Petição - ADO26 - Amicus Curiae

Exmo. Sr. Dr.
Ministro Celso de Mello do Egrgio Supremo Tribunal

Federal
Processo: Ao Direta de Inconstitucionalidade por Omisso (ADO.) n. 26.

Impetrante: Partido Popular Socialista (PPS)
Impetrado: Congresso Nacional
GADvS GRUPO DE ADVOGADOS PELA DIVERSIDADE

SEXUAL, Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico (OSCIP)
inscrita no CNPJ sob o n. 17.309.463/0001-32, que tem como finalidades
institucionais a promoo dos direitos da populao LGBTI (Lsbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais) e o enfrentamento da
homofobia e da transfobia (cf. estatuto social anexo), com sede na Rua da
Abolio, n. 167, So Paulo/SP, CEP 01319-030, e ABGLT ASSOCIAO
BRASILEIRA
DE
LSBICAS,
GAYS,
BISSEXUAIS,
TRAVESTIS
TRANSEXUAIS, pessoa jurdica de Direito Privado, inscrita no CNPJ/MF sob o

n. 00.442.235/0001-33, com sede na Avenida Marechal Floriano Peixoto, n.
366, Cj. 43, Edifcio Monte Carlo, Centro, Curitiba/PR, CEP n. 80010-130 por
seu advogado signatrio (tambm diretor-presidente da associao), solicitar
seu ingresso na presente ao como AMICI CURIAE, nos termos e
fundamentos a seguir deduzidos.
Av. Prudente de Morais, 287 . Sl 1401/1405 . Bairro Cidade Jardim . CEP 30350-093
Belo Horizonte / MG . Tel: (31) 3293-2317 . www.cron.adv.br
1. Da Legitimidade das Peticionrias

O GADvS Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual,
organizao no-governamental que tem abrangncia nacional e tem entre
seus objetivos promover os direitos da populao LGBT e enfrentar a
homofobia e a transfobia, tem pertinncia temtica para atuar na qualidade de
amicus curiae neste processo, na medida em que a promoo dos direitos da
populao de lsbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, objeto desta
ao, encontra-se entre os seus objetivos institucionais e em sua atuao
cotidiana.
O GADvS j organizou e co-organizou seminrios e cursos prdireitos da
populao
LGBTI
(Lsbicas,
Gays,
Bissexuais, Travestis,
Transexuais e Intersexuais) inclusive seminrios sobre a criminalizao

da homofobia e da transfobia, um destes inclusive sobre o tema do
Mandado de Injuno n. 4733, que veicula pedido idntico ao da presente
Ao Direta de Inconstitucionalidade por Omisso n. 26. Trata-se do seminrio
Aspectos Legais e Polticos da Criminalizao da Homofobia, no dia
27.11.2012, na sede do Sindicato dos Advogados de So Paulo 1 , tambm,
portanto, tema objeto da presente ao.
Sem
falar
na
coorganizao
da
Jornada
de
Direito
Antidiscriminatrio, nos dias 23 a 26.09.20112, na Faculdade de Direito da

Universidade de So Paulo (USP), no qual se tratou dos temas da
homofobia/transfobia, do machismo e da negrofobia.
Em 2014, o GADvS oficiou o Tribunal de Justia Desportiva de So
Paulo e o Superior Tribunal de Justia Desportiva para coibir manifestaes
homofbicas em jogos de futebol 3 , bem como, em parceria com a ABGLT,
oficiou a Comisso Nacional da Verdade pleiteando um recorte LGBT no
1
Cf. http://www.gadvs.com.br/?p=1429 (ltimo acesso em 21.12.2014).

Cf. http://www.dceusp.org.br/2011/08/primeira-jornada-direito-antidiscriminatorio/ (ultimo
acesso em 04.07.14).
3
Para uma explicao do caso, vide entrevista concedida pelo advogado Paulo Iotti, atual
diretor-presidente do GADvS, sobre as denncias contra a homofobia no futebol (Corinthiano
que denunciou clube por ofensas da torcida promete novas aes) em
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140919_homofobia_futebol_corinthians_rm_r
b (ltimo acesso em 21.12.14).
2
relatrio final da referida comisso, pleito este felizmente atendido pela

Comisso, a qual, entre suas recomendaes, pleiteou pela criminalizao
da homofobia e da transfobia, no que a atuao do GADvS e da ABGLT
mostrou-se relevante para tal fim (no obstante esforos anteriormente
realizados por outras pessoas no mesmo sentido).
O GADvS organizou, ainda, os seminrios Mudana de Sexo e
Nome, ministrado pelo advogado signatrio, como parte do curso Direito e
Diversidade Sexual, nos dias 11, 18 e 25.06.20114, e Aspectos Jurdicos e
Sociais da Transexualidade e da Travestilidade, no dia 27.02.20125, ambos
no Sindicato dos Advogados de So Paulo (www.sasp.org.br). O GADvS foi um
dos grupos que assinou o ofcio Procuradoria-Geral da Repblica que gerou
a propositura da ADPF 291, que visa declarar a no-recepo pela
Constituio do crime de pederastia do Cdigo Penal Militar (ou, ao menos, da
expresso homossexual ou no, que tem um claro efeito discriminatrio a
homossexuais militares, como demonstrado naquela ao) isso se constata
pela meno aos signatrios de tal ofcio na petio inicial de dita ao.
Como se v, trata-se de associao com constante atuao em prol
do reconhecimento dos direitos da populao LGBTI e do enfrentamento da
homofobia e da transfobia, de sorte a justificar-se a sua admisso no presente
feito como amicus curiae.
A Associao
Brasileira
de
Lsbicas,
Gays,
Bissexuais,
Travestis e Transexuais (ABGLT) uma entidade de abrangncia nacional,

fundada em 1995, que atualmente congrega 308 organizaes congneres e
tem como objetivo a defesa e promoo da cidadania desses segmentos da
populao. A ABGLT tambm atuante internacionalmente e tem status
consultivo junto ao Conselho Econmico e Social da Organizao das Naes
Unidas. A misso da ABGLT promover aes em prol da cidadania e os
direitos humanos de lsbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT),
Cf. http://www.gadvs.com.br/?page_id=699 (ltimo acesso em 21.12.2014).

Cf.
http://www.sasp.org.br/noticias/38-notas-rapidas/244-aspectos-sociais-e-juridicos-datransexualidade-e-da-travestilidade.html
e
http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Conteudos/Noticias/NoticiaMostra.aspx?idItem=38542&i
dPagina=3260 (ltimo acesso em 04.12.14).
5
contribuindo para a construo de uma sociedade democrtica, na qual

nenhuma pessoa seja submetida a quaisquer formas de discriminao, coero
e violncia, em razo de suas orientaes sexuais e identidades de gnero.
Logo, trata-se de associao com inegvel legitimidade para atuar como
amicus curiae no presente feito.
A ABGLT, cabe lembrar, j foi admitida como amicus curiae por esta
Suprema Corte, no paradigmtico julgamento da unio estvel homoafetiva
(ADPF 132 e ADI 4277).
Ademais, imperioso destacar que a ABGLT a entidade autora do
MI 4733, que veicula pedidos idnticos aos desta ADO 26, fatos estes
(deste pargrafo e do anterior) que reforam sua legitimidade para atuar como
amicus curiae no presente caso.
Assim, considerando que o GADvS e a ABGLT lutam pela
isonomia de direitos da populao LGBT relativamente a heterossexuais
cisgneros (aqueles que se identificam com o gnero socialmente atribudo a
seu sexo biolgico) e que lutam pelo enfrentamento e pela criminalizao
da homofobia e da transfobia, tem-se por legtimo seu pleito de ingresso
neste feito, na qualidade de amici curiae, possibilitando-lhe a apresentao
das razes a seguir deduzidas e a realizao de sustentao oral neste
julgamento, o que desde j se requer.
2. Da ADInO n. 26
O Diretrio Nacional do Partido Popular Socialista (PPS) ajuizou a
ADInO. n. 26 na qual pede a este Egrgio Tribunal que declare a omisso do
Congresso Nacional em no legislar a respeito da criminalizao da homofobia
ou, mais especificamente, de no aprovar projeto de lei que busca equiparar
a homofobia queles crimes j previstos na lei 7716/89.
Segundo o autor, a lei de racismo (lei 7716/89) constitui uma lei
geral contra todas as formas de discriminao tanto assim que no
circunscreve o racismo apenas a raa e cor, mas estende a proteo contra
outras formas de discriminao como a religio, por exemplo. Dessa forma, se
sustenta a tese de que, seguindo-se a ratio decidendi fixada no paradigmtico
HC.
82424,
Racismo
toda
ideologia
que
pregue
a
4
superioridade/inferioridade de um grupo relativamente a outro e a

homofobia
transfobia
espcies
de
racismo
implicam
necessariamente na inferiorizao da populao LGBT relativamente a

pessoas heterossexuais cisgneras (que se identificam com o prprio
gnero).
Ainda, que h um mandamento constitucional para que o Brasil puna
todas as formas de discriminao (art. 3o, IV), includas a as de contedo
racista (art. 5o, XLII) e quaisquer que sejam atentatrias a direitos e liberdades
fundamentais (art. 5o, XLI). Argumenta-se que, da forma como est hoje, j se
reconheceu uma proteo especial contra violncias decorrentes de cor, raa ,
procedncia nacional e religio (na lei de racismo), violncia domstica (na lei
Maria da Penha), menores (ECA), idosos (Estatuto do Idoso); contudo, vive-se
um estado de proteo deficiente, pois que h uma outra minoria que alvo
de constantes violncias de toda ordem que se encontra desprotegida de
mecanismos eficazes de proteo das vtimas e punio dos agressores.
De outro lado, como trataremos abaixo, o peticionrio lembra que o
Congresso Nacional se recusa a votar o PLC122/06 (e outros a ele
anexados), deixando-o de tal forma que ele ser agora arquivado em
definitivo como trataremos abaixo.
dizer, os partidos no Brasil no tomam partido! O Congresso
Nacional no teve a coragem nem de aprovar e nem de rejeitar o
PLC122/06, relegando para nunca um posicionamento sobre o tema, ou
melhor, decidindo no decidir.
Por fim, pede-se a criminalizao especfica de todas as formas de
homofobia e transfobia, especialmente as ofensas individuais e coletivas, os
homicdios, as agresses e as discriminaes motivadas pela orientao
sexual e/ou identidade de gnero real ou suposta da vtima. Sobre os
desdobramos dos pedidos falaremos mais frente.
3. Do Cabimento dos pedidos feitos na ADInO. n. 26

Procuraremos no presente mostrar que a Ao Proposta pelo PPS
no apenas possui cabimento tcnico-jurdico, mas, principalmente (e sobre
5
isso que nos concentraremos), trata de tema de urgente tratamento pelo

Estado Brasileiro, situao na qual h uma omisso do Brasil que viola
vrios Documentos e Organismos Internacionais dos quais ele participa,
alm de ofender a Constituio de 1988 sobre a qual ele se assenta.
A no previso legal da punio da homofobia no Brasil constitui
uma violao direta dos ordenamentos constitucional e convencional, no
podendo o Pas alegar em sua defesa questes como reserva legal ou
silncio
eloquente, uma
vez que
um
comando
no
apenas
objetivo/direto, mas tambm urgente quanto ao tratamento da questo da

homofobia nos Estados Americanos.
Pretendemos, assim: (I) Mostrar como a proteo minoria LGBT
ainda um problema para os Estados Modernos; (II) Situar o Brasil no que toca
ausncia de polticas efetivas para a promoo da minoria LGBT, mostrando
o debate que se vem travando desde a constituinte que deu origem
Constituio de 1988 sem que, contudo, se tenha chegado a algum resultado
no mbito federal. Igualmente mostrar como a violncia contra os LGBT uma
realidade no Pas e sobre a qual os rgos institudos no vm dando a devida
resposta; (III) Mostrar como o Pacto de San Jos e outros Documentos
Internacionais apontam para a urgncia de que os Estados Nacionais adotem
polticas de proteo daquela minoria, o que vem sendo acatado por vrios
pases mas que o Brasil se mantm inerte; (IV) por fim, mostrar que essa
inrcia do Legislativo federal brasileiro o grande responsvel pela
incapacidade do Judicirio (e rgos de polcia e Ministrio Pblico) ter aes
mais efetivas contra agressores, restando evidente a omisso objetiva,
fundada nas obrigaes impostas pela Constituio brasileira e por
Documentos Internacionais, o que coloca o Pas em uma situao de
desrespeito aos parmetros de convencionalidade estabelecidos no Pacto de
San Jos.
3.I. Da excluso dos LGBT do meio do direito
Falar sobre proteo minoria LGBT6 no Brasil envolve uma srie

de questes. H que se tratar da violncia, em suas mais variadas formas e
intensidades; h que se tratar da discriminao que alimenta a violncia
fundada em vrios tipos de preconceitos, desde o sexismo 7 , passando por
ideias como normalidade de papeis de gnero; e, por fim, a combinao das
duas questes anteriores que a afirmao/negao de direitos constitucionais
a uma minoria da populao, notadamente nos campos do direito de famlia (e
sucesses) e do direito penal.
A partir final do sculo XIX a homossexualidade como fenmeno
social comea a surgir em forma de uma questo e a ser discutida com graus
crescentes de problematicidade na arena pblica. Desde os manifestos
polticos liberais do alemo Karl-Heinrich Ulrichs nos anos 1860, at os
organizados movimentos sociais de reivindicao de direitos e igualdade
jurdica surgidos a partir da Segunda Guerra Mundial, os homossexuais
passaram a se consolidar, em especial nas sociedades ocidentais de matriz
europeia, como um grupo social especfico. E sua histria, por outro lado, se
confunde com a ascenso de teorias eurocntricas social-biologicistas
taxonmicas, que se valeram do cientificismo moderno para dar forma e carter
formal homofobia que, ento, passa a ser presente nas esferas jurdicosociais em todo mundo europeizado at os dias de hoje. Como se pode ler em
reportagem de maio de 2013, ao contrrio do que pode fazer parecer o senso
LGBT: lsbicas, gays, bissexuais e transgneros (travestis e transexuais). Aqui no

considerada a diferena que feita por alguns entre minorias e grupos vulnerveis (isto ,
grupos que podem at ser compostos por nmero grande de pessoas, mas que sofrem
discriminao, como mulheres, idosos e crianas), haja vista que, como mostra lida Sguin,
no se pode hoje mais falar em minorias tendo em vista apenas critrios tnicos, religiosos,
lingusticos ou culturais. Dessa forma, conclui: [n]a prtica tanto os grupos vulnerveis quanto
as minorias sofrem discriminao e so vtimas da intolerncia, motivo que nos levou (...) a no
nos atermos a diferena existente (SGUIN, lida. Minorias e grupos vulnerveis: uma
abordagem jurdica. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 13).
7
SEXISMO: atitude de discriminao fundamentada no sexo. Ex.: falocracia, machismo,
misandria, misoginia so modalidades de sexismo (MARTINS; Daniel Arruda; TOLENTINO,
Leonardo; NOGUEIRA, Paulo H. Sexismo, Homofobia e Instituio: um panorama da escola
sexista. Disponvel em: http://educacaosemhomofobia.files.wordpress.com/2009/03/sexismohomofobia-e-instituicao-nuh-ufmg-paulo-daniel-leonardo.pdf). Ver tambm: OLIVEIRA, Rosa M.
R. de. Isto contra a natureza? Decises e discursos sobre conjugalidades homoerticas em
tribunais brasileiros. Florianpolis, Tese, Universidade Federal de Santa Catarina, 2009; e
WELZER-LANG, Daniel. A construo do masculino: dominao das mulheres e homofobia.
Revista Estudos Feministas, vol. 9, n. 2, 2001, p. 460-482.
comum, a homofobia graa nas democracias europeias apontadas como

desenvolvidas:
Dois teros dos gays, lsbicas, bissexuais e transgneros que vivem
na Unio Europeia no ousam andar de mos dadas na rua e 30% dizem j ter
sido vtima de violncia nos ltimos cinco anos. Os resultados foram [...]
integram uma pesquisa indita da Agncia de Direitos Fundamentais da Unio
Europeia, a maior j realizada no continente. O medo, o isolamento e a
discriminao ainda so fenmenos corriqueiros nesta comunidade, segundo
o diretor Morten Kjaerum, que ressaltou que necessrio promover e proteger
os direitos fundamentais. Cerca de 30% dos 93 mil participantes do estudo
foram vtimas de violncias e agresses nos ltimos cinco anos. Entre eles,
30% dos 7 mil transexuais que disseram ter sido agredidos fisicamente ou
ameaados de violncia mais de trs vezes nos ltimos 12 meses. Mesmo em
pases considerados mais tolerantes, muitos homossexuais se sentem vtimas
de discriminao e so vtimas frequentes de agresses, principalmente
verbais. S na Holanda, por exemplo, 20% dos participantes do estudo
afirmaram ter sido objeto de discriminaes. Nesta categoria, a Frana se situa
um ponto abaixo da mdia europeia, com 31%. Mas
pas, apesar da
aprovao do casamento gay, atravessa um momento particularmente

homofbico, com os protestos contra o casamento gay e o nmero de
agresses em alta, e cerca de 2 mil casos oficialmente registrados no ano
passado. Durante o processo de aprovao da lei que autoriza a unio civil e a
adoo por casais homossexuais, diversas manifestaes de grupos
conservadores acabaram em quebra-quebra. De acordo com as associaes,
houve uma alta de 27% da violncia contra os homossexuais no pas (RFI,
2013).8
Tal problemtica, no Brasil, comea a adquirir contornos mais

definidos a partir dos anos 1960, quando surgem as primeiras demandas por
reconhecimento desse grupo, que, de mesmo modo, passa aos poucos a
formar uma identidade coletiva. A emergncia dos homossexuais, que com
8
Tom Ambrose (Heris e Exlios: cones gays atravs dos tempos. Belo Horizonte, Gutenberg,
2011) retoma algumas histrias de perseguies a LGBTT na histria europeia.
suas idiossincrasias vo fortemente de encontro aos valores e papeis

tradicionais daquilo que a matriz europeia nomeia como homem, mulher e,
principalmente, famlia, os desloca para o no-lugar-poltico de cidados
demandantes.
No entanto, mais gravemente que nos Estados do norte, de matriz
europeia onde, como vimos, existe tambm marginalizao dessa gente , o
Brasil parece ter deslocado os sujeitos nomeados como homossexuais para a
massa da no-gente, uma vez que como transviados, no adaptados aos
valores morais e psicolgicos do status quo arquetpico, no exercem os
requeridos papis produtores de cidadania dentro da estrutura de poder
material e simblico subjacentes ao projeto de Estado nacional. Desse modo,
para alm da subalternizao das subjetividades dos LGBT, verifica-se nos
campos jurdico e social brasileiros o no reconhecimento da identidade social
dessa gente como tal. O fenmeno da no integrao como plenos sujeitos de
direito se mostra de vrias formas. Uma delas a sistmica derrota de suas
demandas no sistema representativo uma vez que, na correlao de poder,
nelas h pouco acmulo de capital social e simblico, o que se traduz,
consequentemente, em fraco capital jurdico. Assim sendo, tais indivduos
carecem de representatividade e se localizam margem da proteo jurdica
posto que so somados aos desqualificados cvicos e, nessa condio de
subcidados, suas reivindicaes por incluso e igualdade jurdicas so
sistematicamente aladas condio de no-demandas.
Por outro lado, verifica-se que desde 1969, com o Canad
regulamentando as prticas sexuais no reprodutivas, at os dias atuais,
dezesseis pases j regulamentaram o casamento homossexual, incluindo os
vizinhos Argentina e Uruguai (alm de um nmero crescente de Estadosmembro dos EUA); dezenas j responderam s demandas dos movimentos
LGBT e reconheceram unies civis entre pessoas do mesmo sexo, como
Colmbia, Equador e Uruguai, o que demonstra um lento, porm crescente
acmulo de capital social destes movimentos, mesmo em Estados sob a matriz
uniformizadora de carter moderno, como mostraremos abaixo.
3. II. Brasil Ordem Democrtica e Omisso Objetiva
9
O Brasil, por sua vez, a despeito de possuir a segunda maior rede

de ONGs9 LGBT do mundo a maior rede de militncia deste segmento na
Amrica Latina (a ABGLT) e a maior quantidade tanto em nmeros quanto
em eventos de marchas LGBT, apresenta o desconcertante dado de no
possuir nenhuma lei federal que contemple de forma geral e direta
quaisquer das histricas reivindicaes deste grupo vulnervel, entre elas
a regulamentao do casamento homoafetivo, a criao de polticas
educacionais anti-homofobia e a equiparao da homofobia ao crime de
racismo.
3.II.a. Incluso da Orientao Sexual na Constituinte de 1987-1988

Desde a constituinte de 1987/88 as demandas em torno do
reconhecimento
jurdico
dos
sujeitos
sexodiversos
vm
sendo
sistematicamente deslegitimadas como tais e o Congresso brasileiro tem se

recusado a debater vrios projetos de lei que, h dcadas, esto em tramitao
e, por fim, normalmente acabam por serem arquivados por falta de andamento.
A proposio de defesa dessas minorias tem como um marco a
Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988, que pretendeu colocar a
proteo em razo de orientao sexual como um dos Objetivos
Fundamentais da Repblica Federativa do Brasil. A incluso da proteo
contra discriminao por orientao sexual ao dispositivo constitucional que,
mais tarde viria a estar prescrito no art. 3, IV (Art. 3 Constituem objetivos
fundamentais da Repblica Federativa do Brasil: ... IV promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminao), esteve presente em pelo menos duas Comisses
da Assembleia Nacional Constituinte 10 . Os constituintes da Subcomisso
9
Sobre a ampliao da presena da sociedade civil na arena pblica, ver Avritzer (AVRITZER,
Leonardo. Sociedade Civil, Instituies Participativas e Representao: da autorizao
legitimidade da ao. DADOS Revista de Cincias Sociais, v. 50, n. 3, 2007, p. 443-464).
10
No Anteprojeto da Comisso da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da
Mulher, se dizia: Art. 1. So direitos e garantias individuais: (...) III a igualdade perante a
lei; ser punida como crime inafianvel qualquer tipo de discriminao; ningum ser
prejudicado ou privilegiado em razo de raa, sexo, cor, estado civil, idade, trabalho
rural ou urbano, credo religioso, orientao sexual, convico poltica ou filosfica,
deficincia fsica ou mental ou condio social. O Anteprojeto da Comisso da Ordem
Social, o 1 do art. 2 prescrevia: Ningum ser prejudicado ou privilegiado em razo
de nascimento, etnia, raa, cor, sexo, trabalho, religio, orientao sexual, convices
10
dos Negros, Populaes Indgenas, Pessoas Deficientes e Minorias chegaram

a receber em sesso, Joo A. de Souza Mascarenhas, ento Diretor de
Comunicao Social da ONG Tringulo Rosa, que discursou sobre a
importncia de constar a expresso orientao sexual11 na proteo contra
discriminao12. As vrias e incessantes propostas de emenda ao texto 13, a
princpio rejeitadas, acabaram por prevalecer e retirar a expresso orientao
sexual do Primeiro e do Segundo Substitutivos apresentados para votao em
Plenrio.
polticas ou filosficas, deficincia fsica, sensorial ou mental e qualquer particularidade

ou condio social. Na Comisso de Sistematizao, o art. 12 dispunha sobre os direitos e
liberdades individuais inviolveis. O inciso III tratava da Cidadania, e, na alnea f se podia
ler: ressalvada a compensao para igualar as oportunidades de acesso aos valores da
vida e para reparar injustias produzidas por discriminaes no evitadas, ningum ser
privilegiado ou prejudicado em razo de nascimento, etnia, raa, cor, idade, sexo,
orientao sexual, estado civil, natureza do trabalho, religio, convices polticas ou
filosficas, deficincia fsica ou mental, ou qualquer outra condio social ou individual.
Na Comisso da Famlia, Educao, Cultura e Esportes, da Cincia e Tecnologia e da
Comunicao, os constituintes Carlos Alberto (PTB-RN), Benedita da Silva (PT-RJ), Ldice da
Mata (PC do B-BA) e Moema So Thiago (PDT-CE), apresentaram propostas de emenda (com
algumas particularidades em cada proposta) nas quais se pedia a incluso do seguinte
dispositivo: DA COMUNICAO. Art. 45 vedada a propaganda de guerra ou
veiculao de preconceitos de raa, cor, sexo, estado civil, trabalho rural ou urbano,
religio, orientao sexual, convices polticas ou filosficas, idade, classe, deficincia
fsica ou mental ou qualquer particularidade ou condio (sem grifos nos originais).
11
Nos valemos tambm de RIOS (RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade e a discriminao
por orientao sexual no direito brasileiro. Revista de Informao Legislativa, a. 38 n. 149
jan./mar. 2001, p. 281) para traar os contornos da expresso orientao sexual: a
identidade atribuda a algum em funo da direo de seu desejo e/ou condutas sexuais, seja
para outra pessoa do mesmo sexo (homossexualidade), do sexo oposto (heterossexualidade),
ou de ambos os sexos (bissexualidade).
12
Nilse Gomes de Souza, Assessora Tcnica do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, do
Ministrio da Justia, perguntou ao palestrante: Como V. S faria uma correlao entre as
violncias fsicas e sexuais vividas pelas mulheres, nas relaes domsticas ou pblicas, e as
vivenciadas pelos homossexuais no seu cotidiano, sendo tanto as mulheres, quanto os
homossexuais vtimas de preconceitos e de discriminao de uma sociedade machista e
patriarcal. O que deveria constar na Constituio para coibir essas violncias. Ao que
Mascarenhas respondeu: Acho que a prpria pergunta j uma resposta. Realmente, essas
violncias, (...) decorrem do machismo, o que lamentvel. No meu modo de entender, na
Constituio, o que se pode fazer o que estamos reivindicando, ou seja, discriminao em
relao ao sexo, que j existe e muito certamente vai ser reiterada, com toda justia, e tambm
a proibio de discriminao por orientao sexual. Evidentemente esse o primeiro passo,
todos sabemos (...) que, se no fosse assim, no haveria no Brasil discriminao em relao
ao negro, nem em relao mulher.
13
O constituinte Alceni Guerra, membro da Subcomisso dos Negros..., lembra, quando
apresentado o Anteprojeto Comisso de Ordem Social, de uma expresso extremamente
polmica e que foi uma das duas mais votada no substitutivo, que a palavra orientao
sexual. A polmica (...) foi muito grande; foi objeto de votao e, por uma larga maioria,
permaneceu, aqui, no nosso anteprojeto. O inteiro teor da Sesso foi publicado DANC. de
20/05/1987).
11
De toda sorte, como se pode perceber, inclusive pelos discursos e

justificativas da retirada, o fato da Constituio no falar expressamente na
proibio de discriminao por orientao sexual no quer dizer que a
mesma no esteja presente, quer na proibio de discriminao por
sexo (conforme manifestao expressa, poca, do Relator do
Substitutivo),14 quer na expresso aberta e quaisquer outras formas de
discriminao, quer ainda na integrao de Tratados e Convenes
Internacionais em nossa ordem jurdica (art. 5, 2 e 3 o). Assim o
reconhecimento e, logo, a proteo , decorre diretamente do que a
Constituio j prev quando, por exemplo, disciplina o direito de
igualdade (art. 5, caput e I) e a proibio de qualquer forma de
discriminao (art. 3, IV).
3.II.b. Homofobia e Transfobia no Brasil

