Anais Sem. Internacional 2013 Pronto 2
Anais Sem. Internacional 2013 Pronto 2
Anais Sem. Internacional 2013 Pronto 2
Raquel Paiva
Seminrio Internacional
Comunidade - Mdia - Cidade
Casadinho/Procad
UFG/UFRJ
Goinia
2013
Editores
Conselho Editorial
Ana Carolina Rocha Pessoa Temer, Universidade Federal de Gois (UFG), Faculdade de
Informao e Comunicao (FIC)
Claudomilson Fernandes Braga, Universidade Federal de Gois (UFG), Faculdade de
Informao e Comunicao (FIC)
Daniel Christino, Universidade Federal de Gois (UFG), Faculdade de Informao e
Comunicao (FIC)
Goiamrico Felcio dos Santos, Universidade Federal de Gois (UFG), Faculdade de
Informao e Comunicao (FIC)
Joo de Melo Maricato, Universidade Federal de Gois (UFG), Faculdade de Informao e
Comunicao (FIC)
Lisandro Nogueira, Universidade Federal de Gois (UFG), Faculdade de Informao e
Comunicao (FIC)
Luiz Antonio Signates Freitas, Universidade Federal de Gois (UFG), Faculdade de
Informao e Comunicao (FIC)
Magno Luiz, Universidade Federal de Gois (UFG), Faculdade de Informao e
Comunicao (FIC)
Maria Francisca Nogueira, Universidade Federal de Gois (UFG), Faculdade de Informao
e Comunicao (FIC)
Maria Luisa Mendona, Universidade Federal de Gois (UFG), Faculdade de Informao e
Comunicao (FIC)
Simone Antoniaci Tuzzo, Universidade Federal de Gois (UFG), Faculdade de Informao e
Comunicao (FIC)
Suely Gomes, Universidade Federal de Gois (UFG), Faculdade de Informao e
Comunicao (FIC)
Tiago Mainieri de Oliveira, Universidade Federal de Gois (UFG), Faculdade de
Informao e Comunicao (FIC)
Consultores Cientficos
ISBN 978-85-8083-110-8
Bibliotecria CRB-1/1831
2.
Apresentao
O 1 Seminrio Internacional Rupturas metodolgicas para uma leitura crtica da mdia teve como
tema: COMUNIDADE MIDIA CIDADE : Possibilidades comunitrias na cidade hoje, com
experincias das Cidades do Rio de Janeiro e Gois. O Evento parte integrante da Ao
Transversal n 06/2011 Casadinho/Procad, Processo nmero 552283/2011-8.
O Seminrio foi realizado em Goinia e no Rio de Janeiro em diferentes verses, ao mesmo tempo
em que apresentaram palestras iguais, tambm apresentaram convidados distintos. Alm disso, uma
palestra nunca igual outra, por mais que o contedo e as falas abordem o mesmo texto e as
mesmas pesquisas, o discurso sempre alterado a partir do pblico, das nfases e da abordagem.
Nos dias 8 e 9 de abril de 2013 o evento foi realizado na Universidade Federal de Gois, em
Goinia e nos dias 11 e 12 de Abril de 2013, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Cidade
do Rio de Janeiro.
No primeiro dia foi realizada a conferncia de abertura pelo professor Henry Pierre Jeudy, com o
tema: A comunidade e a cidade. A mediao da mesa foi feita pela Professora Ana Carolina Rocha
Pessa Temer. No segundo dia o Professor Muniz Sodr falou sobre A cidade comum e as novas
formaes do comum na cidade, e os professores Raquel Paiva e Mohamed El Hajji compuseram
uma mesa sobre Mdia locativa, a ocupao pela mobilidade, poltica, estrangeiros. A mediao
da mesa foi feita pela professora Simone Antoniaci Tuzzo. Na Cidade do Rio de Janeiro, essa mesa
foi composta tambm pelos professores Andr Lemos e Eduardo Coutinho.
O evento tambm contou com mesas temticas que contemplaram a apresentao da produo dos
alunos Mestrandos e Doutorandos dos programas de Ps-Graduao em Comunicao da UFG e da
UFRJ. A coordenao das mesas foi feita pelo Professor Tiago Mainieri de Oliveira.O evento
integrou tambm o SEMINRIO LECC Abril, 2013.
Profa. Simone Antoniaci Tuzzo
Profa. Raquel Paiva
Sumrio
COMUNIDADE - MIDIA - CIDADE
MESA 1 - UFG
Mayara Calcio de Sousa e Simone Antoniaci Tuzzo
A INFLUNCIA DO MONOPLIO DIALOGAL DA TELEVISO E DO NVEL
CULTURAL-ESCOLAR DO INDIVDUO PARA A COMPREENSO DA NOTCIA
Luciana Barbosa de Freitas e Simone Antoniaci Tuzzo:
COMUNICAO, EDUCAO E CIDADANIA: DILOGOS POSSVEIS
Elisa Costa Ferreira Rosa e Tiago Mainieri de Oliveira:
A COMUNICAO PBLICA INTERMEDIADA PELA INTERNET E SEUS
INSTRUMENTOS: UM ESTUDO DE CASO DA CONFERNCIA VIRTUAL DA 1
CONSOCIAL
Delfino Curado Adorno e Simone Antoniaci Tuzzo:
CIDADANIA E SADE PBLICA EM GOINIA UMA ANLISE A PARTIR DA
COMUNICAO
Quzia Alcntara e Tiago Mainieri
COMUNICAO PBLICA NA INTERNET E A POSSIBILIDADE DE PARTICIPAO
CIDAD
Luiza Carla Ribeiro e Simone Antoniaci Tuzzo:
RELAES PBLICAS E COMUNICAO PBLICA NO PERODO PS-ELEITORAL
MUNICIPAL
Suzy Meiry Silva e Tiago Mainieri
COMUNICAO E PESQUISA EM COMUNICAO NA AMRICA LATINA E NO
BRASIL
MESA 2 - UFG
Jos Eduardo M. Umbelino Filho e Luiz Signates:
H ALGUM DO OUTRO LADO? UMA ANLISE DA IMAGEM DO PBLICO-LEITOR
NO CAMPO JORNALSTICO
Juliana Junqueira e Magno Medeiros:
COMUNICAO: CONDIO PARA A CONSOLIDAO DA CIDADANIA?
Rani Solarevisky de Jesus e Daniel Christino:
COMUNICAO E MDIAS LOCATIVAS: O LUGAR DO JOGO NA ERA DOS
ESPAOS HBRIDOS
MESA 3 - UFG
Artur Felcio Costa e Lisandro Nogueira
MELODRAMA E PEDAGOGIA MORAL: PIO DO POVO ?
Bruna Vanessa Dantas Ribeiro e Ana Carolina Rocha Pessa Temer
ANLISE DA CONSTRUO E REPRESENTAO DOS PERSONAGENS COM
TRANSTORNOS MENTAIS NAS NOVELAS DA REDE GLOBO (1993, 1997 E 2005)
Douglas Romani e Tiago Mainieri
CIDADANIA NA INTERNET: O QUE E QUANTO CUSTA?
Fabrcio Cordeiro e Lisandro Magalhes Nogueira
A CINEFILIA NO CINEMA CONTEMPORNEO: CONTINUIDADES E RUPTURAS
caro San Carlo Maximo Sampaio e Lisandro Magalhes Nogueira
O OLHAR ENTRE BEM E O MAL NO MELODRAMA: UM ESTUDO SOBRE O MEDO
CONSOME A ALMA
Bernadete Coelho de Sousa Santana e Ana Carolina Rocha Pessoa Temer
TELEVISO E SADE: OS TEMAS LIGADOS QUALIDADE DE VIDA NO JORNAL
ANHANGUERA PRIMEIRA EDIO
Joseane Ribeiro e Maria Luiza Martins de Mendona
CIDADE, AMOR E CULTURA: UM OLHAR CINEMATOGRFICO
MESA 4 - UFG
Luciana Prado e Goiamrico Felcio dos Santos
AS SUBJETIVIDADES E AS IDENTIDADES MLTIPLAS NA ERA DA COMUNICAO
DIGITAL E DAS REDES SOCIAIS.
MESA 5 UFRJ
Alexandra Santo Anastcio
A MODA COMO POSSIBILIDADE DE COMUNICAO COMUNITRIA EM REAS
PERIFRICAS DO RIO DE JANEIRO: COSTURANDO COMUNICAO E
COMUNIDADE
Joo Paulo Malerba
COMUNICAO COMUNITRIA, MDIAS E COMUNIDADES POSSVEIS
Marcello M. Gabbay
NO PEGUEI O ITA!:O RIO DE JANEIRO COMO DISPORA CULTURAL PARA
COMUNIDADES DE ARTISTAS DO NORTE
Zilda Martins Barbosa
DIMENSO COMUNITRIA DAS COTAS NA UERJ: NOVOS VNCULOS
AFIRMATIVOS PARA UMA SOCIEDADE QUE VEM
Eduardo Yuji Yamamoto
A ONTOLOGIA ORIGINRIA DA COMUNIDADE E SUA INTERSECO
COMUNICACIONAL
Lilian Saback
UNIDADE DE POLCIA PACIFICADORA (UPP) PROMOO DE MOBILIDADE
SOCIAL E CONSTITUIO DE NOVOS COMUNICADORES COMUNITRIOS
Renata Souza
RIO DE PACIFICAO: PAZ OU DOMESTICAO COMUNITRIA?
Mesa 1:
Mayara Calcio de Sousa Coimbra jornalista formada pela Faculdade de Comunicao e Biblioteconomia Facomb da
Universidade Federal de Gois UFG, mestranda do Programa de Ps-Graduao da Faculdade de Comunicao e Biblioteconomia
FACOMB, da Universidade Federal de Gois UFG. E-mail: may_calacio@hotmail.com
2
Simone Antoniaci Tuzzo, Doutora em Comunicao pela Universidade Federal de Gois, Professora Efetiva do PPGCOM UFG.
Professora Orientadora. E-mail: simonetuzzo@hotmail.com
dando o valor merecido a essa relao, tal mdia se comporta como se fosse um meio atingvel a
todos, quando no embute em si mesmo o poder de reunir os diferentes grupos sociais e culturais.
[...] gera um tipo de unidade narrativa que, segundo se presume, tranquiliza a conscincia do
indivduo seguro em face da disperso humana na grande cidade, da vicissitude dos
acontecimentos, da condio precria da identidade no espao urbano, do desconhecimento
das causas, da incidncia trgica do acaso. Essa oblqua exigncia de tranquilizao preside
regra tcnica do texto jornalstico de no se abordar os assuntos de forma negativa ou
duvidosa escrever que o fumo faz mal sade seria mais adequado do que dizer que no
existem provas de seus efeitos nocivos (SODR, 1996, p.85).
Do outro, encontramos receptores dos quais o perfil cultural e escolar limitam ou expandem o
potencial de compreenso da notcia. E cultura, segundo Sodr (1996, p. 85), :
Cultura aqui o conjunto dos instrumentos de que dispe a mediao simblica (lngua, leis,
cincias, artes, mitos) para permitir ao indivduo ou ao grupo a abordagem do real. Os
instrumentos ditos culturais so equipamentos coletivos ou grupais, postos disposio de
todos.
Estudos sobre a conscincia do receptor mostram que as mensagens da mdia podem ser passadas
de forma homognea, mas o pblico que as recebe sempre ser heterogneo e carregado de valores.
Por isso, o ndice principal para medir os efeitos no pode ser a quantidade de consumo e
de ateno prestada comunicao de massa: necessrio possuir alguma medida a respeito do
contedo e significado do que se expe (WOLF, 2008, p. 140).
A televiso, por ser um mass media, reflete ainda mais essa dicotomia, e mesmo com tanto poder
comunicacional, acolhendo inclusive os analfabetos, no preenche totalmente a necessidade social
da informao para uma maioria despreparada escolar e culturalmente, j que a esttica da mdia
eletrnica, dependente de interesses empresariais ou publicitrios, e no se compromete com a vida
social ativa, com a diferenciao territorial ou com a poltica como projeto coletivo (SODR,
1996, p. 96).
O fato que o dilogo necessrio para a existncia da comunicao bombardeado pelas facetas de
um meio de comunicao que abolindo, por um lado, a distncia geogrfica entre o acontecimento e
o espectador, promove, duplamente, o afastamento do receptor, ora pela relao unilateral entre
emissor e receptor, ora pela distncia cognoscitiva do contedo noticioso. Esse monoplio da fala
s refora tese de impossibilidade de reposta e erige um poder absoluto, indito na Histria: a
hegemonia tecnolgica do falante sobre o ouvinte (SODR 1985, p.26).
Se comunicao dilogo, estmulo e resposta, a televiso pode se encontrar, certas vezes, no
limite do conceito. Quem defende a ideia de que a tev no faz comunicao diz-se que porque ela
exprime uma relao unilateral entre os envolvidos, no dando a chance de dilogo ou resposta por
parte do emissor.
Pela Teoria da Informao [...] praticamente absoluto o poder de quem fala sobre quem ouve,
pois, na relao instituda pelos modernos meios de informao, falar um ato unilateral. Sua regra
de ouro silenciar ou manter distncia o interlocutor (SODR, 1985, p.25).
Por outro lado, quem defende a ideia de que sim, na televiso existe o dilogo, utiliza-se da tese de
que qualquer modificao no comportamento do receptor, incorporao da notcia vida, uma
resposta e, consequentemente, um dilogo entre os envolvidos.
Para Thompson (1998, p.31):
A recepo dos produtos da mdia no um processo sem problemas, acrticos, tampouco
so absorvidos pelos indivduos como uma esponja absorve gua. A atividade de recepo se
constitui em maneiras complexas pelas quais os produtos da mdia so recebidos pelos
indivduos, interpretados por eles e incorporados em suas vidas.
Em ambos os lados, a interpretao do processo comunicativo da televiso como dilogo encontrase no limite de tal conceito porque, como visto, o primeiro nem cogita uma hiptese de dilogo ou
de resposta, e o segundo depara-se com a possibilidade de a comunicao falhar no meio do
processo, quando o receptor sequer entende a informao.
A informao, quando assimilada adequadamente, capaz de produz conhecimento e modificar o
estoque mental de informao no indivduo. E a genialidade da comunicao est justamente na
O Reflexo Da Aliana Com A Classe Mdia Estudada Nas Notcias Dos Telejornais
Sinteticamente, o monoplio excludente da fala televisiva neutraliza as possibilidades de expresso
popular e exclui ainda mais os afastados do centro urbano. Talvez a expresso no fosse menos
favorecidos, mas outra que fizesse oposio classe mdia educada e modernizada, pblico pelo
qual a televiso sempre se dedicou.
Isso fica cada vez mais claro quando damos voz s tentativas cotidianas desse medium em impedir
qualquer continuidade institucional ao nvel da cultura popular (SODR, 1984, p.130). Segundo
o mesmo autor, quando os valores culturais alternativos conseguem uma brecha para apresentaes,
so anunciados na forma de clich extico-pitorescos.
Como resultado de um avano urbano-industrial, a televiso no pensaria em outra coisa, a no ser
no fortalecimento da prpria classe que a criou. O fato de que a classe baixa dos no-estudados
no tenha voz nesse medium no to preocupante quanto o fato que eles sequer possuem ouvidos
para entender o que se diz, como insiste Sodr (1984, p.132):
nessa consequncia, no mnimo triste, em que a televiso cria seu prprio cdigo, mas com a
ideologia urbano-industrial que mora o problema educacional. Educao tem a ver com
possibilidades de aprendizados, ou apenas possibilidades, o que alguns, para no dizer muitos,
brasileiros no tiveram e no tm.
O que se tem feito pelo sistema de televiso uma imposio ideolgica de um universo a ser
atingido ou imitado por todos (SODR, 1984, p.133). E nesse processo, o ato comunicativo, o da
troca, no acontece:
[...] A verdadeira comunicao implica na comunho ou uma troca flexvel de ideias, formas
de vida e de aspiraes. Mas a moderna tecnologia da informao dissolve a espontaneidade
da troca comunicacional, artificializando-a, unilateralizando-a, a servio de uma cultura que
no tolera a sua diferena; O projeto ideolgico do sistema informativo produzir um vasto
efeito de espelho da ordem produtiva ao nvel das conscincias (SODR, 1984, p.134)
No Brasil dos anos 09, especialmente aps a elevao de consumo dos primeiros anos do
Plano Real (1994), praticamente dobrou o nmero de aparelhos de tevs, uma vez que,
naquele perodo, cerca de 6,3 milhes de domiclios receberam pela primeira vez o seu
receptor. De modo parecido ao que havia ocorrido na segunda metade dos anos 60, depois do
II Plano Nacional de Desenvolvimento (II-PND), constituiu-se perto da virada do milnio
uma camada nova de telespectadores, muito pouco alfabetizada e vida de diverso barata
(SODR, Muniz; PAIVA, Raquel, 2002, p.128).
Parece no haver muita sada para os pouco escolarizados quando entendemos, assim como Sodr
(2002, p.130), que os padres de comunicao possuem dois lados: o de qualidade, ou seja,
esteticamente clean, bem comportado em termos morais e visuais e sempre fingindo jogar do lado
da cultura, e o do grotesco, em que se desenvolvem as estratgias mais agressivas pela
hegemonia de audincia.
A falta de sada que a cultura na qual a televiso se apoia, embora com o discurso contrrio, pouco
tem a ver com as populares alternativas, cujas comunidades abrigam, muitas vezes, aqueles que
tiveram pouca chance de avanar no conhecimento escolar. E o grotesco, tambm embora com o
discurso apelativo para o ridculo, mas atrativo, engana o telespectador no objetivo de colocar todos
num mesmo grupo.
A vantagem que o conhecimento formal pode dar ao telespectador estudada por Lins da Silva
(1985), em sua tese de doutorado, na qual discute a audincia do Jornal Nacional da Rede Globo, e
afirma que o conhecimento pessoal dos assuntos tratados no vdeo faz com que o telespectador
apresente um senso crtico mais elaborado em relao TV no que se refere a um assunto
especfico.
Tambm Melo (2009), ao ser questionado sobre a possibilidade de os meios e suas mensagens
construrem uma sociedade mais crtica, diz que o resultado ir depender do cidado. Quanto mais
bem educados eles forem, mais elevados sero os padres cognitivos e a inapetncia dos cidados
comuns para demandar qualidade nos produtos miditicos.
Pela voz de Barros Filho e Bartolozzi (1995, p.223):
[...] o senso comum e alguns comuniclogos miditicos afirmam que a mdia socializa o
conhecimento. O fato de a recepo, sobretudo televisiva, se dar de forma intensa em todos
os nveis sociais serve de argumento para que se acredite na tese homogeneizadora da
veiculao informativa. No entanto, as pesquisas realizadas sobre os efeitos da recepo
informativa mostram o contrrio. Os grupos de maior capital cultural, que ocupam os nveis
mais altos na escala socioeconmica, apresentam uma absoro da informao sempre
superior aos grupos de nvel de instruo inferior. A distncia de conhecimento entre esses
grupos em vez de diminuir, aumenta. Os meios de comunicao servem como instrumento
de reproduo das desigualdades culturais.
Mas deve-se levar em considerao que, apesar de a televiso, cansativamente, tentar uma
comunicao hegemnica nociva, o maior problema est no discurso contrrio a isso tudo: o de que
a televiso o medium de mais fcil comunicao, acessvel a todos. O ponto crtico pode estar na
enorme diferena entre acesso ao discurso e compreenso do discurso.
Os padres cognitivos e o papel da educao escolar so discutidos h sculos. Isso porque a escola
no um instrumento estranho sociedade, um elemento separado, tanto que se tornou uma
instituio social. Toda a estrutura do plano educacional tem como objetivo maior o
desenvolvimento do ser humano, em todas as reas.
A escola deve levar formao da personalidade integral do aluno e ao desenvolvimento de
suas faculdades produtoras e de seu poder criador, pela aplicao, na escola, para a aquisio
ativa de conhecimentos, dos mesmos mtodos (observao, pesquisa e experincia), que
segue o esprito maduro nas investigaes cientficas (TEIXEIRA, 1932, pg. 59).
O conceito de prtica escolar est intimamente ligado a filosofia de cada poca. Mas quase
unanimidade entre elas que a prtica escolar muito mais do que a transmisso de um
conhecimento cientfico. Apesar de levar esse aspecto em considerao, no se pode deixar de
assumir que a escola ainda a maior responsvel pela aquisio de conhecimentos lgicos e
especficos, estes parecerem indispensveis para a compreenso do cdigo hegemnico e
excludente que a prpria televiso criou.
Na sociedade midiatizada de hoje, a televiso, enquanto mdia hegemnica, tende a instituirse como esse corpo grupal, reinterpretando semioticamente determinados discursos do
senso comum e tornando-se, por fora do mercado de consumo, mais assimilvel pelo pbico
do que verdadeiramente comunicativa (SODR, Muniz; PAIVA, Raquel, 2002, p.131).
Consideraes Finais
As notcias televisivas tm uma funo bastante significativa na vida do indivduo inserido em
sociedade. Como dito, so as notcias que fazem com que estes se sintam inseridos no mundo. Da,
tambm, a importncia de se compreender os cdigos da telenotcia que, mais atualmente do que
nunca, tm se mostrado distante de uma parcela da populao dita como despreparada escolar e
culturalmente.
Para entender a responsabilidade da tev de se fazer compreendida e do telespectador em
compreender, este artigo buscou analisar a influncia do direcionamento partidrio-cultural do
dilogo da televiso e do nvel cultural-escolar para a (in) compreenso da notcia.
Para se chegar a tais objetivos, utilizou-se da pesquisa bibliogrfica na obra de Muniz Sodr, onde,
por seus estudos, fica clara a relao monopolstica da televiso que favorece a classe mdia da
sociedade, excluindo ainda mais aqueles j geograficamente afastados, chamados de indivduos do
interior agrrio.
Esse potencial revelador e excludente da televiso sob aqueles de nvel cultural diferente do urbanoindustrial, tem como consequncia a falta de compreenso das notcias transmitidas, o que faz com
que a necessidade social da informao no seja suprida.
Isso porque os telejornais, assim como toda a programao da televiso, so guiados por um sistema
capitalista lucrativo, cujas orientaes advm do mercado, e no da prpria necessidade de suprir a
demanda da informao bem compreendida.
No podendo apenas colocar a culpa na qualidade mercadolgica dos telejornais, Muniz Sodr
acaba por lembrar que o maior problema da televiso como um meio de comunicao universal
o cdigo criado pela prpria televiso, j que este se apresenta de forma hegemnica e com o
objetivo de ser imitado, no levando em considerao as caractersticas do sistema de recepo de
contedo, que se esquece do pblico discrepante que est do outro lado do prompter.
Esse cdigo torna-se ainda mais exigente para determinados pblicos porque se escondem detrs do
objetivo de televiso para entretenimento, beirando o grotesco, estudado por Sodr e Raquel Paiva
(2002)
Como tambm dito por Barros Filho (1995) os grupos de maior capital cultural, que ocupam os
nveis mais altos na escala socioeconmica, apresentam uma absoro da informao sempre
superior aos grupos de nvel de instruo inferior.
Mas a reflexo apresentada por esse artigo mostra que h uma possibilidade de que talvez no seja o
telespectador inapto compreenso da notcia por causa do seu baixo nvel de escolaridade, mas a
televiso, pelo seu baixo potencial para se fazer compreendida, e pelo seu alto potencial em excluir
o pblico em questo, assim como faz com a cultura popular.
Referncias Bibliogrficas
BARROS FILHO, Clovis de; BARTOLOZZI, Pedro Lozano. tica na comunicao: da informao ao
receptor. So Paulo: Moderna, 1995. 239 p., il. Apoio cultural: O Estado de So Paulo.
MELO, Jos Marques de. Jornalismo, Forma e Contedo. So Caetano do Sul, SP: Difuso, 2009.
SILVA, Carlos Eduardo Lins da. Muito alm do Jardim Botnico: um estudo sobre a audincia do Jornal
Nacional da Globo entre trabalhadores. So Paulo. Summus, 1985.
SODR, MUNIZ. Reinventando a Cultura: a comunicao e seus produtos. Petrpolis, RJ: Vozes, 1996.
______________. O Monoplio da Fala: funo e linguagem da televiso no Brasil. Petrpolis, RJ: Vozes,
1984.
TEIXEIRA, Ansio. A reconstruo Educacional no Brasil: ao povo e ao governo: manifesto dos pioneiros
da educao nova. So Paulo: Ed. Nacional, 1932.
THOMPSON, John B. A mdia e a modernidade: uma teoria social da mdia. Traduo de Wagner de
Oliveira Brando; reviso de traduo Leonardo Avritzer Petrpolis, RJ. Vozes, 1998.
WOLF, Mauro. Teorias das Comunicaes de Massa. So Paulo: Martins Fontes, 2008.
Resumo
A comunicao dilogo, e sem dvida algo inerente vida humana. No presente trabalho
procurou-se compreender como ela acontece nos espaos educativos, na busca por investigar as
realidades e iluses no dilogo entre os saberes Comunicao e Educao. Sabe-se que estes saberes
no so os nicos a contribuirem com a tansformao da sociedade. Porm, acredita-se que eles
podem contribuir sobremaneira com a construo e exerccio da cidadania.
Palavras-chave
Comunicao; Cidadania; Educao; Direitos Humanos
Introduo
Luciana Barbosa de Freitas, Pedagoga, Especialista em Mtodos e Tcnicas de Ensino, Psicopedagoga. Mestranda do PPGCOM
UFG da Faculdade de Comunicao e Biblioteconomia Universidade Federal de Gois. E-mail: lubfreitasgoias@yahoo.com.br.
5
Simone Antoniaci Tuzzo, Doutora em Comunicao pela Universidade Federal de Gois, Professora Efetiva do PPGCOM UFG.
Professora Orientadora. E-mail: simonetuzzo@hotmail.com.
Contemporaneidade
das redes sociais, dos celulares, dos e-mails, dos chats, das teleconferncias, das vdeosconferncias, das webconferncias, etc.
Toschi (2011, p. 2) acredita que a comunicao para os seres humanos fundamental,
conforme explicita no texto abaixo:
No se vive sem comunicao. A comunicao to importante na vida humana, como o
ar que respiramos. No vivemos sem ar, mas no temos conscincia permanente da sua
importncia, de que o oxignio vital para nossa vida. S sentimos falta dele quando ele nos
falta. O mesmo ocorre com a comunicao. No do ponto de vista biolgico e individual,
como o ato de respirar. Mas somos seres sociais que somos, a comunicao impe-se como
ato fundamental no processo social. Somos comunicativos por natureza e por necessidade.
Neste sentido, possvel que as escolas, pblicas ou privadas, possam servir de locus
viabilizador, alm da construo do conhecimento, tambm de espaos de incluso digital e
socializao humana, o que ampliaria em larga escala as possibilidades de minimizar a apartheid
digital.
notria a importncia das Tecnologias da Informao e Comunicao na formao da
sociedade miditica. No d para ignorar as ferramentas digitais, os novos espaos comunicativos
surgidos a partir da Sociedade Contempornea. perceptvel a necessidade de quebra de
paradigmas com vistas incluso social e digital da sociedade, principalmente, da educao escolar
que ainda vivencia concepes do sculo XIX, com professores nascidos no sculo XX e alunos
nativos digitais do sculo XXI.
Viver nesses tempos modernos viver numa nova concepo de sociedade. importante
aprender a linguagem da sociedade miditica, de modo no linear, entendendo que as redes, as
conexes, so fundamentais para ampliar horizontes e crescer constantemente como indivduo e,
consequentemente, como sociedade.
Notadamente sabido que muita coisa j vem sendo experimentada no sentido de ampliar
olhares para esta questo. Entretanto falta talvez uma expanso e dedicao maior por parte dos
governantes e da sociedade civil como um todo. Neste sentido, o presente texto tem por objetivo
compreender os caminhos da cidadania e dos direitos humanos percorridos h algum tempo, at a
presente sociedade.
Assim, este captulo se prope investigar como se constitui a cidadania e os direitos
humanos luz da Comunicao e de que maneira a Educao tem contribudo como colaboradora
de espaos formativos, objetivando analisar o que tem sido feito, bem como apontar possveis
caminhos para uma efetivao da compreenso dos direitos do cidado na sociedade atual.
Sabe-se que o cidado do mundo tem enormes desafios. Um deles diz respeito ao seu
prprio lugar no mundo. O que se sabe que so tantos aparatos tecnolgicos para identifica-lo
como os chips, as cmeras de segurana com suas imagens registradas, enfim uma invaso de
privacidade ou questo de segurana que j no se sabe mais aonde comea e aonde termina tudo
isso, se que termina. E seu lugar no mundo acaba sendo qualquer canto.
Portanto, a DUDH criada no sculo passado visando paz mundial, a concepo de
cidadania vivenciada (outorgada ou negada) pelo cidado na sociedade atual e as expectativas dos
avanos tecnolgicos vivenciados diariamente so partes integrantes da concepo do homem
contemporneo.
Ser cidado pleno de direitos o ideal de grande parte dos indivduos da sociedade desde h
muito tempo. J foram muitas conquistas, no se pode negar que nos ltimos cem anos muito se tem
feito com vistas a alcanar este iderio.
Sabe-se que para muitos habitantes do planeta ainda falta muito. Assim, esse desejo de
cidadania plena por vezes parece um tanto utpico. preciso avanar mais, sair dos documentos
assinados e acordos internacionais, sair do desejo e das regras e convenes da sociedade. preciso
mais!
preciso investimentos financeiros, polticas pblicas e programas educacionais factveis.
Faz-se necessria uma formao plena do indivduo que contemple a vida, que o qualifique para
viver em harmonia consigo mesmo, com os outros, com a natureza e com as tecnologias. A
Comunicao e a Educao, no somente, mas principalmente, podem contribuir sobremaneira com
a formao do indivduo pleno nesta Sociedade Miditica.
A Educao no contexto miditico tem um grande desafio. A nova gerao, dos chamados
nativos digitais, precisa estar preparada para atuar neste contexto. So novos elementos que alteram
dinmicas sociais, culturais e econmicas. O que gera dilogo diferenciado entre professor e
educando. Segundo o educador e pesquisador Prensky (2001)
Nossos alunos mudaram radicalmente. Os alunos de hoje no so os mesmos para os quais o
nosso sistema educacional foi criado. Os alunos de hoje no mudaram apenas em termos de
avano em relao aos do passado, nem simplesmente mudaram suas grias, roupas, enfeites
corporais, ou estilos, como aconteceu entre as geraes anteriores. Aconteceu uma grande
descontinuidade [] Como deveramos chamar estes novos alunos de hoje? [] a
denominao mais utilizada que eu encontrei para eles Nativos Digitais. Nossos estudantes
de hoje so todos falantes nativos da linguagem digital dos computadores, vdeo games e
internet. (PRENSKY, 2001, p. 1)
Ouvir o professor e estudar para a prova era fundamental para aprender: isso antes das
tecnologias invadirem a vida de todos ns. Na Escola do sculo XXI isso muda completamente,
uma vez que o contato com o computador/Internet, por exemplo, pode mudar o jeito de pensarmos e
agirmos.
Transformar a realidade do sujeito e da sociedade em que vive vai alm de, to somente,
aprender a usar as tecnologias disponveis. A Comunicao tem contribuies fundamentais para
maximizar a qualidade do trabalho educativo. importante que se tenha ateno a outras situaes:
to quanto importantes de serem pensadas e inseridas neste novo paradigma.
Os dispositivos eletrnicos e tecnolgicos evoluem, desenvolvendo e se popularizando.
Fazer uso com criatividade e competncia dos contedos miditicos no so tarefas fceis para os
tais nativos digitais. A escola e o professor so cada vez mais necessrios na formao do educando.
O papel do professor ganhou mais peso neste contexto. A escola deve favorecer ao educando essa
aprendizagem de modo colaborativo e contextualizado.
A criatividade pode surgir da troca de experincias e preciso criar condies para novos
espaos criativos; e para os novos aparatos tecnolgicos que vo surgindo a cada instante. preciso
uma integrao destas tecnologias ao fazer pedaggico. So tantos novos recursos e novas
tendncias que preciso estar atento a tudo visando construo de novos conhecimentos.
No se pode negar a possiblidade da Educao de contribuir para uma mudana de
concepo de uma sociedade. Principalmente, aliada s possibilidades da Comunicao em
oportunizar ao homem interaes diversas na sociedade contempornea, o que as tornam-se
indispensveis, juntas, na formao do indivduo e em sua transformao social.
Portanto, ambas, Educao e Comunicao, na Sociedade Miditica, tm o poder de apontar
novos caminhos com vistas formao do cidado no contexto atual. Resta saber se todas essas
possibilidades apontadas esto de fato acontecendo, por exemplo, no dia-a-dia da Escola, na vida
dos educandos.
Ser que tudo isso acontece na prtica educativa atual? Vivenciamos os novos aparatos
tecnolgicos e comunicacionais nas Escolas de modo lcito visando favorecer a formao do
educando? As Escolas esto de fato vivenciando toda esta concepo e quebra de paradigmas
apontados pela Sociedade Miditica?
Consideraes Finais
Referncias
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Resumo
A 1 Consocial trouxe para a sociedade civil a possibilidade de participao de levar suas propostas
ao Estado (sem o intermdio dos representantes) daquilo que ela mesma considera ser fundamental
para ser modificado ou implementado nas polticas pblicas. Partindo de conceitos de Cidadania e
Democracia, a Conferncia Virtual foi escolhida como recorte do objeto de estudo, onde ser
analisado o processo de deliberao das propostas escolhidas, concretizando o processo de
comunicao pblica, utilizando a internet e suas ferramentas.
Palavras-chave
Comunicao Pblica; 1 Consocial; Conferncia Virtual; Democracia.
Introduo
O artigo 5 da Constituio Federal, no inciso XIV, afirma que assegurado a todos o direito
informao. O artigo 37 da mesma carta resguarda ainda que a administrao pblica direta e
indireta tem por dever obedecer, dentre outros, o princpio da publicidade preceito central para a
transparncia dos atos e fatos administrativos. Fazer cumprir estes mandamentos da Constituio ,
acima de tudo, exercer um direito fundamental do cidado. Adquirir uma informao aos
componentes da sociedade civil algo positivado pelas leis, e pode ser um caminho rduo.
a partir do acesso s informaes provenientes do Estado que os cidados podem dialogar
de maneira correta, ou seja, o Estado passa informaes corretas e completas para o cidado e este,
d um retorno a partir do que foi transmitido, completando assim, o processo afirmado pelo agir
comunicativo de Habermas.
Entender processos comunicativos entre Estado e sociedade civil pode ser uma forma de
propor eventuais solues, minimizar conflitos sociais e inseguranas jurdicas advindas de
situaes de ruptura que agridem o ambiente social. Este projeto de pesquisa se insere nos estudos
contemporneos da Comunicao Pblica, que a relao de dilogo do Estado com a sociedade
civil, neste caso especificamente por meio da internet e suas ferramentas de comunicao. Sendo
assim, o propsito do trabalho almeja entender processo de deliberao na etapa virtual da 1
Conferncia Nacional Sobre Controle e Transparncia Social.
Dentro desta perspectiva atual da sociedade brasileira, que aspira por mudanas e deseja
participar da gesto do Estado, surgiu a 1 Consocial, - Conferncia Nacional de Controle e
Transparncia Social, evento promovida pela Controladoria Geral da Unio (CGU) cujo principal
objetivo promover a transparncia pblica e estimular a participao da sociedade no
acompanhamento e controle da gesto pblica, contribuindo para um controle social mais efetivo e
democrtico.
A 1 Consocial um modelo de uma resposta da sociedade civil para o Estado, diante das
informaes obtidas. Usando a internet como recurso de comunicao que ultrapassa as barreiras
geogrficas, um meio de alcanar uma parcela da populao que no poderia estar fisicamente
presente na conferncia, foi a etapa virtual. Este foi o recorte feito para entender como a internet
contribui para a Comunicao Pblica por meio da internet e de suas ferramentas.
alcanar era a participao na vida pblica. Contudo, este modelo de democracia ainda incipiente,
do qual a maior parte da populao estava excluda, foi ponto de partida para desenvolvimentos
posteriores. (MIRANDA, 2002)
A democracia grega, naturalmente, diferente do modelo atual que vigora nos pases
considerados democrticos, pois a atuao dos cidados nas decises polticas era feita de forma
direta, enquanto agora exercida a democracia representativa. neste modelo de democracia
representativa que a pesquisa se apoia para entender as interfaces entre cidadania e comunicao
pblica.
No estado democrtico de direito o ponto primordial a participao do povo nos negcios
do Estado. E mesmo com esse direito resguardado, a cidadania no efetivada nos moldes
garantidos pela Constituio, pois muitos indivduos no so capazes de se articularem para as lutas
pelos direitos, seja por desconhecimento desses direitos, falta de oportunidade de participao na
esfera pblica ou mesmo por inabilidade.
O primeiro processo de articulao da sociedade civil na busca da conquista dos direitos
teve seu incio na poca da formao das esferas pblicas burguesas, onde os intelectuais aspiraram
por uma nova espcie de governo. Os burgueses desejavam participar efetivamente da
administrao pblica, pois embora tivessem o domnio econmico, no tinham o poder poltico
(HABERMAS, 1984). Nessa poca, surgem os chamados direitos de primeira gerao, listados por
Marshall. Segundo Vieira (1997), os direitos de primeira gerao so os direitos civis (os direitos
individuais de liberdade, igualdade, propriedade, vida, segurana) e os direitos polticos (liberdade
de associao e reunio, organizao poltica e sindical, participao poltica e eleitoral). Dessa
forma, percebe-se que a efetivao da cidadania sempre esteve ligada conquista dos direitos.
A partir dessa conquista, surgem os direitos de segunda gerao, impetrados no sculo XX
como herana das lutas sociais, principalmente na Europa. Esses direitos esto relacionados aos
direitos sociais (direitos individuais de trabalho, sade, educao, aposentadoria, seguro
desemprego). Enfim, uma cobrana maior do Estado para a garantia de bem-estar social (KUNSCH,
2005).
Cidadania, ento, adquire a dimenso de uma relao poltica e dialgica/comunicativa entre
os membros das esferas administrativas e das esferas que integram a sociedade civil. De acordo com
Marshall (1967), a cidadania composta por trs componentes: parte civil, ligada aos direitos da
liberdade individual; parte poltica, relativa ao direito de participao poltica, e parte social, que vai
desde o bem-estar econmico at a chamada herana social.
Fundamentos da Comunicao Pblica
O conceito de Comunicao Pblica ainda novo e possui diversos conceitos, devido aos
diferentes pontos de vista nos qual abordada. Elizabete Brando e Jorge Duarte, dois
pesquisadores de referncia no assunto trazem conceitos que se aplicam definio buscada por
este objeto de pesquisa.
Brando traz vrios olhares para a Comunicao Pblica e uma delas est relacionada com
estratgias de comunicao da sociedade civil organizada. A evoluo da democracia para o modelo
que conhecemos atualmente trouxe para a sociedade civil o desejo de ter voz ativa frente aos meios
de comunicao, construindo, dessa forma, outro conceito para a comunicao pblica, ou seja, a
prtica da comunicao a partir da conscincia de que as responsabilidades pblicas no so
exclusivas dos governos, mas de toda a sociedade. (BRANDO, 2009, p. 7)
O outro conceito est relacionado comunicao pblica enquanto comunicao do Estado
e/ou governamental. Nessa concepo, entende-se que dever do Estado e do governo manter uma
comunicao de via de mo dupla com seus cidados. Nesse sentido, pode ser interpretada como
comunicao pblica, enquanto for um meio de se organizar uma agenda pblica e de direcionar o
trabalho para a prestao de contas, divulgao de aes sociais, enfim, toda ao e atividade que
promova o debate pblico.
Duarte (2011), afirma que a comunicao pblica tem origem na comunicao
governamental, sendo a sua evoluo condicionada transformao da sociedade. Para o autor, a
comunicao pblica acontece no espao formado pelos fluxos de informao e de interao entre
agentes pblicos e atores sociais (governo, Estado e sociedade civil) em temas de interesse pblico.
Ela trata de compartilhamento, negociaes, conflitos e acordos para que os interesses pblicos
possam ser atendidos.
Dagnino (2002) afirma que a maior expresso do dilogo entre a sociedade civil e o Estado
a democracia. Pelo ngulo da dinmica da sociedade, os direitos estabelecem, antes de mais nada,
ao modo como as relaes sociais se estruturam. Os direitos atuam como princpios reguladores das
prticas sociais, definindo as regras das reciprocidades esperadas na vida em sociedade por meio
das atribuies mutuamente acordadas das obrigaes e responsabilidades de cada um. Como meio
de sociabilidade e regra de reciprocidade, os direitos constroem vnculos civis entre os indivduos,
grupos e classes. Dessa forma, lgico pensar que se tudo isso passa por uma ordem legal e
institucional, depende de uma cultura pblica e democrtica que esteja aberta ao reconhecimento da
legitimidade dos conflitos e dos direitos demandados como exigncia de cidadania (TELLES,
1999).
Assim, a comunicao pblica est diretamente relacionada interao e ao fluxo
comunicacional com assuntos que tenham relevncia para a sociedade. Ela tem abrangncia em
tudo o que est ligado ao Estado, ao governo, s empresas pblicas, sociedades de economia mista,
terceiro setor e demais lugares onde esto aplicados recursos pblicos.
Desse modo, acredita-se em uma comunicao pblica que amplia as possibilidades de
debate acerca dos assuntos de interesse coletivo da sociedade, que contribui com o processo de
deliberao. Uma comunicao pblica que traz o cidado, o Estado e a sociedade civil para um
amplo dilogo em prol da coletividade.
A comunicao pblica e a esfera pblica so conceitos que se entrelaam. Habermas em
sua obra Mudana Estrutural da Esfera Pblica, analisa a sociedade burguesa a partir do
desenvolvimento da esfera pblica, que foi essencial para que a burguesia conquistasse o poder
poltico.
Segundo o filsofo, os burgueses criaram espaos de discusso que normalmente em sales
e cafs, onde se encontravam para debater assuntos que faziam parte do interesse da classe
burguesa. Quando essa classe burguesa derruba a monarquia e chega ao poder passa a existir a
ligao entre esfera pblica e esfera estatal. Assim, a esfera pblica se torna um princpio
organizacional do nosso ordenamento jurdico (HABERMAS, 1984, p. 16), sendo uma das mais
importantes classes para o entendimento da sociedade contempornea, quando se pensa em Estado
Democrtico de Direito.
Para se garantir uma democracia de fato, necessrio que haja dilogo entre os membros da
sociedade civil, como afirma Habermas. A comunicao pblica existe quando h o dilogo de
questes atinentes ao interesse pblico, com a participao de toda a sociedade na consolidao da
democracia e no exerccio pleno da cidadania.
O autor consegue analisar de maneira profunda e holstica a maneira como a democracia
atua (HABERMAS, 1981, 1992). O filsofo se baseia nas condies comunicativas nas quais pode
ocorrer uma formao da vontade e da opinio de um pblico formado pelos cidados. Atribui
opinio pblica a funo de legitimar o domnio poltico por meio de um processo consciente de
comunicao amparado na racionalidade. O filsofo no separa o conceito de poltica do conceito
de comunicao cotidiana: para ele ambas so a mesma coisa. Dessa forma, Habermas acredita que
a comunicao uma maneira de garantir a democracia, ou seja, uma maneira de conseguir se
chegar a um acordo diante do consenso de decises coletivas.
Assim sendo, da concordncia entre as partes que se dialogam surge a ao comunicativa,
que um interesse em que haja um entendimento mtuo para que no exista falha no dilogo e,
consequentemente, que o entendimento cognitivo e subjetivo no seja prejudicado. Dessa forma,
analisada a capacidade dos cidados de discutir seus desejos e necessidades de forma que seja
formada verdadeiramente uma opinio pblica. Ou seja, verificar se a democracia, por meio da
validade das normas proveniente de uma discusso vinda da sociedade.
Lei de Acesso Informao A Positivao do direito ao dilogo
A informao que est sob a administrao do Estado sempre pblica, sendo o acesso
barrado somente em alguns casos nos termos da Constituio Federal. O acesso a tais informaes
est dentro dos preceitos fundamentais para a concretizao da democracia.
O cidado bem informado consegue com maior facilidade garantir e efetivar os outros
direitos sociais positivados na Constituio como direito vida, sade, educao e moradia,
por exemplo. Por isso o acesso informao pblica tem sido alvo de diversos rgos
internacionais que tratam de direitos humanos como UNESCO (Organizao das Naes Unidas
para a educao, a cincia e a cultura) e ONU (Organizao das Naes Unidas). E o Brasil,
enquanto pas que politicamente tem como fundamento a prevalncia dos direitos humanos tem
buscado a concretizao de tais princpios.
A Constituio Federal de 1988, marco na sociedade brasileira, promulgada aps um longo
perodo de ditadura militar abrangeu diversos aspectos sociais, reflexo de um povo que almejava
por uma mudana estrutural nas polticas pblicas. O perodo ditatorial, pelo qual a nao brasileira
passou, no permitia nenhum tipo de acesso s informaes pblicas.
Dentro de um Estado Democrtico de Direito existem duas vertentes que esto
permanentemente em choque: primeiro o poder necessrio para o cumprimento dos interesses
pblicos e em segundo lugar o limite do poder. Essa tenso fundamental para disciplinar o direito
a informao como um limite que afirma que a informao no poder do que governa, mas algo
que pertence aos cidados.
E, justamente no sentido de regulamentar tais direitos, de trazer essa tenso tona e com o
intuito de consolidar uma democracia efetiva, foi criada a Lei de acesso Informao. Embora o
acesso informao pblica, a publicidade dos atos administrativos e o acesso aos documentos
governamentais j estivessem positivados pela Constituio Federal, faltava uma legislao
especfica que a regularizasse e providenciasse como obter tais acessos, por meio de uma lei
complementar, baseada nos artigos 5, 37 e 216 da Constituio.
A Lei n 12.527, foi sancionada em 18 de novembro de 2011, pela Presidenta da Repblica
do Brasil, Dilma Roussef, com objetivo de regulamentar o direito constitucional de acesso dos
cidados s informaes pblicas. A lei passou a ser vigente desde o dia 16 de maio de 2012. Sua
sano representou mais um importante passo para a consolidao do regime democrtico brasileiro
e para o fortalecimento das polticas de transparncia pblica. A Lei estabelece que o acesso
informao pblica seja direito de todo o cidado. No sentido de garantir a efetividade da lei, est
prevista a responsabilizao para os agentes pblicos que negarem indevidamente a entrega das
informaes para o cidado. Contudo, caso haja riscos para a segurana da sociedade ou segurana
nacional, as informaes devem permanecer em sigilo.
Esto sujeitos lei os rgos e entidades pblicas dos trs Poderes (Executivo, Legislativo e
Judicirio), de todos os nveis de governo (federal, estadual, distrital e municipal), assim como os
Tribunais de Contas e o Ministrio Pblico, bem como as autarquias, fundaes pblicas, empresas
pblicas, sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela
Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios. Enfim, todos os rgos e instituies que tenham
algum tipo de vnculo e/ou investimento do Estado.
A CGU, alm de ser responsvel pela apreciao dos recursos em caso de negativa ou de
ausncia de resposta, criou uma cartilha divulgada no prprio site - com o intuito de instruir os
servidores pblicos sobre a nova Lei e como atender o cidado que busca por ela. Esta cartilha
possui oito eixos centrais que abordam desde o acesso informao como um direito universal,
passando pelas resolues da ONU sobre a transparncia das informaes pblicas como um direito
fundamental de todo cidado, abordando tambm a dificuldade de se implantar no Brasil uma
cultura de acesso por informaes pblicas. (FELIZOLA; MENEZES, 2012).
A Lei de Acesso Informao est configurada dentro dos novos moldes da sociedade
brasileira contempornea, que busca por informaes pblicas com o objetivo de participar das
decises governamentais de maneira mais ativa. Exemplo disso foi a 1 Consocial, evento que
trouxe participao popular de maneira concreta gerando resultados da participao social dentro de
um sistema democrtico, onde se percebe nuances de uma democracia participativa em face de uma
democracia deliberativa.
1 Conferncia Nacional sobre Transparncia e Controle Social
A 1 Consocial (Conferncia Nacional sobre Transparncia e Controle Social) foi uma
conferncia promovida pela CGU no ano de 2012. Trata-se de um instrumento facilitador de
participao social nas atividades de planejamento, gesto e controle de determinada poltica ou
conjunto de polticas pblicas. Ele serve para que seja possvel refletir e avaliar as aes realizadas
anteriormente e aprofundar questes a respeito dos temas propostos.
A etapa nacional da conferncia foi o resultado das conferncias locais que acontecem
espalhadas pelo pas nos nveis municipal regional, estadual e federal. Sendo assim, as conferncias
nacionais so grandes espaos de discusso organizados em que as vrias partes da sociedade
discutem as polticas pblicas do pas a partir de temas j pr definidos, os eixos temticos. Esses
fruns j possuem uma metodologia prpria estabelecida pela conferncia. A transparncia pblica
e o controle social foram os temas principais da primeira 1 Consocial.
A comisso organizadora teve como atribuio coordenar a realizao da 1 Consocial,
definir o tema e a metodologia de discusso a serem debatidos nas diversas modalidades, mobilizar
os parceiros e filiados em torno das etapas preparatrias da conferncia, acompanhar o trabalho das
Comisses Organizadoras nos estados, municpios e distrito federal, definir a pauta, os expositores,
os convidados e os observadores para a Etapa Nacional da 1 Consocial, aprovar o caderno de
propostas da Etapa Nacional, a proposta metodolgica e a programao da 1 Consocial e aprovar o
relatrio final da etapa nacional, bem como dar publicidade e encaminh-lo Presidente da
Repblica e aos Ministros de Estado.
Os Eixos Temticos foram propostos pela Comisso Organizadora Nacional (CON). Existe
uma vinculao entre os Eixos Temticos e o Texto-Base8 da 1 Consocial. Os participantes, em
todas as etapas, devem debat-los e tom-los como base para a elaborao de todas as diretrizes
propostas. Os Eixos Temticos so: Promoo da transparncia publica e acesso informao de
dados pblicos, Mecanismos de controle social, engajamento e capacitao da sociedade para o
controle da gesto pblica, A atuao dos conselhos de polticas pblicas como instncias de
controle, Diretrizes para a preveno e combate corrupo.
A Conferncia Virtual
O ambiente virtual tem sido cada vez mais utilizado como espao de debate sobre os mais
diversos assuntos, por isso a etapa virtual foi escolhida para ser objeto especfico de anlise, uma
vez que sociedade tem mudado a sua forma de comunicar com o uso da internet. Em 1985,
Fernando Henrique Cardoso j previa essa transformao.
Documento com texto para apresentar a conferncia, bem como detalhar cada Eixo Temtico. Disponvel em:
http://www.consocial.cgu.gov.br/downloads/Consocial-Texto_base.pdf
as melhores propostas sejam levadas para a Conferncia Nacional, que por sua vez escolhero as
melhores propostas para serem levadas adiante como projetos concretos de participao nas
polticas pblicas brasileiras. Marques e Maia (2008, p. 148) afirmam que as pessoas ao conversar
e trocar pontos de vista umas com as outras, podem melhorar formas de pensar e interpretar
questes polticas que afetam diretamente suas vidas e, ainda, aperfeioar os modos de formular
verbalmente questes tidas como relevantes.
Dentro deste cenrio, a internet possibilita a realizao de trocas de opinies das mais
variadas formas. Assim, a pesquisa direcionada de tal forma, que haja um contato mais prximo
com as ferramentas que se utilizam dessas caractersticas. Os indicadores usados para mostrar o
nvel de participao dos integrantes da Conferncia Virtual, j est mostrado no perfil de cada um,
o que ser detalhado no trabalho final. Sero observados como aconteceram as conversas dentro dos
tpicos destinados s propostas analisadas e como aconteceram as discusses.
O foco das participaes sugerir solues de polticas pblicas dentro do assunto proposto
nos quatro eixos temticos j estabelecidos pela 1 Consocial. Wilson Gomes (2011, p. 28), afirma
que os ambientes virtuais onde acontecem as discusses pblicas devem ser socialmente
interessantes, tecnologicamente bem resolvidos e atraentes do ponto de vista do design. Tais
atributos so listados nas anlises que sero feitas ao longo da pesquisa.
Para conhecer melhor os objetivos da Conferncia Virtual sero analisados os documentos
produzidos e divulgados antes do evento, a fim de orientar os participantes da conferncia e o
documento divulgado depois da conferncia, onde esto descritos os seus resultados. Essa etapa
importante pois nela possvel compreender o contexto no qual o processo da deliberao virtual da
Consocial est inserido.
A priori, antes da concluso da pesquisa, contudo com certo conhecimento acumulado,
percebe-se que de maneira geral a Conferncia Virtual tendo como essncia o carter de deliberao
pblica online pode ser considerada positiva sob o ponto de vista democrtico. Ultrapassar essa
barreira na democracia brasileira reconhecer o cidado como sujeito de direitos onde quer que ele
esteja. No apenas passivamente, mas tambm pr-ativamente. E, neste ultrapassar est contido o
processo de dar opinies e decidir sobre a construo de polticas pblicas, em conformidade com
os objetivos da 1 Consocial. Habermas (1995, p. 53) afirma que a conquista do direito est no fato
de que ele reduz o conflito potencial entre liberdades individuais, mediante normas que apenas so
coercitivas na medida em que sejam reconhecidas como legtimas sobre a frgil base das liberdades
comunicativas. Assim, a deliberao proposta pela 1 Consocial pode corroborar para que a as leis
tornem-se mais legtimas do ponto de vista da sociedade civil.
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Resumo
Este trabalho caracteriza-se como uma proposta de pesquisa que pretende analisar se as campanhas
televisivas de comunicao de cunho educativo e preventivo no combate ao mosquito da dengue
promovidas pela Secretaria Estadual de Sade de Gois so realizadas apenas nos perodos
considerados epidmicos ou de forma permanente. Tambm pretende verificar o impacto de tais
campanhas sobre a populao. A questo da cidadania tambm ser objeto de estudo do processo,
considerando que a informao princpio bsico para a construo de uma sociedade cidad,
partindo-se do pressuposto de que a informao, adequadamente organizada, disseminada e
distribuda, constitui um instrumento da cidadania e um elemento essencial da democracia e de que
ser cidado significa comunicar-se de um modo especfico, procura-se desfazer a ideia meramente
instrumental da comunicao.
Palavras-chave
Comunicao; cidadania; sade pblica; Goinia.
Introduo
O jornalismo capaz de interferir diretamente na forma como a populao reagir diante dos fatos
por ele noticiados. As estratgias lingsticas e o discurso persuasivo fazem com que a populao
creia na plena veracidade dos textos jornalsticos, considerando-os, portanto, reflexo da realidade. A
imprensa influencia as decises polticas do Estado, a opinio pblica e a intelegibilidade de certos
temas. No por outro motivo, algumas polticas pblicas no Brasil historicamente surgiram para
suprir demandas da imprensa, muitas vezes, o nico elo entre uma sociedade desassistida e um
poder pblico leniente.
No mundo atual a mdia que d visibilidade aos assuntos e s pessoas, ou, em outros
termos, a mdia que define o que pblico. De fato, a mdia d uma nova visibilidade ao
Estado, tornando visveis decises que antes eram restritas aos gabinetes. Mas ao dar
visibilidade ao Estado e s pessoas que fazem parte de sua mquina estrutural polticos,
funcionrios do Estado e pessoas de vrias maneiras ligadas a ele a mdia interfere no
prprio funcionamento do Estado, alterando internamente e externamente suas relaes.
(TEMER, 2011, p. 15).
Delfino Curado Adorno, Mestrando em Comunicao do programa de Ps-Graduao em Comunicao PPGCOM da Universidade
Federal de Gois. E-mail: delfinocurado@gmail.com
10
Simone Antoniaci Tuzzo, Doutora em Comunicao pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Professora Efetiva do PPGCOM
da Universidade Federal de Gois. Professora Orientadora. E-mail: simonetuzzo@hotmail.com
Este trabalho pretende compreender como o jornalismo de servio, voltado para campanhas de
preveno podem interferir no comportamento da sociedade, fazendo com que a populao passe a
adotar determinados comportamentos sociais a partir das mensagens veiculadas. Em especial este
trabalho pretende analisar o processo de comunicao da Secretaria Estadual de Sade de Gois
com relao ao combate ao mosquito da dengue e se tais campanhas so realizadas apenas nos
perodos considerados epidmicos ou de forma permanente. Alm disso, qual o impacto dessas
informaes sobre a populao e se, de fato, h uma mudana de comportamento pelo cidado.
Procura-se verificar em que medida a informao disponibilizada pelos rgos integrantes do poder
pblico na mdia televisiva em Goinia interfere no imaginrio coletivo sobre o que seja cidadania;
se esta informao tende a potencializar o entendimento do que seja cidadania no imaginrio
coletivo goianiense; e o qual ao tomada pelo cidado a partir das informaes acessadas.
Contedo Simblico
Thompson (1998) identifica quatro tipos principais de poder: econmico, poltico, coercitivo e
simblico. O poder simblico, especificamente, refere-se produo, transmisso e recepo do
significado das formas simblicas (Thompson, 1998, p. 24). Parte do principio de que os
indivduos se expressam de forma simblica e assim tambm interpretam as expresses usadas
pelos demais. Surge, ento, o conceito de contedo simblico, que alguns estudiosos tambm
denominam capital cultural, que se utiliza dos mais variados recursos para transmitir as suas
mensagens.
Tais recursos incluem os meios tcnicos de fixao e transmisso; as habilidades,
competncias e formas de conhecimento empregadas na produo, transmisso e recepo da
informao e do contedo simblico; e o prestgio acumulado, o reconhecimento e o respeito
tributados a alguns produtores ou instituies (THOMPSON, 1998, p. 24).
Pode-se dizer, portanto, que os meios de comunicao so os recursos utilizados para exercer o
poder simblico e que as instituies da mdia se dirigem produo e difuso de formas
simblicas em larga escala. Thompson utiliza o termo poder simblico para se referir a esta
capacidade de intervir no curso dos acontecimentos, de influenciar as aes dos outros e produzir
eventos por meio da produo e da transmisso de formas simblicas (Thompson, 1998, p.24).
Jornais, revistas, televiso, cinema, rdio e a internet, constituem alguns dos mais importantes
veculos de comunicao responsveis por mediar a maior parte dos assuntos e notcias que chegam
populao. No por outro motivo, o poder pblico se utiliza destes recursos quando deseja
transmitir uma mensagem sociedade. O que um problema para Viana (2003), uma vez que, para
o autor, a cidadania real est condicionada aferio do estado, ou seja, o estado, atravs do direito,
concede a cidadania. Neste contexto, o estado diz sociedade o que e como funciona a cidadania.
Segundo Holfling (2001), poltica pblica a implantao por parte do Estado de projetos de
governo. So programas voltados para setores especficos da sociedade ou para a sociedade em
geral, sendo que sua implementao e manuteno so de responsabilidade do Estado. Este ltimo,
por sua vez, trata-se do conjunto de instituies permanentes, como o Legislativo, o Judicirio e o
Executivo, que possibilitam a ao do governo. J o governo representado pelos programas e
projetos que partem da sociedade e acabam tornando-se a orientao poltica de um determinado
mandato poltico, tempo em que o governo desempenha as funes de Estado.
A sade tornou-se uma preocupao poltica no Brasil ainda no final do sculo XIX, quando as
elites e o Estado brasileiro comearam a acompanhar o desenvolvimento urbano j vivido em outros
pases. No Brasil, as cidades apresentavam um crescimento significativo e o poder pblico passou a
utilizar a medicina como um instrumento para disciplinar e remodelar o ambiente urbano.
A gravidade do quadro sanitrio brasileiro da poca transformara a sade em questo poltica
que ocupava papel de destaque nos jornais e nos palanques. Dessa maneira se abria,
gradualmente, o caminho para um tipo de interveno mais duradoura ao institucionalizar as
prticas de sade (SANDES, 2002, p. 35).
Em 1920, o sanitarista Carlos Chagas cria o Departamento Nacional de Sade Pblica, que tinha o
objetivo de associar as tcnicas da propaganda educao sanitria. Entretanto, somente a partir da
Revoluo de 1930, a poltica adquire a conscincia de que a sade era uma questo que deveria ser
enfrentada pelo Estado.
Ainda neste perodo o ento presidente Getlio Vargas percebe as vantagens de aliar a propaganda
sade e educao sanitria. Assim como fazia uso dos meios de comunicao para construir sua
imagem junto sociedade e angariar admiradores, Vargas soube utiliz-los para assuntos de
interesse pblico, como campanhas sanitrias.
Aps a Segunda Guerra Mundial (19391945), com a poltica do Estado de Bem Estar Social, a
sade se consolida como uma poltica pblica. Em 1990, com a criao da Lei Orgnica de Sade
(Lei N 8080, de 19 de setembro), foi institudo o Sistema nico de Sade (SUS), e regulamentou-se
o direito sade. Segundo do artigo 2, pargrafo 1, dever do Estado garantir a sade dos cidados
a partir da formulao e execuo de polticas econmicas e sociais que visem reduo de riscos
de doenas, obedecendo ao princpio de priorizar as atividades preventivas. O SUS est
fundamentado na universalidade, na igualdade e na equidade. Suas diretrizes so: descentralizao,
participao da comunidade, atendimento integral e a promoo de aes de preveno e tratamento
de doenas. Diante destes princpios percebe-se a necessidade de se dar cabo a uma poltica pblica
de sade cuja prioridade seja a preveno, tendo a comunicao como uma condio para esse
processo.
