A Mulher (Trans) Formada Na Ficção de Fernanda Young
A Mulher (Trans) Formada Na Ficção de Fernanda Young
A Mulher (Trans) Formada Na Ficção de Fernanda Young
CATALO (GO)
2014
CATALO
2014
AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
This research is grounded in the persperctive of the body, the eroticism and female identity
are elements visibly associated with literature. Specifically, in Western context, the female
image has always been associated with beauty, grace, youth of a perfect and sexy body which
does not allow defects or variations. In contemporary times the body cult especially, the
female has become a fashion requirement that guided by midia ordains a pattern of body
aesthetics based on thinness for women to follow in order to attend a consumer market each
increasingly demanding. It is considered that the individual is materialized by the body and
his identity that is formed from habits, customs, tradition, value and belief of a people, a
society in relation to itself. From the experience and individual contact with these values it
happens his identity formation. We propose to realize a body study, eroticism and identity
into A sombra das asas (1997) by contemporary writer Fernanda Young from Rio de Janeiro,
because it contains favorable elements to this discussion. In this novel, the protagonist does
not mold within the aesthetic standards dictated by current fashion, that leads her to resort to
plastic surgery innovations to transform her body to the required model by contemporary
standards in order to perform a vengeance causing herself an identity crisis. To do so, we
search on David Le Breton (2003); Denise Bernuzzi de SantAnna (2001); Gilles Lipovestsky
(2004); Stuart Hall (2004); Georges Vigarello (2006) e Joana Vilhena de Novaes (2013).
These ones and other authors were also researched to discussion.
SUMRIO
INTRODUO
09
19
2.1
19
2.2
29
2.3
33
48
3.1
48
50
3.2
54
3.3
59
3.4
67
3.5
74
80
4.1
80
4.2
89
4.3
97
CONSIDERAES FINAIS
110
REFERNCIAS
113
ANEXO
119
10
1 INTRODUO
11
Os padres de beleza atuais pedem formas perfeitas no somente para o corpo, mas incluem
tambm a perfeio para o rosto. Como consequncia, ocorrem mudanas na maneira de ser e
de viver daquelas que aderem s exigncias da ditadura da moda.
Acredita-se que, ao plastificar a beleza, tenta-se o quanto possvel afastar o
envelhecimento, marca da finitude e ameaa constante do ser humano. Movidas por uma
cultura miditica de padres estticos, as mulheres procuram adequar seus corpos ao modelo
do corpo magro, belo e sensual, que adquirido pelas transformaes causadas pela cirurgia
plstica, como resultado de mudana na esttica corporal feminina. Transformaes estticas
essas que causam profundas mudanas no corpo e tambm na identidade.
Nessa linha de raciocnio, propomos realizar um estudo do corpo, da esttica
corporal feminina, do erotismo e da identidade na era contempornea, a partir do romance A
sombra das vossas asas (1997), da escritora carioca contempornea Fernanda Young. Nesse
romance, a protagonista no se enquadra nos padres estticos ditados pela moda atual, o que
desencadeia uma identidade em crise.
Antes de adentramos na anlise desse romance, aproveitamos para uma
justificativa do ttulo desta obra ser A sombra das vossas asas: uma frase bblica, retirada do
livro dos Salmos de Davi. Refere-se ao Salmo 62, cujo ttulo Salmo de Davi quando se
achava no deserto de Jud. A frase a sombra das vossas asas encontra-se no versculo 8. A
diferena do ttulo do livro para a frase bblica est na falta da crase para o artigo, como nica
diferenciao. Ao abrirmos este romance, na primeira pgina, l-se os versculos 7 e 8 deste
Salmo:
Uma das possibilidades de leitura seria que a escritora pede proteo a Deus para
realizar esta obra, uma vez que asas, no sentido religioso do salmo, significam proteo,
amparo, que vem de Deus Pai. No enredo, a protagonista, ao perder o pai, seu protetor, busca
amparo e proteo no fotgrafo, um homem bem mais velho e realizado na vida, que dever
ser aquele que a ampara e protege, no como pai, mas como amante e marido.
Para a realizao desta pesquisa, partimos em busca de fontes a respeito da
literatura de Fernanda Young, na tentativa de localizar os textos crticos ou acadmicos que
abordassem a obra da autora. Nesse sentido, pouca referncia foi encontrada. Tambm
12
13
fundamentao em textos crticos que pontuam essa questo, para que compreendamos como
se desenvolveu seu discurso literrio ante uma dominao maciamente masculina,
obedecendo aos ditames do modelo patriarcal at chegarmos aos nossos dias.
Uma vez realizada essa contextualizao, e ao nos posicionarmos a par de como
se deu esse discurso e seu desenvolvimento na histria, transitando por sculos de dominao
e silenciamentos, adentraremos no discurso literrio feminino da contemporaneidade. Essa
discusso ser retomada no ltimo captulo dessa dissertao, quando apresentaremos suas
caractersticas e o estabelecimento do cnone.
A nfase ser particularmente para o discurso literrio da escritora carioca
Fernanda Young, cuja produo escrita se volta para as questes da corporeidade feminina.
Essa ateno ao corpo pauta-se nas condies que a atualidade permite, de modo particular,
mulher, de maiores cuidados para com a esttica corporal, por contar com os mais modernos
recursos que a tecnologia desenvolve nos setores da medicina esttica representada pela
cirurgia plstica da cosmetologia e demais setores destinados beleza da mulher.
O romance A sombra das vossas asas (1997), narrado na contemporaneidade,
conta a histria de um casal que o destino une pela lente de uma cmera fotogrfica e o sonho
de uma adolescente em tornar-se top model. Rigel, ainda menino, teve sua carreira traada a
partir do momento em que ganha uma cmera Kodak de plstico como presente de Natal. Da
em diante vieram outras cmeras profissionais que lhe abriram o universo da moda, com
fotos, revistas, livros e exposies, para marcar sua carreira de fotgrafo bem sucedido,
realizado e feliz. Carina comeou a traar seu destino quando Chaim, seu pai, morreu.
Desejosa de atingir as passarelas do mundo da moda, na carreira de top model, v seus sonhos
se desmoronarem ao descobrir que no tem o padro esttico corporal adequado para uma
modelo. Decide vingar-se do fotgrafo, transformando-se numa mulher perfeita para ele, e
assim pretende destru-lo.
Convm ressaltar que o romance A sombra das vossas asas (1997) o segundo
romance da escritora Fernanda Young. Ele trata especificamente do corpo. Aliados a esse
tema, o enredo trata das questes estticas do corpo e, em consequncia, sua erotizao. A
valorizao do corpo e sua manipulao para atingir o padro ideal de perfeio corporal,
assim como a identidade individual do sujeito, so valores contemporneos que, em A sombra
das vossas asas, fogem do chamado romance rosa1: uma fico que em muito aproxima-se
14
de nossa realidade. Trata-se de mais uma histria de amor, dio e loucura de maneira
instigante, divertida e impiedosa no final do sculo XX.
A publicao deste romance foi seguida de outros tantos. Afinal, Young uma
romancista em contnua produo literria. No entanto, apesar de a escritora se manter no
mercado, sua produo literria ainda no atingiu grande visibilidade. Acredita-se faltar sua
literatura alguns itens considerados fundamentais, que sero dados a conhecer em momento
posterior, no decorrer deste trabalho, para complementar o valor de sua produo e fazer com
que atinja maior visibilidade como romancista.
Assim, analisar a questo da esttica corporal feminina, dos valores agregados
beleza e aos traos individuais que compem a personagem Carina, em uma narrativa
ficcional como a de Fernanda Young, no romance A sombra das vossas asas, um grande
desafio. Isso se constituiu, principalmente, por ela ser uma escritora ainda jovem a atuar no
mercado literrio (estava com apenas vinte e sete anos quando publicou esse romance). O fato
de Young no pertencer ao cnone literrio, contar ainda com uma pequena fortuna crtica,
so desafios relevantes a serem enfrentados.
Fernanda Young concilia sua carreira de escritora com a carreira de personalidade
miditica da televiso, na qual atua como roteirista para seriados e apresentadora de
programas ao vivo na TV a cabo. Vez ou outra atua como atriz. O resultado que sua imagem
como romancista confronta-se com o fato de ela ser uma personalidade miditica da televiso.
O meio televisivo onde ela mais atua e recebe do pblico boa aceitao.
A televiso, por ser um veculo miditico que trabalha com valores efmeros, tem
seu foco direcionado a um grande pblico. Como roteirista para televiso, Young produz
roteiros de acordo com o que apregoa a moda da cultura atual, de valores superficiais e
passageiros, que surgem e desaparecem sem deixar marcas. Sua literatura, de certo modo,
recebe influncias de seu trabalho nesse veculo onde atua com maior intensidade, o que, de
certo modo, dificulta sua visibilidade como escritora. Mas, por outro lado, sua literatura nos
faz refletir a respeito desses valores efmeros, como o excessivo culto ao corpo, entre outros
valores passageiros que envolvem a mulher em sua totalidade e fazem parte de nosso
cotidiano. Esses valores so apregoados pela cultura atual e reforados pela televiso, que
vende essa imagem; a mulher, aprisionada ao corpo, procura seguir o modelo padro de
cultura corporal e comportamental, ditado pela mdia televisiva, para atender aos apelos
miditicos do mercado consumidor.
A fim de atender ao objetivo proposto neste estudo, estruturamos nossa pesquisa
em trs captulos. O primeiro, intitulado O DISCURSO LITERRIO DE FERNANDA
15
16
sobre a linguagem. Nessa mesma sequncia de modos em que ocorre esse processo, o autor
apresenta a comunicao transformada em literatura como definidora da identidade e da
presena histrica do homem. No romance em estudo, essa questo bem marcante.
Na terceira sesso deste captulo, apresenta-se A representao literria
feminina: a luta pelo direito produo. Encontramos respaldo em vrios tericos; para
apresentar o valor da autorrepresentao, entre eles, Barthes (1984), referindo-se literatura
como reflexo de si mesma, como objeto submetido investigao lgica. Na entrevista
concedida por Fernanda Young a Marcelo Costa (2001), a escritora fala do posicionamento da
crtica em relao sua literatura, silenciando-se para faz-la tambm silenciar, mas o silncio
da crtica est cheio de significao.
No segundo captulo, versamos sobre a IDENTIDADE, CORPO E EROTISMO.
Na primeira parte deste, Apresentao do romance A sombra das vossas asas, apresenta-se o
romance; para tal, encontramos aportes em Grosz (2001), referindo-se aos corpos
reconfigurados, e Martinez (2009), que nos revela a trajetria das meninas que sonham em se
tornar modelos profissionais e a rdua disciplina enfrentada para a realizao desse sonho.
Ainda nessa primeira parte, subitem 3.2.1 A protagonista Carina: uma identidade
que aos poucos se revela, o foco volta-se para a esttica e a cirurgia plstica, uma vez que
esses dois pontos so primordiais na composio da protagonista Carina. Para discorrermos
sobre esse assunto, procuramos fontes em Vigarello (2006), por ele analisar as
transformaes, estabelecendo um traado da histria do que agrada e do que desagrada a
respeito do corpo numa determinada cultura e num certo tempo, num sentido amplo. J Priori
e Amantino (2011) pensam o corpo numa perspectiva histrica, na qual enfoca o corpo ao
longo da histria do Brasil, como o caso do corpo feminino no romance em anlise.
Na segunda parte deste captulo, o enfoque para O corpo, ponto central do
romance A sombra das vossas asas, com aportes em Bauman (2005), para o entendimento da
formao das identidades, sua fluidez no tempo, e como se forma a sociedade de consumo.
Novaes (2011) apresenta o corpo feminino numa sociedade imagtica em que o sujeito
definido por sua aparncia. A gordura e o envelhecimento excluem os indivduos, sobretudo
as mulheres. Jeudy (2012) trata o corpo nas instncias da criao artstica e da literatura sobre
sua esttica cotidiana.
A relao entre a identidade e o corpo est na terceira parte deste captulo.
Tomamos como referncia Breton (2003), para o qual, no discurso cientfico contemporneo,
o corpo tomado como simples suporte de pessoa, uma matria prima na qual se dilui a
identidade pessoal. SantAnna (2001) tambm discorre que o corpo se transformou em um
17
territrio privilegiado de experimentaes sensveis. Desde ento, foi fcil consider-lo uma
instigante fronteira a ser vencida, explorada e controlada. Outras consideraes salientam
Lipovetsky (2004), com uma discusso a respeito de identidade na contemporaneidade, assim
como Hall (2004), com conceitos que versam a respeito da identidade na Ps-Modernidade.
Na quarta parte desta sesso, A esttica corporal e a cirurgia plstica, seguimos
com Vigarello (2006), em um apontamento de como ocorreu a evoluo das partes
privilegiadas pela esttica corporal feminina, para que compreendamos como ocorreu essa
evoluo na histria at chegarmos aos dias atuais, e tambm o envolvimento de Carina nessa
mesma questo da moda do corpo, quando Priore e Amantino (2011) nos fornecem subsdios
para essa mesma questo. Em Carina, no s o corpo, mas ainda a identidade sofre alteraes
com o auto sacrifcio do corpo, movido pelo apelo do consumo. Nesta sesso, Bauman (2005)
refere-se identidade como um acessrio; Xavier (2010) trata do sacrifcio das
autotransformaes; Breton (2003) fala do consumidor. Wels (2005) aponta a imagem
miditica a ser refletida pela cirurgia plstica; Bourdieu (2003) aponta o valor de uma obra de
arte, assim como o faz Novaes (2011), ao apresentar o corpo como valor de capital. Esses
autores nos fornecem subsdios para compreendermos como ocorreram as transformaes
corporais e da identidade de Carina. .
Na quinta parte, Erotismo: o ltimo aprendizado, Carina erotiza seu corpo para
realizar uma vingana. Buscamos referncias em Foucault (1988) para as questes do
erotismo e da sexualidade; Naome Wolf (1992) faz uma abordagem do mito da beleza e
Borges (2012) apresenta uma leitura das representaes do feminino e de suas condutas
sexuais. Esses autores sero acionados para promover o dilogo entre a teoria e a fico aqui
estudada.
No terceiro captulo, com o ttulo A MULHER EM A SOMBRA DAS VOSSAS
ASAS, cujo primeiro enfoque Contemporaneidade: a imagem do efmero, ser retomada a
questo da contemporaneidade, do efmero, quando acionaremos diversos autores que tratam
da temtica do contemporneo, como Bauman (2005), ao enfatizar o poder que a mdia exerce
sobre as pessoas, e Goldenberg (2010), que apresenta como a construo de corpos e
identidades se realizam a partir da imitao dos outros.
As referncias em Beauvoir (1970), numa abordagem que traz luz de nossa
compreenso as verdades relacionadas ao ato de envelhecer, e Novaes (2013) apresentam as
questes sobre as mulheres e seus corpos, Goldemberg (2011) traz um destaque para as
mulheres e seus corpos ante o ato de envelhecer, Foucault (2009) apresenta a sexualidade sob
18
19
Agora as sereias tm uma arma ainda mais fatal do que suas canes, ou seja, o
silncio. E, embora por certo isso jamais tenha acontecido, ainda assim possvel
que algum tenha escapado do canto das sereias; mas de seu silncio, certamente,
jamais.
Franz Kafka
20
voltarmos nossa ateno para um passado bem recente, no qual a mulher escritora via sua
escrita cercada de impedimentos por todos os lados. Ainda hoje h muitos entraves: o simples
fato de ser mulher, a cor e a condio social so fatores que a fazem pertencente ao grupo dos
excludos do meio literrio. Isso ocorre no sentido de impedi-la de produzir uma escrita que
fale de si mesma, sem necessitar de se fazer memria do outro.