A discriminao contra pessoas LGBT no Brasil (e, de resto, no
mundo) est intimamente ligada a questes sexistas quanto a papeis de
gnero e de relaes de desigualdade entre os mesmos, de forma que o
gnero masculino estaria em posio superior ao gnero feminino (sexismo).
No coincidncia o fato de que pases mais homofbicos (e
transfbicos) so tambm aqueles nos quais a mulher possui condio
social
inferior
ao homem
15
sexismo,
heteronormatividade
16
normatividade cisgnera andam juntos. Um dos maiores desafios que o

14
Na Comisso de Sistematizao, Eliel Rodrigues (PMDB-BA) apresentou emenda para que

fosse suprimida a expresso comportamento sexual (na verdade, orientao sexual), no que
foi acompanhado por outros constituintes. Esta proposta foi acatada. O Parecer da Comisso
dizia: Entendemos, todavia, justa a supresso pedida. Parecer favorvel, feita a correo
atravs de subemenda. Na verdade, como se pode ler de outros Pareceres sobre a questo, a
expresso orientao sexual j havia sido retirada do Substitutivo, por se entender ser a
mesma desnecessria. De fato, no Substitutivo do Relator, o ento art. 4, III, prescrevia que
So tarefas fundamentais do Estado: (...) promover a superao dos preconceitos de raa,
sexo, cor, idade e de toas as outras formas de discriminao.
15
So nos esteretipos de gnero, dos comportamentos socialmente atribudos a homens e
mulheres, que tm origem as bases da homofobia. [...] No momento em que os esteretipos de
gnero so contrariados, em que homens e mulheres tm um comportamento diferente do
papel culturalmente atribudo a eles/as, eles/as se tornam alvos imediatos da homofobia
(BORTOLINI, Alexandre. (coord.). Diversidade Sexual na Escola. Rio de Janeiro: Pr-Reitoria
de Extenso/UFRJ, 2008, p. 28).
16
Por heteronormatividade se entende a idia de que, a princpio, todos so heterossexuais,
de que a heterossexualidade seria a sexualidade nata, natural, padro dos seres humanos e
todas as demais desvios dessa norma.
12
Brasil ainda enfrenta no que tange ao direito de igualdade , certamente, a

promoo de igualdade entre homens e mulheres. At o final do sculo XX,
mulheres, ao se casarem, eram destitudas da condio de maiores e
capazes e se tornavam relativamente incapazes (artigo 6, II CC/1916) o
que s foi alterado com a lei 4.121/62, chamada de Estatuto da Mulher
Casada 17 . Mesmo assim, a mulher ainda aparecia numa condio de
inferioridade perante o marido e apenas com a Constituio de 1988 essa
situao se alterou, pois que esta prev, logo no caput do artigo 5: Todos
so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza..., e, em seu
inciso I: homens e mulheres so iguais em direitos e obrigaes nos termos
desta Constituio.
Apenas aps 1988 se pode realmente discutir seriamente a proteo
minoria LGBT no Brasil. No demais lembrar que, quando Colnia, houve
no poucos Autos de F da Inquisio Catlica, inclusive contra
homossexuais18. Somente em 1821 que, extinta a Inquisio, a sodomia
deixa de ser punida com a morte. Com o Cdigo Criminal do Imprio (1830)
este tipo penal deixa de existir apesar de que, sendo o Brasil um Pas
oficialmente Catlico, a homossexualidade continua a ser uma prtica contra a
lei (cannica)19.
17
O CC/1916 tambm dizia, em sua verso original, a respeito da famlia, que o marido era o
chefe da sociedade conjugal e que lhe competia, entre outras coisas, a administrao dos bens
comuns e dos bens particulares da mulher que ao marido competir administrar em virtude do
regime matrimonial adaptado, ou do pacto antenupcial; bem como era do marido o direito de
fixar e mudar o domiclio da famlia e de autorizar a profisso da mulher e a sua residncia
fora do teto conjugal (ver artigo 233). Com a lei 4121/62, o artigo 233 tambm foi alterado para
dispor: Art. 233. O marido o chefe da sociedade conjugal, funo que exerce com a
colaborao da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos (...). Compete-lhe: I - a
representao legal da famlia; II - a administrao dos bens comuns e dos particulares da
mulher que ao marido incumbir administrar, em virtude do regime matrimonial adotado, ou de
pacto, antenupcial [...]; III - o direito de fixar o domiclio da famlia ressalvada a possibilidade de
recorrer a mulher ao Juiz, no caso de deliberao que a prejudique; IV - prover a manuteno
da famlia, guardadas as disposies dos arts. 275 e 277. Outra alterao importante daquela
lei foi que, pelo artigo 380 original, o ptrio poder era exclusividade do marido, com a lei
4121/62, o artigo passou a dispor: Durante o casamento compete o ptrio poder aos pais,
exercendo-o o marido com a colaborao da mulher.
18
NOVINSKY, Anita. A Inquisio. 2 ed. So Paulo: Brasiliense, 1983, p. 76.
19
Atualmente o nico diploma legal a se referir homossexualidade como crime o artigo 235
do Cdigo Penal Militar (Dec.-lei 1001/69): Art. 235. Praticar, ou permitir o militar que com le
se pratique ato libidinoso, homossexual ou no, em lugar sujeito a administrao militar: Pena deteno, de seis meses a um ano se que podemos considerar que tal artigo haja sido
recepcionado pela Constituio de 1988. Em 2008 o jornal Folha de So Paulo publicou
matria que revelava que, nos 10 anos anteriores pelo menos 21 militares haviam sido
13
Vindo a Repblica de um golpe militar, e depois sobrevindo grandes

perodos de ditadura com pequenos espasmos de democracia 20 , a situao
no melhorou no que tange a qualquer lei/poltica para a minoria LGBT ao
contrrio, como mostramos acima, em 1969 at se instituiu o crime militar de
pederastia.
com a Constituio de 1988, pois, a partir de quando se cria (ou
comea a amadurecer) uma cultura poltica liberal21 no Brasil e , a partir de
ento que a luta pelos direitos dos LGBT ganha fora22.
A Constituio de 1988 surgiu num momento muito simblico no
Brasil, que foi o da participao ativa dos brasileiros na queda do regime
militar-ditatorial que governou o Pas de forma autoritria e violadora de direitos
por 20 anos23.
Desde ento houve avanos, sem dvida, mas ainda h um longo
caminho a ser percorrido at que o Brasil alcance um nvel razovel de
igualdade de gnero24. Foi preciso que o Pas fosse advertido pela Comisso
processados com base nesse crime no Brasil. Cf. FOLHA DE SO PAULO. Ao menos 21
militares foram processados por pederastia nos ltimos dez anos. Disponvel em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u412392.shtml. H, pelo menos, dois Projetos
de Lei para abolir esse tipo penal, o PL. 2773/00, do Dep. Alceste Almeida (PMDB-RR) e,
apensado a este, o PL. 6871/06, da Dep. Laura Carneiro (PFL-RJ). Como ocorre com outros
projetos envolvendo direitos de homossexuais, tambm estes se encontram sem
movimentao no Congresso exceto que, em abril de 2011 o Dep. Paulo Pimenta (PT-RS)
solicitou que o PL 2773/00 fosse colocado na Ordem do Dia.
20
Olhando para nossa histria republicana, percebemos que, desde o golpe militar que lhe
deu origem at o advento da Constituio de 1988, pouqussimos momentos democrticoinstitucionais ficaram entremeados do que foi a tnica desse perodo, a saber, ausncia de
democracia e de repblica e a presena de uma cultura de golpe: a partir do momento em
que setores conservadores de elite se vm na impossibilidade de manter seu status quo pela
via democrtica, dela abrem mo, se valendo, para isso, das foras militares.
21
Sobre o conceito de cultura poltica liberal ver: HABERMAS, Jrgen. Facticidad y Validez:
sobre el derecho y el estado democrtico de derecho en trminos de teora del discurso.
Madrid: Trotta, 1998, p. 439; e, do mesmo autor, Remarks on Erhard Denningers Triad of
Diversity, Security, and Solidarity. Constellations, vol. 7, n. 4, December 2000, p. 524.
22
No que antes de 1988 no houvesse movimentos sociais organizados (e alguma produo
acadmica) em favor dessa minoria no Brasil. Destaque-se a fundao do grupo SOMOS em
1978, que, por sua vez, deriva do importante peridico: O Lampio da Esquina, o primeiro de
temtica homossexual. Em 1980 fundado o Grupo Gay da Bahia. Cf. GREEN, James Naylor.
Alm do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do sculo XX. So Paulo: Ed.
UNESP, 2000.
23
Cf. VERSIANI, Maria Helena. Constituio de 1988: a voz e a letra do cidado. Revista
Democracia Viva, n. 40, setembro 2008, p. 66 et seq. Disponvel em:
http://www.ibase.br/userimages/DV_40_cultura.pdf.
24
J h iniciativas interessantes nesse sentido; v.g., o Brasil faz parte de uma rede
internacional que busca a promoo de uma Educao no sexista e antidiscriminatria.
Segundo pesquisa dessa rede: Quanto distribuio da populao por sexo por sees de
14
Interamericana de Direitos Humanos25 a aprovar uma lei de proteo contra

violncia domstica s mulheres para que a Lei Maria da Penha fosse
finalmente aprovada.
Superar essa realidade passa por uma redefinio do que deve
significar o direito de igualdade. Este no significa apenas tratamento
isonmico, mas, tambm deve refletir tratamento diferenciado em certos casos.
A fixao de quando se deve fazer uma ou outra coisa no h que se feita
apenas por tcnicos e experts da rea no se deve repetir os erros do Estado
de Bem-Estar Social26 mas de forma comparticipativa entre os afetados pelas
polticas, que devem poder influenciar os centros formadores da vontade e da
opinio polticas.
Outra no a situao dos LGBT no Brasil, uma vez que, como dito
acima, questes de gnero e de orientao sexual esto inter-relacionadas.
A diviso dos gneros e o desejo (htero) sexual funcionam, de
preferncia, como um dispositivo de reproduo da ordem
social, e no como um dispositivo de reproduo biolgica da
espcie. A homofobia torna-se, assim, a guardi das fronteiras
tanto
sexuais
(htero/homo),
quanto
de
gnero
(masculino/feminino) [...] A homofobia o medo de que a
valorizao dessa identidade seja reconhecida; ela se
manifesta, entre outros aspectos, pela angstia de ver
atividades, entre 2000 e 2008 [...]. Apesar da crescente presena das mulheres em diversos
setores da economia, observa-se que se mantm grande concentrao nos servios domstico
e nas reas de educao, sade e servios sociais, reas historicamente consideradas redutos
femininos dentro da tradicional diviso sexual do trabalho. Diversos estudos nacionais apontam
que, apesar das mulheres apresentarem uma escolaridade maior do que os homens, tal
vantagem (INFORME BRASIL GNERO E EDUCAO. Resumo-Executivo. Disponvel em:
<http://www.educacion-nosexista.org/repo/folder2_0.pdf>). A escola no pode ser um ambiente
que reproduz esteretipos de gnero, como separaes atividades fsicas prprias a gnero e
vedadas ao outro. Um dado levantado pelo Instituto ECOS e citado no documento acima que
poucos cursos de Pedagogia no Brasil possuem cadeiras que discutem a formao de
professores com questes de gnero e sexualidade. Isso apesar da Educao em
Sexualidade fazer parte dos Parmetros Curriculares Nacionais desde a dcada de 1990
sendo, inclusive, colocada como tema transversal, dizer, que deve perpassar todas as
disciplinas , o que justifica porque se observa o pouco que vem sendo feito sobre o tema,
principalmente em escolas pblicas. Sobre isso ver: PEREIRA, Graziela Raupp; BAHIA,
Alexandre. Direito fundamental educao, diversidade e homofobia na escola: desafios
construo de um ambiente de aprendizado livre, plural e democrtico. Educar em Revista,
Curitiba, n. 39, abril 2011, p. 51-71.
25
http://www.cidh.org/annualrep/2000port/12051.htm#_ftnref4.
26
BAHIA, Alexandre. A interpretao jurdica no Estado democrtico de Direito: contribuio a
partir da teoria do discurso de Jrgen Habermas. In: CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo A.
(Coord.). Jurisdio e hermenutica constitucional, Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p.
301-357.
15
desaparecer a
heterossexual27.
fronteira
hierarquia
da
ordem
A homofobia e a transfobia so dados ainda constantes da vida

poltica, jurdica, educacional, econmica e social brasileira. Elas so mais do
que mera averso contra homossexuais e LGBTs em geral, so marcadas
pela rejeio ou negao em mltiplas esferas, materiais e simblicas
da coexistncia, como iguais, com seres afetivo-sexuais que diferem do
modelo sexual dominante. Violncia no se d apenas de forma fsica, mas
igualmente em discursos que no reconheam uma minoria como tal.
A Fundao Perseu Abramo, junto com a Fundao Rosa
Luxemburgo Stiftung realizou uma pesquisa sobre os graus de intolerncia ou
respeito a comportamentos sexuais LGBT28. Gustavo Venturini, comentando
sobre a pesquisa mostra que, quando perguntados sobre se existe preconceito
contra LGBT no Brasil, mais de 90% dos entrevistados responderam
afirmativamente. Curiosamente, no entanto, quando perguntados se eles
possuam este preconceito, menos de 30% o admitiram. Ao se aprofundar no
grau de preconceito dos entrevistados, a pesquisa revelou que:
6% dos entrevistados (...) foram classificados como tendo forte
preconceito contra LGBTs; 39% como portadores de um
preconceito mediano (...) e 54% manifestaram um grau de
preconceito que foi classificado como leve (...). A leitura
negativa que apenas 1% no expressou qualquer nvel de
preconceito29.
Outro dado da pesquisa mostra que quando perguntados sobre se

o Poder Pblico deveria ter polticas de combate discriminao contra
27
BORRILLO, Daniel. Homofobia: histria e crtica de um preconceito. Belo Horizonte:

Autntica Editora, 2010, p. 16-17. Em sentido semelhante, ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO,
Mary Garcia e Lorena e SILVA, Bernadete da. Juventude e sexualidade. Braslia: UNESCO
Brasil, 2004.
28
FUNDAO PERSEU ABRAMO; FUNDAO ROSA LUXEMBURGO STIFTUNG.
Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil Intolerncia e respeito s diferenas sexuais. Junho
de 2008. Disponvel em: http://csbh.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/pesquisas-de-opiniaopublica/pesquisas-realizadas/conheca-pesquisa-diversidade-sexual-.
29
VENTURINI, Gustavo. Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil: Intolerncia e respeito s
diferenas sexuais Apresentao. Disponvel em: http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-econteudos-de-apoio/publicacoes/direitos-sexuais-e-reprodutivos/combate-a-homofobiadiscriminacao-por-orientacao-sexual/Pesquisa_LGBT_fev09_FUNDPERSEUABRAMO_1.pdf.
2009. Cf. tambm: VENTURINI, Gustavo. Intolerncia Diversidade Sexual. Publicado no site:
http://csbh.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoesanteriores/intolerancia-diversidade-sexual. 2008.
16
LGBT, ou se isso uma questo que deve ser resolvida no mbito

privado, 70% concordam com a segunda alternativa, contra apenas 24%
[que concordam com a primeira]30.
Alexandre Bortolini, por sua vez, menciona uma pesquisa realizada
pelo IBOPE em 2008 que se mostrou que
56% dos entrevistados mudariam sua conduta com o colega de
trabalho se soubessem que ele homossexual. Um em cada
cinco se afastaria e passaria a evit-lo. 36% deixariam de
contratar um homossexual para um cargo em sua empresa,
mesmo que ele fosse o mais qualificado entre os pretendentes
ao cargo. 45% trocariam de mdico se descobrissem que ele
gay. 79% ficariam tristes se tivessem um filho homossexual.
8% seriam capazes de castig-lo. 62% dos entrevistados
acham que o pai deve tentar convencer seu filho a mudar de
condio quando descobre que homossexual31.
Poderiam ser citados aqui centenas de notcias falando sobre casos

de violncia contra pessoas LGBT. Todos os dias l-se sobre atos de violncia
e morte contra essa minoria no Brasil. Uma das particularidades para a
caracterizao do crime como homofbico (e transfbico) est no excesso
de violncia e crueldade (como mutilaes)32. Apenas para o ano 2000 o Grupo
Gay da Bahia reuniu dados muito preocupantes sobre a violncia homofbica
no Brasil:
1. Agresses e Torturas: 50 casos
2. Ameaas e Golpes: 16 casos
3. Discriminao em rgos Governamentais: 15 casos
4. Discriminao Econmica, contra a Livre Movimentao, Privacidade e
Trabalho: 29 casos
5. Discriminao Familiar, Escolar, Cientfica e Religiosa: 33 casos
6. Difamao e Discriminao na Mdia: 22 casos
7. Insulto e Preconceito Anti-Homossexual: 25 casos
8. Lesbofobia: Violncia anti-Lsbica: 8 casos
30
VENTURINI, Gustavo. op. cit., 2009.

Alexandre Bortolini. op. cit., p. 27. A respeito de outras pesquisas sobre homofobia no Brasil
ver tambm: BRASIL. Ministrio da Sade. Brasil sem Homofobia: Programa de Combate
Violncia e Discriminao contra GLTB e Promoo da Cidadania Homossexual. Braslia:
Ministrio da Sade, 2004, PEREIRA, Ccero; TORRES, Ana Raquel R.; ALMEIDA, Saulo
Teles. Um Estudo sobre as Formas de Preconceito contra Homossexuais na Perspectiva das
Representaes Sociais. Psicologia: Reflexo e Crtica, Porto Alegre, 2002, 15 (1), p. 165-178;
e LOPES, Jos R. de Lima. O direito ao reconhecimento para gays e lsbicas. SUR Revista
Internacional de Direitos Humanos, n. 2, p. 65-95, 2005.
32
Cf. MOTT, Luiz. Causa Mortis: Homofobia - Violao dos Direitos Humanos e Assassinato de
Homossexuais
no
Brasil,
2000.
Disponvel
em:
http://www.dhnet.org.br/dados/livros/dht/br/mott_homofob/index.html.
31
17
9. Travestifobia: Violncia anti-Travestis: 63 casos.33
Roger Raupp Rios lembra que em 2002 cartazes foram espalhados

em Curitiba com o retrato de um mascarado com um revlver na mo, em que
se lia: Faa sua cidade melhor: mate um homossexual 34 . Miriam
Abramovay (et al.) lembra pesquisa feita pela UNESCO em 2001 (Violncia,
Aids e Drogas nas Escolas) que mostra que, os jovens brasileiros consideram
graves as violncias contra mulheres e negros; entretanto, tendem a assumir (e
at valorizar) mais abertamente a discriminao contra homossexuais35.
Dados mais recentes mostram que a situao piorou nos
ltimos anos:
Em 2010, 260 gays, travestis e lsbicas foram assassinados no
Brasil. De acordo com um relatrio do Grupo Gay da Bahia
(GGB) [...] a cada um dia e meio um homossexual brasileiro
morto. Nos ltimos cinco anos, houve aumento de 113% no
nmero de assassinatos de homossexuais. Apenas nos trs
primeiros meses de 2011 foram 65 assassinatos36.
Em 2011 foi criado o Disque 100 para denncias de violao aos

Direitos Humanos, entre eles, casos de homofobia e transfobia; quanto a
estas, os nmeros no param de crescer, ano a ano, medida que o
33
MOTT, Luiz. op. cit. No Documento cada um dos episdios detalhado. Quanto a
homicdios, foram 130 no ano (nmero que certamente maior, dada a frequncia de subnotificao como crime de dio homofbico), o que o leva a concluir: o Brasil continua sendo
o campeo mundial de homicdios contra as minorias sexuais: cinco homossexuais so mortos
a cada duas semanas. Nem nos Estados Unidos e Inglaterra, pases onde os crimes de dio
so frequentes e ainda existem restries legais prtica homossexual, nem mesmo nos
pases islmicos e africanos mais homofbicos, onde h legislao punitiva contra os
praticantes do que considerado como vcio dos colonialistas brancos, em nenhum pas do
mundo, inclusive na Amrica Latina, so assassinados tantos gays como no Brasil (idem).
34
RIOS, Roger Raupp. A Discriminao por Gnero e por Orientao Sexual. SEMINRIO
INTERNACIONAL AS MINORIAS E O DIREITO, 2001, Braslia. Anais... Braslia: CJF, 2003, p.
167.
35
Quando se pergunta aos alunos sobre quais pessoas ele no gostaria de ter como seu
colega de classe, aproximadamente dos alunos indicam que no gostariam de ter um colega
homossexual [...] (ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary Garcia e Lorena e SILVA, Bernadete
da. op. cit., p. 280).
36
E a notcia complementa: De acordo com Mott, esse aumento resultado do aumento da
violncia e da impunidade. H um crescimento da quantidade de assassinatos. Alm disso,
menos de 10% desses assassinos so presos e sentenciados. Atualmente, a visibilidade dos
gays maior, pois h muitos se assumindo e isso provoca o aumento da intolerncia.
JINKINGS, Daniella. A cada 36 horas, um homossexual morto no Brasil. Agncia Brasil.
Publicado em 04/04/2011. Disponvel em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2011-0404/cada-36-horas-um-homossexual-e-morto-no-brasil. Como a prpria notcia destaca, o
aumento das notificaes de agresso homofbica pode indicar ou que realmente aumentou o
nmero de agresses e/ou que, por uma visibilidade maior e melhor orientao (de agredidos e
dos rgos pblicos responsveis) aquelas esto agora sendo feitas corretamente.
18
mesmo vai se tornando mais conhecido.37 Ratificam-se, assim, em dados

oficiais, as denncias de dcadas do Grupo Gay da Bahia (GGB) sobre a
violncia homofbica (e transfbica) no Brasil. Contudo, ainda representa
uma frao muito pequena da violncia que acomete lsbicas, gays,
bissexuais, travestis e transexuais, pois, alm de outros fatores, ainda muito
recente e desconhecido da maioria dos membros desta comunidade.
No apenas no mbito de relaes entre particulares que a
homofobia e a transfobia aparecem. No que se refere ao Poder Pblico aquela
pode ser percebida no apenas na omisso (do legislador federal) em criar
normas de proteo/promoo de direitos. No raras vezes ela tambm se
mostra ativa.
3.II.b.1. Inrcia do Legislativo Federal e Aes Isoladas dos Demais

