Edgar Morin - Resenha - Introdução Ao Pensamento Complexo
Edgar Morin - Resenha - Introdução Ao Pensamento Complexo
Edgar Morin - Resenha - Introdução Ao Pensamento Complexo
ao pensamento complexo
Morin, Edgar (1990). Lisboa: Instituto Piaget. 2 ed., 177 p. ISBN: 972-8245-823.
Do original Introduction la pense complexe, Paris: ESF diteur, 1990.
Doutor,
Edgar Nahoun (1921 - ), que j em 1942 resolve substituir o sobrenome Nahum por
Morin1, um dos principais filsofos contemporneos franceses. Coincidncia ou no, sua
trajetria intelectual no se pautou pela verticalizao de um conhecimento especfico e
formal, obtido nos bancos universitrios2. Tal fato torna difcil, ou em suas palavras,
complexa a tentativa de enquadr-lo dentro de alguma rea especfica. Entretanto, entre seus
vrios escritos, livros e ensaios, sua trajetria pode ser caracterizada by a concern for
knowledge that is neither hampered nor pigeonholed, capable of grasping the complexity of
reality, of observing the singular while placing it within the whole 3. Sua trajetria
acadmica, por assim dizer, culminou no Centro Nacional de Pesquisa Cientfica CNRS,
onde pesquisador emrito, alm de ser agraciado e homenageado por vrias outras
universidades do mundo4.
Os vrios livros escritos por Morin refletem sua preocupao com temas relacionados
complexidade das questes scio-antropolgicas e polticas da humanidade, aos problemas
ticos e s implicaes decorrentes do atual curso que as cincias trilharam. O livro
Introduo ao pensamento complexo, constitudo por um agrupamento de diversos textos,
uma introduo problemtica da complexidade, no qual procura explicar as idias
desenvolvidas nos trs primeiros volumes de La Mthode O mtodo (La nature de la nature,
1977 A natureza da natureza, 1997; La Vie de la Vie, 1980 A vida da vida, 1987 e
1 Devido a seu crescente envolvimento em atividades subversivas. Disponvel em: http://edgarmorin.sescsp.org.br. Acesso
em: 11 de julho de 2003.
2 Ibid, uma vez que forado a interromper seus exames na Universidade de Paris (Sorbonne) quando a Frana invadida
pelo exrcito de Hitler, em 1942.
3 por um interesse pelo conhecimento que no enganoso nem estancado, capaz de agarrar a complexidade da realidade, de
observar o singular enquanto coloc-lo dentro do todo. Bibliographic milestones. Disponvel em:
<http://www.britannica.com>. Acesso em: 11 de julho de 2003.
4 Professor Honoris causa pelas Universidades de: Natal - Rio Grande do Norte e Joo Pessoa - Paraba (1999); Catlica de
Porto Alegre - Rio Grande do Sul (2001); Milano - Itlia e Tecnolgica de La Paz Bolvia (2001); Consenza - Itlia (2002)
e, recentemente pela Universidade Candido Mendes - Rio de Janeiro (2003).
5 Alm desse, sugerimos tambm ao leitor o Livro Science avec Conscience (1982) - Cincia com Conscincia (1996), que
reserva toda a segunda parte do mesmo exposio dos principais conceitos do pensamento complexo.
que a soma das partes (p. 124), e isto representa uma dificuldade para o nosso entendimento
e para a estrutura mental que estamos acostumados a ter.
Morin extrai tambm trs tipos de causalidades que permeiam todos os nveis de
organizao complexos, no s o da empresa, como da sociedade em geral. Os princpios so
extrados do enunciado: quem produz as coisas ao mesmo tempo autoproduz-se; o prprio
produtor o seu prprio produto (p. 125). A primeira a causalidade linear: a que
tradicionalmente conhecemos, se aplicarmos um dado processo sobre um certo insumo
(input), obtm-se um determinado resultado (output), causa efeito; a segunda uma
causalidade circular retroativa: menos conhecida, o efeito que os resultados causam e que
normalmente retornam nos insumos de maneira a alterar novos resultados (exemplo: os
resultados da boa ou m venda podem retroagir para estimular ou fazer retroceder a produo
de produtos e servios na empresa); a terceira a causalidade recursiva: essa caracterizada
pela dificuldade de se dizer quem causa e quem efeito, insumos e resultados so
necessrios ao processo que os gera.9
No sexto e ltimo captulo Epistemologia da complexidade Morin procura atravs
das revises das crticas e de seus prprios escritos, ao longo dos anos, esclarecer melhor
alguns pontos de controvrsia. Entre essas, esto, por exemplo, a viso de que Morin tem a
pretenso de ser sinttico, sistemtico, global, integrativo, unificante e afirmativo e
suficiente (p. 139), como tambm na direo diametralmente oposta outros vem em mim
uma espcie de apologista da desordem, algum que, neste sentido, se deixa invadir pela
desordem e que finalmente dissolve qualquer objetividade no seio da subjetividade(p. 141).