O final do sculo XX e incio do sculo XXI, no campo da literatura, foi um
perodo marcado pelo despontar de novos talentos literrios. Esses novos escritores e
escritoras vieram atender aos mais diversos leitores com sua produo escrita. Entre os
talentos, destaca-se a escrita feminina, quando a literatura passa a contar com maior presena
desse tipo de produo, no intuito no somente de mostrar, mas de confirmar que a mulher,
dotada de inteligncia tanto quanto o homem, capaz de produzir literatura, e literatura de
boa qualidade.
A escrita feminina surge aos poucos, ganhando espao em busca do direito
autorrepresentao, e esta, muitas vezes, volta-se para a realidade contempornea na qual est
inserida para produzir sua literatura, sem a necessidade de se fazer representar pelo outro. Um
dos assuntos em pauta na atualidade envolve a mulher frente aos apelos miditicos do
consumo, para os quais a mulher contempornea, desejosa de atend-los, lana mo de todos
os recursos estticos possveis no sentido de alcanar o corpo desejado e se fazer desejar.
Desse modo, sob a regncia da cultura consumista dominante, o corpo passou a ser
considerado um objeto manipulvel, com valor de mercadoria para uma grande maioria de
pessoas.
dentro desses padres culturais que a escritora Fernanda Young concebe a
figura feminina em sua produo literria. A presena dessa figura como personagem central
no romance A sombra das vossas asas um forte elemento, entre outros, bastante evidente na
literatura de Fernanda Young. No romance citado, a autora destaca a mulher contempornea,
dentro de sua subjetividade, com todos os seus conflitos existenciais, retratando sua
fragilidade diante da realidade atual, suas incertezas e insatisfaes com o prprio corpo, com
sua imagem refletida.
A representao que Fernanda Young constri da imagem do corpo feminino no
romance A sombra das vossas asas (1997), em muito se aproxima de nossa realidade. O corpo
o grande dilema enfrentado pela maioria das mulheres na era atual, as quais, aprisionadas
ditadura da esttica corporal, apregoada pela cultura contempornea, impe-lhes o dever de
estar com o corpo perfeito, de acordo com os ditames dos padres estticos, para servir a um
mercado consumidor que no perdoa as imperfeies, nem a obesidade feminina.
21
22
http://museudatvbiografias/fernanda/young.Acesso em 26/02/2013.
23
Publicou, em 1996, seu romance de estreia na literatura, Vergonha dos ps; segundo
nota escrita na orelha do livro: um romance com a marca de um texto maduro. saborosa a
cumplicidade que se cria entre leitor e personagem no processo de construo do livro que
Ana escreve. Com ranhuras de fina ironia, o romance dentro do romance inaugura no texto
um curioso jogo de espelhos. Na contracapa desse romance apresentam-se quatro crticas
obra, enaltecendo-a pelo fato de ter sido criada pelas mos de uma escritora e roteirista de
apenas 26 anos na poca. Essas crticas foram feitas por Arnaldo Jabour, Barbosa Garcia,
Guel Arraes e Washington Olivetto. Arnaldo Jabor (1996) comenta que:
De acordo com Jabour (1996), Young foi muito feliz em seu romance de estreia.
Para este crtico, cineasta, roteirista e dramaturgo to experiente, Vergonha dos ps tem
aspectos de um discurso maduro, bem elaborado, enfim, uma prosa inteligente, alegre e
divertida, bem ao gosto contemporneo, que consegue prender a ateno do leitor.
Nesse sentido, Barbosa Garcia (1996) deixa um comentrio elogioso na
contracapa deste romance, no qual enaltece o refinado gosto desta romancista, que apesar de
ser to jovem, escreve com a experincia daqueles escritores de velho e renomado talento.
Entende-se, com seu comentrio, que este romance traz em seu enredo ingredientes comuns,
aos quais ela soube adicionar talento, resultando numa iguaria to preciosa, que prende a
ateno do leitor para apreci-la.
O cineasta e diretor da TV Globo Guel Arraes tambm fez comentrio elogioso
escritora pelo lanamento de seu primeiro livro, Vergonha dos ps, no qual Arraes v a alma
feminina reproduzida na escritura bem humorada de uma mulher; no termo que ele denomina
ps-feminismo, pela maneira com que ela se utiliza do gnero para nele imprimir o humor,
sem precisar perder a graa e o lirismo. um livro que pode ser direcionado aos leitores mais
machistas. Ainda, na contracapa desse romance, encontramos o comentrio do talentoso e
premiadssimo publicitrio Washington Olivetto, que reitera os comentrios de seus colegas
acima citados: Senso de humor e senso esttico podem andar juntos numa mesma mulher.
Fernanda Young prova isso com seu Vergonha dos ps. Apesar de jovem na idade e
Young no sobrenome, Fernanda madura no que escreve (OLIVETTO, 1996).
24
Vem reafirmar seu estilo original, provocador, moderno. uma histria de amor, no
entanto, em se tratando de Fernanda Young, uma histria de amor nunca ser apenas
mais uma. Os leitores no vo encontrar aqui o lugar comum de um sentimentalismo
banal ou um melodrama cor-de-rosa. O olhar atento do narrador acompanha a
trajetria de Rigel e Carina num texto irnico, mordaz, sedutor (Orelha do livro A
sombra das vossas asas, 1997).
Fernanda Young joga o leitor numa espcie de montanha-russa emocional, com uma
narrativa no linear e surpreendente. To Freudiana quanto quntica, pois partes de
nossas vidas nunca deixam de estar acontecendo. E nenhuma histria ser
equilibrada ou certinha ao menos, nenhuma histria de Fernanda Young (Orelha
do livro Carta para algum bem de perto, 1998).
Quem essa gente que escreve livros? E quem l livros, publica livros, que conversa
sobre livros? Nem precisamente um romance. s vezes, parece mais um poemo,
ou uma longa carta de adeus. At uma bula, um aviso de socorro, um manual de
instrues. Expondo visitao pblica esses seres esquisitos, que habitam as
vizinhanas da literatura nela, com ela, em volta dela (Orelha do livro As pessoas
dos livros, 2000).
25
Nesse romance, Young coloca frente a frente os escritores, editores e leitores. Ela
pede a ateno para os habitantes da literatura, aqueles que nela trabalham de modo geral, que
dela fazem uso para reproduzirem a subjetividade humana, como o caso dos escritores, mas
tambm para aqueles que produzem as mais diversas literaturas e para aqueles que editamnas, expondo seus trabalhos ao pblico, pois merecem ser olhados com maior ateno. O
efeito urano (2001), seu quinto romance:
O efeito urano foi um romance produzido por encomenda, para atender a srie
Cinco Dedos de Prosa. A inteno que fosse um texto mais pornogrfico, mas seu enredo
no chegou a alcanar essa inteno. O romance voltado para a paixo homossexual entre
duas mulheres, numa relao de amor, dio e traio. uma envolvente histria que cativa a
ateno do leitor. O romance Aritmtica (2004), seu sexto romance, apresenta:
Seu primeiro livro de poesia, e prev a escritora, o nico. Por este e outros motivos,
trata-se de uma obra rara. Aqui, o heri o voluntarioso amor, exposto com toda a
sua coragem, precipitao e, claro, dor. Bem-vindo a este duelo onde ningum
poupado (Orelha do livro Dores do amor romntico, 2005).
26
Esse livro difere de todos os outros produzidos por esta autora por no ser um
romance, mas um livro de poesia. uma verdadeira elegia ao amor, escrita moda
contempornea, em versos rpidos e certeiros, nos quais o personagem principal o doce e
verdadeiro amor. Tudo o que voc no soube (2007), o oitavo livro e seu stimo romance.
Nele algum comete um crime:
Esse mais um livro que trata de vingana, assim como seu segundo romance.
Nele, a personagem trada se decepciona com os homens, enche-se de frieza para vingar-se
deles, de tudo e de todos. Aqui a traio resulta em equaes planejadas de vingana. mais
uma histria que atia nossa mente para desejar desvend-la.
A louca debaixo do branco (2012), chamado livro-instalao, originou-se de
uma exposio de fotografias realizada no Museu da Imagem e do Som da cidade de So
Paulo. A exposio, idealizada pelo diretor artstico Digenes Moura, tem Fernanda Young
como modelo, na qual ela encarna a fantasia de vestir-se de noiva, para depois despir-se. Ela
foi clicada pelos fotgrafos mais renomados do pas, em vrias sesses de fotos, trajando os
modelos de vestidos mais inusitados, muitos deles com desenhos exclusivos para a exposio.
As imagens e entrevistas realizadas com annimos e famosos, os sonhos, fantasias e
27
frustaes das pessoas entrevistadas, deram origem ao livro. O escritor e crtico de fotografia,
Digenes Moura, apresenta a exposio:
28
por causa desses enfoques que ela conquistou um discurso que se encontra entre
estas duas fronteiras: a de representao da linguagem e do silncio. Em relao
representao literria e ao silncio, Eni Pucineli Orlandi (2011, p 68), assim assevera:
Trata-se do silncio fundador, ou fundante, princpo de toda significao. nesse campo
que se encontra o discurso de Fernanda Young.
Quanto representao lingustica, George Steiner (1988, p. 44) afirma ser a
linguagem de determinados escritores no passado como Shakspeare e Milton detinham o
controle natural da experincia de vida. Ao passo que, para nossos dias, a linguagem parte de
uma necessidade prtica, de certa urgncia em se fazer enunciar, que seja rpida, clara e
precisa, pois o tempo urge dessa preciso. De acordo com Foucault (2012):
29
cheio de significados que as palavras contm, aguardando o momento certo de virem tona
num discurso que se manifesta na escrita, como veremos nessa parte a seguir.
O tempo, tanto historicamente como na escala da vida pessoal, altera a viso que
temos de uma obra ou de um conjunto de obras de artes. Sabe-se que existe uma
poesia dos jovens e uma prosa dos velhos. Porque seu anncio de um futuro dourado
contrasta, ironicamente, com nossa experincia atual, os romnticos j no esto
mais em envidncia. O sculo XVI e incio do sculo XVII, embora com uma
linguagem muitas vezes remota e intrincada, parecem mais prximos de nosso
discurso. A crtica pode tornar fecundas e distintivas essas mudanas de
necessidade. Pode invocar do passado aquilo que o manacial do gnio do presente.
E pode-nos fazer lembrar que nossas alternncias de opinio no so nem
axiomticas nem de validade duradoura. O grande crtico ver mais adiante; ir se
debruar sobre o horizonte e preparar o contexto do reconhecimento futuro. s
vezes, ele escuta o eco da voz esquecida, ou antes de ser conhecida (STEINER,
1988, p.26).
Entrevista concedida ao site Scream & Yell, em 2001. On line. Disponvel em: http://www.screamyell.com.br
/literatura/ fernandayoungum.html. Acesso em: 20/05/2002.
30
Quando eu lancei meu primeiro livro foi muito difcil porque havia muito charme
em eu ser jovem, mulher, mas ao mesmo tempo muito ceticismo e uma certa ironia
que me incomodava. Uma certa implicncia... no que tenha diminudo... as
pessoas insistem em ser implicantes comigo. (YOUNG, 2001, apud COSTA).
Isso se deva, talvez, a sua maneira clara e objetiva de dizer o que pensa,
influenciando tambm o modo de contar uma histria no papel. So marcas de sua escrita.
Michel Foucault (2012, p. 27-28), em seu livro A ordem do discurso, em relao funo do
autor, salienta que: Pois embora possa modificar a imagem tradicional que se faz de um
autor, ser a partir de uma nova posio do autor que recortar, em tudo o que poderia ter dito,
em tudo o que diz todos os dias, a todo o momento, o perfil ainda trmulo de sua obra.
Entende-se em Foucault (2012) que o autor visto a partir de sua obra, do lugar de sua fala,
de acordo com cada poca, em que se d a compreenso de sua obra.
Para Cleudemar Alves Fernandes (2012 p.93), em Discurso e sujeito em Michel
Foucault, o nome do autor, como um nome prprio, uma produo discursiva, exterior ao
texto, mas lhe assegura certo estatuto, possibilita-lhes sentidos, e integra-se ao funcionamento
de discursos produzidos pela e a partir da escrita. De acordo com Fernandes (2012), o nome
do autor uma construo que antecede o seu discurso, identificando-o pelas caractersticas
culturais, histricas e sociais que serviram de base para a formao do sujeito-autor. O autor
visto e avaliado a partir do que escreve, pois ele est intimamente associado sua produo
escrita, a qual sofre alteraes e deslocamentos na histria. Isso o que podemos verificar no
trecho abaixo dessa entrevista concedida por Fernanda Young a Costa, referindo-se ao modo
como a crtica especializada a deixa de lado. Assim assevera:
Por causa da minha esttica, porque eu fao esporte, porque eu engordo 30 quilos e
tenho duas filhas gmeas e coloco o nome dela de Madonna. E saio na revista
Caras em seis pginas, mostrando a minha casa, as roupinhas das minhas filhas. E
as pessoas ficam Por qu? Por que ela est fazendo isso?. Estou fazendo isso
porque, um, hoje em dia eu sou muito mais envolvida nos temas femininos. Ou seja,
qualquer programa que sirva para que eu fale alguma coisa a respeito da liberdade
da mulher eu estarei apta a colaborar. E, dois, porque eu tenho que lembrar as
pessoas dos meus livros. Isso no aconteceu desde o incio. A mdia especializada
no compareceu. Ento no houve resenhas em revistas de literatura, no houve
convites para programas de literatura. Eu simplesmente tive que olhar para eles e
dizer: Ah, assim. Ento eu vou para a revista Caras. Eu vou para a revista
Desfile, eu vou fazer Capricho. Eu no fico constrangida com isso, s que
aborrece muita gente. (YOUNG, 2001, apud COSTA).
31
em revistas de literatura em referncia a seu novo romance. Pode-se pensar que a atitude da
crtica ao silenciar frente ao discurso da escritora, tem a inteno de faz-la silenciar.
Para contrariar a imprensa e provar que ela no se faz intimidar, Young torna-se
receptiva a quaisquer outras revistas de moda e entretenimento que se interessem em
fotograf-la e entrevist-la. Ao se declarar envolvida nos temas femininos, isso a pe em
evidncia na mdia, seja ela especializada ou no. Para Young, isso muito bom, pois,
divulgando sua imagem, de certo modo, divulgam tambm o seu trabalho na televiso e seus
romances associados sua imagem de escritora.
Ela no se nega em lhes conceder entrevistas, mesmo no sendo para falar de seus
livros, mas para falar um pouco de sua vida pessoal, ao mostrar sua casa, sua famlia, o modo
como vive, os esportes que pratica. Young sente-se querida pelos leitores dessas revistas, que
buscam entender um pouco mais da identidade desta mulher escritora. Segundo ela, tal atitude
irrita a crtica, mas a ela no. Assim se pronuncia em Costa (2001) a respeito da crtica
especializada:
32
Com seu jeito irnico e direto de dizer o que pensa, Fernanda Young vai falando
da crtica especializada e de seu trabalho como escritora de romances. Ela diz ignorar o
silncio que tenta anular sua literatura e ofuscar sua identidade de escritora. Entretanto, isso a
abala, porque todo escritor quer o reconhecimento do pblico, e no deve ser diferente com
ela. possvel notar certo ressentimento de sua parte em relao ausncia da manifestao
da crtica quanto sua produo.