E na comunicao que encontramos o primeiro problema: a definio de seu conceito. Foi assim
com os primeiros tericos, mas o surgimento de novas tecnologias desenvolvidas em funo da
comunicao ou visando comunicao, e o consequente desenvolvimento de tcnicas para o uso
destes meios, acrescentaram novos aspectos a esse estudo. Como se v, a prpria definio j
comporta todo um conjunto de palavras que remetem a conceitos especficos. Em princpio, [...] a
comunicao , ao mesmo tempo, um processo e o resultado desse processo. (MIGE, 2000, p.
25). J para Fiske (1990, p. 1), comunicao [...] a interao social atravs de mensagens e
qualquer uso da linguagem se caracteriza sempre como um processo de comunicao (1990, p.
72).
Esse conceito implica a noo de que comunicao exige participao, interao, recebimento e
envio de informaes novas. Mas a comunicao envolve tambm outra caracterstica ou diferena
fundamental. (TEMER e NERY, 2009, p.13) dizem que enquanto outras atividades envolvem a
manipulao de coisas ou objetos, a comunicao envolve a manipulao de ideias. Assim,
podemos dizer que a comunicao a ao de tornar comum uma ideia, ou ainda, uma ao que no
se realiza sobre a matria, mas sobre o outro. Comunicao um fato e uma necessidade social,
algo inerente ao ser humano e que existe desde o aparecimento do homem no mundo. Essa
necessidade to ampla que tudo aquilo a que o ser humano atribui significado passou a compor
um processo de comunicao.
J sobre o conceito de Comunicao de Massa, Thompson (1998) define que agrupam-se uma
srie de fenmenos comunicacionais, simblicos, tecnolgicos e de muitas outras vertentes. Tais
fenmenos s foram possveis graas ao desenvolvimento concomitante dos meios tcnicos de
difuso e reproduo de formas simblicas e das instituies que se especializaram em construir
essas formas simblicas baseadas nas regras de mercado e dirigidas a uma pluralidade de
destinatrios. Dentre estas formas simblicas pode estar inserido o conceito de status social,
utilizado por Marshall (1967) na definio de cidadania.
Carvalho (2010), por sua vez, defende que importante refletir sobre cidadania e seu significado na
perspectiva de sua evoluo histrica, pois considera que esta um fenmeno histrico. Assim,
define cidadania como sendo o pleno gozo dos direitos civis, polticos e sociais. Direitos civis
seriam os direitos fundamentais vida, liberdade, propriedade, igualdade perante a lei. Os
direitos polticos referem-se participao do cidado no governo da sociedade. J os direitos
sociais tratam da participao do indivduo na riqueza coletiva. So direitos ao trabalho, ao salrio
justo, sade, aposentadoria, educao. Gentilli (2005) acrescenta a o direito informao,
tambm expresso na Constituio Federal de 1988:
Carvalho (2010) apresenta uma importante colaborao para este debate ao analisar a histria do
surgimento no Brasil dos trs direitos que compem a cidadania. Para ele, o pleno gozo desses
direitos estaria comprometido no Pas. O autor traz a sequncia lgica da formao dos direitos que
definem a cidadania na perspectiva de T. A. Marshall que em meados do sculo XX definiu, numa
viso tomando a Inglaterra como exemplo, que primeiro vieram os direitos civis depois os polticos
e por fim os sociais.
A inverso desta sequncia e, sobretudo, uma poltica paternalista promovida pelo poder executivo,
que em muitas ocasies outorgava direitos sociais em momentos nos quais havia supresso dos
direitos polticos, trouxe contradies socioculturais de difcil resoluo, cujos resultados, pode-se
citar, entre outros as grandes desigualdades sociais, a ausncia de um pleno gozo da cidadania por
parte de todos brasileiros e o baixo investimento em educao, o que pode ter dificultado a
compreenso de um conceito para a cidadania entre os brasileiros.
Diante disso, a pesquisa proposta e que ser implementada no curso do mestrado pretende
desenvolver uma anlise das polticas pblicas de sade por meio da preveno como uma poltica
de comunicao social, a partir das campanhas preventivas promovidas pela Secretaria Estadual de
Sade de Gois, na cidade de Goinia.
Jornalismo de Servio
Conforme j foi dito neste texto, o jornalismo capaz de interferir diretamente na forma como a
populao reagir diante dos fatos por ele noticiados. Seu texto e suas estratgias lingusticas
recebem, por parte do pblico aceitao quase imediata, sob os mitos da imparcialidade e
objetividade. Com o passar dos anos, o jornalismo se especializou, criou novos caminhos e sua
subdiviso em gneros parece ter sido um caminho natural. Hoje, pode-se falar de vrios tipos, ou
gneros, de textos jornalsticos. A notcia, a reportagem e a entrevista, por exemplo, so trs dos
gneros jornalsticos, de finalidade informativa, que se complementam. Normalmente, os
acontecimentos so apresentados sociedade atravs da notcia que, depois, pode ser desenvolvida
por meio de uma reportagem e ou uma entrevista.
O gnero notcia escrito, geralmente, a partir das informaes enviadas para as redaes de
jornais, rdios e televises pelas mais diversas fontes, como agncias noticiosas, por exemplo.
uma narrativa curta de um acontecimento atual de interesse geral. Geralmente, obedece seguinte
estrutura: ttulo; lead, que corresponde ao primeiro pargrafo, que pode surgir destacado e d,
normalmente, resposta a quatro perguntas: Quem? fez o qu? Onde? e Quando? e, por fim, o corpo
da notcia, que o desenvolvimento da mesma e, normalmente, responde s perguntas Como e
Porqu?
Diante disso, percebe-se que o que convencionou-se chamar de jornalismo de servio pode ajudar o
consumidor a exercer a sua cidadania, ou, mesmo, alterar as possibilidades e forma se exerccio
desta. o chamado despertar da conscincia a que o autor se refere.
A presente proposta de pesquisa segue essa temtica. Procura, a partir do olhar do cidado, saber
em que medida o consumo deste gnero jornalstico colabora na formao do ideal de cidadania
entre os cidados usurios da sade pblica em Goinia.
Concluso
O corpus emprico da presente investigao se dar a partir da anlise das campanhas preventivas
de combate ao mosquito transmissor da dengue em Goinia promovidas pela Secretaria Estadual de
Sade de Gois. Como tcnicas, usaremos, fundamentalmente, as pesquisas sociolgica; coleta de
documentos e a realizao de entrevistas semiestruturadas e estruturadas, junto aos membros das
organizaes elencadas e os pblicos vinculados, alm da anlise de contedo.
Concludas as entrevistas, ser feita uma anlise especfica para avaliar em que nvel se d a
interatividade entre o telespectador e as campanhas promovidas pelo poder pblico e se aquele se
identifica nestas campanhas e como identifica a prpria mensagem a que teve acesso.
Neste sentido, a pesquisa a ser implementada pretende contribuir para a reflexo sobre a cidadania
no mundo contemporneo e como a informao e a comunicao so essenciais para que os sujeitos
sociais construam sua cidadania. Este projeto est previsto para ser completado num perodo de dois
anos, entre os meses de abril de 2013 a maro de 2015.
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TEMER e NERY, Ana Carolina Rocha Pessoa e Vanda Cunha Albieri. Para entender as teorias da
comunicao. 2 Ed. Uberlndia: EDUFU, 2009.
Resumo
Este artigo se prope a relatar pesquisa que pretende estudar nos prximos dois anos a comunicao
pblica e a possibilidade de contribuio cidadania no site do poder Legislativo municipal em
Goinia, a partir das definies de Zmor, de que o que pauta a CP o interesse pblico e tendo por
base as contribuies de Habermas sobre esfera pblica e de Pierre Lvy e Andr Lemos sobre a
internet como a nova gora participativa.
Palavras-Chave
Introduo
Sabedor da importncia da Comunicao Pblica (CP) como canal efetivo de dilogo entre a
sociedade, o Governo e o Estado, este artigo pretende relatar a pesquisa que ser realizada nos
prximos dois anos sobre as possibilidades que a internet e seus desdobramentos em redes sociais
trouxe ao ampliar a conversa entre o cidado, os setores organizados da sociedade e o poder
institucionalizado, ou seja, os canais para a efetividade dessa Comunicao Pblica.
O objetivo da futura pesquisa ser verificar se a internet pode ser denominada como um
novo espao ou ambiente de Comunicao Pblica onde existiria, maior participao, interao e
mobilizao do cidado enquanto sujeito, por meio de uso de ferramentas on-line ou redes sociais
disponibilizadas no site do poder Legislativo do municpio de Goinia. Tambm se buscar situar,
por meio de reviso literria, em que sentido a Internet um novo espao pblico, levando em conta
a existncia de possibilidades tcnicas e potencialidades tecnolgicas do meio para discusso de
idias e participao cidad, mas tendo a conscincia de que o acesso a este meio ainda restrito,
devido excluso de muitos brasileiros ao meio digital.
11
A ficha acima descrita constitui-se numa anlise de contedo do site, porm para tecer
concluses sobre os processos comunicacionais interativos faz-se necessrio uma pesquisa do tipo
qualitativo, o que se pretende fazer utilizando anlise do discurso dos contedos e links do site
pesquisado e na prpria instituio. Para isso, o pesquisador far observao participante
devidamente registrada em relatrios na Assessoria de imprensa daquele poder, diviso da Diretoria
de Comunicao da Cmara Municipal de Goinia, aonde so redigidas e postadas matrias
jornalsticas no site institucional, e tambm entrevistas em profundidade com os jornalistas que
vivenciam esse processo na prpria instituio.
Tambm sero ouvidos, por meio de entrevistas com questionrios mistos, internautas que
acessam o site e criadas categorias que possibilitem aferir o grau de interao e participao dos
mesmos nesse ambiente web como instrumento de comunicao pblica da instituio pesquisada.
Os internautas sero ouvidos por meio de enquetes disponibilizadas na home page do site que sero
respondidas e devero ser acessadas pelo pesquisador durante o perodo a ser definido, a fim de
verificao da quantidade de acessos, bem como se os links que promovem a comunicao pblica
participativa interessam a esse usurio-cidado.
O conceito de cidadania de Marshall leva em conta que cidado pleno seria aquele que
possusse trs tipos de direitos: os polticos, os civis e os sociais. Com relao aos direitos polticos
o Legislativo o locus de sua atuao e o indivduo cr que exerce tal direito quando vota ou
quando se elege para um cargo de parlamentar. Porm, os direitos polticos tambm pressupem a
participao do cidado no processo legislativo, influenciando nas novas leis que esto sendo
criadas e tambm contribuindo na fiscalizao do poder Executivo outra das funes do poder
Legislativo.
Para isso, o poder Legislativo conta com outros instrumentos de Comunicao Pblica
(Duarte, 2009) tais como Audincias Pblicas, uso de Tribuna livre no plenrio por representantes
de entidades organizadas da sociedade civil, Fale conosco e Comisso de Participao Legislativa.
Porm, tais canais, apesar de existirem no garantem a presena do cidado no parlamento. O
descrdito quanto aos parlamentares tem afastado ainda mais a sociedade do poder Legislativo, cuja
funo primordial de ser porta-voz dos cidados, representante do cidado gera um fosso entre
sociedade e essa instituio que deveria ser a verdadeira esfera pblica da modernidade.
Ciente de que o direito comunicao um dos tipos de direitos civis e falando do papel da
comunicao pblica para o estabelecimento da cidadania, Mrcia Duarte (2006, p.105 e 107) diz
que: A comunicao hoje o ponto de partida e de encontro para o processo de reaprendizado da
cidadania... o direito comunicao passa necessariamente pela participao do cidado como
sujeito ativo em todas as fases do processo de comunicao, tornando-se, tambm, emissor.
Alm de Ciclia Peruzzo, Kelly Prudncio aponta novos pblicos que integram a esfera da
Comunicao Pblica tais como: Terceiro Setor, ONGs, Sindicatos, Associaes e movimentos
que representam setores da sociedade inclusive os antes marginalizados, minorias ou os que
defendem um ideal, uma causa.
As redes de comunicao so ento canais de empoderamento dos movimentos sociais,
diminuem a defasagem de recursos entre os adversrios e abrem caminho para a insero
dos pontos de vista dos ativistas no debate pblico.(PRUDNCIO, 2010, p.269)
grupos sociais que desenvolvem processos de pertencimento, ou seja, um mesmo indivduo pode
fazer parte de diversos pblicos simultaneamente, acerca de vrias situaes do cotidiano, diz
Tuzzo (2005, p.36).
Esses pblicos se movimentam a cada dia, na tomada de conscincia de seus direitos
enquanto cidado e buscam ter voz. Matos acrescenta que:
Esse movimento assume uma nova forma de representatividade, com uma nova
concepo de cidadania e uma nova cultura(ou sensibilidade) poltica. Estas organizaes
esto formando uma nova esfera pblica, no-estatal e vem mediando os interesses de
parcelas de cidados de forma no-dependente em relao ao Estado.(MATOS, 1999,
p.06)
atual que se rege pela midiatizao, especialmente tecnolgica, a rede mundial de computadores
possibilita um tipo de poder comunicativo aos que dela se utilizam:
O desenvolvimento da internet e de novas tecnologias da informao traz, em princpio,
novas perspectivas para a liberdade de expresso, na medida que, se mostram fortemente
receptivas diversidade das formas discursivas e precariedade financeira dos sujeitos da
fala, o que d margem a hiptese de redistribuio do poder comunicativo pelas
tecnologias digitais. (SODR, 2009, p.122)
A internet, cujo uso comercial se iniciou em 1995, chegou para confirmar as previses de
Marshall McLuhan de que o mundo se tornaria uma aldeia global. Sendo uma rede que conecta as
pessoas em tempo real e em qualquer parte do planeta, ela hoje considerada mais que uma
poderosa ferramenta de comunicao de que o mundo dispe, sendo um novo ambiente
comunicacional que permeia as relaes sociais, polticas, econmicas e culturais.
Somando recursos de informao, entretenimento, e-comerce tornou-se imprescindvel
para a sociedade, especialmente no uso dessa tecnologia para estabelecer contatos e parcerias nunca
antes imaginados, via plataformas de redes sociais on-line.
Tambm ampliou consideravelmente a transparncia das aes dos gestores da
administrao pblica, o accountability poltico, proporcionando ao cidado acesso a uma
13
No livro Antopolgica do Espelho (Vozes, 2002) o autor cita o texto tica a Nicmaco, de Aristteles, segundo o
qual a vida conteria trs bios: theoretikos(da contemplao), apolaustikos(do prazer e do corpo) e politikus, e um quarto
que o filsofo grego chamou de algo a mais por ser a vida de negcios e Sodr denominou de quarto bio, o bios
miditico.
Com o crescimento da imprensa e a apropriao comercial, ou seja, jornal feito para dar
lucro, iderio do capitalismo que ia se firmando naquela poca e o deslocamento da esfera pblica
desses ambientes espontneos para a imprensa institucionalizada, esta passou a deter a legitimidade
de dizer ao cidado o que pensar e o que discutir, um tipo de agendamento.
Apesar de ser uma esfera pblica excludente dela no faziam parte as mulheres e os
operrios - foi a responsvel pelos primeiros passos rumo sociedade democrtica de direito e
consolidao da cidadania, visto ser um movimento que surgia no mbito da sociedade civil que
formava a opinio pblica e obrigada o Estado a dar publicidade de seus atos, a ser mais
transparente.
Habermas (1984) compara esse novo espao pblico da nascida sociedade burguesa
semelhana das goras da antiga Grcia. Na sociedade contempornea, autores como Castells, Lvy
e Lemos defendem que a internet seria um tipo de ambiente que promova uma nova esfera pblica,
participativa, interativa, um computador cujo centro est em toda parte e a circunferncia em
nenhuma, um computador hipertextual, disperso, vivo, pululante, inacabado, virtual, um
computador de Babel: o prprio ciberespao(Lvy, 1999).
a internet a nova gora virtual? Como possvel? Di Felice (2010) diz que o conceito de
esfera pblica se altera profundamente e, se cria uma relao onde qualquer indivduo pode dialogar
com os demais, criar contedo e experimentar novas formas de participao on-line,
diferentemente do que o Brasil experimenta hoje, onde temos uma diviso social muito grande,
onde a esfera pblica estava limitada aos grandes meios de comunicao.
Andr Lemos e Pierre Lvy (2010) defendem que ... o ciberespao como um todo que
constitui uma imensa gora virtual, labirntica e fractal. Mas parece que comunidades virtuais
especialmente concebidas para favorecer o dilogo e a deliberao poltica sejam levadas a
desempenhar um papel importante na ciberdemocracia do futuro. E mais:
As goras virtuais so provavelmente um dos melhores instrumentos capazes de
transformar essa condio favorvel em realidade efetiva, contribuindo emergncia de
uma cidadania tensionada em direo a uma melhor inteligncia coletiva... as goras
virtuais so comunidades virtuais multipartidrias, centradas sobre questes polticas cujo
principal objetivo apoiar o dilogo, a deliberao, a deciso e a ao de todos os
cidados que desejam delas participar.(LEMOS &LVY, 2010, pg. 192 e 193)
Os autores propem uma srie de prticas e contedos na internet para que essa
ciberdemocracia se efetive tais como: liberdade de expresso e de navegao sem constrangimento,
e-goverment disponibilizando todo tipo de informaes e acessos para o cidado, eleies e
referendos on-line, referendos de iniciativa popular, legislativos com redes de parlamentos virtuais e
transparentes.
As redes sociais fazem com que a comunicao e a divulgao sejam cada vez mais
amplificadas e customizadas. Diz Recuero (2009) que essa comunicao, mais do que permitir aos
indivduos comunicar-se amplificou a capacidade de conexo, permitindo que redes fossem criadas
e expressas nesses espaos... essas redes conectam no apenas computadores, mas pessoas. E so
as pessoas os novos emissores de contedo, so as pessoas, sujeitos no processo comunicacional.
Alm disso, a internet abre a possibilidade do receptor-cidado sair da passividade prpria
de quem recebe mensagens de um emissor-onipotente, que podem ser os tradicionais produtores dos
meios de comunicao de massa ou canais institucionais de governo. No novo meio, o receptorcidado, ativo e autnomo, no s recebe, mas tambm emite mensagens, passando a ser tambm
emissor e tornando-se sujeito no processo de comunicao, autor de sua prpria cidadania, como
prope Peruzzo:
A possibilidade das pessoas, organizaes comunitrias, movimentos sociais, ONGs etc
tornarem-se emissores de contedos, de maneira ilimitada e sem controle externo (como
na mdia tradicional), a partir dos interesses e necessidades pessoais, comunitrias e de
interesse pblico, a grande novidade que a internet traz, o grande potencial
revolucionrio que o mundo coloca a servio da humanidade.
Esse tipo de comunicao pode ser considerado como integrante do paradigma que
Polistchuk e Trinta denominam de Horizontal-Interacionista, conversa com o conceito de
comunicao de Paulo Freire (1985), Ramiro Ramiro Beltrn (1981) e Juan Bordenave (1983) que
privilegia o processo horizontal, no sentido de quebrar o fluxo no qual a comunicao feita por um
emissor onipotente e centralizador, que detm o poder e o controle simblico e hierarquicamente
encontra-se na posio vertical desse processo. Para tais autores, a comunicao em sua essncia
horizontal, dialgica, em que os contedos simblicos so partilhados e colocados em comum
proporcionando oportunidades de crescimento e de novas construes entre seus participantes.
Romper com o monoplio dos grandes imprios que mantm os meios de comunicao de
massa o grande desafio proposto especialmente por governos que pretendem ser democrticos e
incentivarem a participao cidad. Denis de Morais (2009) refora que a mdia global est nas
mos de duas dezenas de conglomerados... eles veiculam dois teros das informaes e dos
contedos culturais do planeta. Uma forma de rompimento a utilizao de canais e ambientes
comunicativos existentes na grande rede para no s chegar ao sujeito-receptor-cidado, mas
tambm para falar o que grande mdia no interessa, mas que a sociedade necessita saber. Esse
papel desempenhado pelas mdias de movimentos sociais:
A mdia ativista deixa visualizar as conexes das redes dos movimentos sociais. Ao
desenvolver os servios de contrainformao, compartilhando textos e vises, os ativistas
fortalecem seus laos...com isso, a internet pode ser pensada como um cenrio de ao
Excluso digital
O principal canal de interao social na chamada sociedade da informao(Castells) a
internet e mais recentemente, as plataformas de redes sociais on-line. Porm, o crescimento da rede
mundial de computadores em quantidade de acessos e de novas plataformas que incrementam esse
ambiente comunicacional no veio acompanhado de democratizao e cidadania plena. O acesso
rede ainda se d conforme acesso da populao aos bens de consumo, o que ocorre na proporo da
participao econmica e da diviso das classes sociais numa sociedade de consumo (Peruzzo).
Destacam-se ainda nesse sentido, alm de Peruzzo, em So Paulo, vrias pesquisas
brasileiras tais como as de Eugenia Barichello, no Rio Grande do Sul, Wilson Gomes, na Bahia e
Rousiley Maia, em Minas Gerais sobre internet, participao, democracia e esfera pblica e que
devero ser estudadas neste projeto, pois constituem marcos tericos de pesquisadores brasileiros
sobre a interface comunicao, poltica, democracia e cidadania.
Concluso
democracia digital? o que se pretende verificar no futuro estudo relatado, na esperana de que tal
propositura no seja totalmente realizvel, mas que seja plausvel.
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Prof. Dra. Elizabeth Brando (USP).
Resumo
O texto tem por objetivo mostrar a importncia do profissional de Relaes Pblicas
governamentais na construo da comunicao entre a administrao pblica municipal e seus
cidados por meio de um planejamento estratgico que se torne uma alavanca importante na
construo da cidadania. So ressaltadas algumas atividades de sustentao que promovem a
fidelizao do relacionamento entre governo e cidado, permitindo ao cidado espao para ter voz e
por sua vez a importncia da comunicao pblica na construo desse processo. Nesse cenrio, a
comunicao pblica e a comunicao governamental planejada pelo profissional de Relaes
Pblicas tem importante contribuio no processo de visibilidade, legitimidade e credibilidade
gesto pblica municipal.
Palavras-chave
Relaes pblicas governamentais; comunicao pblica; planejamento estratgico; cidadania.
Introduo
A administrao pblica diariamente criticada e quase nunca vista como eficiente e por vrias
vezes alguns pequenos deslizes frente opinio pblica aumentam progressivamente a fama
negativa, principalmente quando se trata de governos municipais, pelo fato da maior proximidade
com os pblicos e de um feedback mais rpido.
14
Luiza Carla Ribeiro Mestranda do Programa de Ps-Graduao em Comunicao e Graduada em Comunicao Social
Relaes Pblicas pela Faculdade de Comunicao e Biblioteconomia FACOMB, da Universidade Federal de Gois UFG. Email:
luizaribeiro.rp@gmail.com
15
Simone Antoniaci Tuzzo Doutora em Comunicao pela Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ. Professora Efetiva do
Programa de Ps-Graduao da Faculdade de Comunicao e Biblioteconomia FACOMB, da Universidade Federal de Gois
UFG. Professora Orientadora. Email: simonetuzzo@hotmail.com
administrao local. Encerrar esses esteretipos uma tarefa trabalhosa e que requer planejamento
estratgico com foco na comunicao pblica.
A comunicao pblica dentro da esfera pblica municipal tem por objetivo informar o cidado de
tudo o que ocorre e propiciar a sua participao nas aes do governo. Esse trabalho quando
realizado por um profissional que est apto a trabalhar com diferentes pblicos da organizao tem
chances maiores de se realizar. O Relaes Pblicas alm de ser um profissional estratgico possui
uma viso sistmica ao desenvolver um planejamento que envolver toda a administrao.
O processo de comunicao o que move todas as aes dos seres humanos. A palavra
comunicao tem sua origem do latim communicare. Segundo Matos (2009, p. 2) comunicao
quer dizer o mesmo que tornar comum, partilhar, repartir, trocar opinies (...). J de acordo com o
Dicionrio de Comunicao Rabaa e Barbosa (2002), comunicar quer dizer participao, interao
e troca de mensagens.
No diferente quando falamos de comunicao pblica e sim, se torna ainda mais importante os
conceitos de participao, interao e troca de mensagens definidos como efeitos da comunicao.
No Poder Pblico sempre necessrio a construo de uma comunicao voltada para os cidados,
situando-se no espao pblico, aberto a participao de todos e disposto a manter sempre troca de
mensagens.
No Brasil esse processo de participao dos cidados na esfera governamental passa a existir com a
democratizao do pas. Com os cidados mais atuantes, os gestores pblicos comeam a utilizar
aes que visam esse relacionamento governo-cidado. Os gestores comeam a perceber a
necessidade de atender e integrar os cidados que a partir desse fase esto mais aptos a participar do
processo poltico.
Dentro da administrao pblica, Zemor (2009) afirma que dever da gesto pblica assegurar aos
cidados o direito a informaes e dados, alm de fornecer permanentemente as regras do jogo
coletivo (o quadro legal e os procedimentos) e de prestar contas dos atos de utilidade pblica
(ZEMOR, 2009, p. 215) o acesso do cidado a informaes sobre dados referentes ao governo um
direito, entretanto, apenas a disponibilizao no suficiente. Para se tornar um governo de
qualidade preciso que ocorra o dilogo e a participao dos cidados.
Percebe-se que com o tempo, o governo no tem s o papel de informar o cidado, mas de exercer
uma relao com o outro e de proporcionar um debate pblico nas decises polticas para o bem
social. O cidado tem o direito de participar do governo e ter oportunidades que ultrapassam o
momento da eleio. por meio dessa relao comunicativa que as possibilidades do cidado
interagir com o governo so potencializadas, garantindo-lhes o direito informao e cidadania.
Assim como no nvel individual e coletivo, o governo tambm est sendo compelido a adotar novos
padres, como transparncia, tica, foco nas polticas pblicas e verdade, exigindo uma nova
postura para conseguir credibilidade. Atualmente aquele governo moroso e burocrtico tende a ficar
para trs, pois o cidado atravs do acesso informao facilitada e aos efeitos da democracia tem
um maior nvel de entendimento e conhecimento dos direitos e deveres, passando a exigir mais de
sua dita cidadania.
Com isso, a comunicao do governo local como em qualquer outro orgo pblico no pode ser
para o uso exclusivo da informao como, por exemplo, a atividade de assessoria de imprensa mas
alm disso, possibilitar a interao, participao, o dilogo e o debate com os cidados. Quando
estabelecem e firmam espaos que conduzem informao e tambm que permitem o envolvimento
da sociedade viabilizam a comunicao pblica.
Essa conscincia que vem despertando nos cidados de que a soma de todos pode ajudar na obra da
coletividade entrou em vigor com o advento do regime democrtico, movendo as barreiras
existentes entre os governantes e governados. Essa fora de conjunto ainda mais forte tratando de
governos municipais, pois fica mais acessvel e o pblico est prximo da prefeitura, permitindo um
retorno rpido das aes realizadas.
Dentro desse cenrio, o profissional de Relaes Pblicas Governamentais, vem a propiciar esse
relacionamento dos cidados dentro da esfera do governo. O profissional permite ao cidado ter
acesso as principais informaes dos governos e assim, formar opinio. Discordar ou concordar
pode ser o incio para se mobilizar e conseguir participar do governo que oferece oportunidades.
A moderna democracia necessita de um trabalho de relaes pblicas que consiga um efeito real,
positivo, de participao popular. A maiorias dos administradores pblicos no informam seus
cidados sobre o que est sendo desenvolvido na administrao municipal. Cidados mal
informados se tornam o primeiro passo para se criar adversrios do gestor pblico atual. A princpio
o trabalho do relaes pblicas governamentais informar, mantendo assim, cidados participativos
e integrados na sociedade e minimizando atritos que possam acontecer.
As organizaes privadas esto aos poucos mudando sua postura perante a sociedade e
principalmente para seu pblico de interesse. Atualmente, o lucro no s o nico objetivo das
empresas, mas sim, tambm a conquista de status em todos os pblicos. Esta alterao de postura
vem acontecendo paulatinamente desde a dcada de 50, quando as multinacionais vieram para o
Brasil, trazendo interessantes estratgias de comunicao com os pblicos e assim, necessitando de
servios especializados de relaes pblicas e comunicao.
Na rea governamental, mesmo por ser pblica, no seria diferente, pois quem governante
tambm precisa defender suas ideias que fizeram dele eleito e que vo sustentar sua gesto. Os
cidados querem governantes mais ativos e preocupados em bem administrar.
Hoje a cidadania dentro do governo tem extrema importncia, priorizar a participao dos cidados
e estimular para que eles se sintam parte desse governo atuante papel do gestor de
relacionamentos, e no h profissional mais habilitado a estabelecer conexes entre o cidado e o
governo, do que o Relaes Pblicas, pensando-se no bem-estar coletivo.
Um governo que deixa a populao sem informao do que est acontecendo em sua administrao
torna sua gesto propensa a ter mais rudos e com graves falhas de comunicao, o que pode
proporcionar uma imagem negativa para seus pblicos. Os cidados passam a acreditar em tudo de
bom ou mau que digam a respeito do governo atuante. Segundo Andrade:
A separao entre governantes e governados consequncia de falta de informaes. A
administrao pblica no pode funcionar sem a compreenso popular de suas atividades e
processos, pois o poder pblico depende do consentimento do povo frente s polticas
governamentais. Porm os governos em geral, como se no precisassem dos cidados, no
cuidam de estabelecer um aparelhamento de informao, capaz de permitir o esclarecimento
popular a respeito da dinmica administrativa (ANDRADE, 1970, p. 2).
Com aes estratgicas por meio do planejamento estratgico desenvolvido por um profissional de
Relaes Pblicas possvel melhorar a comunicao de um governo local, trazendo uma imagem
positiva perante os cidados. No s sua imagem pode ser favorecida, mas principalmente projetos
podem ser criados visando a melhoria da vida dos cidados nas cidades onde suas opinies so
potencializadas.
Quando um poltico comea sua gesto, com base em um projeto srio, mostrando para os cidados
que as aes realmente acontecem no seu mandato de forma clara e objetiva, com foco no cidado e
na sociedade, ele est governando de uma maneira planejada com foco no futuro tanto dos cidados,
quanto do seu prprio governo. A maioria das pessoas no quer perder a administrao de quem
governa bem.
Atualmente, cada vez mais no h espao para o amadorismos e m vontade poltica, os cidados
esto cada vez mais em busca de governantes que fazem algo por sua cidades ou por eles mesmos.
Os cidados esto em busca de quem pensa na sustentabilidade, educao de qualidade para seus
filhos, na oportunidade de empregos dentro da prpria cidade.
Logo, compreende-se que o governo eleito para atender as necessidades dos cidados, ser cobrado,
analisado e por que no dizer julgado, concordando com os mesmos valores com os quais se elegeu
representante. Com isso, observa-se que o no cumprimento desse princpio, sendo salvaguardadas
as devidas propores, traria consequncias para toda a sociedade. De acordo com Bobbio (2000, p.
36) uma sociedade torna-se tanto mais ingovernvel quanto mais aumentam as demandas da
sociedade civil e no aumenta correspondentemente a capacidade das instituies de a elas
responder.
Antigamente era comum o governante aglomerar multides em seus discursos, fazer que seu povo
acreditasse nas promessas e juramentos que na maioria das vezes no tomaram forma. Contudo
atualmente, esse cenrio muda de figura, e os cidados anseiam por mais sade, moradia, educao
e cultura, e essas pessoas no querem que isso fique s no papel como antes. E dentro deste cenrio,
o relaes pblicas pode desempenhar o que a nova viso do cidado anseia. Esta atividade voltada
para as novas necessidades de um mundo globalizado com pessoas mais instrudas ao que est
acontecendo, se preocupa em atender a organizao e escutar o que o pblico da mesma deseja.
No atual sculo XXI as organizaes passaram por grandes mudanas, alterando o jeito de se
relacionar com seus pblicos. E dentro desse cenrio a comunicao passa a ter um papel essencial
dentro dessas organizaes que agora se preocupam com sua identidade e o que seu publico ir
formar como imagem que tem da empresa. A comunicao reduzida de rudos permite que todos os
pblicos da organizao recebam o que a organizao quer transmitir como sua viso de futuro, sua
misso, seus objetivos na busca da qualidade total e na satisfao do cliente. Segundo Ferrari (2007,
p. 79), a comunicao deve ser entendida em sua dimenso intrensicamente social, comunitria e
poltica, para servir como ponte e permitir a interpretao dos significados dos relacionamentos
entre as pessoas e o sistema social.
A atividade de relaes pblicas no vai criar somente uma imagem positiva de uma gesto
municipal perante seus pblicos, ela vai alm, criando uma mtua relao entre pblicos e
organizao, seja atravs de eventos, comunicao dirigida, pesquisas de satisfao. De acordo com
Simes:
A atividade de Relaes pblicas no tem por objetivo, somente, formar imagem, criar boa
vontade, obter atitudes positivas e estabelecer a compreenso mtua. Todos esses termos
correspondem a pr comportamentos. So estgios prvios para se chegar ao das partes
em cooperao mtua. O objetivo da atividade almeja a ao favravel dos pblicos misso
da organizao (SIMES, 2008, p. 52).
ainda mais a importncia de um profissional estratgico e com capacidade de criar laos efetivos de
relacionamento.
Atravs de estratgias como comunicao dirigida oral e escrita, esse relacionamento com os
pblicos pode acontecer. Na comunicao dirigida escrita, o uso do jornal mural como forma de
integrao dos colaboradores ou at mesmo um jornal interno com as principais notcias que
aconteceram durante o ms, os aniversariantes e as mudanas ocorridas como pagamento ou
sistemas burocrticos.
A comunicao dirigida oral a forma onde o relaes pblicas pode ter uma maior proximidade
com as pessoas, podendo acontecer a troca de ideias. A comunicao oral se resume basicamente
em reunies, atendimento ao telefone, sistema de alto- falantes. Como destaca Fortes:
Preferir a comunicao oral para a troca ou discusso de opinies e conceitos, com vistas
soluo de problemas, harmonia e o consenso, no elimina os outros veculos, massivos ou
dirigidos, apenas facilita o contato direto, decisivo para os esforos das Relaes Pblicas, ao
fornecer uma informao, recepcionar a resposta imediatamente e por permitir a rplica.
(FORTES, 2003, p. 285)
Como Fortes (2003) menciona, a comunicao dirigida oral permite a rplica. Isso de extrema
importncia para o relaes pblicas, escutar o que o pblico quer ou reclama, tanto como os
colaboradores em uma reunio interna, tanto os cidados que s utilizam do servio municipal via
telefone. A riqueza de detalhes que a comunicao oral permite, fortalece o relacionamento feito de
maneira correta e cria mecanismos para que seja proveitosa entre o pblico e a Instituio.
Dentre a comunicao oral, o telefone merece uma ateno especial, visto que em muitas gestes
municipais, isso de total irrelevncia. O diferencial em uma gesto municipal o tratamento ao
cidado, e o telefone um meio de comunicao informal que se bem utilizado deixa-se uma boa
imagem pela cordialidade prestada.
prefeitura tem maiores chances de alcanar a legitimidade. Quando as pessoas comeam a acreditar
no governo, esperando as melhorias que de fato, so construdas, o governo comea a ganhar uma
credibilidade que com o tempo proporcionar uma boa reputao, com base em valores reais e em
aes concretas.
Para que o relaes pblicas desenvolva todo esse percurso para construir uma um bom
planejamento estratgico, para a prefeitura com aes que proporcionem a credibilidade
necessrio inclusive o cuidado com as atividades de sustentao. Essas atividades vo proporcionar
aos pblicos envolvidos dessa prefeitura um bom relacionamento e um meio desses pblicos
interagirem com a administrao pblica.
No caso especfico do trabalho em prefeituras, v-se como estratgico uma srie de aspectos em
cada uma destas etapas. No briefing, por exemplo, vital que se faa o mapeamento dos pblicos de
interesse de uma prefeitura, levando-se em conta quais deles so essenciais para a sua sobrevivncia
para que, por conseguinte, possa-se pensar quais deles o planejamento estratgico vai se direcionar.
O grau de relevncia ir apontar o pblico que ser tratado a curto, mdio ou longo prazo.
possvel que se pense os pblicos de acordo com a proposta de Andrade (2003), dividindo-os em
interno, externo e misto. H muitos casos de prefeitura que ignoram esta comunicao
profissionalizada com o pblico interno por consider-lo parte do processo.
Mal sabem que ignorando-os, esto ignorando-o tambm a possibilidade de criarem aes de cunho
motivacional que, alm de alimentar o interesse dos colaboradores, sobretudo promove a
integrao, o bom relacionamento, e a maximizao dos resultados via envolvimento emocional.
Este envolvimento pode vir por ferramentas simples de relaes pblicas, como a calendarizao, a
atualizao de murais ou as confraternizaes em momentos especiais como os aniversrios.
Aquele gestor que tiver a conscincia de que o seu sucesso tem por base, no s a capacitao do
pblico interno, mas, sobretudo o seu envolvimento, a sua participao, far certamente uso de
ferramentas comunicacionais e de significao para acess-los, dando-lhes voz e vez, pois s assim
ele se manter interessado, poder colaborar de fato com a busca por resultados e, sem sombra de
dvida, ser o pblico promotor da boa reputao da governana.
Com o pblico interno integrado dentro das aes comunicacionais preciso criar canais de
comunicao que liguem e associem prefeitura diretamente ao seu pblico externo. Seja por meio
de mensagens via os grandes meios de comunicao, como rdio, televiso, jornal, seja por meio de
estratgias de comunicao dirigida, nas quais podemos ressaltar cartas, cartes, convites, eventos,
sobretudo as mdias digitais que hoje em dia assumem um papel fundamental na comunicao
organizacional. Conectar, estabelecer laos, alimentar com informaes uma das formas mais
estratgicas de respeitar os pblicos de interesse, pois uma demonstrao de reconhecimento,
declarando a dependncia do outro, de mostrar como o outro importante, reconhecer que sua
existncia depende da existncia dele.
As atividades de sustentao proporcionam com o tempo maior visibilidade, pois trabalha de forma
especfica a comunicao com cada pblico de interesse. No pblico interno pode ser implantado
uma identidade visual contribuindo assim para um dos fatores da cultura organizacional forte e por
seguinte, refletindo na sociedade.
importante que dentro do planejamento estratgico de relaes pblicas seja especificado como
ser traado as campanhas que sero veiculadas na mdia. Campanhas publicitrias a publicidade
dos projetos em que a prefeitura est atuando no momento, como forma de mostrar ao cidado o
que est sendo realizado e de que forma podem participar.
Uma forma de divulgao dessas campanhas por meio da publicidade manter uma assessoria de
imprensa slida e responsvel. A assessoria de imprensa visa proporcionar uma maior visibilidade
as aes que esto sendo realizadas, mostrando resultados que logo gera visibilidade perante os
cidados. por meio do profissional de relaes pblicas que pode ser possvel efetivarem relaes
de confiana e meios de gerar credibilidade entre a prefeitura e os cidados com que ela se
relaciona.
Hoje com as novas tecnologias possvel com as plataformas sociais minimizar os custos e
aumentar a interatividade entre a prefeitura e o cidado. A comunicao digital tais como sites,
portal do cidado, blogs e pginas no facebook proporcionam uma comunicao gil, interativa e
participativa.
Todo esse progresso tecnolgico e a convergncia miditica que ele proporciona levam a uma
sociedade transparente e complexa ao mesmo tempo. Uma das grandes mdias responsveis por essa
clareza e complexidade a web rede de computadores. Manuel Castells acredita que a internet
domina a sociedade em que habitamos, denominando-a de sociedade de em rede:
Esta sociedade em rede a sociedade que eu analiso como uma sociedade cuja estrutura
social foi construda em torno de redes de informao microeletrnica estruturada na
internet. Nesse sentido, a Internet no simplesmente uma tecnologia; um meio de
comunicao que constitui a forma organizativa de nossas sociedades. (...) O que a internet
faz processar a virtualidade e transform-la em nossa realidade, constituindo a sociedade
em rede, eu a sociedade em que vivemos (2003 apud KUNSCH, 2006, p. 3).
dentro deste contexto e de suas complexas e repentinas mudanas que as prefeituras esto e
devem agir. Elas devem buscar aes e planejamentos estratgicos voltados para esse meio. Esse
novo cenrio faz com que novas posturas perante os cidados devam ser assumidas. Com isso, o
profissional de relaes pblicas tem um importante papel, sendo responsvel por planejar,
pesquisar, avaliar e programar aes de transparncia, dilogo e relacionamento entre a organizao
e seus pblicos e informando o cidado.
A ouvidoria hoje se torna um diferencial dentro das organizaes pblicas junto aos seus cidados,
que esto cada vez mais exigentes e carentes de bom atendimento individualizado e personalizado.
A melhoria no relacionamento entre o cidado e a prefeitura fundamental para aumentar a
eficincia da gesto municipal.
Por meio de uma ouvidoria solida possvel a consecuo de pesquisas de opinio para a
mensurao da satisfao do governo perante os cidados ou at mesmo das falhas apontadas.
Sabendo os anseios do outro podemos construir uma sociedade melhor, em que o governo e o
cidado possam manter um relacionamento efetivo. s vezes as aes que o governo pretende
desempenhar no bem aquela que os cidados precisam ou desejam, essa uma das premissas
mais importantes para a elaborao de pesquisas.
Consideraes Finais
A disseminao de informaes nas administraes municipais no o suficiente. A reflexo
terica realizada nos permite compreender que a simples existncia do ato de informar, no
necessariamente significa comunicao. Portanto a comunicao requer ultrapassar o ato da
informao, e passa a ser participao e dilogo entre os cidados e governos.
Uma das principais afirmaes que nos permitimos fazer a importncia do profissional de
Relaes Pblicas no governo municipal para a construo do planejamento. O fato pode ser
percebido porque o profissional visa proporcionar ao cidado um governo que oferea alm de
credibilidade e legitimao, aes de democracia participativa.
O cidado no cenrio do governo tem que passar do lugar da crtica para o envolvimento, quando
compreende as reais situaes que a administrao passa e alm da compreenso comea a opinar
formas de solucionar ou incrementar aes, o governo torna-se um governo participativo. Essa ideia
de compreenso entre governo e cidado permite junto ao processo comunicacional busca pelo
bem-estar de todos.
Com todo um planejamento exercido por um profissional capacitado a ser o gestor da comunicao,
o Relaes Pblicas possvel pensar num governo ideal, onde as aes comunicacionais so
maximizadas. A comunicao uma fora anterior as demais. Ela vem para fazer valer uma forma
de conscincia humana na qual s estamos bem, s preservamos nossas vidas e s somos capazes de
sermos felizes se o outro estiver bem. Por isso o processo comunicacional prima pelo bem-estar de
seus pblicos, pois s assim encontrar modos de existir no mundo.
Referncias Bibliogrficas
ANDRADE, C. T. S. Curso de Relaes Pblicas: Relaes com os diferentes pblicos. 6 ed. rev. E ampl.
So Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003.
BOBBIO, Noberto. Estado, Governo e Sociedade. Para uma teoria geral da Poltica. 8 ed. Trad. Marco
Aurlio Nogueira. So Paulo: Paz e Terra, 2000.
FORTES, W. G. Relaes Pblicas: processo, funes, tecnologias e estratgias. 2 ed. So Paulo: Summus,
2003.
RABAA, Carlos Alberto; BARBOSA, Gustavo Guimares. Dicionrio de Comunicao. Rio de Janeiro:
Campus, 2002.
ZMOR, Pierre. As formas da comunicao pblica. In: DUARTE, Jorge (Organizador). Comunicao
Pblica: Estado, mercado, sociedade e interesse pblico. 2 Edio. So Paulo: Atlas, 2009.
Corpo do trabalho
Comunicao, no senso comum, possui variadas conotaes: conversar, trocar ideias,
informar. Est associada transmisso de contedo. Foi a comunicao que permitiu ao homem
chegar ao estgio atual, transmitindo, de gerao a gerao, os conhecimentos e experincias
adquiridas.
A comunicao se d desde que o homem est no mundo. Mesmo que de maneira
rudimentar e limitada, sempre foi possvel ao homem expressar-se e se fazer entender. Houve o
estgio das figuras rupestres e, com o desenvolvimento da linguagem, o homem ampliou suas
possibilidades de se expressar, de se fazer entender, de interagir uns com os outros.
Num estgio inicial, a linguagem oral permitiu passar, de gerao a gerao,
experincias de vida e a histria do grupo, contribuindo para a sobrevivncia dos membros e para
fortalecer os laos entre eles. Por um longo tempo, foi determinante a transmisso oral da cultura.
Posteriormente, com os registros grficos, foi possvel reunir, guardar e transmitir mais
informaes, ampliando-se as possibilidades de transmisso cultural. No entanto, a escrita e a
leitura, principalmente esta, eram reservadas nobreza. Os nobres, principalmente, os que seriam
lderes, eram educados, inclusive, na arte da retrica, sendo ensinados a fazer bom uso da oratria e
da persuaso.
Naquela poca, j reconheciam que o conhecimento despertava a conscincia e poderia
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levar ao questionamento do poder real. Por isso, evitavam compartilhar o letramento e restringiam
as possibilidades de acesso aos pergaminhos, primeiramente, e aos livros, em seguida.
Lentamente, a oportunidade de ler e escrever foi estendida burguesia, tendo-se
popularizado aps a inveno da prensa, por Johanes Gutemberg, no sculo XV. Com a pea, foi
possvel reproduzir livros com maior agilidade que os manuscritos, favorecendo a circulao das
obras e, consequentemente, a disseminao de ideias, da cultura e do conhecimento para alm da
nobreza e da igreja.
A criao das primeiras escolas, sob os cuidados da igreja, por volta do sculo XVI,
tambm contribuiu para ampliar o acesso cultura por meio de leituras e escritos.
No decorrer da histria, a importncia social da comunicao j vinha despertando a
ateno de estudiosos e sendo motivo de pesquisa. O filsofo Aristteles, por exemplo, no sculo III
a.C., realizou estudos sobre a Retrica, com enfoque na persuaso. ele pesquisador que primeiro
constatou os componentes elementares da comunicao: o locutor, o discurso e o ouvinte, hoje
identificados como emissor, mensagem e receptor.
No sculo XVIII, os enciclopedistas estudaram a comunicao interpessoal,
notadamente Lingustica e Educao. Tambm iniciaram estudos sobre a comunicao coletiva e
mantiveram estudos sobre a retrica, na mesma linha de Aristteles.
No sculo XIX, a ampliao da circulao de informaes por meio de livros, jornais e
volantes e a notvel influncia destes na vida em sociedade, desencadearam estudos por parte dos
filsofos sociais, tais como os de Bezenberg e Krug, que realizaram estudos sobre jornais,
liberdade de imprensa e opinio pblica; James Bryce, que aprofunda postulados sobre os
mecanismos de formao da opinio pblica e preconiza um governo da opinio pblica e pela
opinio pblica; e Gabriel Tarde, que identifica a influncia da comunicao coletiva sobre a
comunicao interpessoal (MELO, 1998, p. 23).
Nesse perodo, a Revoluo Industrial em curso desde o sculo anterior, estimulou uma
crescente urbanizao, aglomerando as pessoas nas cidades. Com a expanso da alfabetizao e o
aprimoramento dos meios tcnicos de produo, reproduo e circulao dos produtos de
comunicao, mais pessoas tiveram acesso s mensagens veiculadas nos materiais impressos.
Transferindo-se das reas rurais para as cidades, para ficarem mais prximos s fbricas
onde passaram a trabalhar, em contato com outra cultura, os trabalhadores tiveram que se adaptar
vida urbana e desenvolveram uma cultura prpria, popular, em contraponto cultura da aristocracia.
Os meios de comunicao ento existentes contriburam para popularizar a cultura.
No sculo XX, os novos meios de comunicao (o rdio, o cinema e a televiso),
aliados aos j consolidados (livros e revistas), permitiram o alcance de um contingente maior de
pessoas, alcanando o que se convencionou chamar de massas, e por isso sendo designados de
No entanto, a partir do primeiro encontro de pesquisadores em comunicao latinoamericanos, promovido pelo Ciespal, em 1973, na Costa Rica, houve uma mudana nos rumos das
pesquisas produzidas na regio. Os pesquisadores participantes do encontro criticaram a
insuficincia das teorias americanas e europeias para explicar as peculiaridades dos fenmenos da
comunicao na Amrica latina e propuseram-se busca de alternativas metodolgicas aplicveis
nossa realidade, elegendo como aspectos importantes a serem investigados o papel da comunicao
na educao e o papel da comunicao na organizao e mobilizao populares.
Mesclando os paradigmas norte-americanos aos postulados europeus e adaptandoos s condies peculiares s nossas sociedades e s nossas culturas, foi possvel
superar as dicotomias entre metodologias quantitativas e qualitativas, entre
pesquisa crtica e pesquisa administrativa. Construmos uma via latino-americana
para estudar e interpretar os processos comunicacionais, antecipando-nos talvez
superao dos tabus impostos pela guerra fria e pelas barreiras criadas entre as
humanidades e as cincias sociais (MELO, 1999, p. 201).
Europa y en otras partes del mundo es la intercomunicacin que existe entre los
investigadores, los proyectos de investigacin cooperativa y la conexin entre
diversas organizaciones, institutos, publicaciones y facultades. Los
latinoamericanos tienden a considerar su tarea como una empresa continental de
investigacin, lo que da lugar a un grado relativamente alto de conocimiento mutuo
de lo que estn haciendo los investigadores. Por supuesto que a menudo hay debate
y agio descuerdo, sin embargo muchos latinoamericanos se refieren a su conexin
continental como la amigocracia (Robert White apud MELO, 1998, p. 117).
incluindo os crticos da indstria cultural, que se recusavam a realizar trabalhos para o mercado,
sempre com fins econmicos, ao mesmo tempo em que tambm no se permitiam realizar pesquisas
com investimentos pblicos, por desconfiana quanto aos interesses do Governo. Havia tambm os
pesquisadores que atuavam em projetos de comunicao alternativa e popular.
Nessa poca, apesar do pessimismo de alguns pesquisadores que viveram as
dificuldades da pesquisa nas dcadas anteriores, muitos prosseguiram suas pesquisas, reavaliaram
seus posicionamentos tericos e deram continuidade ao trabalho cientfico, em conjunto com novos
pesquisadores, que demonstravam seriedade, rigor cientfico e nimo para a pesquisa.
Nos anos 90, destaca-se uma nova gerao de pesquisadores, preocupada com o
fenmeno da comunicao, medida que este possa contribuir para as necessrias mudanas
sociais.
Projeta-se hoje uma nova gerao de jovens pesquisadores que tratam de preservar
as utopias assimiladas nos ensinamentos de seus mestres. Mas assume, ao mesmo
tempo, uma conduta paradigmtica, desenvolvendo prticas investigativas
referenciadas pelo novo contexto histrico e demandas sociais (MELO, 1999, p.
194).
Por outro lado, relata que no comeo da dcada de 80 surgiram pesquisadores jovens,
comprometidos, com potencial de fazer avanar a pesquisa, empurrando-a da pesquisa
participativa e da pesquisa denncia para a pesquisa-ao (MELO, 1998, p. 161). A pesquisa-ao
ou pesquisa-participante descrita por Temer como sendo:
uma proposta de pesquisa que busca resolver problemas sociais por meio da
aprendizagem coletiva e da busca de solues dentro da comunidade. O objetivo da
pesquisa vai alm da observao da ao e centra-se no enriquecimento do
conhecimento e na valorizao da solidariedade e cooperao dentro do grupo
(TEMER, 2009, p. 168).
Concluso
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 50. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
JESUS, Marluce Pontes Gomes de. Retrato do analfabetismo no Brasil. Disponvel em:
http://www.artigonal.com/educacao-artigos/retrato-do-analfabetismo-no-brasil-4618882.html>.
PERUZZO, Ciclia Maria Kroling. Comunicao comunitria e educao para a cidadania. Comunicao e
Informao, Goinia, v. 2, n. 2, p. 1-24. jul./dez. 1999.
TEMER, Ana Carolina Rocha Pessoa; NERY, Vanda Cunha Albieri. Para entender as Teorias da
Comunicao. Uberlndia: Editora da Universidade Federal de Uberlndia, 2009.
Mesa 2:
18
Jornalista e Mestrando em Comunicao, Cultura e Cidadania pela Universidade Federal de Gois. jemuf86@gmail.com
Ps-Doutor em Epistemologias da Comunicao pela Unisinos, Doutor em Cincias da Comunicao pela USP, Mestre pela UNB.
Orientador do Trabalho, email: signates@gmail.com
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ponto, pretende-se averiguar se os jornalistas disporiam de uma imagem do pblico que fosse
prpria de um campo jornalstico especfico, ou se apenas se sujeitariam a imagens alheias.
A Lacuna Da Comunicao
O pblico da mdia ou seja, quem est do outro lado dos jornais, telejornais, revistas, etc.
representa uma das grandes questes dos estudos comunicacionais. Na verdade, sua condio
indeterminada premissa bsica e constitutiva do prprio conceito atual de Comunicao. O
comunicacional s se torna objeto de investigao quando transcende o comunicar-se face a face e
passa a configurar uma circunstncia de comunicao entre e para grupos, para multides, para
massa, enfim, para o pblico. O princpio demarcador do conceito poderia ser resumido da
seguinte forma: interessam as modalidades de comunicao nas quais aqueles que produzem
contedo perderam, graas ao advento das tecnologias comunicacionais, a resposta imediata
daqueles que o consomem. Surgiu entre eles um meio, um elemento mediador, composto pelas
tcnicas, pelas mquinas, pela escrita, pela gravao ou qualquer outro tipo de ferramenta. Mas se
no princpio a idia de meio pareceu satisfatria aos estudiosos, muito cedo se percebeu que esse tal
elemento mediador no se contentava em simplesmente transmitir informaes, mas concorria para
modific-las, transform-las, traduzi-las. O elemento mediador no era constitudo apenas por
mquinas e tcnicas, mas por grupos de pessoas com interesses prprios, opinies e pontos de vista
especficos. Os meios de comunicao no eram apenas meios, mas sistemas simblicos, campos
de produo de conhecimento, agentes sociais de um mundo de tenses e intenes. Esse universo
social e cognitivo, e no simplesmente os mecanismos secos, foi o que se convencionou entender
por Comunicao. E assim tambm se assistiu ao afastamento do conceito de Comunicao de sua
acepo como elemento geral e orgnico do homem:
O termo massa foi amplamente utilizado para definir o pblico da mdia. Teorias to dspares
quanto a Hipodrmica e a Escola de Frankfurt definiram a massa como um grupo indistinto e
amorfo de seres passivos, totalmente vulnerveis s influncias dos meios de comunicao. Outras
correntes, como a culturolgica e os cultural studies, criticaram essa idia e tentaram captar as
distines internas do pblico, mostrando como os chamados receptores reagem ativamente s
mensagens, de modos e maneiras to plurais que seria impossvel capt-los em sua integralidade.
(WOLF, 2002). O prprio conceito de receptor deixa de fazer sentido com as propostas das
teorias cognitivas, da hermenutica e da psicologia. Quem est do outro lado no recebe apenas a
informao; ele a constri ativamente. Mas, de uma forma ou de outra, o que parece patente que o
pblico da Comunicao se tornou nebuloso, e a sua definio se transformou em objeto ou varivel
imprescindvel nos estudos comunicacionais. A to festejada capacidade que a mdia adquiriu de
difundir suas mensagens para todo o mundo foi responsvel pelo interessante paradoxo de que,
quando se fala para todo mundo, no se pode saber para quem ao certo se est falando.
O que agora descrevemos vagamente como comunicao de massa uma srie de
fenmenos que emergiram historicamente atravs do desenvolvimento de instituies que
procuravam explorar novas oportunidades para reunir e registrar informaes, para produzir
e reproduzir formas simblicas, e para transmitir informaes e contedo simblico para
uma pluralidade de destinatrios em troca de algum tipo de remunerao financeira.
(THOMPSON, 2008. pg. 32)
Thompson recupera outro aspecto importante para os objetivos dessa dissertao. Aquilo que se
pretende observar no est no sentido real da massa, ou seja, na inteno de efetivamente defini-la e
delimit-la, mas na sua existncia como imagem simblica. Assim, a questo se desloca do real para
o simblico. Isso porque o pblico da Comunicao de Massa no seria aquele que efetivamente
est l fora, que respira e opina a revelia das pesquisas, mas aquele que est do lado de dentro: a
massa a imagem da massa. O que importa na comunicao de massa no est na quantidade de
indivduos que recebe os produtos, mas no fato de que estes produtos esto disponveis em princpio
para uma grande pluralidade de destinatrios. (THOMPSON, 2008. pg. 30)
Interessa o que est em princpio. O que de fato importa que o advento da mdia, das
tecnologias miditicas, criou na mente daqueles que trabalham com a Comunicao a impresso de
que suas mensagens alcanariam um nmero incalculvel e incontrolvel de indivduos. O produto
miditico, portanto, produzido sob essa premissa; ele arquitetado segundo a concepo de que
atingir todas as pessoas. Se isso ocorre de fato ou se apenas uma das vrias pretenses e sonhos
de grandeza da mdia, no cabe a esse trabalho averiguar. Aqui interessa apenas que tal pressuposto
firmou-se na mitologia social de modo to profundo que tido como um axioma bsico.
Desse modo, a indeterminao do pblico da mdia pode e ser considerada apenas sob o prisma
conceitual. No se pretende aqui avaliar a acuidade com que a mdia descreve e mapeia seus
pblicos, e tampouco a constituio emprica e efetiva desse pblico, mas sim constatar que a
Comunicao Mediada abre uma lacuna conceitual no lugar onde estaria o Outro para quem se fala.
Tal lacuna no necessariamente considerada uma falha, mas um resultado lgico de alguns
atributos conferidos aos meios de comunicao atuais.
Assim, ao longo de seu desenvolvimento, a mdia cria e aprimora mecanismos de reduo das
possibilidades interpretativas tais como as pesquisas de pblico, os ndices de audincia, a
sistematizao do estudo dos feedbacks colaterais, a intensificao dos canais de interatividade
mediada ou direta, etc. Alm disso, o prprio caminho evolutivo dos meios de comunicao
acompanha os desenlaces da sociedade e se torna funcional dentro de sua lgica, sendo passvel de
aferio e de auto-observao. A mdia reflete sobre si mesma e sobre a sociedade, e capaz de
observar seus erros e acertos. Ela no est dissociada dos outros elementos da sociedade e, mesmo
se assim se imagina, no o faz de forma absoluta. Entretanto, levando-se em conta todas as
relativizaes prudentes e necessrias, ainda parece razovel manter a hiptese de que existe uma
realidade criada dentro da mdia e ela fornece imagens, esteretipos, arqutipos para suprir a lacuna
da Comunicao. Diante da pluralidade atordoante de seu pblico, os jornalistas passam a escrever
ou falar para simplificaes desse pblico, ou seja, para esteretipos.
Esteretipos
O termo esteretipo ganhou, no senso comum, um grande peso pejorativo. A figura rasa, a cpia
caricata, a imagem preconceituosa ou simplista, o malandro carioca, a loira burra, o terrorista
islmico, o pequeno burgus, o maconheiro, o estudante de humanas, o capitalista workaholic; todas
essas imagens se enquadram no conceito bsico de esteretipo, mas nenhuma delas o define em sua
totalidade. O que se procura ressaltar aqui anlogo ao que Lippmann demonstrou em seu trabalho:
o esteretipo um produto inevitvel da nossa apreenso cognitiva do mundo. Criamos esteretipos
toda vez que interpretamos a realidade e, ainda que esses esteretipos sejam sempre
simplificadores, rasos e valorativos, eles no necessariamente so sempre preconceituosos ou
simplistas. Os indivduos disporiam de mecanismos e sadas cognitivas para filtrar, selecionar e
reconstituir o aparente caos em uma imagem acessvel de realidade. O grau de detalhamento e
fidelidade dessa reconstituio ficaria por conta da capacidade, do interesse e do esforo individual,
mas o fato que, independente deles, as imagens da realidade seriam sempre apenas aproximaes.
Pois o ambiente real excessivamente grande, por demais complexo, e muito passageiro
para se obter conhecimento direto. No estamos equipados para tratar com tanta sutileza,
tanta variedade, tantas modificaes e combinaes. E embora tenhamos que agir naquele
ambiente, temos que reconstru-lo num modelo mais simples antes de poder manej-lo. Para
atravessar o mundo as pessoas precisam ter mapas do mundo.( LIPPMANN, 2010. pg 31)
Em resumo, quando se pretende falar a um grupo de indivduos, natural que se crie uma imagem
anterior desses indivduos e que se molde a fala segundo tal imagem. E quando falar ao outro
uma atividade recorrente e socialmente realizada, a imagem desse Outro adota formas relativas ao
campo simblico do grupo que fala e reflete sua acepo de mundo e de realidade. No caso do
jornalismo, h um consenso de que seu pblico amplo, heterogneo e dificlimo de ser precisado
com exatido. Curiosamente, ao mesmo tempo em que esse consenso existe, existe tambm o mito
de que o produto jornalstico um artefato capaz de homogeneizar as diferenas e falar diretamente
razo de qualquer indivduo. O auditrio universal (PERELMAN-TYTECA, 2005) do jornalista
superaria o problema dos mltiplos interlocutores ao possibilitar que a argumentao fosse
embasada em aspectos universais, amplamente compreensveis. Mas a experincia j provou que
definir tais aspectos no tarefa simples e, na maioria das vezes, aquilo que se considera universal
no passa de apenas majoritariamente aceito em dada cultura e momento histrico. Assim, mais
importante que tentar definir um auditrio universal verdadeiro seria estudar qual a ideia de
auditrio universal este ou aquele grupo possui e por que ele acredita que tais e tais elementos
alcanariam todos os seres humanos.