Poderes
Legislativo. Vive-se no Brasil uma crise no Legislativo: ele ainda
no se deu conta de que, em uma democracia, tem papel de protagonista
sobre as questes que afligem a sociedade. Seus membros, os
parlamentares, tm de ter conscincia de que representam setores, partes
da comunidade por isso so organizados em partidos. Os parlamentares
no so (e nem devem ser) neutros. Ao contrrio, devem se posicionar
quando questes polmicas so apresentadas. O que se v, no entanto,
um Parlamento incapaz de lidar com temas fraturantes. PARTIDOS
POLTICOS QUE NO TOMAM PARTIDO. E vejam, Excelncias, no
que os partidos no Brasil tenham tomado decises conservadoras no que
tange aos direitos de LGBT: eles no tomam nenhuma posio.
Assim, concorda-se com o que disse o advogado Paulo Iotti, em
nome do PPS, nesta ao: O legislador no aprova, mas tambm no
rejeita, deixando este e todos os outros temas relativos populao
LGBT em um verdadeiro limbo deliberativo.
37
BRASIL. SEDH. Nmero de denncias de violncia homofbica cresceu 166% em 2012, diz
relatrio. Ver: http://www.sdh.gov.br/noticias/2013/junho/numero-de-denuncias-de-violenciahomofobica-cresceu-166-em-2012-diz-relatorio.
19
No Brasil no h nenhuma lei federal sequer a tratar diretamente do

tema, a despeito do que diz a Constituio de 1988, isto , desta garantir a
no-discriminao como um direito fundamental (artigo 3, IV), do
direito de igualdade (artigo 5, I)
38
, de que a Constituio diz
expressamente que o rol de direitos ali elencados aberto e passvel de

novas incorporaes (art. 5o, 2o e 3o); e apesar tambm do fato de j
haver Resolues Internacionais da OEA e da ONU infra , orientando os
pases a promoverem polticas de no discriminao contra a populao LGBT.
Verdade seja dita, alguns legislativos (e executivos) municipais e estaduais
figuram em posio privilegiada frente ao federal: talvez a proximidade local,
principalmente do primeiro, permite maior acesso populao, o que tem
gerado bons resultados na aprovao de algumas e esparsas leis e polticas de
cidadania, como o reconhecimento de ONGs e a promoo de direitos
humanos pense-se, por exemplo, em leis (e polticas) municipais e estaduais
de proteo aos homossexuais39. Contudo, as leis locais existentes podem, no
mximo, estabelecer multas para empresas e rgos do comrcio (no limite,
cassar a autorizao de funcionamento, quando o caso de a possurem).
Apenas no mbito federal que se pode aprovar norma que tipifique
criminalmente a discriminao, j que isso competncia exclusiva da
Unio (art. 22, I da Constituio de 1988)40.
Os vrios Projetos de Lei (e de Emenda Constituio) sobre
qualquer tema ligado, ainda que indiretamente, a questes de orientao
sexual ou identidade de gnero41 so colocados de lado. Mas a questo no
38
Seguindo a classificao de Roger Raupp Rios no que se refere forma como os

Ordenamentos tratam da homossexualidade, o Brasil se encontra num estgio intermedirio:
no a criminaliza e tambm probe sua discriminao (RIOS, Roger Raupp. op. cit., p. 158).
39
Sobre o tema cf. BAHIA, Alexandre. A no-discriminao como Direito Fundamental e as
redes municipais de proteo a minorias sexuais - LGBT. op. cit.; e: BAHIA, Alexandre;
MORAES, Daniel. Discriminao contra minorias sexuais, religio e o constitucionalismo
brasileiro ps-88. Revista General de Derecho Constitucional, v. 10, p. 409-431, outubro 2010.
40
Constituio da Repblica Federativa do Brasil: Art. 22. Compete privativamente Unio
legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrrio, martimo,
aeronutico,
espacial
e
do
trabalho.
Disponvel
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.
41
As expresses orientao sexual e identidade de gnero podem ser definidas de vrias
formas e importante a lembrana de Alexandre Bortolini no sentido de que qualquer tentativa
de conceituao e de classificao sempre redutora de complexidade, j que a sexualidade
humana plural. De toda sorte, apenas para dar os contornos sobre o que se pretende com as
expresses acima, pode-se definir orientao sexual diz respeito atrao, o desejo sexual e
20
que as proposies tenham sido rejeitadas em votao, como mencionado

acima, na maior parte dos casos (seno em todos), os membros do Congresso
Nacional, sequer se posicionaram, seja a favor, seja contra. Segue-se uma
pequena lista:
a) o PL 3712/2008, do Deputado Federal Maurcio Rands (PT/PE)
que visa incluir na situao jurdica de dependente, para fins
tributrios, o companheiro homossexual do contribuinte e a
companheira homossexual da contribuinte do Imposto de Renda de
Pessoa Fsica;
b) O PL. 1.151/95, que visa regular a parceria civil entre pessoas do
mesmo sexo. Em 1996 uma Comisso Especial deu parecer
favorvel ao Projeto. Da ele passou por vrias sesses do Plenrio
sem que fosse apreciado at que foi retirado de pauta por acordo
dos lderes em 2001. Em 2007 foi pedido seu desarquivamento e, de
l at o momento, nenhuma apreciao houve do projeto. A despeito
da antiguidade do mesmo, e de que [n]os ltimos 16 anos, foram
apresentados mais de 20 projetos sobre gays; nenhum foi votado.
Para o lder do PT na Cmara, Paulo Teixeira (SP), o Congresso
dormiu no ponto sobre um assunto de interesse nacional.42
c) PEC n. 139/95, PEC 392/2005 e 66/2003, para (re)introduzir ao
inciso IV do artigo 3 a proteo contra discriminao por
orientao sexual43;
d) Finalmente, o PL. 4.242/4, o PL. 3.770/00 e os PL. 05/03 e
5.003/01, tratavam, em termos gerais, da criminalizao da
homofobia, sendo, por isso, reunidos no PLC 122/06.
O PLC 122/06, originalmente aprovado na Cmara em 23/11/2006
como PL. 5003/2001, seguiu para o Senado e, desde ento, no conseguiu
aprovao, sendo objeto de fortssima oposio por grupos religiosos
representados pela bancada evanglica. E, novamente, no que o Senado
afetivo que uma pessoa sente por outras. Assim, de forma simplificada podem ser
enumeradas as orientaes homossexual, heterossexual e bissexual. J a identidade de
gnero (ou identidade sexual) tem a ver com como eu me coloco diante da sociedade, com
quais grupos, representaes e imagens eu me identifico e me reconheo (cit, p. 8-9).
Classificados os seres humanos sob este aspecto se pode falar em: gnero masculino, gnero
feminino e transgneros (travestis e transexuais).
42
FOLHA DE SO PAULO Cotidiano. Projetos pr-gays caducam e Congresso ensaia
autocrtica.
07/05/2011.
Disponvel
em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0705201120.htm.
43
A primeira foi arquivada. Quanto s outras duas, de 2005 a 2007 no sofreram nenhuma
votao, quando, ento, foram arquivadas. Desarquivadas ainda em 2007, no tiveram
qualquer movimentao de 2007 a 2011, quando foram novamente arquivadas. Ento o
Deputado Paulo Pimenta conseguiu desarquiv-las em fevereiro de 2011 e, at agora, no
possuem nenhuma movimentao.
21
Federal rejeitou o projeto em questo: ele simplesmente insiste em no querer

decidir! Insiste em no querer tomar partido por intermdio de votao do
projeto.
Uma das discusses que, se for aprovada a lei, seriam criados
super direitos para uma minoria.
A ttulo de exemplo, o discurso do Deputado Jefferson Campos
(PTB-SP):
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, como pastor
evanglico e cidado brasileiro, tenho visto o levante que
est acontecendo no Brasil na questo dos homossexuais.
ONGs e associaes que defendem os homossexuais tm se
organizado na esfera poltica, e entraram no Legislativo Federal
(Cmara e Senado), tentando fazer valer leis que os colocam
como cidados intocveis no Brasil. A inconstitucionalidade
do PL 5003-B/2001, oriunda da Cmara dos Deputados, e que
passou a ser designado, no Senado, por PLC (Projeto de Lei
da Cmara) n 122/2006, cerceia de forma velada a
liberdade de pensamento e de crena, garantida pela nossa
Constituio, e cria uma superlei [sic], dando superdireitos
[sic] aos homossexuais. Essa pretensa lei impe pena de
recluso de at 5 anos para qualquer manifestao, ainda que
de ordem religiosa ou filosfica, de oposio ao
homossexualismo. Destaco ainda que na redao da proposta
para o art. 16 da Lei n 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (Lei Antiracismo), que praticamente decreta a morte civil do condenado,
existe um policiamento. Por isso entendo que o projeto de lei
citado desnecessrio, porque agresses fsicas ou injrias
a quaisquer pessoas, homossexuais ou no, j configuram
crime, sendo dispensvel a lei contra a alegada homofobia
ideolgica, com a aplicao de penas excessivamente
gravosas, desproporcionais. A meu ver, a inculpao no
procede. obvio que discriminaes que no sejam arbitrrias,
que tenham fundamento lgico-racional, so toleradas ou esto
de acordo com o princpio da igualdade. O que no se molda,
porm, com o princpio da isonomia tratar os
homossexuais como se fosse uma raa, conferindo-lhes
privilgios, e, de outro lado, penas severssimas para os
demais - da Lei Anti-racismo. E mais do que isso: a lei da
homofobia, que pretende tornar a Lei Anti-racismo (Lei 7.716,
de 1989) ainda mais rgida, nela incluindo os crimes de
discriminao e preconceito em razo de gnero, sexo,
orientao sexual e identidade de gnero, fere importantes
princpios constitucionais porque tem como principal foco
proibir a liberdade de expresso e manifestao de opinio
das pessoas com relao ao homossexualismo. Isso
significa equiparar aes ao se colocarem termos como
violncia e vexame, por exemplo, para fins de punio, porque
seus significados so profundamente diversos. Em outras
palavras, a discriminao que o projeto de lei pretende
22
promover arbitrria, desproporcional, atentando contra a

natureza das coisas. Portanto, o projeto flagrantemente
inconstitucional porque significa a implantao do
totalitarismo e do terrorismo ideolgico de Estado, com
manifesta violao livre manifestao do pensamento,
inviolabilidade da liberdade de conscincia e de crena.
(Art. 5 da Constituio). O que est por trs realmente desse
projeto de lei de homofobia a tentativa de impor a todos o
dogma
da
moralidade
ou
naturalidade
do
homossexualismo, que no cientfico, mas de origem
ideolgica, tornando-se penalmente punvel a contestao
a essa pretensa verdade. Nada mais truculento! Nada mais
inadmissvel! Trata-se de evidente policiamento ideolgico. Eu
sou evanglico; eu no sou homofbico. E posso afirmar,
sem medo de errar, que 99,99 % da comunidade evanglica,
em nvel mundial, tambm no. Homofobia um termo
relacionado a dio mortal. Algum j viu ou leu sobre
evanglicos matando gays? Eu nunca li nem ouvi nenhuma
matria jornalstica relatando tal ocorrido. A verdade que este
substantivo (homofobia) a bola da vez; est na moda de
quem faz mdia inseri-lo em suas pautas. Homofobia significa
medo de homossexuais. Mas eu no tenho averso a eles nem
dio; pelo contrario, os nossos preceitos, segundo a Bblia,
que amemos a todos, sem nenhuma discriminao. Eu apenas
discordo do modo de vida dos que so homossexuais, e
defendo meu direito de pensar assim e manifestar este
pensamento pautado em minha convico religiosa. Ns,
pastores, pregamos o exemplo de Cristo, que de amor e
respeito ao prximo (Cmara dos Deputados, Sesso realizada
no dia 10/06/2008) (grifos nossos). De forma semelhante o
Deputado Valter Brito Neto (PRB-PB): Sr. Presidente, outro
fato que quero registrar ocorreu aqui, no Congresso Nacional,
na semana retrasada, relativo ao Projeto de Lei n 122, de
2006. A matria que a Cmara dos Deputados aprovou e que
est tramitando no Senado da Repblica um absurdo, um
atentado liberdade de expresso. um atentado
liberdade religiosa o fato, no de discriminar pessoas, mas
sim de se criticar um comportamento, uma conduta, o que
totalmente legtimo no processo democrtico. No podemos
aceitar que seja criada em nosso Pas uma ditadura branca,
em que no se pode fazer crticas a um determinado
comportamento (grifos nossos).44
44
Cmara dos Deputados, Sesso realizada no dia 09/07/2008. Sobre a relao entre
argumentao moral-religiosa e homofobia, RIOS (RIOS, Roger Raupp. Para um direito
democrtico da sexualidade. Horiz. antropol. [online]. 2006, vol.12, n.26, p. 95), argumenta:
como uma pessoa religiosa deve aceitar a liberdade de crena e a possibilidade de atesmo
da decorrente como a melhor forma de garantir sua vivncia religiosa, uma pessoa
moralmente conservadora pode admitir as garantias de liberdade sexual, a fim de que o
Estado, por meio de seus agentes, no tenha a possibilidade de interferir no exerccio de sua
moralidade. (...) [U]m direito democrtico da sexualidade implica refutar discursos fundados
em premissas religiosas, uma vez que a juridicizao dos direitos sexuais e dos direitos
reprodutivos na tradio dos direitos humanos coloca esse debate na arena mais ampla do
Estado laico e democrtico de direito, em sintonia com ideais republicanos. Cf. tambm CDD
23
Esquecem-se, no entanto, os crticos, que toda a lei do racismo (na

qual seriam includos os LGBT) j protege especialmente a outras minorias
discriminadas por raa, cor, inclusive religio dizer, os mesmos que
acusam o movimento LGBT de pretender privilgio j so protegidos
pela lei de racismo. Quem, portanto, est querendo privilgios? O que
o PLC 122 faz nada mais do que incluir, na j vigente lei do racismo, a
mesma proteo que j possuem negros, judeus, mulheres e, inclusive,
religiosos: o direito de ser, de existir e de poder buscar sua felicidade de forma
digna. Por que que ningum prope retirar da lei do racismo a proteo aos
negros? Ser que, quando a lei fala em proteo contra discriminao por cor,
no est dando superdireitos aos negros? Ou aos religiosos? Pois este um
dos argumentos contra o PLC 122. Entretanto, basta uma leitura rpida do
mesmo para se ver que ele no coloca nenhuma minoria com mais direitos que
outra, ao contrrio, diz expressamente que deve ser dada populao LGBT a
mesma liberdade que aos heterossexuais.
Ora, justamente porque as pessoas LGBT formam uma minoria
estigmatizada
justamente
porque
sofrem
preconceito
especfico e
direcionado que necessria uma lei como essa da mesma forma como
foi (e ) necessria uma lei que proteja negros (e outros) contra
discriminao ou as mulheres contra violncia domstica. Quanto
desnecessidade da lei haja vista as protees legais j existentes , sem
querer entrar no mrito da questo sobre at que ponto uma lei, isoladamente,
pode mudar o comportamento intolerante, vale a pena conferir os dados
trazidos frente sobre a violncia homofobia no Brasil.
O que importante destacar, desde j, que a violncia contra
LGBT no pas no uma casualidade: no que se recorte, entre os que
sofrem violncia, aqueles que so pertencentes quela minoria. Ao contrrio,
ao se falar em dados de violncia homofbica e transfbica est-se
(CATLICAS POR EL DERECHO A DECIDIR CRDOBA); IGLHRC (COMISIN
INTERNACIONAL DE LOS DERECHOS HUMANOS PARA GAYS Y LESBIANAS). Defensa de
los Derechos Sexuales en Contextos Fundamentalistas Presentacin de Experiencias
Exitosas en Distintos Contextos. [local?], ([s/d]). Sobre isso cf. BAHIA, Alexandre. A nodiscriminao como Direito Fundamental e as redes municipais de proteo a minorias sexuais
- LGBT. cit., p. 97-98.
24
fazendo tratando de uma violncia que acontece PORQUE a vtima

membro dessa minoria.
Entendemos que o PLC122/06 (e a criminalizao da homofobia e
da transfobia abstratamente considerada) no viola, quer a liberdade de
expresso, quer a liberdade religiosa, uma vez que o exerccio destas e
continuar sendo legtimo, desde que no configure abuso (o que independe
da aprovao do referido projeto). dizer, denominaes religiosas que (ainda)
pregam (v.g.) que a homossexualidade seja um pecado/abominao,
podero continuar fazendo-o, o que elas no podem fazer atribuir
homossexualidade caractersticas que nada tm a ver com questes
religiosas, como dizer que homossexuais so promscuos, pedfilos
etc 45 . preciso situarmos o que (e quais os limites) da liberdade de
expresso e da liberdade religiosa. Por exemplo, o Pacto de San Jos da
Costa Rica, em seu art. 13 trata da liberdade de pensamento e de
expresso, estabelecendo:
1. Toda pessoa tem o direito liberdade de pensamento e de
expresso. (...) 2. O exerccio do direito previsto no inciso
precedente no pode estar sujeito censura prvia, mas a
responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente
previstas em lei e que se faam necessrias para assegurar: a)
o respeito dos direitos e da reputao das demais pessoas; b)
a proteo da segurana nacional, da ordem pblica, ou da
sade ou da moral pblicas.
A Constituio de 1988, por sua vez, dispe em seu art. 5:

IV - livre a manifestao do pensamento, sendo vedado o
anonimato;
V - assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo,
alm da indenizao por dano material, moral ou imagem;
45
Podemos citar, e.g., textos disponveis em sites religiosos nos quais, para alm de
questes teolgicas propriamente ditas, onde so citados textos bblicos e doutrinrios, podese apreender outra ordem de argumentos pseudocientficos, como se pode ver em: (...) o
famigerado projeto de lei 122/2006, que cria o crime de delito de opinio no pas - uma espcie
de ditadura gay no Brasil, pois tal comportamento se tornar incriticvel, algo s visto em
ditaduras totalitrias (In: <www.conscienciacrista.org.br>, Nota da Vinacc em resposta
ABGLT); O Brasil no o Ir: o projeto anti-homofobia, In: <www.conscienciacrista.org.br>; e
O
'discreto'
apoio
da
Rede
Globo
aos
projetos
anti-homofobia,
In:
<www.conscienciacrista.org.br>. Ver tambm explicaes comportamentais dos pais
determinando a orientao sexual dos filhos em: Homossexualismo e homossexualidade, In:
<http://www.ultimato.com.br> ou ainda um outro texto de religiosos mostrando com orgulho
serem homofbicos, uma vez que a culpa pela epidemia do vrus HIV seria dos
homossexuais: Em Defesa da Homofobia, In: <www.juliosevero.com.br>.
25
VI - inviolvel a liberdade de conscincia e de crena, sendo

assegurado o livre exerccio dos cultos religiosos e garantida,
na forma da lei, a proteo aos locais de culto e a suas
liturgias; (...)
VIII - ningum ser privado de direitos por motivo de crena
religiosa ou de convico filosfica ou poltica, salvo se as
invocar para eximir-se de obrigao legal a todos imposta e
recusar-se a cumprir prestao alternativa, fixada em lei;
Percebe-se que, tanto a liberdade de expresso quanto a

liberdade religiosa so direitos fundamentais, mas, como tal, no so
absolutas afinal, nenhum direito fundamental absoluto, nem o direito
vida46. Estas liberdades esto no mesmo nvel que a vedao discriminao
(art. 3, IV) e tambm do direito de igualdade47 e das demais liberdades civis.
Dessa forma, no h conflito real entre estes direitos ainda que se
possa falar em conflito aparente (prima facie)48. No caso concreto tal possvel
conflito desaparece quando se percebe que uma das pretenses se mostra
abusiva quando a realizao de um direito significa a negao de outro.
dizer, quanto liberdade de expresso religiosa, quando o
portador desta pretenso no considera o outro como igual portador dos
mesmos direitos, no h liberdade, no h uso legtimo de um direito mas
um abuso de direito, conhecido como hate speech
49
. No caso da
46
pacfico no STF o entendimento de que no existem direitos absolutos (s para citar um

caso, veja-se deciso dada na Cautelar no Mandado de Segurana n. 25.617, Rel. Min. Celso
de Mello, DJ. 03/11/2005).
47
Direito de igualdade que no se limita a tratamento isonmico em todos os casos, mas
implica tambm tratamento diferenciado. Ou como diz Boaventura de Sousa Santos: Temos o
direito de ser iguais quando a diferena nos inferioriza e o direito de sermos diferentes quando
a igualdade nos descaracteriza (SANTOS, Boaventura de Sousa. Por uma concepo
multicultural de direitos humanos. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org). Reconhecer para
libertar: os caminhos do cosmopolitismo cultural. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003, p.
458).
48
Sobre isso ver: BAHIA, Alexandre. A Interpretao Jurdica no Estado Democrtico de
Direito: contribuio a partir da Teoria do Discurso de J. Habermas. In: CATTONI DE
OLIVEIRA, Marcelo A. (coord.). Jurisdio e Hermenutica Constitucional. Belo Horizonte:
Mandamentos, 2004, p. 301-357.
49
Alis, o debate no STF por ocasio do HC. 82424 foi justamente sobre o conflito entre
liberdade de expresso e racismo: um livro que prega que os judeus querem dominar o
mundo (qq. semelhana...) que se consideram superiores, que atuam no oculto para obter
ganhos e que, pois, devemos tomar cuidado com eles um livro assim no exerccio
regular da liberdade de expresso e sim racismo. Cf. BAHIA, Alexandre. Anti-Semitismo,
Tolerncia e Valores: anotaes sobre o papel do Judicirio e a questo da intolerncia a partir
do voto do Ministro Celso de Mello no HC 82.424. Revista dos Tribunais, So Paulo, v. 847, p.
443-470, maio 2006.
26
homossexualidade, h hate speech ao no se reconhecer o direito do outro

como igual, naquilo que o outro se reconhece como indivduo.50
H um caso recente sobre isso no Tribunal Europeu de Direitos
Humanos (TEDH). Em fevereiro/2012 o TEDH confirmou deciso do Judicirio
sueco que condenou 4 cidados a pagar multa por manifestaes
homofbicas: panfletos que alegavam que a homossexualidade era um desvio
sexual, que teria um efeito moralmente destrutivo nas bases da sociedade e
que era responsvel pela expanso do HIV. A defesa deles era que eles no
queriam desprezar os homossexuais, mas promover um debate sobre a
educao sueca. O Judicirio sueco os condenara entendendo que havia no
discurso deles desprezo e os condenou por agitao contra um grupo por
motivo de sua nacionalidade ou etnia. O TEDH deixou claro que a liberdade
de expresso tem limites e um deles a reputao e o direito dos
outros51.
Voltando ao PLC 122/06, percebe-se que j houve vrias

tentativas de acordo com seus opositores foi at esboado um Substitutivo ,
mas a discusso no avanou; foi apensado ao Projeto de Lei sobre novo
Cdigo Penal, perdendo-se todos os anos de debates e de lutas por sua
aprovao, j que, ento, ele entrou no ritmo de tramitao de um Projeto de
Lei novo, sendo uma manobra clara para postergar uma deciso sobre o tema.
No
bastasse
isso,
em
sesso
de
17/12/2014,
houve
desapensao do PLC122/06 do Projeto de Cdigo Penal justamente
50
Nesse sentido tambm Carbonell, comentando sobre o art. 9, incisos XV e XVIII da : Ley
Federal para Prevenir y Eliminar La Discriminacin, de 2003 (infra), que traz dispositivos
similares: Para algunos, estos preceptos podran ser violatorios de la libertad de expresin.
Olvidan quienes as piensan que en una democracia no todas las expresiones pueden
estar tuteladas ni pueden considerarse, con independencia de su contenido, como
protegibles por el ordenamiento jurdico. La libertad de expresin no puede servir para
proteger las manifestaciones verbales de odio racial u homofbico, ni para hacer
escarnio de quien tiene una discapacidad o de quien presenta cierto estado de salud o
asume una determinada preferencia sexual (CARBONELL, Miguel. Consideraciones sobre
La Ley Federal para Prevenir y Eliminar la Discriminacin. In: DE LA TORRE MATNEZ, Carlos.
Derecho a la No Discriminacin. Mxico: UNAM, 2006, p. 215, grifos nossos).
51
Conforme noticiado pelo jornal El Pas, em 21/02/12: La homofobia no est protegida por la
libertad
de
expresin.
Disponvel
em:
http://sociedad.elpais.com/sociedad/2012/02/09/actualidad/1328801278_987970.html.
27
porque, argumentam, aquele dificultaria a aprovao deste! 52 Com isso,

passados dois anos desde o primeiro desarquivamento e sem que o
PLC122/06 tivesse sido aprovado nas trs comisses do Senado para que
retornasse
Cmara,
ele
ser
arquivado
definitivamente
sem
possibilidade de desarquivamento (ainda no ms de janeiro/2015, a menos

que haja o requerimento de pelo menos 27 Senadores e aprovao em
Plenrio, o que nos parece muito improvvel)53 , como temos insistido:
52
Marta aponta manobra contra votao de projeto que criminaliza homofobia.