A crtica especializada, ao se manifestar diante de uma obra literria, fornece ao
autor um parecer quanto sua aceitao da crtica e do pblico para a obra em questo. Isso,
para o escritor ou escritora, o aval do qual necessitam para continuar nesse mercado,
mantendo sua produo no mesmo nvel ou a melhorando. Como Young muito bem
humorada, ela ri do fato da crtica no dar ateno para sua literatura, mas sabemos que isso a
ressente profundamente. Mesmo assim, continua a escrever. Assim relata como se encaixa na
literatura brasileira, falando tambm dos novos talentos literrios que esto surgindo
diariamente no mercado:
Olha, eu estou encaixando. E, com certeza, eu posso falar que em cinco anos de
carreira profissional, existe uma abertura de espao que eu fiz, que eu consegui
abrir. Eu vejo em revistas, em fanzines, meninas de 22 anos escrevendo, falando
sobre si e desenvolvendo essa ideia da literatura autoral, do verbo, e da pessoa
jovem poder se expressar, poder ser tatuada, e poder expor essa cultura que
vivemos, mixada, alm de dar uma chance para aquelas pessoas classe-mdia, de
subrbio, l de onde eu sou. (YOUNG, 2001, apud COSTA).
33
retroceder. No que diz respeito censura, Orlandi afirma que: A censura no um fato da
conscincia individual do sujeito, mas um fato discursivo que se passa nos limites das
diferentes formaes discursivas que esto em relao. Trata-se de um processo de
identificao, e diz respeito s relaes do sujeito com o dizvel. (ORLANDI, 2011, p.104).
Sabemos que o silncio transcende a palavra, no um vazio absoluto, pois est
repleto de significados. O silncio de que trata essa autora no no sentido de ignorar seu
discurso e impedi-lo de aparecer, todavia o silncio que se faz diz muito mais do que se
imagina. Silenciar o seu discurso algo impensado para Fernanda Young. Impossvel de ser
cumprido, pois ela possui um discurso questionador no qual imprime sua marca.
Levar uma vida livre na Londres do sculo XVI teria significado para uma mulher
que fosse poetisa e dramaturga um colapso nervoso e um dilema que bem poderiam
mat-la. Se sobrevivesse, o que quer que houvesse escrito teria sido distorcido e
deformado, fruto de uma imaginao retorcida e mrbida. E sem dvida, pensei,
olhando a prateleira onde no h peas da autoria de mulheres, seu trabalho sairia
sem assinatura. Esse refgio ela, decerto, teria buscado. Foi o resqucio do
sentimento de castidade que ditou o anonimato s mulheres at mesmo j no sculo
XIX (WOOLF, 1985, p. 66).
34
resultado dessa escolha. quela que insistiu nessa tarefa recebeu do patriarcado uma violncia
simblica que a fez sucumbir ao anonimato.
Muito antes do sculo XX, j no perodo oitocentista, algumas mulheres,
ignorando a funo de fmeas e reprodutoras que lhes era atribuda, contrariavam a
dominao masculina reinante, aventurando-se pelo campo do saber. Isso acontecia,
sobretudo, nas letras, para produzir literatura, tarefa que, at o momento, era ocupada em sua
grande maioria por homens, conforme nos aponta Salete Rosa Pezzi dos Santos (2010, p.85):
Atentos a pensamentos misginos, determinados segmentos da sociedade encontravam,
amide, uma justificativa oportuna para a segregao que colocava a mulher numa posio de
inferioridade em relao ao sujeito masculino.
Quando a mulher ousava produzir literatura, frequentemente utilizava-se do
pseudnimo masculino ou ento cedia seus escritos para serem publicados por um homem;
muitas vezes, era o prprio marido. Isso mantinha a hegemonia para o homem, firmando cada
vez mais a oposio entre o feminino e o masculino. Em O corpo a corpo na literatura: a
representao do corpo nas narrativas de autoria feminina (2003), Eldia Xavier assim
salienta:
A corporalidade feminina usada para justificar as desigualdades sociais: a
vinculao da feminilidade ao corpo e da masculinidade mente restringe o campo
de ao das mulheres, que acabam confinadas s exigncias biolgicas da
reproduo, deixando ao homem o campo do conhecimento e do saber (XAVIER,
2003, p. 254).
35
O sculo XIX foi notadamente crucial para a mulher escritora, pois, nessa poca,
as famlias mais abastadas cultuavam o iderio da valorizao do corpo feminino como valor
de capital, por representar beleza, com valores estticos e morais. Desse modo, o corpo
feminino devia ser resguardado por representar valor simblico e social; cabia, ento,
mulher o dever de se resguardar o mximo possvel.
Com a vigncia desses valores, alcanar o direito de ela mesma produzir sua
escrita torna-se cada vez mais distante; o direito de represent-la na literatura continua para o
homem, que a idealiza de acordo com seus desejos, dentro de seus ideais de perfeio:
esposas e mes abdicadas e perfeitas. So representaes idealizadas e sonhadas por esse
universo. Para Ruth Silviano Brando, em A mulher escrita (2004, p. 11): A personagem
feminina produzida e construda no universo ficcional masculino, no coincide com a mulher.
No sua rplica fiel, como muitas vezes cr o leitor ingnuo. , antes, produto de um sonho
alheio e a ela circula, nesse espao privilegiado que a fico torna possvel.
Para essa autora, a personagem feminina idealizada pelo homem em seu discurso
literrio criada de acordo com seus desejos poticos, nos quais nasce a herona literria
romntica, pronta a atender aos desejos de seu heri. A autora afirma que nesse espelho de
texto, o qual funciona para o homem como um espelho narcsico, que surge a imagem da
mulher: perfeita na beleza corporal, nas virtudes de amada, esposa e me; portanto, a herona
para seu criador literrio.
36
J a mulher do sculo XIX, sob o olhar de Barbara Valle (2002, p. 71), no ensaio O
feminino e a representao da figura da mulher na filosofia de Kant, subordinada aos
homens, ela excluda dos papis pblicos e das responsabilidades exteriores, sejam elas
polticas, administrativas, municipais ou corporativas. dentro desses limites que circula a
mulher. Encerrada no espao domstico, com as atribuies de cuidadora do lar, do marido e
dos filhos. De representante da figura de Eva pecadora, ela passa a ser considerada a nova
virgem Maria, numa venerao sua imagem de me. Sem direito prpria representao,
nesse confinamento, a invisibilidade cerca-a por todos os lados.
No Brasil, a partir da segunda dcada do sculo XX, o campo das artes sofre
profundas mudanas com as manifestaes artsticas e culturais da Semana de Arte Moderna
de 1922, ocorrida na cidade de So Paulo. Com bases no modelo europeu, esse movimento
artstico segue com uma viso mais universalista, sobretudo na literatura, segundo Leila
Perrone Moiss, em Altas Literaturas (1998, p.168): tem por bases convices humansticas
de igualdade e fraternidade. Nesse perodo, a mulher escritora consegue adentrar nesse
espao para se autorrepresentar. Conquistada essa abertura, vrias escritoras surgiram pelo
decorrer do sculo XX, vindas do centro e da periferia.
O movimento do descentramento da escritura, tiveram efeitos positivos de acordo com
Moiss (1998, p. 214): abriram caminho para novas formas de escrita, para as literaturas
emergentes e no cannicas. dentro desse movimento que surge a escritora Fernanda
Young, estreante no mercado literrio em 1996, quando as luzes do sculo XX esto prestes a
se apagarem, cedendo lugar ao sculo XXI. Decorridas quase duas dcadas de representao
neste sculo, Young deseja o reconhecimento e valorizao para sua obra.
De acordo com Regina Dalcastagn, no ensaio A auto-representao de grupos
marginalizados (2007, p.18): tenses e estratgias na narrativa contempornea: nossos
autores so na maioria homens, brancos (praticamente todos), moradores dos grandes centros
urbanos, de classe mdia e de dentro dessa perspectiva social que nascem suas
personagens, que so construdas suas representaes.. Para essa autora, o campo literrio
brasileiro se configura como espao de excluso. Nesse espao, incluem-se o Outro, no qual
se inserem as mulheres, os homossexuais, os negros, os pobres, os trabalhadores. Todos esto
ausentes do direito de se representarem, ou quando aparecem nas narrativas so em papis
pouco significativos ou marcados por esteretipos.
Compreende-se, ento, como o campo literrio brasileiro seletivo no quesito de
autores. Esse comportamento vem de longa data, desde o incio das primeiras manifestaes
literrias surgidas em nosso territrio, mantendo essa tradio at os nossos dias. Aqueles no
37
pertencentes a esse extrato cultural e social so relegados excluso desse fazer. Desse modo,
compreende-se como e por que se estabelecem os entraves que os escritores e escritoras,
originados do substrato da sociedade, encontram para se representarem e para reafirmarem na
tradio literria sua legitimidade nesse terreno dominado apenas por uma classe social
privilegiada. Da, esses escritores e escritoras colocarem essas representaes em choque
vista do leitor, para que este mantenha um posicionamento diante dessas representaes,
favorvel ou contrrio a essa voz que fala. necessrio que o leitor situe de onde vem essa
voz que fala e para quem se dirige essa voz que fala. Como disse Barthes (1999, p.33): esse
escritor ou escritora o que fala no lugar de outro.
A mulher, pertencente ao grupo dos excludos, necessita reafirmar a legitimidade
de sua construo, dar vida a sua voz, solt-la, uma vez que ainda est presa e sufocada na
garganta, e se fazer ouvir do lugar de sua fala e fazer representar sua subjetividade, fazendo-se
memria de si mesma ao deixar de ser memria do Outro. preciso que ela se faa
representar de acordo com sua realidade, do lugar de sua fala, porque desse lugar, do seu
meio, que se origina seu discurso.
Mas, a questo da representatividade para Delcastagn (2007, p. 20): vai alm
das percepes do mundo, que depende do acesso voz e no suprida pela boa vontade
daqueles que monopolizam os lugares de fala. Afirma ainda que a excluso das classes
populares no algo prprio da literatura, mas algo ocorrente em todos os espaos de
produo na sociedade, que demarca os lugares para os indivduos.
No esse o caso da escritora Fernanda Young, apesar dela dizer que foi nascida
e criada no subrbio, em Niteri, zona norte do Rio de Janeiro, teve acesso a uma boa
educao e pertence a uma classe social privilegiada, a classe mdia, lugar que ela diz ter
conquistado a custo de muito esforo e trabalho. Chegou Rede Globo de televiso para a
qual escreveu roteiros para seriados de curta durao, migrou do Rio para So Paulo.
Atualmente ela atua em programas de canais fechados (de assinatura). desse lugar que ela
constri sua literatura.
A dominao do poder masculino sobre o feminino estende-se ao longo da
cultura, da histria e dos sculos e se faz presente em nossa era contempornea. Pierre
Bourdieu (2003) considera que, por trs desta supremacia masculina havia todo o aparato de
um discurso ante o qual a representao masculina se valia para estender seu poder de
dominao, o chamado poder simblico. Para Bourdieu (2003, p. 9): O poder simblico um
poder de construo da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnoseolgica: o sentido
imediato do mundo, (e, em particular, do mundo social).. Esse poder se estabelece na
38
No entanto, num estado do campo em que se v o poder por toda a parte, como em
outros tempos no se queria reconhec-lo nas situaes em que ele entrava pelos
olhos dentro, no intil lembrar que sem nunca fazer dele, numa outra maneira
de o dissolver, uma espcie de crculo cujo centro est em toda parte e em parte
alguma necessrio saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele
mais completamente ignorado, portanto reconhecido: o poder simblico , com
efeito, esse poder invisvel o qual s pode ser exercido com a cumplicidade daqueles
que no querem saber que lhe esto sujeitos ou mesmo que o exercem (BOURDIEU
2003, p. 7).
39
importante salientar que, nesse perodo de 1920 de que fala a autora, a presena
da escrita feminina procura demarcar territrio; mesmo diante de toda imposio, a mulher
tenta romper com as barreiras de impedimentos que a dominao masculina lhe impuseram
para produzir sua escrita. Para esta autora, o homem tenta manter a mulher presa a um sistema
de liberdade vigiada, a fim de manter a ordem e controlar qualquer tipo de desvios. Desse
modo, ele resguarda seu espao, mantendo sua privacidade e intimidade.
O incio do sculo XX um perodo de ruptura com os padres anteriormente
ditados. o momento em que a figura feminina rompe com as estruturas sustentadas nas
bases de um discurso autoritrio masculino, ao qual se manteve aprisionada por sculos, sem
direito liberdade de representao. O sculo XX marca o desenlace a esse aprisionamento
que permitiu mulher expressar por ela mesma sua subjetividade por meio de sua escritura.
Para Vera Maria Tietzmann Silva (1996), no prefcio do livro O conto feminino em Gois:
40
41
inegvel que os discursos marginalizados das mulheres assim como o dos diversos
grupos excludos ou silenciados -, no momento em que desenvolvem suas
sensibilidades experimentais e definem espaos alternativos ou possveis de
expresso, tendem a produzir um contradiscurso, cujo potencial subversivo no
desprezvel e merece ser explorado. (HOLLANDA, 1994, p. 14).
42
Nessa linha de raciocnio, Woolf (1985) salienta que h quase um sculo atrs,
para a mulher produzir literatura, dependia de liberdade e de recursos financeiros para faz-lo;
na era atual, com o surgimento da chamada cultura de periferia, na qual, segundo Franco
(2005, p.132) expe, existem uma literatura e uma arte nascida do desaparecimento, da
pobreza e da luta pela sobrevivncia. Algumas mulheres e demais excludos da sociedade
43
lanam mo da literatura que produzem para ganhar dinheiro e mudarem sua condio social.
A literatura dos excludos, muitas vezes, recebe o nome de marginal.
Porquanto no grupo de excludos esto aqueles que h dcadas produzem uma
escrita embasada no folclore, como os almanaques, o livro dos sonhos, o livro da magia, entre
outros dessa categoria, que fogem aos rgidos padres literrios, por no encontrar neles
nenhum valor. Jerusa Pires Ferreira, no livro Cultura de bordas (2010), investiga a
diversidade de textos produzida nos espaos da cultura que alguns classificam de
paraliteratura:
44
Esta autora enfatiza que, em estudos mais recentes, esta expresso significaria as
obras produzidas por autores como mulheres, homossexuais e negros, pertencentes ao
substrato social, ao retratarem os sujeitos desses espaos marginalizados. Abre ainda espao
para presidirios, semianalfabetos, indgenas e aqueles que se sentem excludos de sua
condio social. Segundo Nascimento (2009, p. 318): Alm de abrangente, essa elaborao
sobre marginalidade dotada de uma rigidez que parece desconsiderar, no caso especfico dos
autores, a possibilidade social que a carreira lhes oferece. Muitos deles, ao atingirem nfase
na trajetria literria e social, so contratados por editoras de prestgio, chegam a assumir
cargos pblicos ou ainda conseguem garantir subsistncia com a renda oriunda de sua
produo cultural.
Com os recursos angariados para esse fim, intentam mudar suas vidas e seus
destinos, como o caso de Carolina Maria de Jesus, conforme cita Dalcastagne (2011, p. 18)
no ensaio A auto-representao dos grupos marginalizados: tenses e estratgias na
narrativa contempornea: mulher, negra e favelada, que buscou reconhecimento como
escritora nos anos de 1960 expressava essa disputa com clareza ao advogar que preciso
conhecer a fome para descrev-la. Esses novos escritores e escritoras revelam ao mundo sua
subjetividade e os dramas que fazem parte de suas realidades.
Carolina Maria de Jesus pode ser considerada como o primeiro exemplo de
escritora sada da marginalidade que conseguiu transpor sua condio social, mostrar ao
mundo sua voz, representada pela literatura. Nessa condio, fez-se ouvida. Sua representao
literria retirou-a da situao em que vivia com seus filhos, para experimentar viver uma vida
digna, sua subsistncia e de seus filhos foi garantida com a renda obtida com a venda de seus
livros. Saiu da favela, como era seu desejo, para viver em melhores condies.
Para Franco (1996, p.132) Esta exceo simplesmente acentua o privilgio
profundamente classista que por tradio esteve associado literatura. Pontua esta autora que
essa arte nasce da necessidade de refletir a experincia feminina. Uma experincia que se
faz calcada nos modelos da excluso e da diferena, conforme Elaine Showalter expressa no
ensaio A crtica feminista no territrio selvagem (1994):
45
46
vida e pela maneira como produz seus textos. Embora tenha lanado seu primeiro romance,
Vergonha dos ps em 1996, h quase duas dcadas e, a partir desta data ter produzido mais
nove livros, ela d provas de que uma escritora atuante, mas o reconhecimento por parte da
crtica se faz num lento processo.