Como o campo literrio ou o campo artstico, o campo jornalstico ento o lugar de uma
lgica especfica, propriamente cultural, que se impe aos jornalistas atravs das restries e
dos controles cruzados que eles impem uns aos outros e cujo respeito (por vezes designado
como deontologia) funda as reputaes de honorabilidade profissional. (BOURDIEU, 1997:
105)
Na concepo de Gomes (2004), para que uma atividade humana produza um campo prprio
necessrio que ela crie autonomia interna e mtodos de valorao de prestgio e poder que
independam ou, pelo menos, corram paralelamente aos outros mbitos sociais. Segundo Traquina
(2008), o conceito bourdiano de campo pressupe a existncia de um grupo que se considera e
considerado detentor legitimo de algum conhecimento especfico e que, em decorrncia disso, pode
se estruturar internamente de modo a sustentar uma disputa por prestgio e a consagrao de
diretrizes teleolgicas e ditames deontolgicos. Tais elementos no restringem a especificidade do
campo ao domnio de uma tcnica, mas principalmente geram as condies para a formao de uma
ideologia ou, nas palavras de Bourdieu, uma representao mais ou menos idealista e mtica de si
mesma. (BOURDIEU, 1996:11 apud TRAQUINA, 2008:22). Em outros termos, ser jornalista no
significa apenas ter domnio da escrita jornalstica, dos processos de produo da notcia ou das
artimanhas de redao, mas principalmente compreender o mundo a partir de certos valores
condizentes com uma ideologia jornalstica e, ainda, aplicar essa compreenso em sua prtica diria.
A partir de sua formao, o campo social persegue meios de assegurar sua autonomia, sua
legitimidade e sua autoridade. Isso passa por construir e manter uma identidade, matriz simblica de
valores, conceitos, ideologias, explicaes e justificativas, que no apenas tornam coeso o sistema
interno como competem para garantir coerncia e relevncia na relao com outros campos da
sociedade. (HALL, 2006). Como sistema identitrio, o campo adquire preocupaes e tenses
internas que justificam os atos de seus integrantes frente aos grupos que lhes so estranhos.
Essa interessantssima acepo de Gomes revela em primeiro plano a busca pela legitimidade e
autoridade do campo jornalstico: os jornalistas percebem-se como nicos capazes de efetivamente
julgar a qualidade do trabalho jornalstico, pois so os nicos que conhecem e dominam a lgica
interna do campo. No apenas uma questo de saber fazer, mas tambm de saber julgar, ou seja,
de saber delimitar o Outro, o espao do Outro, a posio do Outro.
Gomes (2004) estuda as estreitas relaes entre o campo jornalstico e o poltico, situando seu incio
nos primrdios do prprio jornalismo. Ele recupera Habermas para demonstrar que o jornalismo,em
seus moldes modernos, comea a surgir totalmente atrelado ao mbito poltico, como um
epifenmeno dos embates por poder entre burguesia e Estado aristocrtico. J Bourdieu(1997)
traz uma acepo distinta ao trabalhar com o campo jornalstico e o campo econmico. Para ele, a
formao do campo jornalstico ocorreu a partir do conflito entre aqueles que queriam agradar ao
pblico e, com isso, garantir-se economicamente e aqueles que almejavam agradar a seus pares e,
assim, conquistar prestgio e reconhecimento:
O campo jornalstico constituiu-se como tal, no sculo XIX, em torno da oposio entre os
jornais que ofereciam antes de tudo notcias, de preferencia sensacionais ou, melhor,
sensacionalistas, e jornais que propunham anlises e comentrios, aplicados em marcar
sua distino com relao aso primeiros afirmando abertamente valore de objetividade.
(BOURDIEU, 1997:105)
Ou seja, operam a duas lgicas conflitantes que garantem, cada uma, seus prprios mbitos de
prestgio e legitimidade. De um lado, o polo comercial, cuja mensurao de valores ocorre segundo
o nmero de leitores e o lucro obtido, e de outro, um polo que pode ser chamado de intelectual ou
idealista, cuja mensurao de valores ocorre segundo a observncia de virtudes tais como a
objetividade, a veracidade, a qualidade na busca pela informao, etc. A questo dos polos do
jornalismo tambm trazida por Traquina em seu estudo sobre a tribo jornalstica (2008).
Para Bourdieu, o campo jornalstico sofreria com especial intensidade a influencia do polo
comercial, mais do que outros campos como o cientfico ou o artstico. Uma vez que o jornalismo
se orienta segundo a produo de um bem altamente perecvel como as notcias, os valores
relativos venda e conquista de pblico se tornariam hegemnicos na lgica interna do campo. Mas
encontrariam sempre a resistncia daqueles jornalistas, geralmente mais jovens, que se colocam
como defensores dos valores da profisso.
Pela base terica acima exposta possvel inferir que o campo poltico e o campo econmico
constituem Outros imprescindveis na formao da Identidade jornalstica. Se a relao entre eles
de conflito, de mimese ou at de submisso, o importante perceber que os jornalistas se
posicionam e se reconhecem como mais que simples transmissores da identidade alheia. Importa
ressaltar, ainda, que a autonomia operacional no pr-requisito para a autonomia identitria.
Maffesoli (2006) demonstra como, ainda que forados ou persuadidos a agir de modo contrrio a
seus princpios legtimos, um grupo capaz de guarda-los em si e deixa-los transparecer de maneira
subterrnea, nas entrelinhas da tendncia hegemnica.
Bourdieu (1997) realiza um estudo a respeito de como o campo jornalstico influencia outros
campos culturais. Sua concluso de que a influncia dos jornalistas enfraquece a valorao interna
desses campos e introduz uma forte tendncia lgica comercial de mercado. Mas o autor tambm
ressalta um aspecto importante: para ele, o campo jornalstico exerce tal influencia porque ele
prprio est cada vez mais dominado pela lgica comercial.
Assim, o reforo da influncia de um campo jornalstico, ele prprio cada vez mais sujeito
dominao direta ou indireta da lgica comercial, tende a ameaar a autonomia dos
diferentes campos de produo cultural, reforando, no interior de cada um deles, os agentes
ou as empresas que esto mais propensos a ceder seduo dos lucros externos... (
BOURDIEU, 1997: 110)
Partindo dessa ressalva de que o campo jornalstico estaria tambm dominado pela lgica
comercial, a pesquisa aqui realizada pretende seguir por um caminho diferente do de Bourdieu: a
questo-problema aqui apresentada e as hipteses de horizonte esto relacionadas ao que poderia
ser chamado de resistncia simblica do campo jornalstico. Ao invs de se indagar a respeito das
influencias do campo jornalstico sobre outros, pergunta-se aqui se existe uma resistncia no mbito
simblico do campo jornalstico em relao influencia que os outros campos exercem sobre ele. O
jornalista, portanto, refugia-se em seu prprio nicho para se afirmar diferente do poltico, do
empresrio, dos detentores do poder ou dos que aspiram a isso. Em resumo, infere-se que o campo
social jornalstico se constri a partir da diferenciao com o campo poltico, o campo econmico, o
campo da publicidade etc. Eles so os Outros. E isso constatado mesmo na experincia do
jornalismo submisso a interesses polticos ou econmicos. A prtica corrente no anula a expresso
do nvel simblico, mas pode torn-la marginal, subterrnea, rechaada. H, porm, um Outro ainda
mais importante e interessante para o fazer jornalstico: o pblico.
Os jornais eram vistos como um meio de exprimir as queixas e injustias individuais e como
uma forma de assegurar a proteo contra a tirania insensvel. Portanto a legitimidade
jornalstica est na teoria democrtica e, segundo os seus tericos, assenta claramente numa
postura de desconfiana (em relao ao poder) e numa cultura claramente adversarial entre
jornalismo e poder. (TRAQUINA, 2005.p.47)
Um campo social que funda sua mitologia na idia de fazer frente ao poder dominante, que no se
reconhece como representante ou parte desse poder, mesmo que na prtica o seja. Mas, se os
jornalistas no se vem desse lado do jogo social, eles tampouco se consideram parte do outro lado;
o jornalista tambm no o pblico. Apesar de transitar nos mesmos espaos fsicos e sociais, e
mesmo que compartilhem vrios sistemas simblicos agregadores maiores (a nacionalidade, o
conceito de cidado, de morador urbano, etc.), pode-se observar que o jornalista no se considera e
nem se v como seu prprio pblico, no se confunde com ele, e no se reconhece nele. O pblico,
portanto, tambm um Outro para o jornalista. Quando se fala do campo estritamente simblico e
por isso mais idealista o pblico , no mximo, colocado do mesmo lado da luta, sem que isso
signifique paridade de funo ou de posio. Portanto, o jornalista no se reconheceria
simbolicamente nem no sobre quem se fala e nem no para quem se fala.
O fato que muitos dos estudos sobre o a cultura e o campo jornalsticos relativizaram ou
minimizaram a importncia do pblico no processo de confeco das notcias. Nos primrdios das
pesquisas em Comunicao, Kurt Lewin j mencionava os gatekeepers para demonstrar como a
organizao interna de um jornal influenciava mais na produo da notcia que o pblico ( WOLF,
2008,p.187). A indefinio desse Outro deslocaria a funo de interlocutor para aqueles que esto
mais prximos, e que efetivamente leriam, comentariam e criticariam os textos produzidos. ali,
nas redaes e nos corredores, que o prestgio do campo jornalstico se distribui, pois s ali ele
compreensvel e possui valor. Para essas vertentes das teorias da comunicao, o pblico tem sua
importncia praticamente anulada em nome de aspectos inerentes produo jornalstica, pelo
menos no que diz respeito filtragem e seleo de notcias a serem publicadas:
Como j foi abordado em textos anteriores, tambm Gomes (2004) ressalta como a formao de um
campo jornalstico pressupe, muitas vezes, a hierarquizao das relaes entre jornalistas e os
Outros representados pelos campos poltico ou econmico. Ao invs de lidar com o pblico, o
jornalista se preocupa em lidar com o Governo, com as assessorias, com os anunciantes, ou seja,
com as fontes de sustentao da empresa jornalstica. Da mesma forma, retornando-se ao conceito
de Leitor-Ideal, possvel sugerir que o texto jornalstico, texto fechado e fruto de uma rotina
produtiva intensamente influenciada por valores mercadolgicos, j propiciaria uma imagem
estandartizada de pblico, retirando dos jornalistas a necessidade de pensar em para quem falariam
ou escreveriam. Nesse caso, a produo jornalstica seria entendida como um processo meramente
mecnico, indiferente e no-subjetivo, quase como uma atividade industrial. Por fim, tambm
possvel afirmar que as pesquisas de pblico, a aferio quantitativa ou qualitativa de audincia, e
vrios outros mecanismos cientficos similares transfeririam a responsabilidade de definir quem o
pblico para os departamentos publicitrios ou econmicos das empresas jornalsticas. Aos
jornalistas caberia apenas alimentar a mquina de realidades com sua mo-de-obra produtiva.
E exatamente nesse ponto que a pesquisa se encontra. Porque, afinal, depois de toda a
conceituao terica exposta, ser mesmo possvel que o jornalista no se indague sobre quem est
do outro lado? E melhor, ser mesmo possvel que o campo jornalstico estruturado
simbolicamente em torno de um conceito de confronto e defesa dos mais fracos se submeta com
tanta candura aos conceitos comerciais ou polticos de pblico? Ao ir a campo, o pesquisar pretende
Referncias Bibliogrficas
BOURDIEU, Pierre. O Poder simblico; traduo Fernando Tomaz 12 ed. Rio de Janeiro; Bertrand Brasil,
2009.
GOMES, Wilson. Transformaes da poltica na era da comunicao de massa. So Paulo: Paulus, 2004.
HABERMAS, Jrgen. Mudana estrutural da esfera pblica: investigaes quanto a uma categoria da
sociedade burguesa. 2 Ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
HOHFELDT, Antonio, MARTINO, Luiz C., FRANA, Vera Veita. Teorias da Comunicao, conceito
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LIPPMANN, Walter. Opinio Pblica. 2 ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 2010.
VARGAS LLOSA, Mario. Tia Jula e o Escrivinhador. 1 ed. So Paulo: MEDIAfashion. 2012
WEBER, Max. Metodologia das Cincias Sociais, Parte 1. 4 edio, So Paulo: Editora da Unicamp, 1993
WOLF, Mauro. Teoria da Comunicao de Massa 7 ed. Barcarena, Portugal, Editorial Presena, 2002.
Resumo
O presente artigo analisou a relao entre a comunicao e a cidadania. Atravs de uma
retrospectiva histrica, concluiu-se que a condio para a consolidao da cidadania a existncia
de uma comunicao democrtica exercida tanto em uma esfera pblica fsica como em uma
virtual. Investimentos em tecnologia e educao ampliam a capacidade de fala dos indivduos que
passam a fazer parte de uma esfera onde so considerados cidados. A ampliao do acesso a estes
locais, por meio de novas mdias, possibilita a ampliao do nmero de cidados.
Palavras-chave
Comunicao; cidadania; esfera pblica; novas mdias.
Introduo
A cidadania tem se tornado um dos temas preferidos de vrios campos do conhecimento como
sociologia, filosofia e tambm da comunicao. Isto se deve ao fato talvez, da cidadania ser um
vocbulo em constante construo. medida que os anos passam, o conceito vai sendo ampliado
devido a descoberta de novos direitos, que atravs de requisies da sociedade ou mesmo por
outorga dos governos.
Um dos direitos abrangidos pela cidadania o da comunicao. As lutas histricas por liberdade
fizeram com que este direito fosse consolidado na Declarao dos Direitos do Homem e do
Cidado, em 1948, e a partir dai, nos ordenamentos jurdicos de vrios pases, inclusive no Brasil.
medida que os cidados exerciam este direitos, novos iam sendo consolidados. Dessa forma
observou-se uma relao intrnseca entre a cidadania e a comunicao, questo esta que se tornou
objeto de estudo de diversos tericos.
Ainda no existe um consenso sobre qual a influncia de um campo sobre outro, no entanto h
algumas consideraes. O objetivo deste artigo contribuir com conhecimentos que respondam a
pergunta: Qual o papel da Comunicao na consolidao da cidadania? Para tanto, iniciaremos com
20
Mestranda em Comunicao pela Faculdade de Comunicao e Biblioteconomia da Universidade Federal de Gois, Bacharel em
Direito pela Pontifcia Universidade Catlica de Gois, Jornalista. juliana.junq@hotmail.com
21
Diretor da Faculdade de Comunicao e Biblioteconomia da Universidade Federal de Gois e coordenador de Extenso Cultural da
PROEC-UFG; doutor pela USP, coordenador do GT Mdia e Recepo da Associao Nacional deProgramas de Ps-Graduao em
Comunicao.
uma retrospectiva histrica, destacando as principais alteraes que o conceito de cidadania sofreu
at ser consolidado com o sentido como a percebemos hoje, ou seja, o conjunto de direitos civis,
polticos, sociais e difusos.
Depois analisaremos como a comunicao estava presente neste percurso e de que forma auxiliou
na consolidao da noo atual de cidadania. Abordaremos tambm a relao entre cidades,
cidadania e comunicao e ainda a importncia das novas mdias e tecnologias para que a
ampliao contnua deste conceito.
A Consolidao Da Cidadania
A cidadania que compreendemos hoje no a mesma da idade clssica ou moderna. O sentido foi
sendo construdo ao longo dos anos atravs de vrios fatos histricos
A palavra cidadania provm de cidado, vocbulo utilizado nas sociedades clssicas, Grcia e
Roma, para designar o indivduo que vivia em uma cidade, ou seja, um grupo de pessoas que vivia,
de forma organizada, em um territrio permanente com o intuito de lucro. A concepo de cidade
surge na Grcia, no perodo arcaico (sculo VIII ao VI a.C.) com a desagregao dos genos, uma
espcie de cl familiar, cujos membros descendiam de um antepassado em comum. O crescimento
populacional, a falta de terras produtivas e consequentemente de alimentos, gerou conflitos
violentos no interior desta forma de organizao social.
Desse modo, as famlias decidem dividir as terras conforme o grau de parentesco, ou seja, quanto
mais prximo do patriarca, maior e melhor era a herana territorial. Assim, surgem as primeiras
cidades gregas, as chamadas polis:
Sociedade que se formou da reunio de vrias aldeias constitui a Cidade, que tem a faculdade
de se bastar a si mesma, sendo organizada no apenas para conservar a existncia, mas
tambm para buscar o bem-estar. Esta sociedade, portanto, tambm est nos desgnios da
natureza, como todas as outras que so seus elementos. Ora, a natureza de cada coisa
precisamente o seu fim. (ARISTTELES, 1991, p.3-4)
Percebe-se o fim das sociedades nmades e a formao de territrios permanentes. O fim das
famlias patriarcais e a formao de cidades tambm ocorre, neste mesmo perodo, na sociedade
romana.
Nestas duas sociedades clssicas, nem todos os indivduos eram considerados cidados. Na Grcia,
esta condio era conferida apenas aos frequentadores da gora, uma espcie de praa pblica onde
se reuniam os considerados homens livres, ou seja, aristocratas que no possuam a necessidade de
trabalhar para sobreviver. Na gora, o direito de comunicao era absoluto uma vez que era atravs
dele que os homens livres expressavam suas crenas e ideias para a consecuo do bem comum.
nmero
de
cidados
era
pequeno,
pois
esta
condio
exclua
alm
dos
Portanto, o fato de ter nascido ou habitar uma dada Cidade (polis) no conferia necessariamente a
uma pessoa a condio de cidado, o que quer dizer que nem todo citadino era cidado. Assim
desvincula-se a ideia de que cidado aquele que nasce na cidade. Na Grcia, cidado era aquele
que se sentia pertencente a ela. Cidadania estava ligada ao sentimento de pertena e participao em
uma esfera onde se discutia questes referentes cidade.
Em Roma , a cidadania plena era mais abrangente do que na Grcia e consistia no conjunto de
direitos civis e polticos. Os direitos polticos permitiam a participao na vida poltica, ou seja,
votar e ser votado, j os direitos civis permitiam contrair matrimnio, realizar atos jurdicos e
possuir terra. No entanto, assim como na Grcia, essa condio era restrita apenas aos indivduos
nascidos e residentes no territrio romano e seus descendentes Os estrangeiros eram considerados
brbaros, no possuindo nenhum direito, o que os colocava a margem da sociedade.
Como podemos perceber, o significado da palavra cidadania na Idade Antiga era extremamente
restritivo. Alm de situar apenas alguns indivduos como cidados, conferia a estes apenas direitos
polticos e uma parcela de direitos civis. A cidadania consistia no direito, conferido a uma parcela
mnima da sociedade, de participar de uma esfera pblica onde eram discutidas questes referentes
cidade. Os demais, que eram a maioria da populao, permaneciam em uma esfera privada, sem
direito de opinar ou mesmo de serem representados, eram considerados uma parcela sem
conscincia ou capacidade de pensamento. No dizer de Dalmo Dallari:
A cidadania era uma espcie de ttulo nobre que diferenciava as camadas sociais existentes naquela
poca. A queda do imprio romano, que marca o incio da Idade Mdia, provoca profundas
alteraes nas estruturas sociais e no modo de organizao da sociedade. Neste perodo, a Igreja
figura como a instituio que regula as relaes entre cidado-Estado.
Neste perodo, a possibilidade de mobilidade social era praticamente inexistente, a sociedade era
fortemente hierarquizada. A nobreza feudal (senhores feudais, cavaleiros, condes, duques,
viscondes) era detentora de terras e arrecadava impostos dos camponeses. Os servos eram
camponeses e pequenos artesos, que tinham como dever o pagamento de vrias taxas e tributos aos
senhores feudais.
Devido a esta clara relao de subordinao entre as classes sociais, diluiu-se o princpio da
cidadania. Havia o conformismo das classes subalternas devido ideia de sociedade estamental. As
classes no se agrupavam para reivindicar melhores condies de trabalho aos senhores e acabavam
obedecendo a suas ordens sem contestao. A cidadania neste perodo foi reduzida ao extremo, pois
assim como nas sociedades clssicas, o poder de participao poltica e social era restrito apenas s
camadas superiores.
O restabelecimento das cidades fez com que a comercializao de artesanatos ou mesmo dos
produtos da agricultura se tornassem o caminho da prosperidade para muitos camponeses, que com
a decadncia do feudalismo e consequente perda de poder dos senhores feudais, deixam os feudos e
buscam refgio nas cidades. Este grupo comea a se estabelecer como fora econmica, ao
transformar os frutos das produes em lucro. A consolidao das cidades marca o incio da idade
moderna, onde o poder volta a ser centralizado nas mos de um rei, no entanto, uma clara
segmentao social continua sendo a marca desta nova sociedade, que era dividida e organizada em
clero, nobreza e povo.
J no final da Idade Moderna, observa-se um srio questionamento das distores e privilgios que
a nobreza e clero insistiam em manter sobre o povo. a que comeam a despontar figuras que
marcariam a Histria da cidadania, como Rousseau, Montesquieu, Diderot, Voltaire e outros. Esses
pensadores passam a defender um governo democrtico, com ampla participao popular e fim de
privilgios de classe e ideais de liberdade e igualdade como direitos fundamentais do homem e
tripartio de poder.
cidade, que era restrita nobreza e ao clero. Este fato culminou em uma srie de movimentos que
objetivavam que a condio de cidado fosse estendida a toda populao, independente da classe
social.
Um longo processo que inclui a promulgao de documentos como a declarao inglesa Bill of
Rights de 1698 e a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado francesa de 1789. A
positivao dos desejos da populao permitiu que a cidadania deixasse de ser apenas um ttulo das
classes dominantes.
Marshall, em seu clssico estudo de 1949, divide a cidadania em trs dimenses, cada uma fundada
em um princpio e uma base institucional distintos.
A primeira a cidadania civil, que tem como princpio bsico a liberdade individual, e tem como
direitos, por exemplo, a liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e f, o direito
propriedade e de concluir direitos vlidos e o direito justia. No setor econmico, o direito civil
bsico era o direito a trabalhar que positivado pelo Direito Consuetudinrio. Marshall afirma que a
histria dos direitos civis marcada pela aquisio gradativa de novos direitos. Desse modo, ser
cidado o mesmo que ser livre.
A segunda a cidadania poltica, que tem como princpio bsico o direito comunicao, ainda no
reconhecido como tal, e que significa participar do exerccio do poder pblico tanto diretamente,
pelo governo, quanto indiretamente, pelo voto. Marshall explica que neste momento em que a
cidadania deixa de ser uma condio conferida a poucos e passa a ser uma obrigao do Estado para
com a sociedade.
Os direitos sociais so consolidados atravs de uma doao de velhos direitos, como o direito ao
voto, a novos setores da populao. Antes deste presente, os indivduos no pertencentes
nobreza ou ao clero, apesar de possurem liberdade para expressar suas opinies, no possuam o
direito de participar da esfera pblica, ou seja, da vida poltica da cidade. Desse modo, o exerccio
dos direitos civis era invivel, s se tornando possvel com o fim do monoplio dos direitos de
segunda gerao.
A terceira a cidadania social, que tem como princpio bsico a Justia Social e significa a
participao na riqueza coletiva atravs do direito educao, sade, ao emprego, a um salrio
justo e comunicao. Inicialmente, estes direitos eram conferidos aos excludos da sociedade, que
Resumindo, estes direitos representam o direito de se conquistar direitos, ou seja, reforam a ideia
de que o conceito de cidadania no permanente, pelo contrrio, seu significado ampliado com o
passar dos tempos e consequentemente, com o surgimento de novos direitos.
Percorrendo toda a retrospectiva histrica da cidadania, tem-se que a comunicao perpassa todas as
quatro dimenses da cidadania, constituindo-se, ao mesmo tempo, em direito civil liberdade
individual de expresso, crena e religio, sem qualquer tipo de censura; em direito poltico
atravs do exerccio do direito de comunicar-se, que consiste no s no direito de eleger
representantes polticos, como tambm participar diretamente do exerccio da democracia e ainda
no direito do acesso informao; em direitos sociais atravs do direito a uma comunicao
democratizada, que assegure pluralidade de ideias e opinies; e finalmente em direitos difusos a
comunicao permite a luta e o reconhecimento de direitos necessrios para a preservao do
princpio da dignidade da pessoa humana.
Resgatando o termo em sua etimologia Marques de Melo (1975, p. 14) lembra que comunicao
vem do latim communis, comum. Ou seja, o objetivo da comunicao tornar um determinado
assunto compreensvel para mais de um indivduo, tornar algo pblico, fazer com que indivduos
que vivem em um mesmo local possam se comunicar a respeito do que acontece na sociedade.
Consideramos aqui tanto a comunicao interpessoal, quanto a realizada atravs dos meios
tecnolgicos de transmisso de informao,
Pelo exposto, percebe-se que a comunicao e a cidadania esto ligadas a existncia de um local
onde existe uma reunio de pessoas com o objetivo de l permanecer. Percorrendo a consolidao
histrica do conceito de cidadania, percebe-se que este termo est presente apenas nos momentos
histricos em que os indivduos habitavam um lugar comum, ou seja, nos perodos em que os
historiadores falam em plis, burgos e cidades. Nas sociedades clssicas a noo de cidadania era
fortemente ligada ao sentimento de pertena a um determinado territrio, que era o local onde o
individuo possua o direito de participar da vida poltica da sociedade.
Na Grcia, a cidadania, mesmo que restrita apenas a alguns grupos, era exercida na plis, assim
como em Roma, em que eram considerados cidados aqueles que residiam no territrio romano, que
era o local onde se permitia o exerccio dos direitos polticos e civis. A cidade, assim, possibilitava
o encontro e a discusso de ideias. Com a queda do imprio romano e surgimento dos feudos, as
cidades so extintas, o que provoca o distanciamento das famlias.
O espao para convivncia e troca de experincias destrudo e d lugar a uma sociedade marcada
pelas relaes de dominao e pelo desaparecimento da ideia de cidadania, que s encontrada
novamente, pelos registros histricos, com o aparecimento do comrcio que provoca o
ressurgimento das cidades. Como expe Marshall:
Na sociedade feudal, no havia nenhum cdigo uniforme de direitos e deveres com os quais
todos os homens nobres e plebeus, livres e servos eram investidos em virtude de sua
participao na sociedade. No havia nesse sentido, nenhum princpio sobre a igualdade dos
cidados para contrastar com o principio das desigualdades das classes. Nas cidades , por
outro lado, exemplos de uma cidadania genuna e igual podem ser
encontrados.(MARSHALL, 1964, p.201)
Nas cidades, os homens passam a ser vistos como indivduos portadores de iniciativa e
conhecimentos que, para serem exercitados, precisavam de liberdade para ir e vir e para expressar
suas ideias. Nessa poca, muitas cidades (burgos) se transformam em signo de liberdade.
Desse modo tem-se que o exerccio da cidadania est ligado existncia de um lugar comum, ou
seja, de uma cidade, pois este lugar que permite a comunicao entre os indivduos. A existncia
de um espao que rene indivduos de diferentes classes sociais, mas com mesmo status
comunicacional, fundamental para o exerccio da cidadania plena.
O territrio se impe como uma condio continente ao contedo poltico da cidadania e ao nvel de
organizao social, cultural e econmica existente. De modo que fora dele (territrio) a cidadania
torna-se uma abstrao contida nos artigos da lei, sem formato definido por prticas especficas.
Para Milton Santos (1987: 5), a vida social requer um componente cvico que supe a definio
prvia de uma civilizao que se quer, o modo de vida que se deseja para todos, uma viso comum
do mundo e da sociedade, do indivduo enquanto ser social e das suas regras de convivncia.
Conclui-se, portanto que a cidade favorece o exerccio da comunicao, que por sua vez a
condio fundamental para a consolidao da cidadania. A comunicao, independente da forma
pela qual exercida, seja atravs de uma conversa entre grupos ou por mensagens distribudas por
meios miditicos, capaz de provocar a articulao da sociedade, que passa a exigir direitos
necessrios para uma vida digna.
ontologicamente
relacionada
comunidade
humana.
Ela
conota
Lafer( 1991) afirma que o direito e o acesso informao, proporcionado pelos diversos meios de
comunicao, so requisitos bsicos para o exerccio da cidadania o direito informao uma
liberdade democrtica destinada a permitir uma autnoma e igualitria participao dos indivduos
na esfera pblica.
Santos (1987) tambm nesta corrente de pensamento destaca que somente a socializao da
informao pode dar ao cidado a dimenso do ser humano, formando a cidadania integral.
Desse modo, garantido ao indivduo se informar sobre aquilo que ocorre no meio em que vive,
podendo formar sua opinio a respeito de determinado assunto, discutir ideias com os indivduos do
mesmo meio e lutar por melhores condies de vida. Esta luta, no entanto, s possvel se houver
conhecimento a respeito da situao que deseja-se mudar ou criar. A comunicao assim, a
condio para exercer o direito de se buscar novos direitos.
Segundo Cortez (2006, p. 125-129), o direito informao e o direito comunicao devem ser
vistos como fundamentais para o desenvolvimento da cidadania e a base para o exerccio dos
demais direitos.
Retomando a idade clssica, tem-se que a comunicao substituiu a violncia para a resoluo dos
conflitos. Quando havia um problema na sociedade grega ou romana, aqueles que eram
considerados cidados se reuniam e discutiam qual era a melhor soluo para o problema. O cdigo
de Hamurabi que preconizava a ideia de olho por olho, dente por dente foi abandonado e
substitudo pelo dilogo. Esta forma de resoluo das divergncias manteve-se com a evoluo da
sociedade e assim o homem deixou de ser lobo do prprio lobo.
A comunicao a condio de acesso a uma esfera ,onde todos os conflitos sociais so resolvidos.
Esta esfera marcada por um carter pblico e democrtico, ou seja, que todos os indivduos que se
Para o filsofo alemo Jrgen Habermas, a esfera pblica representa uma dimenso do social que
atua como mediadora entre o Estado e a sociedade, na qual o pblico se organiza como portador
da opinio pblica. Mas para que a opinio pblica seja formada, tem de existir liberdade de
expresso, de reunio e de associao. Por conseguinte, o acesso a tais direitos deve ser garantido a
todos os cidados.
Desse modo, a cidadania s vai ser possvel em uma sociedade em que a comunicao for
democratizada, ou seja, onde todos possuem as mesmas condies de fala. Para que haja o exerccio
deste direito necessrio o fim esfera privada e a migrao dos indivduos que l habitavam devem
migrar para a esfera pblica.
Do contrrio, uma sociedade ser divida em cidados e subcidados. A misso dos Estados deve
ser, portanto, a de criar condies para que ningum fique de fora desta esfera. O direito
comunicao deve ser visto como passvel de discusso e ao poltica essencial, tal como polticas
pblicas para os segmentos de sade, alimentao, saneamento. Dessa forma fundamental investir
em meios que contribuam para que o maior nmero de pessoas possveis tenha acesso
comunicao.
Alm dos baixos custos de aquisio do computador e das facilidades proporcionadas por seu uso, a
internet leva uma transformao no contato social e no envolvimento cvico, permitindo ao
Uslaner (2000) declara que a internet no apenas prov uma nova esfera de comunicao como
tambm ajuda a estabelecer novas relaes sociais, que seriam continuadas off-line, criando uma
interao entre o on-line e o off-line.
O espao pblico eletrnico permite que os indivduos participem mais ativamente da vida poltica
e social de um ou vrios lugares, atravs de grupos de discusso on-line e de pesquisas sobre
candidatos e opes polticas, que do subsdio para a formao de opinies.
Percebemos assim que a internet criou uma esfera complementar esfera pblica que j era
praticada nas cidades. O meio eletrnico possibilitou um novo espao para o pensamento, para o
conhecimento e para a comunicao. Esse espao no existe fisicamente, mas virtualmente, o que
aumenta ainda mais as possibilidades de exerccio da cidadania, uma vez que a world wide web
proporciona a interligao de indivduos de todo o mundo. Este fato fez com que as barreiras das
cidades, estados e pases fossem deixadas de lado. Hoje, vivemos em uma aldeia global, onde todos
podem se comunicar.
No entanto preciso que haja investimentos que integrem todas as classes sociais no ambiente
virtual, ou seja, nesta nova esfera pblica. Do contrrio, haver o reforo da condio que bilhes
de pessoas ainda possuem, a de subcidados. A comunicao, independente do meio atravs da qual
veiculada, deve ser policiada permanentemente para evitar que as desigualdades sociais sejam
tratadas com naturalidade. Esta uma prtica que j ocorre em vrios meios miditicos e que no
deve ser levada para este novo meio que promete a integrao de todas as camadas sociais. Jess de
Souza destaca que a subcidadania existe e considerada normal no Brasil devido ao reforo
permanente desta ideia:
Estes trechos ressaltam a importncia de conferir espao todas as camadas sociais. O monoplio
do direito de comunicar-se na esfera pblica traz consequncias em todos os campos da vida social
pois refora a ideia de subcidadania e impede que estes subcidados possam lutar para conquistar os
direitos inerentes s classes dominantes. Por isto, os investimentos para a existncia de uma
comunicao democrtica so fundamentais e os meios virtuais so grandes protagonistas neste
processo. Apenas a abertura da esfera pblica a todos vai garantir a consolidao da cidadania.
Concluso
A comunicao perpassou todas as quatro dimenses histricas da cidadania. Como direito civil,
permitiu que o indivduo se expressasse sem sofrer censura. Como direito poltico, possibilitou,
alm do direito de voto, a participao direta na democracia, atravs de movimentos populares,
greves e at mesmo pela propositura de leis. J como direito social, a ampliao do acesso
informao e aos meios de comunicao permitiu uma participao autnoma e igualitria na esfera
pblica. Com a positivao dos direitos difusos, consolidou-se tambm o direito do individuo
buscar novos direitos e assim garantir melhores condies de vida.
Para tanto, preciso que ele esteja informado acerca da realidade da sociedade em que vive. A falta
de informao torna o ser humano excludo do mundo que o cerca e impossibilitado de contribuir
para o desenvolvimento de determinada localidade. Tem-se, assim, que a comunicao o que
possibilita o acesso s informaes, que por sua vez contribui para o exerccio dos demais direitos.
No entanto, a comunicao s pode ser exercida na vida em sociedade, ou seja, onde h um
agrupamento de pessoas.
Por isto, se retornarmos consolidao histrica da cidadania, perceberemos que este ideal est
fortemente presente onde a sociedade estava organizada. Conclui-se que as cidades favorecem o
exerccio da comunicao, que por sua vez o requisito para a cidadania. Mas a comunicao em
sociedade deve ser democrtica, ou seja, todos devem ter acesso livre esfera pblica, que no pode
selecionar ningum por classe social, cor, raa ou sexo, caso contrrio a subcidadania, que to
presente em alguns lugares, estaria sendo reforada.
Esta esfera pblica que antigamente era apenas fsica agora tambm virtual. As novas ferramentas
tecnolgicas, como a internet, favorecem a consolidao da cidadania, e a tendncia que esta
esfera pblica virtual se amplie cada vez mais. O investimento em tecnologia e a ampliao de
polticas pblicas para o desenvolvimento da capacidade de comunicao de todas as classes sociais
parece ser a frmula mgica encontrada pelos poderes pblicos para finalmente consolidar a to
sonhada cidadania.
claro que nem todos os bilhes de cidados do mundo possuem acesso a estas novas ferramentas
de comunicao, mas a sua abrangncia vem crescendo, e o que se percebe uma maior
participao de representantes de todas as classes sociais nas questes polticas e sociais de um pas.
As cobranas, pela populao, por polticas pblicas que valorizem o princpio da dignidade
humana esto cada vez mais frequentes. A comunicao, atravs destas novas tecnologias, tem
ampliado o acesso a informaes de variadas fontes e a uma infinidade de opinies, o contribui para
que o indivduo possa formar a sua prpria.
Os grupos de discusses, os e-mails, as redes sociais permitem o contato direto da populao com
os representantes polticos, o que possibilita denncias, cobranas e sugestes de mudana na forma
de conduzir a sociedade.
DUARTE, Jorge( org.). Comunicao Pblica: Estado, governo, mercado, sociedade e interesse pblico. So
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HABERMAS, Jurgen. Mudana Estrutural da esfera pblica: investigaes quanto a uma categoria da
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USLANER, E. M. (2000). Social capital and the Net. Communications of the ACM. Disponvel em
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Resumo
Na busca de caminhos para tratar de pesquisas inseridas no campo da comunicao, a perspectiva
de Vilm Flusser vem ganhando cada vez mais notoriedade. Suas reflexes em torno da intrincada
relao entre Comunicao e Espao parecem alinhadas com a grande expanso no uso de mdias
locativas. Paralelo a esse processo, encontra-se a noo de que o homem contemporneo, mais do
que os de outrora, encontra-se inebriado pelo jogo que assumiu novas formas mediticas na figura
dos videogames. E redes sociais como o Foursquare parecem reunir caractersticas que expe
exatamente o encontro desses dois movimentos. O exposto aqui vincula-se a uma pesquisa de
mestrado, cujo objeto emprico a comunicao desenvolvida por usurios de programas de
geolocalizao em dispositivos mveis; mais especificamente, da rede social Foursquare.
Palavras-chave
Comunicao; Espao; Jogo; Mdia Locativa; Foursquare.
Introduo
Tida como uma cincia jovem, cujos horizontes ora parecem alargar-se em direo ao
infinito, ora fechados em mltiplos escopos extremamente especficos, a Comunicao ainda
configura-se como um campo em formao. Martino (2007) e Braga (2008) esto entre os nomes
que reconhecem esse dado e, a despeito de pontos divergentes em seus textos, apresentam
perspectivas que servem como caminhos para as pesquisas na rea. Assim, considerando a
necessidade imperativa de se refletir sobre o objeto Comunicao (MARTINO, 2007) e, numa
linha mais especfica, o uso do estudo de caso orientado para a busca de indcios para percepo de
fenmenos mais complexos (BRAGA, 2008, p. 73) que se apresenta neste texto, de forma breve,
uma reflexo sobre a relao perpassada e/ou entretecida pela sociabilidade entre comunicao e
espao em nossos dias.
Em termos mais prticos, a inteno aqui apresentar parte do substrato terico sob o qual
se assenta um projeto de pesquisa de mestrado, alm de indicar perspectivas para a realizao do
estudo. Esse ltimo, que tem como objeto emprico a rede social de geolocalizao Foursquare, tem
como foco de ateno a comunicao desenvolvida em (e/ou a partir de) redes sociais baseadas em
22
tecnologias de geolocalizao, bem como a relao destas com o conceito de jogo e sua natureza
ldica. Pretende-se, prioritariamente, buscar respostas s seguintes perguntas: O Foursquare um
expoente da gamificao do cotidiano? Quais consequncias o uso desse tipo de rede pode
trazer forma como nos comunicamos? Como o uso de aplicativos de geolocalizao pode criar
solues de comunicao? Para isso, procede-se a uma (breve) apresentao dos conceitos-guia da
pesquisa.
to ntima com os tomos, e os suportes que utilizamos para representar o espao no so materiais
concretos, mas bits de informao que geram simulaes de todos os tipos. A grande diferena dos
ambientes gerados em computador com as representaes de outrora a possibilidade de agir
dentro deles (MURRAY, 1997; NITSCHE, 2006). Criamos, com a manipulao de informao
pura, novos espaos interativos e, ao mesmo tempo, novas formas/cdigos para nos comunicarmos
dentro deles (LEMOS, 2002; 2005; NITSCHE, 2006).
O imperativo da Era da Conexo (LEMOS, 2005), cujo ideal de ter todos, o tempo todo e
em todos os lugares conectados, colocaria todo o contedo e as significaes gerados pelos
indivduos em uma nuvem de dados pblica e compartilhada, acessvel atravs da internet. Esse
espao, nominado por diversos autores (LEMOS, 2002; 2005; SANTAELLA, 2008) como
Ciberespao, parece evocar um conceito de McLuhan bastante patente na descrio do contexto
da contemporaneidade: a ideia de Aldeia Global (MCLUHAN, 2007). A viso de um mundo
conectado e sem fronteiras para a informao, que circula livremente com volume e velocidade
crescente de um ponto ao outro do globo ponderado o acesso limitado rede em diversos locais
do mundo j parece ter assumido contornos de senso comum, no sentido de que essa realidade j
nos parece absolutamente palpvel.
Por outro lado, conforme o prprio McLuhan (2007), j no parece possvel falar em Aldeia
Global o canadense defendia que uma vez que conseguimos enxergar nitidamente os processos
que regem nossa realidade, certamente uma outra configurao j se desenha no quadro da realidade
perceptvel. A vivncia desse contexto j nos mostra suas contradies; por exemplo, em como a
busca pelo lucro por novas corporaes da rede (como o Google e o Facebook) convive com um
discurso salvacionista, democrtico e libertador do usurio comum sobre a internet (WOLTON,
2004; MOROZOV, 2011). Poderamos estar, portanto, diante dos rascunhos j que o
desconhecimento de um contexto o que nos permite afirmar sua existncia (MCLUHAN, 1996;
MCLUHAN, 2007) da Aldeia Glocal.
Nesse sentido, a aldeia glocal ciberntica a melhor figura para definir as comunidades
cibernticas que se formam nos ambientes da internet (NICOLA, 2007). Para Trivinho (2007), a
glocalizao correponde a uma condio meditica de vida nem global, nem local, mas antes
entretecida inextricavelmente por ambas as dimenses ento dissolvidas num processo
comunicacional nico (TRIVINHO, 2007, p. 11). Porm, estar em um no-lugar (NICOLA,
2007) e ao mesmo tempo, em conexo com todos os lugares do globo exige a desvinculao das
relaes sociais do territrio. Recuero (2009) retoma McLuhan para explicar a transformao na
noo de territrio operada pelos agenciamentos do ciberespao:
Uma das primeiras mudanas importantes detectadas pela comunicao mediada por
computador nas relaes sociais a transformao da noo de localidade geogrfica das
relaes sociais, embora a internet no tenha sido a primeira responsvel por esta
transformao. O processo de expanso das interaes sociais comea com o surgimento dos
meios de transporte e comunicao, como aponta McLuhan (1964). O incio da aldeia global
tambm o incio da desterritorializao dos laos sociais. O advento das cartas, dos
telefones e de outros meios de comunicao mediada iniciam as trocas comunicacionais,
independente da presena [grifo nosso] (RECUERO, 2009, p. 135).
Lemos (2008) afirma que toda desterritorializao implica numa nova territorializao.
Assim, agenciamentos que ocorrem nas redes sociais da internet, mesmo que originados fora delas,
so territorializados no ciberespao. O surgimento da telefonia mvel, sobretudo os aparelhos e
protocolos de terceira gerao, aliados difuso de tecnologias de acesso internet sem fio, como o
Wi-fi e o 3G, possibilitando o acesso a qualquer hora ou em qualquer lugar, parecem tornar esse
processo ainda mais incisivo (SANTAELLA, 2008; LEMOS, 2007; 2008), expondo a natureza
glocal com que operam essas redes
Segundo Lemos (2008), o andar como forma de criar um territrio j era uma realidade
desde o paleoltico, a exemplo de aldees ancestrais que, andando pelas plancies, mapeavam o
territrio (LEMOS, 2008, p. 13). Com as mdias locativas a associao de aparelhos mveis
internet e sistemas de geolocalizao, como o GPS24 , a possibilidade de rastrear a prpria posio
e de outras pessoas, assim como obter acesso a informaes relativas ao lugar que se ocupa em
tempo real, abre-se a chance de (re)escrever o territrio local atual com base em informaes e
dados pblicos compartilhados (LEMOS, 2008).
H que se reconhecer que, com efeito, o compartilhamento de informaes geradas em
mbito local sempre ocorreu novamente, as pinturas rupestres j serviam como grandes
informativos a qualquer transeunte que as avistasse. Contudo, diferente da apreenso do espao
exercida pela percepo do homem primitivo sobre os locais em que circulava, atualmente,
informaes associadas localizao e produzidas por outras pessoas que podem ou no estar
apenas de passagem pelo local podem ser acessadas pelo caminhante contemporneo em tempo
real e, em potencial, com milhes de pessoas. Eis a a dimenso glocal da comunicao nas
mdias locativas (NICOLA, 2007). As consequncias desse processo no apontam meramente para
questes de escala, em que a socializao da informao vinculada ao espao transmitida mais
rpido ou para um nmero maior de indivduos. Na verdade, nas cidades contemporneas, as mdias
locativas permitem
Formas de desterritorializao e, ao mesmo tempo, novas territorializaes pelo controle do
fluxo informacional do lugar. Esse lugar agora um territrio informacional que se constitui
24
O sistema de posicionamento global (GPS) foi autorizado pelo Congresso dos Estados Unidos em 1973 e operado pelo
departamento de defesa dos Estados Unidos. Os instrumentos envolvidos nesse sistema so um anel de 24 satlites que circundam a
Terra de modo tal que, pelo menos quatro deles so visveis de qualquer ponto no globo em qualquer momento. O sistema tem sido
usado para a navegao de veculos, mas encontrou seu caminho tambm na internet mvel, quando o grupo de satlites usado para
localizar a posio de um usurio (SANTAELLA, 2008a, p. 136).
como zonas de acesso e controle da informao digital, criando uma nova heterotopia
(LEMOS, 2008, p. 14).
25
Esse processo, definido por Flusser como a escalada da abstrao, no implica em substituir toda a comunicao face a
face ou todas as formas com que nos relacionamos com o espao por formas mediadas. Apenas indica o surgimento dessas novas
formas, cuja relevncia aumenta com a passagem do tempo.
26
importante destacar que no se assume aqui uma posio dualista, de oposies do tipo corpo/esprito, onde uma das
dimenses seria suplantada pela outra. A inteno tambm no fazer apologia a qualquer tipo de determinismo tecnolgico. O que
se quer ressaltar conforme Flusser (2007) a possibilidade de ter experincias sensoriais (ver, ouvir, etc.) provenientes de um
lugar, sem que seja necessrio literalmente estar presente fisicamente nele.
est ficando sempre mais barato e a informao mesma (o software) sempre mais cara (FLUSSER,
2006, p. 41).
Nesse sentido, o valor de possuir objetos e lidar com eles vem cedendo espao
gradativamente ao de ter acesso a informaes e vivenciar experincias; processo que engendra a
construo de um novo tipo de ser humano (FLUSSER, 2006; 2007). Este novo homem no ser
ator: no haver mais nem ato, nem ao, nem atividade. Ser jogador: haver estratgia, projeto,
programa [grifo nosso] (FLUSSER, 2006, p. 41).
O novo homem, tal como est surgindo em nosso entorno e em nosso prprio ntimo, ser ser
sem mos, ser de mos atrofiadas. No manipular objetos. No trabalhar, no ter
prxis. O que restar das mos sero as pontas dos dedos. Com elas o novo homem
movimentar teclas. A fim de compor, decompor e recompor smbolos em sistemas
informativos. [] Em vez de agir, o novo homem decidir. Homo ludens e no mais homo
faber. A sua vida no mais ser drama, mas ser espetculo. O propsito da vida no
mais ser fazer e ter, mas conhecer, vivenciar e gozar. [...] Viso fantstica essa, mas que j
est se realizando (FLUSSER, 2006, p. 41)27.
Dessa forma, o homem que est se formando em nossos dias tem uma relao com o mundo
(ainda mais) pautada na experincia ldica. A tomada de decises regulada pela estratgia, e a
vivncia de uma atividade que guarda sentido em si mesma so aspectos que formam a ideia de
jogo (HUIZINGA, 2007). Huizinga (2007) define o jogo como
Uma atividade ou ocupao voluntria, exercida dentro de certos e determinados limites de
tempo e de espao, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatrias,
dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tenso e de alegria e de
uma conscincia de ser diferente da vida cotidiana (HUIZINGA, 2007, p. 32).
Assim, haveria uma espcie de crculo mgico; um lugar especial criado pelo jogo no
tempo e no espao. [] um espao finito, com possibilidades infinitas [traduo nossa] (SALEN e
ZIMMERMAN, 2003, p. 95). Participar de um jogo, portanto, exige de seus jogadores certo grau de
imerso. Murray (1997), ao descrever a imerso nos ambientes digitais, aponta que precisamos
sustentar o encanto do mundo em que acabamos de entrar mantendo-o isolado da realidade. por
esse motivo que a trapaa, por exemplo, desfaz o crculo mgico do jogo, fazendo que ele deixe
de operar de acordo com as regras estabelecidas dentro de um tempo/espao especficos e se dissipe
no tempo/espao comum (HUIZINGA, 2007).
Para Murray (1997), o que operaria a transio entre o espao/tempo limtrofes de uma
narrativa (como a de um jogo) e o mundo real, por assim dizer, seriam os objetos transicionais.
Estes funcionam como portes que separam canais de acesso a realidades distintas; O encanto
com o computador cria para ns um espao pblico que sentimos ser tambm muito privado e
27
A citao pertence a um artigo de Flusser (2006) que, de acordo com a introduo de Mario Ramiro, foi encontrado sem
data, mas podemos supor que ele pertence srie dos anos oitenta, perodo de intensa atividade produtiva do filsofo (RAMIRO in
FLUSSER, 2006, p. 39).
muitas variedades de locais (bares, museus, cinemas, etc.). Assim, o software estimula a explorao
das cercanias em que o usurio se encontra.
Nesse contexto, a cidade passa a constituir certas camadas do crculo mgico criado pelo
uso do programa. Nitsche (2006) define o espao nos jogos digitais como dividido em cinco planos
ou camadas: o plano baseado em regras, relativo aos algoritmos e bits de informao que ordenam
o funcionamento de um software; o mediado, referente s informaes (imagem, som, etc) que o
uso do software emite; o ficcional, criado pela imaginao e compreenso dos jogadores envolvidos
no jogo; o destinado ao jogo, delimitado por um local fsico onde a experincia de jogo se realiza; e
o social, definido pela interao com outros usurios.
A urbe serve ao espaos hbridos das mdias locativas como os dois ltimos planos citados,
oferecendo a camada de espao fsico destinada ao jogo e, ao mesmo tempo, um plano social onde
as aes no mundo virtual podem afetar as aes de outros jogadores [traduo nossa]
(NITSCHE, 2006, p. 25). Dessa forma, a cidade ajuda a conformar o espao-tempo onde ocorre o
jogo de mdias locativas como o Foursquare, somando-se ao plano baseado em regras definido pelo
cdigo de programao do aplicativo, ao plano mediado constitudo pela interface e as telas do
programa, e ao ambiente ficcional em que o usurio imerge quando passa a utilizar o software.
Consideraes finais
fisicamente? E se o fazem, isso no destruiria o princpio do crculo mgico; ou tambm faz parte
das regras do jogo? O uso do programa pode estar relacionado a uma eventual gamificao do
cotidiano? E como se conforma a comunicao nos crculos sociais construdos nessa rede? As
perguntas em destaque motivam a necessidade de se conseguir algum tipo de avaliao sobre o uso
prtico da rede e, portanto, de um tipo de pesquisa que coloque em evidncia os usurios do
programa.
Ao mesmo tempo, parece importante resgatar uma noo que frequentemente se dissipa em
anlises de redes sociais da internet; a de que se est lidando com algo que, antes de ser um lugar, a
representao de um espao, um repositrio de informaes ou uma plataforma de comunicao,
um programa de computador. Essa conscincia, evidenciada por correntes como os Software
Studies, parece-nos fundamental na tarefa de apreender o sentido do fenmeno observado e, assim,
evitar a anlise profunda de aspectos secundrios, consideradas as perguntas que guiam a pesquisa
apresentada neste texto.
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Mestrando em Comunicao pela UFG, com mestrado sanduche pela Unisinos. Graduado em Comunicao Social Habilitao
em Jornalismo, pela UFRR, especialista em Comunicao, Assessoria de Comunicao e Novas Tecnologias, pela Facinter, e
especialista em Docncia no Ensino Superior, pelas Faculdades de Educao Montenegro, email: aldenor_pimentel@yahoo.com.br.
30
A disciplina Estudos Empricos em Midiatizao tem por objetivos estimular a percepo da diversidade de questes prprias ao
campo da Comunicao que so acionadas pela mediatizao e examinar as inferncias desses estudos que podem trazer aportes de
conhecimento para a constituio da rea.
Nosso projeto partia de uma hiptese inicial de que os jornais do menor destaque
quantitativo execuo sumria do que ao crime pelo qual o executado era suspeito, acusado ou
sentenciado. Ou seja, nossa observao no sistemtica anterior admisso na ps-graduao
levava-nos a crer que os jornais publicavam mais notcias sobre o crime de estupro e homicdio
qualificado de criana, adolescente e mulher do que o nmero de notcias sobre a execuo sumria
do suspeito, acusado ou sentenciado.
Nossa pesquisa parte dos observveis. Primeiro, por uma questo pessoal. Desde a
graduao, propomo-nos a investigar o tema jornalismo e execuo sumria de suspeitos, acusados
e sentenciados por crimes hediondos, em especial estupro e homicdio qualificado de criana,
adolescente e mulher. Parece-nos uma discusso pertinente, tanto do ponto de vista acadmico,
quanto social. Em segundo lugar, porque buscamos construir nosso percurso metodolgico a partir
das contribuies de Ferreira (2011a, 2011b, 2012), Marre (1991) e Braga (2008, 2010, 2011), cujo
conhecimento tomamos durante intercmbio acadmico no Mestrado em Cincias da Comunicao
da Unisinos, no semestre 2012.2, por meio do Programa Nacional de Cooperao Acadmica
(Procad), da Capes.
Em um primeiro momento, suspendemos temporariamente a proposta terico-metodolgica
de nosso projeto de pesquisa apresentado ao Programa de Ps-Graduao em Comunicao da
Universidade Federal de Gois, conforme descreve Ferreira (2011b), para construir nossa
investigao a partir do material emprico. Com isso, esforamo-nos para observar inicialmente a
realidade emprica, da forma mais desprendida possvel de configuraes tericas preexistentes, e, a
partir dela, definir nosso arcabouo terico-metodolgico. A inteno era evitar uma postura que
buscasse mostrar que essa realidade configura-se conforme proposies tericas consolidadas.
Tal postura no est orientada por uma ingenuidade positivista de que o pesquisador
consegue eximir-se completamente de seus valores ao observar o material emprico. Mas, sim,
reflete a preocupao com uma vigilncia epistemolgica, em que se acredita que a adoo rigorosa
dos mesmos procedimentos de pesquisa em situaes semelhantes tende a gerar resultados
correspondentes.
Ferreira (2011b, p. 11) argumenta que a aplicao dos conceitos direcionada aos objetos
empricos, com interpretaes prvias, hipteses pr-montadas, categorias emprestadas, em geral,
resulta no amassamento da problemtica comunicacional. Desse modo, tende-se a demonstrar
que a viso terica pr-adotada capaz de explicar totalmente o caso singular selecionado. Nesse
caso, a pesquisa se limitaria a ilustrar a teoria com mais um caso. (BRAGA, 2011, pp. 15-16)
Braga alerta que pesquisa emprica no uma reunio de proposies descritivas, que limitam a
investigao a uma factualidade superficial ou mecanicista, tampouco representa eliminar ngulos
interpretativos, descartar insights ou fugir da construo conceitual ou da fundamentao que
orienta o olhar sobre o objeto. Segundo o autor (BRAGA, 2011, p. 6), essa modalidade de
investigao:
O passo seguinte desta pesquisa foi construir nosso objeto cientfico por meios das dialticas
ascendentes e descendentes, conforme descreve Marre (1991), mas articulando esses dois
movimentos por um terceiro, abdutivo,31 como sugere Ferreira (2011). Dessa forma, foram nossos
observveis que indicaram qual teoria (sistema de relaes e conceitos tericos) e metodologia
(amostra, codificao, interpretao) seriam as mais adequadas para os objetivos da nossa
investigao, mas tal escolha no se deu por estgios (primeiro, o movimento ascendente, seguido
do descendente), como indicado por Marre, mas em mltiplas operaes argumentativas, que se
sobrepem em formatos fractalizados, paralelos e em conexes imprevisveis (FERREIRA, 2011).
31
Para Bonfantini e Proni (2004), abduo o estgio de inferncia em que se erige uma hiptese como ponto de partida ou
interpreta os fatos observados de modo a identificar possveis causas de eventos resultantes. A abduo est ligada criatividade e
responsvel pelo carter novidade das pesquisas cientficas. No texto a seguir, escrito por Peirce em 1878, pode-se ler, sem prejuzo
ao sentido original, abduo no lugar de hiptesis (hiptese), como o faz Ferreira (2012): La hiptesis se da cuando encontramos
alguna circunstancia muy curiosa, que se explicara por la suposicin de que fuera un caso de cierta regla general, y en consecuencia
adoptamos esa suposicin. O, cuando constatamos que en ciertos aspectos dos objetos guardan una marcada semejanza, e inferimos
que se asemejan entre s notablemente en otros aspectos. (PEIRCE, 1970, p. 69)
3 Processos dedutivos
interpretao dos dados coletados, ou seja, a partir dos observveis, decidiu-se que o tipo de anlise
de discurso a ser adotada seria especificamente a anlise dos discursos da enunciao.
Assim, esta uma pesquisa explicativa,32 combinada com pesquisa bibliogrfica,33 que ser
realizada pela documentao indireta, em jornais on line. Como mtodos de procedimento sero
utilizados o mtodo qualitativo, o comparativo e o analtico. Como tcnica de coleta de dados, ser
desenvolvido o levantamento de registros, ou seja, sero identificadas notcias sobre a execuo
sumria de suspeitos, acusados e sentenciados por estupro e homicdio qualificado de criana,
adolescente e mulher, nos veculos e perodos j citados.
O recorte espao-temporal decorrente dos prprios observveis. Esclarece-se: foi o corpus
de notcias colhidas que determinou o perodo e as cidades para a anlise, no o contrrio. No foi
excluda nenhuma notcia de jornal on line brasileiro com comentrio entre as encontradas que se
enquadram no recorte temtico (execuo sumria de suspeitos, acusados e sentenciados por
estupro e homicdio qualificado de criana, adolescente e mulher). Aps o levantamento de
registros, sero realizadas a codificao e a interpretao dos dados por meio da anlise dos
discursos da enunciao. Assim, sero observados os modos de dizer de jornais e internautas em
relao aos crimes noticiados. Investigar-se- como funciona a interao desses dois personagens, a
partir da observao das gramticas de produo e de reconhecimento.
Foi em consonncia com o propsito de buscar inferncias mais amplas, a partir da adoo
de mltiplos casos, que se decidiu estudar casos de diferentes cidades, Estados e regies do Pas.
Percebeu-se que, para tanto, mais produtivo para esta amostra seriam as notcias em suporte digital
(on line), considerando a disponibilidade e a rapidez de acesso a uma diversidade de material
emprico, para atender aos prazos de um curso de mestrado. Foi s ento, aps a deciso pelo
suporte digital, que se viu como seria enriquecedor para a pesquisa a incluso da anlise de
recepo (reconhecimento), at ento ausente no projeto da dissertao. Isso porque, originalmente,
a proposta da investigao era analisar notcias de jornais impressos, e se avaliava como
dispendioso para uma dissertao fazer simultaneamente estudos de produo e recepo
(reconhecimento) de jornais impressos.
Como j explicado, neste trabalho procurou-se evitar uma abordagem que tratasse produo
e reconhecimento de forma desconectada, como se tornou tradio no campo de pesquisa da
Comunicao. Buscava-se, portanto, uma proposta terico-metodolgica que examinasse esses
processos a partir de um olhar holstico. Da, o insight de adotar nesta investigao o conceito de
circulao, cuja perspectiva central no presente estudo.
32
Segundo Furast (2008, p. 38), a pesquisa explicativa descreve, observa, analisa, classifica e registra fatos buscando o porqu, a
razo, a explicao dos fatores determinantes do fato pesquisado.
33
Pesquisa em fontes secundrias (LAKATOS; MARCONI, 1992).
34
A no existncia de pena de morte no Brasil clusula ptrea, o que significa que para inseri-la na legislao, seria necessria a
edio de uma nova constituio.
35
De acordo com o inciso LVII do artigo 5 da Constituio de 1988, ningum ser considerado culpado at o trnsito em julgado
de sentena penal condenatria (BRASIL, 2006, p. 19).
pr entre aspas termos como justia com as prprias mos, um questionamento implcito de que
tal ato seja justia. So encontradas ainda notcias que lembram a responsabilidade do Estado de
garantir a integridade fsica dos detentos, uma vez que estes esto sob a tutela daquele. Tambm
para se opor execuo sumria, os internautas so explcitos: referem-se a ela como ao injusta,
uma vez que afronta os princpios legais. Apontam a possibilidade de facilitao de servidores
pblicos para o xito das execues e criticam o tratamento judicial e prisional diferenciado dado a
ricos e pobres no Brasil.
Essa tenso pode ainda ser percebida em outros aspectos dos materiais em anlise. A relao
entre o jornal e a polcia, por exemplo, ambgua: se h casos de notcias que enfatizam as
limitaes estruturais da polcia para evitar linchamentos, em uma estratgia de preservar a imagem
dessa instituio; h tambm notcias que deixam claro que a polcia a fonte da informao de que
populares cometeram o linchamento, isto , o jornal no assume essa verso como verdade
inquestionvel. Nas entrelinhas, questiona-a.