A tramitao do projeto que criminaliza a homofobia (PLC 122/2006) dentro da reforma do
Cdigo Penal (PLS 236/2012) foi apontada nesta quarta-feira (17) pela senadora Marta Suplicy
(PT-SP) como uma manobra para atrasar a votao da matria. No fim de 2013, a proposta
estava pronta para votao na Comisso de Direitos Humanos e Legislao Participativa
(CDH), mas por fora de requerimento apresentado pelo senador Eduardo Lopes (PRB-RJ),
aprovado em Plenrio, passou a tramitar em conjunto com outras matrias relacionadas ao
Cdigo Penal. Nesta quarta, o relator do Cdigo Penal na Comisso de Constituio e Justia
(CCJ), senador Vital do Rgo (PMDB-PB), recomendou que o PLC 122/2006 volte a tramitar de
forma independente. Ele tambm rejeitou emendas apresentadas por Marta Suplicy, Randolfe
Rodrigues (PSOL-AP) e Ana Rita (PT-ES), para incluir orientao sexual ou identidade de
gnero entre as motivaes que caracterizam crime de preconceito e discriminao, ao lado de
raa, cor, etnia, religio e procedncia regional ou nacional. O PL 122 no foi aprovado na
CDH e foi apensado discusso do Cdigo Penal. Para mim, uma manobra procrastinatria.
Fica evidente que foi apensado para no ser votado. Enquanto isso, milhares de pessoas so
vilipendiadas protestou Marta, que foi relatora da proposta na CDH, antes de se afastar do
Senado para exercer o cargo de ministra da Cultura. A senadora tambm disse no entender o
motivo da rejeio, por Vital do Rgo, das emendas apresentadas ao novo Cdigo Penal, para
criminalizar o preconceito contra homossexuais. Por que existe crime de racismo, crime
religioso, de preconceito regional e nacional e no existe o de orientao sexual, sendo que
quem est morrendo hoje nas ruas homossexual? questionou. Vital do Rgo disse que a
Consultoria Legislativa do Senado, aps anlise do tratamento da questo na legislao de
diversos pases, recomendou o tratamento da matria em lei especfica. Senado Notcias,
17/12/2014
(sem
sublinhado
no
original).
Disponvel
em:
http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2014/12/17/marta-aponta-manobra-contravotacao-de-projeto-que-criminaliza-homofobia.
53
Projetos antigos do Senado sero arquivados.

[Para as] proposies que tramitam h duas legislaturas ou mais sem concluso (...) o
arquivamento automtico, em qualquer caso. Ainda assim, podem ser resgatadas com a
apresentao de requerimento de pelo menos 27 senadores, que precisa ser aprovado em
Plenrio. Caso isso acontea, o projeto volta a tramitar por mais uma legislatura. Ao fim dela,
se no houver deciso, ele dever ser arquivado em definitivo. Nessa situao se encontra,
por exemplo, o PLC 122/2006, da ex-deputada Iara Bernardi (PT-SP), que criminaliza a
homofobia. Ele atravessou duas legislaturas sem concluso, foi arquivado em 2011 e
resgatado pela senadora Marta Suplicy (PT-SP). Como no houve deliberao definitiva
(o projeto foi aprovado por apenas uma das trs comisses que deveriam estud-lo), o
texto ser definitivamente arquivado agora, sem possibilidade de recurso. A SecretariaGeral da Mesa deve concluir o processo de arquivamento ainda este ms. Senado Notcias,
06/01/2015
(grifos
nossos).
Disponvel
em:
http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2015/01/05/projetos-antigos-do-senado-seraoarquivados.
28
no que o Congresso Nacional desconhea a demanda

pela criminalizao da homofobia este no um tema
estranho a nenhuma das duas Casas pois h/houve mais de
um Projeto de Lei sobre o tema, com audincias pblicas,
debates e repercusso na mdia.
que
ocorre
que
Congresso
Nacional
se
amesquinhou de seu papel, uma vez que chamado para

tomar posio sobre os mais variados temas mas, neste
caso como em vrios outros temas fraturantes ,
simplesmente
decidiu
no
decidir,
at
que,
como
dissemos, o Projeto viesse ao arquivamento definitivo.
Sua situao de omisso ainda mais clara porque a demanda:
conhecida
foi-lhe dada oportunidade para se manifestar
mas ele simplesmente procrastinou o quanto pde: no

aprovou e nem rejeitou expressamente
at que a demanda fosse arquivada SEM UMA RESPOSTA

pelos representantes do povo.
Executivo. A despeito do silncio legislativo h iniciativas na

Administrao Pblica (ou paraestatal) que, de forma setorizada, tm garantido
alguns direitos aos LGBT. Vrios rgos da Administrao Pblica reconhecem
direitos previdencirios (e outros) mesmo sem o Brasil possuir qualquer lei
nesse sentido. H tambm metas postas em: Planos Plurianuais; Planos
Nacionais de Direitos Humanos; o Programa Brasil sem Homofobia (2004); a I
Conferncia Nacional LGBT de 2008, seguida da II Conferncia em 2011; e a
criao do Conselho Nacional de Combate Discriminao CNCD em 2010.
A esse respeito no entanto, valem 2 observaes:
a) Apesar dos planejamentos e conferncias possurem pautas e
metas claras de anteprojetos de lei em reas como sade, educao, trabalho
e proteo contra a violncia de LGBT, praticamente NENHUMA DESTAS
29
pautas e metas foi transformada em Projeto de Lei (ou similar) pelo

Executivo ou por algum membro de sua base no Congresso Nacional.
No h polticas pblicas de enfrentamento da homofobia e da transfobia
no Brasil. Mesmo Projetos que j tramitavam antes daqueles Planos (como o
PLC 122/06) no tiveram qualquer aumento de apoio poltico-institucional
significativo
para
sua
aprovao
como
decorrncia
daqueles
planos/conferncias.
b) Alm de no haver progressos na transformao em aes
concretas, tambm se tem experimentado retrocessos nos ltimos anos. Um
exemplo foi o chamado Kit Escola Sem Homofobia que seria distribudo nas
escolas de 2o grau e que estava sendo confeccionado pelo Ministrio da
Educao: em 2011 a Presidente da Repblica vetou dito material por presso
de grupos religiosos no Congresso Nacional. 54 De igual modo, tradicionais
programas de combate AIDS vm sofrendo cortes e restries por
presso da mesma bancada, o que tem sido denunciado por rgos
internacionais como a UNAIDS.55
54
Aps presso de religiosos, Dilma suspende produo de kit anti-homofobia. Depois

de se reunir nesta quarta-feira, 25, com deputados da chamada bancada religiosa, o governo
decidiu suspender todas as produes que estavam sendo editadas pelos ministrios da Sade
e da Educao sobre a questo da homofobia. De acordo com o ministro Gilberto Carvalho, da
Secretaria-Geral da Presidncia da Repblica, a presidenta Dilma Rousseff assistiu vdeos do
chamado kit anti-homofobia e no gostou do tom das produes (grifos nossos). Disponvel
em: <http://blogs.estadao.com.br/radar-politico/2011/05/25/apos-pressao-de-religiosos-dilmasuspende-producao-de-kit-homofobia>. Noutra oportunidade, quando questionada sobre o
veto, a Presidente Dilma afirmou que: no vai ser permitido a nenhum rgo do governo
fazer
propaganda
de
opes
sexuais
(grifos
nossos).
Ver:
http://g1.globo.com/educacao/noticia/2011/05/governo-nao-fara-propaganda-de-opcao-sexualdiz-dilma-sobre-kit.html.
55
Representante do programa de Aids da ONU critica governo por ceder a presses de
grupos religiosos. O representante da Unaids no Brasil, Pedro Chequer, criticou hoje o
governo da presidente Dilma Rousseff, por ceder a presses de grupos religiosos
conservadores em sua poltica de combate epidemia de Aids. Ele no falou diretamente em
denominaes religiosas, mas disse que o governo acaba violando direitos medida que cede
a presses de minorias organizadas. Em seguida lembrou o episdio, ocorrido em fevereiro,
quando o Ministrio da Sade deixou de veicular na TV o video de uma propaganda destinada
a jovens gays, estimulando o uso de preservativos (...) (grifos nossos). Disponvel em:
<http://blogs.estadao.com.br/roldao-arruda/representante-do-programa-de-aids-da-onu-criticagoverno-por-ceder-a-pressoes-de-grupos-religiosos>. E: UNAIDS critica suspenso de kit
educativo sobre doena. O Coordenador do Programa Conjunto das Naes Unidas sobre
HIV/Aids no Brasil (UNAIDS), Pedro Chequer, classificou como um retrocesso a deciso do
governo federal de suspender a distribuio de material educativo com mensagens antihomofobia e de incentivo de uso da camisinha. Recebemos a notcia com desapontamento e
surpresa. Esperamos que a deciso seja revista, afirmou () (grifos nossos). Disponvel em:
<http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/estado/2013/03/18/unaids-critica-suspensaode-kit-educativo-sobre-doenca.htm>.
30
De forma semelhante ao legislador estadual e municipal, os

governos nestas esferas federativas possuem um sistema bem mais
desenvolvido de aes e mecanismos de proteo e promoo dos direitos
LGBT; mas, da mesma forma, tambm esto limitados dado o regime
federativo brasileiro56.
Tudo isso, no entanto, no suficiente para inibir a prtica cotidiana
da violncia contra LGBT no Brasil.
Judicirio. Mesmo com a ao da Administrao Pblica a falta de

leis especficas um problema real, uma vez que, por exemplo, aquela est
limitada ao princpio da legalidade. Frente aos cidados, no entanto, a omisso
legislativa no pode significar ausncia prtica do direito, uma vez que se
considera
normatividade
das
normas
constitucionais
(alm
dos
Tratados/Convenes Internacionais de que o Brasil signatrio). Assim que,

diante da reiterada inrcia do Legislativo em tomar posio, ao cidado no
resta outra alternativa que buscar no Judicirio a proteo/promoo de seus
Direitos Fundamentais, uma vez que se vive num tempo da fora das leis e
no mais do arbtrio57.
O Judicirio, ao contrrio do Legislativo, no tem o poder de
ficar inerte, ele obrigado a se manifestar quando provocado, mesmo que no
haja lei a respeito ( o conhecido princpio da vedao do non liquet).
E assim vem ocorrendo desde o final dos anos 1990 juzes e
Tribunais vm construindo um Direito Homoafetivo58 via jurisprudncia at se
chegar a dois leading cases em 2011 como que se consagrou ser esta uma
questo de alta relevncia social e jurdico-constitucional59.
56
Para maiores detalhes cf.: Bahia, Alexandre. A no-discriminao como direito fundamental e
as redes municipais de proteo a minorias sexuais LGBT. op. cit.
57
Cf. SADEK, Maria T. Apresentao. In: ARANTES, Rogrio Bastos. Judicirio e Poltica no
Brasil. SP: Idesp/Sumar/Fepesp/Educ, 1997, p. 9.
58
O termo foi cunhado pela ex Desembargadora do TJRS, Maria Berenice Dias. Cf. DIAS,
Maria Berenice. Unio Homoafetiva: o preconceito e a justia. 4 ed., So Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009.
59
Ministro Celso de Mello, Relator no AgR.RE. 477.554 (STF, 2. T., j. 16/08/11).
31
Sendo j conhecida da jurisprudncia nos Tribunais a questo do

reconhecimento das unies homoafetivas 60 , o STF veio a chancelar tal
entendimento quando, em maio de 2011 decidiu a ADPF 132 e a ADIn 4277,
procedeu a uma interpretao conforme a Constituio de maneira que onde o
Cdigo Civil dispe sobre unio estvel seja entendido abranger tambm
unies homoafetivas.
Tambm decidindo uma questo envolvendo relaes familiares, o
STF reafirmou o Direito No-Discriminao:
NINGUM PODE SER PRIVADO DE SEUS DIREITOS EM
RAZO DE SUA ORIENTAO SEXUAL - Ningum,
absolutamente ningum, pode ser privado de direitos nem
sofrer quaisquer restries de ordem jurdica por motivo de sua
orientao sexual. Os homossexuais, por tal razo, tm direito
de receber a igual proteo tanto das leis quanto do sistema
poltico-jurdico institudo pela Constituio da Repblica,
mostrando-se arbitrrio e inaceitvel qualquer estatuto que
puna, que exclua, que discrimine, que fomente a intolerncia,
que estimule o desrespeito e que desiguale as pessoas em
razo de sua orientao sexual. (AgR.RE. 477.554, STF, 2. T.,
Rel. Min. Celso de Mello, j. 16/08/11).
Para alm de questes de famlia, os Tribunais tambm possuem

decises sobre responsabilidade civil decorrente de danos morais sofridos
por LGBT. Um exemplo a deciso do TJRS:
APELAO
CVEL.
RESPONSABILIDADE
CIVIL.
ATENDIMENTO ODONTOLGICO. ACIDENTE OCORRIDO
COM O PROFISSIONAL DENTISTA. CORTE CAUSADO
PELA BROCA GERANDO CONTATO COM O SANGUE DO
PACIENTE. EXIGNCIA DE EXAMES DE SADE PARA
VERIFICAO DE CONTAMINAO POR DOENAS
INFECTOCONTAGIOSAS. ABUSO NA CONDUTA DO
PROFISSIONAL AO EXIGIR A REALIZAO DOS EXAMES
QUE AFASTA A EXCLUDENTE DO EXERCCIO REGULAR
DO DIREITO. ATO ILCITO OBJETIVO DECORRENTE DE
ABUSO DE DIREITO. CABIMENTO DA INDENIZAO. [...]
Contudo, ao abusar o ru do direito a ele reconhecido,
adentrando no estabelecimento profissional do autor e
acusando-lhe em frente a seus clientes de pertencer a grupo
de risco, em razo de suas opes sexuais, resta configurado o
abuso de direito, afastando a excludente do exerccio regular
60
No apenas nos Tribunais, mas Cartrios de Registro de Ttulos e Documentos h muito que
j oficiavam registros de unies estveis homoafetivas, como se pode ver, de matria
publicada em 2006 no Jornal O Globo: Gays Driblam Falta de Lei e Registram Pacto de Unio
Estvel em Cartrio (matria publicada em 28/07/2006, p. 18).
32
de um direito, implicando em ilcito objetivo passvel de

indenizao, nos termos do art. 187 do CC/02.
Verificada a violao a direito da personalidade do autor,
concernente sua honra subjetiva e objetiva, cabvel a
condenao do demandado ao pagamento de indenizao por
danos morais.
Majorao do montante indenizatrio para melhor adequ-lo
aos parmetros jurdicos adotados para a quantificao dos
danos morais [...] (Apel.Cv. n. 70028064632, TJRS, 6 T., Rel.
Des. Liege Puricelli Pires. DJ. 11/09/2009)61.
Decises como as citadas acima do STF e do STJ mostram o

importante papel contramajoritrio que deve ser exercido pelos Tribunais em
casos que tais onde uma minoria (por ser tal) no consegue apoio legislativo
suficiente para ter aprovadas leis que deem curso a Direitos Fundamentais
previstos constitucionalmente (como a equal protection clause62).
Minorias devem poder buscar amparo no Judicirio para se
evitar o descumprimento da Constituio frente a maiorias 63. Caso no
haja esse mecanismo, a democracia (vontade da maioria) se transforma em
61
Sobre o caso cf. CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo A.; BAHIA, Alexandre. Abuso de Direito
art. 187 CC e Homofobia: comentrios acerca de deciso do Tribunal de Justia do Rio Grande
do
Sul.
Diritto
&
Diritti,
publicado
em
30/12/2010.
Disponvel
em:
http://www.diritto.it/docs/30838-abuso-de-direito-art-187-cc-e-homofobia-coment-rios-acercade-decis-o-do-tribunal-de-justi-a-do-rio-grande-do-sul.
62
Nesse sentido Ronald Dworkin: uma exigncia soberana frente ao governo que ele trate
todos aqueles sujeitos a seu domnio como iguais, ou seja, com igual considerao. (...) [I]gual
considerao requer o respeito pela liberdade das pessoas da mesma forma (DWORKIN,
Ronald. Valores entram em conflito? Uma perspectiva de um ourio. RIPE Revista do
Instituto de Pesquisas e Estudos, v. 41, n. 47, jan./jun. 2007, p. 129-130). E, mais frente:
Devo encerrar repetindo minhas reivindicaes sobre a virtude soberana da igualdade. O
governo deve tratar todos aqueles submetidos a seu domnio com igual considerao: a vida
de todos importa, e igualmente. Isto inegocivel. claro que este princpio tem sido negado,
no curso da histria humana, mais do que tem sido honrado: pessoas de uma linhagem,
classe, credo, nao ou talento tm parecido importar mais do que outras pessoas. Mas ns,
em nossa nao e nesse sculo, reivindicamos a aceitao do princpio da igual considerao.
(...) Devemos, nesse momento, trabalhar para tornar o princpio da igual considerao
soberano na prtica, tal como ele soberano na retrica (idem, p. 140).
63
Nesse sentido, Hberle: Hoje eu defendo a seguinte opinio: a jurisdio constitucional um
instrumento sutil, detalhado e refinado da democratizao de uma sociedade, desde que ela se
comprometa com a tutela dos interesses da minoria (HBERLE, Peter. Constituio
Declarao de Amor ao Pas. Entrevista dada a Marlia Scriboni e Rodigo Haidar. Consultor
Jurdico, 29/05/11. Disponvel em: http://www.conjur.com.br/2011-mai-29/entrevista-peterhaberle-constitucionalista-alemao). Ver tambm MELO, Marcus A. O vis Majoritrio na Poltica
Comparada: responsabilizao, desenho institucional e qualidade democrtica. Revista
Brasileira de Cincias Sociais, v. 22, n. 63, fevereiro 2007, p. 12.
33
ditadura da maioria64. Democracia e Constitucionalismo esto em permanente

tenso, de forma que a vontade da maioria no pode significar a eliminao ou
a impossibilidade da minoria de ter reconhecidos direitos 65 . Jos R. Lima
Lopes acrescenta que atitudes semelhantes, por parte dos legisladores so
inconstitucionais: [a] maioria parlamentar no pode tudo, e se mantiver
formas discriminatrias de tratamento incorre em inconstitucionalidade,
pois
Artigo
da
Constituio
Federal
impede
que
tratamentos
discriminatrios sejam perpetuados66.

Isso no retira o papel e a responsabilidade do Legislativo/Executivo.
Ao contrrio, revela que estes no tm conseguido dar respostas a contento s
demandas. A judicializao de questes que de outra forma no seriam
tratadas (ou decididas) pelo Estado-legislador/administrador apenas
mostra que estes no tm atuado de forma adequada. No que toca ao
Legislativo, lugar de excelncia de discusso (e deciso) das questes
polticas, sua posio refratria o impede de funcionar como caixa de
ressonncia comunicativa, no exercendo o que ademais Habermas chama
de sistema de eclusas.67
64
H uma relao de tenso permanente entre democracia (vontade da maioria; que reclama
por mudanas) e constitucionalismo (proteo de minorias; estabilidade).
65
Habermas alerta para o perigo que pode significar para uma democracia o momento em que
fique claro para o cidado que eles no tm chances de ainda terem seus direitos
contemplados diante dos tribunais, assim que os eleitores no acreditem que com seu voto
possam influenciar em alguma medida a poltica do governo, o direito ter se transformado
num instrumento de controle comportamental e a deciso democrtica da maioria em um
irrelevante espetculo de iluso ou auto-iluso (HABERMAS, Jrgen. Uma Conversa sobre
Questes de Teoria Poltica. Entrevista a Mikael Carlehedem e Ren Gabriels. Revista Novos
Estudos CEBRAP, n. 47, maro 1997, p. 86).
66
LOPES, Jos R. de Lima. O direito ao reconhecimento para gays e lsbicas. SUR Revista
Internacional de Direitos Humanos, n. 2, p. 70, 2005.
67
... para que os cidados possam exercer influncia sobre o centro, isto , parlamento,
tribunais e administrao, os influxos comunicativos vindos da periferia tm que ultrapassar as
eclusas dos procedimentos democrticos e do Estado Constitucional (HABERMAS, Jrgen.
Uma Conversa sobre Questes de Teoria Poltica. op. cit., p. 87). Nesse sentido Alexandre
Bahia e Dierle Nunes: [s]e as decises vinculantes do Estado so regidas por fluxos
comunicativos vindos da periferia (passando pelas eclusas dos procedimentos democrticos
regulados pelo Direito), h que se garantir que esta seja capaz de e tenha oportunidade
para rastrear e detectar os problemas latentes de integrao social subjacentes no meio
social para ento tematiz-los e, procedimentalmente, introduzi-los no sistema poltico (...) Os
espaos da opinio pblica constituem-se numa rede de comunicaes intersubjetivas, filtradas
para a formao da opinio e da vontade pblica. Esses espaos no institucionalizados
necessitam, para influir no centro, de pressupostos prprios a uma cultura poltica (e de
socializao) liberal (BAHIA, Alexandre; NUNES, Dierle. Crise da Democracia Representativa
Infidelidade Partidria e seu Reconhecimento Judicial. Revista Brasileira de Estudos
Polticos, v. 100, p. 58-59, jan./jun. 2010; grifos no original). Cf. tambm Jos E. Faria: a
34
No que tange ao Executivo, faltam mecanismos efetivos de

responsabilizao jurdica e poltica (accountability) (alguns dos quais tambm
valeria para o Legislativo), uma vez que, se aprovada a lei que impe
especificamente certa poltica pblica, o Administrador Pblico no possui
escolha seno cumpri-la, em razo do princpio da legalidade estrita,
mencionado no artigo 37 da Constituio.
Como dito acima, a Democracia no pode ser vista como tirania
da maioria, mas como el resultado provisional de una permanente
formacin discursiva de la opinin, 68 at porque preciso lembrar que
garantindo direitos s minorias, garante-se o direito de todos, porque os direitos
fundamentais so constitutivos da democracia (como pronunciou o Relator na
citada deciso da ADPF 132 e ADIN 4277)69, no podendo ser pensada uma
democracia que no seja constitucional.
3.III. Convenes Internacionais e o Reconhecimento de Direitos e