Nesse sentido, importante atermos ao fato de que Fernanda Young tem uma
maior atuao profissional na televiso, meio no qual ela apresenta programas de entrevistas e
produz roteiros para sries de curta durao.
Como a televiso lida diretamente com um grande pblico, por isso necessita
atender aos seus apelos, produzindo programas que vo ao encontro dessa cultura de massa,
ofertando-lhe produtos vendveis, de valores efmeros, que tenham fcil aceitao no
mercado e retornem em lucros para seus produtores, a fim de atender a demanda do capital.
Tal fato corrobora com as afirmaes de Leila Perrone Moiss em Altas Literaturas (1998, p.
203): A luta no se trava mais entre concepes diferentes da cultura, entre a cultura e a
contracultura, alta cultura e cultura de massa, mas entre a cultura e a descultura pura e
simples. Moiss (1998, p.203) salienta ainda que, na era da globalizao, no vivemos mais
os ideais das Luzes, mas daquilo que vendvel e lucrativo. Assistimos a uma proliferao de
dados superficiais, nos quais esto todas as culturas e reas representadas como pacotes
comercializados e perecveis na memria de seus usurios.
O fato de Fernanda Young estar em contato direto com essa cultura de massa,
tanto na produo de roteiros, como na apresentao de programas de entrevistas na TV a
cabo, so fatos que a colocam diretamente junto a essa cultura, vinda de um grande pblico
para o qual se produz visando somente grandes lucros: esse contato direto causa, de certa
forma, influncia em sua produo literria. Como ela lida com valores que transitam
diariamente na mdia televisiva, l esses valores so transformados em produtos vendveis,
como os roteiros que produz para sries de programas de curta durao na TV. Esses
programas so consumidos pelo telespectador e quando no mais do o retorno comercial
desejado mdia que o veicula, so substitudos por outros produtos e valores mais vendveis
e consumveis, cujo retorno financeiro imediato. So valores efmeros destinados a uma
necessidade de consumo ditada pela moda do momento.
Como romancista, de certo modo, Young transfere esses valores consumveis para
sua literatura, ao produzi-la em to pouco tempo, quase em srie, pois, em 1996 lanou seu
primeiro livro e at 2014 produziu e lanou no mercado editorial mais nove livros. Entendese, com sua rpida produo, que seus livros so produtos bem aceitos e facilmente
comercializveis, do contrrio, outros livros seus no seriam editados e lanados pelo
47
48
O romance A sombra das vossas asas tem como protagonista Carina, uma jovem
mimada e desengonada que no teve nenhuma referncia feminina em sua vida. Recebeu do
pai uma criao ultrapassada, sem luxo ou vaidade, longe de tudo e de todos. Aps a morte de
seu pai, ela sai em busca da realizao de seu maior sonho: construir uma carreira de modelo
internacional, pois, acreditava ser bela suficientemente para isso. Mas, nessa busca, seu
caminho encontra o de Rigel Dantas, o mais famoso fotgrafo do pas, amado pelas mulheres
pelo seu charme e beleza. Rigel um grande descobridor de talentos para o mundo da moda,
ao ser entrevistado em uma revista masculina, declara sua averso por meninas como Carina,
gordas e sonhadoras com o fato de se tornarem celebridades como viam na TV. Declara ainda
como as descarta. Carina l a entrevista e, humilhada, decide vingar-se dele. Para isso, passa a
viver em busca do padro esttico ideal. Obcecada pela ideia de beleza e perfeio corporal,
permite-se mutilar o corpo em inmeras cirurgias plsticas at atingir o modelo desejado.
atravs do olhar do outro, Rigel, que Carina se sente plena como mulher, vive sua sexualidade
e torna real seu desejo de vingana utilizando seu prprio corpo como arma letal. O romance
apresenta uma narrativa no linear e a narradora se insere tambm nas confisses sobre sua
vida pessoal.
Este romance trata na fico do drama de uma mulher aficionada pelo reflexo de
sua prpria imagem. O corpo feminino, posicionado diante do espelho, frequentemente faz
lembrar a madrasta do conto de fadas Branca de Neve e os sete anes, no qual o espelho era
mgico e a opinio que emitia a respeito da beleza era verdadeira. Na atualidade, o espelho
mgico, em frente ao qual a figura feminina se posiciona para avaliar sua beleza, vai muito
alm do espelho material.
A beleza feminina, na sociedade atual, atingiu os mais altos valores, considerados
de maior validade que os atributos morais do indivduo. Ela se pauta em valias pertencentes a
49
uma cultura massificada, que primam pelo extremo da magreza e perfeio para as formas
corporais, punindo severamente os defeitos estticos, excesso de peso e o envelhecimento.
No momento em que todas as atenes se voltam para a esttica corporal
feminina, a literatura, como arte esttica a servio da humanidade, reporta-se a essa questo.
Esse tema muito explorado na literatura contempornea, ganhando maior expresso na
literatura de autoria feminina, na qual o corpo se faz presente nas narrativas, representado ao
lado da intolerncia para formas corporais que se distanciam do ideal da beleza e da perfeio,
esses valores so associados por personagens sob as quais pesam essa cobrana,
desencadeando nelas crises de identidade.
Ao lado de inmeras conquistas que modificaram o lugar social que a mulher
ocupa na sociedade nos dois ltimos sculos, o direito ao corpo ainda uma conquista
distante a ser atingida. Para a mulher, no possvel ter o corpo que lhe coube; ao contrrio,
por imposio da ditadura da moda, imposto a ela atingir os padres estticos corporais
considerados como ideais. O direito ao livre exerccio de sua sexualidade e reproduo
tambm so controlados. Paira visivelmente sobre o corpo das mulheres o controle da
sociedade patriarcal.
Se o sculo XX foi o palco das conquistas polticas, econmicas e sociais
femininas, a serem reconhecidas como algo mais que o Outro do homem, como diria Simone
de Beauvoir (1980) em seu clebre ensaio O segundo sexo, esse foi tambm o momento em
que as mulheres, ansiando por um pouco de liberdade, empreendiam para si uma luta em
busca de seu reconhecimento. Elizabeth Grosz (2000), no ensaio, Corpos reconfigurados,
afirma que, como objeto para as cincias naturais, como um instrumento disposio da
conscincia ou como veculo de expresso, temos sempre a desvalorizao do corpo, grande
aliada da opresso das mulheres.
considerado sob a hierarquia do masculino o corpo feminino para o qual se
pressupe determinaes da natureza, referentes aos ciclos hormonais, variaes de humor, a
gestao, que o determinam por esses aspectos de ordem irracional. Tal convico baseada
na dade cultura/natureza, em geral compreendida de maneira hierrquica. Segundo Grosz
(2000):
O pensamento misgino frequentemente encontrou uma auto-justificativa
conveniente para a posio social secundria das mulheres ao cont-las no interior
dos corpos que so representados, at construdos, como frgeis, imperfeitos,
desregrados, no confiveis, sujeitos a vrias intruses que esto fora do controle
consciente (GROSZ, 2001, p.14).
50
51
tornando mais caros os custos de sua produo. Tempos depois, a famlia se muda para o
Brasil, especificamente cidade de So Paulo, onde Chaim continua com o mesmo negcio,
resultando em maiores lucros.
Aos dezenove anos, a menina inocente e submissa, que, at aquele momento, vive
privada de qualquer luxo ou vaidade, sonha em ser miss e construir uma carreira de modelo
internacional. rf de me poucos meses aps seu nascimento, aos dezenove anos torna-se
rf de pai. Herdeira de uma grande fortuna, ela busca a realizao de seus sonhos. a partir
dessa busca que sua identidade sofrer inmeras transformaes, uma vez que, na interao
com os outros e com o mundo da moda, ela se descobrir como algum que no atende s
expectativas estticas desse meio. O fotgrafo com quem realizou a entrevista na expectativa
de tornar-se modelo a recusou por ela no ser o tipo adequado carreira de modelo.
Fabiana Jordo Martinez (2009, p. 199), no ensaio De menina a modelo, entre
modelo e menina: imagem e experincia, relata como a realidade de uma menina ao se
deparar frente carreira de modelo:
52
essa mooilas gordotas, que pensam que s com um rosto bonito podem ser modelo. Ele
informou tambm a maneira como as descartava.
Impelida pelo seu sonho, ela busca realiz-lo, mas j se depara com o primeiro
obstculo a partir da leitura da entrevista de Rigel. Carina se conscientiza de que no se
encaixa nos moldes exigidos para uma modelo, por ser considerada gorda. Sua vida tomar
um novo rumo, diante dos fatos que passa a experimentar com a dura realidade que a
contemporaneidade impe a uma exigente sociedade de consumo. Diante da constatao de
que seu corpo no atende s exigncias da sociedade atual, ela busca adequ-lo aos padres
estticos exigidos pelo contemporneo. Como resultado, essas mudanas vo alterar toda sua
identidade. Para Bauman (2001):
Tal viso contempornea da identidade aponta para esta como produto originrio
da cultura e da histria, resultante de interaes sociais e culturais. Assim sendo, tal
compreenso se distancia da concepo da identidade como algo prefixado, pois o ser humano
constitudo como sujeito construtor de sua prpria histria, tem a liberdade de construir sua
identidade e alter-la quando necessrio. As representaes simblicas do sentido ao que
somos, mas isso tambm deixa o indivduo livre para, de certa forma, escolher o que quer ser
53
e em quem deseja se tornar, de acordo com as investiduras sociais. Para Tnia Regina Oliveira
Ramos (2010), a fico do presente encontra-se dentro desse momento de reviso, sendo que
prima pelo:
E se muitas das narrativas sobre como se tornaram modelos comeam com o acaso e
com a surpresa de terem seus potenciais reconhecidos atravs de seus corpos,
porque possivelmente poucas destas meninas tivessem qualquer conscincia de si
- no sentido de se equipararem ao padro de beleza construdo pela mdia. Ao
contrrio, elas se sentiam feias e pouco vontade em seus corpos. O padro
imaginado como pertencente a uma modelo parece passar longe de seus imaginrios.
Por isso, o fato de no pensarem sobre o assunto ou no acreditarem que pudessem
ser aquelas mulheres lindas das revistas, possivelmente est relacionado com o
fato de no se sentirem bonitas e tampouco se perceberem como as mulheres que
acreditam estar representadas pela figura da modelo internacional (MARTINEZ,
2009, p. 190).
Isso o que acontece com a personagem dessa fico, sem conscincia de si,
imagina que s o fato de ser alta e ter um rosto bonitinho seja o suficiente para ser modelo.
No entanto, seus atributos fsicos no correspondem aos padres de beleza exigidos para uma
modelo: ela considerada gorda. Esta a dura realidade que constata. Sua imagem refletida
no espelho do outro foi reveladora de uma realidade que no conseguia ver.
A rejeio desencadeia em Carina a tomada de conscincia quanto sua imagem
refletida. Era assim que se via, sem nenhuma autoestima. Como se percebe na passagem do
romance (YOUNG, 1997, p. 48-49): Cada vez que se olhava no espelho era uma desanimada
viso que tinha. Odiava-se. No possua a mais longnqua autoestima. Ningum a ensinou a
54
amar-se. Ento era aquilo, um monstro obeso e disforme. Uma loura aguada, nariguda e
peituda. A viso do espelho lhe revelara mais que um simples reflexo: sua imagem se reflete
por fora e sua conscincia responde negativamente, rejeitando esse reflexo.
Em nossa contemporaneidade a beleza associada ao corpo magro; a partir dessa
viso, rejeita os padres do passado, como da Renascena quando os corpos considerados
belos exibiam certa gordura, negando esse padro para a atualidade. O que se busca
construir um padro de beleza que corresponda conjuntura atual.
Da, uma abordagem respeito do conceito de obesidade algo que merece
ateno, pois para cada poca os valores corporais de magreza e gordura sofrem variaes
conceituais. Segundo Sander L. Gilman4 (2004, p. 333-334), no ensaio Obesidade como
deficincia: o caso dos judeus: Embora existam conjuntos de definies mdicas
contemporneas da obesidade, tambm claro que a definio daqueles que so obesos muda
de uma cultura para outra com o passar do tempo. Para cada poca h um padro esttico a
seguir. Na atualidade, exige-se um padro esttico magro, ditado principalmente para o
corpo feminino, o que significa que o indivduo deve evitar o corpo obeso.
Cabe aqui retomar o aspecto que tem relao entre o eu e o outro para as
percepes identitrias: o contato com o outro, o fotgrafo, que d uma nova dimenso do
eu. Portanto, esse eu refletido no espelho de Carina , a um s tempo, a repercusso do que
ela no gostaria de ser e a materializao das exigncias para a beleza do corpo feminino
dentro dos padres da modelagem profissional. Ela era de fato gorda, ou apenas sua imagem
no espelho, agora que deseja ser top model, acusa-a de algo que no ? Informao essa que
no muito elucidativa no enredo dessa fico.
Carina est presa no jogo de espelhos. Nesse cenrio difcil avaliar o que de
fato material e o que pura fantasia, fruto de seu desejo: inventar para si uma carreira de
muito sucesso, mesmo que tenha que remodelar todo o seu corpo e sua personalidade.
Gilman adota a questo da obesidade como construo cultural do corpo. Desse modo, ele reconstitui as
representaes do corpo obeso a partir do caso dos judeus desde a Bblia, passando pelo discurso mdico, e
conclui com uma anlise literria do judeu gordo. Em sua anlise, o historiador privilegia os aspectos raciais e de
gnero implicados na imagem do/a gordo/a. Cf. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-83332004000200011.
55
Sobretudo, do corpo feminino, para o qual esto voltados todos os holofotes, fazendo com que
a imagem do corpo seja refletida em longo alcance, ocupando um primeiro plano da viso.
Jamais em toda histria da humanidade o corpo foi tomado e representado como
objeto, como na era atual. O corpo, considerado como matria, porquanto dissociado da alma,
se tornou objeto de consumo. Para servir a esse fim, tornou-se algo consumidor de todos os
recursos e aparatos os quais a industrializao, aliada s mais modernas tecnologias, lana
diariamente no mercado. Tudo isso objetiva tornar o corpo apresentvel e atraente, capaz de
atingir o mercado consumidor, como outro produto qualquer: o que se faz seguindo uma
educao direcionada a uma poltica consumista. Segundo Zigmunt Bauman no ensaio
Identidade (2005):
O corpo visto como um capital, tal qual as revistas informam, precisa ser investido e
trabalhado para ser valorizado e possuir condies de competitividade. A
conscincia corporal de tal ordem que parece impensvel no investir tempo e
dinheiro em tal projeto. O corpo no mais visto como algo dado: Para estas
mulheres a anatomia no mais o destino, mas um capital, logo, um projeto em
longo prazo (NOVAES, 2011, p. 485 grifos no original).
56
Fernanda Young, atuando como profissional que figura nos meios miditicos, no
poderia deixar de perceber que as atenes se voltam para o corpo, o corpo feminino em
especfico. Na era atual, tudo est relacionado ao corpo. O corpo o assunto do momento.
