revista de la Sociedad Cientfica del Paraguay. Asuncin: Imprenta Guarani, n. 1, t. 5, p. 63-71, 1940b. ______. Resultados de mi tercera expedicin a los Guatos efectuada en el ao de 1928. Revista de la Sociedad Cientfica del Paraguay. Asuncin: La Comena, t. 5, n. 6, p. 41-75, 1942a. ______. Estudos de etnologia brasileira. Peripcias de uma viagem entre 1900 e 1901; seus 208 resultados etnolgicos. Traduo de Catharina Baratz Cannabrava. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942b. 393 p. (Coleo Brasiliana - Srie 5, 5). ______. Anotaciones sobre las plantas de cultivo y los metodos de agricultura de los Indgenas sudamericanos. Revista do Museu Paulista. So Paulo: Museu Paulista, Nueva Serie, v. 5, p. 239-252, 1951. ______. Comments on cultivated plants and agricultural methods of south american indians. In: LYON, Patricia (Ed.). Native South America. Boston/Toronto: Little, Brown and Company, 1974. apud PALCIO, Adair P. Guat: a lngua dos ndios canoeiros do rio Paraguai. Tese (Doutorado em Cincias) - Departamento de Lingstica do Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, 1984. 155 p. SCHMITZ, Pedro Ignacio. Programa Arqueolgico do MS - Projeto Corumb. Trabalhos apresentados no VI Simpsio Sul-Riograndense de Arqueologia: Novas Perspectivas. PUCRS - 2 a 4 de maio de 1991. So Leopoldo: Instituto Anchietano de Pesquisas, 1993. 47 p. p. 40-47. SCHMITZ, Pedro Ignacio, BARBOSA, Altair Sales. Horticultores pr-histricos do Estado de Gois. So Leopoldo: Instituto Anchietano de Pesquisas/UNISINOS, 1985. 60 p. SERRA, Ricardo F. de A. Parecer sobre o aldamento dos indios Uaicurs e Guans, com descripo dos seus usos, religio, estabilidade e costumes. Revista trimensal de histria e geographia ou Jornal do Instituto Historico e Geographico Brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Joo Ignacio da Silva, t. 7, p. 204-218, 1866. SGANZERLA, Alfredo. A histria do frei Mariano de Bagnaia: o missionrio do Pantanal. Campo Grande: FUCMT, 1992. 462 p. SILIMON, Lehel de. Fichas de registro de pesquisa arqueolgica. Stios arqueolgicos MT-MI- 01, MT-MI-03, MT-MI-04 e Mt-MI-08. Cuiab: Companhia de Desenvolvimento do Estado de Mato Grosso, Setor de Pesquisas de Recursos Naturais e Antropologia, 1972a. (no publicado). ______. Fichas de registro de pesquisa arqueolgica. Stios arqueolgicos MT-MI-07, MT-MI-08 e MT-MI-13. Cuiab: Universidade Federal de Mato Grosso, Museu Rondon, 1972b. (no publicado). SILVA, Antnio S. da. Une moustiquaire des indiens Guats (Brsil). Annals of the XXIII International Congress of Americanists. New York: [s.n.?], Session 23, 1930. 4 p. Separata. SILVA, Tereza C. da. Contribuio da geomorfologia para o conhecimento e valorizao do Pantanal. In: SIMPSIO SOBRE RECURSOS NATURAIS E SCIO-ECONMICOS DO PANTANAL, 1, 1984, Corumb. Anais ... Braslia, EMBRAPA, Departamento de Difuso e Tecnologia, 1986. 265 p. p. 77-90. (Srie Documentos, 5). SIMPSIO SOBRE RECURSOS NATURAIS E SCIO-ECONMICOS DO PANTANAL, 1, 1984, Corumb. Anais ... Braslia: EMBRAPA, Departamento de Difuso e Tecnologia, 1986. 265 p. (Srie Documentos, 5). SIQUEIRA, Elizabeth M., COSTA, Lourena A., CARVALHO, Cathia Maria C. O Processo histrico de Mato Grosso. 3 ed. Cuiab: Guaicurus, 1990. 298 p. 209 SOUZA, Lcio Gomes de. Histria de uma regio: Pantanal e Corumb. So Paulo: Resenha Tributria, v. 1, 1973. 237 p. STEFAN, lvia R. O Pantanal Mato-Grossense. Separata da Revista brasileira de geografia. Rio de Janeiro: IBGE/Conselho Nacional de Geografia, a. 26, n. 3, p. 170-190, 1964. STEINEN, Karl von den. Entre os aborgenes do Brasil central. Traduo de Egon Schaden. Prefcio de Herbert Baldus. So Paulo: Departamento de Cultural, 1940. 