Essas inferncias foram possveis a partir de questes como de que forma jornais e leitores
constroem seus discursos em relao execuo sumria de suspeitos, acusados e sentenciados por
crimes hediondos de estupro e homicdio qualificado de criana, adolescente e mulher; e que
circunstncias relacionadas aos crimes noticiados motivam posicionamentos, implcitos e explcitos,
a respeito dessas execues. Todavia, trata-se de inferncias preliminares, que esperamos que se
aprimorem ao longo de nossa pesquisa, inclusive com o surgimento de novas perguntas.
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Resumo
Novas tecnologias aliadas necessidade da inovao na forma de elaborar contedo de telejornais
aproximaram o telespectador da produo de reportagens e abriram possibilidades para que
reivindicaes referentes cidadania, como direitos civis, polticos e sociais, fossem feitas por meio
da exibio de reportagens. A partir dessa perspectiva, pretende-se analisar de que forma a
produo de contedo para telejornais, com a colaborao direta de telespectadores, incentiva o
exerccio da cidadania. Para isso, recorreu-se anlise do quadro Jovens do Brasil, exibido no
Jornal Hoje, da Rede Globo. Com esse objeto de estudo, busca-se verificar de que forma os
contedos jornalsticos, divulgados por meio do telejornal, podem ser considerados por cidados
como instrumento de representatividade e acesso informao.
Introduo
Desde que as novas tecnologias e modernizao de mdias tradicionais, como a televiso,
permitiram uma maior interatividade com o receptor/telespectador, o contedo dos meios de
comunicao passou por mudanas estruturais. O que antes era produzido em apenas uma nica via,
pelo produtor, e enviados a um receptor definido por alguns estudiosos da comunicao como
passivo, sofreu alterao. A interatividade alterou as formas as possibilidades de interao entre
produtores e receptores, que alm de mais participativos (por meio de opinies, comentrios,
segastes, etc.), agora podem tambm ser fontes para produo de contedo.
Questiona-se aqui se essa nova estrutura e alteraes no fluxo de informaes alteraram de
forma significativa os contedos dos meios de comunicao, e permitiram o surgimento de novos
espaos voltados para a construo da cidadania. Por meio das mdias interativas, ficou disponvel
para o interlocutor um maior espao para reivindicao aos direitos polticos, civis e sociais, assim
como para liberdade de produo. Os programas de televiso que permitem interao com
telespectadores so exemplos das possibilidades trazidas com a modernizao das mdias
tradicionais. Analisando especificadamente contedos gerados pelo telejornalismo, vale discutir de
que forma a participao do telespectador na produo de reportagens para telejornais instiga a
36
promoo da cidadania. Para efetividade do estudo, foram analisadas reportagens do quadro Jovens
do Brasil, do Jornal Hoje, que integra a programao da Rede Globo. A produo das reportagens
comea a partir de conversa online do apresentador do jornal e de editores com o pblico jovem,
por meio de redes sociais e da pgina do Jornal Hoje na internet. Temas que envolvem tendncias,
desejos, medos e costumes de jovens e adolescentes so a base para produo de reportagens.
Situao que remete construo da cidadania.
Como primeiro passo para atingir os objetivos deste artigo, foi realizado um estudo
bibliogrfico, com o intuito de apresentar conceitos e debates sobre temticas relacionadas a esse
trabalho, como telejornalismo, cidadania, mdias, formas de interao, televiso, entre outras. A
partir desse levantamento bibliogrfico, foi realizada uma anlise temporal de cinco reportagens do
quadro Jovens do Brasil que foram ao ar e que esto disponveis para visualizao na pgina do
Jornal Hoje na internet - www.g1.globo.com/jornal-hoje/jovensdobrasil.html.
Foram levados em considerao aspectos qualitativos da produo do quadro Jovens do
Brasil, como temas propostos e suas relaes com o legtimo exerccio da cidadania e real
influncia do pblico-alvo na produo final das reportagens. A anlise de todos os elementos deste
estudo permitiu a formulao e possvel comprovao de hipteses. Tambm permitiu explicar as
variveis de condies que levaram as mdias tradicionais a se adaptarem ao contexto de
interatividade trazido com as novas tecnologias.
Nesse contexto, o estudo sobre a participao dos telespectadores na produo efetiva de
contedos e a consequente promoo da cidadania vlido, pois os meios de comunicao tm
passado por reestruturaes que implicam em todos os envolvidos nos processos de sociabilidade.
Estes que por sua vez so imprescindveis e merecem ateno, j que abordam aspectos relativos a
direitos conquistados pelos cidados e tambm por direitos que ainda sero adquiridos.
A definio por programas de telejornalismo tambm coerente, pois diante das inovaes
tecnolgicas, o formato do telejornal foi diversificado. Sabendo disso, possvel investigar como os
contedos jornalsticos podem ser mediadores para que indivduos no caso telespectadores,
busquem a legitimao da cidadania. Consideradas transformaes recentes, as mudanas na
estruturao de telejornais so ainda mais relevantes para estudo e avaliao. Conhecer o porqu a
produo de telejornais tm buscado a participao com seu pblico mais uma maneira de
investigar os fluxos de informaes em mdias como a televiso e a relevncia desses fatores para
estudos de comunicao.
Cidadania
Mdia
meio ou veculo de comunicao e jornalismo. Lima (2003) foi um dos autores que, mesmo com
foco na cincia poltica, apresentou uma definio de mdia.
[...] conjunto de instituies que utiliza tecnologias especficas para realizar a comunicao
humana. Vale dizer que a mdia implica na existncia de um intermedirio tecnolgico para
que a comunicao se realize. A comunicao passa, portanto, a ser uma comunicao
midiatizada. (LIMA, 2003, p. 50)
Entre as primeiras referncias histricas, o uso do termo mdia se d por estudos sobre
Teoria da Comunicao, que determinam processos e resultados da comunicao de massa. Esta
que ocorre pela intermediao de um meio tcnico, ou multiplicador, que permita a mensagem
atingir um pblico annimo, heterogneo e fisicamente disperso, que pode chegar simultaneamente
at bilhes de pessoas. (TEMER; NERY, 2004, p. 11)
Em estudos de escolas norte-americanas, que analisavam pontualmente os meios de
comunicao de massa, a mdia tratada a partir dos efeitos ao pblico das mensagens veiculadas.
De acordo com Wolf (2003), a teoria hipodrmica, o estmulo-resposta, do modelo de Lasswell, os
estudos sobre Efeitos Limitados, da procura pela relao causa-efeito, esto entre as pesquisas que
tratam sobre efeitos resultantes dos meios de comunicao.
Para os estudos da Escola de Chicago, por exemplo, o indivduo capaz de entender os fatos
sociais que o cercam. Porm, s agem em funo dos processos de comunicao. A partir disso, a
mdia aparece de forma dual, como fator de emancipao e aprofundamento das experincias
individuais e precipitador das superficialidades dos contatos sociais e da desintegrao dos grupos
sociais. (TEMER; NERY, 2004, p. 39)
J Santaella (2003) prope o estudo cultura das mdias. Esta seria intermediria da cultura de
massa e da cultura virtual, por meio de processo de produo, distribuio e consumo
comunicacionais. Santaella acredita que o conceito de mdia, ligado comunicao de massa,
tratado sem suas complexidades semiticas. A mdia como meio apenas um suporte material,
componente superficial, tecnologia esvaziada.
Televiso e Telejornalismo
H diferentes formas de estudo sobre a televiso, seja por sua tcnica, contedo e intenes
de produtores e receptores. Bourdieu (1997) um dos autores que avalia a televiso alm de sua
tecnologia e aborda o modo como se produzem as notcias e a maneira de como estas surgem ao
telespectador.
Sobre os bastidores dos programas de televiso, Bourdieu faz crticas busca da ampla
audincia, o que faz com que os contedos televisivos sejam apresentados por meio de uma viso
estreita e manipuladora. O autor prope a anlise dos mecanismos ocultos da televiso, pelos quais
exercida a censura.
A televiso regida pelo ndice de audincia contribui para exercer sobre o consumidor
supostamente livre e esclarecido as presses do mercado, que no tm nada de expresso
democrtica de uma opinio coletiva esclarecida, racional, de uma razo pblica, como
querem fazer crer os demagogos cnicos. (BOURDIEU, 1997, pp. 96-97)
Bourdieu tambm procura mostrar como o ecr de televiso se transformou hoje numa
espcie de espelho de Narciso, num lugar de exibio narcsica. (BOURDIEU, 1997, p. 6) Na
mesma linha de raciocnio, Sodr (1990) j havia falado sobre como o homem contemporneo
desempenha o espelho televisivo, em que o poder se exerce por meio de um mximo de
visibilidade. Assim como Narciso se apaixona por sua prpria imagem no espelho, na mitologia
grega, para Sodr o telespectador deseja ver sua prpria refletida na televiso.
J Thompson (1998) analisa a televiso como forma de quase-interao mediada e avalia
como os receptores tm poucas oportunidades de contribuir diretamente com o contedo televisivo.
Essa relao esclarece que diferente de contextos de co-presena, as aes da televiso so visveis
por nmero grande de indivduos situados em diferentes contextos, sem a necessidade de espaos
compartilhados, de conversao dialgica. Entretanto, na sociedade contempornea em que a
interao e a percepo dos pblicos so importantes para manter audincias de veculo de
comunicao, a aproximao do telespectador com os produtores de contedo deve ser entendida
como estratgia.
E a partir dessa noo estratgica que os programas de telejornalismo tm adaptado seus
contedos. Com novas tecnologias, principalmente relacionadas internet, como as redes sociais,
ocorreram transformaes nos discursos televisuais e com o telejornal no foi diferente. Existem
novos processos comunicacionais que envolvem a interao e a imediaticidade, muitas vezes com o
objetivo de agregar mais valor ao veculo de comunicao.
Nesse sentido, o pblico utiliza das ferramentas oferecidas pelo telejornalismo para ajud-lo
a mediar problemas que costumam ser responsabilidade o poder pblico, caracterizando a busca
pela cidadania. Sarlo (2004) chama essa reivindicao do pblico do telejornal de paternalismo
televisivo:
O pblico recorre televiso para alcanar aquelas coisas que as instituies no garantem:
justia, indenizaes, ateno. difcil afirmar que a televiso seja mais eficaz do que as
instituies para assegurar essas demandas, mas sem dvida parece ser, uma vez que no
precisa ater-se a adiamentos, prazos, procedimentos formais que retardem ou transfiram as
solues (SARLO, 2004, p. 77).
Para que exista essa nova maneira de pensar a mdia, os novos meios de comunicao
trazem ferramentas que melhoram os antigos, com influncia na produo de linguagem e contedo.
Jenkins (2008) chama essa cultura de renovao de convergncia. A informao distribuda em
mltiplos meios distintos. Ocorrem aes conjuntas das mdias. A partir disso, o telespectador pega
para si a interatividade oferecida e faz uso do contedo veiculado, que agora no est restrito
televiso e so distribudos em veculos de comunicao complementares, como sites, blogs e redes
sociais. Nesse sentido, so estimulados a contribuir com a produo de informao, o que antes era
restrito ao profissional que integra a equipe de um telejornal.
Scolari (2008) acredita que os telespectadores passam a desempenhar o papel de
consumidor transmiditico, o qual circula facilmente entre os diferentes meios de comunicao e,
ao mesmo tempo, um potencial cooperador da construo do novo mundo narrativo. A partir
dessa cooperao, tanto da parte do telespectador, como dos profissionais produtores do contedo
do telejornal, possvel considerar a construo de processos que contribuem para o exerccio da
cidadania.
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THOMPSON, John B. A mdia e a modernidade: uma teoria social da mdia. Petrpolis, RJ: Vozes, 1998.
Palavras-chave
Cultura organizacional; Comunicao interna; Comunicao informal.
Introduo
No mundo globalizado, a agilidade da comunicao e a habilidade da transformao de
dados em informaes, para serem usadas nas tomadas de decises, representam uma oportunidade
na melhoria do processo de comunicao no ambiente dos negcios. S por meio de uma
comunicao eficiente, que acontece a troca de informaes e o crescimento mtuo dos
interlocutores.
A cada dia, novos meios de comunicao so disponibilizados s empresas, para tornar
possvel a troca de informaes, tanto no ambiente interno, quanto no ambiente externo.
As falhas na comunicao escondem, na maioria das vezes, srios problemas de
relacionamento e de desajuste de foco no alcance dos objetivos organizacionais.
Considerando que a questo da comunicao interna, em especial a comunicao informal e
a cultura das organizaes um fator que necessita de avaliaes mais profundas para que
possamos compreend-las, na qualidade dos processos de comunicao, levantamos os seguintes
questionamentos:
38
Aluna do Programa de Mestrado da Faculdade de Comunicao Social e Biblioteconomia (Facomb) da Universidade Federal de
Gois (UFG), linha de pesquisa Mdia e Cultura. Integrante do Grupo de Pesquisa Comunicao e Complexidade da UFG/CNPq.
39
Doutora em Cincias Sociais pela PUC/SP. Mestre em Cincias da Comunicao pela ECA/USP. Docente do Programa de PsGraduao em Comunicao e do curso de especializao em Avaliao de Ambientes Informacionais da Universidade Federal de
Gois (UFG). Coordenadora do Grupo de Pesquisa Complexidade e Comunicao da UFG/CNPq. mfrancisnogueira@gmail.com
Quais os fatores que explicam a comunicao informal nas empresas? Por que ocorre esse
tipo de comunicao? Como ela se propaga? Por que to forte? Faz parte da cultura
organizacional ou est relacionada s culturas individuais? Qual o perfil das pessoas que participam
da comunicao informal? Quais os seus benefcios e malefcios na cultura organizacional?
Segundo Morin a multiplicao dos meios de comunicao pode estar ligada ao
empobrecimento das comunicaes pessoais (MORIN, 1995, p. 89). Seria a comunicao informal
no ambiente organizacional, o resultado desse empobrecimento nas relaes pessoais?
Ao observar o ambiente interno do IF Goiano percebe-se uma srie de dificuldades: canais
de comunicao no confiveis por parte dos colaboradores, relacionamentos equivocados no que
se refere ao exerccio do cargo e da funo e tantos outros. Neste sentido, esta proposta de pesquisa
vem atender um desejo antigo de conhecer o ambiente interno do Instituto de forma cientfica,
levantando aspectos inerentes comunicao interna, especificamente, a comunicao informal e
levantar seu impacto no processo comunicacional. Sabe-se que a cultura da organizao diz muito
sobre o que ela foi, e deseja ser. Acredita-se, ento, poder propor algumas sugestes de melhoria
na comunicao interna e, consequentemente, na comunicao institucional.
O IF Goiano uma autarquia federal detentora de autonomia administrativa, patrimonial,
financeira, didtico-pedaggica e disciplinar, equiparado s universidades federais. Est vinculado
Secretaria de Educao Profissional e Tecnolgica, do Ministrio da Educao. Atualmente, sua
reitoria est sediada Rua 88, 274, Setor Sul, Goinia-GO. Oferece gratuitamente educao
superior, bsica e profissional, pluricurricular e multicampi e especializada em educao
profissional e tecnolgica nas diferentes modalidades de ensino. Atende mais de dez mil alunos em
seus cinco polos de ensino situados em: Ceres, Morrinhos, Ipor, Rio Verde e Uruta
A comunicao entre os seres humanos e desses com o meio em que vive, um campo de
pesquisa em expanso nas diversas reas do conhecimento. Observa-se uma tendncia de pesquisas
direcionadas tecnologia, no entanto, trabalhos que tm como objetivo estudar as relaes entre os
seres humanos e/ou organizaes se percebe ser, tambm, relevantes, mas de pouca abordagem pela
comunidade cientfica.
Por outro lado, a comunicao interna nas organizaes nem sempre foi reconhecida como
de vital importncia para o desenvolvimento e sobrevivncia das empresas.
Segundo Kunsch (2003, p. 73)
A realizao deste trabalho se torna relevante para o meio cientfico, pois alm de poder
contribuir para o estudo da comunicao interna, da cultura organizacional, avanar no campo da
comunicao como cincia, se pretende tambm contribuir para a gerao de conhecimentos, por
meio da formulao de novos aportes tericos, que podero ser apresentados em eventos
acadmicos, ser publicado em revistas cientficas, tornar-se uma publicao em formato de livro e
ser fonte de pesquisa para outras instituies que se interessarem sobre o assunto.
Conceituando Comunicao
Desde a antiguidade, a necessidade de comunicar uma questo de sobrevivncia. Segundo
Polistchuk e Trinta (2003), antes mesmo de recorrer dialtica do discurso articulado, o ser humano
se comunicava pelas sensaes elementares como o seu contato continuado com sons, formas e
cores. Seu pensamento se ordenava pela linguagem grfica, que ilustrava o espao em que se
dispunha antes de vir a se ordenar em uma linguagem verbal. No mundo empresarial a necessidade
de se comunicar no diferente, fator bsico de convivncia, torna-se condio essencial para sua
permanncia e competitividade.
Para Oliveira (1999, p. 325), a comunicao quer dizer trocar ideias, consultar os demais,
tornar comum, tornar legvel, fazer-se algum compreendido, quer dizer entender os outros.
Genericamente, a permuta ou troca de notcias que se processa entre um emissor, que envia a
mensagem, e um receptor que acolhe.
Em consonncia com Polistchuk e Trinta,
nossas crenas; os juzos de valor, que podem estar baseados naquilo que quem recebe a mensagem
pensa de quem comunica; a credibilidade da fonte, que expressa a confiana e a f que o receptor
tem nas palavras e nas aes de quem comunica alguma coisa; problemas de semntica, onde as
mesmas palavras podem ter significados diferentes para diferentes pessoas. (OLIVEIRA, 1999, p.
326)
Segundo Kunsch (2003, p. 75), no ambiente organizacional as pessoas podem facilitar ou
dificultar as comunicaes. Tudo ir depender da personalidade de cada um, do estado de esprito,
das emoes, dos valores e da forma como cada indivduo se comporta no mbito de determinados
contextos. So as barreiras pessoais.
Ainda, as comunicaes incompletas e parciais constituem mais uma barreira na
comunicao organizacional. So encontradas nas informaes fragmentadas, distorcidas ou
sujeitas a dvidas, nas informaes no transmitidas ou sonegadas (KUNSCH, 2003, p. 76).
Percebemos que o excesso de informaes outra barreira na atualidade.
Nogueira (2013, p. 2) explana que
Segundo Morin (2002, p. 35), o primeiro capital humano a cultura. Para esse autor so as
culturas que se tornam evolutivas, por inovaes, absoro do aprendido, reorganizaes; ele
refora que so as tcnicas que se desenvolvem; so as crenas e os mitos que mudam e que no seio
das culturas e das sociedades, os indivduos evoluiro mental, psicolgica e afetivamente.
Morin (2002, p. 166), ainda refora que em cada sociedade a sua cultura deve ser mantida,
preservada e cultivada, sem esse cuidado ela estar ameaada de destruio e at mesmo de
extino. A cultura o que permite o indivduo aprender e a conhecer-se. Desde o nascimento, o
indivduo comea a incorporar a sua herana cultural, combina essa herana com o patrimnio
biolgico herdado, exercendo seus efeitos sobre o funcionamento cerebral e sobre a formao do
esprito, interferindo para civilizar o conjunto da personalidade.
Thompson conceitua cultura como:
o padro de significados incorporados nas formas simblicas, que inclui aes,
manifestaes verbais e objetos significativos de vrios tipos, em virtude dos quais
os indivduos comunicam-se entre si e partilham suas experincias, concepes e
crenas. (THOMPSON, 2000, p. 176)
S para se ter uma idia do que inicialmente propusemos na seleo para o mestrado: um
estudo de caso, por meio de abordagem qualitativa. A tcnica de questionamento por meio de dois
modelos de questionrios que sero entregues aos entrevistados, sendo um para ser aplicado para o
reitor, pr-reitores e diretores-gerais dos cmpus e outro para os subordinados dos pr-reitores,
chefias de gabinete da reitoria e dos cmpus, assessores de comunicao da reitoria e dos cmpus. A
escolha desse instrumento de pesquisa por ser uma tcnica que possibilita a no identificao do
entrevistado, preservando a identidade e por poder garantir certa validade e confiabilidade das
informaes que forem dadas.
A amostragem ser no-probabilstica, onde sero entrevistados todos os pr-reitores, o
reitor, os diretores-gerais dos cmpus, as chefias de gabinete da reitoria e dos cmpus e os
assessores de comunicao da reitoria e dos cmpus do IF Goiano. Ser utilizada a amostra
probabilstica ao entrevistar dois (duas) servidores (as), subordinados (as) aos pr-reitores
pesquisados, que sero escolhidos (as) por meio de sorteio, podendo ser do sexo masculino quanto
feminino, maiores de dezoito anos, em qualquer estado civil e grau de escolaridade. Assim, teremos
um reitor, cinco pr-reitores, cinco diretores-gerais dos cmpus, cinco assessores de comunicao
dos cmpus, dois assessores de comunicao da reitoria, cinco chefias de gabinete dos cmpus, uma
chefia de gabinete da reitoria e dez servidores subordinados aos pr-reitores pesquisados,
totalizando trinta e quatro entrevistados.
Sero inclusos os servidores que tiverem concludo o perodo de estgio probatrio (trs
anos) ou no e que ao serem consultados, aceitem participar da pesquisa, assinando o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido. Sero apresentadas duas cpias do Termo, ficando uma com o
entrevistado e a outra com o pesquisador. As cpias do Termo sero guardadas por um perodo de
cinco anos, aps esse perodo, sero incineradas.
A inteno de inserir algum servidor com pouco tempo de servio pblico para poder
conhecer e avaliar a percepo do novo servidor frente ao tema pesquisado.
Sero excludos todos aqueles que no se enquadrarem nos critrios de incluso
estabelecidos e que no queiram participar mais da pesquisa.
Sobre os riscos na realizao desse trabalho, eles existem. Para o pesquisador podem ocorrer
comportamentos de indiferena e inimizades no ambiente de trabalho. Para minimiz-los para os
entrevistados, os nomes no sero registrados, no sendo necessria a identificao nos
questionrios, garantindo o sigilo. O entrevistado poder abandonar e retirar seu consentimento em
qualquer fase da pesquisa sem penalidade.
Em relao aos benefcios, sero indiretos, sendo de grande relevncia para o meio
cientfico, pois se pretende contribuir para a gerao de conhecimentos.
Consideraes Finais
Diante do exposto ao longo do artigo podemos perceber que o campo de estudo proposto
amplo e complexo, necessita ser aprofundado do ponto de vista terico e metodolgico com a
orientadora. Mas, de antemo, sabemos que um estudo relevante, atual e pouco explorado do ponto
de vista acadmico. As organizaes esto ai para provar a necessidade do aprimoramento de suas
relaes internas que, consequentemente, refletem suas relaes externas.
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PERUZZO, Ciclia. Direito comunicao comunitria, participao popular e cidadania. In: OLIVEIRA,
Maria Jos da Costa (org.). Comunicao Pblica. Campinas: Alnea, 2004.
40
Doutora e Mestre em Comunicao Social pela Universidade Metodista de So Paulo, Especialista em Sociologia pela
Universidade Federal de Uberlndia. Jornalista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora do Programa de PsGraduao da Faculdade de Comunicao e Biblioteconomia da Universidade Federal de Gois anacarolina.temer@gmail.com
41
Mestranda pela Universidade Federal de Gois UFG. E-mail: vangijornalista@gmail.com
42
Mdia e Diversidade Cultural: experincias e Reflexes / Maria Luisa Martins de Mendona (Org.). Braslia: Casa das Musas,
2009.
Segundo Oliveira Soares43, A educao tradicional olha para essa rea como algo que, s vezes,
pode estar ameaando a sua ortodoxia; e a comunicao olha para esse campo como algo pobre,
algo de gente que no est no mercado. Faz-se necessrio observar e compreender se os gestores e
professores das escolas pblicas esto preparados e at mesmo dispostos a aderir a este novo campo
de convergncia, que a Educomunicao. At que ponto os comunicadores, estariam dispostos a
se envolver neste processo? Alm de verificar se as escolas pblicas tem a preocupao de discutir,
criticamente, sobre a veracidade das informaes transmitidas pela televiso. Afinal uma escola
cidad sabe, por consequncia, que educao resulta de investimento permanente na formao de
seu quadro profissional. Reconhece, por conseguinte, que os resultados esperados no so
imediatos, afinal, est reformulando uma pedagogia sedimentada durante dcadas.
Por fim, seria interessante verificar at que ponto os alunos das escolas pblicas esto sendo
realmente impelidos e incentivados a se tornarem cidados crticos, capazes de analisar sobre o
contedo miditico.
Educomunicao
A Educomunicao um tema ainda pouco explorado por pesquisadores, e essa foi uma das causas
porque me interessei no assunto. A curiosidade foi aguada no intuito de buscar observar como a
mdia recepcionada e discutida em sala de aula, principalmente em relao aos alunos do ensino
mdio, que por serem adolescentes, muitas vezes procuram certos embates com os professores a fim
de chamar a ateno. Por isso pesquisarei tambm a reao que os docentes tm quando algum
aluno impe determinado assunto ou informao que passou na tv como verdade absoluta, muitas
vezes desvalorizando o conhecimento que o professor adquiriu durante anos a fio.
43
Essa idia foi apresentada pelo professor Ismar de Oliveira Soares, da ECA/USP (Escola de Comunicaes e Artes da
Universidade de So Paulo), durante o Seminrio Educao e Comunicao: um debate contemporneo, promovido pela FEUSP
(Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo) e pelo mestrado em Comunicao da Universidade Anhembi Morumbi,
realizado entre os dias 6 e 8 de novembro de 2001
amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o pronunciam, isto , o transformam, e,
transformando-o, o humanizam para a humanizao de todos. (Freire, 1977, 43)
Ismar (Soares 1999, p. 22 -23) afirma que a Educomunicao se materializa conforme a rea de
interveno, tais como: a educao para a comunicao, a mediao tecnolgica na educao, a
gesto da comunicao no espao educativo e a rea da reflexo epistemolgica. A educao para a
comunicao constituda pela relao entre os produtores, o processo produtivo e a recepo das
mensagens e pela formao de uma postura crtica nos educandos perante a mdia.
A mediao tecnolgica da educao diz respeito ao uso das tecnologias de informao no ambiente
educativo. A rea da gesto da comunicao no espao educativo tem a funo de gerar agentes
comunicativos com a finalidade de planejar, executar e realizar projetos que relacionem a
comunicao, a cultura e a educao. Isso se d nos ambientes formais e informais da educao. E
por ltimo, a reflexo epistemolgica, ou seja, a reflexo acadmica, que o meio pelos quais as
prticas educomunicativas tm sido legitimadas e reconhecidas como um campo emergente.
Ignorar o papel dos meios de comunicao na educao informal desconhecer um instrumento que
pode colaborar tanto para a aprendizagem quanto para uma leitura crtica da realidade. Barbero
apud Moraes afirma: Comunicar foi e continuar sendo algo muito mais difcil e amplo que
informar, pois comunicar tornar possvel que homens reconheam seu direito a viver e a pensar
diferente e, reconheam a si mesmos nessa diferena. 44.
Magno Medeiros45 coloca alguns pontos em prol da cultura da paz e dos direitos humanos, um dos
pontos que se destaca : educao face mdia a fim de formar receptores crticos, competentes, de
refinada conscincia tica e esttica, com a produo de mdia especificamente infantil; formao
de grupos de estudos e de pesquisas sobre a mdia; discusso da mdia e seus produtos no mbito
esco-lar (estrutura curricular. tema transversal); produo de manuais, livros e outras publicaes
44
MARTIN-BARBERO, Jesus. Globalizao comunicacional e transformao cultural. In: MORAES, Dnis (org). Por uma outra
comunicao: Mdia, mundializao cultural e poder.. Rio de Janeiro. Editora Record, 2004.
45
MEDEIROS, Magno, artigo: Teoria das Violncias, Mdia e Direitos Humanos. Acesso em 28/01/2013:
http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/dh/br/go/goias/teorias_da_violencia_midia_e_dh.html
que orientem quanto aos direitos da criana e do adolescente, e sobre o papel educativo que a mdia
pode vir a ter.
neste ensejo que buscaremos estudar a relevncia e influncia da televiso na vida dos alunos,
gestores e professores e comunidade escolar de forma geral.
A comunicao serve para que as pessoas se relacionem e modifiquem a realidade no qual esto
inseridas. Este um produto destinado necessidade humana de se expressar e se relacionar. a
forma de interao humana realizada atravs do uso de signos (Bordenave, 1983, p. 14). Pela
comunicao possvel a troca de experincias, ideias e sentimentos. Os elementos bsicos da
comunicao so: a situao e lugar onde ela se realiza, os interlocutores, as mensagens
compartilhadas, os signos utilizados para representar as mensagens e os meios empregados para
transmiti-los. Para Thompson (2001, p.25) 46 a comunicao : como um tipo distinto de atividade
social que envolve a produo, transmisso e recepo de formas simblicas e implica a utilizao
de recursos de vrios tipos.
46
A histria nos ensina, [...] que tanto a educao quanto a comunicao, ao serem institudas
pela racionalidade moderna, tiveram seus campos de atuao demarcados, no contexto do
imaginrio social, como espaos independentes, aparentemente neutros, cumprindo funes
especficas: a educao administrando a transmisso do saber necessrio ao desenvolvimento
social, e a comunicao responsabilizando-se pela difuso das informaes, pelo lazer e pela
manuteno do sistema produtivo atravs da publicidade. (SOARES, 2000; p. 13).
A Educomunicao teve origem nesse contexto para depois se adentrar ao espao miditico.
Atualmente, h uma srie de canais educativos, rdios comunitrias, telecursos, programas de
educao distncia, dentre outras iniciativas, que legitimam os meios de comunicao no mbito
da educao informal.
O professor pode utilizar o rdio, o cinema, as tecnologias digitais, dentre tantas outras
possibilidades que os meios de comunicao oferecem, para promover o dilogo entre as culturas
escolar e miditica. O educador ao utilizar os meios de comunicao em sala de aula explora
espaos para a interao entre o contedo transmitido para o educando e a sua vivncia cotidiana.
De acordo com Jawsnicker (2007, p. 02), ainda grande a incerteza e insegurana dos professores
sobre a melhor forma de utilizao dos meios de comunicao em sala de aula.
Segundo Jacquinot (apud Soares, 2004, p. 12), o educomunicador aceita outras formas de
representao da realidade e faz o uso dos meios como objeto de estudo e no requer que o
educando seja um pseudo-jornalista. Educar ter conscincia de que ensinar no transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produo ou a sua construo (Freire, 2002,
p. 27).
Compreende-se que a atual pesquisa pode ser muito til ao tentar dar sua contribuio aos estudos
da relao comunicao/educao e ao uso das Tecnologias de Informao e Comunicao (TICs),
em especial a televiso, como discusso no espao escolar, pois alm da abordagem epistemolgica
e histrica da aproximao dos dois campos, prope-se a estudar este novo campo denominado
Educomunicao, que enquanto segue fortalecendo sua legitimidade acadmica e cientfica, j
serviu de base e referncia para projetos importantssimos de interveno social. Desta forma pode
ser considerado um projeto de poltica pblica capaz de alterar o dia-a-dia e a gesto da
comunicao em muitas escolas.
Objetivos
Diante do quadro que acabamos de apresentar em que constamos a importncia da
Educomunicao, pretendemos com esta pesquisa analisar possveis discusses em sala de aula
entre professores e alunos a respeito do contedo televisivo: o que condiz com a realidade ou no.
Busca-se, portanto, um estudo sobre a contribuio para uma educao que possa ir alm das
fronteiras disciplinares, utilizando-se dos instrumentos da comunicao, proporcionando aos
educandos novos ambientes de aprendizagem e discusses crticas.
uma
educao
educativa
comunitria
pretendemos
investigar
como
projetos
Metodologia
Esta pesquisa se utilizar da metodologia quantitativa e da qualitativa de carter exploratrio, para
traar os contornos das questes relativas influncia do contedo televisivo no cotidiano escolar e
as discusses entre professores e alunos sobre os contedos de carter cientfico ou didtico,
exibido em diferentes horrios pelas emissoras de televiso, particularmente emissoras brasileiras
de sinal aberto, que tenham relevncia ou faam parte do contedo j estudado ou ainda em
discusso pelos alunos. O objetivo da anlise entender como os alunos articulam a informao
veiculada pela mdia e a confrontam com as informaes e contedos apresentados em sala de aula,
tanto pelo professor quanto pelo material didtico recomendado pelo professor e/ou instituio de
ensino, e a partir destes dois contedos, constri ou determina o que verdade e o que no sobre o
contedo ou temas analisados.
A partir da anlise de professores e alunos acerca da relao do jovem com a televiso e a mdia,
percebe-se que a televiso vista como o espao do lazer e do prazer, e a escola o espao da
obrigao, e, portanto, da falta do prazer. Vale ressaltar que os veculos eletroeletrnicos (a
televiso) so sedutores porque usam recursos de imagens que nem sempre esto disponveis em
sala de aula, alm de terem acesso a dados atuais, e a possibilidade de trabalhar esses dados de
forma visualmente atraente. Por fim, a mdia, os grandes conglomerados de mdia incluindo a
televiso so donas de uma credibilidade construda e trabalhada estrategicamente, enquanto no
Brasil a escola pouco valorizada, e o professor visto como um profissional de qualidade inferior
(quem sabe faz, quem no sabe ensina), sendo constantemente apresentado pelo jornalismo como
algum que ganha mal, explorado pelo sistema e tem pouco tempo para se atualizar (ou seja, em
uma traduo cruel e brutal, escolheu mal a profisso e continua insistindo nela porque no tem
inteligncia suficiente para buscar uma sada). Desta forma, a metodologia proposta pretende
aproximar estes olhares para ento compreender as tenses e aproximaes caractersticas do
cenrio que envolve o jovem com a televiso e a mdia.
Em termos conceituais, a pesquisa ter como ponto de partida ou viso paradigmtica a percepo
da educao como processo complexo que compreende tanto o ensino quanto a aprendizagem, e
que envolve aspectos culturais, sociais e econmicos, de tal forma interligada que as variveis no
podem ser catalogadas. Neste sentido, mais do que apresentar concluses definitivas, o estudo
pretende apresentar um painel de dados e situaes que permitam reconstruir as representaes dos
debates que professores e alunos fazem a partir do acesso ao contedo da televiso, e em particular
do contedo que seja complementar ou entre em conflito com o contedo didtico. Para construir
esse painel de dados ser igualmente analisada a imagem que os alunos e professores tem de si
mesmos e das questes que envolvem a escola e as mdias.
A) Metodologia Quantitativa47
A pesquisa quantitativa ser realizada, via questionrio fechado, conforme os anexos 1 e 2 para
verificao do perfil do aluno e dos professores, com dados objetivos, onde sero feitas perguntas
do tipo: quantas horas v televiso, que tipos de programas assistem (se telejornais ou no), quantas
horas estudam por dia.
Os mtodos quantitativos so essenciais aos estudos sociais, sendo principalmente atravs da ajuda
de tais mtodos que esses estudos podem ser expostos ao ranking das cincias, Fisher (1925). Para
Fonseca48, enquanto quantificao uma estratgia que enfatiza explicitamente cada passo da
investigao (tcnicas de medida, dados, mtodos de avaliao), no existe um modelo aceite para
investigao qualitativa boa, com critrios consensuais para avaliao dos seus verdadeiros
contedos.
47
DALFOVO, Michael Samir; LANA, Rogrio Adilson; SILVEIRA, Amlia. Mtodos quantitativos e qualitativos: um resgate
terico. Revista Interdisciplinar Cientfica Aplicada, Blumenau, v.2, n.4, p.0113, Sem II. 2008 ISSN 1980-7031
48
FONSECA, Jaime Ral Seixas. Os Mtodos Quantitativos na Sociologia: Dificuldades de Uma Metodologia de Investigao. VI
Congresso Portugus de Sociologia, de 25 a 28 de junho de 2008.
Este mtodo, segundo Richardson (1989), caracteriza-se pelo emprego da quantificao, tanto nas
modalidades de coleta de informaes, quanto no tratamento dessas atravs de tcnicas estatsticas,
desde as mais simples at as mais complexas.
Ele possui como diferencial a inteno de garantir a preciso dos trabalhos realizados, conduzindo a
um resultando com poucas chances de distores. De uma forma geral, tal como a pesquisa
experimental, os estudos de campo quantitativos guiam-se por um modelo de pesquisa onde o
pesquisador parte de quadros conceituais de referncia to bem estruturados quanto possvel, a
partir dos quais formula hipteses sobre os fenmenos e situaes que quer estudar. Uma lista de
consequncias ento deduzida das hipteses.
Para realizar a coleta de dados, faz-se necessrio enfatizar nmeros (ou informaes conversveis
em nmeros) que permitam verificar a ocorrncia ou no das consequncias, e da ento a aceitao
ou no das hipteses. Os dados so analisados com apoio da Estatstica ou outras tcnicas
matemticas. Tambm, os tradicionais levantamentos de dados so o exemplo clssico do estudo de
campo quantitativo (Popper, 1972).
Richardson (1989) expe que este mtodo frequentemente aplicado nos estudos descritivos
(aqueles que procuram descobrir e classificar a relao entre variveis), os quais propem investigar
o que , ou seja, a descobrir as caractersticas de um fenmeno como tal.
Geralmente a coleta de dados realizada nestes estudos por questionrios e entrevistas que
apresentam variveis distintas e relevantes para pesquisa, que em analise geralmente apresentado
por tabelas e grficos. A pesquisa no pode possuir estudo quantitativo-descritivo quando for de
carter experimental (TRIPOLDI, 1981, P. 52 59).
Conforme Marconi (1982), a expresso dos dados pode ser abordada, ao revelar que devem ser
expressos com medidas numricas. Defende ainda que tcnicas qunticas de anlise e tratamento
dos dados apresentam melhor compreenso, mais objetivo, dinamizam o processo de relao entre
variveis. Pois em Marconi (1982) a pesquisa quantitativa tambm apresentada como semntica
quantitativa e anlise de contedo, trabalhando e mensurando dados de uma base textual.
B) Anlise De Contedo
A metodologia de pesquisa a ser utilizada na construo deste painel envolve uma anlise dos
contedos discursivos de alunos a ser analisados. Sobre a Anlise de contedo importante destacar
que se trata de um conjunto de tcnicas para investigar a comunicao, dentre outros ramos
cientficos. A anlise de contedo se prope a encontrar propores identificveis concretamente.
So investigaes de pesquisa emprica cuja finalidade delinear ou analisar fenmenos,
avaliar programas ou isolar variveis. Descrevem as situaes utilizando critrios
quantitativos que estabelecem propores e correlaes entre as variveis observadas,
procurando elementos que permitam a comprovao das hipteses. (DENCKER & DA
VI, 2001, p. 57 e 58).
A coleta de dados se dividir em duas fases: a primeira, dirigida aos professores de uma escola da
rede estadual de ensino no estado de Gois. A tcnica utilizada ser a entrevista semi-estruturada na
qual o roteiro pr-estabelecido dar as principais orientaes, mas deixar margem para que outros
temas e abordagens espontneas sejam discutidos. No total, sero entrevistados dez professores.
Na segunda fase, a anlise de contedo ser realizada atravs do material escrito pelos alunos, como
por exemplo: redaes, ou entrevistas em profundidade com um grupo restrito de alunos. Aps a
colheita dos dados, verificaremos se as respostas dos alunos condizem com a realidade. Uma vez
que se o aluno diz no questionrio que v quinze horas de televiso por dia, e ainda estuda cinco
horas diariamente, neste caso consta uma inverdade nas informaes, haja vista que um dia
composto por vinte e quatro horas, e no por vinte e cinco. Por fim, ser analisada a totalidade das
respostas, e havendo a comprovao de que determinado aluno mentiu, este ser eliminado da
amostragem.
De acordo com Morales49, para entender a que se refere anlise de contedo, Lozano (1994 apud
DA FONSECA, 2006)50 afirma:
49
MORALES, Ofelia Elisa Torres. Frum nacional de professores de jornalismo (FNPJ) XII encontro nacional de professores de
jornalismo. VIII ciclo nacional de pesquisa em ensino de jornalismo, modalidade do trabalho: Comunicao Cientfica. Grupo de
pesquisa: Pesquisa na Graduao. Pesquisa de jornalismo na graduao: reflexes preliminares sobre os Trabalhos de Concluso de
Curso em Jornalismo na regio de Blumenau, Santa Catarina.
50
DA FONSECA, Wilson Corra Junior. Anlise de contedo. IN: DUARTE, Jorge; BARROS, Antnio. Mtodos e tcnicas de
pesquisa em comunicao. So Paulo: Atlas, 2005.
A anlise de contedo um mtodo quantitativo que, segundo afirma Sousa (2004), nasceu nos
Estados Unidos, no incio do sculo XX, direcionado anlise de jornais, contudo, pode ser
utilizado em outros meios de comunicao.
Outra vantagem deste tipo de pesquisa o fato de trabalhar com valores essencialmente
quantificveis definidos por categorias estabelecidas e comprovadas em estudos similares.
Desta forma, a coleta de dados baseada na mensurao de textos e as concluses expressas
em forma numrica, o que facilita o cruzamento de informaes e a elaborao de tabelas e
grficos explicativos... (MELO apud SOUSA, 2004)
Desta forma, o material ser organizado, categorizado e classificado, segundo o mtodo de anlise
de contedo (DA FONSECA, 2006). Haver, ento, necessidade de codificao e categorizao
iniciais do material. Para a presente pesquisa sero retomadas algumas categorias, a partir das
leituras, contudo, pelo fato de ser uma aproximao preliminar, vrias classificaes ainda esto
sendo testadas, implementadas e aprimoradas. Conforme Herscovitz (2007, p. 127):
Os pesquisadores que utilizam a anlise de contedo so como detetives em busca de pistas
que desvendem os significados aparentes e/ou implcitos dos signos e das narrativas
jornalsticas, expondo tendncias, conflitos, interesses, ambiguidades ou ideologias presentes
nos materiais examinados."
No caso deste trabalho, esse aspecto ser extremamente importante, pois o objetivo perceber a
relao entre escola e TV, e para isso sero observadas as opinies dos jovens sobre as discusses
geradas pelo contedo televisivo.
Referncias Bibliogrficas
ANDR, Marli Eliza D.A. Ensinar a pesquisar... Como e para qu? In: SILVA, Aida cidadania. So Paulo,
Intercom, 2002.
FREIRE, Paulo. Cartas Guin-Bissau. Registros de uma experincia em processo. Rio de Janeiro: Paz e
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So Paulo, Editora Moderna (14), jan/abr 1999. Maria M; et al (Orgs). Recife 1995.
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em28/01/2012:http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/dh/br/go/goias/teorias_da_violencia_midia_e_dh.html
PERUZZO, Ciclia Maria Krohling e FERREIRA, Fernando de Almeida. (Org.). Comunicao para a Mdia
e Diversidade Cultural: experincias e Reflexes / Maria Luisa Martins de Mendona (Org.). Braslia: Casa
das Musas, 2009.
Mesa 3:
INTRODUO
Embora seja possvel encontrar elementos constitutivos do melodrama desde o
perodo Clssico da historiografia humana, o recorte aqui adotado considera o momento
inicial de seu prestgio e aceitao popular Frana do sculo XVIII bem como o seu
vnculo com o cinema clssico53 para evidenciar suas caractersticas e problematizar o que
se convencionou chamar de pedagogia moral (XAVIER, 2003) ou educao sentimental
(OROZ, 1999). Para isso, tentar-se- estabelecer um dilogo de Peter Brooks (1995) com
Ismail Xavier (2003), Siliva Oroz (1999) e Ivete Huppes (2000), a partir das noes de
acting out e moral oculta, conceitos de Brooks (1995), que caracterizam o melodrama.
De acordo com Peter Brooks (1995)54, a Revoluo Francesa o marco
epistemolgico de um perodo que ilustra a aniquilao simblica do Sagrado em seu
aspecto tradicional, associado Igreja e Monarquia. No se pode afirmar, entretanto, que a
racionalizao das diversas esferas sociais marcadas por uma estrutura laica tenha
eliminado das mentalidades o seu vnculo com o Sagrado. Essa noo ainda mais
verdadeira no contexto do Brasil, por exemplo, onde a religiosidade um forte marco
cultural.
51
55
Todas as referncias de Ismail Xavier dizem respeito ao livro O olhar e a cena: Melodrama,
Hollywood, Cinema Novo, Nelson Rodrigues. Edio de 2003.
164
56
Grifos meus.
165
Convm aqui, para melhor fundamentar o debate proposto pelo presente artigo,
mencionar de que forma Ismail Xavier compreende o melodrama:
Esse tem sido, por meio do teatro (sculo XIX), do cinema (sculo XX) e da TV
(desde 1950), a manifestao mais contundente de uma busca de expressividade
(psicolgica, moral) em que tudo se quer ver estampado na superfcie do mundo, na
nfase do gesto, no trejeito do rosto, na eloquncia da voz. Apangio do exagero e do
excesso, o melodrama o gnero afim s grandes revelaes, s encenaes do
acesso a uma verdade que se desvenda aps um sem-nmero de mistrios, equvocos,
pistas falsas, vilanias. Intenso nas aes e sentimentos, carrega nas reviravoltas,
ansioso pelo efeito e a comunicao, envolvendo toda uma pedagogia em que nosso
olhar convidado a apreender formas mais imediatas de reconhecimento da virtude
ou do pecado (XAVIER, 2003, p. 39).
166
167
Essa uma interessante discusso proposta por Raymond Wiliams no livro Cultura e Sociedade
(1969, p. 307).
168
58
Grifos meus.
169
Ismail Xavier (2003) critica a feio homognea que Peter Brooks (1995) d
sociedade ps Revoluo Francesa (e Industrial, embora Xavier no a cite neste momento),
como se esta tivesse institudo, numa nica virada de pgina, uma modernidade laica e
burguesa que se imps igualmente a todos. (XAVIER, 2003, p. 90).
Brooks (1995), no entanto, deixa claro o processo histrico em que se contextualizou
a Revoluo Francesa, bem como o seu reflexo no melodrama. A Revoluo Francesa,
segundo o autor americano, representa a culminncia de um processo de dessacralizao que
teve seu incio na Renascena; passando pelo Cristianismo Humanista e pelo Iluminismo.
Mas h que se concordar com Xavier (2003). No pelo fato de haver uma
descentralizao das influncias do poder religioso sobre as outras instncias da sociedade
que esta se torna completamente laica. Pode haver, justamente, a sobrevivncia de uma
mentalidade religiosa, contextualizada em uma cultura judaico-crist, embora no haja mais
170
59
Termo utilizado pelo socilogo Antnio Flvio Pierucci no seu livro de 2003, resultado de sua tese de
livre docncia O desencantamento do mundo todos os passos do conceito em Max Weber.
171
exibio de todas as coisas e de todos os corpos, desse af por flagrar o detalhe (XAVIER,
2003, p. 99).
O movimento descrito por Xavier (2003) revela um roteiro de racionalizao da
esfera da esttica. O pensamento religioso, inerente ao cinema de Griffith60, deixa de ser
dominante para ser um tensionamento possvel - mas no determinante.
O espao do dar a ver torna-se o espao da exibio como o reflexo de um
processo de racionalizao em que o meio passa a determinar suas prprias regras. Porm,
ainda que o melodrama em seu processo de permanncia tenha incorporado as caractersticas
prprias do meio, capaz de seduzir com as suas imagens, ainda h o discurso tico-moral
orientado pelas noes de Bem e Mal. Entretanto, com uma diferena: no se pode dizer que
seja um controle institucional das religies a determinar a presena desses elementos. H
que se reconhecer, portanto, o poder do conceito de imaginao melodramtica e a sua
essncia judaico-crist.
Este processo de eticizao da vida, presente no melodrama como o reflexo de uma
forma ps-Sagrado, vincula-se fortemente noo de ascese intramundana em Weber
(2004). O desencantamento religioso do mundo promove, por uma via da intelectualizao
das religies e doutrinas, o esvaziamento de um mundo dantes encantado e habitado por
espritos em todos os seus mbitos (PIERUCCI, 2003).
O panteo torna-se vtima de um genocdio. Neste contexto, como delineado por Max
Weber na tica protestante e o esprito do capitalismo, deixaria de haver possibilidades de
salvao pela magia ou prticas sacramentais. Salvar-se significa caminhar de forma tica
pelo mundo [a ascese intramundana dos protestantes] para pertencer ao Reino de Deus.
Sem orientar-se eticamente, e diariamente, pelos grandes caminhos da vida (entre o
Bem e o Mal), com o reconhecimento claro entre a porta estreita e a larga, no h
Extremam Unctionem, ou qualquer outro bem de salvao, capaz de arrebatar o esprito
errante ao Reino de Deus.
H que se trilhar racionalmente, praticando a ascese intramundana, os caminhos da
vida. At certo ponto, pensar o cinema de Griffith, que era metodista, reconhecer o
delinear desses caminhos tico-morais a serem tomados. Sobretudo pela tcnica do
paralelismo, como j foi dito por Xavier (2003).
O desencantamento do mundo, a retirada da magia, um processo histrico, moderno
por excelncia. Como argumenta Pierucci (2003), desencantar o mundo, retirar dele a
imagem dos espritos habitantes de todas as coisas abrir portas para vergastar e, por fim,
dominar a natureza. Este desencantamento, portanto, possui dois sentidos. Duas vias. O
desencantamento pela religio e o desencantamento pela cincia. Para ficar mais claro:
60
Toda as menes feitas a Griffith foram pesquisadas na obra O Olhar e a Cena, de Xavier.
172
Este grande processo histrico de racionalizao da religio, como j exposto, tratase de um fenmeno ocidental, vinculada hegemonia cultural judaico-crist. Retira-se a
magia do mundo para se adotar uma conduta tico-moral.
Por sua vez, a cincia tambm exerce o seu papel de desencantamento ao retirar a
religio do centro das explicaes do mundo (PIERUCCI, 2003; WEBER, 2004). Este
esvaziado de um sentido absoluto e teleolgico para ser dotado de uma srie de explicaes
de causa e efeito. Entretanto, a cincia no capaz de oferecer uma explicao totalizante.
Em outras palavras, a cincia tira o sentido religioso do centro para no colocar nada de
igual poder e proporo no lugar.
Sendo assim, aliado aos desdobramentos histricos e polticos que levaram
eliminao do Sagrado em sua forma tradicional (no contexto da Revoluo Francesa,
Industrial e do melodrama), como argumenta Brooks (1995), existe um processo de
desencantamento do mundo e de racionalizao em que se instaura uma lgica tico-moral
de relao com o Sagrado - em desenvolvimento, milenar, desde o judasmo proftico at
chegar Reforma Protestante (WEBER, 2004).
Este o contexto em que se insere o melodrama do sculo XIX e o cinema de
Griffith, que precisou legitimar o cinema perante a Igreja e os moralistas de sua poca. So
dois polos tensionadores, a religio e a racionalizao, articulados no contexto da
modernidade e de um importante meio de comunicao e de circulao de sentidos sobre a
vida moderna, o cinema.
O melodrama aparenta refletir justamente esta racionalizao das condutas. A
eticizao das aes, a exigncia de se escolher entre o que representa o Bem e o Mal, faz
parte deste processo histrico-cultural, tico-moral e religioso, que de cunho judaicocristo.
173
4. Consideraes finais
Ser a religio, e o melodrama, o pio do povo? Entre a revelao e o engano, o
Bem e o Mal, h que se reservar um espao para a dialtica. O que vale tanto para o
melodrama quanto para a religio. O melodrama tem demonstrado um amplo poder de
absoro e atualizao perante as transformaes culturais. A sua permanncia testifica a sua
capacidade de se adequar s convenes sociais.
Num processo dialtico entre os interesses da indstria cultural e a negociao com
os valores culturais vigentes em uma sociedade, o melodrama seria mais bem visto como um
gnero que constri sentidos sobre o real de forma negociada. A ideia de uma pedagogia
poderia sugerir um grau de passividade do pblico consumidor, inclusive numa perspectiva
funcionalista, que no se sustenta.
Despojando-nos da viso do pblico como massa e criticamente observando os
processos histricos que tiveram reflexo na constituio do melodrama, creio que ainda seja
de amplo fascnio a fora e a permanncia deste gnero com sua capacidade de construir
sentidos totalizantes para o cotidiano em suas representaes. Pensar sobre a religio e o
melodrama mais do que testificar uma dupla ferramenta de alienao, estabelecer os
parmetros de um profundo mergulho em direo s razes da cultura ocidental.
Referncias Bibliogrficas
BROOKS, Peter. The melodramatic imagination: Balzac, Henry James, Melodrama, and the Mode
of Excess. USA, 1995.
HUPPES, Ivete. Melodrama: o gnero e sua permanncia. So Paulo: Ateli Editorial, 2000.
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desencantados. Revista Brasileira de Cincias Sociais. v. 20 n. 59. So Paulo, out. 2005.
OROZ, Silvia. Melodrama: O cinema de lgrimas da Amrica Latina. 2 ed. rev. e ampl. Rio de
Janeiro: Funarte, 1999.
XAVIER, Ismail. O olhar e a cena: Melodrama, Hollywood, Cinema Novo, Nelson Rodrigues. So
Paulo: Cosac & Naifa, 2003.
174
175
Resumo
Esse trabalho tem como proposta o desenvolvimento de uma dissertao baseada em anlise
da construo e dos personagens com transtornos mentais nas telenovelas globais no perodo
que compreende de 1993 a 2005. Atravs dos personagens Tonho da lua (Mulheres de
Areia, 1993), Emanuel (A indomada, 1997) e Tarso (Caminho das ndias, 2005) busca-se
fazer um retrato dos personagens deste grupo especfico dentro das telenovelas brasileiras.
Partindo da ideia de que a novela depende do feedback do pblico, a forma como a opinio
pblica influenciou na evoluo dos personagens e como os personagens influenciaram na
opinio pblica tambm ser considerada. O termo transtornos mentais utilizado com a
funo de evitar termos populares como loucura e ampliar a viso destes personagens, assim
no restringindo a transtornos, doenas ou distrbios mentais especficos.
Palavras-chave
Telenovelas; Disturbios mentais; Rede Globo; Cidadania
Bruna Vanessa Dantas Ribeiro Mestranda da Universidade Federal de Gois Graduada em Comunicao Social, com
habilitao em jornalismo, pela Faculdade ALFA. E-mail: brunaribeirojor@gmail.com
62
Professora do Programa de Ps-graduao da Faculdade de Comunicao e Biblioteconomia FACOMB, da
Universidade Federal de Gois. Ps-doutoranda em Comunicao na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora e
mestre em Comunicao Social pela Universidade Metodista de So Paulo, Especialista em Sociologia pela Universidade
Federal de Uberlndia e Bacharel em jornalismo pela Escola de Comunicao da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). E-mail: anacarolina.temer@gmail.com
176
formao da opinio pblica quanto aos pacientes psiquitricos? So elas reflexo da imagem
que a opinio pblica tem das pessoas com transtornos mentais? parte do que busco
responder
As telenovelas foram escolhidas no s por seus personagens de grande
popularidade e caractersticas marcantes, mas tambm por sua localizao temporal no
contexto sociopoltico brasileiro. O recorte temporal de 15 anos, compreendidos entre os
anos de 1993 e 2005, permite estabelecer uma relao da construo dos personagens, e a
resposta do pblico a eles, com o processo de reforma psiquitrica no Brasil (luta
antimanicomial). Sob esta tica possvel ver como a mudana no tratamento destes
indivduos influenciou na forma como so retratados e como a sociedade responde a
exposio deste filo marginalizado na mdia.
Este projeto levanta-se do questionamento de como os personagens chegaram ao
formato no qual foram apresentados ao pblico, como se desenvolveram, quais suas
caractersticas e consequentemente como a recepo destes pelo pblico influenciou na sua
continuao dentro da trama.
2 Justificativa
Nas pesquisas realizadas para este projeto foram percebidos dois detalhes que
levaram a um melhor desenvolvimento da ideia. Primeiro o vcuo de estudos acadmicos
sobre a representao de indivduos com problemas mentais na mdia de forma geral, tanto
em teledramaturgia quando em jornalismo e shows de televiso. Os poucos estudos
encontrados tratavam de outras minorias ou grupos perifricos (negros, mulheres). Segundo
uma grande concordncia de especialistas no sentido da excluso das telenovelas como arte.
Contando com isso Tvola afirma que o padro de qualidade to utilizado
como argumento pela prpria Rede Globo de Televiso na divulgao de seus produtos, na
verdade um padro de produo, e no necessariamente artstico de seus produtosprogramas. Isso unido ao fato de que as telenovelas so obras no passveis de releituras por
parte do pblico e que s se completam quando chegam ao fim, sendo assim fundamental a
anlise separada de cada captulo, a obra se completa quando deixa de existir, explica o
grande desagrado acadmico com as telenovelas, j que a maioria dos estudos utilizam-se de
padres artsticos convencionais de produo como parte da metodologia, sendo que esta
um novo formato, com suas peculiaridades, que no pode se analisado sob a tica artstica
habitual.
Este trabalho no se justifica no sentido de localizar as telenovelas no espao de
produo cultural artstica ou audiovisual mercadolgica, mas no de analisar a relao
177
dessas produes com o sentido de cidadania na sociedade moderna aplicada ao grupo dos
indivduos com transtornos mentais. A proposta surge tambm como oportunidade de
preencher o vcuo produtivo com relao mdia e aos portadores de transtornos mentais.
3 Fundamentao terica
178
4 Objetivos
179
5 Metodologia
180
6 Concluso
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
BRASIL. Lei n 10.216, de 6 de abril de 2001. Disponvel em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10216.htm>. Acesso em: 31/01/2013 s
16:24
181
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HIRDES, Alice. A reforma psiquitrica no Brasil: uma (re) viso. Cinc. sade coletiva, Rio Grande
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THOMPSON, John B. A mdia e a modernidade: uma teoria social da mdia. 7 ed. Petrpolis:
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TVOLA, Artur da. A telenovela brasileira: histria anlise e contedo. So Paulo: Globo, 1996.
TEMER, Ana Carolina Rocha Pessoa. TONDATO, Marcia Perencin. Mdia e cidadania: uma
relao na perspectiva histrica. 2008.
182
A Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Gois (FAPEG) fomentadora do projeto atravs de concesso de bolsa
de mestrado ao autor do trabalho.
64
Publicitrio, Especialista em Gesto de Pessoas e Marketing pela PUC-GO. Mestrando do Programa de Ps-Graduao
da Facomb-UFG. Linha de Pesquisa em Mdia e Cidadania. E-mail:douglasrromani@hotmail.com.
65
Orientador. Doutor em Cincias da Comunicao pela USP. Professor Adjunto da UFG.
183
social estaria ligado aos direitos bsicos para o bem-estar das pessoas, abrangendo aspectos
como sade, educao, segurana, entre outros. Percebe-se ento que, assim como a
definio grega mais antiga, todos que possuem um determinado status so iguais com
respeito aos direitos e deveres pertencentes ao status.
Canclini (1997), ao estabelecer as relaes da construo da cidadania com os meios
de comunicao, defende que os questionamentos capazes de definir os cidados, como a
busca pela informao, a representatividade dos interesses, os direitos que a condio social,
geogrfica e poltica oferecem a cada um, obtm respostas mais pelos meios de comunicao
e pelo consumo de bens do que pelas regras da democracia ou pela participao poltica.
Com isso, percebe-se que imprescindvel o conhecimento dos direitos disponveis a
cada grupo e a forma com que os cidado passam a ter conhecimento e a vivenciar esses
direitos que possuem passa, muitas vezes, pelas mdias e pelas experincias inerentes a cada
grupo, sem necessariamente se ater simples existncia formal dos direitos.
Ento se chega a dois aspectos necessrios construo da cidadania: ter direitos
civis, polticos, sociais, de se informar, de ser representado, enfim, e ter a condio de
exerc-los, pois no adiantaria possuir direitos e no ter como exerc-los, por limitadores
fsicos, financeiros ou quaisquer outros.
As definies e os elementos que definem um cidado no se esgotam nestas
possibilidades apresentadas, mas para a delimitao deste trabalho, partindo daqui, com um
recorte das vrias questes que compem a construo da cidadania, buscar-se- uma
relao da internet com estes conceitos, tentando responder questes como de que forma a
internet colabora para a construo dessa cidadania?, no que ela mais contribui para a
cidadania? e se ela prejudicial em algum aspecto nessa discusso?
2 Os caminhos da Internet
Tim Berners-Lee, o cientista criador da World Wide Web (www), dizia que:
A finalidade ltima da web ajudar a melhorar a teia de nossa existncia
no mundo. Ns nos agrupamos em famlias, associaes e empresas (...) O
que acreditamos, endossamos, aceitamos representvel e, cada vez mais,
representado na web. (apud ERCLIA, 2000, p. 7)
184
66
Luiza filha de um colunista de Joo Pessoa que foi citada em um VT de anncio publicitrio de um lanamento
imobilirio na Paraba. Por estar ausente e ter ido para o Canad. O vdeo deste comercial foi postado no site Youtube e
assistido por milhes de pessoas. A popularizao do vdeo criou o bordo menos a Luza, que est no Canad e teve
cobertura de diversos veculos.
185
67
Artista Piauiense que se tornou conhecida ao fazer uma pardia da msica Thousand Miles, de Vanessa Carlton. Seus
vdeos tiveram milhares de visualizaes e ela se tornou uma artista conhecida na regio.