Est na moda, ou em alta, como se diz no mercado de valores. Novaes (2011, p. 484) afirma
que: Corpo tambm capital. Tem valor de troca ou, como bem, adquire um status a partir
das insgnias que carrega. Esses signos condensados na figura do belo corpo traduzem os
valores da cultura da sociedade de consumo. Outrossim, o corpo um produto de valor e,
para tanto, um produto negocivel na atualidade, como outrora o fora, conforme Bourdieu
(2007) em A dominao masculina:
Aos que objetariam que inmeras mulheres romperam atualmente com as normas e
formas tradicionais daquela conteno, apontando sua atual exibio controlada do
corpo como um sinal de liberao, basta mostrar que este uso do prprio corpo
continua, de forma bastante evidente, subordinado ao ponto de vista masculino: o
corpo feminino, ao mesmo tempo oferecido e recusado, manifesta a disponibilidade
simblica que, como demonstraram inmeros trabalhos feministas, convm
mulher, e que combina um poder de atrao e de seduo conhecido e reconhecido
por todos, homens ou mulheres, e adequado a honrar os homens de quem ela
depende ou aos quais est ligada, como um dever de recusa seletiva que acrescenta,
ao efeito de consumo ostentatrio, o preo da exclusividade (BOURDIEU, 2007,
p.40-41).
O corpo da mulher posto em cena em funo das fantasias do homem, que tenta,
assim realizar seus desejos. Uma semelhante construo cnica pode logo dar sinais
de esgotamento, por falta de imaginao, e o corpo feminino no mais ele prprio,
seno objeto de esteretipos de excitao e desejo (JEUDY, 2012, p. 14).
57
com os olhos voltados para a cultura do corpo que a escritora Fernanda Young
produz sua literatura, especificamente em seu romance A sombra das vossas asas (1997). Este
romance trata da cultura do corpo feminino na atualidade. De acordo com rica Schlude Wels
no ensaio Sexo, corpo e estratgias de identificao: a produo miditica de Fernanda
Young (2005):
58
tabu para as mulheres. Mas, uma mulher falar de assuntos como esses algo ainda visto com
maus olhos por parte da crtica. De acordo com Borges (2012):
59
televisivos de menor permanncia e profundidade, esteja inserida nesse processo, por isso, o
silncio por parte da crtica especializada.
Na segunda metade do sculo XX, quando a Amrica Latina vivia sob o domnio
da ditadura militar, corpos humanos foram tratados como objetos, contrariando as vontades
dos sujeitos e de seus corpos, para servirem de matria tortura, no no sentido de produzir
transformaes estticas, mas, como castigo, para produzir dor e morte queles considerados
subversivos s leis do regime poltico vigente. A tortura do corpo tratada no ensaio Nas
rodas do tempo, de Ivete Keil (2004, p. 58): O corpo como objeto de tortura corpo
torturado fala de relaes de fora que o submetem, da imposio de uma exterioridade
radical, mas tambm de uma sensibilidade, de um novo estar no mundo agora sempre ligado
brutalidade e a experincia.
Recorremos a esse fato para lembrarmos que os indivduos nem sempre puderam
delegar poder sobre seus corpos e sobre suas vontades. A tortura aplicada ao corpo foi
utilizada desde pocas remotas para produzir: castigo, dilacerao, dor, morte aos indivduos
escravizados e/ou presos, e prazer aos donos desses indivduos, aos carrascos e torturadores
que a praticaram. Na atualidade, libertos da tortura poltica, vislumbramos a tortura e a
dilacerao do corpo realizados sob outro aspecto, a fim de produzir, por meio da dor e
sofrimento, transformao esttica, beleza e prazer.
O romance A sombra das vossas asas (1997) traz como foco o corpo e a esttica
corporal feminina, por meio das transformaes da cirurgia plstica. A protagonista deste
romance apaixonada por sua imagem. Mas seu narcisismo a torna abalada ao descobrir, em
suas relaes com o outro e com o mundo, que seu corpo no atende s expectativas da atual
sociedade de consumo. Ela tenta adequar seu corpo ao perfil do corpo desejado pelos padres
contemporneos, por meio da realizao de vrias intervenes da cirurgia plstica, de uma
dieta rigorosa e mudana de hbitos. Para alcanar tal objetivo, seu corpo e identidade passam
por profundas transformaes.
Em nenhuma outra poca na histria da humanidade o corpo mereceu tamanha
ateno como na contemporaneidade. Para David Le Breton (2003, p.31), em Adeus ao corpo,
nossas sociedades consagram o corpo como emblema de si. melhor constru-lo sob medida
60
para derrog-lo ao sentimento da melhor aparncia. Seu proprietrio, olhos fixos nele mesmo,
cuida para torn-lo seu representante mais vantajoso. O corpo a marca consagrada do
sujeito. Hodiernamente, o indivduo representa-se pelo seu corpo, beleza e atributos fsicos
que exibe, sobressaindo-se mais que suas qualidades morais e intelectuais. Da, o maior
cuidado com o corpo e no s qualidades de sujeito. Ao corpo outra funo atribuda: a de
matria prima a ser experimentada em vrias transformaes.
Pautados na concepo popular a respeito do aspecto corpreo, o sujeito dizia: eu
tenho um corpo; agora o sujeito diz: eu sou um corpo. Para o indivduo como se no
corpo estivesse reunida toda unidade do seu ser, dissociando-o da alma. Este tornou-se um
objeto disposio dos desejos e vontades do homem, para servir aos seus caprichos com os
mais novos e variados experimentos, de acordo com os ditames da moda.
Para Nucia Alexandra Silva de Oliveira (2007, p. 294), no ensaio Imagens de
beleza... questes de gnero: a beleza um dos temas mais debatidos e vendidos em nosso
tempo, visto que, nas prprias revistas, na TV e em todos os tipos de mdia cotidianamente
assistimos a um espetculo de culto ao corpo que no invariavelmente nos leva ao
questionamento.
Em consonncia com Oliveira, estamos frente a um universo da promoo do
belo. Isso se faz por meio de imagens de anncios publicitrios que trazem desenhos, fotos,
ilustraes e outras reportagens direcionadas para o tema da beleza e aos cuidados ao corpo.
Diante da tendncia da representao do corpo, homens e mulheres so alvo de discursos
generificados, no que se refere beleza e ao culto ao corpo. O discurso direcionado mulher
para que ela construa uma imagem delicada, graciosa; para os homens so apresentados
imagens e textos de beleza relativa fora e aos msculos, por serem esses elementos
representativos do universo masculino. Para Oliveira (2007, p. 294-295): Pode-se adiantar
que a anlise das imagens coloca-nos diante de um aparato parte no que diz respeito a esta
promoo do culto ao corpo belo; so veculos que colocam em cena de modo no apenas
mais explcito, mas, tambm, mais direto, aquilo que pretende vender.
Em conformidade com a autora, as imagens so elementos constituidores de
ideias; atuam de forma direta, reforando e dando especial visibilidade observao das
diferenas de gnero. H um tipo de beleza especfica para a mulher e outra destinada ao
homem. Essas imagens colocam o indivduo frente ao produto que se quer vender. Para
Denise Bernuzzi SantAnna (2001), em Corpos de passagem:
61
62
Por maior que seja uma vida, ela perecvel; h um limite mximo de anos para
chegar a seu fim, que marcado pela morte do corpo. Isso marca a efemeridade do corpo
humano. O mesmo processo natural de transformao acontece com a formao da identidade
do sujeito. Ela surge dentro de ns e vai sendo formada medida que vivemos e nos
relacionamos como seres humanos, da maneira como nos apresentamos aos outros, em
diversas situaes em que nos encontramos.
Stuart Hall (2001, p. 38) pontua que: embora o sujeito esteja sempre partido ou
dividido, ele vivencia sua prpria identidade como se ela estivesse reunida e resolvida ou
unificada, como resultado da fantasia de si mesmo como pessoa unificada que ele formou na
fase do espelho. Em consonncia s ideias desse autor, entendemos que, para o indivduo, h
uma identidade como resultado de si mesmo, para apresent-la ao mundo exterior: a
identidade criada a partir de sua existncia, a que o autor denomina unificada na fase do
espelho.
Ela resultante do processo sociocultural no qual o indivduo est inserido. A
formao da identidade acompanha o processo evolutivo que o ser humano vai agregando na
63
medida em que vive: por meio daquilo que ouve, dos mitos, lendas, passados pela tradio de
gerao em gerao para formar o que chamam de identidade cultural. Para Hall (2004):
Diante dessa concepo, deparamos com o presente sob o passado, marcando uma
nova era, que promete ao ser humano receitas fceis de felicidade, liberdade e igualdade aqui
apresentadas pelos tempos hipermodernos. a era que promete a aproximao das
sociedades, das culturas, do tempo e do espao. Segundo Bauman (2005, p.91), a liberdade
de alterar qualquer aspecto e aparncia da identidade individual algo que a maioria das
pessoas hoje considera prontamente acessvel, ou pelo menos se v como uma perspectiva
64
Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e
imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mdia e pelos sistemas de
comunicao globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas
desalojadas de tempos lugares histrias e tradies especficos e parecem
flutuar livremente (HALL, 2004, p. 75).
De acordo com esse autor, o corpo imaginrio est ligado a um corpo simblico
anterior existncia do indivduo, que lhe permite inicialmente uma origem, herdada do meio
do qual se origina, e lhe fornece as bases primeiras para a formao de sua identidade.
65
Porquanto, de acordo com Breton, o corpo serve apenas como matria, que
sustenta o homem. Dele fragmentado, o corpo funciona como um simples objeto esvaziado de
seu carter simblico e de qualquer valor para servir ao rancor dos cientistas como matriaprima a ser experimentada e transformada.
A respeito da evoluo da humanidade, SantAnna (2001, p. 24) pontua que:
Muito do imaginrio ocidental associa o esprito (alma) capacidade de passar por todos os
lugares sem tropeo, atravessando qualquer porta ou pensamento, vencendo, livre de choques
ou dificuldades, os limites do tempo. Para essa autora, enquanto o corpo permanece ligado
66
terra e todas as coisas materiais, algumas sociedades tendem a dar uma maior importncia ao
corpo. Transferiu-se parte da antiga importncia que se dava alma para o corpo, na busca do
corpo imaterial, eterno. Se a alma eterna, deseja-se atingir uma eternidade para o corpo, sem
mesmo esperar a morte do corpo para consagr-lo.
O ideal de imortalidade do corpo, representado na figura daqueles que o cultuam
e desejam que ele seja imortal, veem seus ideais se materializarem na busca do corpo eterno
pelos experimentos de alguns cientistas, que acreditam que o corpo marcado pela doena, pela
dor, pelo pecado e pelo envelhecimento, deva ser suprimido e remodelado. Para Breton (2003,
p.16) o corpo no um local de domnio para o bilogo ou o engenheiro que entende muitas
vezes de trat-lo como um rascunho para lev-lo enfim perfeio ltima que s esperava a
correo da cincia. Mas, segundo essa afirmativa, tratar o corpo como um simples rascunho
a ser remodelado no to simples assim.
Por ser constitudo de carne, perecvel e um dia ser atingido pela morte. Por
essa razo, o indivduo tenta dissociar o corpo da carne, abolindo todos os sofrimentos que se
lanam sobre ele, como o envelhecimento e a morte. Nesse intento, pensa-se que, eliminando
todos os males que afligem a carne, atinge-se a plenitude da vida no corpo e na alma.
Em muitas sociedades devotadas a laicizar a vida, SantAnna (2001, p. 24) fala
que uma antiga paixo pela alma foi transmutada na busca de um corpo transparente,
imaterial, eterno, capaz de se movimentar por muitos espaos e ultrapassar todas as
fronteiras. Para essas sociedades, no mais necessita esperar que o indivduo seja levado ao
ltimo estgio final: a morte, ltima etapa da vida a fim de que seu corpo descanse e sua alma
transite em total liberdade pelo tempo e espao. Mas, sendo o corpo guiado pela inteligncia,
elas veem nele um veculo a ser transformado, com a possibilidade de perpetuar a juventude e
tornar suas formas perfeitas enquanto matria, na tentativa de equiparar corpo e alma.
Para o modelo de sociedades laicizadas, h uma legio de squitos, que esperam e
tentam realizar com essa crena a imortalizao do corpo, pelo menos, enquanto matria viva,
procurando a perpetuao da juventude, beleza e perfeio ao efetivar os mais diferentes e
variados experimentos em relao ao corpo. Este se tornou um acessrio ao comando da
inteligncia. Para Breton (2003):
67
A relao do indivduo com seu corpo ocorre sob a gide do domnio de si. O
homem contemporneo convidado a construir o corpo, conservar a forma, modelar
sua aparncia, ocultar o envelhecimento, a fragilidade, manter sua sade potencial.
O corpo hoje um motivo de apresentao de si (BRETON, 2003, p. 30).
68
forma graciosa e esbelta. O uso de coletes apertados substituam as dietas e davam a iluso de
certa magreza ao corpo. A lenta inveno do espartilho s ocorreu em 1585 e foi usado pela
primeira vez por bailarinas. Ele composto de ferro branco dos dois lados, a fim de tornar o
talhe mais belo.
Com o passar dos sculos, o culto beleza feminina ganha maior expresso,
acentuando o valor para algumas partes do corpo em detrimento de outras. A moda do
vesturio feminino acompanha essas mudanas e produz modelos que valorizam as partes que
se devem destacar no corpo.
Ao final do sculo XIX e incio do sculo XX, a mulher j consegue se inserir no
espao pblico. Com essa insero, o uso do espartilho como vestimenta modeladora, alm de
oferecer um perigo por comprimir demais os rgos internos, impediam as flexes e os
movimentos de que a mulher necessitava para exercer novos ofcios. Com o fim do uso do
espartilho, no incio do sculo XX, os quadris ganham maior liberdade, a linha redesenhada.
Aos poucos, a valorizao dada ao corpo feminino vai mudando o foco da ateno para outras
partes, como para as chamadas partes baixas.
A cirurgia plstica, de acordo com Novaes (2013, p. 136), surge no sculo XVI,
com o Renascimento. Entretanto, somente no iluminismo do sculo XVIII, quando so
resgatados os ideais estticos renascentistas de simetria como medida para o belo, que a
prtica ressurge.
Considera essa autora que existem vrias hipteses sobre a origem da prtica da
cirurgia plstica. Contudo, a mais aceita remonta ndia como o primeiro pas no qual se tem
notcia de ter sido feita a primeira cirurgia desse tipo. Segundo alguns historiadores, a tradio
hindu previa a amputao do nariz para as mulheres adlteras, como forma de castig-las pelo
seu mau comportamento. As cirurgias plsticas realizadas nessa poca tratavam da
reconstruo do nariz dessas mulheres adlteras, marcadas no corpo pelos seus desvios de
conduta.
Ela aponta que, nesse mesmo sculo, surgem mudanas significativas no processo
de emergncia e valorizao dessa prtica. Com destaque para duas delas: o lento surgimento
de um processo de individualizao em que a autonomia assume valor central na vida do
sujeito e a passagem de uma lgica religiosa na qual, at ento, o corpo era visto como ddiva
divina, para uma lgica do livre-arbtrio.
At a Idade Mdia, o pensamento hegemnico consistia em considerar o corpo em
sua forma original, como perfeito, pois fora criado imagem e semelhana de Deus. Alterar
69
qualquer forma corporal era considerado um sacrilgio perante a criao de Deus; da mesma
forma que qualquer defeito fsico era considerado como uma punio divina.
Com a crescente necessidade de sanar pequenas imperfeies no corpo humano,
sobretudo no rosto, parte mais valorizada da mulher, h um avano da medicina nesse sentido.
Em 1910, surgem rumores de um tipo de cirurgia corretiva para o corpo, mais
especificamente para o rosto, com amostragem para esse novo experimento. Segundo
Vigarello (2006):
70
71
esttica sem, contudo, contar com as mesmas garantias de perfeio nos resultados que um
cirurgio renomado pode oferecer.
A personagem Carina do romance A sombra das vossas asas, a exemplo da classe
burguesa, como detentora de uma considervel fortuna, privilegiada pelos recursos que a
medicina esttica oferece: torna-se arquiteta dos planos que iro alter-la esteticamente,
realizando uma grande mudana na imagem que seu antigo corpo refletia at ento,
resultando, com essas intervenes, na alterao de sua identidade. Para Bauman (2005):
bem isso o que a protagonista procura. Adquirir uma imagem que a transforme
em outra pessoa, para ser vista e reconhecida com uma nova identidade, aps a realizao de
todas as transformaes estticas, provenientes de vrias cirurgias plsticas reparadoras.