Proteo contra Homofobia noutros pases
3.III.a. Reconhecimento de Direitos Civis

Vrios pases j reconhecem o direito igualdade do casamento (ou
ao menos parceria civil)70 alis, a grande bandeira em cima do casamento
efetiva participao dos diversos grupos nos destinos da sociedade, o desenvolvimento das
instituies e o equilbrio dos sistemas polticos e de seus ordenamentos constitucionais
dependem, essencialmente, tanto do fluxo de informaes transmitidas e recebidas, como dos
mecanismos de aprendizagem e percepo que permitem a captao das necessidades de
modernizao e entreabrem a dimenso social, poltica e jurdica das mudanas exigidas
(FARIA, Jos Eduardo. Poder e Legitimidade: uma introduo poltica do direito. So Paulo:
Perspectiva, 1978, p. 107).
68
HABERMAS, Jrgen. Facticidad y Validez: sobre el derecho y el estado democrtico de
derecho en trminos de teora del discurso. op. cit., p. 247.
69
12. (...) o sexo das pessoas, salvo expressa disposio constitucional em contrrio, no se
presta como fator de desigualao jurdica. (...) Tratamento discriminatrio ou desigualitrio
sem causa que, se intentado pelo comum das pessoas ou pelo prprio Estado, passa a colidir
frontalmente com o objetivo constitucional de promover o bem de todos (este o explcito
objetivo que se l no inciso em foco). 13. Bem de todos, portanto, constitucionalmente versado
como uma situao jurdica ativa a que se chega pela eliminao do preconceito de sexo. Se
se prefere, bem de todos enquanto valor objetivamente posto pela Constituio para dar
sentido e propsito ainda mais adensados vida de cada ser humano em particular, com
reflexos positivos no equilbrio da sociedade (trecho do voto do Min. Relator, no julgamento da
ADPF 132/ADIn. 4277).
70
Dados podem ser consultados no site da ILGA: http://ilga.org.
35
sua vinculao igualdade (como identidade): equal marriage, mariage

pour tous, matrimonio igualitario ou casamento igualitrio, so as
expresses utilizadas para o reconhecimento do casamento homoafetivo.
A Frana em 2013 aprovou o casamento entre pessoas do mesmo
sexo, inclusive com a possibilidade de adoo de crianas por tais casais
aps grande mobilizao populacional tanto a favor quanto contra. Vale
ressaltar um dado que extremamente importante para a discusso do tema
no Brasil: o Partido Socialista francs do ento candidato Presidncia
Franois Hollande colocou como uma de suas propostas a aprovao daquela
lei (de outro lado, o candidato opositor, Nikolas Sarcoky, da UMP, um partido
de centro-direita, se postou justamente contra isso, numa tentativa de agradar
os conservadores) (RFI, 2012a e 2012b). dizer, o eleitor francs sabia, ao
votar, que estaria escolhendo uma proposta e no outra. Da que, eleito o
Presidente, ato contnuo foi proposta (e aprovada) a norma.
Nos EUA, nos ltimos anos, o Poder Pblico veio dando sinais
diversos quanto questo do casamento igualitrio. Enquanto alguns Estados
reconheceram tal direito, outros aprovaram legislaes (e at emendas s
Constituies Estaduais) vedando-o. No apenas isso, uma lei federal
conhecida como DOMA Defense Marriage Act proibia a Unio
reconhecer efeitos civis (previdencirios, por exemplo) a casamentos
igualitrios nos lugares aonde eram permitidos. Recentemente a Suprema
Corte dos EUA aceitou julgar duas aes que envolviam o questionamento
quanto constitucionalidade do DOMA e da Proposition 871. No dia 26 de
junho de 2013 saiu a deciso da Corte: por 5 votos contra 4, a maioria se
postou contra ambas normas
72
. Alis, nos EUA, nas ltimas eleies
presidenciais, os candidatos republicano e democrata se manifestaram quanto

ao tema do casamento igualitrio em posies radicalmente opostas: o
candidato derrotado do partido republicano se postou expressamente contra e
71
Alterao Constituio da Califrnia em 2008 que proibiu a realizao de novos

casamentos igualitrios no Estado. Ver: http://voterguide.sos.ca.gov/past/2008/general/textproposed-laws/text-of-proposed-laws.pdf#prop8.
72
Decises disponveis em: http://s3.documentcloud.org/documents/717675/supreme-courtdecision-in-united-states-v-windsor.pdf
e
http://s3.documentcloud.org/documents/717708/supreme-court-decision-in-hollingsworth-vperry.pdf.
36
o candidato democrata reeleio, Barack Obama se declarou abertamente a

favor.
Desde ento assiste-se a um movimento no Judicirio dos EUA pela
declarao de inconstitucionalidade de leis que probem o casamento
igualitrio, bem como de leis, que, de forma mais abrangente, probem o
Estado de reconhecer quaisquer direitos a homossexuais (infra).
Apenas para termos um quadro no exaustivo, podem ser citados:
Pases que reconhecem unies homoafetivas: Dinamarca
(1989), Noruega (1993); Sucia e Israel (1994); Islndia e Hungria
(1996); Holanda (1998); Frana (1999); Finlndia, Inglaterra e
Portugal (2001); Alemanha (2002); Luxemburgo, Itlia e Austrlia
(2004); Nova Zelndia (2005); Repblica Tcheca (2006); Sua e
Colmbia (2007); Uruguai (2008) e Equador (2009)73.
Pases que reconhecem o casamento homoafetivo: Holanda
(2001); Canad e Espanha (2004); frica do Sul (2006); Noruega e
Sucia (2009); Portugal, Islndia, Argentina (2010) e Uruguai
(2013)74.
Pases que permitem a adoo por casais do mesmo sexo:
Dinamarca (1999); Holanda (2001); frica do Sul e Sucia (2002);
Espanha (2005); Blgica (2006) e Noruega (2009)75.
3.III.b. Tratados e Convenes de Direitos Humanos de Proteo de

Minorias e Especificamente de LGBT
3.III.b.1. Do Controle de Convencionalidade

Antes de citar alguns dos Documentos Internacionais de Direitos
Humanos que, de forma direta ou indireta obrigam o Brasil a ter mecanismos
73
Alm dos Estados norte-americanos de Massashutetts, Connecticut, New Jersey, New

Hampshire, Califrnia, Maine, Columbia, Washington e Oregon a partir de 2004.
74
Alm da Cidade do Mxico (2010) e dos Estados norte-americanos de Connecticut (2005),
Iowa e Vermont (2009), New Hampshire e Washington (DC) (2010), New York (2011), Illinois,
Hava e Minnesota (2013). Tambm em 2013, Utah (deciso judicial ainda pendente de
recurso), Flrida (2015).
75
Israel reconhece casamentos homoafetivos celebrados fora do Pas.
37
eficientes de combate discriminao por orientao sexual, vale lembrar

que de h muito se fala que, ao lado do controle de constitucionalidade, h um
CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE que deve ser igualmente respeitado
pelos juzes (e que tambm ocorre perante Tribunais Internacionais como a
Corte Interamericana de Direitos Humanos).
No nosso caso, a partir do momento que o Brasil signatrio da
Conveno Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San Jos) e
demais instrumentos correlatos (infra), os Trs Poderes a estes esto
vinculados ainda mais quando alguns destes partem justamente do Brasil,
isto , foram propostos justamente pela representao brasileira nos fruns
internacionais como o caso das Resolues da OEA e da ONU que sero
citadas abaixo , no podendo se falar, quanto ao Legislativo, em reserva
legal se h comandos claros e diretos por parte da OEA e mesmo da
ONU exigindo que os Estados-parte tenham legislaes e polticas
efetivas de combate discriminao por orientao sexual e identidade
de gnero; da mesma forma o Executivo tem de implementar polticas nesse
sentido (que, no nosso caso, carecem de leis em boa medida); quanto ao
Judicirio, qualquer julgamento, em qualquer grau, tem de considerar os
comandos advindos da Constituio da Repblica, bem como dos Tratados,
Resolues e Convenes Internacionais de que o Brasil parte.
Nesse sentido:
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte) vem
afirmando que a responsabilidade internacional dos
Estados surge no momento da violao das obrigaes
de respeitar e garantir as normas de proteo, conforme
estabelecido nos artigos 1.1 e 2 da Conveno Americana
de Direitos Humanos. (...)
Assim sendo, a responsabilidade internacional do Estado
por violao de direitos humanos decorre das
circunstncias em que o Estado deixa de cumprir os
Tratados Internacionais de proteo dos Direitos
Humanos. Essa responsabilidade pode advir tanto da
atuao do poder Executivo, Judicirio ou Legislativo,
que pode ter como fato originrio tanto atos comissivos
como omissivo dos respectivos Poderes. (...)
38
A responsabilidade do Poder Legislativo, conforme

esclarece Mazzuoli, pode decorrer da edio de leis
contrrias aos contedos de Tratados Internacionais (...).
O legislativo tambm pode ser responsabilizado
quando deixa de aprovar determinada legislao
necessria ao cumprimento de tratado anteriormente
aprovado (por ele mesmo) e j em vigor
internacional.
A tnica da responsabilidade internacional do
Legislativo pontuada por Mazzuoli ao inferir que:
[...] A atuao do Parlamento tem, portanto, um papel
primordial de respeito para com as normas internacionais
ratificadas pelo Estado, as quais prevalecem sobre a
legislao ordinria interna e tm de ser respeitadas pelo
Poder Legislativo, sem que isso signifique, em absoluta, o
impedimento de sua atividade poltico-jurdica consistente
na funo de legislar. Nenhum Estado pode fugir ao
cumprimento de suas obrigaes internacionais,
quase sempre contradas as duras penas no plano
internacional, sob pretexto de violao de seu Direito
interno.
Em decorrncia da responsabilidade internacional do
Poder Legislativo, o contedo das reparaes tambm
engloba a exigncia de adoo de medidas de direito
interno que pode significar a reforma, a abolio ou a
derrogao de normas internas conflitantes com a
Conveno, a absteno de aplicar determinadas
normas e modificao destas num tempo razovel, ou
ainda, em contrapartida, a edio de normas em
conformidade com os Tratados Internacionais, que
sejam necessrios ou convenientes, como por
exemplo a tipificao penal de determinada conduta
ilcita. Em sntese, esta modalidade de reparao envolve
a adoo de medidas pertinentes para permitir a
compatibilidade da legislao domstica com as
obrigaes decorrentes da esfera internacional ou aos
parmetros internacionais respectivos matria sobre a
qual versa a demanda76.
De forma que o controle de convencionalidade pode se dar no
apenas no mbito internacional mas tambm interno e pode ser difuso ou
76
MAEOKA, Erika (et al.). A proteo internacional da mulher, a responsabilidade internacional

do estado brasileiro por omisso legislativa e o caso Maria da Penha vs. Brasil. mbito
Jurdico, [s/d]. Disponvel em: http://migre.me/o2pV1 (sem negrito ou sublinhados no original).
39
concentrado, por ao ou omisso, nos termos da doutrina de Valrio

Mazzuoli.77
Poderamos citar aqui todos os precedentes do STF acerca do tema

(comeando pelo leading case que considerou como violadora do Pacto de San
Jos a priso civil por dvida), no entanto, nos limitaremos manifestao do
Exmo. Presidente desta Corte recentemente, ao julgar o HC. n. 126107, em
que o Min. Ricardo Lewandowski concedeu a ordem para que uma gestante
pudesse ter convertida a priso preventiva em priso domiciliar. No apenas
fundamentos constitucionais foram trazidos, mas tambm lembrou o Ministro
deliberao da ONU sobre o tema e, em razo desta, disps que tais regras
obrigam os pases a desenvolverem opes de medidas e alternativas
priso preventiva (...). Alis, j no seu discurso de posse o Ministro salientou
que os magistrados tm de observar e aplicar os entendimentos das Cortes de
Direitos Humanos: preciso, tambm, que os nossos magistrados tenham
uma interlocuo maior com os organismos internacionais, como a ONU
e a OEA, por exemplo, especialmente com os tribunais supranacionais
quanto aplicao dos tratados de proteo dos direitos fundamentais,
inclusive com a observncia da jurisprudncia dessas cortes78.
3.III.b.2. Documentos Internacionais de Direitos Humanos que vinculam o

Brasil no tema da presente ADO. n. 26.
77
Cf. MAZZUOLI, Valrio de Oliveira. Teoria Geral do Controle de Convencionalidade no

Direito Brasileiro. Revista da Associao dos Juzes do Rio Grande do Sul AJURIS, ano 36,
n 113, p. 365-366. Porto Alegre, 2009; e: MAZZUOLI, Valrio de Oliveira O Controle
Jurisdicional da Convencionalidade das Leis. SP: RT, 2009.
78
STF. Regras internacionais de direitos humanos garantem priso domiciliar a gestante.
Notcias
do
STF, Quinta-feira,
08
de
janeiro
de
2015.
Disponvel em:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=283125 (sem grifos nos
originais).
40
No que tange a Convenes e Documentos Internacionais sobre

Direitos Humanos de que o Brasil signatrio79 ou com os quais comunga
e que, de alguma forma, tratam da igualdade (bem como da proibio de
discriminao), podem ser mencionadas:
(i) a Declarao Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de
1948, especialmente o art. 2, 1. Toda pessoa tem capacidade para gozar os
direitos e liberdades estabelecidos nesta Declarao, sem distino de
qualquer espcie, seja de raa, cor, sexo, lngua, opinio, ou de outra natureza,
origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condio;
(ii) a Conveno Internacional sobre a Eliminao de todas as

formas de Discriminao Racial (1965): Considerando que todas as pessoas
so iguais perante a lei e tm direito a igual proteo contra qualquer
discriminao e contra qualquer incitamento discriminao e seu Art. 1. (...)
a expresso discriminao racial significar qualquer distino, excluso,
restrio ou preferncia baseada em raa, cor, descendncia ou origem
nacional ou tnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o
reconhecimento, gozo ou exerccio num mesmo pleno (em igualdade de
condio), de direitos humanos e liberdades fundamentais no domnio poltico,
econmico, social cultural ou em qualquer outro domnio de sua vida. A
responsabilidade por monitorar o cumprimento dessa Conveno do Comit
de Eliminao de Discriminao CERD (art. 14 da Conveno). No Brasil, o
Conselho Nacional de Combate Discriminao e Promoo dos Direitos de
Lsbicas,
Gays,
Bissexuais,
Travestis
Transexuais
(CNCD/LGBT)
acompanha, desde 2001, os casos que tramitam perante aquele Comit.
(iii) o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Polticos, de 1966,

onde se l: Art. 26. Todas as pessoas so iguais perante a lei e tm direito,
sem discriminao alguma, a igual proteo da Lei. A este respeito, a lei
dever proibir qualquer forma de discriminao e garantir a todas as pessoas
79
Vale lembrar de que de todos os instrumentos internacionais o Brasil for participante,

integram aqueles a ordem jurdica interna como direitos fundamentais (cf. artigo 5, 2 e 3
da Constituio de 1988).
41
proteo igual e eficaz contra qualquer discriminao por motivo de raa, cor,
sexo, lngua, religio, opinio poltica ou de outra natureza, origem nacional ou
social, situao econmica, nascimento ou qualquer outra situao80;
(iv) a Declarao sobre a Eliminao de Todas as Formas de

Intolerncia e Discriminao Fundadas na Religio ou nas Convices
(Resoluo da ONU), de 1981. A Organizao Mundial da Sade (OMS), j em
1975 deixava claro que a sexualidade (desde uma dimenso muito ampla e
diversificada), inserida na temtica da sade, tambm um direito humano81.
(v) o Pacto de San Jos da Costa Rica tambm denominado

Conveno Americana de Direitos Humanos.
O Pacto de San Jos oferece um leque de direitos que cria uma

grande rede proteo dos Direitos Humanos. Para a questo aqui tratada, vale
lembrar: Direito ao Reconhecimento da Personalidade Jurdica (art. 3); Direito
Vida (art. 4); Direito Integridade Fsica, Psquica e Moral (art. 5); Direito de
Proteo Honra e Dignidade (art. 11); Liberdade de Pensamento e de
Expresso (art. 13); Direito ao Nome (art. 18); Direito de Igualdade e de No
Discriminao (art. 24).
80
Em consequncia desta Conveno, lembra Roger Rios, o Comit de Direitos Humanos das
Naes Unidas considerou indevida a discriminao por orientao sexual no tocante
criminalizao de atos sexuais homossexuais, ao examinar o caso Toonen v. Austrlia (RIOS,
Roger Raupp. A homossexualidade e a discriminao por orientao sexual no direito
brasileiro. Revista de Informao Legislativa, a. 38 n. 149 jan./mar. 2001, p. 287). Como mostra
Relatrio da ILGA, nessa deciso os membros do Comit confirmaram que as legislaes que
criminalizam relaes sexuais consensuais do mesmo sexo esto violando no apenas o
direito privacidade mas tambm o direito igualdade face lei sem qualquer discriminao,
contrria aos artigos 17(1) e 26 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Polticos
(OTTOSSON, Daniel. Uma pesquisa mundial sobre legislaes que probem relaes sexuais
consensuais entre adultos do mesmo sexo. ILGA Associao Internacional de Gays e
Lsbicas.
Homofobia
do
Estado,
Abril
de
2007,
p.
4.
Disponvel
em:
http://doc.ilga.org/content/download/8893/53184/version/1/file/Homofobia_do_Estado_ILGA_07.
pdf). Lembrando que o Brasil ratificou em 2007 Protocolo Facultativo a este Pacto que
permite que qualquer cidado denuncie violaes aos direitos civis e polticos diretamente ao
Conselho de Direitos Humanos da ONU.
81
Como lembrado nos Parmetros Curriculares Nacionais: BRASIL. Ministrio da Educao.
Secretaria de Educao Fundamental. Parmetros curriculares nacionais: pluralidade cultural,
orientao sexual. Braslia: MEC/SEF, 1997; e: BRASIL. Ministrio da Educao. Secretaria de
Educao Bsica. Parmetros curriculares nacionais: Orientao Sexual. Braslia: MEC/SEB,
1997. Disponvel em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/orientacao.pdf.
42
De igual modo, tambm constitui Direito do cidado que a rede de

proteo ali constituda no seja interpretada/aplicada de forma a (art. 29):
a. permitir a qualquer dos Estados Partes, grupo ou pessoa,
suprimir o gozo e exerccio dos direitos e liberdades
reconhecidos na Conveno ou limit-los em maior medida
do que a nela prevista;
b. limitar o gozo e exerccio de qualquer direito ou liberdade
que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de
qualquer dos Estados Partes ou de acordo com outra
conveno em que seja parte um dos referidos Estados;
c. excluir outros direitos e garantias que so inerentes ao ser
humano ou que decorrem da forma democrtica
representativa de governo; e
d. excluir ou limitar o efeito que possam produzir a
Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem e
outros atos internacionais da mesma natureza (sem grifos no
original).
Alm destes instrumentos, h alguns que merecem especial

ateno:
I. a Resoluo n. 2435: Direitos Humanos, Orientao Sexual e

Identidade de Gnero, aprovada pela Assembleia Geral da OEA em 03 de
junho de 2008, mostrando preocupao com os atos de violncia e das
violaes aos direitos humanos correlatas perpetradas contra indivduos,
motivados pela orientao sexual e pela identidade de gnero:
REITERANDO: Que la Declaracin Universal de los Derechos
Humanos afirma que todos los seres humanos nacen libres e
iguales en dignidad y derechos, y que toda persona tiene todos
los derechos y libertades proclamados en esta Declaracin, sin
distincin alguna de raza, color, sexo, idioma, religin, opinin
poltica o de cualquier otra ndole, origen nacional o social,
posicin econmica, nacimiento o cualquier otra condicin; ()
CONSIDERANDO que la Carta de la Organizacin de los
Estados Americanos proclama que la misin histrica de
Amrica es ofrecer al hombre una tierra de libertad y un mbito
favorable para el desarrollo de su personalidad y la realizacin
de sus justas aspiraciones;
REAFIRMANDO los principios de universalidad, indivisibilidad e
interdependencia de los derechos humanos;
43
A partir disso, declarou:

RESOLVE:
1. Expressar preocupao pelos atos de violncia e pelas
violaes aos direitos humanos correlatas, motivados pela
orientao sexual e pela identidade de gnero.
2. Encarregar a Comisso de Assuntos Jurdicos e Polticos (...)
de incluir em sua agenda (...) o tema Direitos humanos,
orientao sexual e identidade de gnero (grifos nossos).
Desde 2008 a OEA vem reafirmando essa preocupao,

aprovando a cada ano uma nova Resoluo com aquele mesmo ttulo, mas
com contedo cada vez mais enftico quanto erradicao de violncia
homofbica no continente. Na reunio de 2009, a Assembleia Geral aprovou a
Res. 2504 pela qual:
RESUELVE:
1. Condenar los actos de violencia y las violaciones de
derechos humanos relacionadas, perpetrados contra
individuos a causa de su orientacin sexual e identidad de
gnero.
2. Instar a los Estados a asegurar que se investiguen los
actos de violencia y las violaciones de derechos humanos
perpetrados contra individuos a causa de su orientacin
sexual e identidad de gnero, y que los responsables
enfrenten las consecuencias ante la justicia.
3. Instar a los Estados a asegurar una proteccin adecuada
de los defensores de derechos humanos que trabajan en temas
relacionados con los actos de violencia y violaciones de los
derechos humanos perpetrados contra individuos a causa de
su orientacin sexual e identidad de gnero (grifos nossos).
Na reunio de 2010, a Assembleia Geral aprovou a Res. 2600:

TOMANDO NOTA CON PREOCUPACIN de los actos de
violencia y otras violaciones de derechos humanos, as como
de la discriminacin, practicados contra personas a causa de
su orientacin sexual e identidad de gnero,
RESUELVE:
1. Condenar los actos de violencia y las violaciones de
derechos humanos contra personas a causa de su
orientacin sexual e identidad de gnero, e instar a los
Estados a investigar los mismos y asegurar que los
responsables enfrenten las consecuencias ante la justicia.
2. Alentar a los Estados a que tomen todas las medidas
necesarias para asegurar que no se cometan actos de
violencia u otras violaciones de derechos humanos contra
personas a causa de su orientacin sexual e identidad de
gnero y asegurando el acceso a la justicia de las vctimas
en condiciones de igualdad.
44
3. Alentar a los Estados Miembros a que consideren

medios para combatir la discriminacin contra personas a
causa de su orientacin sexual e identidad de gnero.
4. Instar a los Estados a asegurar una proteccin adecuada
de las y los defensores de derechos humanos que trabajan en
temas relacionados con los actos de violencia, discriminacin y
violaciones de los derechos humanos contra personas a causa
de su orientacin sexual e identidad de gnero (grifos nossos).
O mesmo se repete na Res. 2653 da Assembleia Geral da OEA de

2011. A partir disso a Comisso Interamericana de Direitos Humanos criou uma
Unidad para los derechos de las personas LGBTI. No 2 Informe sobre a
Situao dos Defensores de Dir. Humanos na Amrica (31/12/2011), a
Comisso Interamericana dedica um Captulo somente ao problema dos
defensores dos direitos LGBT ( 325 e ss.):
325. Las defensoras y defensores de las organizaciones que
promueven y defienden los derechos de las personas
lesbianas, gays, trans, bisexuales e intersexo (LGTBI)
desempean un rol fundamental en la regin, tanto en el
control social del cumplimiento de las obligaciones estatales
correlativas a los derechos a la vida privada, igualdad y no
discriminacin como, en general, en el proceso de construccin
social de una agenda global de derechos humanos que
involucre el respeto y la garanta de los derechos de las
personas lesbianas, gays, trans, bisexuales e intersexo.
326. De conformidad con la Declaracin sobre Defensores de
Naciones Unidas toda persona tiene derecho a promover y
procurar la proteccin y realizacin de los derechos humanos y
las libertades fundamentales, as como a desarrollar y debatir
ideas y principios nuevos relacionados con los derechos
humanos, y a preconizar su aceptacin. La CIDH destaca que
en virtud de la proteccin y desarrollo que ameritan tanto el
principio de igualdad como el derecho a la vida privada, las
actividades de defensa y promocin del ejercicio libre de una
orientacin sexual y de la identidad de gnero pertenecen al
orden de defensa y promocin de los derechos humanos.
327. Al respecto, la CIDH reitera que la orientacin sexual
constituye un componente fundamental de la vida privada
de todo individuo y, por lo tanto, existe un derecho a que
est libre de interferencias arbitrarias y abusivas por parte
del poder pblico.
Asimismo, en virtud del principio de igualdad y de no
discriminacin toda persona tiene derecho a que el Estado
respete y garantice el ejercicio libre y pleno de los derechos,
sin discriminacin de ninguna ndole y toda diferencia de
trato basada en la orientacin sexual de una persona es
sospechosa, en el sentido de que se presume
incompatible con el principio de igualdad y no
discriminacin. Por lo tanto, ante una diferencia de trato de
45
esta naturaleza en el goce de los derechos y libertades

fundamentales, el Estado se encuentra en obligacin de probar
que la diferencia supera el examen o test estricto, es decir, ser
objetiva y razonable, lo que incluye perseguir un fin legtimo,
ser idnea, necesaria y proporcional.
328. En su informe de 2006, () la CIDH ha visto con
preocupacin un incremento de las agresiones, hostigamientos,
amenazas, y campaas de desprestigio, tanto de actores
estatales como no estatales en contra de defensores y
defensoras de los derechos de las personas LGBTI. La anterior
preocupacin ha sido compartida por otros sistemas de
proteccin a los derechos humanos. ()
335. () La CIDH ha recibido informacin sobre grupos
opositores o pertenecientes a las iglesias que promueven
constantemente campaas de desprestigio contra
organizaciones defensoras de las personas LGTBI, lo cual
acenta un clima de hostilidad y rechazo a sus actividades, y
repercute seriamente en la posibilidad de reunirse para
defender y promover sus derechos, as como a participar en la
formulacin de polticas pblicas, o bien, obtener
financiamiento para el desarrollo de sus actividades. ()
337. Otro obstculo frecuente para la debida investigacin y
sancin de los responsables de crmenes cometidos en contra
de personas LGTBI que atraviesan la regin es que la mayora
de los crmenes cometidos contra los miembros de estas
comunidades suelen identificarse con crmenes pasionales sin
que se abran lneas de investigacin especializadas que
permitan con claridad identificar si el delito fue cometido en el
marco del mencionado supuesto o bien, en razn de la
orientacin o preferencia sexual de las vctimas. La Comisin
valora la iniciativa de algunos Estados de la regin de crear
unidades especializadas en el anlisis e investigacin de los
delitos cometidos por y en contra de miembros de las personas
LGTBI (grifos nossos).
E continua em 2012, com a Resoluo n. 2721 (XLIIO/12) e 2013,

com a Resoluo n. 2807 (XLIII-O/13), que reiteram o disposto anteriormente
sobre a proteo necessria minoria LGBT 82 e insistem na urgncia dos
Estados-membro adotarem medidas especficas nesse sentido:
2. Incentivar os Estados membros a que, de acordo com os
parmetros das instituies jurdicas de seu ordenamento
interno, considerem a adoo de polticas pblicas contra
a discriminao de pessoas em razo da orientao sexual
e da identidade ou expresso de gnero.
82
1. Condenar todas as formas de a discriminao contra pessoas devido orientao sexual

e identidade ou expresso de gnero, e instar os Estados membros, dentro dos parmetros
das instituies jurdicas de seu ordenamento interno, a eliminar, onde existirem, as barreiras
que as lsbicas, gays e pessoas trans, bissexuais e intersexuais (LGTBI) enfrentam no acesso
equitativo participao poltica e em outros mbitos da vida pblica, bem como evitar
interferncias em sua vida privada (Resoluo n. 2807/2013).
46
3. Condenar os atos de violncia e as violaes de direitos

humanos de pessoas em razo de sua orientao sexual e
identidade ou expresso de gnero e instar os Estados
membros a que fortaleam suas instituies nacionais, a
fim de preveni-los e investig-los, bem como a que
assegurem s vtimas a devida proteo judicial em
condies de igualdade, e que os responsveis enfrentem
as consequncias perante a justia (Resoluo n.
2807/2013) (grifos nossos).
No nos esqueamos que o Brasil se submete competncia da

