Acerca Do Mal - Os Tres Principios Da Essencia Divina
Acerca Do Mal - Os Tres Principios Da Essencia Divina
Acerca Do Mal - Os Tres Principios Da Essencia Divina
Resumo
Na continuao do processo orgnico da Reforma Protestante desenvolveu-se
independente e fragmentariamente um movimento crtico de reviso da ortodoxia
luterana. Esta assim chamada heresia luterana no se dava por satisfeita com a
formulao cristalizada dos dogmas da f crist, considerando ser a superao de Lutero
uma homenagem mais honrosa a ele mesmo do que a aceitao passiva de seus pontos
teolgicos. Na liderana deste movimento Jakob Bhme, sapateiro sem instruo formal
em qualquer disciplina acadmica, empreendeu no apenas uma apropriao exaustiva
das cincias mdicas e alqumicas de Paracelso, como uma invulgar sntese entre
neoplatonismo, a tradio mstica e a nova teologia protestante, abrindo espao para a
florao da filosofia clssica alem, em suas conhecidas associaes com a teosofia e a
mstica.
Palavras-chave: Mstica, Neoplatonismo, Protestantismo, Bhme.
Abstract
The Protestant Reformation gave birth to an organic process of self-revisionism, intrinsic
to its own liberal nature, although this anti-orthodox movement was a fragmentary one.
Not accepting the crystallized form of Christian dogmatics, and considering that
overcoming Luther was a most honorable way of praising him, the so called Lutheran
heresy went forth with the radicalization of individualism in theology and cosmology. On
the lead of this movement was Jakob Bhme, a shoemaker without any academic
education, who not only adapted the alchemic and medical language of Paracelsus, but
also performed a major synthesis between Neo-Platonism, Christian mystical tradition
and the still young Protestant theology, opening the field for the blossom of German
classical philosophy in its remarkable and well known associations with theosophy and
mysticism.
Keywords: Mysticism, Neoplatonism, Protestantism, Bhme.
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A medicina, que o desacredita hoje por suas inclinaes esotricas, seguelhe as orientaes na busca eterna por substncias que possam viabilizar a
homeostase prejudicada. A mesma cincia que zomba dos devaneios astrolgicos
daquela era reconhece animadamente as funes do ritmo biolgico a que
obedecem todas as funes hormonais, bem como as influncias dos ciclos de
atividade solar, sazonal e lunar sobre estas funes. evidente que no se
ofereciam, quela poca, explicaes satisfatrias para tais influncias, no
deixando, no entanto, de ser a constatao de sua existncia fruto de rigorosas
observaes e estudos que merecem melhor apreciao na atualidade.
Quanto aos pensamentos de Paracelso que mais influenciaram a sua
poca, esto adaptaes modernas de conceitos hermticos, pitagricos e
neoplatnicos, como a tricotomia do homem, dividido em corpo, alma e esprito,
sendo a alma uma substncia etrea intermediria entre a matria e o esprito,
convico esta amplamente difundida entre os crculos da moderna teosofia e
espiritualismo; a concepo de que o cosmo um organismo em constante
movimento, iniciado pela revoluo dos astros, a dinmica dos elementos, das
mars, dos ciclos vitais, etc.; a ideia de que as doenas no so jamais um
castigo, mas uma beno de Deus que nos serve de alerta para nossas distonias
em relao ao mundo; e, principalmente, a exigncia de que o homem venha a
conhecer o mundo de uma maneira qualitativa, em acrscimo ao conhecimento
matemtico e analtico que tomava fora na poca (Wollgast, 1988, p. 654-656).