Carina tem como objetivos colocar toda sua beleza e erotismo a servio de sua vingana. Nos
dizeres de Xavier (2010, p. 108-109), muito importante observarmos:
72
A cirurgia esttica uma medicina destinada a clientes que no esto doentes, mas
que querem mudar sua aparncia e modificar, dessa maneira, sua identidade,
provocar uma reviravolta em sua relao com o mundo, no se dando um tempo
para se transformar, porm recorrendo a uma operao simblica imediata que
modifica uma caracterstica do corpo percebida como obstculo metamorfose
(BRETON, 2003, p.47).
Alterar suas formas fsicas para ter toda sua identidade transformada, no parecia a
Carina o suficiente, pois a narradora a considera uma pessoa totalmente destituda de
73
74
Depois de passar por todas as exigncias que ela mesma se sujeitou fisicamente,
ela ainda consome livros e mais livros de cultura e arte, enquanto se recupera das intervenes
cirrgicas. Mas, falta ainda um ltimo item a ser atingido: o poder de seduo. Sim, para a
conquista do fotgrafo, ela deseja faz-lo de forma total, fazer com que ele a ame e no
consiga mais viver sem ela. Para ter esse poder, Carina necessita avanar seus conhecimentos
na arte ertica.
O corpo da protagonista pode ser comparado a uma arma da qual partir sua
vingana, mas o erotismo ser a munio de que ela necessita para realizar todos os seus
planos: um corpo esteticamente transformado e erotizado a servio da vingana. Ela procura
atingir o prprio amadurecimento sexual, que ainda no possui, para chegar a seu alvo e isto
somente ser conseguido com a prtica da arte ertica, cujo conhecimento especfico,
conforme conceitua Michel Foucault (1988, p.57):
75
utiliza do poder de um discurso sedutor para sair com ele, fazendo com que a convide para
irem a um restaurante. De acordo com a narradora, aps tomar um copo de vinho tinto, ela se
tornou alegre e falastrona. Pede para irem a um motel; confessa que gostaria de conhecer um
lugar como esse. No caminho, no estava mais to segura, mas continuava bastante excitada,
O sinal fechou e ele beijou a boca de Carina. Ela no soube bem como se portar e precipitouse, apertando a mo no pnis do doutor. Estava duro. Carina espremeu um pouco mais e ele
gemeu. (p. 133). Ento, ela percebeu que seduzir algum no algo assim to impossvel de
fazer, que algum sem nenhuma experincia no consiga faz-lo, como se percebe nessa parte
do romance:
Faltando apenas um nariz. Um nariz, e a vida dela estaria perfeita, para conquistar o
homem mais perfeito do mundo. Uma mulher que se fez para algum. Cada
detalhe. A maior declarao de amor j tentada, uma devoo to completa que
poder incluir matar ou matar-se. Ela se d com tanta fria que ele cr que tem nos
braos a mulher de sua vida, mas a morte que abraa, sem saber (YOUNG, 1997,
p.147).
76
seus cabelos. O seu moralismo se foi junto ao hmen (YOUNG, 1997, p. 147-148). A perda
do hmen representa para ela o rompimento com todo seu passado de moa ingnua e gorda.
Aps o episdio decisivo que deu incio sua vida sexual, Carina segue em busca
de mais parceiros que lhe ensinem as mais variadas formas de dar e receber prazer. Para isso,
ela dispe de muitos recursos financeiros para pagar homens experientes que lhe prestaro
servios, como podemos observar nesse trecho do romance:
Ela chorou. Lgrimas abundantes, que molharam todo o seu queixo novo. No
havia sido to feliz. Este era, sem dvida, o maior presente de sua vida. Gostaria de
sair dali e ir direto para uma festa. Uma festa numa boate chique, cheia de gente
famosa. Queria colocar um vestido lindo, danar at se acabar. Iria beber, iria
fumar, iria beijar na boca. Desejava ardentemente beijar na boca. E ali no
consultrio sentiu uma excitao to desmedida que por pouco no seduziu o
cirurgio. Sentimentos fortes, vindos de algum lugar, talvez das profundezas de sua
alma, alma freudiana. Uma sensao de despudor, destituda de qualquer censura,
guardada a sete mil chaves dentro do cofre do seu infraego (YOUNG, 1997, p.
104).
Havia nela muita sede de tudo o que no viveu em toda sua vida. Foi muita
solido e falta de amor. Para viver tudo isso, ela deveria extravasar, deixar sair de dentro de si
a outra mulher em quem havia se transformado. Por meio de um acidente forjado, consegue o
primeiro encontro com o homem que no a reconhece. Rigel v apenas a extraordinria beleza
de Carina, encanta-se por sua jovialidade e inteligncia, sem desconfiar do simulacro ali
presente.
Nos encontros que se sucedeu ao primeiro, o erotismo falou mais alto. Entre seus
corpos houve uma exploso de erotismo e sensualidade, no os deixando viver mais nada, s
77
Embora fosse inevitvel constatar que aquela, largada no banco de trs, berrando,
com as feies transformadas pela desordem mental, era a verdadeira Carina. Aquela
outra, a dcil, a inteligente, a ponderada, a segura, era uma mulher 100% planejada.
Ele no amava Carina, ele havia amado a outra, a inveno (YOUNG, 1997, p. 52).
O confronto entre Carina e sua nova identidade torna-se duro demais. Sabe que
Rigel est enamorado pela nova identidade que criou, no pela antiga Carina. Ela idealizou
uma identidade calculada nos mnimos detalhes, alterando todo o seu corpo para chegar at
ele. Mas, apaixonada por Rigel, no suporta o que ele sente pela sua nova identidade: amor.
Em sua essncia, Carina no deixou de ser quem era; ela no conseguiu apagar e romper com
tudo o que assimilou no decorrer de sua vida, sua cultura; mudou apenas na aparncia, na
parte externa de sua identidade; uma aparncia frgil demais, que no conseguiu sustentar a
outra identidade criada por ela.
Ela tem cimes da identidade que criou (Lee Miller), seu duplo, que no ela,
mas a outra, idealizada. O conflito se estabelece: apesar de ter um corpo lindo, sente-se a
mesma pessoa gorda e disforme, que durante todo o tempo est consciente de que no
amada e desejada. Rigel deseja a outra, a criao. Uma sensao de rivalidade surge a partir
de ento, como se sua antiga identidade tentasse o tempo todo no desaparecer, gerando nela
um grande conflito interno, muito embora as transformaes pelas quais passou tenham feito
surgir naquele corpo transformado outra mulher, outra identidade. Ela no consegue perceber
que a relao social que a une a Rigel no de pessoas, mas de corpos.
Mesmo com o novo corpo, sente-se dominada por sua antiga identidade. No
obstante ter tentado se modificar a partir do novo corpo, a luta interna entre as duas Carinas
faz ressaltar que esse corpo anterior, que a protagonista julgava apenas um objeto, permanece
subjacente, como marcador do que Carina tinha sido. Segundo SantAnna (2001, p. 95) nas
relaes de dominao, o sujeito garante sua condio de sujeito na medida em que mantm o
outro na posio de objeto. Assim, uma relao de dominao, acarreta, frequentemente, a
degradao de um dos lados, no caso, o dominado". O eu e o outro de Carina so,
paradoxalmente, ela prpria, pois, a partir da sua transformao, ela uma mercadoria, um
78
objeto esttico, eroticamente transformado a servio da vingana, mas que sofre o domnio de
sua antiga identidade; entretanto, na prtica, ela no contava em no poder manter tudo sob o
controle.
Sua antiga identidade na essncia teima em fluir e reaparecer, causando terrveis
transtornos em sua mente, influenciando suas aes ao transformar sua vida, de Rigel, da filha
dele e de sua ex-mulher em um verdadeiro inferno. As crises insolveis de personagens
parecem ser a marca no apenas do contemporneo, mas da prpria fico de Fernanda
Young. Elas entram em profundas crises pelas coisas mais banais. Tomamos como exemplo
Carina, que, ao receber um aviso de corte da energia de seu apartamento, ficou desesperada,
colocou todo seu estoque de comida congelada em sacolas plsticas e deixou na esquina, para
que algum pegasse. Voltou para o apartamento e ficou quieta, esperando pelo blecaute,
quando deveria ter pagado a conta; com isso, emagreceu quatro quilos. Mas o corte no
aconteceu, foi apenas um aviso falso. Segundo Borges (2012), h:
Ele jamais amou a menina gorda que por dentro ainda era. Carina era gorda e tinha
um corpo lindo. Era manequim 38 e pesava 80 quilos. Possua um rosto bochechudo
numa face lnguida e delineada. Ele no amava Carina, ento. O jogo estava feito,
algo metafisicamente drummondiano (YOUNG, 1987, p. 99).
Para Carina, aquela em quem havia se transformado no era ela, mas a outra, Lee
Miller, a inveno como afirma a narradora. O corpo inventado e construdo apenas para
satisfazer uma necessidade ditada pelo mercado da beleza e dos sentimentos transformados
em mercadoria no comporta a dura realidade. Planejar um projeto de vida a partir de
motivaes externas para adequar-se ao desejo do outro, que nesta fico representa-se pelo
79
fotgrafo Rigel e o mundo da moda no qual ele est inserido. Carina deseja fazer parte da vida
de Rigel e de tudo que est ligado a ele, mas isso pode ser algo bastante perigoso.
A literatura de autoria feminina contempornea, com os olhos voltados para a
questo da mulher, de seu posicionamento como ser de direitos, procura apresentar na fico
fatos do cotidiano feminino, sua preocupao com os padres exigidos pela ditadura do corpo,
esteticamente belo e sensual exigidos pela era atual. Sob essa ditadura, a mulher do presente
procura atender aos apelos da mdia e da sociedade de consumo, alterando sua identidade, ou
apenas significando sua identidade a partir de padres de beleza.
80
81
Os indivduos imitam atos, comportamentos e corpos que obtiveram xito e que tem
prestgio em sua cultura. No caso brasileiro, as mulheres imitveis, as mulheres de
prestgio, so, atualmente, as modelos, atrizes, cantoras e apresentadoras de
televiso, todas elas tendo o corpo como o seu mais importante capital, ou uma de
suas mais importantes riquezas (GOLDENBERG, 2010, p. 45).
82
83
nossos dias um dos maiores desejos individuais de todos os tempos, bem maior do que o
desejo de adquirir o ouro e a prata, valores materiais perecveis. Na atualidade, tenta-se, com
o ouro e a prata, adquirir a juventude eterna, como no romance Fausto. Se a longevidade traz
em si o preo da decrepitude, deve-se ento, romper com a velhice.
A fico, muitas vezes, representa nossa sociedade, costumes, modos de vida, de
ver e conceber o outro e o mundo nossa volta. Em nossa contemporaneidade, a
representao da realidade uma constante. Nessa aluso, o preconceito tambm no deixou
de existir. A fico, com frequncia, o retrata como forma de excluso que recai com maior
fora sobre a imagem da mulher, principalmente quanto sua sexualidade na velhice.
Conforme Susana Moreira de Lima Bigio, no ensaio O corpo interditado: a sexualidade de
uma mulher velha em Lygia Fagundes Telles (2010, p. 144), esse fato talvez se deva falta de
voz, quando: a mulher busca desvendar seus prprios fantasmas por meio da escrita. No
dizer de Bigio, a sexualidade feminina, o direito voz e a representao da escrita foram
igualmente reprimidos ao longo da histria.
A represso concernente autorrepresentao feminina ganha espao e voz aos
poucos, como no romance A sombra das vossas asas (1997), no qual Young trouxe luz a
questo da velhice, representada na fico pelos pais da protagonista. Ela apresenta a
sexualidade feminina em idade considerada avanada e, como maior agravante, a maternidade
nessa idade. Como fora contrria velhice, a autora apresenta a juventude, beleza e
perfeio, representadas pela protagonista desse romance. Mas, ao mesmo tempo, apresenta a
protagonista preconceituosa quanto velhice e sexualidade das pessoas nessa fase da vida.
O preconceito maior dela recai para a mulher em idade avanada de modo geral e, em
especfico, para sua me.
Carina muitas vezes descrita pela narradora como mantenedora de grande
preconceito em relao velhice. Esse um fato notadamente explcito no decorrer de toda a
narrativa quando apresentada em vrios trechos do romance: Na sociedade em que viviam
um casal daquela idade o pai tinha 55 e a me, 46 no deveria mais apresentar qualquer
tipo de sexualidade. (YOUNG, 1997, p.21) Afinal, ela fruto do relacionamento entre duas
pessoas em elevada idade. Sua me, Ldia, foi considerada estril at o dia em que se
descobriu grvida, aos 46 anos de idade. No suportando o fato de ser velha e tornar-se me,
sucumbiu morte poucos meses aps dar luz a uma menina, Catarina Stielfman (Carina). A
morte da me tornou-se um pesado fardo para a menina, no sentido emocional, assim como
pelo lado fsico e prtico da vida.
84
85
mesmo estando em uma terra distante. O sonho de ter um filho fez-se no sentido de dar
continuidade sua histria, em uma nova vida, para manter vivo seu passado e sua memria.
Carina, no frescor da juventude, no v com naturalidade o fato de Chaim ter se
tornado seu pai aos cinquenta e cinco anos de idade. Para ela, isso considerado algo fora do
normal, por considerar essa idade muito avanada para que uma pessoa tenha uma vida sexual
ativa. Gravidez, ento considerada por ela como algo vergonhoso, pois v na imagem de
uma mulher grvida em idade avanada como fruto de uma safadeza, ou seja, a prova de
que ainda tem relaes sexuais. Carina cercada desse preconceito at pouco antes de decidir
pela mudana esttica em seu corpo e em sua identidade. Assim o foi para a me de Carina,
conforme a narradora apresenta nesse trecho do romance:
86
Ldia, em muito, diferencia-se da imagem de uma bela mulher. Joana Vilhena de Novaes, no
ensaio O intolervel peso da feiura: sobre as mulheres e seus corpos (2013), afirma que:
87
Para esse autor, o privilgio da prtica sexual permitida sem segredo, com gestos
e anatomias mostradas sem nenhuma vergonha, vigorou at o incio do sculo XVII, sendo
substitudo pelo regime imperial vitoriano, no qual o sexo proibido, torna-se reserva de
direito apenas ao casal no sentido da procriao. Aos demais, proibido pratic-lo livremente,
para os quais se permitem lugares especiais, chamados zonas de tolerncia, em que os
excessos relacionados sua prtica so autorizados em surdina, com a cobrana de altos
preos. Esse regime vitoriano referente sexualidade contida, proibida, sobreviveu at
recentemente. Nos dias atuais esse controle j no mais possvel de ser mantido com tanta
severidade. H uma maior tolerncia e permissividade para as prticas sexuais.
88
Se as questes que afetam as mulheres podem ser particularizadas por gerao, por
orientao sexual, por classe, raa/etnia, existe um percurso que atravessa essa
particularizao. Esse percurso poltico, ou seja, a ateno dada s diferenas entre
as mulheres uma construo poltica que afeta no somente os movimentos sociais,
mas, acima de tudo, uma maneira de percebermos as relaes sociais no mundo
contemporneo. Essa percepo no oblitera a questo do acesso desigual aos
recursos para transformar as diferenas em diferenas politicamente legtimas.
(ALVES, 2011, p. 175).