715 p. Separata renumerada da Revista do Arquivo, n. 34-58. SUSNIK, Branislava. Material arqueologico del area alto-paraguayense (Puerto 14 de Mayo). Boletn de la Sociedad Cientfica del Paraguay y del Museo Etnogrfico Andrs Barbero. Asuncin: Museo Etnogrfico Andrs Barbero, t. 3, v. 1, p. 81-103, 1959. ______. Classificacin de las poblaciones indgenas del area chaquea. Manual de etnografa paraguaya. Asuncin: Museo Etnogrfico Andrs Barbero, p. 209-212, 1961. ______. Dimensiones migratorias y pautas culturales de los pueblos del Gran Chaco y de su periferia (enfoque etnolgico). Suplemento antropolgico. Asuncin,: Universidad Catlica, n. 1-2, v. 7, p. 85-107, 1972. ______. Etnologia del Chaco Boreal y su periferia (siglos XVI y XVIII). Asuncin: Museo Etnogrfico Andrs Barbero, 1978. 156 p. (Serie Los Aborgenes del Paraguay, 1). ______. Cultura Material. Asuncin: Museo Etnogrfico Andrs Barbero, 1982. 239 p. (Serie Los Aborgenes del Paraguay, 4). ______. Prof. Dr. Max Schmidt: su contribuicin etnolgica y su personalidad. Asuncin: Museo Etnogrfico Andrs Barbero, 1991. 54 p. ______. Introducin a las fuentes documentales referentes al indio colonial del Paraguay. Asuncin: Museo Etnogrfico Andrs Barbero, 1992. 46 p. TARIFA, Jos Roberto. O sistema climtico do Pantanal; da compreenso do sistema definio de prioridades de pesquisa climatolgica. SIMPSIO SOBRE RECURSOS NATURAIS E SCIO-ECONMICOS DO PANTANAL, 1, 1984, Corumb. Anais ... Braslia: EMBRAPA, Departamento de Difuso e Tecnologia, 1986. 265 p. p. 9-27. (Srie Documentos, 5). TAUNAY, Visconde de [Alfredo d'Escragnolle Taunay]. Entre nossos indios Chans, Terenas, Guans, Kinikinaus, Laianas, Guats, Guaycurs, Caingangs. So Paulo: Melhoramentos, 1940. 134 p. TECHO, Nicolas del. Historia de la Provincia del Paraguay de la Compaa de Jess. Versin del texto latino por Manuel Serrano y Sanz. Prlogo de Blas Garay. Madrid: A. de Uribe y Compaa, 1897. 5 t. TOVAR, Antonio. Catalago de las lenguas de America del Sur. Buenos Aires: Sudamericana, 1961. 412 p. VALVERDE, Orlando. Fundamentos geogrficos do planejamento do municpio de Corumb. In: Revista brasileira de geografia. Rio de Janeiro: IBGE, n. 34, v. 1, p. 49-144, 1972. 210 VELTHEM, Lcia H. van. Equipamento domstico e de trabalho. In: RIBEIRO, Berta G. (Coord.). Suma etnolgica brasileira. 2 ed., Petrpolis, Vozes/FINEP, v. 2, 1987. 448 p. p. 95-108. VIEIRA, Henrique Jos. Relatorio da catechese e civilizao dos indios destinado ao ilm e exm sr. capito de mar e guerra Augusto Leverger, dignissimo presidente da Provincia de Mato Grosso (Cuiab, 28 de dezembro de 1852). In: Registro da correspondncia oficial da Diretoria Geral de ndios com a presidncia da Provncia (1848-1872). Cuiab: Arquivo Pblico de Mato Grosso, 1852. (manuscrito). ______.______--. (Cuiab, 16 de dezembro de 1853). Transcrio de Elizabeth Madureira Siqueira. In: Registro da correspondncia oficial da Diretoria Geral de ndios com a presidncia da Provncia (1848-1872). Cuiab: Arquivo Pblico de Mato Grosso, 1853. (manuscrito). ______. Relatorio do estado de catechese e civilizao dos indios desta Provincia destinado ao dignssimo presidente da Provincia, senhor chefe de diviso Augusto Leverger (Cuiab, 3 de dezembro de 1855). Traduo de Elizabeth Madureira Siqueira. In: Registro da correspondncia oficial da Diretoria Geral de ndios com a presidncia da Provncia. Cuiab: Arquivo Pblico de Mato Grosso, 1855. (manuscrito). ______. Relatorio do estado de catechese e civilizao dos indigenas da Provincia de Mato Grosso. Transcrio de Elizabeth Madureira Siqueira. In: ndios (1853-1859). Cuiab: Arquivo Pblico de Mato Grosso, 1856. p. 72-75. (manuscrito). WILLEY, Gordon R. An introduction to american archaeology. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, v. 2, 1971. 559 p. WILSON, Jim. Guato word list. Braslia: Summer Institute of Linguistics, 1959. 11 p. (no publicado).