Corte Interamericana de Direitos Humanos, Corte esta que j condenou o
Chile por discriminao por orientao sexual Sentena de 24/02/2012, Caso
Atala Riffo e Filhas vs. Chile83, na qual se afirmou que no se podem usar
esteretipos
sobre
homossexualidade
para
fundamentar
discriminao contra homossexuais (neste caso, o Chile foi condenado por

discriminar a Sra. Atala Riffo, por tirar dela a guarda de suas filhas apenas em
razo de ter passado a manter uma relao homoafetiva aps separar-se de
seu ex-marido).
II. Na 43 Assembleia Geral da Organizao dos Estados

Americanos (OEA), em Antgua, na Guatemala, tem-se uma importante vitria
simblica com a aprovao, em 05 de junho de 2013, dos textos da
Conveno Interamericana contra o Racismo, a Discriminao Racial e
Formas Conexas de Intolerncia e da Conveno Interamericana contra
Toda Forma de Discriminao e Intolerncia, textos nos quais, pela
primeira vez em uma Conveno da OEA, verifica-se a incluso do conceito
de orientao sexual entre as minorias protegidas que em consonncia
com o que propomos neste trabalho no diferencia o racismo tnico de
discriminao homofbica e transfbica. No texto destaca-se:
[que] A discriminao pode basear-se em [...] orientao sexual
[...].
[o reconhecimento do] dever de se adotarem medidas
nacionais e regionais para promover e incentivar o respeito e a
83
Disponvel em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_239_esp.pdf. No mbito

da Corte Europeia de Direitos Humanos h vrias decises garantindo o direito livre
orientao sexual e vedao discriminao: Dudgeon v.United Kingdom (1981); Norris v.
Ireland (1991); Modinos v. Cyprus (1993); Salgueiro da Silva Mouta v. Portugal (1999); Smith
and Grady v. United Kingdom (1999); Goodwin v. United Kingdom (2002); Van Kuck v.
Germany (2003); Karner v. Austria (2003); L. and V. v. Austria (2003).
47
observncia dos direitos humanos e das liberdades

fundamentais de todos os indivduos e grupos sujeitos a sua
jurisdio, sem distino por motivo de [...] orientao sexual
[...].
[o convencimento] de que determinadas pessoas e grupos
vivenciam formas mltiplas ou extremas de discriminao e
intolerncia, motivadas por uma combinao de fatores como
gnero, idade, orientao sexual [...].
[a considerao de] que a experincia individual e coletiva de
discriminao e intolerncia deve ser levada em conta para
combater a excluso e a marginalizao com base em gnero,
idade, orientao sexual [...].
[a afirmao que esto] ALARMADOS com o aumento dos
crimes de dio motivados por [...] orientao sexual.
III. Tambm em 2008 foi aprovada uma Declarao da ONU

condenando violaes dos direitos humanos com base na orientao sexual e
na identidade de gnero. Na Declarao (A/63/635, de 22 de dezembro de 08)
(ONU, 2008) os Estados condenaram
as violaes de direitos humanos baseadas na orientao
sexual ou na identidade de gnero onde queira que tenha
lugar [...]. Urgimos aos Estados a que tomem todas as
medidas necessrias, em particular as legislativas ou
administrativas, para assegurar que a orientao sexual ou
identidade de gnero no possam ser, sob nenhuma
circunstncia, a base de sanes penais, em particular
execues, prises ou deteno (grifos nossos).
IV. Em 17/11/2011 o Conselho de Direitos Humanos da ONU em seu

Informe Anual publicou o Documento: Leis e prticas e atos de violncia
contra indivduos com base em sua orientao sexual e identidade de
gnero discriminatrias (A/HRC/19/41). Trata-se de um estudo que teve
como finalidade:
documenting discriminatory laws and practices and acts of
violence against individuals based on their sexual orientation
and gender identity, and how international human rights law can
be used to end violence and related human rights violations
based on sexual orientation and gender identity.84
Nele se reafirmam os princpios da universalidade (dos direitos

humanos), da igualdade e da no-discriminao, que deixam claro que leis,
84
Disponvel em:
http://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/19session/A.HRC.19.41_english.pdf.
48
aes ou omisses governamentais contra os LGBT configurariam

violao da DUDH e documentos correlatos. So listadas vrias formas de
violncia (fsica e simblica) e discriminao ainda perpetradas contra LGBT no
mundo:
Homophobic and transphobic violence has been recorded
in all regions. Such violence may be physical (including
murder, beatings, kidnappings, rape and sexual assault) or
psychological (including threats, coercion and arbitrary
deprivations of liberty). These attacks constitute a form of
gender-based violence, driven by a desire to punish those
seen as defying gender norms. (...)
In addition to street violence and other spontaneous attacks in
public settings, those perceived as LGBT may be targets of
more organized abuse, including by religious extremists,
paramilitary groups, neo-Nazis and extreme nationalists. Young
LGBT people and those of all ages who are seen to be
transgressing social norms are at risk of family and community
violence. Lesbians and transgender women are at particular
risk because of gender inequality and power relations within
families and wider society. 85 (grifos nossos).
Ao final, so feitas Recomendaes aos Estados-parte

praticamente todas ainda no cumpridas pelo Brasil at os dias de hoje:
(a) Investigate promptly all reported killings and other serious
incidents of violence perpetrated against individuals because of
their actual or perceived sexual orientation or gender identity,
whether carried out in public or in private by State or non-State
actors, and hold perpetrators accountable, and establish
systems for the recording and reporting of such incidentes;
(b) Take measures to prevent torture and other forms of cruel,
inhuman ordegrading treatment on grounds of sexual
orientation and gender identity, to investigate thoroughly all
reported incidents of torture and ill-treatment, and to prosecute
and hold accountable those responsible; (...)
(e) Enact comprehensive anti-discrimination legislation
that includes discrimination on grounds of sexual
orientation and gender identity among prohibited grounds
and recognizes intersecting forms of discrimination;
ensure that combating discrimination on grounds of sexual
orientation and gender identity is included in the mandates
of national human rights institutions;
(f) Ensure that individuals can exercise their rights to freedom of
expression, association and peaceful assembly in safety
without discrimination on grounds of sexual orientation and
gender identity;
85
Disponvel em:
49
(g) Implement appropriate sensitization and training

programmes for police, prison officers, border guards,
immigration officers and other law enforcement personnel,
and support public information campaigns to counter
homophobia and transphobia among the general public
and targeted anti-homophobia campaigns in schools;
(h) Facilitate legal recognition of the preferred gender of
transgender persons and establish arrangements to permit
relevant identity documents to be reissued reflecting preferred
gender and name, without infringements of other human rights
(grifos nossos).86
V. E mais recentemente a ONU, atravs do Alto Comissariado das

Naes Unidas para os Direitos Humanos, publicou no dia 13 de setembro de
2012 o estudo Born Free and Equal87 que estipula obrigaes legais para os
Estados-parte para proteo dos LGBT.
3.III.c. Proteo contra Homofobia em outros Pases

Diante de uma srie de manifestaes que temos visto sobre a
exoticidade da proposta contida no PLC 122/06 e que, portanto, configuram
uma das justificativas para sua no aprovao e a manuteno da atual
situao de anomia no Brasil , entendemos que, mais do que nunca,
necessrio mostrar como alguns pases vm aprovando leis com
contedos muito similares. O objetivo no trazer um quadro exaustivo, mas
apenas mostrar alguns exemplos.
Nos EUA foi aprovada em 2009 uma alterao no U.S. Code, Seo
16, Ttulo 18, 249 conhecido como Matthew Shepard Hate Crimes
Prevention Act. Em seu prembulo se l:
(1) The incidence of violence motivated by the actual or
perceived race, color, religion, national origin, gender, sexual
orientation, gender identity, or disability of the victim poses a
serious national problem. ()
(3) State and local authorities are now and will continue to
be responsible for prosecuting the overwhelming majority
of violent crimes in the United States, including violent
crimes motivated by bias. These authorities can carry out their
responsibilities more effectively with greater Federal assistance.
86
Disponvel em:
87
Disponvel em: http://www.ohchr.org/Documents/Publications/BornFreeAndEqualLowRes.pdf.
50
A partir disso, a lei prescreve:

249. Hate crime acts
() (2) OFFENSES INVOLVING ACTUAL OR PERCEIVED
RELIGION, NATIONAL ORIGIN, GENDER, SEXUAL
ORIENTATION, GENDER IDENTITY, OR DISABILITY
(A) IN GENERAL Whoever, whether or not acting under
color of law, in any circumstance described in subparagraph (B)
or paragraph (3), willfully causes bodily injury to any person or,
through the use of fire, a firearm, a dangerous weapon, or an
explosive or incendiary device, attempts to cause bodily injury
to any person, because of the actual or perceived religion,
national origin, gender, sexual orientation, gender identity or
disability of any person
(i) shall be imprisoned not more than 10 years, fined in
accordance with this title, or both; and
(ii) shall be imprisoned for any term of years or for life, fined in
accordance with this title, or both, if
(I) death results from the offense; or
(II) the offense includes kidnapping or an attempt to kidnap,
aggravated sexual abuse or an attempt to commit aggravated
sexual abuse, or an attempt to kill.
(B) CIRCUMSTANCES DESCRIBED For purposes of
subparagraph (A), the circumstances described in this
subparagraph are that
(i) the conduct described in subparagraph (A) occurs during the
course of, or as the result of, the travel of the defendant or the
victim
(I) across a State line or national border; or
(II) using a channel, facility, or instrumentality of interstate or
foreign commerce;
(ii) the defendant uses a channel, facility, or instrumentality of
interstate or foreign commerce in connection with the conduct
described in subparagraph (A);
(iii) in connection with the conduct described in subparagraph
(A), the defendant employs a firearm, dangerous weapon,
explosive or incendiary device, or other weapon that has
traveled in interstate or foreign commerce; or
(iv) the conduct described in subparagraph (A)
(I) interferes with commercial or other economic activity in which
the victim is engaged at the time of the conduct; or
(II) otherwise affects interstate or foreign commerce.
A meno lei americana particularmente importante uma vez

que se trata de uma lei federal, num sistema onde a legislao altamente
descentralizada nos Estados. Ademais, trata-se de um pas liberal, onde
ainda forte a ideia do mnimo de interferncia do Estado na autonomia
privada, particularmente na liberdade de expresso. H grandes
51
semelhanas entre esta lei e nossa lei de racismo, principalmente com a

alterao proposta pelo PLC 122/0688.
Na Noruega o Anti-Discrimination Act, de 2006 estabelece como
seu objetivo to promote equality, ensure equal opportunities and rights and
prevent discrimination based on ethnicity, national origin, descent, skin color,
language, religion or belief. De forma que esta lei, entre outras disposies,
altera o Cdigo Penal noruegus, cuja seo 135 passou a ter a seguinte
redao:
Any person who wilfully or through gross negligence publicly
makes a discriminatory or hateful statement shall be liable to
fines or imprisonment for a term not exceeding three years. If a
statement has been made in such a way as to make it suitable
to reach a large number of people, it shall be considered
equivalent to a statement that has been made publicly, cf.
section 7, no. 2. The use of symbols is also considered to be a
statement. An accessory to the act shall be liable to the same
penalty.
A discriminatory or hateful statement means the act of
threatening or insulting a person, or promoting hatred or
persecution of or contempt for a person because of his or her
a) skin colour or national or ethnic origin
b) religion or belief, or
c) homosexual preference, lifestyle or orientation (grifos
nossos).
No Reino Unido, o Equality Act de 2010 uma lei de proteo

ampla contra discriminaes por idade, deficincia, gnero, casamento (ou
unies civis), raa, religio ou crena, sexo e orientao sexual. O art. 13 trata
da discriminao direta: (1) A person (A) discriminates against another (B) if,
because of a protected characteristic, A treats B less favorably than A treats or
would treat others e o art. 19 da discriminao indireta: (1) A person (A)
discriminates against another (B) if A applies to B a provision, criterion or
practice which is discriminatory in relation to a relevant protected characteristic
of Bs.89
88
Vale a pena observar ainda que previsto que o Governo dos EUA destinar US$ 5 milhes
por ano em financiamento para os anos fiscais de 2010 at 2012 para ajudar as agncias
estaduais e locais pagam para investigar e julgar os crimes de dio; e tambm que se exige
que o FBI acompanhe as estatsticas sobre crimes de dio com base no sexo e identidade de
gnero (as estatsticas dos outros grupos j foram rastreados).
89
Cf.
http://www.legislationline.org/download/action/download/id/3489/file/UK_Equality_Act_2010_en.
pdf.
52
Em 2007 Portugal alterou seu Cdigo Penal para colocar, entre as

circunstncias que agravam o crime de homicdio (previsto no art. 131):
Ser determinado por dio racial, religioso, poltico ou gerado pela cor, origem
tnica ou nacional, pelo sexo ou pela orientao sexual da vtima (art. 132,
f). Ainda, previu no art. 240 o crime de Discriminao racial, religiosa ou
sexual, prevendo:
1 Quem:
a) Fundar ou constituir organizao ou desenvolver actividades
de propaganda organizada que incitem discriminao, ao
dio ou violncia contra pessoa ou grupo de pessoas por
causa da sua raa, cor, origem tnica ou nacional, religio,
sexo ou orientao sexual, ou que a encorajem; ou
b) Participar na organizao ou nas actividades referidas na
alnea anterior ou lhes prestar assistncia, incluindo o seu
financiamento;
punido com pena de priso de um a oito anos.
2 Quem, em reunio pblica, por escrito destinado a
divulgao ou atravs de qualquer meio de comunicao
social ou sistema informtico destinado divulgao:
a) Provocar actos de violncia contra pessoa ou grupo de
pessoas por causa da sua raa, cor, origem tnica ou
nacional, religio, sexo ou orientao sexual; ou
b) Difamar ou injuriar pessoa ou grupo de pessoas por
causa da sua raa, cor, origem tnica ou nacional, religio,
sexo ou orientao sexual, nomeadamente atravs da
negao de crimes de guerra ou contra a paz e a humanidade;
ou
c) Ameaar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua
raa, cor, origem tnica ou nacional, religio, sexo ou
orientao sexual;
com a inteno de incitar discriminao racial, religiosa ou
sexual, ou de a encorajar, punido com pena de priso de
seis meses a cinco anos.90
Na Frana, o Code du Travail prev, em seu artigo L122-45 a

vedao contra discriminao por vrios fatores, inclusive orientao
sexual:
Article L122-45. Aucune personne ne peut tre carte d'une
procdure de recrutement ou de l'accs un stage ou une
priode de formation en entreprise, aucun salari ne peut tre
sanctionn, licenci ou faire l'objet d'une mesure
discriminatoire, directe ou indirecte, notamment en matire de
rmunration, de formation, de reclassement, d'affectation, de
90
Portugal. Assembleia da Repblica. Lei n. 19/2013 de 21 de Fevereiro. Dirio da Repblica.

Disponvel em: https://dre.pt/application/dir/pdf1s/2013/02/03700/0109601098.pdf.
53
qualification, de classification, de promotion professionnelle, de

mutation ou de renouvellement de contrat en raison de son
origine, de son sexe, de ses moeurs, de son orientation
sexuelle, de son ge, de sa situation de famille, de ses
caractristiques gntiques, de son appartenance ou de sa
non-appartenance, vraie ou suppose, une ethnie, une nation
ou une race, de ses opinions politiques, de ses activits
syndicales ou mutualistes, de ses convictions religieuses, de
son apparence physique, de son patronyme ou, sauf inaptitude
constate par le mdecin du travail dans le cadre du titre IV du
livre II du prsent code, en raison de son tat de sant ou de
son handicap.91 (grifos nossos).
No Mxico a Ley Federal para Prevenir y Eliminar La

Discriminacin, de 2003, prescreve:
Artculo 1.- Las disposiciones de esta Ley son de orden pblico
y de inters social. El objeto de la misma es prevenir y
eliminar todas las formas de discriminacin que se ejerzan
contra cualquier persona en los trminos del Artculo 1 de la
Constitucin Poltica de los Estados Unidos Mexicanos, as
como promover la igualdad de oportunidades y de trato.
()
Artculo 4.- Para los efectos de esta Ley se entender por
discriminacin toda distincin, exclusin o restriccin que,
basada en el origen tnico o nacional, sexo, edad,
discapacidad, condicin social o econmica, condiciones
de salud, embarazo, lengua, religin, opiniones,
preferencias sexuales, estado civil o cualquier otra, tenga
por efecto impedir o anular el reconocimiento o el ejercicio
de los derechos y la igualdad real de oportunidades de las
personas.
Tambin se entender como discriminacin la xenofobia y el
antisemitismo en cualquiera de sus manifestaciones.
()
Artculo 6.- La interpretacin del contenido de esta Ley, as
como la actuacin de las autoridades federales ser
congruente con los instrumentos internacionales aplicables en
materia de discriminacin de los que Mxico sea parte, as
como con las recomendaciones y resoluciones adoptadas por
los organismos multilaterales y regionales y dems legislacin
aplicable.
Artculo 7.- Para los efectos del artculo anterior, cuando se
presenten diferentes interpretaciones, se deber preferir
aquella que proteja con mayor eficacia a las personas o a
los grupos que sean afectados por conductas
discriminatorias.
()
Artculo 9.- Queda prohibida toda prctica discriminatoria que
tenga por objeto impedir o anular el reconocimiento o ejercicio
de los derechos y la igualdad real de oportunidades.
91
Cf. http://www.legislationline.org/documents/action/popup/id/17988.
54
A efecto de lo anterior, se consideran como conductas

discriminatorias:
I. Impedir el acceso a la educacin pblica o privada, as como
a becas e incentivos para la permanencia en los centros
educativos, en los trminos de las disposiciones aplicables;
II. Establecer contenidos, mtodos o instrumentos pedaggicos
en que se asignen papeles contrarios a la igualdad o que
difundan una condicin de subordinacin;
III. Prohibir la libre eleccin de empleo, o restringir las
oportunidades de acceso, permanencia y ascenso en el mismo;
IV. Establecer diferencias en la remuneracin, las prestaciones
y las condiciones laborales para trabajos iguales;
V. Limitar el acceso a los programas de capacitacin y de
formacin profesional;
VI. Negar o limitar informacin sobre derechos reproductivos o
impedir el libre ejercicio de la determinacin del nmero y
espaciamiento de los hijos e hijas;
VII. Negar o condicionar los servicios de atencin mdica, o
impedir la participacin en las decisiones sobre su tratamiento
mdico o teraputico dentro de sus posibilidades y medios;
VIII. Impedir la participacin en condiciones equitativas en
asociaciones civiles, polticas o de cualquier otra ndole;
IX. Negar o condicionar el derecho de participacin poltica y,
especficamente, el derecho al sufragio activo o pasivo, la
elegibilidad y el acceso a todos los cargos pblicos, as como la
participacin en el desarrollo y ejecucin de polticas y
programas de gobierno, en los casos y bajo los trminos que
establezcan las disposiciones aplicables;
X. Impedir el ejercicio de los derechos de propiedad,
administracin y disposicin de bienes de cualquier otro tipo;
XI. Impedir el acceso a la procuracin e imparticin de justicia;
XII. Impedir que se les escuche en todo procedimiento judicial o
administrativo en que se vean involucrados, incluyendo a las
nias y los nios en los casos que la ley as lo disponga, as
como negar la asistencia de intrpretes en procedimientos
administrativos o judiciales, de conformidad con las normas
aplicables;
XIII. Aplicar cualquier tipo de uso o costumbre que atente
contra la dignidad e integridad humana;
XIV. Impedir la libre eleccin de cnyuge o pareja;
XV. Ofender, ridiculizar o promover la violencia en los
supuestos a que se refiere el artculo 4 de esta Ley a travs de
mensajes e imgenes en los medios de comunicacin;
XVI. Limitar la libre expresin de las ideas, impedir la libertad
de pensamiento, conciencia o religin, o de prcticas o
costumbres religiosas, siempre que stas no atenten contra el
orden pblico;
XVII. Negar asistencia religiosa a personas privadas de la
libertad, que presten servicio en las fuerzas armadas o que
estn internadas en instituciones de salud o asistencia;
XVIII. Restringir el acceso a la informacin, salvo en aquellos
supuestos que sean establecidos por las leyes nacionales e
instrumentos jurdicos internacionales aplicables;
55
XIX. Obstaculizar las condiciones mnimas necesarias para el

crecimiento y desarrollo saludable, especialmente de las nias
y los nios;
XX. Impedir el acceso a la seguridad social y a sus beneficios o
establecer limitaciones para la contratacin de seguros
mdicos, salvo en los casos que la ley as lo disponga;
XXI. Limitar el derecho a la alimentacin, la vivienda, el recreo
y los servicios de atencin mdica adecuados, en los casos
que la ley as lo prevea;
XXII. Impedir el acceso a cualquier servicio pblico o institucin
privada que preste servicios al pblico, as como limitar el
acceso y libre desplazamiento en los espacios pblicos;
XXIII. Explotar o dar un trato abusivo o degradante;
XXIV. Restringir la participacin en actividades deportivas,
recreativas o culturales;
XXV. Restringir o limitar el uso de su lengua, usos, costumbres
y cultura, en actividades pblicas o
privadas, en trminos de las disposiciones aplicables;
XXVI. Limitar o negar el otorgamiento de concesiones,
permisos o autorizaciones para el
aprovechamiento, administracin o usufructo de recursos
naturales, una vez satisfechos los requisitos establecidos en la
legislacin aplicable;
XXVII. Incitar al odio, violencia, rechazo, burla, difamacin,
injuria, persecucin o la exclusin;
XXVIII. Realizar o promover el maltrato fsico o psicolgico por
la apariencia fsica, forma de vestir, hablar, gesticular o por
asumir pblicamente su preferencia sexual, y
XXIX. En general cualquier otra conducta discriminatoria en
trminos del artculo 4 de esta Ley.92
Na Albnia, um pas sem grande tradio democrtica, foi aprovada

em 2013 alterao legislativa contra a homofobia. O Cdigo Penal teve o art.
50/j alterado para que fosse colocada como circunstncia agravante de um
crime: the commission of the offence due to motives related to gender, race,
[skin] colour, ethnicity, language, gender identity, sexual orientation, political,
religious, or philosophical convictions, health status, genetic predispositions or
disability.93
92
E prossegue a lei: Cap. III - Medidas Positivas e Compensatrias a favor da Igualdade de