Mesmo que na atualidade haja homens e mulheres que se declaram livres de todos
os embargos ao exerccio da sexualidade plena na velhice, ainda h aqueles que no
conseguiram transpor essas muralhas. O preconceito existente em relao a essa questo
89
algumas vezes colocado de maneira menos visvel, porm ainda existente por parte da
sociedade contempornea, que v a velhice como uma fase da vida na qual o indivduo,
homem e mulher, devem ser excludos ao livre exerccio de representao social, de sua
sexualidade e do direcionamento de sua prpria vida. Fadados ao descaso e largados prpria
sorte, so vistos como amontoados humanos, sem histria, nem memria, sem direitos,
desejos e vontades. Essa recorrncia bem mais forte para a mulher quando envelhece,
recaindo sobre ela todo o peso dos preconceitos e proibies impostas pelo modelo da
sociedade patriarcal.
90
Carina realmente jovem, mas seu tipo fsico no corresponde s exigncias dos
padres impostos pelo mundo da moda a uma modelo. Esta a imagem que Carina passa a
enxergar refletida em seu espelho, logo aps ter lido a entrevista concedida pelo fotgrafo
Rigel a uma revista masculina. Naquele momento em que leu a entrevista, Rigel teve a funo
de espelho mgico para Carina, depois de ter tido seu primeiro contato com ele na agncia de
modelos, onde a fotografou com uma cmera sem filme: isso ela descobre mais tarde, quando
l a referida entrevista. O fotgrafo passou a refletir para ela a verdade em relao sua
imagem: era uma moa gorda. De imediato, sente o desejo de vingar-se do fotgrafo, fazendoo sofrer ao criar uma relao na qual ele seja dependente dela.
Atendo-nos ao fato de que o espelho um substantivo masculino, a mulher deseja
uma imagem jovem e bela para atrair e refletir sua imagem aos olhos do outro, o homem.
Nessa construo, o autorreflexo mais do que a constatao da verdade a respeito da
imagem refletida, pois funciona ainda como uma rejeio do outro em relao imagem
feminina, envelhecida no conto: gorda e fora dos padres estticos no romance.
Do mesmo modo, foi para a madrasta de Branca de Neve. O outro, representado
no espelho mgico pela imagem da princesa, a fez consciente de que envelhecera. Ento, resta
para a madrasta e Carina vingar-se da imagem que o espelho de cada uma delas insiste em
refletir, num reflexo que contraria seus desejos narcsicos. A madrasta decide matar a princesa
para apagar de uma vez sua imagem ameaadora. Carina decide fazer-se seduzir para
conquistar o amor do fotgrafo e assim destru-lo.
Para se vingar, as duas personagens, a do conto e a do romance, decidem, como
primeiro passo, realizar uma metamorfose em seus corpos para, somente depois de efetivada a
transformao, vingarem-se. A madrasta, conhecedora de poes mgicas capazes de deixar
todo seu corpo envelhecido e em farrapos, decide apresentar-se com outra identidade,
irreconhecvel para Branca de Neve.
Quanto transformao da protagonista, isso ocorre em efeito contrrio do conto
de fadas Branca de Neve e os Sete Anes. Ela decide no ser mais a moa sem graa, gorda e
disforme para transformar-se em uma mulher exuberante, atraente, de corpo belo, jovem e
perfeito, pelo bisturi da cirurgia plstica, a nova frmula mgica da era contempornea. Essa
mudana para a protagonista do romance como se vestisse uma segunda pele. Junto a essa
nova mulher, modela-se uma nova identidade. Irreconhecvel para o fotgrafo Rigel. Por meio
das transformaes, cada uma delas, a madrasta da princesa e Carina, permitem-se deixar
aflorar a prpria subjetividade e o autoconhecimento. Posicionadas frente ao outro, ambas
revelam a conscincia de si mesmas.
91
Eco era uma linda ninfa que amava os bosques e as montanhas... Mas tinha um
defeito: gostava muito de falar, e fosse em uma conversa ou debate, tinha sempre a
ltima palavra. Certa vez, ao tentar enganar Juno, deixando-a irritada, esta
sentenciou a Eco: confiscarei o uso da tua lngua, exceto para o que gostas, o de
responder. Ters ainda a ltima palavra, mas no ters o poder de iniciar uma
conversa. Eco viu Narciso, um belssimo rapaz que caava nas montanhas e se
apaixonou por ele. Ele rejeitou todas as ninfas que se apaixonaram por ele, incluindo
ela. Um dia, uma donzela que tinha em vo tentado atrai-lo proferiu uma prece em
que pedia que em alguma vez Narciso sentisse o que amar sem ser correspondido.
A deusa da vingana ouvia a prece e consentiu que o pedido se realizasse. Havia
uma fonte cristalina, que jorrava gua prateada, para a qual os pastores jamais
levavam seus rebanhos. Para aquele lugar veio Narciso... Inclinou-se para beber e
viu sua prpria imagem na gua. Apaixonou-se por aquela imagem, que era a
imagem de si mesmo. (BULFINCH, 2006, p. 137-138).
92
93
Odiava profundamente o convvio com Chaim e amava Chaim. Era esse dbio
sentimento, amor e nojo, que deixava Carina imensamente culpada. Os poucos
contatos fsicos que mantinha com o pai faziam de suas emoes um transtorno
completo. Com o tempo, percebendo esta infeliz realidade, Chaim deixou de beijar a
filha. E o silncio que se formou entre os dois poderia cobrir toda a muralha da
China. (YOUNG, 1997, p.117).
O vazio resultante da falta de sua me fez com que ela obtivesse de seu pai uma
criao ultrapassada, pois, apesar dele ter tentado representar o papel de pai e me para
Carina, no conseguiu orient-la como devia, deixando falhas enormes na sua criao,
poupando-lhe da vida e do mundo. Com isso, uma grande lacuna formou-se em sua vida,
tanto pelo lado fsico, quanto psicolgico, como podemos observar nesse trecho do romance:
Houve dias, que andando pelo Parque Ibirapuera ainda adolescente, em que tinha vontade de
correr at uma famlia qualquer, ali reunida e pedir para ficar. Por favor, deixa eu ficar. Deixa
eu te chamar de me. (YOUNG, 1997, p. 122). Carina busca em vo preencher esta lacuna
de sentimentos, de amor, de sentir a unio por meio de laos de famlia, de se identificar no
seio de uma famlia, da convivncia e do carinho de me. So todas essas carncias que ela
busca suprir numa incessante procura que perdura por toda sua vida.
medida que o tempo passa, a distncia entre eles aumenta cada vez mais at
ceder lugar ao silncio e ao total vazio. O amor dantes existente entre os dois, aos poucos,
divide lugar com outro sentimento, transformando-se em um misto de amor e dio
sustentados pela indiferena dele para com ela. A barreira de silncio que se pe entre eles,
leva-os a se comportarem como dois estranhos habitantes sob o mesmo teto, fechados em si
mesmos e para o mundo exterior dos outros.
A menina cresce e o desejo de ateno aumenta. Para supri-lo, inventa vrias
doenas e formas de morte para si mesma. Isso ocorre seguido de ataques nervosos que
perduram por meses e meses. Enquanto o pai lhe indiferente, ela vive a sonhar com os astros
e gals da TV. Seu desejo em tornar-se famosa alimentado a cada dia no espelho narcsico
de suas fantasias.
Com a perda do pai, Carina livrou-se de todos os pertences materiais dele, na
inteno de livrar-se do poder da dominao que ele mantinha sobre ela: como se desfazer de
objetos, lavar e desinfetar todo o ambiente domstico, fosse suficiente para livrar-se do nojo
que sentia dele, de sua presena e da dominao que exercia sobre ela. Conforme afirma
Bourdieu, em A dominao masculina (2003):
94
Na relao filial entre Carina e Chaim, o poder do patriarca sempre foi uma
constante em sua vida. Nos dezenove anos em que conviveram juntos, aprendeu a acatar tudo
o que o pai lhe dizia, numa educao severa e antiquada, como podemos observar neste trecho
do romance, em que ela: foi guardada da vida. Disso que se entende como vida, coisa que ela
pouco conhecia. Sim, possua uma vida. Respirava, mantinha todas as suas funes biolgicas
em ordem, lia, estudava, tinha relaes sociais mnimas, porm constantes. (YOUNG, 1997,
p. 32). Criada na contemporaneidade, longe de tudo e de todos, nada viveu. Livre dessa
dominao, ela se assenhora de seus bens e de sua prpria vida, pois, antes da perda do pai,
no tivera nenhum bem e muito menos fora dona de suas vontades e de sua vida.
Liberdade e dinheiro eram tudo o que Carina necessitava para realizar todos os
seus sonhos. Aps esvaziar o apartamento e sua vida da presena de seu pai, chegado o
momento de tomar posse do quarto que pertenceu a ele. Tal acontece definitivamente quando
instala ali um espelho de tamanho natural, apoiado em cavaletes para pintura, bem no meio do
quarto. O espelho ser a principal ferramenta que dar origem sua transformao. Nele,
observa cada ngulo de seu corpo nu, sem cortes, numa viso inteira, sem ningum para
perturb-la. Passa vrias horas de janelas abertas observando seu corpo diante de sua imagem
refletida no espelho. Nos momentos em que se observa, nada lhe importa, apenas a imagem
de seu duplo lhe basta. O espelho, como imitao da vida, exerce um grande fascnio sobre
ela, que aos poucos nele vai se descobrindo. Segundo Sueli Meira Liebig, no ensaio Narciso
acha feio o que no espelho (2011):
Nesse processo, Carina vai tomando conscincia de si, descobrindo-se aos poucos.
No entanto, essa conscincia somente lhe d a dimenso de como ela realmente quando sua
imagem confronta-se com o outro, refletindo-se nele. Essa relao eu/mundo, Carina/Rigel,
permite-lhe ver mais do que seu espelho mostrou at ento: sua imagem reflete-se numa
95
dimenso maior do que a imagem contida dentro da moldura de seu espelho narcsico,
enxergava-se como desejava ver, as falhas apresentadas em sua imagem foram-lhe
imperceptveis at o momento de sua socializao com o mundo exterior; o mundo da moda.
do contato com este mundo que surge a inquietao quanto sua imagem refletida. Liebig
(2011) afirma que este duplo
96
Ao deparar-se com tais mudanas ocorridas em sua vida aps a perda de seu pai,
Carina no encontra nada mais que a impea de realizar todos os seus sonhos. No entanto,
diante da recusa do fotgrafo Rigel sua imagem, ocorre uma mudana em seus projetos
futuros. Ter que traar novas estratgias para atingir seus sonhos, agora convertidos em
objetivos a serem atingidos a qualquer custo, mesmo que para isso tenha que desembolsar
muito dinheiro. Agora ela tem uma considervel fortuna, julga poder pagar o preo necessrio
para transformar sua imagem de moa gorda, desajeitada e disforme na imagem ideal exigida
pelos padres de beleza contemporneos.
Movida pelo desejo de atingir esse ideal de beleza ao qual a mulher moderna est
aprisionada na sociedade consumista contempornea, Carina traz consigo a necessidade de
encontrar uma referncia para as mudanas que pretende realizar em seu corpo. Afinal,
emagrecer, modelar formas, tentar ficar bonitinha e atraente parece-lhe pouco impactante. O
destino se encarrega de produzir esse vnculo identificatrio, no qual ter origem a sua nova
identidade. Mas ela no sabe ao certo o que quer, at o momento em que seu olhar se depara
com a fotografia da mulher que ser a essncia de sua transformao. A modelo da fotografia
a personificao da beleza e da perfeio. Um mito da beleza refletido nas pginas de um
livro de arte do fotgrafo Man Ray.
Nessa passagem do romance a narradora no deixa claro o que aconteceu Carina
naquele momento: Ficou atnita no meio da livraria, com esse pesado volume aberto nas
mos. Depois de olhar detalhadamente a foto, catou, l no ndice, mais sobre a mulher
desejada. Encontrou outras cinco pginas. E resolveu levar o livro. (YOUNG,1997, p. 55). A
imagem que viu estampada na fotografia seria uma imagem real, ou foi apenas a viso de um
mito, surgido da iluso momentnea de uma confuso produzida por sua mente conturbada?
Carina apaixonou-se perdidamente pela imagem da modelo estampada na fotografia.
De acordo com Henry Pierre Jeudy no ensaio O corpo como objeto de arte
(2002): O modelo, enquanto figura postural do corpo idealizado, comparvel obra-prima
em perigo. No se trata somente de uma questo de idade e de decrepitude; o modelo em si
no existe, ele mesmo est em construo como as imagens de meu prprio corpo. (p.4l).
dessa forma que a modelo da fotografia est para Carina: uma imagem, uma postura e um
corpo idealizados em um momento nico, naquele momento de sua criao artstica, ou seja,
naquele momento em que o flash da cmera fotogrfica foi disparado, imprimindo seus traos
em um momento eterno. A fotografia representa uma obra-prima, um objeto de arte, que ela
tentar imitar a todo custo, ao duplicar-se na modelo da fotografia.
97
Quando ao mesmo tempo, transforma sua fraqueza e sua fora numa arma, no se
trata de um clculo preestabelecido: espontaneamente ela procura sua salvao no
caminho que lhe foi imposto, o da passividade, ao mesmo tempo em que reivindica
ativamente sua soberania; e, sem dvida esse processo no de guerra leal, mas
lhe foi ditado pela situao ambgua que lhe determinaram (BEAUVOIR, 1980, p.
487).
Para Carina, o objetivo de sua vingana para com o fotgrafo, somente ser
atingido com uma mudana total em seu corpo e em sua identidade, que ter como ponto de
partida uma imagem a ser refletida. Dever haver, portanto, uma fuso das duas identidades
em uma nica: um s corpo abrigando essa dualidade. Ela dever no somente se parecer, mas
ser esta outra pessoa aps toda transformao: uma mulher linda, perfeita, sensual, inteligente,
culta, invejada e desejada, que cause impacto nas pessoas desde o primeiro olhar. Considera,
no mais ntimo de seu ser, que somente assim poder ser feliz.
Carina deduz que as transformaes em seu corpo e em sua identidade sero o
grande passo para atingir seus ideais de perfeio para se vingar. Com essa atitude, ela espera
provar para si mesma que capaz de realizar em si uma transformao, de tal modo, que tanto
seu corpo como sua identidade sejam transformados em uma nova mulher e em outra
identidade.
98
Foi folheando um livro de fotografias de Man Ray que Carina viu quem gostaria de
ser. E com quem tentaria ao mximo parecer-se. Ficou atnita no meio da livraria,
com esse pesado volume aberto nas mos. Depois de olhar detalhadamente a foto,
catou, l no ndice, mais sobre a mulher desejada. Encontrou outras cinco pginas. E
resolveu levar o livro (YOUNG, 1997, p. 55).
Com tais consideraes, Novaes assegura que a eterna busca pela imortalidade
transforma o corpo numa encenao de uma obra de arte. Nessa busca, o indivduo deseja
romper com a finitude, com todos os males que o afligem e com a ideia de morte. Na
atualidade, o corpo tornou-se objeto esttico e passou a ganhar valor como obra de arte. Nessa
viso, o indivduo procura romper com sua condio humana, para tornar-se criatura
assujeitada. referente ideia de rompimento com a finitude que Carina v seus ideais de
transformao. Conforme afirma Xavier (2007, p.108), a narradora de A sombra das vossas
asas apresenta todos os passos da paixo de Carina para atingir seus objetivos: de forma
obcecada, cega, transformando seus planos em um processo doloroso, que a levar ao auto
sacrifcio.
99
Mas afinal quem Lee Miller? De quem se trata a modelo da foto? Ser ela uma
personagem fictcia, criada para o momento da fotografia, ou uma personagem miditica que
realmente existe? Para que conheamos essa personalidade inspiradora da nova identidade de
Carina, necessria uma breve apresentao de Lee Miller, a modelo da foto, em quem
Carina deseja se transformar. As informaes a respeito dessa modelo Lee Miller foram
extradas do site abaixo citado.