Porm a crtica mais profunda10 a Morin diz respeito ao seu modo de compartilhar e de
estruturar, de discutir seus prprios pensamentos, ou seja, ao fim ao cabo, na organizao
dos elementos de conhecimento (p. 142).
Alm disso, Morin discute outros aspectos mais ligados a dar forma a seu pensamento
complexo, a evidenciar os limites da cincia atual e mostrar os desafios na scienza nuova.
Morin reflete sobre os conceitos de informao, rudo e conhecimento, e mostra como eles
esto intimamente ligados complexidade. Comenta sobre a forma departamentalizada da
cincia, usando como exemplo, a filosofia, a sociedade e a psicologia em relao cincia.
Encerra de forma humilde, a discorrer sobre seus limites e ao seu modo de escrita, que traz a
complexidade subjetiva de seu ser para dentro de sua cincia um autor que no se esconde
e tambm afirma, que a tambm h razo, que ele racional, porm que parte da idia que a
razo evolutiva e que a razo traz em seu bojo seu pior inimigo: a racionalizao, que
corre o risco de a sufocar (p. 171).
Passemos agora ao captulo 3 O paradigma da complexidade no qual centraremos
esforos em descrever o paradigma da simplicidade e, por conseguinte, o mtodo de
Descartes; as relaes ordem/desordem; a auto-organizao, autonomia e o sujeito; as
diferenas entre complexidade e completude e entre razo, racionalidade e racionalizao. Por
fim, descreveremos as diretrizes metodolgicas elaboradas por Morin para uma abordagem da
complexidade, resumidas em trs princpios ou macro-conceitos: dialgico, recurso
organizacional e hologrfico. Terminamos com a reflexo de Morin sobre a emergncia ou
no desse paradigma.
Como destaca Morin, a complexidade no estava de todo esquecida. Enquanto a cincia
do sculo XIX, motivada pelos estudos de cientistas como Descartes, Newton e Laplace,
busca eliminar o que individual e singular, para s reter leis gerais e identidades simples e
9 Neste captulo Morin tambm re-discute o conceito de auto-organizao e auto-eco-organizao.
10 Alguns crticos tambm fazem aluso ao jogo de palavras de Morin, por exemplo: os limites da conscincia e a
conscincia dos limites (p. 170), contudo Morin se defende dizendo que isso tambm traz tona a circularidade, a
recursividade do pensamento que busca mostrar, em suas palavras o efeito que retroage sobre a causa e o produto que
volta sobre o produtor (p. 170).
fechadas (p. 83), nesta mesma poca era possvel encontrar, como afirma Morin, a
complexidade onde ela parece em geral ausente como, por exemplo, na vida cotidiana,
retratada pelos romances de Balzac, Dickens, Jean-Jacques Rousseau, Chateaubriand e
Dostoievski. Contudo, a cincia andava na contra-mo, e seu objetivo era (e talvez ainda seja)
conceber um universo que fosse uma mquina determinstica perfeita (p. 85). Essa ambio
bem retratada ao se verificar os quatros princpios metodolgicos de Descartes, em seu
Discurso do Mtodo11 (2001):
o primeiro era o de nunca aceitar algo como verdadeiro que eu no conhecesse claramente
como tal, ou seja, de evitar cuidadosamente a precipitao e a preveno, e de nada fazer
constar de meus juzos que no se apresentasse to clara e distintamente a meu esprito que
eu no tivesse motivo algum de duvidar dele;
o segundo, o de repartir cada uma das dificuldades que eu analisasse em tantas parcelas quantas
fossem possveis e necessrias a fim de melhor solucion-las;
o terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e
mais fceis de conhecer, para elevar-me, pouco a pouco, como galgando degraus, at o
conhecimento dos mais compostos, e presumindo at mesmo uma ordem entre os que no se
precedem naturalmente uns aos outros;
e o ltimo, o de efetuar em toda parte relaes metdicas to completas e revises to gerais
nas quais eu tivesse a certeza de nada omitir.