68
Artista paulista que chamou a ateno da mdia, em 2007, aos 15 anos, ao postar vdeos de suas canes no site
MySpace. Posteriormente, gravou trs lbuns, foi indicada a prmios e citada em revistas especializadas.
69
http://www.teleco.com.br/internet.asp
186
187
188
A interao face a face seria uma interao em um contexto de co presena, com o mesmo conjunto referencial de espao
e tempo.
189
muito em breve j estar adulta. Mas a questo da excluso digital por falta de recursos
sria e a sua soluo passa, necessariamente, por aes do Governo Federal. E o que o
governo tem feito pra democratizar esse acesso?
Agora vamos tratar da questo da voz como instrumento de cidadania dentro da rede.
Negroponte traz o seguinte pensamento: na internet, cada pessoa pode ser uma estao no
autorizada de TV (...). Podemos agora pensar nos meios de comunicao de massa como
algo bem maior do que a TV profissional e de altos custos de produo (2000, p. 168).
Sem entrar nos mritos da questo da razo pela qual diversos indivduos que
postaram seus vdeos em sites como o Youtube obtiveram tantos acessos, importante
ressaltar o espao ao qual essas pessoas, antes desconhecidas, tiveram acesso. O espao que
surgiu para que eles pudessem se expressar um negcio indito na histria das mdias.
Percebe-se que hoje as pessoas tm canais dentro da internet que o possibilitam falar
para milhares e por vezes milhes de pessoas. Se uma famlia quer fazer um vdeo para
louvar ao senhor e, por um motivo ou outro, consegue mais de 30 milhes de visualizaes
em menos de 15 dias, um contrato com a Pepsi e com uma gravadora de CDs71, isso
demonstra o poder de voz que a internet possibilita. Se um cidado est descontente com
alguma empresa, ele pode a expor de tal forma que a empresa acaba por ter que fazer algo
para no estragar sua imagem. Esta possibilidade de se falar abertamente sobre temas que
possivelmente no caberiam nas pautas de outros veculos de comunicao de massa permite
que os prprios indivduos determinem o que importante pra si e para as pessoas que
corroboram com suas opinies e ideias.
71
Esta citao refere-se ao caso dos irmos Jefferson e Suellen Barbosa, que conseguiram mais de 30 milhes de
visualizaes em cerca de 2 semanas com um vdeo postado no site Youtube, com a interpretao da msica Galhos
Secos de Osny e Osvayr Agreste. O sucesso fez com que a Pepsi fechasse um contrato com a dupla para aumentar seus
curtidores no site Facebook e tambm rendeu um contrato com a gravadora Salluz.
191
192
negociao para seu desenvolvimento. Vilches chega a falar que: O mundo no se divide
entre ricos e pobres, mas entre os informados e aqueles que ficaram de fora da era das
conexes (2003, p. 32). Percebe-se aqui, ento, que ele nem chega a cogitar outra forma
qualquer de informao que no seja por meio da era das conexes.
O autor expe tambm a questo da falta de experincias sociais fora da rede e a falta
de atividades que exercitem o corpo e as emoes. Isto poderia estar formando geraes de
difcil adaptao ao mundo real. Mas, deve-se ponderar que, para alguns, o mundo real o
da internet, porque se nele tem tudo, s necessrio abandonar este mundo nas poucas
coisas que ele no propicia. De fato, qualquer pessoa que fique voltada para um interesse ou
mdia especfico, diminui a capacidade de crescer enquanto cidado, pois no absorve uma
grande gama de conhecimentos que poderiam ser adquiridos atravs de outros tipos de
interao. Mas isso no se restringe internet, e sim qualquer meio de comunicao. O
problema que a internet muito vasta, atrativa e at viciante por vezes, ento isso fica mais
evidente.
Neste sentido Castells (2003) fala que a internet o tecido de nossas vidas e compara
o surgimento da internet com o da energia eltrica devido sua capacidade de distribuir o
poder da informao por todos os mbitos da atividade humana. A internet constituiria a
base tecnolgica da forma organizacional que caracteriza a era da informao: a rede.
Castells tambm trata das possibilidades que a internet trouxe. Segundo ele, em
consonncia com o que foi dito por Levy, a internet um meio que permitiu, pela primeira
vez, a comunicao de muitos para muitos, na hora escolhida e em escala global.
Fala tambm que a atividade humana est baseada na comunicao e, a partir do
momento que a internet modifica a forma de nos comunicarmos, ela afeta profundamente as
nossa vidas. A internet seria um instrumento fundamental para o desenvolvimento do 3
mundo em busca do fim da desigualdade em relao aos pases mais desenvolvidos.
Entretanto, s dar o acesso internet no garantiria a soluo para o problema. Seria apenas
um pr-requisito. Quanto mais a tecnologia se sofistica, de modo a complicar o uso da
internet, mais os grupos com menor nvel educacional so excludos do processo. E isso, por
si s, j um indcio cerceador da cidadania, pois quando se dificulta a linguagem se
estabelece um processo de seleo e excluso.
A excluso, a que Castells chama de info-excluso, no medida pelo nmero de
acessos que determinada regio tem, e sim pelas consequncias do uso ou no uso da rede,
pois a internet permeia pontos cruciais da sociedade. Ou seja, mais vale uma quantidade
menor de acessos voltados para se informar e gerar conhecimento do que uma grande
quantidades de acessos a sites de contedo que no agregam nada.
193
Lei Complementar 135/2101 - Projeto de Lei de Iniciativa Popular que torna inelegvel por oito anos os candidatos que
tiverem o mandato cassado, renunciarem para evitar a cassao ou forem condenados por um rgo colegiado.
194
7 Concluso
Com o surgimento da internet e com a forma com que ela se desenvolveu e ainda
vem se desenvolvendo, o papel do espectador-cidado no que concerne forma de se
consumir mdia foi alterado significativamente. A partir do momento que cada indivduo
com acesso rede pode ter a liberdade de produzir seu prprio contedo, acompanhar as
aes e pensamentos de uma infinidade de pessoas e mesmo optar por imergir no chamado
mundo virtual, h uma expectativa de que no haja retrocessos nesse sentido.
Contudo, apesar do lanamento de alguns planos de incluso digital por parte do
Governo Federal, ainda existe uma quantidade muito grande de pessoas que no tem acesso
web, alm de outro montante que busca exclusivamente contedos sem relevncia para a
construo de um indivduo crtico e defensor de seus direitos de cidado.
Como esta possibilidade de utilizao de um meio de comunicao como ferramenta
de discusso sem qualquer tipo de filtro muito recente, alm do fato citado de a internet
ainda no ter chegado boa parte da populao, as possibilidades de alcance da internet
ainda tendem a aumentar e promover mudanas maiores. Contudo, s o fato de ela trazer
essa possibilidade j um indcio de que se a internet no garante a cidadania a ningum, ela
pode ao menos, e de diversas formas, servir de ferramenta para cada um utiliz-la na busca
por garantias dos direitos dos cidados.
8 Referncias Bibliogrficas
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THOMPSON, John. A mdia e a modernidade: uma teoria social da mdia. 4. ed. Petrpolis: Vozes,
1998.
196
Palavras-chave
Cinfilo; Cultura; Mdia.
Cinefilia. A palavra ainda parece ser um mistrio para muitas pessoas. Claramente
vinculada ao cinema, expressa uma relao bastante particular entre o espectador e a arte
que dominou o sculo XX. Cercada por eventos histricos e culturais, essa relao, porm,
se modifica com o tempo, assim como o prprio cinema, de modo que no injusto
questionar-se sobre o que um cinfilo. O que foi o cinfilo de dcadas atrs? O que o
cinfilo de hoje? E, no menos importante, como so vistos?
De certa forma, a cinefilia pode ser resumida em uma imagem, uma cena de Os
Incompreendidos (Les quatre cents coups, 1959), de Franois Truffaut. No longa, o garoto
Antoine Doinel, interpretado por Jean-Pierre Laud, toma para si uma fotografia de Monika
e o desejo (Sommaren med Monika, 1953), de Ingmar Bergman, disposta no hall de entrada
de uma sala de cinema, contendo a sensual imagem de Harriet Andersson em cena do filme.
No por acaso, Doinel um alter ego de Truffaut, e a cena, preciosa ao ilustrar o encanto
proporcionado pelo cinema na infncia, a ponto de levar ao impulso, ao desejo, audcia de
furtar um pedao dos filmes para si. Metaforicamente, esse furto que acontece todas as
vezes que o cinfilo assiste a um filme, escolhendo, em seguida, aqueles de mais valor,
cultural e, to importante quanto, pessoal.
Na cultura cinfila, preciso que o cinema esteja alm. De qu, pouco importa. Para
compreender esse pensamento de adorao necessrio, antes de tudo, olhar para o histrico
73
Graduado em Letras e Mestrando em Comunicao Linha Mdia e Cultura, ambos pela Universidade Federal de Gois
UFG.
74
Doutor em Cinema e Jornalismo pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo - PUC/SP. Docente na Faculdade de
Comunicao e Biblioteconomia FACOMB da Universidade Federal de Gois.
197
dessa cultura que ajudou no somente a restituir um cinema o francs , mas todo um
modo de encarar a linguagem cinematogrfica, linguagem esta que, no decorrer dos anos, se
viu cercada pela modernidade (avanos de tecnologia, de foras de produo, alm de todo
um conjunto de valores e de relaes intrapessoais que, atualmente, autores como Bauman
sugerem ser repensado), levando o ser cinfilo a um momento de crise. Um modo de, nas
palavras de Ismail Xavier (2007), ver alm, alm do tempo na diegese (fico), e vivenciar
o tempo no processo de formao das imagens, convico de estar no cerne de uma nova
concepo do tempo, de constituir a modernidade e a sua captao do instante.
a inquietao cinfila, vida por filmes cada vez mais distintos, que abre espao
para a nova crtica francesa. Mais ativos e capazes de reconhecer um cinema que at ento
era desdenhado, como uma grande safra do cinema clssico americano, os jovens turcos,
como passaram a ser conhecidos na nouvelle vague, adotam seus diretores favoritos, que
podem ser desde um grande diretor francs, como Jean Renoir, at um maldito norteamericano, como Samuel Fuller. Ao escrever o artigo Uma certa tendncia do cinema
francs, publicado em janeiro de 1954 na Cahiers du Cinma, Truffaut promove a poltica
de autores e decreta a existncia de um cinema autoral, em que diretores so verdadeiros
artistas, com traos e caractersticas prprias refletidas em suas obras, construindo uma
viso pessoal de mundo.
Na Frana dos anos 1950, a leitura cinfila chega crtica em muito auxiliada pelo
apadrinhamento de Andr Bazin, cinfilo-crtico que levou os jovens turcos, como ficaram
conhecidos Truffaut, Jean-Luc Godard, Jacques Rivette, Claude Chabrol, entre outros, a
escrever sobre cinema, tendo na revista Cahiers du Cinma, da qual era editor, seu principal
veculo. Escreveram sobre um cinema de ps-guerra e sobre obras que s chegaram Frana
aps a Liberao. No prefcio de Cinefilia, Mateus Arajo Silva observa, segundo
apontado nos estudos de Baecque (2010, p. 29), que aquela cinefilia foi sobretudo uma
reao a um ambiente cultural muito hierrquico e estanque, em que a grande arte era
invocada em contraposio s manifestaes consideradas vulgares da indstria cultural.
Uma vida que se organiza em torno dos filmes, cinefilia , para Baecque (2010, p. 33), a
maneira correta de considerar o cinema em seu contexto, com todas as suas prticas
visando dar profundidade viso dos filmes, uma erudio.
A cinefilia caracterizada, portanto, pela identificao e eleio de cineastas e,
consequentemente, pela legitimao de seus cinemas. Coube crtica da poca defender seus
eleitos por meio de textos, crticas e discusses, seja na mdia impressa ou em cineclubes e
salas de cinema. Assim, o hbito de ir ao cinema tambm se configura como caracterstica
definidora da cinefilia clssica, sobretudo no sentido da coletividade, do ver coletivo.
198
A nostalgia e o saudosismo com que Sontag versa sobre a cinefilia francesa expe
com clareza a discusso em torno dos motivos pelos quais a cinefilia teria entrado em
processo de extino, ameaada por um avano tecnolgico que estaria afastando os
cinfilos do charme dos rituais que envolvem o ir ao cinema e tirar proveito das
experincias cinfilas. O cinfilo no vai mais ao cinema, pois agora os filmes podem ir at
ele. Como observa Marijke de Valck, o cerne das discusses sobre o fim da cinefilia se
concentra no impacto das novas tecnologias sobre esses hbitos clssicos, hbitos e
caractersticas que Sontag decreta como essenciais, fazendo da cinefilia algo impraticvel
sem estes:
A experincia de ir ao cinema era parte disso. Assistir a um grande filme
apenas na televiso no realmente ter assistido ao filme. No somente
uma questo de dimenses de imagem: a disparidade entre uma imagemmaior-que-voc no cinema e a pequena imagem encaixotada em casa. As
condies de prestar ateno em um espao domstico so radicalmente
desrespeitosas para com o filme. Agora que um filme no possui um
tamanho padro, telas em casa podem ser to grandes quanto a sala de estar
ou as paredes do quarto. Mas voc ainda est em uma sala de estar ou em
um quarto. Para ser raptado, voc tem de estar em uma sala de cinema,
sentado no escuro em meio a estranhos annimos. (Sontag, 1996)
Ao descrever a sala de cinema quase como um templo, Sontag a ala ao nico lugar
onde filmes poderiam ser verdadeiramente apreciados, ambiente no qual os cinfilos
honrariam seu objeto de culto; um culto entre estranhos, imersos em uma escurido quase
hipntica, hbil em sequestrar o olhar do qual o cinema digno e, assim, no ter sua
ateno desrespeitada. primeira vista, a observao de Sontag faz sentido, mas no
exatamente pelo argumento da ateno, e sim pelo tradicionalismo da sala de cinema. O ser
sequestrado que permite o espectador se tornar imune a desatenes um estado que pode
75
Foram utilizados os textos originais em ingls de Sontag e Valck (org.), recebendo traduo livre na redao deste artigo.
199
76
Para Ismail Xavier, a tela grande favorece aspectos e detalhes, diferenciando formas de ateno de cada espectador. A
essncia parece ser um misto de tal favorecimento e a visibilidade do efmero (citando AUMONT, 2007), a indexalidade,
o rastro que permite fixar um instante qualquer, insignificante, extrado do fluxo. Ao supor o privilgio da tela grande do
cinema para o exerccio do olhar mais acurado, que nota o efmero, o instante, Xavier vai de encontro parte da crtica de
Sontag, mais preocupada com o ritual social do ir ao cinema.
200
201
Tal domnio tcnico, contudo, ainda no demonstra indcios de ser comum a toda a
comunidade cinfila. Trata-se de um conhecimento mais complexo, envolvendo mecanismos
de busca e certa habilidade na prtica de compartilhamento de arquivos, funcionamento de
players, softwares, codecs, extenses de arquivo e configuraes diversas. Ou seja: quanto
maior o domnio cibercultural, mais cinema estar ao dispor da nova cinefilia, o que nos leva
a pensar em novos rituais e novas prticas cinfilas.
Se nos anos 1960 o ver coletivo, o ir ao cinema e as discusses em cineclubes e
cinematecas constituam rituais da cinefilia, as comunidades cibercinfilas disseminaram
listas, tops (5, 10...), awards virtuais, enfim, as preferncias de cada cinfilo ou de um
conjunto de cinfilos, observa Melis Behlil, que ainda sugere, em seu artigo Ravenous
cinephiles: cinephilia, internet, and online film communities (2005), que as comunidades
online so para as exibies domsticas (TVs, PCs, notebooks) o que os cine clubs foram
para o ir ao cinema. Reforando a validao de seu argumento, a autora ainda traz Robin
Hamman e seus estudos sobre cibersociologia para identificar o conceito de comunidade:
(1) um grupo de pessoas (2) que compartilham interao social (3) e alguns laos comuns
entre eles mesmos e outros membros do grupo (4) e quem compartilha uma rea por ao
menos algum tempo (Behlil, 2005). Uma vez determinadas as comunidades em um espao
de cibercinefilia, podemos deduzir que h uma experincia coletiva nessa prtica, ainda que
distinta do ver coletivo clssico.
Consumo, Banalizao e Adaptao da Cinefilia
202
uma arte ainda amplamente desprezada (Baecque, 2010, p. 40), a cinefilia encontra no
cinema comercial, nos ditos filmes-produtos, valores artsticos que nenhum outro seria capaz
de identificar, pois uma mesma noo de cinema, por meio de sua linguagem, de seu
discurso cinematogrfico, est presente nesse grande coletivo de filmes.
Entretanto, o indivduo cinfilo se torna vulnervel com as mudanas culturais.
Como j vimos, a questo que se faz presente se a cinefilia demonstra uma capacidade de
continuidade, de atualizao, tirando proveito das novas mdias e, com elas, das novas
formas de acesso aos filmes. Se os cinfilos franceses cresceram em meio a uma leva de
obras liberadas no ps-guerra e tinham nos cineclubes, cinematecas e salas de cinema a
grande janela para a linguagem cinematogrfica, atualmente o filme j se encontra na
televiso e no computador, digitalizado e virtualizado, seu contedo imaterializado. O
cinfilo, quem diria, no tem somente as salas (de cinema, cinemateca, cineclube) para
chegar ao cinema, mas tambm as novas materialidades para ver.
em casa [...] que um amante do cinema pode assistir mais ou menos
qualquer filme que ele/ela deseja, s vezes em condies que so melhores
que algumas pequenas e abafadas salas de cinema. No h um custo extra
para assistir repetidas vezes e cenas favoritas podem ser rebobinadas e
revistas a seu bel-prazer. A disponibilidade de filmes garantida no
apenas atravs de grandes empresas como Amazon.com, mas tambm
atravs de lojas de filmes especializadas, como Video Search of Miami, a
qual alega possuir mais de 12,000 ttulos de Cults, Exploitations,
Estrangeiros e Bizarros em VHS ou DVD. Ademais, possvel (legal ou,
com frequncia, ilegalmente) baixar cpias de filmes de sistemas peer-topeer (p2p) ou trocar DVDs e fitas com outros cinfilos na internet. (Behlil,
2005, p. 112)
Por outro lado, tambm nesse sentido que o cinfilo passar a ser visto como um
espectador meramente fetichista, colecionador de informaes enciclopdicas, midilatras e
tecnomanacos [...] vistos como caadores-coletores de informaes e entretenimento,
desafiados a sobreviver a uma sobrecarga de infoentretenimento e a processar uma
espantosa quantidade de imagens e idias (Kellner, 2001, p. 28). Em uma sociedade ditada
pelo consumo, em que o cinema se v submetido televiso e publicidade, a genuna
paixo cinfila ganha ares de desejo consumista, sendo estimulados a consumir o maior
nmero possvel de filmes em uma cultura da mdia que permite cada vez mais a viabilidade
de tal hbito.
Apesar do agora possvel consumo imaterial de contedo, importante lembrar que o
consumo material ocupa seu lugar na cinefilia contempornea. Comprar e adquirir
oficialmente um filme se torna, alm da ao de consumo, um reconhecimento da apreciao
do cinfilo por este ou aquele filme, este ou aquele cineasta. Por que adquirir apenas as fotos
expostas na entrada do cinema cinquentista se, dos anos 1990 em diante, cada vez mais
fcil a aquisio de todo o filme? E quais seriam, afinal, dignos de uma compra oficial? Se
203
preciso ver alguns filmes no cinema, tambm preciso ter alguns filmes a partir do
momento em que estes so comercializados. As prticas cinfilas se estendem ao possuir o
original, ao vestir uma camiseta, ao investir em livros e decoraes voltados para o culto
ao cinema, ao adquirir uma caneca com a imagem de Stanley Kubrick. A cinefilia deixa de
ser somente contedo e passa a ser tambm forma, objeto. Cinefilia em forma de almofadas
e cartazes na sala, de edies especiais e miniaturas. O cinfilo pode, enfim, tocar, pegar,
armazenar e colecionar aquilo que ama e defende (Elsaesser, 2005), constituindo um prazer
de consumo, mas, no menos importante, um prazer de cultuar, uma das muitas extenses do
prazer de legitimar.
Thomas Elsaesser (2005, p. 40) chama a ateno, porm, para outro elemento alm
dos desejos e prazeres em relao materializao do culto cinfilo: a memria:
frente da cinefilia, de qualquer forma, eu quero argumentar, est uma
crise de memria: memria flmica, em um primeiro momento, mas nossa
forte ideia de memria no sentido moderno, como recordao mediada por
tecnologias de registro, armazenamento e recuperao [...] Nossa
experincia do presente j sempre memria (de comunicao), e essa
memria representa o esforo recapturado na autopresena: possuir a
experincia para que se possua a memria, para que se possua a si prprio.
D ao cinfilo de segunda gerao um novo papel talvez at mesmo um
novo status cultural como colecionador e arquivista, no tanto das nossas
passageiras experincias cinematografias como das nossas experincias
prprias no menos passageiras.
Cabe, aqui, uma reflexo sobre o papel de arquivista que esse cinfilo take two se
v determinado a cumprir, pois colecionar e arquivar filmes compreende assegurar a
preservao de parte da histria do cinema e, sobretudo, de obras que merecem sobreviver a
serem disseminadas uma hora ou outra. A raridade constitui valor, cabendo ao cinfilo o
ttulo de guardio do que no deve ser esquecido, do que deve ser, na medida do possvel,
conhecido ou reconhecido. A maneira como o cinfilo lida com a materializao do cinema
est ligada a prazeres prprios e ao desejo de consumo e posse, mas igualmente dedicada a
essa manuteno da memria mencionada por Elsaesser (2005), fazendo da cinefilia uma
competio entre o amor que nunca mente e a autenticidade de cada filme, nico em seu
prprio tempo, e o amor que nunca morre, devidamente armazenada e segura em vdeos,
discos e arquivos virtuais. por esse caminho que a cinefilia atual solidifica sua posio
ambgua, transitando entre o material e o imaterial, o coletivo e o individual, o autntico e a
reproduo. Ainda sobre memria, Valck (2005, p. 22) nos lembra que
A cinefilia contempornea, como sua clssica predecessora, relaciona o
presente com o passado, mas a memria no mais apreciada
exclusivamente em pensamento privado, discusses cara-a-cara e escritos
em livros e revistas. cultivada por consumidores, produtores e
acadmicos em mltiplos canais miditicos: espectadores se juntam em
festivais, alugam vdeos em lojas especializadas e compram, baixam ou
trocam filmes pela internet; corporaes reaproveitam filmes (antigos)
como clssicos (instantneos) para o crescente mercado de DVD; e
204
Sua melancolia se apresenta de acordo com essa relao com o tudo imagem,
dilogo que ele considera impossvel. Daney est certo a respeito da individualizao do
cinfilo, assim como sobre o cinema e sua marginalizao crescente na esfera do visual,
rapidamente corrodo pelo televisual e o publicitrio (Baecque, 2010, p. 421). Nesse
sentido, acompanhamos, alm de uma crise da cinefilia, a banalizao do que se entende por
ser cinfilo.
No entanto, o lamento de Daney e, consequentemente, o de Baecque parece
desconsiderar a reestruturao social da cinefilia promovida pelas novas mdias. Apesar de
individualizado, o cinfilo no necessariamente se encontra incomunicvel, podendo se falar
at mesmo de uma nova noo de comunidade cinfila, cujos espectadores no precisam
dividir um mesmo tempo e espao para dividir uma mesma experincia. O ato coletivo de
olhar para a tela ganha tons mais simblicos, mas ainda simultneos experincia ntima,
que agora se sobrepe, e a TV no a impossibilidade de relembrar o cinema, mas apenas
nosso momento e nossa maneira de relembr-lo (Robnik, 2005, p. 56).
205
206
produo cinematogrfica filipina no ser vista no circuito comercial, mas est ao alcance
da internet. O cinema se torna maior, o conjunto de filmes se multiplica, o que era todo
agora tem mais partes a serem agregadas. Talvez a cultura nunca tenha estado diante de
tantas formas de acesso, de tamanha reproduo barata, interconectada por uma
complexidade que parece atingir seu auge a cada instante.
No ncleo dessa discusso, a distino entre a ideia de cinfilo crtico e a ideia de
cinfilo guloso tico (Baecque, 2010) tende para o domnio da segunda, colaborando, assim,
para uma cinefilia vista como alienada, munida de um grande acmulo informativo carente
de reflexo. Contudo, a individualizao do cinfilo, a proliferao de informaes, autores
e imagens, o suposto fim do ver coletivo e a dominao do tudo imagem, enfim, a crise da
cinefilia, no suficiente para configurar um cenrio de total abandono, e sim de adaptao.
A era do olhar crtico de Bazin encontra novos caminhos, pois a legitimao agora se faz
necessria no apenas a cineastas e filmes, mas tambm ao cinfilo, reinstaurado no infinito
entrelaamento de imagens..
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p. incio-final.
208
77
209
necessrios quando desejamos investigar um tema, sem torn-lo uma abstrao geral e
arbitrria ou sem retir-lo do senso-comum simplificador.
Na tradio francesa79, o melodrama consolidado no perodo ps-revoluo. A partir das
transformaes do teatro popular, surge uma nova forma de dramaturgia, baseada em um
apelo sentimental, e que apresenta uma preocupao com a tica familiar e se dirige a um
publico geral. Nessa conjuno, encontra-se a gnese do melodrama. Os dramas de famlia
passam a ser trabalhados independentemente do status social ocupado pelos personagens.
Camargo percebe, j no perodo da revoluo francesa, caractersticas morais do melodrama. Tinham a inteno de
apresentar uma bondade natural do homem, o qual a sociedade corrompia (Rousseau). Segundo o estudioso brasileiro, um
dos ideais estimulados e praticados pela Revoluo Francesa: acabar com a injustia e punir os responsveis ser o pano de
fundo do gnero, determinando a polarizao de suas principais personagens. A filosofia moral impressa no melodrama, de
inspirao rousseauniana, fundamentava-se no princpio de que o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe. Manterse fiel a este princpio de bondade ser a fora-motor de suas personagens. Contra ventos e mars, devero enfrentar todos
os percalos naturais e seus agentes humanos, que tentaro corromper o estado de bondade original dessas personagens e,
pretensamente, de toda a nova sociedade que surgia. Desse modo, suas personagens positivas sero cidados comuns,
muitas vezes passivos, enfrentando a cada momento uma nova fora sobrenatural, o destino do indivduo submetido
sociedade industrial e a seus pecados capitais, que podero surgir a cada momento por meio de todos os subterfgios
possveis. Os negativos sero os agentes dessa fora (CAMARGO, 2009, p.100-101).
210
Dessa forma, se a moral do melodrama passa pelo conflito entre os dois polos de ao,
mape-los torna-se um caminho importante. A partir da, ser possvel estabelecer se, de
fato, essas so caractersticas intrnsecas estrutura melodramtica, ou se podemos
vislumbrar um melodrama que no esteja ancorado na luta entre o bem o mal.
Os personagens que ocupam o polo da bondade confiam na justia e, por maiores que sejam
o sofrimento, dilemas ou infortnios, no final, so recompensados. So puros em si, e no
possuem qualquer espcie de maldade; por vezes, a figura que ocupa o polo da bondade no
a figura masculina do heri, mas sim a figura da inocncia, como a dama ou a criana.
Contudo, devemos lembrar que, no melodrama, apesar de raras, ainda so possveis algumas
variaes no interior de sua estrutura. O principal exemplo diz respeito s personagens que
so boas, mas que cujo discernimento se compromete por conta de paixes amorosas. O
melodrama apresenta, portanto, a possibilidade de esclarecer, logo de incio, a identidade
dos personagens. Contudo, ainda possvel que, no decorrer da trama, acontea uma
mudana de conduta, resultado de um impulso sentimental do personagem. Porm, mesmo
211
nesses raros casos da transio de polaridade, do bem para o mal, o espectador no transita
entre esses extremos.
A mudana de um personagem para o lado negativo acontece de forma instantnea, desse
modo, o espectador no se sente perdido em relao ao seu guia de aes. Essa parece ser
uma interessante caracterstica a respeito do modo como o melodrama trabalha com o mal.
A suspeita, que investigaremos frente, que essa ntida separao decorre da cultura
judaico-crist, em que no existe um entremeio.
O Melodrama No Cinema
O melodrama, em geral, possui uma estrutura que facilita a identificao dos personagens,
conforme foi apresentado. Ele didtico com o pblico, mostra quais so os personagens
dignos de veemncia e quais devem ser indiferentes. Tal caracterstica responsvel pela
fcil assimilao dos personagens e, talvez, da moral defendida. Apesar de, at ento, o
melodrama manter engessada sua relao com a moral, j que apresenta a luta entre o bem e
o mal como seu fundamento, ele , tambm, extremamente malevel em diversos aspectos.
Por conta de sua maleabilidade e de sua fcil assimilao, o melodrama uma forma
narrativa rica, que pode ser apropriada por diferentes meios.
Aquele que realmente consegue reverter esses problemas David Griffith. O diretor cria o
que se convencionou chamar de narrativa cinematogrfica clssica. Interligado com o
contexto de Hollywood, Griffith comea a criar uma srie de truques, que serviriam de
base para o ento cinema emergente. A narrativa ganha continuidade, a atuao se torna
mais naturalista e realista, as legendas e os cenrios se tornam mais uniformes. Nas
212
Alm da nova preocupao com a coerncia narrativa, surge, tambm a partir de Griffith,
uma preocupao quanto ao impacto dramtico do filme. O diretor resgata, ento, a matriz
melodramtica como um importante aliado nessa tarefa. Os antigos polos entre vicio e
virtude continuam sendo ressaltados e a trama continua organizando o mundo, punindo o
opressor e garantindo a estabilidade do oprimido.
A abnegao, o gosto do dever, a aptido para o sofrimento, a generosidade, o
devotamento, a humanidade so qualidades mais praticadas no melodrama,
juntamente com o otimismo e uma confiana inabalvel na Providncia: a
Providncia que ajudar sempre aquele que souber ajudar-se a si mesmo.
(THOMASSEAU, 2005, p.48)
No cinema, a moral apresentada pelo melodrama ganha ainda mais fora por conta do ponto
de vista oferecido pela trama desenvolvida. A partir do aparato cinematogrfico, o olhar
deixa de ser um olhar de fora, tal como era o do espectador de teatro. Assim, o olhar do
espectador ganha uma flexibilidade maior, ganha movimento em relao ao ponto de vista e
pode, ainda, ocupar o lugar dos personagens e do protagonista, sendo colocado no conflito e
compartilhando a soluo apresentada pelo filme.
O Olhar Compartilhado
A projeo na sala escura um mecanismo que possibilita a imerso do espectador na obra.
O mecanismo cinematogrfico cria a iluso de realidade e seu surgimento pode ser
entendido como um instrumento de interpretao do mundo diante da mudana da
experincia subjetiva forada pela modernidade. As transformaes da estrutura da
experincia so to intensas que a modernidade transformou os fundamentos fisiolgicos e
psicolgicos da experincia subjetiva. (SINGER, 2003, p.96)
Na ento nova tcnica, o imediato acaba sendo compreendido como o real. A normatizao
do mundo pelas histrias edificantes, como as de Griffith, ganha um contorno de veracidade.
Experimenta-se uma vivncia j filtrada por outro, que no o indivduo. Arlindo Machado
aponta que:
Ora, a narrativa cinematogrfica sempre vivida pelo espectador como um presente
virtual. Num certo sentido, no h passado no cinema quando as luzes se apagam e o
213
filme comea a ser projetado, a histria comea de fato a suceder diante dos
nossos olhos, ns entramos dentro dela e nela nos empenhamos num processo de
participao onrica. Os eventos aparecem diretamente aos nosso olhos e ouvidos(
efeito de realidade), ns estamos l como testemunhas e tudo imediato.
(MACHADO, 2007, p.21)
Se, com o advento do cinema, pode-se pensar em um modo inovador referente forma de
experimentao e de recepo, pode-se, ainda, pens-lo como o ponto alto do projeto
pedaggico do melodrama. Se antes a normatizao do mundo e a exposio de uma moral
eram fatores importantes, agora, o cinema intensifica esse projeto. Afinal, o ponto de vista j
est dado por um olhar pressuposto; ampliam-se os recursos de expresso do cinema,
potencializando o que nos termos do postulado melodramtico de legitimidade moral do
mundo torna mais visvel o sentido dos fatos e gestos, o teor dos dramas vividos (XAVIER,
2003, p. 66).
214
215
O Cinema Ressentido
Na cultura ocidental, a culpa e a punio so elementos bastante frequentes. Por vezes, a
ideia de vtima est interligada violncia. Esse fenmeno apresenta dois fatores a serem
destacados; o primeiro diz respeito a nossa cultura judaico-crist, de uma moral ticoteolgica (o bem contra o mal), em que a culpa e a vitimizao so valorizadas. O segundo
fator, decorrente do primeiro, diz respeito forma narrativa a qual estamos acostumados.
Constantemente, nos so apresentados, seja pelo jornal, novela ou cinema, histrias de
vitimizao, em que so ressaltadas a culpa e a punio.
Um bom exemplo de filme que se utiliza dos mecanismos apontados Tropa de Elite.
Depois do enorme sucesso do primeiro filme, que ganhou o Urso de Ouro no Festival de
Berlim de 2008, surge o filme Tropa de Elite 2, assistido por mais de dez milhes de pessoas
no Brasil, o que lhe garante a marca do filme nacional mais visto no pas, superando Dona
Flor e Seus Dois Maridos, que detinha o ttulo desde 1976.
Nos dois filmes, a estrutura parecida e o heri vitimizado tanto pela sociedade quanto
pelo ncleo familiar. O mundo se ordena por meio da punio e, no caso desses filmes, todo
meio valido para os fins esperados. Torturas, mortes, espancamentos se tornam meios
vlidos para se restabelecer a ordem do mundo. O fator interessante que as ideias
propostas pelo filme no foram estranhadas pela populao. Os filmes, assistidos por
milhares de pessoas, tiveram uma forte influncia sobre a conscincia coletiva. Isso
demonstra os riscos de um olhar distrado diante dos filmes. Quando se utiliza uma estrutura
j conhecida, como no caso do melodrama, arraiga-se nela uma ideologia que facilmente
absorvida.
Friedrich Nietzsche foi o principal pensador a desenvolver uma teoria sobre a moral baseada
em uma lgica do ressentimento. Tal moral se fundamenta pelos valores criados pelo
Cristianismo. Segundo o pensador, a cultura, por meio da moral, adestrou o homem, tanto
216
pela imposio da igreja quanto por sua adeso sociedade. De forma que o sentido
cultura amestrar o animal de rapina homem reduzi-lo a um animal manso e civilizado,
domstico (NIETZSCHE, 2009, p.30). Para o pensador, existe uma relao entre o
ressentimento e a moral estabelecida pelos fracos. Aquele que fraco percebe tudo o que o
oprime, ou que mais forte do que ele, como um mal moral. Esse tipo de moral tem seu
ponto alto com a criao do Cristianismo, pois a moral crist classifica como bem o
sofrimento e a franqueza.
217
Almodvar tambm utiliza caractersticas do melodrama, porm, de certa forma, seus filmes ironizam a estrutura
melodramtica.
81
J antes do cinematgrafo, existiam invenes que proporcionavam a atmosfera de ilusionismo, como o mutoscpio, o
kinetoscope ou a lanterna mgica.
218
1902, o filme Par Le Trou de Serrure mostra um zelador de um hotel que decide espiar os
quartos dos hspedes por meio dos buracos da fechadura. No primeiro quarto, o zelador
observa uma mulher em sua intimidade, o que lhe proporciona prazer, assim como aos
espectadores que observam na sala escura do cinema. J no segundo quarto espiado, existe
um momento cmico no qual o zelador observa um homem travestido. No terceiro
momento, ele observa um casal e, num ltimo momento, o zelador descoberto e acaba
sendo punido pelo voyeurismo. No caso desse filme, perceptvel como o cinema capaz
de proporcionar uma atmosfera de voyeurismo para o espectador da sala escura, ao mesmo
tempo em que no o pune tal qual acontece com o zelador.
Alguns cineastas pensaram o voyeurismo como uma importante caracterstica a ser abordada
no cinema. Esse foi o caso de Alfred Hitchcok, que realizou filmes em meados da dcada de
60, na transio do cinema clssico para o moderno. O diretor desenvolve filmes que
trabalham o voyeurismo como uma metfora relacionada com o prprio espectador da sala
de cinema. O exemplo mais conhecido do diretor Janela Indiscreta (1954), filme em que o
olhar do protagonista, Jeff, se dirige a seus vizinhos, devido ao tdio por estar preso a uma
cadeira de rodas com a perna quebrada. O filme apresenta um claro espelhamento entre o
olhar do personagem e o do espectador, de tal forma que o ltimo deseja a concretizao de
um crime na vizinhana tanto quanto o personagem. Porm, ao mesmo tempo em que
observa e deseja o crime, em Janela Indiscreta, Jeff constantemente censurado, tanto por
sua empregada quanto por sua noiva. Afinal, ele punido, acaba com as duas pernas
quebradas e mais imvel do que antes.
Apesar da grande quantidade de cenas internas, O medo consome a alma ainda possui alguns planos com a cmera
localizada externamente. Vale ressaltar que, entre as cenas externas, as grades filmadas tambm ajudam a compor os
espaos voyeristicos apresentados no filme. Um bom exemplo disto est na cena em que a vizinha fofoqueira aparece quase
enjaulada; alm do momento em que o personagem de Alli est no prostbulo e o espectador consegue enxerga-lo apenas
por meio das grades da escadaria.
219
lcito, uma permisso para o olhar de espectador, que pode ser demonstrado, por exemplo,
pela constante demarcao do campo de viso atravs das portas. Essas portas transmitem a
sensao de um olhar voltado para dentro do cmodo, ou que dado de dentro do cmodo.
As janelas, por sua vez, aparecem nessa produo de Fassbinder sempre restringindo o
campo de viso: no objetivam a transparncia, ou demonstram o mundo externo. Quando
no esto escurecidas, as janelas aparecem com cortinas. Parece existir, portanto, a
preocupao em ambientar o espectador para a intimidade dos ambientes e no para sua
exterioridade. O olhar da cmera interno cena, ou seja, se ambienta dentro dos espaos
no filme. A tcnica de falsa parede no utilizada, os cmodos possuem os quatros cantos.
Em O Medo Consome A Alma, nem Emmi e nem Alli ocupam, por completo, o plo
negativo ou positivo. No so figuras da pureza ou da maldade em si. Alli constantemente
bebe (um dos principais pontos a serem reprimidos no cinema clssico), ele trai e esposa
com uma prostituta e at mesmo chega a rir de Emmi quando seus colegas de trabalho lhe
perguntam se ela era a sua av. Emmi, por sua vez, lhe empresta s vizinhas para servios
braais e o exibe a suas colegas como um objeto extico.
Um bom exemplo disso est na cena em que Alli vai ao prostbulo. O espectador o observa
atravs das portas, mas no sabe, ao certo, o que o levou at aquele lugar. O personagem
poderia ter ido apenas devido a sua aproximao com o espao que o aceita como rabe,
pelo cuscuz ou pela prpria prostituta. Nesse caso, mesmo que exista um ponto em que a
cmera se localiza e o espectador levado a observar a cena atravs de duas portas, a
220
A tenso amorosa outro aspecto a ser observado. Sobre ela, vale ressaltar que no existe
vilania no sentido clssico, em que h uma perseguio amorosa ao casal e grande parte dos
enfrentamentos est interligada vida burguesa. O enfrentamento ao qual o casal de
Fassbinder est exposto instrumentalizado com a inteno de apresentar um contorno
poltico realidade que eles vivem. Questes relativas velhice, ao proletariado, ao racismo
ou a xenofobia ganham relevncia no filme.
Esse contorno poltico no melodrama de Fassbinder faz com que o espectador, por mais que
tenha um olhar domesticado, pense algumas questes. O envolvimento do casal est
permeado por uma srie de problemticas. Alli vive margem da sociedade por conta da sua
etnia e sua cultura. J Emmi viva e ter uma vida sentimental parece estar vetado a ela. Na
primeira cena em que o casal dana, podemos perceb-los sozinhos e a unio deles est mais
interligada aos fatores de excluso da Alemanha ps-Segunda Guerra. Para que o filme O
Medo Consome A Alma seja compreendido, exige-se uma mnima compreenso sobre os
problemas levantados.
A no-personificao do mal significa, de certo modo, a negao da ideia de que exista uma
Providncia que reajuste o mundo, que os infortnios da vida sero recompensados ou de
que o alm-da-vida mais importante que a prpria vida. No jogar com o jogo de anjos e
demnios significa, em certa medida, jogar com outros elementos, como o elemento
poltico.
O final feliz uma caracterstica melodramtica que no tem lugar nesse filme, afinal,
Fassbinder no pretende reorganizar o mundo. Se os temas so complexos e devem ser
refletidos, o mundo deve continuar sendo apresentado em toda sua complexidade e Alli
voltar a ter outra lcera em seis meses. O medo que consome a alma, portanto, no o de
um elemento externo que personifica o mal, ele a prpria franqueza, a exaltao do
sofrimento e a vitimizao que, de fato, consomem a alma.
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XAVIER, Ismail: O olhar e a cena - Melodrama, Hollywood, Cinema Novo, Nelson Rodrigues. So
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222
cientficas
na
contemporaneidade afeta
essa
relao, destacando a
223
Em um conceito usado pela jornalista Olga Curado, o quadro no telejornalismo uma espcie de seo que tem o apoio
de consultores que podem ou no aparecer nas reportagens. Podem-se usar perguntas gravadas feitas pelos telespectadores.
Em sentido amplo, podemos considerar o quadro uma varivel que se aproxima da coluna no jornalismo impresso,
resguardados os aspectos especficos do telejornalismo.
224
Com base nesse levantamento preliminar propomos uma pesquisa que enquadra esse
tipo de jornalismo no conceito de jornalismo de prestao de servios, ou seja, a televiso
levando aos telespectadores informaes que podem colaborar com o desenvolvimento de
hbitos saudveis e consequentemente com menos doenas. A sade faz parte do feixe de
direitos civis, de primeira gerao, conceituados pela primeira vez por Marshall (1997). O
cidado tem direito a sade e o Estado deve fazer algum uso de sua fora de coero, para
realizar seus ideais. Quando o conceito se estende para Estado enquanto nao a viso se
amplia englobando assim as emissoras de TV enquanto participantes da nao e sendo assim
parte importante da sociedade.
preciso deixar claro que o estudo no aborda a cobertura jornalstica do que
classificado como factual do tema sade, com um enfoque que muitas vezes se resume a m
prestao de servio, denncias de mau uso do dinheiro publico ou outras mazelas do
Sistema nico de Sade. A sade a qual nos referimos aqui a sade com prticas e
abordagens diferenciadas, muito mais preventivas que curativa ligada adoo de hbitos
saudveis que podem melhorar o dia a dia do cidado.
A TV Anhanguera integra a Organizao Jaime Cmara que uma das maiores
empresas de comunicao do Centro Oeste. Fazem parte do grupo alm da TV, O Jornal O
Popular, CBN Anhanguera, radio e jornal Daqui. A TV conta com onze praas em cidades
importantes do interior do estado como Anpolis, Jata, Itumbiara, Catalo, Rio Verde alm
das praas no entorno de Braslia e outras trs emissoras no estado do Tocantins. No caso
especfico da televiso, a sua produo local se destaca pelo espao reservado para os
telejornais tambm chamados de Praas TV. Esses telejornais locais so veiculados
geralmente antes dos telejornais de rede. So eles: O Bom Dia Gois que comea s seis e
meia da manh, o Jornal Anhanguera Primeira Edio ou J.A que vai ao ar a partir do meio
dia e o Jornal Anhanguera Segunda Edio que tambm chamado de J.A2. Os trs
telejornais locais seguem o padro editorial da Rede Globo tanto nas normas de produo,
execuo e na edio das reportagens. Percebe-se uma preocupao em seguir as
determinaes da Rede tentando assim alcanar o mesmo padro das emissoras chamadas de
cabea de rede no Rio de Janeiro e em So Paulo.
225
Professor doutor do departamento de clnica mdica da Universidade estadual de Montes Claros, Minas Gerais.
joo.felicio@unimontes.br
226
A comunicao
87
Segundo Temer (2009) o conceito de Indstria de Contedos, foi adotado em 1978 pelo Conselho de Cooperao
Cultural da Europa e a Conferncia de Ministros Europeus. Ele vem consolidar a noo de que o termo Indstria Cultural
usado pelos frankfurtianos no era mais adequado para refletir o novo contexto de produo de bens culturais fabricados
em escala industrial. A autora acrescenta ainda que a Indstrias de Contedo tem uma natureza diferente das demais
indstrias porque possuem forma de produo especfica e uma colocao diferenciada em relao sociedade.
227
228
nmero de pessoas de vrias culturas, em vrios lugares do planeta e com uma velocidade
quase que inacreditvel. Dessa forma contedos relacionados sade so cada vez mais
divulgados, ganham mais espao na televiso e consequentemente esto presentes na vida
das pessoas.
Nesse trabalho tambm quase impossvel falar de comunicao, de televiso, sem
falar o imaginrio. Essa comunicao esconde na verdade a ideia daquilo que pensamos e
que desejamos. De acordo com Marcondes Filho (1993) a luta hoje de acesso ao discurso diz
respeito conquista de espao na mquina de produo de imaginrios que a comunicao.
Dessa forma quando se trabalha a sade na televiso, mesmo em um telejornal, o
emissor desperta o imaginrio do telespectador. Num artigo sobre a representao
jornalstica da doena, Correia (2006) fala justamente desses temas ligados a de descobertas
cientificas, dietas, tratamentos que fazem parte da nova agenda e que tentam controlar os
danos provocados pela utopia e transformao social.
O autor sustenta que o corpo, a juventude, a beleza, a sade adquiriram uma
importncia nos critrios de noticiabilidade nas ltimas dcadas. Correia (2006) diz ainda
que vrios assuntos ligados sade at mesmo um novo creme antirrugas possui mltiplas
possibilidades de produzir uma mensagem sobre o bom funcionamento do corpo. Na
verdade para o autor os media amplificam e contribuem para consolidao desse tipo de
tema. O autor portugus tambm chama ateno para a negativa do feio, do doente, do
negativo e que acaba provocando fobia. Dessa forma explica Correia que os media geram
um discurso que exalta o culto ao corpo e a beleza ao mesmo tempo em que oculta a doena.
Para Correia esse um campo amplo e cheio de contradies e vertentes, mas as
consequncias da informao jornalstica no controle social no que diz respeito sade e a
doena tem uma face dupla: destacar o que correto e denunciar do que deve ser evitado.
Consequentemente forma-se uma imagem agradvel, daquilo que belo. E assim o discurso
massivo que o saudvel bonito, vigoroso, exuberante e porque no dizer, jovem. Um
discurso que cada vez mais se faz presente nos dias atuais.
Os estudos sobre a comunicao mediada surgiram no comeo do sculo XX com o
surgimento e popularizao dos meios de comunicao. So um conjunto de ideias que
envolvem e determinam dos processos e os resultados da comunicao mediada. (TEMER,
2009).
Para Thompson (2008) uma das caractersticas da comunicao mediada
envolvimento de meios tcnicos e institucionais de produo e difuso. A tecnologia e a
explorao comercial da mdia proporcionam a produo e a difuso de formas simblicas
Ainda com relao ao estudo da pesquisa em comunicao referente aos emissores
importante destacar o conceito do Gatekeeper. Esse conceito foi elaborado em 1947 por
229
Kurt Lewin. Ele detectou zonas de produo que funcionam como portes. O jornalista o
responsvel pelo porto e faz uma seleo do que deve passar e do que deve ser descartado,
uma espcie de zona filtro, que segundo Wolf so controladas por sistemas objetivos de
regras. No caso do quadro Mais Sade so os produtores e o editor chefe que definem
quais os assuntos que despertam interesse do cidado de devem ser abordados e ainda a
forma com que devem ser abordados. Wolf chama ateno para esse tipo do controle do
processo informativo em sua totalidade e a forma como feita essa filtragem e que na
verdade pode envolver muito mais que a simples rejeio ou aceitao.
A seleo dos temas relacionados os quadro Mais Sade a nosso ver tambm tem
relao com a Teoria da Agenda uma vez que o telespectador levado apensar sobre sade e
um estilo de vida saudvel.
Essa hiptese no sustenta que os meios de comunicao mediada pretendem
convencer o receptor de alguma ideia, mas apresentam uma lista de fatos a respeito dos
quais se precisa discutir e ter uma opinio. Isso significa que: a imprensa no diz o que as
pessoas devem pensar, mas apresenta temas sobre os quais importante pensar o que no
deixa de ser uma forma de controle.
230
menos doenas. Essa informao chega ao formato de um programa jornalstico que por si
s traz consigo caractersticas do prprio jornalismo como verdade, objetividade e
imparcialidade. Nesse caso, a informao sobre prticas saudveis ganha tratamento
jornalstico e se transforma em pauta, e porque no dizer, notcia.
Nesse trabalho tratamos a noticia, ou assunto da pauta, veiculada dentro de um
quadro sobre sade e qualidade de vida dentro de um telejornal dirio, no conceitualmente,
mas dentro de uma relao com o conhecimento estudada por Robert Park. Fala-se ento de
uma relao de conhecimento que pode promover a cidadania. Ao abordar essa relao Park
dedica ateno especial relao entre a notcia e o interesse pblico. O autor afirma que
no haveria notcia se no houvesse por parte dos sujeitos o interesse em saber o que se
passa a sua volta, com os outros, com a sua cidade, com o seu pas, o mundo. essa
curiosidade que justifica tanto a produo de notcias como relatos sobre o que h de novo.
Park destaca ainda que o jornalismo est em constante mudana e que isso funciona
como mecanismo de adequao entre as demandas que so apresentadas pela sociedade e
como essas demandas so materializadas pelas organizaes jornalsticas.
Park v o jornalismo como uma espcie de instituio social, nascida para atender as
demandas comunicativas de uma sociedade cada vez mais complexa e a especificidade da
notcia, no consiste em suas temticas, comuns a outros tipos de relatos, mas ao tratamento
que recebe o tema e as funes sociais que cumpre.
Ao falar sobre o jornalismo o professor Ciro Marcondes Filho diz que:
Dessa forma para o autor o jornalismo filho legtimo da revoluo francesa, Ele
tambm relaciona o seu aparecimento historicamente a desconstruo do poder institudo em
torno da Igreja e da Universidade.
Em um texto indito Temer reflete sobre essa tenso ou relao de afastamento e
proximidade entre o jornalismo e a comunicao. Segundo a autora os processos
comunicativos foram elementos fundamentais para o desenvolvimento social, as tambm
foram instrumentos de manipulao e controle dos indivduos, que Temer classifica como
formas sofisticadas de exerccio de poder.
A autora define como objeto da comunicao dos processos comunicativos que
viabilizam a produo e a circulao de informao e nesse contexto est inserido o
jornalismo. Para Temer mesmo que o jornalismo tenha tido uma origem at panfletria, o
231
modelo de jornalismo imposto sociedade ocidental moderna tem vnculos com a burguesia
capitalista.
A imprensa capitalista um mecanismo de sistema social, que ao mesmo tempo em
que expe a pluralidade de opinies, tambm controla a exposio dessas opinies,
proporcionando ao receptor uma falsa seo de que desfruta de um amplo acesso a
informao e dos benefcios resultantes da liberdade de expresso. O material jornalstico - o
produto do jornalismo, a notcia, reportagem e mesmo os espaos para o jornalismo
opinativo -, a informao transformada em mercadoria, com todos os seus apelos estticos
e emocionais (TEMER, 2012).
Dessa forma concordamos com Temer quando a autora diz que o jornalismo uma
forma de interao social, mas tambm transforma a informao em mercadoria, dando-lhe
um carter esttico e ainda categorizando, organizando e hierarquizando essa informao. A
atividade complexa e por isso mesmo um desafio para os pesquisadores que buscam
entender melhor essas relaes que esto em constante transformao
Algumas consideraes
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234
235
236
O afeto no uma ao em si, mas a energia interna que nos impele a agir, que
confere um "clima" ou uma "colorao" particulares a um ato. [...] Longe de serem
pr-sociais ou pr-culturais, os afetos so significados culturais e relaes sociais
inseparavelmente comprimidos, e essa compresso que lhes confere sua capacidade
de energizar a ao. O que faz o afeto transportar essa "energia" o fato de ele
sempre dizer respeito ao eu e relao do eu com outros culturalmente situados.
(ILLOUZ, 2011, p.9)
Primeiramente, portanto, importante reforar que o afeto (categoria mais abrangente que
amor) no se refere apenas aos relacionamentos romnticos, mas s emoes provenientes
da "relao do eu com outros culturalmente situados". Por emoo entende-se:
Nos filmes de Cities of Love, apesar da maioria dos segmentos enfatizarem o amor
romntico, o convvio do eu e do outro e o contato com a diferena o que sustenta as
histrias e tambm o foco da anlise.
A sociolga Eva Illouz no se limita a definir afeto mas tambm a desenvolver um novo
conceito, o de capitalismo afetivo. Para ela, vivemos em uma sociedade os relacionamentos
pessoais so cada vez mais moldados por lgicas de mercado (como o amor lquido de
Bauman) e as relaes econmicas so moldadas pelos afetos.
Isso significa que existe um nmero crescente de produtos (principalmente culturais) que
utilizam os afetos como meio para atrair pblico e audincia. A respeito da explorao
mercadolgica do afeto, Illouz cita especialmente a Internet com as redes sociais e as redes
sociais destinadas especificamente promoo de encontros romnticos. Mas, ainda dentro
92
Idem, 2009, p. 20. No original: "Se entiende como "emocin" un conjunto complejo de mecanismos de percepcin,
procesos interpretativos y respuestas a estmulos fisiolgicos. De este modo, las emociones ocupan el umbral donde aquello
que no es cultural se codifica en la cultura, donde el cuerpo, la cognicin yla cultu- ra convergen y se fusionan.' Entonces,
en tanto prctica cultural, el amor romntico queda expuesto a la doble influencia de la esfera poltica y de la esfera
econmica, aunque se distingue de otras prcticas porque supone una experiencia inmediata del cuerpo."
237
da indstria criativa, podemos destacar o cinema. Por meio de diferentes gneros como o
drama, a ao ou a comdia, o cinema, desde seu incio, conta histrias de amor, sendo
Cities of Love, objeto de estudo desta pesquisa, um bom exemplo. J foram confirmadas a
produo de mais filmes da srie, no Rio de Janeiro, Jerusalm, Shangai, Mumbai e Nova
Orleans.
Alguns autores consideram que com as primeiras tribos sedentrias da Antiguidade iniciouse o surgimento das cidades. "No momento em que o homem deixa de ser nmade, fixandose no solo como agricultor, dado o primeiro passo para a formao das cidades" (Carlos,
93
238
1997, p.58). Os livros de Histria nos contam que as primeiras cidades surgiram s margens
dos rios Nilo, no Egito e Tigre e Eufrates, na Mesopotmia. Isso justamente porque as cheias
dos rios possibilitavam uma rica agricultura e, consequentemente, o comrcio. Com o passar
do tempo, esses agrupamentos humanos foram delineando melhor a constituio de uma
cidade, que possua um aspecto centralizador fundamental: vrias aldeias se reuniam em
torno de um templo (religioso) e os comerciantes (agricultores e artesos em sua maioria) se
estabeleciam ao seu redor.
239
96
Ibidem, p.319.
Paris, je t'aime fez 17 milhes de dlares com um oramento de 13 milhes e New York, I love you, que custou 14
milhes, arrecadou apenas 8 milhes de dlares, o que fez uma matria publicada no site do jornal britnico The Guardian
questionar se essas antologias da cidade so apenas meios de aumentar o turismo. Disponvel em:
<http://www.guardian.co.uk/film/filmblog/2012/jul/03/7-days-havana-city-anthology?CMP=twt_gu> Acesso em 8 Set.
2012.
97
240
Sydney Unplugged (chamado de Sydney, I love you quando lanado), composto por 12
segmentos que ilustram a cidade australiana98.
O filme que inaugurou Cities of Love, Paris je t'aime, produzido por Claudie Ossard e
Emmanuel Benbihy, apresenta histrias de amor dirigidas por um time multicultural de
cineastas e que acontecem em diferentes lugares da cidade. Os segmentos so dirigidos por:
Bruno Podalyds (Frana), Gurinder Chadha (Qunia), Gus Van Sant (EUA), Joel & Ethan
Coen (EUA), Walter Salles & Daniela Thomas (Brasil), Christopher Doyle (Austrlia),
Isabel Coixet (Espanha), Nobuhiro Suwa (Japo), Sylvain Chomet (Frana), Alfonso Cuaron
(Mxico), Olivier Assayas (Frana), Oliver Schmitz (frica do Sul), Richard LaGravenese
(EUA), Vincenzo Natali (EUA), Wes Craven (EUA), Tom Tykwer (Alemanha), Frdric
Auburtin & Grard Depardieu (Frana) e Alexander Payne (EUA).
No site oficial de New York, I love you99 h um texto de apresentao do filme: "Since the
birth of movies, New York has long been cinema's dream city - its teeming populace of oneof-a-kind characters, its stone and glass skycrapers rocketing towards the heavens, its
subterranean cultures and its rooftop love affairs all making for the perfect backdrop to all
manner of action, comedy, drama and poetry. The city has been immortalized on screen in
hundreds of different ways in thousands of movies. But now comes a fresh, diverse and
unabashdly romantic window into the city, this time seen entirely through the eyes of love love in all its varieties, from the first love, tough love and momentary love, to love
remembered, love denied, love yearned for, and love that lasts forever - from a collaboration
of young impassioned filmmakers from around the world"100. A partir dessa descrio
podemos perceber que o filme pretende se distinguir de outros que tambm se passam em
Nova York por um aspecto: o amor. Aqui, a centralidade do amor posta em destaque, de
forma que nenhum outro, dentre centenas de filmes filmados na Big Apple, evidenciou esse
sentimento humano da forma que este faz: "do primeiro amor [...] ao amor que dura para
sempre". O filme foi pensado para ver a cidade "inteiramente atravs dos olhos do amor" e,
ao pesquisador, cabe observar com cautela os o que est por trs dessas histrias: como a
cidade esta representada? Quem protagoniza os enredos? Quem so os outros? Que Nova
York estamos vendo?
New York, I love you tem segmentos dirigidos pelos seguintes diretores: Jiang Wen (China),
Mira Nair (ndia), Shunji Iwai (Japo), Yvan Attal (Israel), Brett Ratner (EUA), Allen
98
241
Huges (EUA), Shekhar Kapur (ndia), Natalie Portman (EUA), Fatih Akin (Alemanha),
Joshua Marston (EUA) e Randy Balsmeyer (EUA), este ltimo dirigiu apenas as cenas de
transio entre os segmentos. A direo geral do filme de Marina Grasic e Emmanuel
Benbihy.
Diversidade foi a palavra-chave da produo dos filmes de Cities of Love. Em entrevista
revista Interview101, Benbihy afirmou que tentou buscar diretores diferentes para trabalhar
nos filmes, "Diversity is crucial to art and crucial to cinema. That's a very strong European
statement: All people should be able to have images of themselves"102 e que, contudo, a
representao dos negros no foi suficiente nos filmes,"I was hoping that the black
community would be more represented"103.
Por meio da metodologia de anlise flmica espera-se, portanto, compreender como o
cinema representa as grandes metrpoles como palco para os encontros amorosos entre
personagens de diferentes culturas.
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244
Mesa 4:
Resumo
Faz sentido neste momento em que se vive no sculo XXI, momento de encurtamento de
distncias na era da tecnologia das redes de computadores, da internet, da globalizao e da
requisio profunda de todos os sentidos humanos no mundo das cidades modernas e cheias
de luzes e sons e mltiplas formas de atrao de interesse de um indivduo qualquer, citar
uma frase que se tornou uma referncia recente, mas profundamente instigante, do socilogo
polons Zygmund Bauman, em Modernidade Liquida (2001) na qual ele diz: Ter uma
identidade fixa hoje, neste mundo fluido, uma deciso de certo modo suicida. O que
prope este artigo discutir os conceitos de alguns autores que tratam da questo da
formao das subjetividades e das identidades, com o foco principal na participao da
mdia em geral neste processo contnuo de produo de subjetividades e da referncia de
identidade dos indivduos que se inserem nas redes sociais para buscar algum modo de
compartilhamento de sentimentos, emoes, e visibilidade, esta completamente ligada ao
seu contrrio, a possibilidade de vigilncia licenciada pelo indivduo.
Palavras-chave
Subjetividades; Identidades; Redes Sociais.