Oportunidades; Cap. IV Do Conselho Nacional para Prevenir a Discriminao; Cap. V
Dos Procedimentos; e o Cap. VI: Das Medidas Administrativas para Prevenir e Eliminar a
Discriminao. Disponvel em: http://www.diputados.gob.mx/LeyesBiblio/pdf/262.pdf. Para um
estudo dessa lei cf. CARBONELL, Miguel. Consideraciones sobre La Ley Federal para Prevenir
y Eliminar la Discriminacin. In: DE LA TORRE MATNEZ, Carlos. Derecho a la No
Discriminacin. Mxico: UNAM, 2006, p. 205-230.
93
Cf.
http://www.legislationline.org/download/action/download/id/5164/file/Albania_CC_am2013_en.p
df.
56
Na Amrica do Sul, destaque para a alterao dos Cdigos Penais

da Colmbia e do Chile. Na Colmbia, a Lei n. 1482, de 2011 acrescentou o
Cap. IX ao Ttulo I do Cdigo Penal:
Artculo 134 A. Actos de Racismo o Discriminacin. El que
arbitrariamente impida, obstruya o restrinja el pleno ejercicio de
los derechos de las personas por razn de su raza,
nacionalidad, sexo u orientacin sexual, incurrir en prisin
de doce (12) a treinta y seis (36) meses y multa de diez (10) a
quince (15) salarios mnimos legales mensuales vigentes.
Artculo 134 B. Hostigamiento por motivos de raza, religin,
ideologa poltica, u origen nacional tnico o cultural El que
promueva o instigue actos, conductas o comportamientos
constitutivos de hostigamiento, orientados a causarle dao
fsico o moral a una persona, grupo de personas comunidad o
pueblo, por razn de su raza, etnia, religin, nacionalidad,
ideologa poltica o filosfica, sexo u orientacin sexual,
incurrir en prisin de doce (12) a treinta y seis (36) meses y
multa de diez (10) a quince (15) salarios mnimos legales
mensuales vigentes, salvo que la conducta constituya delito
sancionable con pena mayor.
Artculo 134 C. Circunstancias de agravacin punitiva. Las
penas previstas en los artculos anteriores, se aumentarn de,
una tercera parte a la mitad cuando:
1. La conducta se ejecute en espacio pblico, establecimiento
pblico o lugar abierto al pblico.
2. La conducta se ejecute a travs de la utilizacin de medios
de comunicacin de difusin masiva.
3. La conducta se realice por servidor pblico.
4. La conducta se efecte por causa o con ocasin de
prestacin de un servicio pblico.
5. La conducta se dirija contra nio, nia, adolescente, persona
de la tercera edad o adulto mayor;
6. La conducta est orientada a negar o restringir derechos
laborales.94
No Chile, em 2012 foram aprovadas alteraes na legislao

atravs da Ley Antidiscriminacin ou Ley Zamudio (Ley 20.609, de
24/07/2012),
como
decorrncia
da
comoo
nacional
decorrente
do
assassinato brutal do jovem homossexual Daniel Zamudio. Segundo as

Disposies Gerais, tal lei tem como propsito (art. 1o):
(...) instaurar un mecanismo judicial que permita restablecer
eficazmente el imperio del derecho toda vez que se cometa un
acto de discriminacin arbitraria.
Corresponder a cada uno de los rganos de la Administracin
del Estado, dentro del mbito de su competencia, elaborar e
implementar las polticas destinadas a garantizar a toda
94
Cf. http://wsp.presidencia.gov.co/Normativa/Leyes/Documents/ley148230112011.pdf.
57
persona, sin discriminacin arbitraria, el goce y ejercicio de sus

derechos y libertades reconocidos por la Constitucin Poltica
de la Repblica, las leyes y los tratados internacionales
ratificados por Chile y que se encuentren vigentes.
Nesse sentido, a lei define o que seria a discriminao arbitrria

o
(art. 2 ):
(...) se entiende por discriminacin arbitraria toda distincin,
exclusin o restriccin que carezca de justificacin
razonable, efectuada por agentes del Estado o particulares, y
que cause privacin, perturbacin o amenaza en el ejercicio
legtimo de los derechos fundamentales establecidos en la
Constitucin Poltica de la Repblica o en los tratados
internacionales sobre derechos humanos ratificados por
Chile y que se encuentren vigentes, en particular cuando se
funden en motivos tales como la raza o etnia, la nacionalidad,
la situacin socioeconmica, el idioma, la ideologa u opinin
poltica, la religin o creencia, la sindicacin o participacin en
organizaciones gremiales o la falta de ellas, el sexo, la
orientacin sexual, la identidad de gnero, el estado civil, la
edad, la filiacin, la apariencia personal y la enfermedad o
discapacidad (grifos nossos).
A partir da a lei estabelece os mecanismos de instaurao de

procedimento especfico daqueles que alegarem terem sofrido discriminao
arbitrria. Caso a ao seja julgada procedente, a sentena (art. 10):
(...) dejar sin efecto el acto discriminatorio, dispondr que no
sea reiterado u ordenar que se realice el acto omitido, fijando,
en el ltimo caso, un plazo perentorio prudencial para cumplir
con lo dispuesto. Podr tambin adoptar las dems
providencias que juzgue necesarias para restablecer el imperio
del derecho y asegurar la debida proteccin del afectado.
Si hubiere existido discriminacin arbitraria, el tribunal aplicar,
adems, una multa de cinco a cincuenta unidades tributarias
mensuales, a beneficio fiscal, a las personas directamente
responsables del acto u omisin discriminatorio.95
O art. 12 do Cdigo Penal do Chile foi alterado para prever, como

mais uma circunstncia agravante dos crimes:
21. Cometer el delito o participar en l motivado por la
ideologa, opinin poltica, religin o creencias de la vctima; la
nacin, raza, etnia o grupo social a que pertenezca; su sexo,
orientacin sexual, identidad de gnero, edad, filiacin,
95
Disponvel em: http://www.leychile.cl/Navegar?idNorma=1042092.
58
apariencia personal o la enfermedad o discapacidad que

padezca.96 (grifos nossos).
As semelhanas entre as leis citadas e o PLC 122/06 um dado

que, mais do que nunca, mostra que o projeto nada mais faz do que se
colocar a par do que j existe em vrios pases do mundo.
A Suprema Corte do Mxico proferiu importante deciso contra a

homofobia relacionada violncia simblica, entendendo que
las expresiones discriminatorias, especialmente las
homofbicas como pual o maricn, no se encuentran
protegidas por el derecho a la libertad de expresin
consagrado en la Constitucin. Esta resolucin puso fin a la
disputa legal entre dos periodistas de la ciudad de Puebla. En
2010, Armando Prida Huerta, dueo del diario Sntesis,
demand a Enrique Nez Quiroz, del diario Intolerancia, por
una columna en la que Nez Quiroz se refiri a Prida Huerta
como pual, y sostuvo que slo los maricones escriben en el
peridico Sntesis. (...) Si bien es cierto que estas expresiones
se encuentran fuertemente arraigas en el lenguaje mexicano, la
SCJN seal que las prcticas que realizan la mayora de los
integrantes de la sociedad no pueden convalidar violaciones a
derechos fundamentales.
Asimismo, a pesar de que estas expresiones se emitan en
sentido burlesco, promueven y legitiman la intolerancia
hacia la homosexualidad considerndola como una
condicin de inferioridad. Cabe destacar que es la primera
vez que se analiza y se pondera la relacin y el problema entre
la libertad de expresin y las manifestaciones discriminatorias.
97
4. Da Omisso Objetiva do Legislativo Brasileiro que Resulta em Violao

Constituio e a Tratados e Convenes Internacionais
4.1. Omisso Inconstitucional alguns parmetros
96
Disponvel em:
http://www.leychile.cl/Navegar?idNorma=1042092&idParte=9282775&idVersion=2012-07-24.
97
Notcia disponvel em:
http://www.miguelcarbonell.com/docencia/Sentencia_de_la_SCJN_sobre_lenguaje_homof_bico
.shtml. Para ler a deciso, conferir:
http://www.miguelcarbonell.com/artman/uploads/1/Sentencia_amparo_en_revisi__n_28062012.pdf.
59
O tratamento da questo da omisso inconstitucional e do correlato

dever de mobilizao do legislativo ainda que por decorrncia de mandado
judicial uma grande conquista do constitucionalismo brasileiro advindo da
Constituio de 1988 (arts. 5o, LXXI e 102, I), mas j fazia parte do
constitucionalismo bem antes disso. Segundo Gonzalo A. Ramirez Cleves
(2006), aparece primeiramente na Alemanha com Wessel em 1952 e depois
com Mortati nos anos 1970 e justamente nesses dois pases que tal
instituto tem seus primeiros e decisivos desenvolvimentos. Depois aparece em
algumas Constituies, como da Ex-Iugoslvia (1974), art. 377 e de Portugal
(1976), art. 283 (na atual redao revista) e hoje previsto na Constituio da
Costa Rica (art. 173), Hungria (art. 32) e Venezuela (art. 336).
Na Lei Fundamental de Bonn, o art. 1.3. deixa claro que os
Direitos Fundamentais configuram vnculo com o Legislador, com o Executivo e
com o Judicirio, j que so direitos diretamente aplicveis. Em razo disso
o Tribunal Constitucional alemo fundamenta suas decises sobre la
obligacin del poder legislativo de desarrollar los derechos fundamentales
como exigencia adicional de su respeto y proteccin efectivos (RAMIREZ
CLEVES, 2006). Vale a pena lembrarmos que nossa Constituio tambm diz
que os direitos e garantias fundamentais tm aplicao imediata (art. 5o, 1o)
em termos similares aos postos na Constituio alem, j que, para dar
cumprimento a tal ideia prev o Mandado de Injuno e a Ao Direta de
Inconstitucionalidade por Omisso. Tal fato merece ser considerado se se
pretende dar eficcia ao disposto em nossa Constituio.
A vm as questes: 1) caberia falar na homofobia como espcie
de racismo? e, 2) h uma omisso do legislador em criminaliz-la?
No julgamento do HC 82.424/RS, em que se discutia se as
manifestaes antissemitas constituam ou no crime de racismo, o Supremo
Tribunal Federal tomou como razo de decidir (ratio decidendi) o fato de que
a diviso da espcie humana em raas realizada por meio de um processo
eminentemente poltico-social, no havendo que se falar em diviso biolgica
dos seres humanos. O crime de racismo, portanto, tem um cunho
sociopoltico donde o bem jurdico tutelado so todas as manifestaes
de inferioridade de um grupo de indivduos a outro grupo. Manifestaes
60
essas que so motivadas pelas mais diversas forma de discriminao em

virtude de origem tnica, religiosa, confessional, antropolgica, biolgica. Em
verdade, conforme se recolhe do voto do Exmo. Ministro Celso de Mello no
julgamento do HC 82.424/RS, o racismo tutela o vnculo comum da espcie
humana: Sem qualquer hierarquia ou distino de origem, de raa, de
orientao
confessional
ou
de
fortuna,
somos
todos
pessoa,
essencialmente dotadas de igual dignidade e impregnadas de razo e

conscincia, identificadas pelo vnculo comum que nos projeta, em
unidade solidria, na dimenso incindvel do gnero humano. poca
escrevemos nesse sentido tomando como ponto de partida o voto do Min.
Celso de Mello nesse caso:
[O] fato de no se poder falar em tais hierarquias (ou mesmo
na existncia de diferentes raas humanas) no impossibilita
a existncia do crime de racismo, que ocorrer justamente pela
afirmao irracional (e psicologicamente desviante) da
superioridade de um grupo sobre outro; independentemente do
nome que se usar para denominar o critrio de diferenciao
preconceituosa: raa, sexo, orientao sexual, religio,
nacionalidade, time de futebol, etc. Desde que usados num
discurso intolerante e fundamentalista (...), devero ser tidos
como atos criminosos. (...) Em princpio, todas as vezes que
diferenas tnicas, de cor, de religio, de orientao
sexual, etc., forem usadas para que se estabeleam
distines em que um grupo aparece superprivilegiado
e/ou outro fica sub-privilegiado estaremos diante do
crime de racismo. O conceito de racismo usado, pois, a
partir de parmetros sociais e culturais para fins de controle
ideolgico, de dominao poltica e de subjugao social.98
Nessa medida, o grupo LBGT, formado por aqueles que tm

orientao sexual e/ou identidade de gnero diversas do heterossexismo
cisgnero,
constituem
um
grupo
racial
vulnervel
que
heterossexualidade cisgnera seria a nica opo aceitvel, gerando

discriminaes e intolerncia para a minoria. Dessa forma, e considerando
que o comando normativo do art. 5, XLII da CF/88 um mandamento de
98
BAHIA, Alexandre. Anti-semitismo, tolerncia e valores: anotaes sobre o papel do

Judicirio e a questo da intolerncia a partir do voto do Ministro Celso de Mello no HC 82.424.
Revista dos Tribunais, v. 847, maio 2006, p. 448-449 (grifos nossos).
61
criminalizao para os poderes pblicos, imperioso que o Poder Legislativo

edite normas criminalizando a homofobia e a transfobia.99
De qualquer sorte, mesmo no sendo considerado caso de racismo,
os atos e agresses homofbicas e transfbicas so um atentado aos direitos e
liberdades fundamentais do grupo LBGT, motivado apenas pela orientao
sexual distinta. A norma constitucional do art. 5, XLI da CF/88 determina que
os Poderes Pblicos reprimam e protejam as liberdades fundamentais,
constituindo tambm em um mandamento implcito de criminalizao, haja vista
que o que temos hoje um estado de proteo deficiente, 100 j que as
normas de criminalizao de violncias em geral no tm conseguido alcanar
a diminuio dessa violncia da mesma forma que estas mesmas normas
no conseguiam coibir/punir de forma eficaz a violncia contra mulheres e, por
isso, foi necessria a aprovao da Lei Maria da Penha.
Os mandados de criminalizao, decorrentes da Constituio
Federal e de Normas Internacionais de Direitos Humanos, cf. infra ,
exprimem, na verdade, um vis garantstico-positivo, isto , visam obrigar
o Estado a ofertar aos cidados a proteo a bens jurdicos essenciais. A
no efetivao da obrigao constitucional de criminalizar, quando o mandado
de
criminalizao
decorre
da
prpria
Constituio,
incide
em
inconstitucionalidade por omisso. Ora, a homofobia e a transfobia ferem de

morte bens jurdicos da mais alta relevncia que nossa comunidade poltica
elegeu como norte de toda a sociedade, quais sejam, a prpria dignidade
humana, a integridade fsica e moral, a vida etc., na medida em que impe a
superioridade de um grupo sobre outro apenas pela sua orientao sexual ou
identidade de gnero, real ou presumida.101
99
Conforme bem define a petio inicial, homofobia o preconceito e/ou a discriminao

contra homossexuais e bissexuais, ao passo que transfobia o preconceito e/ou a
discriminao contra travestis, transexuais e transgneros em geral.
100
Sobre o tema ver: VIANA, Thiago G. A inefetividade da Lei Ca: uma tragdia anunciada?
In: CRUZ, Andr Gonzalez (Org.). Direito criminal contemporneo. Braslia: Kiron, 2012, p. 109132.
101
Nesse sentido vale a pena a lembrana de trecho de um voto do Min. Gilmar Mendes na
ADIn. n. 3112 mencionado na Petio que deu origem ADInO. n. 26: os mandados
constitucionais de criminalizao atuam como limitaes liberdade de configurao do
legislador penal e impem a instituio de um sistema de proteo por meio de normas penais.
[...] Ao lado dessa idia de mandados de criminalizao expressos, convm observar que
configura prtica corriqueira na ordem jurdica a concretizao de deveres de proteo
62
Sabe-se que no h norma jurdico-penal que criminalize de forma

especfica as agresses e atentados contra a populao LBGT. A ausncia de
norma criminalizadora especial,102 ou, pelo menos, o fato de que nossa
legislao no prev qualquer agravante ou qualificadora quando um
crime praticado em razo homofbica ou transfbica, 103 coloca em
estado omissivo os poderes pblicos que tm a misso de efetivar a
prpria Constituio.
4.2.
Omisso
Inconstitucional
do
Brasil:
paradigma
do
no-
reconhecimento face s exigncias da Constituio e Legislao

Internacional:
Verifica-se, como aponta Bourdieu, que o Direito (incluindo aqui seu
processo de criao) opera como um campo que respalda a estrutura de poder
j estabelecida, uma vez que consagra uma rede de significados que se d em
benefcio do ordenamento estatal e sustentada por este.
En una sociedad diferenciada, el efecto de universalizacin es
uno de los mecanismos, y sin duda entre los ms poderosos, a
travs de los cuales se ejerce la dominacin simblica o, si se
prefiere, la imposicin de la legitimidad de un orden social.104
Ora, formalmente celebramos a redemocratizao e a (re)conquista

de direitos com a promulgao da Constituio de 1988; assim, temos uma
Constituio institucionalmente democrtica, no entanto, como lembra Mara
Fernanda Salcedo Repols
O carter democrtico da Constituio no determinado
apenas pelo seu contedo, mas pela narrativa da
comunidade poltica que constri e reconstri uma autoimagem e que pode ser chamada de Constituio viva,
seguindo a definio norte-americana da living Constitution,
mediante a criminalizao de condutas. Outras vezes cogita-se mesmo de mandados de

criminalizao implcitos, tendo em vista uma ordem de valores estabelecida pela Constituio.
Assim, levando-se em conta o dever de proteo e a proibio de uma proteo deficiente ou
insuficiente (Untermassverbot), cumpriria ao legislador estatuir o sistema de proteo
constitucional-penal adequado.
102
Como existe nos EUA, Noruega, Reino Unido, Mxico, Colmbia e Chile.
103
Como existe em alguns pases como Portugal e Albnia.
104
MADEIRA, Lgia Mori. O Direito nas Teorias Sociolgicas de Pierre Bourdieu e Niklas
Luhmann. Direito & Justia, v. 33, n. 1, junho 2007, p. 26.
63
que encerra em sua definio a de identidade do sujeito

constitucional.105
dizer, de fato, a Constituio de 1988 representa um avano

democrtico no Brasil ao prever um extenso sistema de direitos e garantias
fundamentais e, ao mesmo tempo, estabilizar estruturas democrticas, dando
impulso a uma cultura poltica liberal.106 De igual modo, o Sistema Internacional
de Direitos Humanos e o Sistema Interamericano de Direitos Humanos vm
consagrando direitos e mecanismos de defesa desses direitos (abaixo).
Contudo, a despeito de o Brasil ter construdo um aparato
institucional
democrtico,
Estado
brasileiro
no
escapa
da
lgica
uniformizadora e excludente, do ns versus eles, subjacente ao prprio

paradigma do Estado nacional moderno (como j apontado acima), forjando
prticas poltico-institucionais simbolicamente violentas, ocultando diversidades
e complexidades ou mesmo extinguindo-as, de sorte que todos os sujeitos e
comunidades plurais e desviantes se encontram marginalizados e distantes da
proteo
de
um
Estado
verdadeiramente
democrtico.
Como
afirma
Magalhes:
[O] estado e o direito moderno tm uma base que
fundamental para sua compreenso: para que o poder
centralizado seja reconhecido, este estado e este direito
moderno precisam uniformizar, padronizar, homogeneizar [...]
eles se reproduzem, portanto, em sistemas hegemnicos [...].
Por todo o mundo, povos e suas culturas foram exterminados,
idiomas desapareceram; formas de produzir de viver, formas
de pensar e sentir foram ocultadas ou para sempre
desaparecidas.107
Nesse cenrio, nossa Constituio garante o direito de igualdade

para aqueles agentes que j foram igualizados e que, portanto detm o
poder simblico e o constituem como instrumento de imposio de suas
significaes dotando-os de legitimidade e tornando-os, nos campos
105
SALCEDO REPOLS, Mara Fernanda. Quem deve ser o Guardio da Constituio? Do

poder moderador ao supremo tribunal federal. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008, p. 26,
grifos nossos.
106
HABERMAS, Jrgen. Facticidad y Validez: sobre el derecho y el estado democrtico de
derecho en trminos de teora del discurso. Madrid: Trotta, 1998, p. 439.
107
MAGALHES, Jos Luiz Quadros. Pluralismo Epistemolgico e Modernidade. In:
MAGALHES Jos Luiz Q. de (coord.). Direito Diversidade e o Estado Plurinacional. Belo
Horizonte: Arraes, 2012, p. 122.
64
jurdico e poltico, argumentos vencedores. A questo que remanesce :

ser a nova ordem constitucional capaz de construir um ambiente que
possibilite no-gente lutar e ter chances reais de postular o seu
reconhecimento? Em se tratando dos LGBT, haveria espao para que os
mesmos consigam o reconhecimento da diversidade da vivncia e expresso
da sexualidade humana para alm do binarismo moderno-europeu-ocidental?
Madeira destaca, a partir de Bourdieu, uma dificuldade intrnseca a
tal intento, em razo da ideia de habitus:
[A] relao entre o campo jurdico com os demais campos se
d na medida em que h proximidade de interesses e
afinidades dos habitus, ligados a formaes familiares e
escolares similares, o que favorece o parentesco das vises de
mundo. Sendo assim, o campo jurdico tem um
comprometimento com os valores e interesses dos
dominantes.108
Portanto, a democracia no pode se reduzir simplesmente ao

tratamento isonmico, pois, se assim fosse, nivelaria as diferenas e imporia
um modelo privilegiado de aceitao; dizer, para ser includo, o outsider teria
que abandonar sua prpria identidade (que o que faz dele ser quem ). Nem
mesmo suficiente o direito de igualdade implicar o reconhecimento
formal das diferenas reconhecimento este que se d de forma negativa (na
no discriminao), e tambm positiva, isto , na necessidade do Estado
(Executivo, Legislativo e Judicirio) afirmar os seus direitos , na medida em
que o excludo acaba por produzir sua racionalidade e consequente demanda
j submetido pelo habitus do opressor, ou seja, subjugado por esquemas de
ao-pensamento j incorporados em seu corpo e intelecto, que reproduzem
na ao e nas escolhas do oprimido o sistema de signos do poder dominante j
institucionalizado.
Assim, para o desenvolvimento de um Estado verdadeiramente
democrtico, faz-se imprescindvel que se revele e se enfrente o processo de
ocultao e subalternizao de subjetividades, principalmente aquelas
dos outsiders mais marginalizados ou seja, um terceiro sentido da
Igualdade, no apenas como inonomia nem apenas como equidade, mas,
108
MADEIRA, Lgia Mori. O Direito nas Teorias Sociolgicas de Pierre Bourdieu e Niklas
Luhmann, cit., p. 26.
65
tambm e ao mesmo tempo, como DIVERSIDADE , como, por exemplo, a

populao transgnera, pois esta, assim como outros queer, revela as riquezas
das mltiplas potencialidades humanas, possibilitando a abertura no apenas
das comportas da comunicao, mas das comportas que, primordialmente,
homogeneizaram os signos binaristas que nortearo o processo comunicativo.
So estes agentes queer que, com suas excentricidades (que se constroem
como fraturas do arqutipo idealizado e s existente de forma pura nesse
mundo irreal), pem prova os limites e possibilidades da democracia e o
enraizamento eurocntrico do sistema de direitos fundamentais.
Marianna Chaves afirma que a identidade sexual deve ser vista
como uma chave central para o livre desenvolvimento da personalidade
humana e a orientao sexual no um problema de escolha, opo, mas
algo que est nas profundas razes da sexualidade humana.109 O mesmo
vale para a identidade de gnero, evidentemente.
No entanto, o sistema de representao poltica brasileiro est,
como entendemos, sustentado com destacvel fora pela tradio poltica de
no reconhecimento, refratrio s subjetividades e demandas dos agentes que
ousam produzir performances sociais imaginativas desviantes daquelas
detentoras de capital social (Bourdieu).
Tal tradio manifestada na prtica poltica parlamentar brasileira
pode ser vista de forma notadamente mais violenta que nas demais
democracias liberais ocidentais na negativa de representar os temas por ela
tidos como fraturantes (como os direitos LGBT) atravs no somente de sua
invisibilizao, mas tambm pela sua desqualificao como issue. Para alm
da subjugao simblica, estes temas tm negada a oportunidade
(sequer) de sua colocao no nvel da discusso. Como antes referido,
temos os exemplos da mora legislativa na implementao de leis que
contemplem reivindicaes dos movimentos negro e feminista, e os vrios
projetos de lei prevendo o reconhecimento de direitos dos homoafetivos, que
normalmente so arquivados sumariamente ou permanecem sem qualquer
movimentao ou deciso. Parece j se ter como banal que tal mora
109
CHAVES, Marianna. Homoafetividade e Direito: proteo constitucional, unies, casamento

e parentalidade um panorama luso-brasileiro. Curitiba: Juru, 2011, p. 31.
66
frequentemente chegue a mais de uma dcada. Entendemos, porm, que tal