Esses princpios refletem exatamente o que Morin (p. 86) chama de paradigma da
simplicidade, que pe ordem no universo e expulsa dele a desordem. Morin resume esses
princpios pelas palavras disjuno separa o que est ligado, na busca das idias claras e
distintas e reduo coordenando-as em uma construo que recria o complexo a partir do
simples. O Autor fornece como exemplo o ser humano. Esse tanto biolgico quanto cultural,
porm o paradigma da simplicidade obriga-nos a separar estas duas dimenses (cincias
biolgicas e cincias humanas) disjuno. A nica possibilidade de unificao admitir que
a dimenso social se reduz a fenmenos biolgicos reduo.
Entretanto, os cientistas do incio do sculo XX comearam a se defrontar com
evidncias que no eram mais inteligveis atravs do paradigma da simplicidade. J no era
mais possvel entender o universo apenas como ordem. Morin cita o paradoxo que emergiu,
nesse mesmo sculo, sobre a reflexo sobre o universo. Ao mesmo tempo em que o mundo
fsico o universo caminha para a desordem (2 principio da termodinmica entropia), h
um princpio de organizao, que faz com que os seres vivos se complexifiquem e se
desenvolvam (evoluo). A principio, pensava-se que se tratava de uma diferena entre a
organizao viva e a organizao fsica. A primeira, baseada em uma matria muito mais
nobre (p. 89), tende para o desenvolvimento, enquanto que a segunda para a degradao.
Tal argumento no teve sustentao. Por um lado, as descobertas mostravam que a
organizao do universo vinha da no-organizao, de uma desintegrao big-bang ,e que
ao desintegrar-se, que se organizou. Por outro lado, perceberam tambm que a organizao
11 Verso para eBook, ed. Acrpolis, (trad.) Enrico Convisieri. Disponvel em: http://br.egroups.com/group/acropolis/.
Acesso em: 11 de julho de 2003.
viva era um progresso que se paga com a morte dos indivduos. Morin (p. 89) diz h muito
mais espcies que desapareceram desde a origem da vida que espcies que sobreviveram
Dessa forma, uma certa percepo veio tona: que a ordem e a desordem, sempre inimigas,
cooperam de uma certa maneira para organizar o universo (p. 89). Alm desses, Morin
utiliza tambm o exemplo dos redemoinhos de Bernard 12, mostrando que a ordem
(redemoinho) pode nascer a partir de um processo que produz desordem (turbulncia). Assim
Morin (p. 92) afirma que,
a complexidade da relao ordem/desordem/organizao surge quando se verifica
empiricamente que fenmenos desordenados so necessrios, em certas condies, em
certos casos, para a produo de fenmenos organizados, que contribuem para o aumento
da ordem.
14 Experincia na qual submete-se um indivduo a uma dupla sugesto hipntica. Dizendo-lhe: a partir de amanh, ides
deixar de fumar e Amanh seguireis tal itinerrio para vos dirigirdes ao vosso trabalho, em um momento em que o
indivduo fumante e no tem inteno de deixar de ser. Depois lhe apagam da memria tais sugestes e na manh seguinte,
o indivduo acorda e diz para si: Olha, vou deixar de fumar [...] e para compensar, vou passar por tal rua, h l uma
padaria, e comprarei um bolo (p. 98).
O que disse, da ordem e da desordem, pode ser concebido em termos dialgicos. A ordem
e a desordem so dois inimigos: uma suprime a outra, mas ao mesmo tempo, em certos
casos, colaboram e produzem organizao e complexidade. O princpio dialgico
permite-nos manter a dualidade no seio da unidade. Associa dois termos ao mesmo tempo
complementares e antagnicos.
[...] eu no posso tirar, nem pretendo tirar do meu bolso um paradigma da complexidade.
Um paradigma [...] no fundo, o produto de todo um desenvolvimento cultural, histrico
e civilizacional. O paradigma da complexidade surgir do conjunto de novas concepes,
de novas vises, de novas descobertas e de novas reflexes que vo conciliar-se e juntarse.