Hans Theodor von Tschesch afirma, com entusiasmo evidentemente
excessivo, que Bhme reuniu todo o saber possvel e necessrio num sistema
completo de cincia natural e teologia. Outros autores contemporneos de
Bhme acreditam que ele teve o mrito de transformar a cincia e a viso de
mundo de Paracelso numa teologia protestante (Wollgast, 1988, p. 774-775). A
verdade que qualquer destes modelos s muito generosamente poderia ser
considerado um modelo cientfico, e mesmo suas contribuies para o saber
natural especfico so mnimas. Mesmo assim, os resultados tericos destes
primeiros esforos abriram caminho para as futuras filosofias da natureza, ou
tentativas de unificao sistemtica da cincia, teologia e filosofia num saber
completo.
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msticos
herticos
da
Reforma
criam
unanimemente
na
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consultar uma nica vez num escrito determinado. O mote ecclesia semper
reformanda no era para ele uma mxima sem contedo (Wehr, 1971, p. 111).
Toda esta constelao engloba cincia, filosofia, religio e mstica. O
movimento intensificou-se mais e mais na proliferao das ideias protestantes,
capitalistas e renascentistas, as quais Ernst Troeltsch agrupou sob a alcunha de
neoprotestantismo, fenmeno histrico que figura entre os principais da
Modernidade a partir do sculo XVIII.
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liberdade
neoplatnica.
Ele
podia
faz-lo
por
estar
de
posse
do
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pela
f,
independentemente
de
seu
contedo
dogmtico.
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do
neoplatonismo,
da
alquimia
da
teologia
protestante
se
4. Sofia e misterium
A ambivalncia entre a experincia passvel de racionalizao, ligada
natureza, e a que s pode ser encarada em seu aspecto incognoscvel e
indeterminado, ligada profundidade do esprito, tem sua justificao no
desdobramento da realidade a partir do incondicionado; a saber, dividido em
interior e exterior.
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em
Deus
um
esprito
absoluto,
onipresente,
onisciente,
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como
um
todo
retraar
todas
estas
influncias
objetivos
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6. Psychologia vera
De posse do saber de si, e ciente de que somente o fomento da luz
espiritual pode levar a termo o conhecimento que de outra forma seria mundano,
no pode o homem prosseguir em nenhum empreendimento precedente ao da
reforma ntima. Isto porque, se o esprito originalmente fora volitiva e
dinmica, saber e ao se identificam; nem a especulao pode remontar fonte
que a precede, nem as obras da lei logram o desiderato da iluminao.
imprescindvel o autoencontro, tarefa duplamente intelectual e tica, em sentido
espiritual. E para que a ipseidade se descubra e atualize numa forma plenificada,
ela precisa criar um novo saber e saber como, o que e por que cria.
Investigar toda esta mecnica e os seus resultados o trabalho do mstico,
e ele constitui uma espcie prpria de psicologia, no sentido de um estudo
introspectivo dos contedos empricos da conscincia. Mais precisamente uma
psicologia
neoplatnica
dos
opostos,
incrementada
completada
pela
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137
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Concluso
a partir do pensamento de Jakob Bhme que se inicia em alto nvel o
casamento entre a Reforma, originalmente teolgica, mas tendo logo produzido
uma renovao filosfica, e o neoplatonismo, que por sua vez foi sempre o
intermedirio entre a filosofia e a teologia.
O valor desta sntese est no fato de ser a Reforma pautada em uma
metodologia liberal, sem que a sua doutrina necessariamente o fosse, enquanto
que o neoplatonismo, gozando justamente da posio contrria, constituiu-se
como posio libertria, mas cuja metodologia pode variar entre a liberdade de
suas verses crticas e o dogmatismo de sua, no menos comum, verso
absolutista.
Este encontro entre o mtodo e a doutrina liberais, apesar de todas as
justas e necessrias ressalvas quanto s limitaes de poca, foram e seguem
sendo inspirao para os esforos de conciliao entre religio, cincia e filosofia
dentro dos altos padres de exigncia que cada uma destas disciplinas adquiriu
com o advento da modernidade.
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PLOTINO. Tratado das Enadas. So Paulo: Polar, 2007.