dado no deve ser naturalizado, pois no parece ser apenas conjuntural e
fortuito, mas deita razes mais profundas, basta lembrarmos, que desde a
redemocratizao o pas tem experimentado alternncias formais de
grupos ideolgicos de poder, da direita, esquerda, sem que, com isso,
tenha havido qualquer alterao concreta na conduo de projetos
programticos
que
se
abram
redefinir
condio
destes
desqualificados cvicos.
Perceba-se que, se a situao da mora legislativa no caso de
mulheres e negros preocupante, no caso dos LGBT ainda pior. L se
fala em demora, em cortes (mas com aprovaes); aqui se fala em
ausncia, total e absoluta, de qualquer lei geral protetiva ou de
reconhecimento. Mesmo sob a tima liberal (nos termos colocados acima),
v-se que h no Brasil um acentuado dficit democrtico em funo do
paradigma do no reconhecimento.
dizer, mesmo que no avancemos para um novo paradigma
plural como temos defendido ao mostrar os dficits da democracia liberal
e permaneamos no terreno tradicional de medio democrtica-europeia,
percebemos que estamos muito aqum de outras democracias tidas como
modelo (como a Europa Ocidental do Norte) e at de outras mais recentes,
como Portugal, Espanha, Argentina e Uruguai, por exemplo. Vejamos: no
terreno da democracia liberal, Dworkin questiona, para o caso americano,
sobre se os direitos de igualdade e de liberdade podem conferir aos cidados o
direito de tomar suas prprias decises no que tange ao sexo quando isso no
atinge diretamente outras pessoas ou se, ao revs, podem os outros
expressar sua desaprovao (e.g., no dando emprego a tais pessoas em
razo de sua sexualidade).110 Qual o limite entre o que se pode expressar e a
discriminao que tolervel?
Americans have accepted that some forms of private
discrimination are matters of public concern, and that the law
should guarantee equality of treatment for blacks, women, and
the handicapped in many spheres. Why not for homosexuals as
well? () In any case, abstaining from homosexual sex would
110
DWORKIN, Ronald. Sovereign Virtue the theory and practice of equality. Cambridge:
Harvard University Press, 2002, p. 453 et seq.
67
mean no sex at all for many people, or living a lie. Should

society allow discrimination against people who refuse to make
a choice with such costs? In the United States and in many
other nations and international communities that have followed
our lead in establishing constitutional rights these questions
are also legal questions, because the American
Constitution provides that individuals have certain rights
that a majority may not invade.111
Para os americanos, segundo Dworkin, a discusso gira entorno de

se decidir quais liberdades a garantia do devido processo legal considera
fundamentais e quais tipos de discriminao a garantia da igual proteo
considera injusta. Quando, em 1986, no caso Bowers vs. Hardwick, a Suprema
Corte declarou constitucional lei estadual que criminalizava a sodomia
(relaes sexuais consensuais entre adultos do mesmo sexo), defendeu-se que
o due process apenas protege those rights that are deeply rooted in this
Nations history and tradition112 dizer, apenas se poderia proteger os
direitos do establishment superintegrado, numa evidncia do campo jurdico
como possuidor e reprodutor do poder simblico e como estabilizador do poder
dominante por sua capacidade de nomear novos significados por ele
autorizados (deciso esta posteriormente superada overruled em 2003, no
caso Lawrence vs. Texas).
Para ns, nem isso. Quando o Congresso se recusa a tomar
posio, a discutir as demandas dos agentes queer, elas so assim
lanadas no limbo das no-demandas, ou seja, so tratadas como indignas
de sequer serem reconhecidas como legtimas reivindicaes sociais, de modo
que seus prprios autores tm negada sua condio de demandantes, de
cidados, de membros da soberania, retroalimentando a tradio polticosocial social-darwinista eurocntrica da arena pblica brasileira, que
estruturalmente produz e invisibiliza uma massa de subcidados, e se estes
forem integrantes de algum grupo vulnervel (como o caso dos LGBT), ficase a sim, impedida qualquer possibilidade de proteo de seus direitos
humanos e fundamentais, nem mesmo pela concesso do status quo pela via
111
DWORKIN, Ronald. Sovereign Virtue the theory and practice of equality. cit., p. 453-454
(grifos nossos).
112
DWORKIN, Ronald. Sovereign Virtue the theory and practice of equality. cit., p. 454 (grifos
nossos).
68
legislativa, o que configura uma omisso inconstitucional por violao ao

princpio da no-discriminao.
Esse limbo de no-demandas, cabe destacar, descumpre ordens
constitucionais de legislar, que demandam pela aprovao de leis e no por
meras discusses e por decidir no-decidir, ao contrrio do afirmado pelo
Senado em sua manifestao neste processo, a qual refutaremos em outro
momento (em outra petio).
A no-discriminao aparece, dessa forma, como um Direito
Fundamental 113 , um princpio, em nosso Ordenamento 114 . Em razo disso,
entendemos, a partir das teorias de Habermas e Dworkin 115 , que, como
princpio, a proibio de discriminao uma norma, portanto, um comando
deontlogico116 e no mero critrio de resoluo de lacunas (ou antinomias) 117
ou mesmo, comandos de otimizao118.
113
Essa tambm a posio de RIOS (RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade e a

discriminao por orientao sexual no direito brasileiro. Revista de Informao Legislativa, a.
38 n. 149 jan./mar. 2001), ainda que sob supostos diversos quanto natureza dos princpios,
tambm relaciona igualdade e vedao discriminao.
114
Como direito fundamental igualdade, implica tambm no reconhecimento dos mesmos
direitos deferidos a heterossexuais, como o reconhecimento da unio estvel, do casamento e
tambm da adoo.
115
Dworkin defende uma concepo principiolgica do Direito, que possuem em sua teoria no
o carter de um instrumento hermenutico de preenchimento de lacunas (como propem os
positivistas), mas de verdadeiras normas, cujo uso torna o sistema mais complexo, abrindo a
margem de legitimidade democrtica. Uma comunidade que aceitar que governada por
princpios faz com que o conjunto de normas que se reconhece como vlidas possa expandirse e contrair-se organicamente, medida que as pessoas se tornem mais sofisticadas em
perceber e explorar aquilo que esses princpios exigem sob novas circunstncias, sem a
necessidade de um detalhamento da legislao ou da jurisprudncia de cada um dos
possveis pontos de conflito (DWORKIN, Ronald. O imprio do Direito. 2 ed. So Paulo:
Martins Fontes, 2007, p. 229, grifos nossos).
116
A partir do ponto de vista deontolgico, Habermas (HABERMAS, Jrgen. A incluso do
outro. So Paulo: Loyola, 2002, p. 355 et seq.) procura mostrar que os princpios, como normas
jurdicas, possuem um carter obrigatrio, codificado de forma binria (direito/no-direito,
vlido/invlido). Valores, ao invs, concorrem entre si. Ao contrrio de serem valores, bens
ou interesses (ou de se moverem sob a mesma lgica destes), os princpios, tais quais as
regras, so normas, portanto, contm valores e, num caso concreto, ou so aplicados in totum
ou no (por no serem adequados). Os princpios no se movem por critrios de preferncia
(relao custo-benefcio) ou de atratividade mas de obrigatoriedade (normativa), logo, no
podem ser negociada a sua aplicao (CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo A. Direito
Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 90).
117
Como pretendiam os positivistas em geral e particularmente nossa Lei de Introduo ao
Cdigo Civil (art. 4).
118
Para uma crtica teoria dos direitos como comandos de otimizao, cf. BAHIA (BAHIA,
Alexandre. A interpretao jurdica no Estado democrtico de Direito: contribuio a partir da
teoria do discurso de Jrgen Habermas. In: CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo A. (Coord.).
Jurisdio e hermenutica constitucional, Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 301-357).
69
Considerando o que prescreve a Constituio a respeito dos

Princpios e Direitos Fundamentais, inclusive a respeito do respeito aos
Tratados e Convenes Internacionais, como supracitado, entendemos que o
Brasil se encontra em um estado de omisso objetiva do dever
constitucional (e convencional) de criminalizar a homofobia e a
transfobia.
Prever uma norma especfica para reprimir condutas que geram
leses fsicas e morais a lsbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais ,
hoje, uma exigncia clara e direta. No se trata de mera interpretao da
Constituio que pudesse gerar controvrsia sobre se h, de fato, um
comando ao legislador que restrinja sua reserva legal. No igualmente
o caso de se estar criando princpios sem lastro normativo, chamando
o Judicirio (no caso, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ou os
Tribunais internos do Brasil) a um ativismo que viole a clusula da
separao de poderes.
Na atual quadra da histria aes objetivas dos Estados que,
como o Brasil, esto inseridos nos sistemas interamericano e internacional de
Direitos Humanos, so uma exigncia direta destes mesmos sistemas no
sentido de criar mecanismos para conter a violncia mas tambm para
investig-la e puni-la quando a mesma ocorrer.119
119
Para alm do que j foi citado acima, vale a pena transcrever algumas notcias recentes
sobre o tema: Pases so obrigados a proteger pessoas contra homofobia, diz ONU. A ONU
(...) declarou nesta sexta-feira (16) que todos os pases "so obrigados" a proteger todas as
orientaes sexuais, em meio comemorao do Dia Internacional contra a Homofobia e a
Transfobia, informaram fontes da entidade. A alta comissria da ONU para os Direitos
Humanos, Navi Pillay, afirmou que os pases so obrigados pelo direito internacional a proteger
todas lsbicas, os gays, os bissexuais e os transgneros (LGBT) de tortura, discriminao e
violncia. Disponvel em: <http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2013/05/17/onupaises-sao-obrigados-a-proteger-pessoas-contra-homofobia.htm>. Por ocasio do Seminrio
Brasil Unio Europeia de Combate Violncia Homofbica, o Secretrio-geral da ONU
enviou uma mensagem aos participantes na qual se l em certo trecho: Muitas pessoas e
governos ainda se recusam a reconhecer a injustia da discriminao baseada na orientao
sexual e identidade de gnero, assim como o sofrimento que esta causa. por isso que
devemos continuar atraindo ateno dos Estados para esses assuntos, Estados os quais tm
a obrigao legal de proteger os direitos de todas as pessoas sem distino. Isto requere um
acompanhamento e monitoramento sistemtico dos abusos para garantir que os futuros
debates
sejam
formados
por
fatos.
Disponvel
em:
http://www.sdh.gov.br/noticias/2013/abril/secretario-da-onu-enviou-mensagem-a-participantesde-seminario-lgbt.
70
A omisso do Estado em criar mecanismos, inclusive, para que

violncias homofbicas e transfbicas sejam registradas como tal em boletins
de ocorrncia (para que se abra uma linha investigativa especfica e, a partir de
uma legislao especial, os autores sejam punidos pelos crimes de dio que
praticaram) no apenas viola os direitos das vtimas, como tambm contribui
para que a violncia continue se reproduzindo num crculo vicioso de
VIOLAO
DO
BRASIL
AOS
COMPROMISSOS
INTERNACIONAIS
FIRMADOS.
Vale lembrar que o tema da homofobia, da transfobia e da
omisso do Estado Brasileiro j foram objeto em 2012, de, pelo menos, duas
notas imprensa divulgadas pela COMISSO INTERAMERICANA DE
DIREITOS HUMANOS:
Comunicado de Imprensa n. 79/12 - CIDH condena o
assassinato de duas mulheres trans no Brasil:
A Comisso Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
condena o assassinato de duas mulheres trans ocorrido no
final de junho de 2012 no Brasil: uma pessoa ainda no
identificada em Pinhas, Curitiba, estado do Paran, e Camila
de Mink em Bauru, estado de So Paulo. (...)
A CIDH lembra que obrigao do Estado investigar de
ofcio fatos dessa natureza e sancionar queles que
resultarem responsveis. A Comisso insta ao Estado a abrir
linhas de investigao que tenham em considerao se este
assassinato foi cometido em razo da identidade de gnero ou
da orientao sexual da vtima.
A Comisso continua recebendo informaes sobre
assassinatos, torturas, detenes arbitrrias e outras
formas de violncia e preconceito contra lsbicas, gays e
pessoas trans, bissexuais e intersex. Alm disso, a
Comisso
observa
que
existem
problemas
nas
investigaes destes crimes, o que conduz, em parte, a
que no se abram linhas de investigaes que considerem
se o delito foi cometido em razo da identidade de gnero
ou orientao sexual das vtimas. A inefetividade da
resposta estatal fomenta altos ndices de impunidade, os
quais, por sua vez, propiciam uma repetio crnica,
submetendo vtimas e seus familiares a uma situao de
desamparo.
A CIDH urge ao Estado a adotar aes para evitar e reagir a
esses abusos aos direitos humanos e garantir que as
pessoas LGTBI possam exercer efetivamente seu direito a
una vida livre de discriminao e violncia, incluindo a
adoo de polticas e campanhas pblicas, assim como as
reformas necessrias para adequar as leis aos
71
instrumentos interamericanos em matria de direitos

humanos (grifos nossos).120
Comunicado de Imprensa n. 89/12 - A CIDH condena

assassinato de adolescente gay no Brasil
A Comisso Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
condena o homicdio do adolescente de 15 anos, Lucas Ribeiro
Pimentel, quem se auto-identificava como gay, no Rio de
Janeiro, Brasil.
A CIDH lembra que obrigao do Estado investigar de
ofcio fatos dessa natureza e sancionar queles que
resultarem responsveis. A Comisso insta ao Estado a abrir
linhas de investigao que tenham em considerao se este
assassinato foi cometido em razo da expresso de gnero,
identidade de gnero ou da orientao sexual da vtima.
Asimismo, la CIDH reitera que el Estado tiene un deber de
proteccin especial respecto de nios, nias y adolescentes,
quienes por su edad se encuentran en especial situacin de
vulnerabilidad.
A Comisso continua recebendo informaes sobre
assassinatos, torturas, detenes arbitrrias e outras
formas de violncia e preconceito contra lsbicas, gays e
pessoas trans, bissexuais e intersex. Alm disso, a
Comisso
observa
que
existem
problemas
nas
investigaes destes crimes, o que conduz, em parte, a
que no se abram linhas de investigaes que considerem
se o delito foi cometido em razo da identidade de gnero
ou orientao sexual das vtimas. A inefetividade da
resposta estatal fomenta altos ndices de impunidade, os
quais, por sua vez, propiciam uma repetio crnica,
submetendo vtimas e seus familiares a uma situao de
desamparo. A CIDH urge ao Estado a adotar aes para
evitar e reagir a esses abusos aos direitos humanos e garantir
que as pessoas LGTBI possam exercer efetivamente seu
direito a una vida livre de discriminao e violncia, incluindo a
adoo de polticas e campanhas pblicas, assim como as
reformas necessrias para adequar as leis aos
instrumentos interamericanos em matria de direitos
humanos (grifos nossos).121
Pois bem, diante de comandos to especficos, se perguntado o que

o Brasil fez a respeito a resposta simples e preocupante: NADA.
A Repblica Federativa do Brasil permanece num estado de
violao ao Pacto de San Jos da Costa Rica e demais instrumentos
internacionais de proteo aplicveis ao caso (supracitados).
120
121
Disponvel em: http://cidh.oas.org/Comunicados/Port/2012.79.htm.

Disponvel em: http://cidh.oas.org/Comunicados/Port/2012.89.htm.
72
No
se
pode
negar
que
Brasil
tenha
avanado
na
proteo/promoo dos direitos dos LGBT nos ltimos anos. Contudo, a ao

dos Poderes Pblicos ainda muito recente e, em todo caso, insuficiente para
objetivar o preceito de igualdade de direitos (artigo 5, caput da Constituio de
88) de forma que o Pas possa cumprir um de seus objetivos que promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminao (artigo 3, IV Constituio de 88). At
porque praticamente s o Poder Judicirio tem trazido avanos
reais/prticos e no meras declaraes de boas intenes, como faz o
Poder Executivo Federal brasileiro.
As pesquisas apresentadas mostram que ainda h uma cultura
de intolerncia para com a populao LGBT, um dos produtos do sexismo,
da heteronormatividade e da cisnormatividade. Questes de (igualdade e
violncia de) gnero passam transversalmente os problemas ligados
homofobia e ao reconhecimento direitos aos LGBT. Essas homofobia
transfobia, segundo os dados apresentados, se mostram em variados nveis,
desde a rejeio at a violncia: seja qual for o grau, no entanto, so graves
atentados cidadania e aos direitos acima elencados. Uma cultura poltica
liberal deve reconhecer o direito das minorias de coexistirem com os
mesmos direitos que as maiorias. No se trata, como mostrado, de se
conceder super-direitos a um pequeno grupo, mas, sim, garantir a equal
protection of law, uma vez que, principalmente no que se refere ao grau mais
elevado de violncia homofbica (da agresso fsica at o assassinato) o Brasil
possui nmeros alarmantes e que impe a tomada de aes especficas pelo
Poder Pblico.
No entanto, no que se refere ao Legislativo Federal, percebe-se
notadamente uma atitude de omisso em tratar dessas questes. Quer seja da
violncia homofbica e transfbica, quer de outras formas de discriminao (e
por que no de violncia simblica) no que se refere a direitos ligados s
unies estveis homoafetivas. De outro lado, h movimentos ativos no
Legislativo a tratar da homossexualidade como doena, como desvio, como
atentado famlia, que buscam conter avanos j alcanados na Administrao
Pblica ou no Judicirio. O mesmo vale para bissexualidade, travestilidade e
73
transexualidade. Pretende-se que a vontade da maioria seja o critrio

determinador dos nveis de igualdade frente s minorias, o que viola o
constitucionalismo.
Ao se comparar a situao jurdica dos LGBT no Brasil e noutros
pases o que mostra o descompasso (Legislativo) do primeiro frente s
maiores democracias ocidentais e tambm aos seus vizinhos latinos fica mais
evidente que as recentes decises do STF (ADPF 132 e ADI 4277) e do STJ
(REsp 1.183.378/RS), o primeiro reconhecendo como entidade familiar a unio
homoafetiva (tema que j vinha consolidado na jurisprudncia) e o segundo
considerando possvel o casamento civil homoafetivo direto (sem prvia unio
estvel) so marcos importantssimos para a luta por reconhecimento dos
direitos LGBT no Brasil.
As Convenes e Documentos Internacionais citados mostram que
est se consolidando um movimento global pelo reconhecimento dos direitos
LGBT e pela luta contra sua discriminao. O Brasil, que no legisla
internamente
nesse
sentido,
aparece,
paradoxalmente,
como
proponente/sustentador de alguns desses Documentos Internacionais.

Temos aqui um comportamento contraditrio do Estado Brasileiro:
no mbito internacional, mostra-se progressista e promotor dos direitos da
populao LGBT, ao passo que, no mbito interno, se mostra refratrio a
qualquer poltica pblica efetiva, que saia da mera declarao de boas
intenes...
Se
fssemos
aplicar
aqui
princpio
da
proibio
de
comportamento contraditrio, o Brasil seria certamente condenado por

atentado dignidade da coerncia (!), por no fazer a lio de casa que
defende que a comunidade internacional faa...
O Legislativo Federal h que colocar em coordenao com os
avanos dos legislativos estaduais e dos demais poderes (e com o Direito
Comparado e Internacional) e cumprir sua misso de dar seguimento ao que
dispe a Constituio da Repblica, quando esta dispe sobre igualdade, no
discriminao enfim, com todos os Direitos Fundamentais extensamente
elencados e com aqueles que so os objetivos fundamentais da Repblica (art.
3o da Constituio)
74
A Repblica Federativa do Brasil permanece num estado de

violao ao Pacto de San Jos da Costa Rica e demais instrumentos
internacionais de proteo aplicveis ao caso (supracitados), que, como
mostrado, impem um dever claro e objetivo de criao de mecanismos
legais e administrativos de persecuo e punio da homofobia.
5. Dos Pedidos
Que o GADvS e a ABGLT seja aceitos como amici curiae na presente

ao;
Que as razes e os fundamentos aqui apresentados sejam considerados

no julgamento da ADInO. n. 26, sem prejuzo de outras peties e
manifestaes que se pede desde j sejam franqueadas ao peticionrio;
Que, uma vez admitidos, o GADvS e a ABGLT, atravs de seu

Procurador, possa se manifestar oralmente quando da sesso de
julgamento da presente ao;
Por fim, por todo o exposto, pede-se que a ADInO. n. 26 seja julgada
procedente nos termos dos pedidos feitos pelo autor, procedendo-se a
um controle de constitucionalidade por omisso (nos termos
propostos pela presente ao), ao mesmo tempo que seja tambm feito
um controle de convencionalidade tambm por omisso (face os
documentos internacionais apresentados).
Belo Horizonte, 08 de Janeiro de 2014.
75

Petição - ADO26 - Amicus Curiae

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Exmo. Sr. Dr.

Ministro Celso de Mello do Egrgio Supremo Tribunal

Processo: Ao Direta de Inconstitucionalidade por Omisso (ADO.) n. 26.

GADvS GRUPO DE ADVOGADOS PELA DIVERSIDADE

TRANSEXUAIS, pessoa jurdica de Direito Privado, inscrita no CNPJ/MF sob o

1. Da Legitimidade das Peticionrias

Transexuais e Intersexuais) inclusive seminrios sobre a criminalizao

Antidiscriminatrio, nos dias 23 a 26.09.20112, na Faculdade de Direito da

Cf. http://www.gadvs.com.br/?p=1429 (ltimo acesso em 21.12.2014).

relatrio final da referida comisso, pleito este felizmente atendido pela

Travestis e Transexuais (ABGLT) uma entidade de abrangncia nacional,

Cf. http://www.gadvs.com.br/?page_id=699 (ltimo acesso em 21.12.2014).

contribuindo para a construo de uma sociedade democrtica, na qual

superioridade/inferioridade de um grupo relativamente a outro e a

necessariamente na inferiorizao da populao LGBT relativamente a

3. Do Cabimento dos pedidos feitos na ADInO. n. 26

isso que nos concentraremos), trata de tema de urgente tratamento pelo

objetivo/direto, mas tambm urgente quanto ao tratamento da questo da

3.I. Da excluso dos LGBT do meio do direito

Falar sobre proteo minoria LGBT6 no Brasil envolve uma srie

LGBT: lsbicas, gays, bissexuais e transgneros (travestis e transexuais). Aqui no

comum, a homofobia graa nas democracias europeias apontadas como

aprovao do casamento gay, atravessa um momento particularmente

Tal problemtica, no Brasil, comea a adquirir contornos mais

suas idiossincrasias vo fortemente de encontro aos valores e papeis

O Brasil, por sua vez, a despeito de possuir a segunda maior rede

3.II.a. Incluso da Orientao Sexual na Constituinte de 1987-1988

sistematicamente deslegitimadas como tais e o Congresso brasileiro tem se

dos Negros, Populaes Indgenas, Pessoas Deficientes e Minorias chegaram

polticas ou filosficas, deficincia fsica, sensorial ou mental e qualquer particularidade

De toda sorte, como se pode perceber, inclusive pelos discursos e

3.II.b. Homofobia e Transfobia no Brasil

normatividade cisgnera andam juntos. Um dos maiores desafios que o

Na Comisso de Sistematizao, Eliel Rodrigues (PMDB-BA) apresentou emenda para que

Brasil ainda enfrenta no que tange ao direito de igualdade , certamente, a

Vindo a Repblica de um golpe militar, e depois sobrevindo grandes

Interamericana de Direitos Humanos25 a aprovar uma lei de proteo contra

A homofobia e a transfobia so dados ainda constantes da vida

Outro dado da pesquisa mostra que quando perguntados sobre se

BORRILLO, Daniel. Homofobia: histria e crtica de um preconceito. Belo Horizonte:

LGBT, ou se isso uma questo que deve ser resolvida no mbito

Poderiam ser citados aqui centenas de notcias falando sobre casos

VENTURINI, Gustavo. op. cit., 2009.

9. Travestifobia: Violncia anti-Travestis: 63 casos.33

Roger Raupp Rios lembra que em 2002 cartazes foram espalhados

Em 2011 foi criado o Disque 100 para denncias de violao aos

mesmo vai se tornando mais conhecido.37 Ratificam-se, assim, em dados

3.II.b.1. Inrcia do Legislativo Federal e Aes Isoladas dos Demais

No Brasil no h nenhuma lei federal sequer a tratar diretamente do

, de que a Constituio diz

expressamente que o rol de direitos ali elencados aberto e passvel de

Seguindo a classificao de Roger Raupp Rios no que se refere forma como os

que as proposies tenham sido rejeitadas em votao, como mencionado

Federal rejeitou o projeto em questo: ele simplesmente insiste em no querer

promover arbitrria, desproporcional, atentando contra a

Esquecem-se, no entanto, os crticos, que toda a lei do racismo (na

fazendo tratando de uma violncia que acontece PORQUE a vtima

A Constituio de 1988, por sua vez, dispe em seu art. 5:

VI - inviolvel a liberdade de conscincia e de crena, sendo

Percebe-se que, tanto a liberdade de expresso quanto a