Luciana Prado, publicitria, especialista em Comunicao Estratgica e mestranda em Mdia e Cultura, e-mail:
lserenini@gmail.com. Orientador: Goiamrico Felcio dos Santos
105
Professor do Programa de Ps Graduao em Comunicao da UFG
245
inocncia (2008, p.176). Ele concorda que no sistema atual a mdia ainda produz
conscientemente cdigos infectos e epidmicos, suas palavras que impedem de certo
modo a produo de mecanismos simblicos de subjetividade, que induz em muitos
momentos a uma seleo estratgica de contedos de informao que so redues mera
mercadoria e futilidade. Mas, reflete tambm sobre o fato de os seres humanos no so
unidimensionais, e por isso mesmo no podemos crer que o indivduo no tenha condies
prprias de criar mecanismos de fuga a tais estratgias miditicas, assim como no possa
produzir suas subjetividades que se apoiem em uma autopoiese, na operatividade criativa,
coletiva que tambm ajam no mundo da comunicao, formando caminhos de resistncia
dentro do prprio sistema de comunicao e da mdia. Um dos caminhos que ele, e outros
autores acreditam que possa se dar essa liberdade e a formao de novas subjetividades
passa pelo contexto de mquinas e trabalho, aqui considerados como instrumentos
cognitivos e de autoconscincia poitica, de novo ambiente e de nova cooperao. Para ele o
trabalho humano de produo de uma nova subjetividade ganha toda sua conscincia dentro
desta nossa era e do horizonte virtual, aberto cada vez mais pelas tecnologias da
comunicao, onde ele diz:
Estamos entrando numa era ps-mdia, de conscincias comunicantes, dos
indivduos cooperantes se portando capaz de levar a cabo, radicalmente, a
transformao social, sem limite seno a finitude de nosso desejo. Uma finitude que
tem como nico obstculo a in-infiitude da tarefa (2008, p. 175).
246
J na obra Vigiar e Punir Michel Foucault fornece aos leitores uma anlise histricofilosfica profunda sobre a estruturao de organizao da sociedade Ocidental nos ltimos
sculos. Atravs de uma anlise que tem como foco o sistema punitivo-legal ao longo dos
sculos. Porm norteado pela construo histrica das punies submetidas ao corpo durante
os sculos e narrando estes fatos ele chega a histria mais recente da modernidade,
concluindo que por meios mais requintados se chega ao sistema do panoptismo como forma
de vigilncia e controle sobre os corpos no s nas prises, do sistema carcerrio, mas
tambm do funcionamento das fbrica e dos sistemas escolares, por exemplo. Para Foucault,
a histria do Ocidente uma histria que pode ser reconstruda sob a tica do binmio
vigiar e punir.
Dentro do contexto sob o qual o autor estruturou esta temtica que poderia ser
demonstrada em qualquer mbito do cotidiano histrico, mas que nesta obra est mais
diretamente relacionada com a dimenso judiciria, ele mesmo deixa claro o objetivo de seu
livro: uma histria correlativa da alma moderna e de um novo poder de julgar; uma
genealogia do atual complexo cientfico-judicirio onde o poder de punir se apoia, recebe
suas justificaes e suas regras, estende seus efeitos e mascara sua exorbitante
singularidade (p.23).
Mas na concepo da nossa temtica nos interessa lanar um olhar sobre o que ele
estabelece na terceira parte do livro intitulada de Disciplina (p. 117-187) que constitui por
assim dizer o corao da demonstrao do novo sistema punitivo engendrado a partir do
sculo XVIII. Aqui neste ponto ele de descreve as facetas modernas da criao da
disciplina como forma de inscrever na representao o iderio de vigiar e punir.
No captulo I (p. 117-142), o autor relata as modernas formas e tecnologias para
criar corpos dceis. Uma dos requisitos seria a arte das distribuies, isto ,
distribuies de espao e de corpos no espao. Deve haver uma tendncia a criar a disciplina
a partir da arte de distribuio. Um lugar certo para cada corpo, as filas, a ordem, as senhas
que ainda conhecemos to bem no nosso mundo moderno. Um segundo ponto o controle
247
da atividade dos corpos distribudos no espao, ou seja, o que se pode fazer e onde, e
principalmente o que no se pode ou deve fazer diante da sociedade, o que tambm se
aprende desde cedo. A organizao das gneses e a composio das foras tambm fazem
parte deste iderio de controle social, ou seja, quem manda e quem detm o poder, por
exemplo, deve estar claro dentro do esquema de controle e vigilncia da sociedade moderna.
Mas adiante, o autor trata dos recursos para o bom adestramento (p. 143-162). E neste
ponto deixa claro que o melhor caminho para o bom adestramento a vigilncia
hierrquica, to representativa nos modelos de todo funcionamento da sociedade, desde a
famlia, com o pai e me, at as regras impostas pelo Estado a populao em geral, que
tambm podemos citar como exemplos que se encaixam na rotina da vida cotidiana moderna
e contempornea. O autor mesmo demonstra isso no exemplo de escolas e tambm de
fbricas, com a distribuio de micro-poderes de vigilncia autorizados por uma autoridade
hierrquica superior.
Foucault reflete que toda lgica militar reside sobre esse princpio. A sano
normalizadora que deve ser genrica, bem como o exame, aqui subentendido como as
provas, selees, que se configuram em outras formas utilizadas para um bom adestramento
dos corpos. O exame combina as tcnica da hierarquia que vigia e as da sano que
normaliza (p. 154). Neste ponto ele nos diz que a escola torna-se uma espcie de aparelho
de exame ininterrupto que acompanha em todo o seu comprimento a operao do ensino (p.
155). E por mais estranho que possa parecer na vigilncia e na normalizao que se opera
uma individualizao. Mas de modo algum uma individualizao ascendente, que
projeta a pessoa para o cenrio principal, de uma criatividade e modos de subjetividades
prprios. Em cenrio de regime disciplinar, a individualizao, ao contrrio, descendente
medida que o poder se torna mais annimo e mais funcional. Os indivduos sobre quem se
exerce o poder tendem a ser mais fortemente individualizados, passando a se medirem uns
aos outros, por medidas comparativas que tm a norma como referncia, e no por
genealogias que do os ancestrais como pontos de referncia; mais por desvios que por
proezas (p. 160-1).
248
249
liberdade, o autor vai tratar das formas de produo de subjetividades e das formas de
estetizao da existncia, que daro novos contornos e possibilidades de fuga aos regimes
de vigiar e punir, o que para a contemporaneidade passou a ficar cada vez mais difcil, frente
a tantas cmeras, e mesmo a facilidade com que muitos desejam mesmo se expor diante do
outro, em tempos de big-brother, geolocalizao instantnea, e tantos outros recursos que
permitem que o indivduo esteja o tempo todo sendo monitorado, na maioria dos casos
conscientemente e por vontade prpria.
Michel Foucault vai buscar na experincia histrica greco-romana os conceitos
acerca das estticas da existncia, como estilos de vida diferenciados. Para ele, nas
civilizaes antigas grecoromanas, concentrandose nos anos I e II AC., haveria uma
experincia pautada na afirmao da liberdade e na tica, com o intuito de criao de uma
existncia boa e bela (FOUCAULT, 2006 A: p.268). Haveria a prescries e cnones
coletivos, porm sem a constituio de um cdigo de regras como viria a se instaurar no
cristianismo, cumprido por meio da obedincia a uma vontade soberana de Deus. Com o
cristianismo, vimos se inaugurar lentamente, progressivamente, uma mudana em relao s
morais antigas, que eram essencialmente na Antiguidade, a vontade de ser um sujeito moral,
a busca de uma tica da existncia era principalmente um esforo para afirmar a sua
liberdade e para dar sua prpria vida certa forma na qual era possvel se reconhecer ser
reconhecido pelos outros, e na qual a prpria posteridade podia encontrar um exemplo.
(FOUCAULT, 2006 - B: p.289-290).
Toda essa abordagem constitui uma perspectiva ontolgica que diz respeito a como
os sujeitos so constitudos em relaes de poder e de saber, e tambm na relao consigo.
Para o pensador, na dimenso tica expressa na relao de si para consigo que o indivduo
pode confrontar o poder e criar um modo de vida mais livre e intensificado. Governar a si
mesmo, as suas paixes desenfreadas, preceitos muito significativos na autarquia antiga,
definese ento pela capacidade de dar forma a si prprio e de modular seus prprios
valores, no se submetendo a uma moral dominante e normalizadora.
Mas relevante lembrar que Foucault, ao tratar de processos culturais e histricos,
sempre tinha no horizonte a discusso sobre a prpria atualidade: a questo do presente. No
momento em que ele investiga as estticas da existncia na experincia grecoromana, quer
marcar uma diferena, um estranhamento em relao ao presente, no faz um estudo da
antiguidade somente como um intuito historicista. Ele deixa claro que o anseio de constituir
a si mesmo como um indivduo livre, um cidado da polis, um dos objetivos dessa
experincia antiga.
Em linhas gerais ele postula que esse objetivo constitudo por prticas com uma
inteno de transformao e ateno a si mesmo chamadas por Foucault de tcnicas de si.
250
251
No entanto, observa-se que nem toda prtica de si prev uma positivao das
experincias vividas e da relao com o outro. Ao contrrio, com o decorrer da histria, o
que presenciamos hoje um profundo grau de massificao, espetacularizao da vida, dos
fatos do cotidiano, e uma desvalorizao vivenciada pelos indivduos, cada vez mais
atomizados e dependentes de mercadorias desenhadas para a satisfao imediata e fugaz.
No mundo ocidental, mas claramente, consegue-se observar por todo lado polticas
de subjetivao produtoras de subjetividades mercadolgicas, em que as relaes com o
mundo e consigo so empobrecidas, em favor dos contatos flutuantes estimulados pelo
capitalismo da informao (ROLNIK, 2005, p. 44).
O mundo contemporneo demarcado pelo individualismo tambm se associa ao
consumismo, configurando aquilo que Debord (1997) chama de sociedade de consumo
ostentatrio e do espetculo, com a busca do prazer incessante e a obsesso pela imagem
perfeita, de corpos e almas, tudo isso reforado pelas iluses farmacolgicas para regular o
mal-estar. tambm uma cultura do narcisismo, segundo prope o historiador Chistopher
Lasch (1983), em sua obra, A cultura do narcisismo, na qual ele reflete sobre o que
importa nos tempos modernos e na cultura americana, particularmente, a exaltao
gloriosa do prprio eu, uma cultura na qual no h lugar para a existncia do amor, amizade,
pois o que interessa a cada um o gozo predatrio sobre o outro e sobre o seu corpo, que
tratado como um annimo qualquer, sem rosto. , ento, uma forma de estruturao que
aponta muito mais para uma cultura de morte do que para uma cultura de vida.
252
Em
Vida para o consumo, Bauman nos desenha um retrato particular do que estaria se
tornando o sujeito moderno nos dias de cultura do consumo.
Estas proposies elaboradas por Bauman tambm se inserem dentro do nosso objeto
de pesquisa das novas formas de comunicao em redes sociais, e nos leva ao conhecimento
de algumas questes sobre as quais tambm se pode refletir, pois segundo o socilogo, Cada
vez mais pessoas preferem comprar em websites do que em lojas. E tal fato se daria pela
enorme convenincia (entrega em domiclio) e economia de gasolina, por exemplo poderiam
compor a explicao mais imediata, mas para Bauman estas so razes mais rasas e parciais
que escondem uma tendncia de esconder o conforto espiritual obtido ao se substituir um
vendedor pelo monitor , pois nas suas palavras:
Um encontro face a face exige o tipo de habilidade social que pode inexistir ou
se mostrar inadequado em certas pessoas, e um dilogo sempre significa se expor ao
desconhecido: como se tornar refm do destino. to mais reconfortante saber que
a minha mo, s ela, segura o mouse e o meu dedo, apenas ele, que repousa sobre o
boto. Nunca vai acontecer de um inadvertido (e incontrolado!) trejeito em meu
rosto ou uma vacilante, mas reveladora expresso de desejo deixar vazar e trair para
a pessoa do outro lado do dilogo um volume maior de meus pensamentos ou
intenes mais ntimas do que eu estava preparado para divulgar (2008, p.28).
253
254
variam de acordo com a cultura, quer dizer, h sintomas novos tantos quantos forem
os novos modos de gozo. (...) Cabe, portanto a pergunta: quais seriam os modos de
gozo do mundo contemporneo, das sociedades ps-modernas do capitalismo tardio?
De um mundo que vem assistindo ao colapso irremedivel do projeto civilizatrio
iluminista com suas propostas de emancipao humana
atravs
de
um
conjunto de valores e ideais, consubstanciados em tendncias como o racionalismo,
o individualismo e o universalismo . (SANTAELLA, 2008, p. 139).
Nas avaliaes de Santaella (2008), tudo faz crer que dentro de uma cultura
caracterizada pela hegemonia da cincia e da tecnologia, dominada pela fora potente do
mercado que promete ilusoriamente a satisfao de todos os desejos e necessidades, e que
agora tentam agarrar at mesmo os consumidores/indivduos das classes E dos pases
perifricos, a sugesto lacaniana, para a autora carrega um grande significado de que um dos
aspectos do gozo na sociedade capitalista esteja encerrado dentro dos modelos do consumo
pelo consumo, como forma de obteno de uma falsa satisfao, produo de subjetividades
lquidas e fugidias.
Concluso
Longe de presumir encerrar a discusso proposta por este artigo o que se pretende
somente fazer um fechamento onde o que parece mais razovel diante deste debate tentar
fazer compreender que o sujeito no unificado, suas subjetividades so uma construo
incessante, de acordo com vrios autores a anlises que apresentamos. E principalmente o
fato de que o indivduo estar inserido nas redes sociais com seus codinomes, suas fantasias e
seus mltiplos eus no se perfaz nenhuma grande novidade, j que no mundo do real
cotidiano face a face todos esto tambm sujeitos a vrios papis contextualizados de acordo
com a cena em que esto, e no existe uma separao ntida entre a realidade fora do
ciberespao onde sim, habitam e proliferam identidades mltiplas e linguagens mltiplas
que se desenrolam num processo que se constri na vivncia de cada um.
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255
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Janeiro: Forense Universitria, 2006, pp. 144162.
256
Resumo
A proposta deste artigo refletir sobre os meios de comunicao, fazendo uma anlise de
reportagens e propagandas que se referem ao processo de envelhecimento feminino. O
objetivo verificar como o assunto abordado pela mdia, em geral, e como a mesma dita o
comportamento da mulher dos grandes centros. comum encontrarmos hoje, mtodos e
produtos que garantem o retardamento do envelhecimento: so cremes antirrugas, cirurgias,
remdios, exerccios fsicos. uma indstria em plena expanso que indica que as mulheres
esto, cada vez mais, confiando e aderindo a essas opes que prometem manter a juventude
por mais tempo, apesar dos riscos de algumas prticas.
Palavras-chave
Mulheres; envelhecimento; meios de comunicao.
Influncia da Mdia no Processo de Envelhecimento Feminino
Este artigo cientfico parte integrante da dissertao de mestrado, que est sendo
desenvolvida na Universidade Federal de Gois e que visa observar como a classe
hegemnica influencia no processo de formao da mulher. A disseminao de informaes
e conhecimento se deu na segunda metade do sculo XV, quando do advento da imprensa.
Johannes Gutenberg desenvolvia, naquele tempo, novas tcnicas de impresso que se
espalharam por toda a Europa. A consequncia disso foi o rpido surgimento do comrcio de
livros. A Igreja tentou controlar os livros impressos mas sem sucesso, uma vez que eram
impressos em outros locais e contrabandeados.
O advento da indstria grfica representou o surgimento de novos centros e
redes de poder simblico que geralmente escapavam ao controle da Igreja e
do Estado, mas que a Igreja e o Estado procuraram usar em benefcio
prprio e, de tempos a tempos, suprimir. (THOMPSON, 2002, p.54)
106
Graduada em Comunicao Social com habilitao em Jornalismo, pela Pontifcia Universidade Catlica de Gois
(2010) e aluna do Mestrado em Comunicao, da Universidade Federal de Gois, na linha de pesquisa Mdia e Cultura.
107
Graduada em Biblioteconomia pela Universidade de Braslia (1987), mestre em Automao de Biblioteca - University
College London (1991) e doutora em Cincias da Informao pela Universidade de Braslia (1999), com estgio de um ano
na Loughborough University. Professora associada da Universidade Federal de Gois. docente do mestrado em
Comunicao, da Universidade Federal de Gois, linha de pesquisa Mdia e Cultura.
257
258
desses programas, esto os conflitos domsticos, renncias femininas e assuntos que mexem
com o lado emocional.
um pblico que hoje tem opinio formada e se sente seguro para lutar por seus
direitos. O programa Casos de Famlia, por exemplo, analisado na obra Televiso e
Realidade. vlido observar que a linha editorial no dispensa espao, durante o programa,
para comercializar produtos voltados especialmente s mulheres que, no referido programa,
esto ao centro seja como pblico, apresentadora ou convidadas. Exemplo disso a
veiculao de propaganda do mega 3, um suplemento nutricional que ajuda na habilidade
motora e a manter uma boa memria. Tanto os talk shows quanto as fices seriadas
populares tm sido cultural e comercialmente associadas a uma sensibilidade e uma
audincia femininas. (GOMES, 2009, p.253, grifo do autor)
So programas que claro, visam o lucro, precisam dar retorno empresa. As
mulheres se tornaram foco dos empresrios. E um assunto que ficou em evidncia nos
ltimos anos foi o processo de envelhecimento feminino. So produtos de todos os tipos e a
toda hora sendo lanados na mdia, no intuito de influenciar no processo de envelhecimento
da mulher. So revistas, reportagens em jornais e programas de televiso tratando sobre o
assunto. Os temas geralmente esto relacionados alimentao, exerccios e dicas de como
manter a sade em dia e assuntos mais voltados esttica.
Basta observar o contedo exposto nos meios de comunicao para perceber que em
grande parte das matrias, que abordam o assunto em questo, o envelhecimento feminino
tratado como doena (oxidao e degradao do organismo)e no simplesmente como um
processo natural da vida. So dicas e mais dicas do que deve ser feito para evitar o
aparecimento dos sinais da idade. No seria exagero dizer que, o envelhecer se tornou um
desafio a ser vencido.
Um exemplo a edio do ms de Junho de 2012, da Revista Sade, com a matria
O que a gentica diz sobre sua pele?. Agora os dermatologistas podem analisar, a partir de
molculas do cdigo gentico da paciente, o que est causando manchas e rugas e assim,
formular um tratamento personalizado para o combate desse mal. a tecnologia que anda,
cada vez mais, no sentido contrrio do processo natural no corpo humano ou ainda, a era da
medicalizao do envelhecimento para a manuteno de um corpo com aparncia jovem.
Ftima Bernardes, linda aos 50, este foi um dos ttulos, simples e chamativo,
trazidos na edio de Novembro de 2012, da Revista Boa Forma. Na reportagem, os
segredos da apresentadora que conseguiu perder 6 kg e ganhou um corpo desejado por
muitas.Aliadas a essas matrias, esto fotos da mulher considerada perfeita. Seria uma forma
de demonstrar que as novas tcnicas trazem sim, timos resultados. Peles lisas e brilhosas,
259
lindos sorrisos, corpo enrijecido, barrigas esguias e nada de flacidez. O retrato da mulher do
sculo XXI, que no se permite envelhecer. Afinal, isso est fora de moda.
As revistas esto entre os principais responsveis pelo processo de hegemonia, que
inclui ainda rdio, TV, cinema e internet. Ditam regras, colocam a beleza e a boa forma
como um dos motivos para ser feliz, apresentam, a todo momento, novas tcnicas, novos
procedimentos e tecnologias para que a mulher consuma o corpo ideal. Ao fazer adeso
desse modelo, ela estar dentro dos padres sociais difundidos pelo processo miditico.
Manter-se jovem: essa a cultura de grande parte das brasileiras, principalmente as
que moram nos grandes centros e que tm mais acesso s informaes como tambm, aos
mtodos. Os consultrios esto cheios de pacientes que no aceitam a chegada da terceira
idade. A fim de combater o envelhecimento, as mulheres procuram por lipoaspirao, botox,
implante de silicone.
So muitos os esteretipos criados, ao longo dos anos, que colocam a velhice como
algo negativo. Mas isso aqui no Brasil. Na Alemanha, por exemplo, a realidade oposta
que vivemos. Por l, as mulheres preferem se dedicar ao conhecimento e intelectualidade
(GOLDENBERG, 2009). Tratam o envelhecimento como um processo natural da vida, que
deve ser encarado com sabedoria. O assunto resultado de uma pesquisa feita pela escritora
e jornalista, Mirian Goldenberg, que passou uma temporada no local. Elas no tm a
preocupao de congelar o tempo, como acontece no Brasil. No h a menor chance de uma
alem, nessa faixa etria, desejar ser sexy, malhada ou parecer mais jovem. Somos
femininas demais para elas. De forma at negativa. Acham que nos expressamos demais
pelo corpo, disse a escritora em entrevista ao jornal Gazeta do Sul, veiculado no dia 18 de
Agosto, de 2007.
interessante analisar como a representao miditica, influencia na formao da
identidade cultural de mulheres em processo de envelhecimento. No preciso observar
muito para perceber que, em nossa sociedade, a mulher luta para manter uma aparncia mais
jovem do que de fato . Para elas, o envelhecimento parece causar a sensao de que no
sero mais to valorizadas socialmente como antes. E esse sentimento e vontade de
prolongar a jovialidade fazem parte de um dilogo direto estabelecido com a mdia, que
acaba mudando o comportamento de toda uma comunidade.
Ao folhear as revistas de beleza e sade, por exemplo, e observar o contedo
discursivo dessas publicaes possvel perceber que, frequentemente, o foco das
reportagens o retardamento do processo de envelhecimento feminino. A propagao
exacerbada de informaes a respeito desse assunto tem o intuito de condicionar as mulheres
e torn-las consumidoras de produtos criados pela indstria farmacutica e contedos
simblicos vendidos e reforados pelas revistas. A todo instante, um novo produto
260
261
A imaginao do indivduo vai sendo trabalhada medida que o mesmo tem acesso
aos contedos simblicos. A partir da que a realidade construda e com ela os
posicionamentos polticos, ideolgicos e vises de mundo do enunciador da mensagem.
Como diz Duarte Jnior, a realidade socialmente edificada, isto ,
construda a partir de tudo aquilo que perceptvel no apenas no aspecto
fsico, mas tambm no sensorial, nas impresses, no pensamento, na
imaginao. nesse nvel que se constri o que possvel e o que no ; o
que certo, justo, bom, belo, desejvel e tambm tudo o que for contrrio
disso. A articulao da informao feita de forma a tentar induzir
(estimular) os indivduos a determinado tipo de comportamento,
pensamento. (MENDONA, 2010, p. 42)
262
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264
Mestranda em Mdia e Cidadania pela Universidade Federal de Gois. Bacharel em Comunicao Social com
habilitao em Jornalismo pela Universidade Federal do Maranho, formada tambm em Comunicao e Expresso
Jornalstica pela Universidade Estadual do Maranho. E-mail: niciadeoliveira@hotmail.com
109
Doutor pela Universidade de So Paulo (USP). professor do Programa de Ps-Graduao em Comunicao da
Faculdade de Comunicao e Biblioteconomia da Universidade Federal de Gois (UFG), onde tambm atua como Diretor
da Faculdade. E-mail: magno.ufg@gmail.com
265
266
para combater a violncia domstica ou reafirma a ideia de que a conduta da vtima justifica
a violncia sofrida, e Observar se houve mudana na forma de representar a violncia
domstica aps a criao de uma lei especfica de combate violncia domstica - Lei
11340/06.
Para entender o universo do estudo e conseguir o melhor desenvolvimento da
pesquisa preciso refletir a cerca de alguns pontos que interferem - direta ou indiretamente
sobre o objeto a ser estudado.
267
Antes de comearmos uma discusso a cerca das questes que envolvem o tema,
preciso primeiro estabelecer o que estamos chamando de crimes de honra. Neste artigo
trataremos como uma expresso que designa atos de violncia contra mulher, praticados
geralmente - por familiares, tendo como motivador da ao a defesa da honra da famlia e
dos chamados bons costumes110.
Crimes de honra formam um molde que perpassa diferentes comunidades,
culturas, religies e naes. Ocorrem de diferentes formas e at com outros nomes. So
vistos de forma mais evidentes e ganham destaque na mdia internacional em pases que a
religio tem fortes influncias sobre a esfera poltica, alm dos ditames da vida privado110
Em termos jurdicos o conjunto de regras morais e normas de conduta social, que so estabelecidas e aceitas pela
sociedade em determinado momento.
268
social, tal como os pases muulmanos, vale ressaltar que esta realidade no est ligada
apenas aos praticantes desta religio. Em diferentes sociedades e contextos, mulheres e
meninas carregam o fardo de guardar a chamada honra da famlia.
A violncia ocorre quando os padres estabelecidos so quebrados, e como
forma de punio, mulheres so agredidas e em muitos casos at mortas em nome da
honra. O castigo para essas mulheres assume diferentes formas de violncia dirigida,
podendo variar desde o encerramento da mulher em casa, isolando-a de contato social, a
espancamentos e insultos, e ao assassinato. Questes que esto embasadas na defesa da
honra. Independentemente de credo e cultura, os crimes de honra ainda so realidades
alarmantes.
importante lembrar que nas Amricas, depois de estabelecido os primeiros
acordos com os principais tratados e declaraes internacionais de direitos humanos das
mulheres111, os Governos se comprometeram a garantir a igualdade e a no discriminao
perante a lei e na prtica. Comprometeram-se, ainda, especialmente, a assegurar que se
revoguem quaisquer leis que discriminem por motivo de sexo, bem como que se elimine o
preconceito de gnero na administrao da justia.
Mesmo assim, ainda possvel perceber violaes refletidas, entre outros
aspectos, em dispositivos legais penais discriminatrios referentes violncia sexual, por
exemplo. Perceptveis tambm em teorias, argumentos jurdicos e sentenas judiciais que
utilizam da figura da legtima defesa da honra ou da violenta emoo para de forma direta
ou indireta justificar o crime, culpar a vtima e garantir pelo menos a diminuio de pena
em casos de agresses e assassinatos de mulheres, em geral praticados por algum com
vnculo afetivo com a vtima.
No primeiro relatrio apresentado por escrito na Assembleia Geral em agosto de
2011, a Relatora Especial sobre a Violncia Contra a Mulher demonstrou ateno da ONU
sobre o assunto ao destacar que:
Em especial a Conveno sobre a Eliminao de todas as formas de Discriminao contra a Mulher (CEDAW, ONU,
1979) e a Conveno Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra a Mulher (Conveno de Belm do
Par, OEA, 1994), ambas ratificadas por praticamente todos os pases da Amrica Latina bem como em ateno
Plataforma de Ao de Beijing, da IV Conferncia Mundial da Mulher (ONU, 1995).
269
270
Quando idealizei escrever este texto, tinha a convico de que a Lei 11340/06,
tambm conhecida como Lei Maria da Penha, era heteronormativa, j que se alicera na
ideia de mulher nos moldes de uma sociedade que vangloria a heterossexualidade. A minha
surpresa e alvio foi perceber que tal premissa era de tanto equivocada. O fato que nosso
olhar condicionado a tal norma de forma heteronormativa. Explica-se este direcionamento
a partir da concepo de que a sociedade orientada pela valorizao das prticas
heterossexuais, moldando espaos e definindo territorialidades. A consequncia uma
realidade vivida e concebida a partir deste olhar e as pessoas que se comportam de maneira
diferente esto margem da normalidade dominante.
No fomos educados a pensar numa sociedade que fugisse da trade
heterossexualidade, machismo e patriarcado -, tudo que escape deste trip naturalmente
equivocado e fora de cogitao. Somos condicionados a pensar e a viver em uma sociedade
dicotmica, principalmente na dicotomia entre macho e fmea. O espao permeado por
relaes de gnero e estas se resignificam nas relaes socioespaciais cotidianas.
Esquece-se que no h linearidade entre sexo, gnero e desejo e que o espao
vivenciado de diferentes maneiras pelos diferentes grupos sociais, no devendo haver
modelos de comportamento pr-estabelecidos.
Para esta reflexo importante lembrar que:
271
Acrescenta ainda:
Para m, el feminismo es la lucha por la igualdad de las mujeres. Pero no
debe ser entendida como una lucha por la realizacin de la igualdad para
un definible grupo emprico con una esencia y una identidad comunes las
mujeres sino ms bien como una lucha en contra de las mltiples formas
en que la categora mujer se construye como subordinacin. (MOUFFE,
1993, p. 21)
272
Referncias bibliogrficas
BUTLER, Judith. Gender trouble: feminism and the subversion of identity. London: Routledge,
1990.
273
GAVRON, Eva Lucia. Carne para o Alimento, Mulher para o Gozo: o discurso jurdico e o
feminismo na desocultao da violncia sexual. Disponvel em: <http://anpuh.org/anais/wpcontent/uploads/mp/pdf/ANPUH.S23.0342.pdf> Acesso em: out. 2012.
HUNGRIA, Nelson; LACERDA, Romo Cortes de. Comentrios ao Cdigo Penal. Rio de Janeiro:
Forense, 1948. v. VIII.
LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. Telenovela como recurso comunicativo. MATRIZes,
So Paulo, v. 3, n. 1, p. 21-47, ago./dez. 2009.
274
Resumo
O surgimento e a permanncia de uma manifestao cultural vincula-se com a noo de
representao e pertencimento possibilitada por ela s pessoas de uma comunidade.
Refletindo sobre a produo televisiva relativa a festividades religiosas, podemos afirmar
que a relao do sujeito com os eventos religiosos no so necessariamente modificadas
pelas transformaes tecnolgicas. A percepo de representatividade e pertena que as
imagens veiculadas engendram, e a potncia que isso proporciona ao indivduo, trazendo a
aproximao de temporaneidades to distantes mas ainda presentes no imaginrio daqueles
que participam delas, mesmo que de modo mediado pelas imagens televisivas, ainda sim
garantindo s festas seu carcter polissmico o objetivo do relato aqui apresentado,
buscando refletir sobre essas caractersticas, e as transformaes empreendidas pelos
sujeitos delas participantes.
Palavras-chave
Manifestao Religiosa; Televiso; Signos e Significados; Festas Religiosas.
O corpo enquanto suporte para a construo de identidade114 acaba por ser o
cenrio das diversas adeses que o indivduo pode efetuar em sua vida. Refletindo sobre o
conceito, conclumos que, evidentemente, a capilaridade alcanada pelas informaes
propagadas pela televiso expande significativamente o alcance da formulao proposta por
Fontes sobre o papel da comunicao na expanso da imagem do corpo.
Essa construo de identidades compreendida como uma alternativa diante das
novas condies engendradas pela sociedade em que os geradores tradicionais de pertena,
como a famlia, a religio e as ideologias polticas no mais comportam ou falham em
adaptar-se.
Para autores como HALL (2006), MAFFESOLI (2001) e outros, a questo
suplanta a mera expanso capitalista e pode ser atribuda tambm ao enfraquecimento das
metanarrativas histricas, do esvaziamento de algumas proposies da modernidade, da
112
275
Maniqueismo utilizado no texto como o enunciado filosfico que separa o mundo em duas foras
opostas (o Bem e o Mal). Essa crena, enunciada por Mans, tem suas razes localizadas no dualismo
zoroastrista, originrio da cultura persa, e associada a conceitos gnsticos e cristos.
276
277
Ver o divino dessa forma traz a necessidade de exprimir atravs do corpo, seja
danando, pulando ou fazendo marcas, que permite apontar o corpo como um mediador na
manifestao religiosa.
278
279
transmitem, com variadas cores e formas, mais do que apenas aquilo que se constitui como
corpo significativo dentro da festividade. Apresentam tambm percepes e elaboraes que
bebem nas diversidade de vivncias dos sujeitos ali presentes.
Capturar o instante ento possibilitou um olhar, ao mesmo tempo, mais
aproximado em relao ao indivduo e menos restrito em relao a difuso, criando ento
uma nova relao entre imagem e pblico e, talvez mais significante, a criao de novos
pblicos para a imagem da festividade, todo o imaginrio agregado existente nela e as
reinterpretaes presentes nas vivncias individuais das prticas coletivas que se refletem
em diversos suportes, como o corpo.
capital observarmos que BENJAMIN (1996) reflete sobre a maquina e
tambm sobre o ambiente que possibilita o surgimento do ponto critico do pensamento e do
desenvolvimento tcnico que deram origem a maquinaria que trouxe tantas transformaes
para vivncia humana. Elevando o flneur, personagem fugidio das ruas parisienses dos fins
do sculo XVIII e comeo do sculo XIX, ao nvel de observador privilegiado das novas
relaes sociais que tem como palco o espao urbano das sociedades industrializadas. Esse
olho astuto daqueles que no puderam presenciar a cena captava aquilo que no aparecia nas
colunas sociais e nem estava representado nas pinturas festejadas pelos cnones das escolas
de Belas-Artes. A cmera fotogrfica notabilizou-se por assumir semelhante posio no
ltimo quartel do sculo XIX e no primeiro do sculo seguinte.
280
religiosas e as identidades, nos seus diversos prismas, criando uma percepo de que elas
so aspectos de algo profundamente ligado e que no deveria ser modificado, mesmo pelo
passar do tempo.
Tal interpretao, que j teve amplo espao na academia, tende a ser contraposta
a outra, que lida com novas formas de o indivduo compreender-se como sujeito no mundo,
onde no possvel apontar essa integralidade da noo de pertena. Desse modo o
homem pode ter uma identidade multifacetada, contemplando tanto aspectos tradicionais
quanto a plasticidade das novas concepes de mundo.
Outro elemento que nos caro como balizamento para refletirmos sobre essa
construo da imagem das manifestaes religiosas a prpria reflexo sobre a festa
enquanto fenmeno gregrio e catalisador de significados diludos e partilhados por diversos
indivduos que se encontram inseridos de formas diversas nas dinmicas sociais.
Tal aspecto que repousa nessas manifestaes, alm da sua capacidade de
absorver e resignificar referencias e signos. Tal compreenso tambm pode ser percebida em
aspectos diversos expostos por Berger sobre o secularismo e a dessecularizao das
sociedades em geral (respectivamente em escritos de 1983 e 2000).
A percepo de que a sociedade brasileira passa de um momento de negao de
sua dimenso mgica para um momento de reafirmao dessa condio posta em
perspectiva pela a afirmao de Lisias Negro (apud ALBUQUERQUE (2009) que diz no
haver um reencantamento da sociedade brasileira, pois ela nunca deixou de ser encantada,
existindo, quando muito, ilhas de desencantamento. Tal viso sobre a sociedade brasileira
refora a importncia de refletir sobre as manifestaes religiosas e a forma como elas so
publicizadas, transformando-as em registro imagtico e iconogrfico, pois elas catalizam
aspectos desse encantamento da sociedade.
A intima relao entre expresses exteriores e a devoo determinado ente
sagrado comparece como uma caracterstica fundadora dentro do cristianismo. Exemplo
disso so as origens da Festa do Divino Esprito Santo elencadas por FALBEL (1996), onde
ele expe a importncia da exterioridade da expresso religiosa e o cuidado com os
pobres116.
Podemos ento tomar como efetivo na compreenso da conexo entre a
manifestao religiosa e a construo de signos imagticos aquilo que RAMOS,
PATRIOTA e PESAVENTO (2008) concluem sobre o mundo apresentar-se repleto de
imagens e que essas configuram-se como relaes humanas de registro que presentifica
uma ausncia. A existncia de uma imagem serviria como uma espcie de pedagogia,
116
No relato de origem, a rainha portuguesa Isabel (1271-1336), responsvel pelo culto ao Divino
Esprito Santo em terras lusas, tinha o costume de doar pes aos pobres, prtica condenada por seu esposo.
Certa ocasio, ao ser encontrada com pes nos jardins do palcio, escondeu-os e ao ser obrigada a mostrar o
que escondia, os pes transformaram-se em flores.
281
Fonte:Gondim, 2005
Desse modo, as imagens so denunciantes do tempo no qual elas esto inseridas
e das percepes daqueles que as produzem. As representaes da f e de como as pessoas
se relacionam com as manifestaes religiosas capta tambm outras perspectivas que
avanam para alm das questes de crena e ancoram-se na percepo do mundo.
117
282
Tal percepo reforada em diversas crenas. O crepsculo o momento inicial das celebraes
judaicas, crists e islmicas. durante a noite que os escritos sagrados so revelados e que o divino aproximase dos fiis, seja diretamente ou seja por meios indiretos, como sonhos.
283
(...) durante a festa, como moradores do meio rural, eles tm acesso a bens
materiais e simblicos tpicos das grandes cidades. () Nesse sentido,
alm do contato com "o sagrado" na terra santa, Trindade oferece um
banho de "cidade". Durante o dia, dois parques de diverses animam
jovens e crianas. noite, locutores da rdio Mil FM, de Goinia,
comandam shows, concursos de calouros e videoclipes (...) o romeiro
transpe a vida sedentria da rotina, tanto no campo quanto na cidade, para
um nomadismo temporrio (...) onde entra em contato com novas
possibilidades, sagrada e profanas, de vida social para, posteriormente,
retornar ao local familiar (...) (Nascimento, 1998, p.15 et seq)
E
Fotograma
2: Momentos de fruio "mundana" nos pousos da Romaria
Fonte:Gondim, 2005
reproduzir a realidade como tal, mas uma realidade, dentro de determinada lgica
estabelecida por quem produziu a imagem, a perspectiva de MACHADO (2007) afirma ter
surgido a percepo que no apenas o olho e o ouvido tem sido veculos de apreenso do
mundo reproduzido numa tela, apontando para o aumento das iniciativas imersivas de
interao. Para ele, no bastaria ver e ouvir pois estaramos entrando na fase do tocar as
imagens e os sons.
A reflexo sobre a interao entre espectador e cinema, enquanto bem cultural,
executada por Machado possibilita problematizar outras relaes mediadas pela produo
imagtica. Nessa problematizao, a midiatizao das manifestaes religiosas pode ser
compreendida tanto como possibilidade de estender a novos indivduos o contato com elas,
mas tambm como suscitando o questionamento sobre se as interferncias das novas
tecnologias de produo de imagens podem tem significante efeito sobre essas
manifestaes.
No pretendendo esgotar as possibilidades de anlise dos signos engendrados
pelas festas religiosas captados pelos registros televisivos e o modo como os sujeitos
envolvidos com tais festejos lidam com eles. Sendo fruto de uma anlise ainda em
andamento, muitos aspectos podem ser agregados aos que j foram aqui apresentados, que
podem tambm modificar-se a medida que as pesquisas de campo se desenvolvem.
Entretanto j possvel observar que a midiatizao possibilita uma intensa troca de
elementos entres os sujeitos participantes das festas, criando diversos modos de fruio das
mesmas, mantendo em movimento uma engrenagem que garantem para os festejos
religiosos a manuteno de um de suas caractersticas mais caras, porm menos exaltadas: a
fluidez com que os signos permitem-se ser reinterpretados e absorvidos pelos sujeitos que
fazem a festa.
Referncias bibliogrficas
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BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas I: magia e tcnica, arte e poltica. So Paulo: Brasiliense,
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SILVA, Ana Marcia. Corpo e diversidade Cultural. In . Revista Brasileira de Cincia Esportiva.
s.l:, 2001. p. 87-98
286
Resumo
objetivo deste artigo abordar teoricamente as relaes de poder, controle e vigilncia que
contribuem para a construo dos processos de subjetivao na sociedade contempornea. O
entendimento desses conceitos permitir a anlise e compreenso do atual contexto social no
qual esto inseridas as cmeras de vigilncia, permitindo ainda entender as relaes que se
estabelecem entre sociedade, espao urbano e cmeras de vigilncia.
Palavras-chave
Cmeras; Controle; Poder; Subjetividade.
Mestranda em Mdia e Cultura pela Universidade Federal de Gois. Graduada em Comunicao Social Audiovisual.
E-mail: lud.comunic@gmail.com.
121
122
Giorgio Agamben faz uma leitura sobre o que dispositivo tendo como parmetro os conceitos de Foucault, e afirma
que o dispositivo tem sempre uma funo estratgica concreta e se inscreve sempre em uma relao de poder definindo-o
como, qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar,
controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opinies e os discursos dos seres viventes (AGAMBEN, 2009, p. 40).
287
novos objetos, novos olhares ocupando as ruas e espaos pblicos em uma tentativa de
garantir a segurana para todos.
Para tanto, pretende-se neste artigo abordar teoricamente as relaes de poder, controle
e vigilncia que contribuem para a construo dos processos de subjetivao na sociedade
contempornea. O entendimento desses conceitos permitir a anlise e compreenso do atual
contexto social no qual esto inseridas as cmeras de vigilncia, permitindo ainda entender
as relaes que se estabelecem entre sociedade, espao urbano e cmeras de vigilncia.
sobre o corpo de cada indivduo, ou seja, o indivduo construdo pela ao do poder que se
exerce sobre o seu corpo. Entendendo ainda, que a disciplina no algo que nasce com o
indivduo, ao contrrio, externa, vem de fora dele, mas se internaliza nele.
Assim sendo, o poder disciplinar agindo sobre cada um dos corpos necessitava
confinar esses corpos por meio das instituies. Esse confinamento se dava nas escolas,
hospitais, presdios, quartis, fbricas, ambientes fechados de enclausuramento que
permitiam a moldagem do indivduo. Utilizava-se das instituies, pois, at esse momento,
acreditava-se que dificilmente conseguiriam disciplinar pessoas em um campo aberto. O
poder disciplinar compunha, ento, uma nova forma de organizao social, onde a disciplina
e a vigilncia eram exercidas em processos de moldagem do indivduo, construindo, assim,
indivduos em corpos ditos dceis para manuteno do sistema de produo capitalista que
se consolidava nesse perodo (FOUCAULT, 1987).
Destarte, em qualquer sociedade, o corpo est preso no interior de poderes muito
apertados, que lhes impem limitaes, proibies, obrigaes (FOUCAULT, 1987, p.
126). E a moldagem desse mesmo corpo est em unir o corpo analisvel ao corpo
manipulvel para alcanar a docilidade do mesmo. Trata-se de um corpo dcil, aquele que
pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeioado (Id.
1987, p. 126) pelas foras do poder.
A tcnica e o poder disciplinar consistiam em organizar os indivduos e toda a
estrutura social no espao de maneira que melhor facilitasse o controle. A regra das
localizaes funcionais consistia em organizar a arquitetura do espao de modo a satisfazer a
necessidade de vigiar, de evitar comunicaes e contatos perigosos, mas tambm de criar um
espao til ao sistema de produo constante (FOUCAULT, 1987).
Torna-se evidente que a funo do poder disciplinar era adestrar e fabricar indivduos
dceis, adestrar com o intuito de dominar e, o que no deveria surpreender, mas
inevitavelmente apavora, promover a produo para o sistema. Tanto mais obediente quanto
mais til (ZULIETTI, 2005, p. 27). A vigilncia representava, ento, um forte poder
exercido. O controle, como acreditava Foucault (1987), se dava na forma do adestramento e
da coero, sendo dependente ainda de um suporte para seu funcionamento, que nesse tempo
histrico era exercido pelas instituies e pelas tcnicas de vigilncia.
De acordo com Foucault (1987) alguns princpios norteiam a disciplina, o olhar
hierrquico (vigilncia), a sano normalizadora (penas) e o exame, todos eles tratam-se de
uma tcnica disciplinar que, sob os processos de vigilncia, capaz de qualificar, classificar
e punir os indivduos. A vigilncia um poder que se exerce de forma invisvel e indolor,
que produz realidade, produz campos de objetos e rituais de verdade.
289
A vigilncia acaba por ser o ponto mximo do poder disciplinar, podendo ser
facilmente visualizada no espao social, por meio de uma arquitetura planejada para seu
prprio exerccio. O panptico de Bentham simboliza os dispositivos de poder atuantes no
poder disciplinar, permitindo, por meio de sua arquitetura, circular o controle total dos
indivduos, de seus comportamentos, aes e gestos.
O princpio conhecido: na periferia uma construo em anel; no centro, uma torre;
esta vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a
construo perifrica dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura
da construo; elas tm duas janelas, uma para o interior, correspondendo s janelas
da torre; outra, que d para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a
lado. Basta ento colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco,
um doente, um condenado, um operrio ou um escolar. Pelo efeito da contraluz,
pode-se perceber da torre, recortando-se exatamente sobre a claridade, as pequenas
silhuetas cativas nas celas da periferia. Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em
que cada ator est sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visvel.
O dispositivo panptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar
e reconhecer imediatamente (FOUCAULT, 1987, p. 177).
290
Como forma de complementar a esse sistema de foras, uma nova forma de poder
implantada a sociedade disciplinar, o biopoder. Esta forma de poder, diferentemente do
poder disciplinar que se aplica sobre os corpos dos indivduos, aplica-se sobre a vida desses
indivduos, e em todo o corpo populacional. Seus efeitos podem ser percebidos em
processos naturais vida do indivduo, como o nascimento, o cuidado com a sade, e at
mesmo a morte. Seria ento, um poder regulador da vida em sociedade. Biopoder o poder
que se preocupa com o bem-estar social, com o prolongamento da vida. Na sociedade
disciplinar, era preciso cuidar, fazer viver os corpos disciplinados, para manter a produo.
[No biopoder] no se trata de ficar ligado a um corpo individual, como faz a
disciplina. No se trata, por conseguinte, em absoluto, de considerar o indivduo no
nvel do detalhe, mas, pelo contrrio, mediante mecanismos globais, de agir de tal
maneira que se obtenham estados globais de equilbrio, de regularidade; em resumo,
de levar em conta a vida, os processos biolgicos do homem-espcie e de assegurar
sobre eles no uma disciplina, mas uma regulamentao. (Foucault, 1999, p.294)
No se trata mais de apenas o indivduo estar submetido s foras do poder, mas toda a
sociedade, inclusive os espaos da cidade. O biopoder atua diretamente sobre a coletividade,
criando mecanismos que regulam a vida social; so artifcios reguladores que permitem ou
tentam otimizar a vida, principalmente atravs de mecanismos de preveno. Logo, percebese que a vida social regida por diversas formas de poder, e que estes so processos em
constante transformao.
A prpria noo de sociedade de controle, parte de uma anlise da sociedade que
sucede a sociedade disciplinar e o biopoder, mas que se apropria de seus princpios para
construir seu prprio entendimento. Todos os avanos cientficos, tecnolgicos instigaram
os estudos em torno de uma sociedade controlada. Para fins desse artigo, peguemos como
ponto de anlise o avano tecnolgico como ponto primordial para entender as estruturas de
controle contemporneas.
Foucault, de acordo com Deleuze, foi um dos primeiros a dizer que as sociedades
disciplinares so aquilo que estamos deixando para trs, afirmando que estamos entrando
nas sociedades de controle, que funcionam no mais por confinamento, mas por controle
contnuo e comunicao instantnea (DELEUZE, 1992, p. 215-216).
Para Deleuze (1992), uma nova implantao de projetos e foras sociais est sendo
feita s cegas, so novos tipos de sanes, de educao, de tratamento que alimentam uma
estrutura de poder e controle, deixando para trs o poder disciplinar. Pois, a converso de
uma sociedade a outra foi feita progressivamente com as novas foras que se instalavam
291
292
Biopoder e Subjetivao
O biopoder nasce como mais uma fora de controle da sociedade. Diante do ato de
governar os corpos, as cmeras de vigilncia adentram o cenrio das cidades
contemporneas com o objetivo de prevenir a criminalidade e controlar as aes e condutas
humanas. O biopoder est diretamente ligado s foras de regulao da vida em sociedade.
No se trata de cuidar do individuo, individualizado, mas de todo o corpo social. As cmeras
de vigilncia so, portanto, sutis dispositivos criados e adaptados ao biopoder e
consequentemente ao controle do individuo.
Retomando ao Panptico de Bentham, o espao urbano pode ser percebido como
ambiente controlado pelo uso de cmeras de vigilncia caracterizadas pela invisibilidade
do dispositivo versus a visibilidade dos indivduos e a fcil acessibilidade em virtude de seu
uso e uso das imagens. Tais caractersticas so capazes de redefinir a percepo humana
sobre o pblico, o semi-pblico e o privado, o que porventura confirma as implicaes e
consequncias das interaes no espao urbano afetados pelo relevante aumento do controle
e da vigilncia (CUFF, 2003 apud FIRMINO, 2005).
293
294
condio de riscos, dada por sua caracterstica globalizada, pode-se falar de uma vida de
riscos,
Em que a idia mesmo de controle, certeza e segurana entra em colapso; e porque
em nenhum outro lugar da sociedade essa certeza e essa segurana e particularmente
a sensao tranquilizadora de saber com certeza o que vai acontecer entram em
colapso to retumbante como no territrio subdefinido, subinstitucionalizado, subregulado e com frequncia anmico da extraterritorialidade habitada pelos novos
cosmopolitas (ULRICH BECK apud BAUMAN, 2003, p. 58).
A nica certeza que pouco se pode prevenir e guardar, por mais vigilantes e
cuidadosas que sejam as aes cotidianas. Nesse estado de falsas seguranas e pouca
liberdade tem-se o retrato da violncia e conseqentemente dos medos, angstias e
inseguranas geradas. Uma indstria da (in) segurana reforada a cada manchete de
jornal, cada novo crime e fato de horror. A exigncia de espaos controlados acontece na
mesma proporo que aumenta a desconfiana. E nesse mercado de inseguranas e medos,
as cmeras de vigilncia, dispositivos de controle, funcionam como atenuantes s violncias,
ocorridas no espao urbano, o que no significa que as mesmas no possam expressar algo
alm da prpria segurana e medo.
As cmeras so dispositivos que, alm do carter disciplinar, um poder capaz de
formar e transformar o individuo pelo controle do espaos e das atividades realizadas nele,
so dispositivos de um poder regulador, isto , que por meio do biopoder agem sobre a vida
humana, considerando o conjunto, com o objetivo de assegurar sua existncia
(FOUCAULT, 2007, XXII).
Nesse sentido, temos o individuo e a populao sendo construda sobre os efeitos do
poder. Um poder que nasce a partir da represso de condutas por meio do olhar das cmeras.
Foucault (2007), afirma ser a represso definida prioritariamente por uma concepo
jurdica, sendo o poder identificado por lei cuja fora proibir e dizer no, crendo ainda que
esta uma noo negativa e estreita do poder que foi facilmente aceita. E continua,
Se o poder fosse somente repressivo, se no fizesse outra coisa a no ser dizer no
voc acredita que seria obedecido? O que faz com que o poder se mantenha e que
seja aceito simplesmente que ele no pesa somente como uma fora que diz no,
mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz
discurso. Deve-se consider-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo
social muito mais do que uma instancia negativa que tem por funo reprimir.
(FOUCAULT, 2007, p.7: 8).
Sendo assim, o uso das cmeras de vigilncia pode ser associado a represso de
condutas criminosas, porm devemos nos ater as demais relaes de foras que so
produzidas dessa relao. A presena das cmeras induz o individuo ao medo, a insegurana
295
ao mesmo tempo em que capaz de produzir a iluso de segurana. tambm fora que
forma um saber jurdico, miditico e cientfico em torno de sua temtica.
O indivduo e toda populao, portanto, se tornou alvo de um biopoder, que se exerce
de forma sutil e quase imperceptvel, fazendo do controle algo necessrio e benfico
sociedade. As relaes de poder e dominao se exercem no apenas sobre o individuo em
si, mas de diversas formas sobre toda a sociedade. H por parte da populao a credibilidade
depositada ao dispositivo e as instituies de segurana que regem e exercem um poder em
busca da pacificao de controle social.
A viso que se tem diante das cmeras e da populao, de um mal necessrio feito
para o bem da sociedade, afinal toda a privacidade invadida tem o intuito de proteger e
tranqilizar os indivduos. preciso saber governar o Estado e estar atento aos indivduos
para obter o controle social. Foucault (2007) traz o conceito de governamentalidade na busca
de compreender a arte de governar uma sociedade, afirmando que essa arte nasce na famlia
e que,
Devemos compreender as coisas no em termos de substituio de uma sociedade de
soberania por uma sociedade disciplinar e desta por uma sociedade de governo.
Trata-se de um tringulo: soberania-disciplina-gesto governamental, que tem na
populao seu alvo principal e nos dispositivos de segurana seus mecanismos
essenciais (FOUCAULT, 2007, p. 291).
Tal conceito dado pelo autor nos auxilia na compreenso dos atuais sistemas de
segurana, pois a governamentalidade compreende um conjunto de procedimentos, anlises,
tticas e reflexes estabelecidas pelas instituies que permitem o exerccio especfico do
poder, por meio de instrumentos e dispositivos de segurana, tendo por alvo a populao.
Sendo este Estado de governo que tem essencialmente como alvo a populao e utiliza a
instrumentalizao do saber econmico, correspondente a uma sociedade controlada pelos
dispositivos de segurana (FOUCAULT, 2007, p. 293).
De acordo com Fernanda Bruno,
Assim como a vigilncia moderna era inseparvel da maquinaria estatal, burocrtica
e disciplinar do capitalismo industrial, a vigilncia contempornea inseparvel da
maquinaria informacional, reticular e modular do capitalismo ps-industrial. No ,
portanto, boa nem m por natureza, assim como seus efeitos no se medem por suas
intenes (BRUNO, 2008b, p. 46).
A autora discute nesse sentido os olhares possveis a partir do uso das cmeras de
vigilncia. Interessa-nos a viso que se tem quando elas (as cmeras) esto espalhadas pelas
ruas e espaos pblicos. Nesse contexto as cmeras cumprem a funo de duvidar, pois
todos os que esto diante dos olhares vigilantes assumem o papel de suspeitos,
representando ameaa sociedade. Todos so culpados at que as imagens provem o
contrrio. Logo, percebe-se nas cmeras, predominantemente, um carter dissuasivo e
296
297
cada indivduo puder se deslocar livremente pelas ruas da cidade. As cmeras seriam ento,
dispositivos capazes de devolver a tranquilidade desses deslocamentos?
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299
Resumo
Este artigo pretende abordar a relao da cidadania, com a esfera pblica e seus espaos,
inseridos no contexto miditico, mais especificamente o telejornalismo. No presente texto
proposto o resgate do popular no espao pblico, inserido num espao geogrfico, a cidade.
Dessa forma, h um breve acompanhamento do processo de evoluo da mdia, at culminar
no atual jornalismo popular. A cidadania entra como resgate do que seria o cidado pleno e
a forma que est o atual modelo, no contexto do telejornalismo. O trabalho pretende mostrar
o que de fato o telejornalismo popular oferece, para o telespectador, como cidado.
Palavras-chave
Introduo
O debate
123
Professor da Universidade Federal de Gois, diretor da Faculdade de Comunicao e Biblioteconomia da UFG, onde
atua como docente e pesquisador, na graduao e ps-graduao. Doutor em Educao pela Universidade de So Paulo,
USP (1997), mestre em Cincia da Comunicao pela Universidade de So Paulo (1991) e bacharel em Comunicao
Social, habilitao em Jornalismo, pela Universidade Federal de Gois (1985).
300
Afinal, de onde vem a idia, de espao pblico? Signates (2009, p. 149-152) refora
que a abordagem filosfico-poltica de Hanna Arendt vai embasar uma obra intitulada
Mudana Estrutural da Esfera Pblica (MEEP), de Jurgen Habermas. Em MEEP, o conceito
de Arendt aplicado no contexto do declnio do perodo feudal e do surgimento da esfera
pblica burguesa, na qual era formada por pessoas privadas, de discurso argumentativo, com
postura pblica e crtica em relao s esferas do poder. A esfera pblica burguesa surge no
mbito literrio (cafs, grupos de discusses literrias), e dessa surge esfera pblica
poltica. O modelo habermasiano est baseado basicamente na conjuntura a partir da alta
Idade Mdia, vivenciadas nos burgos, ou melhor dizendo, em cidades da Inglaterra e Frana.
Habermas cita tambm o caso da Alemanha, a partir do sculo XVIII.
Ribeiro (2004a, p. 107) afirma que esse pblico est relacionado camada
esclarecida, acostumada leitura, acostumada ao julgamento e formao de opinio
pblica, num carter de publicidade, no sentido kantiano. Nessa perspectiva, os direitos
estavam ao lado de quem tinha direito a cidadania.
O direito de voto e de participao poltica nos parlamentos requeria uma
condio de cidadania, cujos critrios de obteno s poderiam ser
301
302
Para Frana (2009, p.223-238) importante ficar claro que a idia de cultura
popular, como segunda cultura fica obsoleta; o povo no viveu em estgio de estagnao,
mas acompanhou os avanos da civilizao; a cultura do povo no um lugar vazio, ou
grosseiro, e inculto. Cultura de massa tambm no cultura popular.
O interesse aqui fazer a ligao dos primrdios da esfera pblica popular com
imprensa, e mais especificamente, o telejornalismo popular. Burke (2010) destaca que o
homem comum tambm frequentava espaos, onde ocorriam as trocas de informaes. No
podemos negar a praa do mercado, a piazza, a estalagem, a taverna, a cervejaria e outros.
Nesses locais, as msicas, as gravuras, a oralidade ajudava na propagao da informao. O
povo se interessava pelos assuntos do governo.
Os menestris e harpistas se apresentavam nas tavernas, e danava-se, s
vezes com cavalinhos de pau. As cervejarias eram cenrio para a arte
popular. [...] O estalajadeiro e os fregueses divulgavam boatos e mexericos,
criticavam as autoridades e, durante a Reforma, discutiam sobre os
sacramentos e as inovaes religiosas. (BURKE, 2010, p. 154)
303
De acordo com Signates (2009, p.159 - 160), nos sculos XIX e XX, as instituies
miditicas ganham novas caractersticas: se tornaram um empreendimento, que pode ser
manipulvel; a notcia subordinada a uma linha; a funo do redator vira emprego. Hoje, o
jornalismo popular obedecendo uma demanda comercial continua a ser destinado a um
pblico de menor escolaridade e so mais vulnerveis ao mercado publicitrio,
(AMARAL, 2011, p.52)
304
305
Matria veiculada no Jornal do Brasil, no dia 22/12/81. O ttulo era: Um ''novo homem'' volta ao ''Povo na TV''. Na
poca Wagner Montes, integrante do elenco O Povo na TV, sofreu um acidente automobilstico e acabou perdendo a perna.
Hoje apresentador do programa Balano Geral, do Rio de Janeiro.
306
Amaral (2011, p. 15-27) faz uma anlise bem interessante da prtica jornalstica.
Na forma mais bsica, existem trs modelos de jornalismo, que obedecem aos padres
comerciais: o referente, o popular e o amarelo (ou marrom). Grosso modo, o referente o
padro, tradicional, racional-iluminista. O popular aquele, onde o povo ganha espao e as
fontes oficiais ficam de lado. Amarelo seria o jornalismo que no tem compromisso com a
tica. O sensacionalismo est presente nos trs e aumenta progressivamente, da linha
tradicional ao amarelo. A princpio, esse artigo coloca que o telejornalismo popular um
desdobramento melhor acabado, do jornalismo amarelo, que no ser aprofundado aqui por
conta de espao.
Mas seguindo como exemplo e relatos de profissionais da TV Record,
editorialmente proibido mostrar corpos de pessoas mortas (a imagem tem que estar
nublada). Mostrar cadver apesar de ser crime, ainda caracterstica comum no jornalismo
amarelo. No se faz matrias sobre suicdios, ou seja, o telejornalismo popular obedece
certas normas ticas. No abandona a violncia, mas, tambm no est preso s as fontes
policiais. mais prximo das matrias de denncias, do assistencialismo, das matrias de
apelo, do melodrama, do que a simples explorao de mortes, estupros e acidentes.
Sensacionalismo no um formato. Conforme Amaral (2011, p.21-22) a idia de
sensacionalismo como formato est ultrapassada. Caracterizar um programa como
sensacionalista apenas dizer que provoca sensaes.
Ser popular, tambm no dizer que foi feito pela comunidade. Existe uma
diferena clara entre jornalismo comunitrio e a editoria de comunidade, dentro do
jornalismo popular. O jornalismo comunitrio feito com recursos locais, administrado pela
comunidade, sem a presena das grandes empresas de comunicao.
Meneses (2010, p. 107) considera esse formato integrante ao gnero informativo,
do telejornalismo. Mais especificamente no subgnero noticioso, no qual o entretenimento
est presente. Compreender esse xito especfico do jornalismo popular: essa proposta se faz
aqui, aprofundar esse entendimento, saber de fato suas implicaes no lugar simblico e no
espao pblico diante de uma cidadania anunciada.
Assim, como j foi exposto, o objeto de estudo o programa noticioso popular
Balano Geral (voltado para as classes C, D, E), da TV Record de Gois, que veicula
matrias focadas em: problemas urbanos, bairristas (sade, educao, segurana etc);
servio; e entretenimento. fruto de uma padronizao da Rede Record de Televiso, que
em cada praa fez um recorte do formato popular e o adequou, de acordo com as
particularidades regionais.
307
Esse tipo de programa vem alcanando largas escalas de audincias e obriga outras
emissoras a seguir padro parecido, de acordo as leis impostas pelo mercado. Tem-se como
exemplo, em Gois, a TV Anhanguera/ Globo que implantou um quadro, que valoriza os
assuntos bairristas, intitulado O Bairro que eu tenho, o bairro que eu quero, que tambm
visa denunciar e, ao mesmo tempo, tentar resolver problemas da comunidade. Esse quadro
da TV Globo j existe em outros locais do Brasil.
Pode-se dizer que esse tipo de proposta televisiva se alimenta dos temas gerados
pelas desigualdades sociais, vai at os bairros e toma o espao do comunitrio,
principalmente, onde existe a falha do poder pblico, dos direitos sociais. Diante dessa
realidade, o telejornalismo popular, muitas vezes, s retransmite os direitos mutilados.
A ausncia de ampla organizao autnoma da sociedade faz com que os
interesses corporativos consigam prevalecer. A representao poltica no
funciona para resolver os grandes problemas da maior parte da populao.