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Este homem, porm, apesar das iluses de seu tempo, incrementou audaciosamente a aplicao
da qumica medicina A quimioterapia o uso do macrocosmo para curar o microcosmo. O
homem , quanto ao corpo, um composto qumico; a doena uma desarmonia, no dos humores
de Galeno, mas dos constituintes qumicos do corpo De modo geral, a teraputica da poca
dependia, para a feitura de remdios, do mundo vegetal e animal; Paracelso, hbil em alquimia,
salientou as possibilidades curativas das matrias inorgnicas. Converteu o mercrio, o chumbo, o
enxofre, o ferro, o arsnico, o sulfato de cobre e o sulfato de potssio em partes da farmacopeia;
ampliou o emprego de tinturas e extratos qumicos; foi o primeiro a fazer a tintura de pio, a que
chamamos ludano. / Chamou a ateno para os fatores profissionais e geogrficos da doena,
estudou a tsica fibroide em mineiros e ligou, pela primeira vez, o cretinismo papeira endmica.
Incrementou a compreenso da epilepsia e atribuiu a paralisia e as perturbaes da fala a males da
cabea. Enquanto que a gota e a artrite eram aceitas como acompanhamentos naturais e
incurveis da idade madura, Paracelso proclamava que eram curveis, desde que o diagnstico
mostrasse que se deviam a cidos formados por resduos alimentares retidos demasiadamente no
clon (Durant, 2002, p. 739).
1
Segundo nossa perspectiva esta conceituao indistinguvel do que expe Paul Tillich em
Coragem de Ser.
2
Nota do autor.
Os trs princpios da essncia divina seriam Deus, Natureza e Homem. Mas estes nomes so
apenas arquetpicos, pois na realidade cada elemento da natureza uma manifestao objetiva de
uma daquelas potncias ideais, na linguagem figurativa da alquimia, conforme veremos mais tarde:
Enxofre (o poder divino), mercrio (o poder das trevas, a queda) e sal (o princpio da elevao e
superao do mal pelo bem).
4
Seguimos aqui a orientao de Nikolas Berdiaeff (1945, p. 12) para a traduo de Ungrund como
indeterminado, ao invs das possveis acepes como no fundamento, sem fundamento,
infundado, etc. Conforme este autor, o Ungrund de Bhme no tem relao com a ideia de um vazio
intelectual, comum mstica, mas est associado imprevisibilidade da Vontade de Deus. A
ausncia de condicionamento e determinao, portanto, a figura que melhor representa a
liberdade primeva, anterior Criao.
5
Romanos 1.20. Porque os atributos invisveis de Deus, assim o seu eterno poder como tambm a
sua prpria divindade, claramente se reconhecem, desde o princpio do mundo, sendo percebidos
por meio das cousas que foram criadas.
6
Observe-se o comentrio de Giovanni Reale & Dario Antiseri em seu Histria da Filosofia (1990, p.
340), sobre a originalidade do Uno plotiniano: Ora, h princpios de unidade em diversos nveis,
mas todos pressupem um princpio supremo de unidade, que ele denomina precisamente de Uno.
Plato j havia colocado o Uno no vrtice do mundo ideal, mas o concebia como limitado e
limitante. Plotino, no entanto, concebe o Uno como infinito. Somente os naturalistas haviam falado
de um princpio infinito, mas o concebiam na dimenso fsica. Plotino descobre o infinito na
dimenso do imaterial e o caracteriza como potncia produtora ilimitada. E, consequentemente,
como o ser, a substncia e a inteligncia haviam sido concebidos na filosofia clssica como finitos,
Plotino coloca o seu Uno acima do ser, da substncia e da inteligncia. Esta interpretao, ns a
validamos integralmente no que toca a Jakob Bhme.
7
Aqui o conceito de causalidade incompatvel com a ideia mecnica, que se desenvolve numa
srie temporal, devendo-se manter em mente a ideia de primazia na hierarquia metafsica.
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