O papel dos legisladores reduz-se, para a maioria dos votantes, ao de
intermedirios de favores pessoais perante o Executivo. (CARVALHO,
2001, p.223-224)
309
Amaral (2011, p.129) faz uma anlise do jornalismo popular (tanto no impresso,
como na TV), e argumenta que essa abordagem deveria dar conta do interesse pblico
popular, que cativado; deveria dar conta dos problemas sociais que uma constante.
Apesar de todo o sentimento de estagnao e impotncia, o receptor deve ser
encarado, sim, um sujeito ativo (embora tambm passivo), do processo de comunicao, que
interage, interpreta e reelabora informaes e imagens. (MEDEIROS, 2011, p.52)
Em toda essa relao existem contrapontos: um problema o interesse comercial,
pois quando o negcio deixar de ser rentvel, o formato acabar e os benefcios no
chegaro; em oposio, o jornalismo popular faz denncias e algumas tomam propores,
nas quais as autoridades temem o resultado e acabam resolvendo aquele problema pontual.
Por isso, a emissora, mesmo sendo uma TV popular, no deve ser entendida apenas
como meio. Na verdade uma instituio televisisa que tem vontade prpria; que capacita
seus prprios profissionais, e ao mesmo tempo mantm uma poltica constante de
negociao empregador/empregado; escolhe um perfil de telespectador; mostra poder; a
emissora tem uma autonomizao institucional o que se postula que essa dimenso no
mais a que lhe constitutiva, devido o seu alto grau de institucionalizao e, sobretudo,
constituio de uma discursividade prpria., (SIGNATES, 2009, p.29).
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311
Resumo
Este artigo parte integrante de um projeto de mestrado em Comunicao na linha de
pesquisa Mdia e Cidadania. Este captulo, busca refletir sobre a presena e o uso das mdias
e tecnologias na educao escolar, em especial do rdio escola. Uma discusso que no
mais se deve ou no, as TIC estarem presente na escola, mas como aplic-las no cotidiano
escolar; como os profissionais da educao esto ou iro se apropriar delas para estreitar os
laos entre a tecnologia e o aprendizado. E por fim, apresentar a mdia rdio, como forma
criativa de promover a construo do conhecimento e a afirmao da cidadania, uma
possibilidade de consolidar uma metodologia comunicacional na escola.
Palavras-chave: Mdia; Comunicao; Educao; Cidadania; Rdio
Introduo
A comunicao est presente em todo momento na vida de um ser humano que vive em
sociedade, seja em casa, ao caminhar pela rua, no ambiente de trabalho, na escola. As mdias
invadem o cotidiano das pessoas e passam a fazer parte delas. No so vistas como
tecnologias, mas como complementos, como continuao da vida, ou segundo McLuham
(1964) passa a ser extenso do homem. Logo, a inter-relao comunicao e educao,
instiga a escola a repensar novas formas de transmitir os saberes cientficos. A escola como
instituio formadora, deve atentar-se ao fato de que a democratizao das mdias no pode
ser ignorada, pois as mesmas apresentam como grandes influenciadores dessa atual gerao.
Essa realidade coloca como um dos desafios da educao, consolidar na escola um espao
crtico em relao ao uso e apropriao adequada dessas mdias, de forma que contribua
tanto para o ensino-aprendizagem, quanto para o processo de incluso digital.
Este artigo procura refletir sobre a presena das mdias no espao escolar, sua trajetria de
insero e as possibilidades de uso no contexto educacional.
126
127
312
Nessa compreenso, a educao tem sido a estratgia utilizada por vrios programas
governamentais de incluso social e digital, pois considera, a escola o nico local que pode
ser efetivamente alcanada pela maioria da populao, legitimando-a como um local
privilegiado para o desenvolvimento de processos de incluso social.
Diversos programas esto sendo, ou foram implementados pelos governos, federal,
estaduais e municipais, com objetivo de equipar as escolas com recursos tecnolgicos, e
alavancar a educao a um patamar de qualidade esperado h tempos pela sociedade. Assim,
a partir dos anos 80 as mdias digitais esto cada vez mais presentes no cotidiano das
escolas. Dados constatados pela pesquisa do Comit Gestor da Internet no Brasil (CGIBR),
onde a televiso aparece presente em 99% das escolas, os equipamentos de rdio atingem
83% das instituies e 81% das escolas pblicas possuem laboratrios de informtica. Mas,
porque o uso pedaggico desses recursos, ainda sinnimo de resistncia, crticas e
subutilizao, por parte de professores e gestores escolares? A escola reconhece a
importncia da tecnologia no processo educativo? A implantao dessas tecnologias tem
propsitos pedaggicos ou fruto de um modismo da contemporaneidade? Essas questes
tm motivado estudos, como os da professora Mirza Toschi, que atravs de suas pesquisas
busca compreender o impacto das mdias na sala de aula.
A partir dos anos de 1990, a utilizao das novas tecnologias na educao ganhou
destaque, tanto na presena, quanto nas preocupaes, nos modelos metodolgicos a serem
adotados para superar os desafios gerados pela ilimitada potencialidade dos recursos
tecnolgicos disponveis, dentro e fora do espao escolar. Impulsionados, principalmente,
pelos programas do governo federal, atravs do Ministrio da Educao MEC, tecnologias
como a televiso, vdeo, computador e internet e o rdio este ltimo ressurgindo de forma
significativa por meio do programa Mais Educao[Nota de rodap] passaram a compor
o chamado parque tecnolgico das escolas pblicas do Brasil.
Mas, o uso das mdias na educao no prerrogativa do sculo XXI, vrias
experincias, algumas bastante audaciosas fizeram parte dos processos educativos. A dcada
de 20, foi o marco de uma grande reforma na educao, tendo como base a criao de um
pas moderno e progressista. Esses ideais incentivaram vrios educadores brasileiros a
buscar iniciativas para o desenvolvimento da educao escolar. Assim, o pensamento da
Educao Nova institucionalizou em 1924, atravs da Associao Brasileira de Educao,
que culminou na criao, em 1930 do Ministrio da Educao e Sade Pblica (Franco,
2004).
Dentre as propostas inovadoras para o desenvolvimento da educao, Franco (2004),
destaca criao, em 1927, da Comisso de Cinema Educativo como a primeira
manifestao prtica de um conjunto de ideias renovadoras que propunha a utilizao de
cinema como recurso da educao moderna.
Segundo Catelli (2005), no incio do sculo XX, intelectuais, polticos, educadores e
cineastas passam a escrever sobre o possvel vnculo entre o cinema e a educao e sobre a
viabilidade de implementao deste recurso nas escolas. Discusses que culminou na
proposta de incluir o cinema nos processos educativos, levando a criao do Instituto
Nacional de Cinema Educativo (INCE) em 1937, sob a direo de Roquette-Pinto, que
permanece atuante at 1966. Para Linhares (2007), com o fracasso desse projeto
modernizador, a reflexes sobre a utilizao de recursos audiovisuais na educao ficou
adormecida at a dcada de 80, quando as preocupaes com a imagem ressurgem no Brasil
por conta da televiso.
Ainda no incio do sculo XX, o rdio recm-apresentado ao Brasil, tornava-se o
meio de comunicao mais importante, at a chegada da televiso em 1950. Desde a
313
primeira emisso nos anos de 1920, tendo como um de seus objetivos promover a oferta de
cursos de portugus, francs, radiotelegrafia e telefonia, o rdio teve um crescimento
continuo chegando ao pice entre os anos de 1940 a 1950, perodo que ficou conhecido
como a era de ouro do radio. Segundo Citelli (2010), as condies sociais do Brasil nesse
perodo eram favorveis a esse crescimento, registrava-se no Pas o nmero de 75% da
populao residindo no campo, e um analfabetismo endmico, que atingia quase 80% da
populao. Nesse ambiente, com cultura de baixo letramento, onde a tradio oral
predominava, o rdio impunha e provocava um equilibrado casamento, entre a voz do
enunciador e a audio dos enunciatrios.
Como o rdio apresentava esse carter educativo e cultura, propcio para as
condies brasileira da poca, segundo as afirmaes de Citelli, surgem em 1958, vrias
Escolas Radiofnicas do Movimento de Educao de Base MEB[Nota de rodap]
(RODRIGUES, 2009), que alfabetizava pelo rdio e para a conscientizao da populao
desfavorecidas de regies pobres do Pas, utilizando a metodologia de Paulo Freire para
alfabetizar, criou o projeto rede escola radiofnica. O MEB tinha como objetivo inicial
desenvolver um programa de educao de base, conforme definida pela UNESCO, por meio
de escolas radiofnicas, instaladas a partir de emissoras catlicas.
Vrias outras experincias de utilizao do rdio na educao foram sendo
experimentadas. No ano 1970, destacam-se os cursos de preparao para os exames
supletivos de 1 e 2 grau, chamado Madureza, que oferecia contedos para as provas do
Projeto Minerva [Nota de rodap].
Na dcada de 80, com a redemocratizao do pas, muito se falava em mudanas da
realidade educacional, baseada nas ideologias principalmente no marxismo e nos escritos de
Gramsci que inspirava a resistncia ao autoritarismo (BELLONI, 2009). No tocante a
relao comunicao/educao, prevalece uma viso influenciada pela teoria crtica,
enquanto os projetos autoritrios corroam-se na incria, na corrupo e em virtude de sua
completa inadequao, a academia e a escola rejeitaram a tecnologia na educao, sem
nunca t-la experimentado (BELLONI, 2009, p. 91).
A partir dos anos 90, intensificaram-se, vrias discusses sobre as potencialidades
das tecnologias mediatizadas e suas aplicaes na educao. Nesse debate, discutem-se
como os meios de comunicao e de informao podem contribuir para ampliar ou renovar
os modelos tradicionais de transmisso do conhecimento. Refletindo sobre as mltiplas
possibilidades de interao, mediao e expresso de sentidos propiciados por esses meios.
No incio dos anos 90, uma importante iniciativa do governo federal, foi a criao da
TV Escola que situa-se como uma poltica pblica de comunicao e educao. um
sistema fechado de produo-recepo de um servio educativo voltado essencialmente para
a capacitao de profissionais da educao. Criado em setembro de 1995, foi ao ar
oficialmente para todo o Brasil em 4 de maro de 1996. Com ela nasceu tambm o programa
Salto para o Futuro, ao conjunta entre Governo Federal, Secretarias de Educao e a
Fundao Roquete-Pinto para capacitao e atualizao de professores em servio,
utilizando a televiso como meio de transmisso de conhecimentos. Nesse perodo, foi
distribudo para as escolas, antenas parablicas e kits tecnolgicos, composto de televiso e
videocassete.
No final da dcada de 1990 o Brasil vivenciava um perodo de intenso avano
tecnolgico. A informtica passou a fazer parte do cotidiano dos brasileiros, seja no
trabalho, em casa, nas instituies financeiras, nas indstrias e nas comunicaes, fazendo
necessria a formao de mo de obra qualificada para suprir as necessidades decorrentes do
314
novo momento.
computacional.
(BRECHT.Apud.CARVALHO, 2005, p. 3). Com essa viso, ele reconheceu e clamou pelo
uso do rdio de forma a proporcionar a democratizao da comunicao, tornando
produtivos os acontecimentos atuais e no limitando-se a reproduo e a informao.
Evidenciava preocupao com o contedo do rdio, reclamava que esta burguesia, que
inventou o rdio, tambm inventasse outra coisa, um invento fosse possvel estabelecer o
que se pode transmitir pelo rdio. Assim,
geraes posteriores teriam, ento, a oportunidade de ver assombradas
como uma casta, ao mesmo tempo tornando possvel dizer a todo o globo
terrestre o que tinha que dizer e fazendo possvel, tambm, que o globo
terrestre visse que nada tinha para dizer. (BRECHT.Apud.CARVALHO,
2005, p. 2).
De acordo com Del Bianco (2000), rdio e educao sempre tiveram associados.
Foi assim, com seu pensamento visionrio que Roquette-Pinto fundou, em 1923, a primeira
emissora de rdio, a Rdio Sociedade do Rio de Janeiro, defendia a transmitir educao e
cultura, como estratgia de reduzindo os elevados ndices de analfabetismo do Pas.
Segundo Citelli (2010), esse potencial educativo do rdio foi percebido a princpio
por dois educadores, Roquette-pinto e Anzio Teixeira, que via no veculo radiofnico uma
possibilidade de reverter o quadro de abandono em que se encontrava a educao formal
brasileira. Compreende-se que educar transformar, criar mundividncias, desenvolver
competncias, facultar a constituio de pontos de vista, de inteligibilidade acerca dos
fenmenos que circundam os homens e a histria. E o rdio tinha o que fazer nesse projeto,
para usar linguagem contempornea, poltico-pedaggica, e visava promover um salto de
qualidade no Pas e na sua gente (CITELLI, 2010, p. 74). Diante desse otimismo de
Roquette-Pinto e Anzio Teixeira, foi criada em 1934 a Rdio Escola Municipal do Rio de
Janeiro, emissora de carter educativo, que divulgava contedos escolares e de natureza
formativa em geral, utilizando a estratgia a distncia.
As evidncias de Brecht e Roquette-Pinto, estavam certas a respeito do potencial e
caractersticas do rdio. Dentre os meios de comunicao de massa, o rdio apresenta-se
como um dos mais democrticos, no s pela abrangncia, mas, pela linguagem simples e a
facilidade de acesso pelo baixo custo dos aparelhos, possibilitando maior participao
popular. Tem-se apresentado como um instrumento eficaz na promoo da cidadania,
transmitindo informao e fortalecendo a luta popular pela conquista de direitos, assim
como, participa ativamente no processo de construo de conhecimento.
At a dcada de 1930, o rdio se manteve com a finalidade educativa e cultura.
Situao que muda, a partir de 1932, com a autorizao do governo de Vargas para a
veiculao de publicidade, isso deu ao novo veculo um impulso comercial e popular. Entre
os anos de 20 a 60 do sculo XX, o rdio foi o principal meio de comunicao de massa do
316
Brasil. Para Citelli (2010), o crescimento e a popularidade do rdio, atingiu o auge por volta
de 1940 a 1950, cujas condies sociais da poca eram favorveis a sua expanso, visto que
aproximadamente 75% da populao concentrava-se na zona rural, alm do vergonhoso
ndice de 80% de analfabetos, e tinha no rdio sua nica fonte de informao. Segundo o
autor, nesse ambiente com cultura de baixo letramento, onde a interao face a face
predominava, o rdio atendia plenamente, provocando um equilibrado casamento da voz do
enunciador com a audio dos enunciatrios. Com isso, a radiodifuso sonora passou a fazer
parte da vida de grande parte da populao, adquirindo carter massivo, permanecendo at
os dias atuais. (FERRARETTO, 2001),
Segundo Del Bianco (2000), a maioria dos programas educativos nos primeiros
tempos do rdio, reproduziam o ambiente da sala de aula, como os cursos de Matemtica,
Portugus e Cincias. A exceo regra, segundo a autora, foi a experincia das Escolas
Radiofnicas, desenvolvidas pelo Movimento de Educao de Base (MEB), na dcada de
60, que alfabetizava adultos e crianas, alm de cuidar da conscientizao para promover
mudanas de atitudes, utilizando, para tanto, animadores populares que organizavam
audies nas comunidades.
Entretanto, conforme relata Del Bianco (2000), os baixos ndices de audincia,
demonstrou que o rdio no era o meio adequado para exercer a educao formal. Motivo do
fracasso das experincias de educao massivo-instrucional pelo rdio. A utilizao do
rdio no ideal para educar, no sentido formal, porque na vida cotidiana das pessoas ele
percebido e utilizado como lazer e entretenimento nos intervalos entre o trabalho e os
afazeres domsticos (BURGOS.Apud.DEL BIANCO, 2000, p. 23).
Outras experincias de utilizao do rdio na educao foram sendo
experimentadas. Na dcada de 70, com o objetivo de superar as experincias anteriores
surgiu, o Projeto Minerva[Nota de rodap], cursos de preparao para os exames supletivos
de 1 e 2 grau, chamado Madureza, atravs de programa radiofnico governamental de 30
minutos, de carter informativo-cultural e educativo, de transmisso obrigatria em nvel
nacional. Segundo a autora, o programa, tambm no conquistou o prestgio da audincia.
A experincia revelou-se negativa e contribuiu para fortalecer a idia de que rdio
educativo chato, cansativo e desagradvel (DEL BIANCO, 2000, p. 23).
Segundo Del Bianco (2000), na dcada de 80, os setores organizados da sociedade
civil, a margem do educativo institucional, comearam a utilizar o rdio, com finalidades
cultural e poltica, atribuindo novo sentido a esses processos. Essas experincias de
organizaes populares e sindicais passaram a transmitir suas mensagens nas denominadas
rdios livres ou rdios populares por alto-falantes. Para a autora, alm do carter libertador
de suas mensagens, esses setores mostraram novas e criativas formas de expresso e
intercomunicao social, como a recriao da notcia, a recuperao da histria oral da
comunidade e a dramatizao de situaes do cotidiano (DEL BIANCO, 2000, p. 24).
Essas mudanas foram evidncias por McLuham (1964), aps a chegada da televiso.
Segundo o autor, um dos efeitos da televiso sobre o rdio foi o de transform-lo de um
meio de entretenimento numa espcie de sistema nervoso da informao (MCLUHAN,
1964, p. 335). O que possibilitou ao rdio, se tornar um canal capaz de promover a
participao e emancipao social, contribuindo para a afirmao e expanso da cidadania.
Entretanto, seu carter educativo institucional deixou de ser sua finalidade principal, mesmo
com a determinao constitucional, como no Brasil.
317
Essa percepo observada tambm por Donini (2008), ao afirmar que o rdio
possui algumas caractersticas que o diferenciam de outros meios. Entre essas peculiaridades
est o poder de despertar a imaginao. Sobre esse aspecto, Reizbal (1999) afirma que
qualquer uma das mensagens sonoras podem ser transformadas nas mentes dos mltiplos
ouvintes em imagens elaboradas pelos prprios sujeitos que lhes colocaro cores, cheiros e
perfis desejados (REIZBAL.Apud.DONINI, 2008, p. 112).
Donini (2008), traz tambm as contribuies de Mcleisch (2001), que comenta as
caractersticas do rdio como ferramenta educacional, dizendo que diferentemente da
televiso, em que o telespectador est observando algo que sai de uma caixa que est ali, as
paisagens e sons do rdio so criados dentro de ns, podendo ter impacto e envolvimento
maiores (MCLEISCH.Apud.DONINI, 2008, p. 112). Para essa autora, a mobilidade dos
aparelhos, apresenta-se como outro diferencial desse veculo de comunicao, visto que as
pessoas podem desenvolver outras atividades enquanto ouvem rdio, bem como, estar
presente na vida de grande parte da populao.
Outro aspecto importante que favorece a utilizao pedaggica de rdio, apontado
por Donini (2008), consiste em sua capacidade de contribuir para maior desenvolvimento da
linguagem oral. Sobre esse aspecto, a autora cita novamente Reyzbal, dizendo que
no rdio, a linguagem oral a protagonista essencial, graas ao que as prticas
radiofnicas servem para desenvolver, assegurar e ampliar habilidades orais no
esquecendo que uma linguagem mais rica implica um pensamento mais amplo.
Atravs da linguagem, o ser humano prope-se metas, elabora projetos,
autocorrige
condutas
e
questiona
erros,
busca
opes
criativas
(REIZBAL.Apud.DONINI, 2008, p. 113).
319
320
Consideraes Finais
Hoje, mais do que nunca, o potencial pedaggico do rdio tem sido resgatado por
projetos escolares que estimulam o uso da linguagem radiofnica como atividade
interdisciplinar, contribuindo para o exerccio da cidadania. Esse ecossistema
comunicacional ganha fora entre escolas, propiciando que crianas e jovens melhorem sua
capacidade expressiva, desenvolvendo a criatividade e a oralidade. Sem dvida a utilizao
dessas tecnologias tem provocado uma reviso e reconstruo epistemolgica, que segundo
Linhares (2007), vem contribuir para repensar as aes do homem, organizao e
convivncia social.
Segundo Assumpo (2008),
a rdio escola propicia ao aluno um olhar amplo sobre os meios de comunicao
social e de sua funo na sociedade globalizada, a defesa e cumprimento dos seus
direitos e deveres. [...] o aluno pesquisa e l mais, ampliando sua viso de mundo,
alm de aprender a debater, questionar, discutir, configurando assim, o
desenvolvimento do senso crtico e o exerccio de desenvolvimento da cidadania
(ASSUMPO, 2008, p. 15).
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322
Mesa 5:
A moda como possibilidade de comunicao comunitria em reas perifricas do Rio
de Janeiro: costurando Comunicao e Comunidade
Alexandra Santo Anastcio128
Resumo
O artigo pretende abrir um debate entre a dinmica moda comunitria e comunicao, aps
a implantao da poltica pblica de segurana em curso nas reas perifricas da cidade do
Rio de Janeiro desde novembro de 2008. A pesquisa, realizada durante dois anos, buscou
utilizar a experincia prtica de costureiras e artesos, residentes favela Santa Marta,
localizada no bairro de Botafogo como forma de compreenso da realidade concreta dos
moradores destes territrios.
Palavras-chave: moda comunitria; favela; incluso social.
Introduo
128
Mestre em Comunicao Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisadora, jornalista, estilista e
produtora de moda. Voluntria em projetos sociais em reas perifricas na cidade do Rio de Janeiro, especialmente na
favela Santa Marta. Militante do movimento de economia solidria
323
pudessem ter acesso a mais coisas em menor tempo pagando menos. Assim, a Revoluo
Industrial revelou um novo mundo.
Os camponeses poderiam deixar suas terras e a escravido de dura vida dedicada aos
senhores e direcionar-se a trabalhos rentveis. Largar o relento e moradias precrias.
Construir cidades e abrigar em casas confortveis seus filhos. Os artesos teriam menos
feridas nas mos do esforo empreendido na utilizao de materiais de trabalho precrios. Se
antes confeccionavam duas peas em uma semana, estariam aptos produo em srie.
Teriam mais dinheiro e seriam mais felizes.
Intelectuais visitavam teorias calcadas no maravilhoso novo mundo a se apresentar
diante de seus olhos. Que sociedade emergiria? O espetculo apresentava-se como
infindvel. O ser humano poderia ser capaz de conquistar, prever, solucionar, analisar,
propor caminhos e modificar. Invencvel ser. Levanta-se a voz de Marx como j havia
advertido Honor de Balzac em suas narrativas sobre a moderna sociedade parisiense.
Talvez, no passasse de iluso. O perodo moderno iniciado no entusiasmo do vis de
conquistas tecnolgicas e cientficas apresentava vencedores. A humanidade havia triunfado
sobre o sculo das trevas e dias medievais ficaram no passado. O poder dos reis e da igreja
desmoronava do pedestal de sculos de dominao. O primeiro slogan Libert, Fraternit,
Igualit ecoa da Frana absolutista a cada vez mais democrtica sociedade de
consumidores do sculo XXI.
Na Paris de 2012 vus a encobrir rostos femininos esto por toda parte. Vestidas de
Chanel por baixo dos panos de burcas, mulheres de Maom passeiam por monumentos da
vitria do poderio militar dos aliados ocidentais. Lado a lado no metr londrino as mesmas
indumentrias encontradas na Frana disputam o posto da bolsa mais chique. No importam
os panos pretos a esconder dominaes, carregam orgulhosamente provas de sua
superioridade nos braos e ombros. Dior, Balenciaga e Yves Saint Laurent marcas da
sofisticao ocidental disputadas nas filas dos templos da moda e do consumo ganham as
ruas na pele amarela de chineses e japoneses. Quem so e para onde vo dentro de Land
Rovers, Mercedes e limusines estes difusos personagens que olhamos sem compreender?
As mesmas marcas so disputadas por modernas e estilosas ocidentais. Sem
esconder-se por baixo de niqabs129 ostentam os mesmos smbolos de superioridade?,
competio acirrada?, poder? que convencionamos nominar por moda. Nas bancas de jornal,
revistas, ttulos de outra indstria, a da comunicao, medeiam apresentaes e
representaes. Imagens de modelos celebram opes dispostas em fotos artsticas (e outras
nem tanto). Editoriais, pginas de produes e entrevistas regem a ditadura das tendncias
129
Vu integral e pea individual, que cobre o rosto da mulher deixando, em muitas vezes, somente os olhos expostos.
Geralmente usado por mulheres do Golfo Prsico, porm, se popularizou em pases como EUA, Inglaterra, Espanha e
Frana.
324
325
326
Moda e comunicao
Ao
produzir uma moda basicamente de forma artesanal, privilegiando matria prima reciclada,
retalhos e aviamentos descartados pelas grandes marcas, lanam um novo esprito das
roupas.
Economia criativa, sustentabilidade e reciclagem so para estas mulheres apenas
nomes sem significados. O que conhecem a utilizao de materiais doados por pura
necessidade econmica. A professora de bordado nas oficinas promovidas na sede do
Costurando Ideais, Miriam Freitas, conta:
327
Acho uma besteira eles acharem que esto fazendo alguma coisa
diferente, eu hem! Se podem usar couro, para que que vo usar
caixa de leite? At parece que vo usar. Compram porque acham
diferente na hora, mas no usam ou ento acham bonito, mas no
compram. V l se alguma dessas dondocas vai sair por a de blusa
de retalhos ou bolsa de caixa de leite. (Sonia de Oliveira, 2011,
durante uma produo de bolsas)
Um sistema apoiado em ideologia democrtica que pretende ser a dimenso de um
progresso social e uma possibilidade para que todos tenham acesso aos modelos, diria
Baudrillard, uma ascendncia sociolgica que traria todas as camadas da sociedade para o
luxo material e cada vez mais perto do modelo absoluto atravs da personalizao
(BAUDRILLARD, 1993, p. 163) ou como dizem as mulheres, do customizo.131
justamente neste ponto que se encontra o perigo. Estamos mais e mais afastados de
uma igualdade diante do objeto nesta era de consumo j que a ideia de modelo: refugia-se
concretamente em diferenas sutis e definitivas tais como as nuances de cores ou o
comprimento de saias. (Ibidem) Exatamente no ponto que o Costurando Ideais e outros
grupos de reas perifricas parecem no se deter com maior ateno. Deixam de lado, a
preocupao com o preciso molde das roupas e a combinao sofisticada de cores e tecidos.
Interessam-se pelo modo simplificado ao extremo de unir pedaos de retalhos selecionados
ao acaso e descartados anteriormente por no serem mais adequados ao uso das marcas
poderosas na indstria da moda.
Customizao- tentativa dos artistas da moda para tornar determinadas peas nicas, um produto de identidade pessoal.
Cortam, bordam, pintam nas peas.
328
330
Moda e Magia
331
celebridades como manequins vivos. Conquista todo o sistema capitalista desde o primeiro
momento at o decurso de divulgao e comercializao.
A moda o triunfo do capital. Cria desejos onde antes havia a necessidades e abraa
o esprito humano em um aspecto aparentemente chave da questo. Arteso h mais de vinte
anos, Reynaldo Sardinha, na nsia de explicar porque alguns objetos criativos e primorosos
permanecem nas prateleiras das lojas enquanto outros claramente de inspirao chinesa
vendem como gua, procurou assim colocar em palavras o esprito que est no ar: As
pessoas gostam da certeza, se a atriz da novela est usando, se aparece nas revistas, se
algum nos jornais e revistas disse que bonito e est na moda, ningum precisa se arriscar
mais fcil. O que seria da moda da maneira que a conhecemos em 2012, se no fosse a
expanso dos meios tecnolgicos de comunicao?
(...) apario nica de uma distncia, por mais prxima que esteja.
(...) Mas fazer as coisas se aproximarem de ns, ou antes, das
massas, uma tendncia to apaixonada do homem contemporneo
quanto superao do carter nico de cada situao por meio de
sua reproduo. A cada dia torna-se mais irresistvel a necessidade
de possuir o objeto de to perto quanto possvel, na imagem, ou
melhor, na cpia. (BENJAMIN, 2012, p. 08)
Na contemporaneidade, as coisas se aproximam de ns enquanto moda e esto ao
nosso alcance, em nosso poder, em um vestido de festa, em um aparelho de celular ou em
uma cala jeans.
332
Karl Marx nos revelou o segredo no sculo XIX nomeando por fetiche esta dinmica
entre sujeito e objeto: A primeira vista, a mercadoria parece ser coisa trivial, imediatamente
compreensvel. Analisando-a, v-se que ela algo muito estranho, cheio de sutilezas
metafsicas e argcias teolgicas. (MARX, 2011, p. 92). E todas essas sutilezas nos deixam
soltos no ar.
Concluso
Era uma vez um sapo que vivia tranquilo em um lago no Green Park em Londres.
Em um dia ensolarado de vero ou chuvoso, tanto faz, uma rede o pescou. Foi parar em uma
sala de aula de anatomia na Universidade de Medicina de Londres. Passou por um processo
simples de desligamento de fios cerebrais. Cortam-se os comandos do pensamento e sobram
apenas movimentos involuntrios. Est vivo e morto. Age sem pensar, obedece a comandos.
Ouvi esta histria de sapo sem ser de fadas e prncipes narrada por um psiquiatra
ingls enquanto andvamos pelas ruas de Londres. Adrian queria saber do que se tratava a
minha pesquisa, como se apresentava a situao das universidades brasileiras, de que modo
planejvamos participar do novo momento do Brasil (suas palavras). No estaramos
todos ns, no Brasil e no mundo, como sapos mortos- vivos reagindo a ordens e fatos sem
pensar? Sem refletir com a coragem da crtica? Em algum ponto do perodo moderno
333
deixamo-nos seguir o fluxo dos acontecimentos sem analisar pontos chave? A moda no
seria a ordem veiculada pelos meios de comunicao que desconectam nossos fios
cerebrais?
133
Ano: 1985.
334
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336
A comunidade est no esprito do nosso tempo. H quem a postule como nossa nica
sada possvel, h quem a denegue como nostalgia perigosa e todo o resto parece, de alguma
forma, tangenci-la.
Na vida cotidiana, so muitas as aplicaes do termo. quase um uso
indiscriminado, que tem gerado o esgaramento do conceito para abarcar um sem nmero de
ideias. Atualmente, faz-se referncia comunidade para tratar de qualquer agrupamento
humano eventual ou permanente, territorial ou virtual , principalmente quando se deseja
forjar um vnculo a esse grupo, a reboque das mais variadas intenes: sociais, polticas,
religiosas, cibernticas, culturais, comerciais.
Na academia, as controvrsias so patentes. Como afirma Costa, alguns reclamam
sua falncia, com um certo tom nostlgico [...]. Outros apontam para os focos de resistncia
que comprovariam sua pertinncia, mesmo em meio a nossa sociedade capitalista
individualizante (2005, p. 236). H ainda aqueles que denunciam o perigo do retorno a uma
ordem social que limite a liberdade em troca de segurana e certeza, esses bens escassos na
contemporaneidade. desse ltimo grupo um autor como Bauman que, em mais de um livro
134
337
No livro Comunidade, Bauman denuncia a tendncia do multiculturalismo a pulverizar as foras sociais em inmeras
lutas culturais particularistas, vilipendiando a problemtica de classe inerente aos cenrios de desigualdade social, jurdica e
econmica. Cf. BAUMAN, 200, p. 83-99.
338
modos de cooperao flexveis e transversais (2003, p. 28). Como afirma Peruzzo em seu
texto Comunidades em tempos de redes, a experincia das comunidades virtuais vem
alterando dimenses at ento consideradas fundantes dos conceitos de comunidade. Ou
seja, no h mais a necessidade de uma interao face a face, ou de se estar num mesmo
territrio geogrfico, para que se realize um processo comunitrio (2002, p. 281)136.
Tambm Paiva segue uma linha anloga ao afirmar que hoje se pode conceber uma
ampliao do conceito [comunidade], principalmente a partir da comunicao em rede
(1998, p.187).
A comunidade parece, assim, ficar na tenso entre polos contraditrios: de um lado,
sua fora enquanto conceito gerador de um ideal ticopoltico e, de outro, a desconfiana e a
dificuldade de sua aplicabilidade nas diversas esferas da ao humana: entre o que pode ser
e o que se cumpre. A meio caminho, ainda se exige do conceito elasticidade suficiente para
abarcar novos modos de ser, plugados com as inventividades humanas e seus usos sociais.
Similar e relacionada a essa problemtica est uma rea da Comunicao Social que
se alimenta e depende muito do vigor do conceito de comunidade: a Comunicao
Comunitria137. Normalmente vinculada a uma concepo idealista de utilizao tica das
ferramentas comunicacionais como forma de ao e transformao social, a Comunicao
Comunitria atrai o interesse de estudantes e pesquisadores preocupados com a reflexo
sobre o equilbrio dos fluxos de informao e poder na sociedade. Podemos relacionar o
crescimento no interesse acadmico com o aumento no nmero, na variedade e na
importncia das prprias mdias comunitrias, alm do consequente avano do seu poder de
influncia na sociedade.
Como foi dito em trabalhos anteriores,138 as mdias comunitrias no Brasil e na
Amrica Latina possuem peculiaridades que levam diversos autores a defini-las como uma
resposta ticopoltica de determinadas parcelas da populao realidade de injustia social e
desigualdade no acesso comunicao na regio, principalmente em suas reas mais
perifricas (PERUZZO, 2003). As mdias comunitrias surgem como uma possibilidade de
136
Esse processo comunitrio via novas tecnologias de comunicao pode ser percebido em realizaes como a dos
desenvolvedores de software livre. Atravs da sinergia horizontalizada de competncias e saberes, os colaboradores
costumam designar-se como comunidade. No por acaso que a mensagem inicial de um programa de cdigo aberto
como OpenOffice anuncia: Build contributed in collaboration with the community.
137
Ao problematizar diversos conceitos para embasar sua proposta de mdia radical alternativa, Downing aponta a
impreciso que um termo como comunidade pode adquirir para designar veculos miditicos de carter contra-hegemnico:
termos como mdia comunitria ou mdia popular podem facilmente ocultar mais que revelar. So mais firmes naquilo
que excluem a mdia convencional do que naquilo que significam (DOWNING, 2002, p. 75). Cf. p. 75-93.
138
Para uma discusso sobre os papis que a mdia comunitria desempenha no cenrio contemporneo, ver MALERBA, J.
P. C. Rdios Comunitrias: ampliando o poder de ao. 2006. Monografia (Habilitao em Jornalismo) ECO/UFRJ.
Disponvel em http://www.overmundo.com.br/banco/radios-comunitarias-ampliando-o-poder-de-acao. Acesso em
02/04/2013.
340
que novos sentidos sejam agenciados nas esferas de negociao do poder: indivduos
historicamente excludos do processo comunicacional tm a chance de que suas demandas
passem a circular na sociedade atravs de suas prprias enunciaes. Alm dessa
possibilidade de antes se representarem que serem representados, alguns veculos de
comunicao comunitrios tm desempenhado um importante papel de mobilizao de
indivduos em torno de demandas sociais locais coletivamente reconhecidas. Atravs de uma
rdio comunitria, um jornal local, uma rede social virtual, um sistema de alto-falantes ou
um vdeo de temtica reivindicatria, iniciativas de presso ao poder pblico e demais aes
de cidadania so orquestradas, fazendo que a mdia comunitria se torne uma figura poltica
cada vez mais importante para efetivao da democracia nas regies em que surge.
A Comunicao Comunitria como campo de estudo uma rea em formao. E a
motivao eminentemente poltica da mdia comunitria parece provocar uma flexibilidade e
uma diversidade nas formas de agir que dificultam as tentativas de normatizao por parte
da academia. Apesar disso, nas pesquisas que apresentam estudos de caso cujo objeto um
meio comunitrio, comum encontrarmos a preocupao quanto sua autenticidade, a
partir de um modelo idealizado. Ao que parece, aquela exigncia de fidelidade identidade
geradora da comunidade, que aponta Bauman, parece aqui tambm funcionar como
condio si ne qua non. Caso o meio de comunicao no passe imune por todos os critrios
de avaliao, inicia-se um processo de desconfiana quanto legitimidade do veculo e sua
pena ser a excluso de um hipottico seleto grupo de mdias comunitrias autnticas. O que
parece estar em jogo a percepo da dissonncia entre o que o pesquisador entende como
uma mdia comunitria ideal e o funcionamento real e possvel do veculo: percebe-se a a
convocao de todas as promessas e as desconfianas que comumente so conferidas a
comunidade: orquestrao harmnica de interesse entre seus indivduos; utilizao
integralmente tica das ferramentas sociais; reservatrio substancial de valores.
139
MALERBA, J. P. C. Rdios comunitrias 2.0: propostas ticopolticas de uma rede de redes. Dissertao (Mestrado)
Escola de Comunicao/ UFRJ, 2009.
341
140
A partir da anlise de caso das rdios comunitrias brasileiras, a pesquisa verificou que sua entrada no mundo virtual e a
conformao de redes de intercmbio e cooperao entre essas emissoras e sua teia de apoios na sociedade civil resultou
em diversas mudanas significativas para essas emissoras, tanto em nvel individual quanto coletivo, dentre os quais:
aumento da visibilidade; ampliao de pblico; incremento na programao; desenvolvimento organizacional; produo e
distribuio de contedos extra-audiofnicos; aproximao interatores; documentao virtual de suas produes;
barateamento de custos; reconhecimento de demandas; superao das restries legais. Ademais, a utilizao da chamada
web 2.0 permitiu uma radicalizao nas trocas entre essas redes analgicas locais (rdios comunitrias) atravs da rede
digital global (Internet) de forma colaborativa, direta e sem intermedirios, atravs de redes sociais virtuais temticas, como
o caso do Radiotube (www.radiotube.org.br), objeto de estudo da presente pesquisa. Cf. MALERBA, 2009, p.114 e ss,
op. cit.
141
Cf. MALERBA, 2006, op. cit.
142
Em outro momento, nos dedicamos a descrever o processo de construo da Lei 9.612/98, que regulamenta a
radiodifuso comunitria no Brasil, e suas consequncias para o funcionamento, a situao legal e o perfil das rdios
comunitrias brasileiras. Apesar de um detalhamento escapar nosso escopo, importante destacar que a referida lei foi
criada sob forte lobby poltico dos radiodifusores comerciais, resultando numa lei que impe diversas limitaes para o
funcionamento e desenvolvimento das emissoras comunitrias. Alm disso, o processo de outorga apresenta problemas
ligados grande burocracia e possibilidades de apadrinhamento poltico-partidrio. Cf. MALERBA, 2009, p.95-129, op.
cit.
342
anos 70 e 80143, a mquina estatal se valeu de um eficiente aparato legal para restringir sua
ao sob contornos especficos e bem delimitados144.
Os perfis das rdios comunitrias so variados e muitas so as discusses
empreendidas no intuito de defini-las. A tarefa no simples, principalmente por se tratar
de mdias difusas em contextos socioculturais e econmicos distintos e, sobretudo, pela
dificuldade em mapear as emissoras no autorizadas e em funcionamento, na verdade, a
maioria (LEAL, 2007, p. 212). As discusses na academia, na sociedade civil e dentro do
prprio movimento de rdios comunitrias normalmente giram em torno dos seguintes
temas: a) modelo de programao (se a emissora segue os padres de formato das rdios
comerciais ou prope alternativas criativas em seus programas); b) gesto da emissora (se a
direo da emissora conta com participao popular ou est centralizada em somente uma
liderana principalmente se em torno de um poltico, empresrio ou lder religioso); c)
contedo da programao (se a grade de programao plural e prioriza informaes e
contedo local como servios, prticas culturais e notcias de alguma forma relacionadas
comunidade); d) questo confessional (se a emissora apresenta uma tendncia ecumnica ou
est comprometida com apenas uma crena religiosa); e) independncia poltico-partidria e
demais grupos de interesse (se a emissora est, acima de tudo, comprometida com o
interesse pblico ou a servio de polticos ou grupos comerciais). Enquanto o Estado prope
uma definio bastante restrita145, o movimento poltico das rdios comunitrias busca
expandi-la146 e a academia se v na difcil tarefa de tecer parmetros norteadores em meio
multiplicidade de formatos e apropriaes da radiodifuso comunitria, sob risco de ver
dissolvido um de seus importantes objetos de anlise.
Com isso, os questionamentos no meio acadmico tornam-se crescentes. Importantes
autores brasileiros da Comunicao Comunitria apresentam em seus textos desconfiana
quando o assunto rdio comunitria, realizando inclusive investigaes que atestam a
descaracterizao de um espao que supostamente antes se propunha coletivo para a
articulao, dilogo, organizao e conscientizao poltica (LEAL, 2007:213). Um exemplo
143
Para uma interessante descrio desse movimento, cf. Rdios livres a reforma agrria no ar (MACHADO et al, 1987).
No trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicao e Poltica, do XVII Encontro da Comps (UNIP, So
Paulo, SP, junho de 2008) intitulado Rdios comunitrias e a questo espacial ns analisamos como o Estado limitou e
restringiu a esfera e a amplitude de ao das rdios comunitrias brasileiras utilizando a questo espacial como leitmotiv.
Cf. MALERBA, 2008a.
145
Apesar de legislar longamente sobre motivaes ideolgicas, programao, modos de funcionamento, formas de
financiamento etc., a definio primeira fornecida pela pgina do Ministrio das Comunicaes no titubeia: rdio
comunitria um tipo especial de emissora de rdio FM, de alcance limitado a, no mximo, um quilmetro a partir de sua
antena transmissora. Da mesma forma, a lei 9.612/98, que normatiza a radiodifuso comunitria brasileira, logo em seu
primeiro artigo, apressa-se em restringir o funcionamento da emissora comunitria ao atendimento de determinada
comunidade de um bairro e/ou vila. Disponvel em www.mc.gov.br. Acesso em 03/10/2011.
146
O 4 princpio, do documento 14 Princpios para um marco regulatrio democrtico sobre rdio e TV comunitria,
resultado da pesquisa Melhores prticas sobre marcos regulatrios em radiodifuso comunitria, realizado em 29 pases
dos cinco continentes, para identificar as melhores experincias em nvel mundial, a Associao Mundial de Rdios
Comunitrias declara que a razo de ser dos veculos comunitrios atender as necessidades de comunicao e habilitar o
exerccio do direito informao e liberdade de expresso aos integrantes de suas comunidades sejam elas territoriais,
etnolingusticos ou de interesses. (grifo meu). Disponvel em http://www.amarcbrasil.org/amarc-principios-14-pontosport.pdf.
144
343
a pesquisa empreendida pela professora Mrcia Vidal Nunes com cerca de quatrocentas
rdios comunitrias no estado do Cear. Nunes conclui que
Apesar das exigncias legais, a maior parte das emissoras que se dizem
comunitrias, na verdade, no o so. Muitas associaes fantasmas foram
criadas por polticos, arregimentando a participao popular graas s
prticas clientelistas, que envolvem uma indiscriminada troca de favores.
No Cear, das cerca de quatrocentas emissoras existentes, apenas 10% so
autenticamente comunitrias, ou seja, tm gesto coletiva, programao
plural e participao popular efetiva em todas as instncias da emissora
(NUNES, 2001, p. 242) (grifo meu).
147
O prprio esquema de concesso de outorgas previsto na lei de radiodifuso comunitria, favorece particularismos. De
acordo com uma pesquisa realizada por Cristiano Aguiar Lopes e Vencio de Lima, os processos apadrinhados tm 4,41
vezes mais chances de receberem a outorga que os demais. H uma extensa lista de exigncias determinadas por lei e, para
cumpri-las, um padrinho poltico torna-se essencial. Os deputados contam com a assessoria de seus gabinetes, que
trabalham, muitas vezes, como despachantes dos processos de pedido de outorga, sanando documentao pendente e at
apresentando essa documentao ao Ministrio das Comunicaes. Cf. LIMA e LOPES, 2004.
344
Aqui cabe citar um exemplo paradigmtico, o da Rdio Comunitria Queimados FM. A emissora possui em seu quadro
de locutores uma pastora evanglica. Vale dizer que, na entrevista para a pesquisa, a diretora da emissora afirmou que
pesquisas veiculadas em jornais locais indicam que quase 70% da populao de Queimados professa alguma religio
protestante, dando-nos pistas de que lugar de fala se mostra como um importante aglutinador de sentido na localidade. O
que o corpo diretor da emissora tem feito politizar o debate interno na emissora, que levou a pastora a veicular, em 2007,
uma campanha de conscientizao com o objetivo de reduzir os ndices de gravidez entre adolescentes. Cf. MALERBA,
2009, p. 71-74.
149
Outro caso digno de ateno o da Rdio Comunitria Santa Marta. Depois do fechamento e da apreenso de seus
equipamentos no dia 3 de maio de 2011, por agentes da Polcia Federal e da Anatel, a comunidade decidiu continuar com a
rdio somente na internet (http://www.radiosantamarta.com.br/transmissao), enquanto espera o resultado do pedido de
outorga junto ao Ministrio das Comunicaes. Isso tem gerado a aproximao de atores externos comunidade do Morro
Santa Marta.
345
A escolha das emissoras se dar atravs de consultas a pesquisadores e lideranas do movimento de rdios comunitrias,
que indicaro emissoras por eles consideradas autnticas, particularistas (majoritariamente motivadas por questes polticopartidrias, religiosas, comerciais etc.) e de formato inovador (webrdio, transmisso mista do tipo analgica e virtual etc.).
Procuraremos equilibrar o nmero de emissoras urbanas (de baixa, mdia e alta concentrao populacional) e rurais. O
carter definidor da escolha ser garantir a maior diversidade possvel de emissoras, quanto origem, funcionamento e
realidade sociocultural.
151
A escolha ser aleatria, garantindo a diversidade regional brasileira. Essa pesquisa, de abrangncia e amostragem
nacional, ser acompanhada de uma cuidadosa reviso bibliogrfica, de modo a cruzar os resultados obtidos com demais
pesquisas j realizadas, de mesmo objeto.
346
152
dessa linha a proposta da Associao Brasileira de Rdios Comunitrias (Abrao) de fornecer um selo Abrao de
rdios comunitrias, outorgando a si a tarefa de identificar para o governo as autnticas rdios comunitrias, diferenciandoas das assim denominadas picaretrias. Disponvel em http://www.abracosc.com.br/institucional/selo-abraco/. Acesso em
05/10/2011.
153
A lei brasileira estabelece um canal nico na ponta do dial para as comunitrias.
154
Em julho de 2010, o ento presidente Lula emitiu um decreto criando uma comisso interministerial para apresentar
propostas de reviso do marco regulatrio dos servios de telecomunicaes e de radiodifuso. Desde ento, inclusive na
atual gesto, tanto governo quanto sociedade civil tm se dedicado a discutir a renovao da legislao em comunicao no
Brasil. Para uma breve discusso sobre o assunto, cf. MALERBA, 2010, op. cit.
347
________. Comunidade: a busca por segurana no mundo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
COSTA, R. Por um novo conceito de comunidade: redes sociais, comunidades pessoais, inteligncia
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ESPOSITO, R. Niilismo e comunidade. In: PAIVA, R. (org.). O retorno da comunidade: (os novos
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348
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PERUZZO, C. M. K. Mdia local e suas interfaces com a mdia comunitria no Brasil. Anais do 26
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Comunicacin y movimientos populares: Quais redes?. Porto Alegre: Editora Unisinos, 2002.
p.275-298.
349
No Peguei o ITA!:
O Rio de Janeiro como Dispora Cultural para Comunidades de Artistas do Norte.
Marcello M. Gabbay155
Resumo
O presente trabalho parte da observao com inspirao etnogrfica e sociocultural da
proposio de uma conexo simblico entre as capitais brasileiras Belm, ao extremo norte e
Rio de Janeiro, considerada centro cultural do pas. Um olhar sobre a formao histrica,
social e cultural destas capitais, complementado pela convivncia e coleta de depoimentos
de artistas paraenses que migraram para o Rio de Janeiro em diferentes pocas e condies,
pretende estabelecer algumas causas e circunstncias deste movimento que conecta as duas
cidades.
Palavras-chave
Belm; Rio de Janeiro; Cultura; Mdia; Artistas.
155
Pesquisador do LECC/UFRJ. Mestre e Doutor em Comunicao e Cultura pela UFRJ, com estgio sanduche na
Universit Paris-Descartes (Sorbonne V). Msico e autor de diversos artigos sobre comunicao, comunidade e cano
popular.
350
argumentos como a saudade de casa, das comidas, das prticas religiosas e culturais, das
trocas de experincias, etc.
Ao contrrio do que parecia aos olhos recm-chegados, o idlico comunitarismo
maranhense no tinha um par entre os originrios do Estado vizinho, o Par; o que causava,
naquele momento, certo incmodo. Por que os paraenses no se aglomeravam para lamuriar
as amarguras da dispora? Ou ainda, reviver a experincia romntica do carimb e do
lundum? Celebrar a Virgem de Nazar? Preparar o tacac? Entre os maranhes, havia sempre
o murmurinho de que um ou outro patrono da comunidade poderia dar o ar da graa: Zeca
Baleiro, Alcione, Rita Ribeiro, quem sabe? Entre os paraenses, sabia-se apenas que Dira
Paes andava ocupadssima, s voltas com a gravidez delicada, e que Faf de Belm no
sossegava em casa, sempre agendando apresentaes em Portugal.
Por outro lado, parto da noo de que sentir-se estrangeiro acontece em meio a uma
variedade de fatores socioculturais, psicolgicos, e afetivos tambm. De fato, o leque de
entrevistados da pesquisa foi amplo o suficiente para comprovar a hiptese de que o sentirse em casa to possvel quanto o contrrio. No entanto, fato que a histria oficial da
cultura brasileira se fundou nos territrios polticos do Rio de Janeiro e de So Paulo.
claro que esta situao vem mudando lentamente nos ltimos anos, especialmente depois da
implantao de cotas regionais em 2009. Porm, esta informao afirmava uma hegemonia
auto-referente dos territrios culturais centrados no Rio-So Paulo.
Neste esprito, o trabalho de campo acaba se deslizando do terreno estrito do
etnografia para se alojar no que Amaral Filho (2011, p. 108-120) classifica como a
etnoreportagem; diferente da etnografia por abordar como lugar de observao a
Comunicao, e como objeto os discursos e mecanismos socioculturais das mdias. O autor
do termo aproxima o trabalho do reprter daquele empregado pelo etngrafo, no que chama
de ida a campo, a experincia estendida no terreno da pesquisa. Em suma, a
etnoreportagem trabalha com os fenmenos ligados linguagem, produes de narrativas,
discursos, e os esteretipos entendidos como instrumento comunicante. uma etnografia
na forma narrativa que visa explorar possibilidades alternativas de representao social;
por isso que neste mtodo a anlise dos discursos miditicos uma tnica importante.
Ao que parece, o texto situado entre a etnografia e a reportagem seria de fato uma
forma apropriada observao do fenmeno cultural ancorado no esprito e na linguagem
das mdias. justamente anlise dos mecanismos e desejos de auto-representao na esfera
miditica ou no mbito das relaes midiatizadas que o mtodo da etnoreportagem dever
atuar como uma forma de agregar investigao jornalstica modos e fazeres importados das
prticas de campo aprofundadas da etnografia.
351
Rio de Janeiro e Belm, duas capitais brasileiras separadas por extensos 3.250
quilmetros. Um centro cultural e simblico e uma cidade amaznica em crescimento. Duas
culturas distintas, mas perpassadas por traos histricos e socioculturais comuns: antigas
capitais de provncias coloniais e centros econmicos exportadores importantes. Duas
cidades porturias com forte presena de uma cultura europeia colonial, prdios histricos,
palcios, fortes e templos jesutas, resqucios de uma memria de segregao cultural,
marcas de uma ocupao elitizada dos territrios citadinos, cujo marco inicial talvez seja o
fato de a grande colnia portuguesa na Amrica do Sul ter sido dividida, em 1621, em duas
Provncias: a do Brasil e do Gro-Par e Maranho. Observamos na obra do pesquisador e
jornalista paraense Jos Verssimo que migrou para o Rio de Janeiro j em 1891, onde
ajudou a fundar a Academia Brasileira de Letras em 1897 que Belm, desde a poca
colonial, quando ainda sede da Provncia do Gro-Par, mantinha uma relao mais estreita
com Portugal do que com o restante da colnia, devido especialmente ao isolamento
geogrfico e distino da ecologia e natureza local. Verssimo (1970, p. 145) sublinha que
o Gro-Par desenvolveu-se e evolui tambm distintamente, por completo desligado dos
156
PAIVA, Roquel e SODR, Muniz. Cidade dos artistas. Rio de Janeiro: Mauad, 2004.
352
353
354
3. Um centro subjetivador.
O senso comum nacional e em vrias medidas, um senso comum global v a
cidade do Rio de Janeiro como um centro cultural do Brasil. Um polo da produo de uma
cultura brasileira, termo que designa um certo padro de produto cultural nacional
devidamente filtrado pelos formatos homogeneizantes e hegemnicos do bios miditico.
H, no Rio de Janeiro, uma penca de cursos para perder sotaque, muito difundidos e
procurados entre atores e jornalistas televisivos migrantes de outras regies do pas, que
buscam se livrar de acentuaes e marcas culturais da fala de origem. A ideia de um sotaque
neutro, limpo das nuanas e misturas culturais , por si, centralizadora e homogeneizante,
que prope a construo de uma esttica cultural nacional mais linear e simplificada do que
realmente ; de forma que migrar para este centro submeter-se ao mercado nele
estabelecido e jogar com a prpria diversidade abrindo mo dela ou deixando-a apropriarse ao exotismo fabricado pela esfera miditica. Ao contrrio, como observa Guattari (1986,
p. 70-71), o conceito de identidade cultural profundamente reacionrio, uma vez que traz
consigo modos de representao da subjetividade que celebram uma suposta unidade
identitria, encobrindo o carter fabricado que possui. essa construo reificada da
subjetividade coletiva, chamada genericamente de identidade cultural, que costuma levar a
todos os processos de segregao e estereotipao que carregam.
Partindo desta concepo da subjetividade como construto maqunico de Guattari
(1986, p. 25), podemos compreender a construo subjetiva de um modo de ver a cidade,
estabelecendo um ponto de vista impregnado por uma configurao esttica determinada,
que, no caso, responsvel pela idealizao do Rio de Janeiro como centro cultural do pas,
como polo de produo, trabalho e circulao de cultura, tal como propem Paiva e Sodr
(2004, p. 75). Tal ponto de vista est relacionado construo histrica do territrio carioca
como sede do poder poltico nacional e, mais recentemente, sua construo como centro do
poder simblico da produo de verdades miditicas e culturais nacionais, desde a
fundao e sedimentao do sistema Globo de mdia nos anos 1960.
A sociedade onde a mdia assume o papel de intelectual coletivo das classes
hegemnicas forma a noo espacial de cidade mdia, que d lugar formao de uma
classe mdia, uma frao de classe, ou um estamento, que se entende como um grupo
social definido pela formalizao de um status e pela garantia de determinados privilgios a
seus titulares, que atua fortemente como porta-voz da cultura brasileira, atravs da
construo de um monoplio oficial de ideias e obras (PAIVA e SODR, 2004, p. 30-31).
atravs da midiatizao que o Rio de Janeiro comporta o que os autores chamam de
geografia televisiva (PAIVA e SODR, 2004, p. 114), ou seja, a constituio de uma
355
A tridimensionalidade de que fala Gaia tem a ver com uma posio diasprica da
criao artstica a que se refere Stuart Hall, que proporciona uma articulao mais fluda
com a regionalidade e aberta ao dilogo com o entorno. A ideia regional, diz Gaia, mas
ela passa a fluir e se materializar no trabalho de forma menos esquizofrnica. Os atores Ewe
Pamplona e Fabrcio Lins, no Rio h cinco anos, rememoraram esta passagem de um
regionalismo forado uma fluidez mais univerlizada:
356
- Voc pode ser regional,e no precisa, pra ser regional, deixar de ser universal, seja
l qual for a arte. Voc ser regional universal Ewe.
- uma fronteira, tem um momento em que a pessoa acaba ultrapassando essa
fronteira Fabrcio.
A posio do artista que deixou o Par e vive no Rio, proporciona, para o msico e
compositor Vital Lima, uma maior inflexo intercultural, uma espcie de limbo onde o
olhar sobre o lugar de origem marcado pela memria afetiva ao mesmo tempo em que o
contato com um lugar mais metropolitano, a dispora, proporciona um processo criativo
mais modernizado. Vital prefere ser apresentado como um compositor brasileiro do que
um compositor paraense. Eu acho que realmente reduz o teu espao, uma coisa que tende
pro regional, mas um regional que meio pejorativo... Eu venho de uma poca que no
tinha essas preocupaes.
357
diretor de teatro Roy Peres, que vive no Rio h quase cinco anos. O ator Wendel Bendelack,
que trabalha no Rio h onze anos com teatro e cinema, estabelece uma distino entre o
cenrio cultural em Belm e no Rio de Janeiro justamente atravs da orientao para os
negcios; o ator chega a estabelecer uma relao entre o carter negocial e mercadolgico da
arte com a prtica dos lbis, ou seja, um comportamento constantemente preocupado em
favorecer a imagem do artista no meio, estabelecendo contatos e frequentando espaos que o
favoream comercialmente:
Parece que em Belm se faz arte. Aqui negcio. Aqui negcio, no arte! Aqui
no, aqui tudo assim: vai ter o lanamento do filme de sei-l-o-que, ento eu vou
l dar uma pinta. Em Belm no tem isso, n? L arte mesmo: p vai ter um
show maravilhoso, vamo l ver, prestigiar.
Outros atores contrapem o lbi funo dialgica da arte, que depende de uma
certa autonomia dos padres homogeneizantes do mercado e da liberdade de
experimentao:
O teatro em Belm muito experimental, teatro de poro, teatro de rua. Aqui
uma outra velocidade, um outro tempo. L eu passava seis meses pesquisando uma
pea pra poder botar em cartaz; aqui, em dois meses, rpido, j tem que ta pronto
(Michele Campos, atriz, h onze meses no Rio).
O tipo de arte que eu queria fazer [teatro experimental] no era, digamos assim,
vivel comercialmente no mercado carioca, mas eu quis assim mesmo mostrar o que
eu acreditava muito contaminado, o teatro carioca, pelo besteirol, teatro de revista,
o teatro mais investigativo no era bem aceito em termos de pblico (Roy Peres, ator
e diretor, h quatro anos e nove meses no Rio).
358
Acaba fichando fechado ali [em Belm] com os msicos, tudo mais. Algum
grava alguma coisa aqui e ali, mas pra acontecer mesmo tem sair de l... Acho
que aqui, com alguns contatos, as coisas podem aparecer muito mais. Porque
eu vejo tanta gente que faz msica h tanto tempo l em Belm e fica naquela
mesma vida (Leandro Dias, msico e compositor, h um ano e dois meses no
Rio).
O circuito cultural a que se referem os artistas paraenses tem a ver com o
estabelecimento de uma cadeia produtiva que faz circular determinados produtos culturais
em alcance nacional ou at mesmo global. Em contrapartida, existe o relato generalizado de
que em Belm, apesar da intensa efervescncia artstica, no possvel viver exclusivamente
da profisso. Os circuitos culturais l estabelecidos so menos mercantilizados e, portanto,
mais ocultados pela legitimao de um mercado global hegemnico. Os poucos festivais de
msica, cinema, teatro, literatura e artes plsticas servem de remunerao para uma pequena
parcela de artistas locais que trabalham em funo dos prmios em dinheiro oferecidos pelos
eventos: E o Arte Par157, tu j imaginou se no tiver um ano? Eu j imaginei! Os artistas
vivem em funo do Arte Par, entendeu? (...) Isso atrapalha a vida do artista, diz Osvaldo
Gaia.
Quando eu acabei o segundo grau eu queria prestar vestibular pra EAD [Escola de
Arte Dramtica, vinculada Escola de Comunicao e Arte da USP], em So Paulo.
J tinha na minha cabea: quero ser ator. Mas tambm j tinha a conscincia que em
Belm eu no ia conseguir viver.
Aqui [no Rio] as pessoas festejam mais, tem festivais, tem semana disso, semana
daquilo, sabe? um movimento nesse sentido. Em Belm... parece que agora tem
mais, na minha poca no tinha (Wendell Bendelack, ator).
Arte Par: principal mostra competitiva de artes plsticas no Par, o evento acontece desde 1981 e promovido
pela Fundao Rmulo Maiorana, uma instituio privada mantida pelas Organizaes Rmulo Maiorana, um complexo de
rdio, televiso e jornal, filial da Rede Globo no Par. Fonte: http://www.orm.com.br/projetos/artepara/artepara.asp.
359
360
Eu fui na Globo uma vez e a mulher: Mas voc no negro, mas voc tambm no
branco, voc um a coisa meio indgena. Eu no sou nada, no sou branco, no
sou negro, no posso ser escravo, no posso ser no-sei-o-que. Eu liguei uma vez:
P vai ter a novela, me bota a. No, voc no pode ser escravo, e eu: Como
no? Me bota como o filho do cara branco que transou com a negra. A eu falei ah,
no. Quer saber? No vou (Wendell Bendelack, ator).
361
Belm, e pra mim uma memria mais doce que eu possa ter da cidade dentro de
mim, entendeu? (Leila Pinheiro, musicista e compositora).
Referncias bibliogrficas
AMARAL FILHO, Nemzio. O passo a passo da monografia em jornalismo. Rio de Janeiro:
Quartet, 2011.
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PAIVA, Raquel e SODR, Muniz. Cidade dos artistas: cartografia da televiso e da fama no Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Mauad, 2004.
362
158
Doutoranda em Comunicao pelo PPGCOM da Escola de Comunicao da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Bolsista do CNPq Brasil para realizao de doutorado sanduiche na cole des Hautes tudes en Sciences Sociales
Paris. Mestre em Comunicao e Cultura pelo PPGCOM da ECO/UFRJ, integrante do LECC Laboratrio de Estudo em
Comunicao Comunitria/ECO/UFRJ, professora voluntria do Laboratrio de Texto: Tcnica de linguagem jornalstica
do LECC e jornalista da Coordenadoria de Comunicao Social da UFRJ. Contato: zildamarti@yahoo.com.br.
363
centrado na cultura negra, cuja pseudo democracia racial serviu de insumo histrico e,
mesmo na contemporaneidade, persegue um olhar estrangeiro mais desavisado.
Cultura aqui entendida tanto como um lugar de identidade construda, como uma
instncia de conformao do consenso e da hegemonia. (SODR, 2012)159. Desse modo, a
luta contra-hegemnica das minorias, como os negros, une os sujeitos em comunidade. Na
acepo de Paiva, um dos propsitos bsicos do ideal de comunidade que nela o
indivduo encontra-se ligado, em relao. Deixa de ser aquele ser sozinho que a sociedade
industrial produziu. (PAIVA, 2007, p. 84).
159
Uma mesma palavra pode ser interpretada de modo completamente diferente, por
vezes antagnico, de acordo com a maneira de se falar. o que conta a lenda rabe do
sulto, que tendo sonhado com a perda de todos os dentes mandou chamar um sbio para lhe
consultar sobre o significado. Este, ao ouvir a histria, anunciou uma grande tragdia com a
morte de todos os parentes mais prximos do sulto. Enfurecido, ele ordenou os guardas que
castigassem o sbio com cem chicotadas. No satisfeito, quis ouvir uma segunda
interpretao. Chamou outro sbio, a quem contou o mesmo sonho, vido por resposta. O
sbio escutou com ateno e, imediatamente, disse que ele era um homem de sorte, porque
viveria mais do que todos os parentes mais prximos. Aliviado e feliz pela longevidade
prevista, o sulto mandou presentear o sbio com cem moedas de ouro. A atitude no deixou
de chamar a ateno de um sdito que o alcanou intrigado, questionando que ambos os
sbios havia dito a mesma coisa e como poderiam ter recebido tratamentos to dspares.
Calmamente, o sbio respondeu que tudo dependia da maneira de se dizer as coisas,
afirmando que esse era o grande desafio da humanidade.
A lenda fala de interpretao, de um jogo de entendimento da linguagem e de como a
comunicao pode se dar em diferentes nveis, gerando verdade ou efeitos de verdade.
Desde Plato e Aristteles que os estudos sobre a filosofia da linguagem tentam dar conta do
significado do significado. Ambos buscavam compreender a relao entre os nomes e as
coisas que os mesmos denotam e se essa relao seria convencional ou natural. A
investigao acerca da verdade do significado, portanto, est no campo da filosofia, seja na
antiguidade seja na modernidade, com questes que envolvem o homem, o ambiente e a
sociedade. Etmologicamente, a palavra interpretar vem do latim, do verbo interpretari, e
quer dizer explicar o significado de algo. O prefixo inter, que tambm significa entre,
ressalta o dilogo, o debate, indicando movimento de diferentes posies, de embate, no
sentido de negociao ou tentativa de entendimento entre dois ou mais dialogantes. O que
chama a ateno a abertura para um novo sentido, novas interpretaes.
Comunidade uma dessas palavras que vem sendo ressignificada por diferentes
autores. O filsofo italiano Roberto Esposito (2003) redefine a ideia fora de toda referncia
aos comunitaristas passados e presentes, privilegiando, sobretudo, autores de Rousseau a
Kant e Heidegger. Para estes, comunidade tem uma concepo de lei comum, ser juntos,
mas tambm traz a conscincia trgica do que teve de irrealizvel de um ponto de vista
poltico. Esposito lembra o fracasso dos comunismos e a misria dos novos
individualismos, diz que o pensamento da comunidade se faz urgente e adquire um carter
de relevo internacional. So muitos os autores que vem trabalhando com o tema, mas vamos
365
nos ater a poucos. O cientista poltico Benedict Anderson (2009) aponta o reiterado emprego
do termo nos Estados nazi-fascistas, a partir da II Guerra Mundial, com o fim de limitar as
fronteiras territoriais. Todo o movimento visava formao de uma conscincia de nao,
de nacionalismo e de uma cultura genuna, com o uso das lnguas europeias.
por isso que nas polticas de construo da nao dos novos estados, vemos com
tanta frequncia um autntico entusiasmo nacionalista popular ao lado de uma
instilao sistemtica, e at maquiavlica, da ideologia nacionalista atravs dos
meios de comunicao de massa, do sistema educacional, das regulamentaes
administrativas. (ANDERSON, 2009, p. 164).
160
367
como mostrou Badiou, no se funda no lao social, do qual seria a expresso, mas na
dissoluo deste, que ele interdita. (AGAMBEN, 1993, p. 67).
De fato, um sujeito cujos valores esto assentados na solidariedade e na alteridade,
na vida em relao comunitria uma ameaa s instncias do poder pblico, acostumadas a
uma cultura de dominao. Sodr (2005) questiona o conceito de cultura na concepo
ocidental, entendida como delimitao de fronteiras e, dentre outras coisas, instauradora do
racismo. dessa cultura que o Estado se alimenta, produzindo fronteiras, distanciamentos,
excluindo aqueles que no pertencem ao modelo institudo. Tal poltica provoca reao. Para
o historiador Joel Rufino dos Santos (2010), existe uma luta organizada contra o racismo,
parte de uma luta maior, que seria a democracia no na acepo que lhe do, em geral, os
polticos e os jornais, mas de processo interminvel de ajustamento de contradies, acerto
de diferenas, negociao sem fim de lugares sociais. (SANTOS, 2010, p. 36). O autor se
refere democracia como liberdade do sujeito frente s diversidades relacionais e as
polticas do Estado.
No limite, toda luta por liberdade, pela condio na polis de um sujeito livre, cuja
participao com sua fora e conscincia transformadoras levam a um Estado livre.
Contudo, para Thoreau, um Estado jamais ser verdadeiramente livre e esclarecido se no
reconhecer o indivduo como um poder mais elevado e independente, do qual deriva todo o
seu prprio poder e autoridade [...]. (THOREAU, 2012, p. 35). Essa problemtica
complexifica-se na contemporaneidade com a sobreposio de poder, agora no apenas entre
o sujeito e o Estado. Trata-se de algo mais forte que o Estado, porque se faz presente em
escala mundial, tendo a fora tecnomercantil como motor. O que ocorre, segundo ABLS
(2006, p. 94), um deslocamento do poltico, determinado por uma redefinio global do
senso e dos objetivos da ao poltica. Isso provoca efeitos em diferentes dimenses, desde
os comportamentos particulares s aes institucionais. Por que a comunidade uma
ameaa? Ora, ao mercado, ancorado pela mdia, interessa a seduo para o consumo. J o
Estado no compreende a fora do ser juntos, do afeto, logo teme o poder dessa fora, que,
assim como o medo em Hobbes, pode ser impulsionadora.
2 Dimenso comunitria das Aes Afirmativas
Ao fazer referncia ao valor da vida pblica para o grego, Raquel Paiva (2007) destaca
que o cidado o resultado de um processo de convivncia que no se fecha diante de
novas possibilidades. Nada est pronto e acabado, e assim se autoriza sempre a experincia
da radicalidade. (PAIVA, 2007, p.85). dessa radicalidade que estamos falando, numa
suposio de que as Aes afirmativas representam, no limite, uma perspectiva de entrada
368
161
Conceito criado por Ivan Ilich;a capacidade de se fazer conviver as dimenses de produo e de cuidado;
de efetividade e de compaixo; de modelagem dos produtos e de criatividade; de liberdade e de fantasia; de
equilbrio multidimensional e de complexidade social tudo para reforar o sentido de pertena social contra o
egosmo. Ver: BOFF, Leonardo. Para no perecer: a convivialidade necessria. Jornal do Brasil, 20/12/2012.
Disponvel: http://www.jb.com.br/leonardo-boff/noticias/2012/12/10/para-nao-perecer-a-convivialidadenecessaria/ Acesso: 20/03/2013.
162
Paulo Freire conduzia as primeiras fases do Programa Nacional de Alfabetizao, com debates nos
chamados Crculos de Cultura. Eram debates que antecediam o processo de alfabetizao pelo Mtodo Paulo
Freire e consistia em abordar questes nacionais, um processo de conscientizao do homem na sociedade. A
proposta era expandir o mtodo para todo pais, multiplicando-se em 20 mil ncleos ainda em 1964. Ver
FREIRE, 1982.
163
Personalidades que so ou foram defensoras das aes afirmativas: Nelson Pereira dos Santos, Thais
Araujo, Wagner Moura, Lzaro Ramos, Martinho da Vila, Gilberto Gil, Roberto da Matta, Otvio Velho,
Oscar Niemeyer, Joaquim Barbosa Gomes, Marco Aurlio de Mello, Celso Mello, Carlos Ayres Brito,
Ancelmo Gis, Miriam Leito e Elio Gaspari. MEDEIROS, Carlos Alberto. Abertura de Seminrio
Comunicao e Ao Afirmativa: O papel da mdia no debate sobre igualdade racial. Rio de Janeiro, ABI,
2010. Notas.
369
Outras leis implantaram aes afirmativas sem maiores repercusses, como a que
garante a deficientes a reserva de cinco de cento das vagas em empresas com mais de mil
empregados e de 20 por cento em concursos pblicos. Existe tambem lei que define 30 por
cento de participao feminina em partidos polticos, visando candidatura de mulheres.
Medeiros (2004, p. 124) ressalta ainda
A discriminao positiva em relao a uma infinidade de outros grupos: crianas,
jovens, idosos, micro e pequenos empresrios [...] agncias de desenvolvimento
regional, como a Sudam e a Sudene, criadas com a finalidade de carrear
investimentos para o Norte e o Nordeste, regies mais atrasadas. O prprio imposto
de renda progressivo, assim como diversas medidas destinadas a compensar a
desigualdade social, constitui essencialmente uma forma de discriminao positiva,
tanto quanto o dispositivo que permite s mulheres aposentar-se aos 30 anos de
servio cinco anos antes dos homens. (MEDEIROS, 2004, pp. 124-125).
DAVID, Frei. Apresentao do trabalho Aes Afirmativas 10 anos um balano. Seminrio 10 anos de
aes afirmativas: Avanos e desafios. Rio de Janeiro, UERJ, 2012.
370
SODR, Muniz. Comunicao apresentada no Colquio Muniz Sodr sobre poltica e cultura afrobrasileira. Rio de Janeiro, 2012. Disponvel em: http://leccufrj.wordpress.com/. Acesso em 23/03/2013.
166
Ver: MEDEIROS, Carlos Alberto. Na Lei e na Raa, 2004. O autor enumera os principais argumentos
contrrios, assim como os favorveis s cotas.
371
372
internacional, os grupos dos movimentos negros que vinham lutando h anos em todo pas,
reivindicando educao, reconhecimento e denunciando o racismo puderam ser ouvidos.
3 Mediao entre jovens cotistas e no cotistas se d pela cognio e pelo afeto
Joo Santos e sua colega de turma, Julia Fernanda (2013), tambm cotista social,
consideram importante o sistema de cotas. Eles disseram que na sala no tem cotista
167
Os depoimentos dos estudantes cotistas revelam uma fora comum que permeia o
grupo e os impulsiona numa busca individual, mas tambm afeta os sujeitos participantes da
microesfera social, modificando o real a partir da vontade. Por esse prisma, a experincia
das cotas na UERJ configura-se em comunidade, reunindo elementos de afeto, vnculo,
munus (a obrigao do sujeito com ele mesmo e com o outro, Esposito, 2003). Os sujeitos
envolvidos tm como premissa a formao universitria, cujo resultado acaba por
transformar a prpria realidade social. Desse modo, as mudanas operadas na vida
individual tambm afetam as famlias, a vizinhana e a cidade. Nesta, h uma circularidade,
com idas e vindas de estudantes para estudo ou lazer entre a zona norte e a zona sul.
O indivduo, vinculado a uma coletividade comum, torna-se sujeito da sua prpria
histria, compe o que Raquel Paiva conceitua de comunidade gerativa (PAIVA, 2009, p.
374
21). Ou seja, jovens que, comprometidos com um projeto comum, servem como espelho a
outros tantos em situao de desigualdade, sem maiores perspectivas. Na explicao da
autora (idem), por comunidade gerativa entende-se a vinculao entre sujeitos cujo
propsito maior efetivamente seu florescimento harmnico com o contexto histrico e
social de seu tempo. (PAIVA, 2009, p. 21).
As aes afirmativas trazem em si uma conformao poltica, reorientando o sujeito
para a pluralidade de relaes e de aes. So geradoras de novos vnculos, novas
comunicaes, nova circulao na cidade. No se trata da construo de identidades, mas da
abertura para o outro, com todas as contradies prprias do sujeito, por meio do munus,
da obrigao tica da alteridade. Enquanto comunicao comunitria, as aes afirmativas
so compreendidas como um contradiscurso, capaz de se sobrepor ao discurso da sociedade,
para alm da mdia. No sinalizam certamente o fim do racismo, mas um reforo de luta
antirracista, uma abertura para novas relaes dialgicas, para a sociedade que vem.
5 Referncias bibliogrficas
ABLS, Marc. Politique de la survie. Paris: Flammarion, 2006.
FREIRE, Paulo. Educao como prtica da liberdade. So Paulo: Paz e Terra, 1982.
OLIVEIRA, R. B.. Aes Afirmativas na UERJ: depoimento. [20 de maro, 2013]. Rio de Janeiro.
Entrevista concedida a Zilda Martins.
PAIVA, Raquel. O Esprito Comum: comunidade, mdia e globalizao. Rio de Janeiro: Mauad,
2007.
375
SANTOS, Joel Rufino dos; LOPES, Ney; COSTA, Haroldo. Nao Quilombo. Rio de Janeiro: ND
Comunicao, 2010.
SANTOS, J.; FERNANDA, J.; CRUZ SANTOS, A.;. Aes Afirmativas na UERJ: depoimento.
[25 de fevereiro, 2013]. Rio de Janeiro. Entrevista concedida a Zilda Martins.
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Entrevista concedida a Zilda Martins.
SODR, Muniz. As estratgias sensveis: afeto, mdia e poltica. Petrpolis: Vozes, 2006.
________. A verdade seduzida: Por um conceito de cultura no Brasil. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
Afro-brasileira.
Disponvel
in:
THOREAU, Henry David. A desobedincia civil. So Paulo: Cia das Letras, 2012.
376
Resumo
A partir do significado arcaico da comunidade (communitas) trazido por Roberto Espsito,
propomos uma estrutura ontolgica da comunidade que abriga, semanticamente, uma dupla
dimenso, qual seja, a substancialista e a dessubstancialista. Ao passo que a primeira tem
predominado nas Cincias Humanas e Sociais (inclusive na Comunicao), consubstanciada
em conceitos como a Gemeinchaft e o neocomunitarismo, faz-se em relao segunda um
grande silncio. O objetivo deste texto dar visibilidade a esta segunda dimenso e
especular a possibilidade de investig-la enquanto objeto da Comunicao (vinculao).
Destaca-se tambm a aproximao do conceito de acontecimento (Deleuze) com a ao
dessubstancializadora, experincia da morte subjetiva que indicar a presena (ou no) da
comunidade nos diversos agrupamentos humanos, inclusive aqueles de natureza
sociotcnica.
Palavras-chave
Communitas; vinculao; hermenutica; objeto da comunicao.
Introduo
O texto parte do pressuposto de que o conceito de comunidade em voga na Comunicao,
tomado da Sociologia do sculo XIX (de Conte a Durkheim, passando por Le Play, Marx,
Tnnies, Weber e outros), mantm um forte carter substancial podendo resultar em
problemas pesquisa. O principal deles o essencialismo acrtico, a ideia de comunidade
enquanto verdade inquestionada uma vez que proveniente do povo, imanada de baixo para
cima
169
Doutorando em Comunicao pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ). Mestre em Comunicao
Miditica pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Bolsista Capes. E-mail: yudieduardo@bol.com.br.
169
Sobre isso ver a crtica de Jean-Luc Nancy (In ESPSITO, 2007) s democracias contemporneas. esclarecedor, neste
sentido, o fato de as experincias mais aterradoras de comunidade do sculo XX (nazismo, comunismo, fundamentalismo)
estarem todas elas fundadas na substncia comum e legitimadas na vontade coletiva.
377
O conceito de midiatizao aqui tributrio de Sodr (2007, p. 17) e designa o funcionamento articulado das
tradicionais instituies sociais com a mdia. A hiptese que sustenta a midiatizao uma mutao sociocultural
centrada no funcionamento atual das tecnologias da comunicao acena para a necessidade de uma ampla redescrio
dos tradicionais conceitos das Cincias Humanas e Sociais.
378
O fato mais importante da communitas, segundo Espsito, o fato dela revelar a impropriedade como trao comum e
originrio de todo ente, isto , a condio devedora de todos os sujeitos, a predominncia de um outro virtual (Mitsein)
sobre estes: No o prprio, mas o imprprio ou mais drasticamente o outro o que caracteriza o comum (ESPSITO,
2007, p. 31).
172
De fato, desde os tempos mais imemoriais, a comunidade sempre designou a autoridade que introduz o ente no mundo,
possibilitando a sua existncia por meio da vida social integrada, definidora de sua situao existencial na cadeia de
reciprocidade e na circulao do munus. Da a sua feio credora, instncia expropriativa que abre e dissolve o ente na
integrao coletiva. Sem isso, o ente jamais compreenderia a si mesmo como existente (jamais existiria como conscincia),
pois flutuaria no vazio da no-relao, sem qualquer limite ou discernimento de sua prpria extenso.
379
sua provenincia: a indeterminao de si. Este seria, a rigor, o carter originrio do sujeito, o
mostrar-se do que virtualmente j [ou sempre foi], uma falta (ESPSITO, 2007, p. 30).
Puro fluxo, pura relao. Toda nsia moderna voltada produo de dispositivos como a
razo, a conscincia (Cogito), os contratos, os princpios morais, a tecnologia (Gestell) e, de
maneira mais generalizada, a in-munizao (neutralizao do munus)
173
, s pode ser
perspectiva
dessubstancialista
da
comunidade:
dessubstancializ-los,
175
173
Espsito (2010) apresenta uma tese interessante sobre um suposto paradigma imunitrio que acompanha o projeto
poltico moderno do ocidente desde a transio do poder soberano ao biopoltico. Tal paradigma baseia-se na conservao
da vida atravs de sua in-munizao (neutralizao do munus). Para ele, a imunizao constitui um importante
dispositivo biopoltico que atua tanto no evitamento de um ntimo contato humano quanto na diminuio da frequncia de
uma relao horizontalizada entre os governados. Estas formas de relao constituem, na verdade, modos de contgio que
poderia induzir a uma expanso da vida, pondo em risco um governo biopoltico.
174
Desenvolvemos em nossa pesquisa esta estrutura originria da comunidade com base no conceito de durao de
Bergson, mas, acima de tudo, na estrutura dupla do acontecimento de Gilles Deleuze (2007, p. 56), situada em seu campo
transcendental sui generis: A distino no entre duas espcies de acontecimentos, mas entre o acontecimento, por sua
natureza ideal e sua efetuao espao-temporal em um estado de coisas. Entre o acontecimento e o acidente.
175
Em toda essa reordenao ontolgica, a communitas desempenha um papel excepcional; o ponto de inflexo (ou
desocultao) do ser da comunidade, pois traz no significado arcaico de munus (donum) a questo de sua impropriedade
constituinte agora revelada. Isso fica ainda mais evidente atravs dos radicais cum e munus. Cada um, sua maneira,
380
Interseco Comunicacional
De que modo o desvelamento da ontologia originria da comunidade poderia afetar os
estudos comunicacionais? Uma resposta bvia logo sugeriria: ampliando os objetos do
campo,
investigando
(essencializao e
O ponto em que a noo de vnculo de Sodr coincide com a comunidade onde hoje tem se
destacado a grande questo comunicacional: a abertura do sujeito, a dessubjetivao. Se em
Sodr o vnculo j traz implcita essa abertura (compromisso com o outro, assuno da
prpria morte subjetiva), ns a enfatizamos ao longo deste texto conforme o significado
arcaico da comunidade, seja pelo munus originrio, seja pelos prefixos cum e mit segundo
recupera o horizonte de mostrao originria do ser: cum o outro oculto, o que se retrai no desvelamento do ser; munus
a lembrana da condio inicial do indivduo (enquanto faltante, devedor, imprprio), lembrana de sua emergncia
enquanto diferena ontolgica.
176
[...] faz claro o ncleo terico da comunicao: a vinculao entre o eu o outro, logo, a apreenso do ser-em-comum
(individual ou coletivo) (SODR, 2002, p. 223, grifo do autor).
177
Cf. SODR, Muniz. Objeto da comunicao a vinculao social. Entrevista. In. PCLA (UMESP), Disponvel em
http://www2.metodista.br/unesco/PCLA/revista9/entrevista%209-1.htm. Acesso em 16/02/2013.
381
Nancy (1996, p. 61) pr-posio da posio em geral ; existenciais que expem a fissura
que percorre inteiramente as instituies autocentradas, obrigando os sujeitos (e as
comunidades deles derivadas) a se doarem incondicionalmente, arrastando-os sua condio
originria, isto , vida errante, servido absoluta, ao apelo do fora.
Nestes termos, no seria absurdo tomar a comunidade, em sua amplitude ontolgica,
enquanto objeto comunicacional. Isso porque a investigao da abertura ou dessubjetivao
(experincia comunitria conforme a temos denominado
178
perifricos
da
cidade
etc.
Questes
estas
que
se
tem
chamado
Cf. YAMAMOTO, Eduardo Y. A experincia comunitria e a morte do sujeito. In. Revista Contracampo. v. 24, n. 01,
Niteri: Contracampo, 2012, p. 86-104.
179
Sodr (2002, p. 234-235) sugere, neste caso, a diviso do campo em: veiculao, vinculao e cognio.
180
Esta perspectiva se apresenta em sua produo terica dos anos de 1980 e 90, quando o autor fala do cdigo
tecnocultural, que exclui a ambivalncia da comunicao humana (olho-no-olho), o movimento ambivalente e agonstico
de relacionamento do homem com o real (SODR, 1984, p.112).
181
Em A verdade seduzida, por exemplo, pode-se perceb-las em seu conceito alternativo de cultura, distanciando-se da
verve estruturalista da poca e predominante nas Cincias Sociais e na Comunicao: Cultura implica num esvaziamento
da unidade individual, no que faz circular os termos polares da troca, no que reintroduz o acaso e o Destino, no ato
simblico que extermina as grandes categorias da coerncia ideolgica, no que se constitui em morte do sentido e da
verdade universais, no que faz aparecerem as singularidades, num ato de delimitao e de atrao, em resumo, no
movimento do jogo (ID., 1983, p.180).
182
Cf. Communitas, ethike. In SODR, Muniz. Antropolgica do sentido. Petrpolis: Vozes, 2002, p. 169-220.
382
Sendo protagonizadas por formas sociais efmeras, fugazes e frgeis, estas so, muito
frequentemente, acusadas de apolticas (at mesmo de conservadoras) por aqueles que se
apoiam no retrgrado substancialismo. Um ponto de vista que ignora a inscrio de uma
nova modalidade de poltica voltada dessubstancializao das formas absolutistas da
modernidade como o Estado e os partidos polticos, bem como seus dispositivos de
representao (mdia hegemnica) e de controle (jurdico, administrativo, urbanstico), os
quais desaconselham o contato ntimo, os encontros explosivos, o tte--tte da relao;
enfim, que diminuem aquilo que Nietzsche chamou de expanso da vida, e que tantos
pensadores (Blanchot, Foucault, Deleuze, Negri e Agamben) lanaram suas esperanas,
como algo que poderia efetivamente pr em risco um governo biopoltico.
A proposio de um outro conceito de comunidade na Comunicao na verdade uma
ampliao semntica conforme seu significado originrio , viria a dar visibilidade a essa
demanda poltica, considerando o potencial aglutinador, mobilizador, logo, transformador,
que esta palavra, ainda, preserva.
Concluso
A crise do conceito de comunidade tem se expressado de muitas maneiras, desde as
indagaes sobre os perigos de se legitimar as formas de associao humana num cenrio de
extremo utilitarismo, at o questionamento sobre a qualidade dos vnculos sociais na
atualidade. No campo comunicacional, no entanto, esta crise parece ainda mais urgente,
como se percebe no conjunto de questes cada vez mais usuais: comunidades virtuais so
verdadeiramente comunidades? Os moradores das favelas compartilham um munus? Este
compartilhamento muito mais intenso e efetivo do que em um condomnio de alto padro
ou em algum grupo de classe mdia? A comunicao comunitria deveria tratar,
prioritariamente, do fenmeno da vinculao humana ou do uso de aparelhos contrahegemnicos? A busca pelo fundamento torna-se, pois, incontornvel.
O que seria, ento, a comunidade sob o ponto de vista da vinculao (comunicao)?
Antes de responder tal pergunta importante destacar que no se trata de um falso problema
ou pura especulao transcendental. Ao contrrio, da fratura aberta por esse questionamento
podemos colocar problemas impensados como a interrogao ontolgica. A urgncia de uma
reinterpretao da comunidade marca o prenncio de uma ruptura ou, como disse Michel
Foucault, a irrupo de um campo de discursividade.
A resposta que propomos dar questo da comunidade : comunidade um acontecimento,
um sentido que percorre e transpassa os indivduos, neles despertando a sua condio
originria de ser-com (Mitdasein), ser-uns-com-os-outros, homens originariamente
devedores uns com os outros.
383
E o que isso tem a ver com a comunidade? Ora, a comunidade como a bala que perfura a
carapassa do indivduo (a experincia de um sentido-acontecimento) que o esvazia, que o
descentra, obringando-o tanto vinculao quanto reiveno de si
183
. Tal esvaziamento
384
Com esta definio de comunidade, acreditamos estar aptos a responder questes prementes
tais como: a comunidade surge da unio de indivduos ou condio para estes? O que faz
com que algo seja experimentado como comunidade e no como simples agrupamento
humano? Podem existir comunidades em meio multido (inclusive nas redes telemticas)?
A proposta de um novo objeto comunicacional (a experincia comunitria) deve, entretanto,
vir acompanhada de um modo sensvel de mensur-lo. J no serve as tradicionais
ferramentas das cincias sociais, excelentes (diga-se de passagem) para explicar e
compreender a comunidade em sua ontologia estvel, mas que sucumbem diante da
vertigem do abismo em que a colocamos.
Ser/estar na comunidade, portanto, constitui uma experincia. No qualquer experincia,
mas aquela sentida como subtrao, perda, dilacerao do si. A experincia da comunidade,
segundo Espsito, constitui uma experincia sem sujeito, o toque da morte subjetiva
(Blanchot; Bataille), como algo exterior que nos carrega sem que possamos fazer qualquer
coisa alm de sentir: frente comunidade somos vtimas, meros objetos.
Naturalmente, essa exposio ou consagrao: munus de si no indolor ao
sujeito que a experimenta. Empurrando-o a tomar contato com o que no , com o
seu nada, esta constitui a mais extrema de suas possibilidades, mas tambm a mais
perigosa das ameaas [...] O que se teme no munus hospitaleiro e por sua vez
hostil segundo a inquietante contigidade lxica hospes-hostis a perda
violenta dos limites que, conferindo identidade, asseguram a subsistncia. H que se
ter sempre presente esta dupla face da communitas: ao mesmo tempo a mais
adequada, seno a nica, dimenso do animal homem, mas tambm sua deriva, que
potencialmente o conduz a dissoluo. Desde este ponto de vista, a comunidade no
se identifica com a res publica, a coisa comum, mas com um poo, onde ela corre
continuamente o risco de resvalar, de desmoronamento em suas costas e em seu
interior (ESPSITO, 2007, p. 32-33).
Se para alguns ser arrastado para fora de si (como sugere a experincia comunitria) soa
como algo negativo (sobretudo para aqueles que desejam preservar-se como indivduo inmunizado); para outros pode significar a oportunidade nica de uma vida repleta de
vitalidade. Pois, extraviar-se ou perder o controle de si, abre-se como possibilidade de
irrupo do novo, de uma nova vida inorgnica, de um encontro inesperado.
Este encontro pode acontecer no prprio indivduo (desde que como experincia interior
batailleana, transformao, e no como reforo ou reiterao de si), como fora dele, nos mais
diferentes espaos sociais, nas mais improvveis situaes coletivas.
Gianni Vattimo, citando a interpretao de Gadamer sobre o pargrafo 9 da Crtica do Juzo
de Kant, argumenta a beleza do ser-com ou do estar-junto em situaes frvolas como
numa conversa informal ou ainda na recepo de objetos artsticos.
385
A experincia esttica da comunidade de que fala Vattimo pode ser entendida como
experincia da subtrao (des-in-munizar), encontro inesperado na multido e na
contemplao (tal como a Literatura, como frisou Blanchot). Vale dizer que esta experincia
foi obliterada na modernidade em seu processo de inmunizao, que trancafiou a arte
social da antiguidade (templos e teatros) no domnio privado (a exemplo dos retratistas),
desvinculada de qualquer lao ou dvida (do artista para com a sociedade, da sociedade para
com o artista), restrita apenas a uma relao de equivalncia: compra e venda.
Convm perceber que esta ideia de privatizao constitui, ainda hoje, a condio
fundamental da apreciao esttica (por exemplo, em Theodor Adorno). Todavia, frente s
experincias (recepo) solipsista da obra de arte, surgem centros agregadores da diferena,
os quais colocam em questo a beleza do estar-junto, a exemplo dos espetculos musicais,
salas de cinema (num perodo de declnio da solipsista televiso), lugares onde no podemos
mais ficar alheios.
Referncias Bibliogrficas
BATAILLE, Georges. A experincia interior. So Paulo: tica, 1992.
NEGRI, Toni. Arte y multitudo. Ocho cartas. Madrid: Minima Trotta, 2000.
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SODR, Muniz. Sobre a epistme comunicacional. Revista Matrizes, So Paulo, n. 01, vol. 01, p.
15-26, out. 2007.
VATTIMO, Gianni. O belo como experincia comunitria. In. PAIVA, Raquel (org.) O retorno da
comunidade: os novos caminhos do social. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007, p. 63-68.
387
Resumo
Este trabalho faz uma reflexo em torno das mudanas na comunicao estabelecida a partir
da relao entre os moradores do asfalto e da favela com a instalao de Unidades de
Polcia Pacificadora (UPPs) em comunidades cariocas. O artigo apresenta, a partir do estudo
de caso da Rocinha favela localizada na Zona do Rio de Janeiro , as mudanas
promovidas com a chegada da polcia pacificadora no dia 13 de novembro de 2011.
Palavras-chave
Comunidade; comunicao comunitria; favela; parceiros do RJ; jornalismo.
Introduo
O Censo 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) e
divulgado em 2011, registrou que 11,4 milhes de brasileiros, o equivalente a 6% da
populao do pas, vivem em aglomerados subnormais, mais conhecidos como favelas e
comunidades. Dentro deste cenrio, a Rocinha, na Zona Sul do Rio de Janeiro, foi apontada
como a favela mais populosa do Brasil, com 69.161 moradores. Os nmeros foram
contestados pela associao de moradores da Rocinha, em reportagens publicadas na grande
imprensa. Segundo depoimento do presidente da Unio Pr-Melhoramentos dos Moradores
da Rocinha (UPMMR), Leonardo Rodrigues Lima, ao site G1 em 21 de dezembro de 2011,
este nmero bem maior. A Rocinha tem entre 180 mil e 220 mil habitantes, afirmou
reportagem Lo, que est na favela h mais 30 anos.
Em 2010, a Secretaria de Estado da Casa Civil, por meio do EGP-Rio, mapeou e identificou
o perfil de trs comunidades do municpio do Rio de Janeiro: Rocinha, Complexo do
Alemo e Manguinhos. O Censo Favelas, como foi denominado o levantamento, visou ainda
uma anlise das obras de urbanizao e melhorias na infraestrutura promovidas pelo
Programa de Acelerao do Crescimento (PAC), realizadas a partir do PAC Social. Todos os
dados foram coletados, entre maio de 2008 e julho de 2009, por 1.450 moradores das
comunidades, que foram treinados e supervisionados para fazer as entrevistas. O Relatrio
Domiciliar do EGP-Rio informa que a populao efetivamente recenseada pelo trabalho
chega a 73.410 indivduos. Ainda segundo este relatrio, uma estimativa populacional,
184
Doutoranda do Programa de Ps-Graduao em Comunicao Social ECO/ UFRJ, Mdias e Mediaes Socioculturais.
Pesquisadora do Laboratrio de Estudos em Comunicao Comunitria da UFRJ (LECC). Professora do Departamento de
Comunicao Social PUC-Rio. Coordenadora do Ncleo de Assessoria em Comunicao, Rdio e Internet do Projeto
Comunicar/PUC-Rio. E-mail: lillian.saback@gmail.com.
388
A anlise proposta no presente artigo est vinculada teoricamente ao estudo que vem sendo
desenvolvido por Raquel Paiva no que se refere aos conceitos de comunicao comunitria
e, principalmente, ao de comunidade. A pesquisadora investigou o conceito de comunidade
e toda a reflexo feita por ela permite pensar o esgotamento da necessidade da ocupao de
um mesmo espao para uma ao comunitria. Ao avaliar o perfil do veculo comunitrio,
Paiva destaca que uma das razes para a criao deste tipo de meio de comunicao a
vontade de produo de discurso prprio, sem filtros e intermedirios (2003, p. 139). No
artigo Para reinterpretar a comunicao comunitria 186, a autora foi alm e identificou sete
pilares que mantm a perspectiva comunitria no campo comunicacional. Entre eles est a
comunicao comunitria como produtora de novas formas de linguagem. No que se refere
s questes do cinema e do telejornalismo produzido por jovens nascidos e criados em
favelas, estima-se que funcione como uma nova linguagem audiovisual e, desta forma,
apresente novas mensagens e seja um novo dispositivo de saber e poder.
185
Artigo de Jailson dos Santos, As Unidades Policiais Pacificadoras e os novos desafios para as favelas cariocas. Este
texto tem como referncia o seminrio Aspectos Humanos da Favela Carioca: ontem e hoje, realizado de 19 a 21 de maio
de 2010 pelo Laboratrio de Etnografia Metropolitana - LeMetro/ IFCS-UFRJ e est disponvel em
http://www.observatoriodefavelas.org.br/userfiles/file/Aspectos%20humanos%20das%20favelas%20cariocas.pdf.
186
In O retorno da comunidade - os novos caminhos do social, org. Raquel Paiva, Editora Mauad, 2007.
389
Tendo o conceito de comunidade como base, se tenta fazer uma brevssima reflexo em
torno dos veculos de comunicao produzidos na Rocinha antes e depois da instalao da
UPP, em 13 de novembro de 2011, como era a relao dos moradores com a grande mdia
e o que mudou com a chegada da poltica pacificadora. A partir de entrevistas com
comunicadores locais, jornalistas e estudantes de comunicao que atuam nas comunidades,
buscou-se identificar qual o cenrio atual da comunicao comunitria na maior favela do
Rio de Janeiro.
os
maiores
promotores
FavelaDaRocinha.com, o
de
informao
Viva Favela e o
da
Rocinha.
So
os
sites
Parceiros Do RJ
Em 2008, com a instalao da primeira Unidade de Polcia Pacificadora (UPP) na Favela
Santa Marta, nasceu o projeto Parceiros do RJ, da Rede Globo de Televiso. Essa iniciativa
trouxe para a TV aberta reportagens produzidas por moradores de comunidades do Rio de
Janeiro, ou seja, pelos prprios sujeitos da experincia. O Quadro Parceiros do RJ comea a
despertar interesses a pesquisadores que, como eu, tem o olhar nas produes audiovisuais
das favelas, mas ainda no h um trabalho finalizado sobre ele. Os acadmicos comeam a
estudar esta produo, mas at o momento observa-se o objeto com o foco na produo
jornalstica comunitria inserida na grade local. Em artigo apresentado na Comps 2012,
Becker exps as primeiras anlises de reportagens produzidas para este quadro em 2011 e
suas concluses apontam para a vertente que pensa a comunicao como processo:
391
Na citao respeitei a digitao no texto da autora que est disponvel no site da Comps, mas ao me apropriar da
referncia adaptei a frase, usando a como dita no clipe da Dana do Quadrado, produzido pela equipe do site Kibe
Loco, em2008. Disponvel em http://www.youtube.com/watch?v=Ktgsn_G59os.
188
Mais um trecho do artigo de Jalson dos Santos sobre as UPPS.
189
Trecho de apresentao do Parceiros do RJ na pgina do projeto no site do G1 (http://g1.globo.com/rio-dejaneiro/parceiro-rj/noticia/2011/01/novo-quadro-do-rjtv-tera-16-jovens-contando-realidade-de-onde-moram.html).
392
Refeio de R$ 350,00. Alm disso, as duplas recebiam a cada quinze dias uma verba de
produo de R$250,00.
A dupla da Rocinha, Ceclia Flix Vasconcelos e Marcos Braz, se juntaram ao grupo um
pouco mais tarde, depois de disputar a vaga com outros 180 candidatos. Ceclia cabeleira,
tem 32 anos entrou no projeto com 30 (idade limite) e me de uma filha adolescente de
16 anos. Ela conta que passou por um treinamento intenso e sua primeira dificuldade foi
definir o que seria uma boa pauta. Depois de esperar tanto para falar dos problemas da
favela em que morava, a jovem experimentou a necessidade de se completar com o olhar do
outro, com nos ensinou Bakhtin. No texto O autor e o heri, um fragmento no revisado
da obra de Bakhtin, escrito entre 1920 e 1924 e publicado anos mais tarde em Esttica da
criao verbal (1977), o filsofo apresenta a base do conceito de dialogismo, noo que
servir de pano de fundo para o todo o seu projeto terico. Segundo ele, o ser constitudo
de falta e excesso, precisa do olhar do outro para se ver como um todo.
No posso viver do meu prprio acabamento e do acabamento do acontecimento,
nem agir: para viver preciso ser inacabado, aberto para mim ao menos em todos os
momentos essenciais preciso ainda me antepor axiologicamente a mim mesmo, no
coincidir com a minha existncia presente. (2010, p.11)
Para Bakhtin, a esttica resulta deste acabamento que dado a partir da relao com o outro,
do dilogo. O filsofo se apropria da questo esttica, a literatura, para tratar de uma questo
filosfica profunda que a relao de respondibilidade, isto , o ser, ao mesmo tempo que
pratica uma ao, tem uma responsabilidade da ao. A minha existncia nica e eu no
tenho libi.190 Ceclia sabia da sua respondibilidade e por isso buscou o olhar de fora para
dar o acabamento seu olhar de moradora, nascida e criada na Rocinha.
Ento o que eu fiz, eu trouxe uma pessoa de fora e quando eu comecei a vla falar dos fios: Ceclia isso aqui surreal! Tem um beco ali que coberto de fios.
A eu comecei a entender. realmente eu precisava de um olhar de fora para ver o
que eu no estava enxergando. Eu deixei ela a vontade, dei uma volta com ela at o
alto do morro e trouxe de volta. Eu comecei a ver que certas coisas passavam
despercebidos (sic) pra gente. A gente se acostumou a viver nessa situao e a
que a gente erra, a
gente no pode se acostumar com isso.191
Para Ceclia, a oportunidade de ser Parceiro nica e foi para ela determinante. A
cabelereira viu que o sonho de ser jornalista, abandonado no Ensino Mdio quando um
professor disse que ela no teria conhecimento necessrio para exercer a profisso, estava
latente ainda. Entretanto, mesmo ciente da visibilidade que a emissora de canal aberto
190
A frase foi dita por Ana Paulo Goulart em sala de aula (2011), adaptando o pensamento de Mikhail Bakhtin sobre a sua
filosofia do ato.
191
Ceclia Flix Vasconcelos em entrevista concedida autora em 15 de janeiro de 2013.
393
das
Faculdades
Hlio
Alonso
(FACHA)
fundador
do
site
193
Idem.
Idem.
394
Leandro Lima no tem dvidas de que a favela da Rocinha est otimista com a experincia
profissional na rede Globo. Leandro aposta na liberdade de pauta. Como eles j falaram, a
redao est l para ouvir a gente. Eu adorei quando eles falaram isso. Eles vo influenciar
sim, mas s nas questes tcnicas. Ns vamos influenciar no que vamos apresentar a eles,
comemora o estudante de jornalismo, que diz ter milhes de pautas importantes na cabea.
Como morador da Rocinha ele v prs e contras com a implantao da UPP na favela. Para
ele melhorou o trnsito, a ordem, mas por outro lado est promovendo a invaso do pessoal
do asfalto.
Eu acho que para o pessoal do asfalto ainda est barato vir para c. A pessoa
est saindo de Copacabana, que at um lugar que eu j procurei aluguel, que
R$3.000,00, mais R$800,00 de condomnio, para pagar R$900,00 aqui na Rocinha,
est timo. O que para mim no est. Ento, eu tive que sair e ir para um lugar
totalmente remoto. Eu e minha namorada, que de So Conrado, j tnhamos
encontrado um apartamento quarta e sala bem razovel, que antes da pacificao
deveria estar no mximo R$500,00, me ofereceu por R$900,00. Fechamos e ela
rompeu o contrato porque recebeu uma oferta de bem mais. Pelo menos foi o que
dizem. Eu sei que tem um estrangeiro morando l agora. Mas eu acho que a
consequncia essa mesma. Antigamente a gente no via carro estacionado na rua e
hoje a gente v carro importado. Sabe-se l quem so essas pessoas, se so novos
moradores ou novos empreendedores. uma consequncia muito ruim. 195
395
por essas e outras que o jornalista continua trabalhando como reprter voluntrio no site
FavelaDaRocinha.com.. Em sua reportagem Aps 1 ano ocupado pelo estado, a Rocinha
reclama os mesmos problemas de antes da entrada da UPP198, o jornalista elencou alguns
atos de violncia ocorridos no perodo como, o assalto a loja da Ricardo Eletro, a morte do
presidente da Amabb, Feijo, morte de policiais e moradores e, ainda, a srie de denncias
de roubos s casas da favela. Ele tambm destacou a inaugurao da Fbrica Verde e do
C4/Biblioteca Parque da Rocinha. Mas a maior parte de seu texto destinada aos
depoimentos de outros comunicadores e agentes culturais da favela sobre um ano de
ocupao. O jornalista Flvio comemora a liberdade do ir e vir da imprensa, seja ela
grande ou comunitria, mas no entende a presena da Unidade de Polcia Pacificadora
(UPP) como simples agentes de pacificao e sim agentes de uma ocupao promovida pelo
Governo do Estado, que como tal deve assumir a responsabilidade pela promoo de direitos
bsicos da populao rocinhense, termo usado segundo o jornalista pelo promotor de
cultura da Rocinha, Tio Lino.
Concluso
196
396
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399
A estratgica
segregao dos pobres sempre foi justificada pelos falaciosos argumentos de progresso e at
de justia social. No entanto, adverte Davis (2006, p.107), a segregao urbana no um
status quo inaltervel, mas sim uma guerra social incessante do Estado para redesenhar as
fronteiras espaciais em prol dos endinheirados, como os proprietrios de terrenos,
investidores estrangeiros e a elite. De acordo com Raquel Paiva e Muniz Sodr (2004), tal
reorganizao, que visa especulao imobiliria e explorao econmica, traz consigo
argumentos culturalistas, a busca de um passado idealizado, qualificado como
199
Renata da Silva Souza doutoranda do Programa de Ps-Graduao da Escola de Comunicao da Universidade Federal
do Rio de Janeiro e desenvolve sua pesquisa na linha de Mdia e Mediaes Sociais. Jornalista e publicitria formada pela
PUC-Rio, entre 2001 e 2012, atuou no jornal comunitrio O Cidado, do Complexo da Mar. Entre 2007 e 2013,
trabalhou como assessora de comunicao parlamentar na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Atualmente, trabalha
como editora do portal de notcias Viva favela.
400
gentrificao (2004, p. 89). Desse modo, o destino do pobre o gueto ou a priso, j que
este se qualifica como o refugo do jogo, como classificou Bauman (1998, p.57).
Antes de aprofundarmos a anlise sobre a cidade do Rio de Janeiro e suas comunidades,
cabe verificar brevemente o contexto global em que as favelas so forjadas. Portanto,
necessrio questionar: A favela um projeto de cidade, de sociedade, de mundo?
A pobreza e a riqueza so peas de um jogo de interesses estabelecidos a partir da relao
interna e externa de pases, o que se configura atualmente como uma geopoltica baseada no
neoliberalismo globalizado. Segundo Mike Davis (2006, p.28), acordos financeiros com o
Fundo Monetrio Internacional (FMI) e o Banco Mundial so fatores sine qua non para a
produo e reproduo generalizada da pobreza em escala planetria. Uma das estratgias
mais eficazes para o agravamento do empobrecimento mundial est na tendncia, iniciada na
dcada de 1980, desindustrializao em cidades do Hemisfrio Sul. Sem falar na expanso
da urbanizao desligada da industrializao, algo intrnseco ao capitalismo do silcio, que
desvincula produo e emprego. No entanto, Davis alerta que na frica, na Amrica Latina,
no Oriente Mdio e no sul da sia, a conjuntura poltica global a me da urbanizao sem
crescimento e no a evoluo da tecnologia, j que houve a crise mundial da dvida externa,
ocorrida no fim dos anos 70, e a reestruturao das economias do Terceiro Mundo sob a
liderana do FMI, na dcada de 80 (DAVIS, 2006).
O FMI e o Banco Mundial, ao impor polticas de desregulamentao agrcola e financeira,
desestabilizaram a modernizao do campo o que possibilitou o xodo rural para as
favelas urbanas, mesmo que as cidades no se qualificassem como geradoras de empregos.
Desse modo, com a economia estagnada e sem investimentos em infraestrutura, o que
provocou o enfraquecimento dos servios educacionais e de sade, as cidades
completamente inchadas colheram o fruto da crise agrria mundial. A superurbanizao
qualificada pela reproduo da pobreza e no pela garantia de emprego. Esse o
direcionamento encampado pela ordem mundial neoliberal. Assim, as Metas de
Desenvolvimento do Milnio para a frica, divulgadas na reunio anual do FMI e do Banco
Mundial, em 2004, previstas para o ano de 2015, no sero cumpridas por geraes: A
frica subsaariana s obter educao primria universal em 2130, uma reduo de 50% da
pobreza em 2150 e a eliminao da mortalidade infantil evitvel em 2165. Em 2015, a
frica negra ter 332 milhes de favelados, nmero que continuar a dobrar a cada 15 anos
(BROWN apud DAVIS, 2006, p. 28).
Na Amrica Latina, segundo Davis, surgiram obstculos migrao urbana j que houve
uma verdadeira guerra ocupao ilegal, liderada por autoridades e classes mdias
urbanas. preciso destacar que h uma dimenso racial nessa ojeriza aos novos imigrantes
urbanos, em sua maioria, indgenas ou descendentes de escravos. No entanto, apenas nos
401
que ao retornarem da guerra sem senhor no tinham onde ficar ou se manter. Desse modo,
um acampamento provisrio foi erguido nas intermediaes do Ministrio da Guerra o que
gerou a ocupao desordenada dos cortios e das encostas da rea central da cidade. O
surgimento da favela como opo de moradia no resultado de um processo, ou seja,
consequncia de fatos isolados, e a Guerra do Paraguai um deles (CAMPOS, 2011, p.
57).
A segunda verso d conta da Guerra de Canudos (1897), revolta liderada por Antnio
Conselheiro, que deslocou numerosas tropas para o interior do Bahia. poca, a escravido
j era extinta e a alforria perdera sua funo social, no havia emprego para os retornados de
Canudos que foram autorizados a ocupar provisoriamente os morros da Providncia e de
Santo Antnio. Assim, alerta Andrelino Campos, a favela seria o nico lugar possvel de
alojamento para esse grupo de pessoas. Em outras palavras, diramos que a ocupao da
favela no resultado de um processo, mas de ao pontuada no territrio (Idem, p. 59).
A ltima verso professa, em um contexto crescente de concesses de alforrias, entre 1870 e
1880, liberando trabalhadores ex-escravos para a cidade do Rio de Janeiro, a crescente
ideologia higienista das elites. neste momento que, em janeiro de 1893, o emblemtico
cortio Cabea de Porco foi posto abaixo. A partir da, outros cortios foram destrudos e a
populao foi se deslocando em direo s encostas da rea central da cidade, onde as
oportunidades de se conseguir um emprego eram maiores.
Desde a reforma de Pereira Passos (1902-1906) - na qual o prefeito executou um engenhoso
projeto de expulso dos pobres do centro da cidade, arrancando todo o arcabouo histrico,
poltico e social construdo por mais de 20 mil negros e pobres em seus casebres e cabeasde-porco -, at os dias de hoje, em que prevalecem as polticas de choque de ordem e do
caveiro (como conhecido o veculo blindado utilizado pela Polcia Militar, a ideia
historicamente a mesma: manter os pobres ordeiramente afastados, segregados, ou pelo
menos escondidos, dos olhos da elite da cidade.
H a necessidade de se criar uma sensao de segurana e de progresso para a elite abastada.
neste contexto que a mdia tem um papel fundamental e estratgico para a manuteno e
perpetuao dos poderes estabelecidos. Nesse sentido, o poder pblico lana mo de
diversas estratgias para utilizar e responsabilizar a favela como o verdadeiro bode
expiatrio dos principais problemas da cidade. O discurso oficial, angariado por prconceitos, pr-juzos e esteretipos que beiram a um nazismo formalizado, se encarregar do
papel de impor cidade um medo generalizado para legitimar suas polticas e aes para a
ento ex-favela.
Segregar Para Embelezar, Omitir Para No Cuidar
403
A segregao dos pobres e negros, uma prtica corrente do poder e da ordem estabelecidos,
sempre orientou os projetos de modernizao excludente. Possibilitou-se aos ricos o espao
territorial com um modelo de vida europeu, hoje americanizado, vide Barra da Tijuca, no
Rio; e Alphaville, em So Paulo, enquanto aos pobres destinado o local desprovido de
servios bsicos de responsabilidade do Estado. Tal prtica foi to eficaz que estudiosos, j
no fim do sculo XX, diagnosticaram que a desigualdade social tem uma raiz profunda no
que tange ao local de habitao. A segregao espacial o fio condutor da pobreza e da
disparidade econmica, social e cultural.
Neste contexto, outra grande modificao espacial foi encampada pela Unio ao abrir a
Avenida Central: a construo exigiu a demolio de mais de trs mil casas, agravando a
crise habitacional existente no perodo. Cabe observar que o Estado no cumpriu com o seu
papel, no se deu ao trabalho de construir casas populares, apenas se limitou a fazer
concesses iniciativa privada que, por sua vez, priorizou a construo de um nmero
nfimo de vilas operrias prximas a algumas fbricas.
O papel minimalista do Estado no quesito habitao identificado por Mike Davis como
parte da estratgia da ortodoxia econmica neoliberal definida pelo FMI e pelo Banco
Mundial. Isto porque, os Planos de Ajuste Estrutural (PAEs) impostos s naes
endividadas no final dos anos 1970 e na dcada de 1980 exigiram a reduo de programas
governamentais e, muitas vezes, a privatizao do mercado habitacional (DAVIS, 2006.,
p.71). Portanto, o Estado abriu mo de viabilizar polticas pblicas habitacionais que
pudessem
frear
alastramento
de
favelas
evitar
marginalidade
urbana.
Internacionalmente, tal fato gerou reflexos que fizeram o FMI atuar como policial mau e o
Banco Mundial como policial bom no espetculo encenado contra a favela:
404
embelezamento. Desde os anos 60, o culturalismo utilizado como ideologia e tcnica das
estratgias de revitalizao urbana. Por essa tica, cultura entendida como possibilidade de
construo de consenso e coeso social. Todo memorialismo arquitetnico ou arqueolgico
se insere neste quadro ideolgico. A argumentao culturalista que costuma justificar esse
tipo de operao (...) orienta-se para reelaborao de um mito de origem compatvel com o
turismo e com a especulao imobiliria (SODR & PAIVA, 2004, p.85).
Ao priorizar os interesses do capital, financeiro e comercial, os pobres, negros, escravos
libertos e imigrantes foram obrigados a ocupar os espaos que ainda no eram submetidos
aos interesses da propriedade privada e da especulao imobiliria, como as encostas de
morros. Com o objetivo de banir a favela ou ao menos interromper a sua expanso, em 1948,
meio sculo depois do surgimento do Morro da Favella, o Departamento de Geografia e
Estatstica do Distrito Federal, a pedido do ento prefeito do Rio, General ngelo Mendes
de Moraes, realizou um Censo das Favelas. O censo registrou 105 ncleos e a populao
foi estimada em 138.837 habitantes para 34.567 habitaes, uma mdia de 4,01 habitantes
por moradia (VALLADARES, apud MACDO, 2010, p.35).
Entre 1940 e 1960 foi diagnosticado um aumento expressivo do nmero de favelas. O
crescimento da populao favelada, em 1950, era superior ao crescimento dos moradores do
municpio. J na dcada de 1960, correspondiam a 10% da populao e 13% em 1970,
chegando a 14% na dcada de 1980. Interessante notar que, desde os primeiros
levantamentos relativos aos habitantes das favelas, os dados eram tratados separadamente
dos dados dos habitantes da cidade, como se aqueles no fizessem parte desta (MACDO,
2010, p.37).
Cabe afirmar que h consenso entre os estudiosos que a ascenso da favela e tudo o que ela
representa est intimamente ligado s reformas urbanas, ao adensamento da populao negra
nos morros e segregao scio-espacial encampada pelos governos e a elite carioca.
poca, as favelas eram alvos de ojeriza pela mdia, obviamente capitaneada pela elite local.
Tanto que o Morro da Favella, conhecido atualmente como morro da Providncia, foi
classificado pelo jornal Correio da Manh, de 4 de janeiro de 1902, como uma vergonha
para uma capital civilizada. O mesmo peridico, em 17 de setembro de 1902, tratou a
favela como o perigoso stio, que a voz popular denominou morro da Favela. Em sntese:
pelo menos h 100 anos a favela vista pela grande imprensa e pelos rgos pblicos, em
geral, como o mais forte smbolo dos contrastes da cidade do Rio de Janeiro, sendo
405
406
Portanto, ser jovem, pobre e negro se configura em uma pr-condio para ser apresentado
socialmente como um criminoso. Tal fato expresso nas manchetes de jornais e telejornais
da mdia comercial brasileira com frequncia. Quando h um crime praticado por um pobre,
negro em sua maioria, o rosto exibido como trofu s cmeras pelos policias. Porm, se o
criminoso pertence elite, seu rosto ocultado, numa prova cabal de que a mdia est a
servio das classes mais abastadas na criminalizao da pobreza. certo que a maioria das
favelas de hoje, especialmente as do Rio de Janeiro, dominada por faces criminosas que
fazem uso de fora bruta e blica para usufrurem das mordomias e do status propiciados
pela obteno de capital. No entanto, diversos especialistas em segurana pblica, como o
deputado estadual Marcelo Freixo, garantem que, nas favelas, menos de 1% da populao
tem alguma relao com os grupos armados. O curioso que, ao criminalizar o morador da
favela, legitima-se a prtica do poder pblico de transformar a favela em territrio do
inimigo.
Tal situao pode ser ilustrada por uma entrevista concedida pelo governador do Rio de
Janeiro, Srgio Cabral, no dia 22 de outubro de 2007, ao G1200, site de notcias das
Organizaes Globo. Ao comentar os benefcios da legalizao do aborto, Cabral afirmou
que seria um meio de diminuir a criminalidade: Voc pega o nmero de filhos por me na
Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Mier e Copacabana (bairros brancos de classe mdia),
padro sueco. Agora, pega na Rocinha (uma das maiores favelas do Brasil, localizada na
zona sul do Rio), padro Zmbia, Gabo. Isso uma fbrica de produzir marginal. Essa
mesma ideia foi reproduzida pelo secretrio de Segurana Pblica do Rio de Janeiro, Jos
Mariano Beltrame, em palestra organizada pelo jornal Extra, em julho de 2008: (O Rio
vive) uma cultura (da violncia) que o marginal traz do ventre da sua me.
A repetio desse discurso faz com que a opinio dita pblica absorva e tome como verdade
absoluta tal preconceito, j que o juzo foi decretado pelo representante legal do Estado. A
favela, considerada o lugar da falta, da precariedade, da misria e da violncia, segue como
o grande bode expiatrio dos mais diversos problemas vividos pela cidade. Atribui-se ao
pobre toda a responsabilidade sobre a violncia, a desordem e o atraso scio-econmico do
Rio de Janeiro.
A mdia comercial do Estado do Rio, monopolizada por corporaes familiares desde a
ditadura militar, durante muito tempo foi utilizada como ferramenta da elite carioca para a
perpetuao do consenso pretendido pelos prprios governantes. Com o discurso j corrente
no senso comum, fica previamente legitimada toda ao ou poltica de segurana pblica do
Estado que promova e intensifique a criminalizao da pobreza. A mdia tem o poder de
200
407
agendar e direcionar a maneira com que os assuntos sero debatidos na sociedade a partir da
cobertura que faz sobre determinado tema.
Os jornais sensacionalistas, classificados em sua maioria como populares, exercem um papel
significativo nesse contexto. Quem no se lembra do dito popular que sintetiza o contedo
desses jornais: se torcer sai sangue? Com uma abordagem sanguinolenta e espetacular da
violncia e da segurana na cidade, a concluso rpida e perceptvel, aps sua leitura, a de
que para extirpar a violncia e a criminalidade, basta acabar com as favelas.
O Centro de Estudos de Segurana e Cidadania (Cesec) realizou uma pesquisa com oito
jornais em circulao no Rio de Janeiro, em 2006, e diagnosticou que estes vm
crescentemente abandonando os recursos mais ostensivos de apelao e sensacionalismo na
abordagem sobre segurana pblica. No entanto, nas concluses e sugestes reveladas pelo
estudo h um alerta: A despeito dos avanos evidentes ocorridos nos ltimos anos,
predomina no dia-a-dia da cobertura um tratamento superficial, que revela um investimento
ainda pequeno das redaes em retratar o setor com a importncia que ele tem (RAMOS &
PAIVA, 2007, p. 25). A pesquisa ainda conclui que existe uma forte incoerncia na prpria
mdia que, apesar de denunciar o agravamento da crise de segurana no pas, abdica de seu
papel de protagonista no debate pblico sobre o tema.
408
J no a primeira vez que o poder pblico tenta esconder o nmero de favelas com esse
tipo de estratgia. Desde o incio da dcada de 90, Complexo do Alemo, Rocinha,
Jacarezinho e Mar so classificadas oficialmente como bairros, segundo o Plano Diretor do
Rio de Janeiro. A qualificao to genrica que qualquer local pode ser considerado bairro.
No referido documento, os bairros so definidos como pores do territrio que renem
pessoas que utilizam os mesmos equipamentos comunitrios, dentro dos limites
reconhecidos pela mesma denominao (Plano diretor decenal da cidade do Rio de Janeiro,
1992, Art. 42, apud CENSO MAR).
Desse modo, a crtica apresentada pelo Censo Mar diz respeito s representaes
hegemnicas das favelas que nega as condies histricas da realidade social. O argumento
o de que, no imaginrio social sobre os espaos favelados, h uma crise de representao,
j que incide distores entre a realidade e a imagem hegemnica que se tem. A percepo
dominante que se tem da favela no traduz a riqueza dos elementos materiais que lhe do
significados. (...) Os pr-conceitos e pr-juzos generalizantes passam a se impor como
leitura dos espaos populares (Idem, 2000, p.25). Para a superao dos evidentes limites
presentes nas condies de vida dos grupos sociais populares, o Censo Mar prope a
extino da hegemonia das referncias sociocntricas. Isso pode ser feito via criao de
mecanismos de diagnstico e definio de aes que levem em conta as estratgias sociais
construdas pelos diversos grupos sociais populares (Ibdem, 2000, p.29).
Assim, oficialmente, para fins de dados estatsticos, as favelas vo deixando de existir e as
comunidades urbanizadas tomam seus espaos na disputa entre as noes de favela,
sinnimo de desorganizao, violncia, sujeira, e comunidade urbanizada, sinnimo de
organizao, progresso e desenvolvimento. bvio que a ttica a de omitir a existncia de
favelas s vsperas dos megaeventos esportivos que o Rio de Janeiro sediar - Copa do
Mundo, em 2014; e Jogos Olmpicos, em 2016. para ingls no ver. As favelas que no
foram removidas para dar lugar aos equipamentos dos jogos, esto sendo cercadas, desde
2010, com muros, que os governos garantem que so acsticos e servem para proteger os
moradores da poluio sonora das vias rodovirias. A ideia cercar as favelas que se
encontram ao redor das principais vias da cidade. Eis concretamente o apartheid social
carioca, similar ao ocorrido durante a comemorao da Independncia da Nigria, em 1960,
quando o governo murou a estrada que levava at o aeroporto para que a princesa
Alexandra, representante da rainha Elizabeth, no visse as favelas de Lagos (DAVIS, 2006).
O Complexo da Mar, por exemplo, tambm j foi murado, pois margeia a Linha Vermelha,
via que leva ao Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro.
409
410
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