Elizabeth Lee Miller6 (1907-1977) no apenas um ser de papel. Nasceu em
Nova York. Seu pai era um fotgrafo e ela, sua modelo; tambm aprendeu com ele a arte de
fotografar. Mais tarde, tornou-se modelo para a revista Vogue americana. Mulher de grande
beleza, encantou Nova York e Paris nos anos de 1930 e 1940.
Ao lado de Man Ray7, fotgrafo surrealista, desenvolveu as tcnicas da fotografia
surrealista, feita mais de sombras que de objetos ntidos, de despojamento com alto nvel de
plasticidade esttica. Atuando ao lado dele, inicialmente como sua assistente e,
posteriormente, como sua amante, foi tambm sua modelo, tendo sido considerada pelos
crticos a precursora deste estilo de fotografia. Alm de Man Ray, Lee Miller serviu de
modelo e objeto esttico para Jean Cocteau e Picasso. Andr Breton e Max Ernest tambm
tm trabalhos sobre ela.
Sua biografia a aponta como uma mulher frente de seu tempo, ousada como
poucas. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi a nica mulher credenciada pelo exrcito
americano a estar presente nos frontes europeus em Buchenwald e Dachau, atuando como
correspondente para a revista Vogue inglesa e registrando os horrores do nazismo. Teve uma
vida social, afetiva e profissional bastante movimentada. Mulher de rara beleza e grande
talento como modelo e fotgrafa, teve inmeros admiradores, amantes e protetores. Casou-se
duas vezes e teve apenas um nico filho, Antony Penrose.
Com vida amorosa acidentada e atuao na Segunda Grande Guerra, Lee Miller
destacou-se, inegavelmente, como um cone de beleza. Deixou um grande legado para a
6
100
humanidade: sua sensibilidade e coragem aliadas ao seu talento de mulher, enquanto modelo e
fotgrafa, enquanto profissional. Foi, sem dvida, uma artista.
Encantada pela imagem desta artista, a protagonista do romance A Sombra das
Vossas Asas nela se inspira para dar o passo decisivo que levar transformao de sua
identidade, conforme podemos observar nessa parte do romance:
Movida pelo desejo de vingana, Carina revela-se firme quanto aos ideais de
transformao pela disciplina que mantm quanto a seu corpo e pelo aprendizado relativo
cultura, para atingir todos os seus objetivos. Para Wels (2005, p. 784), tambm um corpo
previsvel e bem-sucedido atravs da prtica de seu regime. Baseado no consumo, torna-se to
bvio quanto os objetos adquiridos por ele. O desejo de transformao pelo qual ela
movida faz com que discipline o corpo e a mente em favor de seu ideal.
Aps a realizao das diversas cirurgias plsticas, dieta e o aprendizado sobre
cultura e arte, aliados ao seu grande poder de seduo, agora o que esta nova mulher tem a
fazer partir para a conquista de Rigel Dantas. Para atingir o sucesso absoluto, ser valioso
este ltimo item, poder de seduo, o mais fundamental de todos os atributos para a
conquista do fotgrafo.
A literatura contempornea, representada nesta pesquisa pela romance A sombra das
vossas asas (1997), da escritora Fernanda Young, traz em seu enredo a criao do duplo, a
fim de representar a subjetividade da personagem em anlise. De acordo com Joo Emeri
Damsceno, em O homem duplicado:
101
A temtica do duplo tem sido uma constante construo de diversas obras literrias e
um dos primeiros a teorizar a temtica sobre o assunto foi o psicanalista austraco
Otto Rank, na obra O duplo, publicado em 1914, que utilizou os conhecimentos
psicanalticos para tentar justificar alguns posicionamentos de como a duplicidade
ocorre na literatura. Em sua pesquisa existe uma anlise dos fenmenos psicolgicos
e de patologias de vrios autores, o que justificaria a existncia dos duplos e a
necessidade de atingir outra forma de vida. Os desvios de personalidade dos autores,
o narcisismo, a dualidade entre corpo e alma e o culto aos gmeos so citados por
Rank por serem utilizados nas obras de vrios escritores para compor elementos da
duplicidade nesses textos. (DAMASCENO, 2010, p.21).
Dostoivsky O duplo (1846); Hoffmann A imagem perdida (1817); Andersen A sombra (1845);
Stevenson - O mdico e o monstro (1886); Maupassant A Orla (1984); Baudelaire O duplo (1968); Rimbaud
Poesia completa (1994).
9
Borges Obras completas (1974).
10
Fernando Pessoa e seus heternimos: Alberto Caieiro (1889), Ricardo Reis (1887) e lvaro de Campos
(1890).
102
103
No podemos admitir que seja por mero acaso, na mitologia Grega, ou em outra
parte, que o significado mortal do Duplo esteja intimamente ligado ao Narcisismo,
porquanto sabemos que a ideia da Dupla Personalidade (sob todos e quaisquer
pontos de vista) se originou completamente do amor prpria Personalidade.
(RANK, 1939, p. 124).
Segundo Rank, a dupla personalidade tem suas razes fincadas no passado remoto,
surge no folclore, nas supersties e antigos costumes religiosos. Faz parte da tradio e da
cultura. A literatura a mantm viva, estabelecendo um elo entre o passado e o presente, pelo
decorrer do tempo. O amor a si mesmo, prpria imagem refletida, a origem do duplo. Ele
aponta ainda que o duplo pode estar associado personalidade dos autores, que, por meio da
criao de seus personagens, realizam uma catarse prpria, criando sua dupla personalidade.
A essa suposio, necessita-se averiguar elementos biogrficos em prejuzo da obra. Em nossa
pesquisa, no nos reportaremos a essa questo.
O desejo de romper com a finitude do corpo perpassa o indivduo ao longo de sua
histria. Romper com a morte, ou com os efeitos que o levam a esse fim, , em todos os
tempos, o maior desejo da humanidade. O romance e o conto se reportam ao narcisismo das
personagens em seu elevado apego a uma vida cheia de prazeres, luxria, vaidade e apego
extremo riqueza, ao materialismo e efemeridade deste mundo.
Sobre o conto William Wilson, Ana Maria Agra Guimares, no ensaio William
Wilson: o retorno do significante (2012, p. 8), classifica o duplo como: Voluntarioso em sua
forma de fetiche convidativa para todos os seres humanos, entretanto, s chegamos ao
princpio de realidade contornando a pulso de morte. um simulacro que se desdobra em
ofertas desenfreadas, fetichizadas. Afirma ainda que Wilson, seu duplo, um soco no
egosmo narcsico do personagem narrador, pois ele aponta e condena todos os seus defeitos.
instigante o fascnio que a imagem da fotografia causou na protagonista do
romance em estudo. Curiosa, ateve-se reportagem sobre a modelo da foto e foi possvel
descobrir que a modelo no apenas um ser de papel, mas um ser cuja histria deixou um
marco para a posteridade: alm de modelo, Lee Miller foi tambm uma grande artista e uma
grande personalidade. Essa descoberta deixou Carina extasiada diante da reportagem.
Arrebatada por essa imagem, pela sua beleza e jovialidade, a paixo foi
instantnea. Em seu ntimo, desejou ser igual a ela. Igual s no basta, desejou ser ela mesma
a modelo da fotografia da dcada de 1930, de carne e osso, de corpo e alma, reavivada em
cada detalhe, em nossa era contempornea. Vrios pensamentos devem ter passado pela
cabea de Carina a partir daquele momento to revelador, com novas ideias para sua
transformao. Foi Lee Miller, a modelo da fotografia, a responsvel pela metamorfose da
104
qual se originar a nova identidade de Carina. Isso permite-nos uma retomada ao ritual que d
sentido ao mito, segundo Brando J. (1987):
O olhar pblico que explora a anatomia humana o mesmo que realiza ao extremo
sua ampliao, dissecando e fragmentando o corpo do outro. Por meio dessa
dissecao, que feita nos mnimos detalhes e com toda a acuidade que a tecnologia
permite, chega-se a um nvel de controle e conhecimento sem precedentes na
Histria. (NOVAES, 2013, p. 56).
105
esttica, cirurgia plstica, a fim de remodelar partes do corpo, antes horrvel e disforme,
transformando suas formas em belas e perfeitas, dando-lhe nova vida e novas formas de
sociabilidade.
A aparncia corporal hoje o maior valor individual dos sujeitos. Segundo
Novaes (2013 p.59): A imagem toma o lugar do sujeito, e, sem perspectiva de si mesmo, no
h identidade possvel, ele torna-se estrangeiro em seu prprio corpo, alienado em si mesmo,
pois existe somente como imagem.. Essa afirmativa denota que o indivduo hoje em nossa
sociedade apenas um amontoado de peles e ossos, numa essncia vazia, na qual
representado com a imagem de simples objeto, sob o qual se inscrevem a representao do
sujeito, sem, contudo, haver uma identidade possvel para ele. nessa contextualizao que se
encontra Carina na busca pela prpria identidade.
Ao descobrir-se gorda, ela pensa lipoaspirar toda gordura que incomoda suas
formas fsicas, desde suas bochechas, o queixo, as costas, o quadril, os glteos e as pernas.
Com a lipoaspirao, assim, dever ser eliminada toda gordura existente a mais em seu corpo,
para tornar-se magra. Com a dieta e os exerccios cumpridos com extremo rigor, dever
emagrecer ainda mais. Lee Miller, a modelo da fotografia, fornece-lhe toda a referncia de
que precisa para mudar seu corpo e identidade. Dever se transformar semelhana da outra.
Ser a outra. Dessa forma, dever ser o procedimento de sua transformao.
O espelhamento em uma modelo antiga da dcada de 1930 sugere uma volta s
origens de Carina. Origens que ela no conhece. A imagem da modelo estampada na
fotografia remete-a inconscientemente a um duplo anterior. De acordo com Eduardo Kalina e
Santiago Kovadloff, no ensaio O dualismo (1989), no qual analisam o duplo em Dorian Gray:
Todo duplo anterior evidencia que o transcurso do tempo cclico, uma vez que
com ele retorna o j ocorrido. Onde se aceita sua existncia, no h evoluo no
sentido linear, ascendente, de progresso. A vida passa a ser, gerao aps gerao
mera redundncia. Toda conduta se converte em um fato repetitivo. Todo aquele que
d um passo, d o passo que o outro j deu. O tempo opera circularmente, e cada vez
que se presume avanar, na realidade se est indo em direo a um reencontro com o
passado. (KALINA e KOVADLOFF, 1989, p. 66).
Para os referidos autores, Dorian Gray retorna ao seu duplo anterior ao caminhar
por entre a galeria de fotos de seus antepassados. Assim pode-se estabelecer um paralelo entre
o romance O Retrato de Dorian Gray e o romance A sombra das vossas asas; observamos
que em nenhum momento a narradora do romance menciona a existncia de qualquer
fotografia dos familiares (antepassados) de Carina, de seu pai ou me. Mas, como conviveu
at os dezenove anos com seu pai, perdendo-o recentemente, no havia necessidade de
106
relembrar sua fisionomia. Da me sim, havia. Sua vida teve sempre um vazio causado pela
morte dela; em vo tentou busc-la em outros rostos, em outras famlias, em outras mulheres,
sem, contudo, nunca esse vazio ter sido preenchido.
O encontro com a fotografia de Lee Miller foi fundamental para fornecer-lhe a
referncia de que precisava para preencher o vcuo de sua inconsistncia pessoal.
A modelo da fotografia e a reportagem que a acompanha seria o ideal de me para
ela, to perfeita nas caractersticas fsicas como intelectuais. So a essas caractersticas que
Carina se apega para tentar, ao mximo, se parecer. Assim foi para Carina, que tanto tentou
buscar em seu passado alguma memria no sentido de lhe fornecer uma direo aos seus
planos futuros, encontrando somente algumas peas de bakelite. Porm, no contato com o
mundo, o destino cuidou para que se deparasse com a fotografia de Lee Miller, para lhe dar a
imagem perfeita para sua transformao. As semelhanas entre Carina e Lee Miller vo
surgindo frente de seus olhos medida que explora seus traos, conforme podemos observar
nesse trecho do romance:
Realizar sua meta esttica iria requerer imensas doses de boa vontade e ajuda da
cincia. Mas ela estava segura do resultado positivo de sua investida, pelo simples
fato de ter os olhos da cor dos de Lee. Assim como os cabelos eram da mesma
qualidade. Os de Carina bem mais louros, mas isso no seria um problema. Isso foi,
alis, o primeiro empecilho que resolveu. (YOUNG, 1997, p.56).
107
108
109
asas, Carina fez de seu corpo e sua identidade, na era atual, a prpria poo mgica formulada
pelo bisturi da cirurgia plstica, utilizada para atingir seu alvo, sem ser reconhecida. Ela
mesma foi o veneno, a droga, da qual Rigel ingeriu em doses dirias, nos poucos anos em que
conviveram, at lhe causar total dependncia, e, conforme ela previra, causar-lhe a destruio
total. Esse foi o preo que Rigel pagou por um dia t-la desprezado.
Prova-se, com isso, que a protagonista teve seu plano de vingana concludo ao
despertar nele tamanho amor. Mas, assim como o fotgrafo Rigel, Carina foi tambm atingida
pelo seu prprio veneno, ingerido em pequenas doses dirias, na convivncia dos dois, por
saber o tempo todo que o amor que lhe fora devotado no havia sido para ela, mas para a
outra. Isso foi duro demais para Carina, conviver com a rival que ela mesma criou.
Pouco tempo depois de t-la internado, e movido pelo poder de dependncia que
Carina havia criado nele, Rigel volta ao sanatrio, retirando-a de l. De volta para casa, ela
parece constrangida e, mesmo nessa situao extrema, ela continua apegada aparncia,
como se isso ainda fosse tudo. No parece se importar com os motivos que levaram-no a
intern-la, preocupa-se apenas com a forma como est vestida, to sem beleza, na
circunstncia de interna num sanatrio. Dentro do carro, os dois seguem silenciosos, num
caminho que somente o destino saber onde vai dar.
Carina, a rf mimada, cercada de cuidados pelo pai, ao crescer, no admite ser
contrariada em seus desejos. Torna-se uma mulher fria e caprichosa, que deseja a morte do pai
para receber sua herana. Simula uma batida de carro envolvendo Rigel e ela. Pretende, desse
modo, chegar at ele, depois conquist-lo como parte da vingana que dever ser sua
destruio, causando-lhe sofrimento e total dependncia dela, mas se trai em seus planos de
vingana. Consegue realizar seu intento, porm, torna-se presa na prpria armadilha.
Para isso, seu corpo e sua identidade recebem cargas de alteraes to profundas
que Carina inscreve sobre sua pele um novo corpo. Sua identidade, por meio da criao da
outra, transforma-se em nova identidade para abrigar a nova mulher, agora transformada.
Com o que ela no contou em nenhum momento que a outra, seu duplo, tomaria
para si toda a ateno, afeto e amor de Rigel. Ela no conseguiu romper com seu passado de
menina gorda, desajeitada, sem nenhuma autoestima, que dentro de si ainda era, o que lhe
gerou uma profunda crise de identidade. Todo o sofrimento fsico pelo qual passou para
adequar seu corpo ao padro do corpo da outra, a cultura que adquiriu, no foram suficientes
para dar-lhe o equilbrio, amor e a autoestima que tanto desejou. Ao contrrio, s fez
aumentar sua infelicidade e a daquele a quem amou desde o primeiro instante em que viu. Sua
criao, idealizada para ser perfeita, torna-se sua rival ao tomar o seu lugar diante do outro.
110
5 CONSIDERAES FINAIS
111
um estilo que marque uma poca. Tambm h o fato dela apresentar um visual polmico, ser
adepta da cultura pop e pelas suas declaraes controversas. Sua literatura apresenta uma
linguagem simples, de fcil entendimento, que consegue captar a ateno do leitor. A
escritora se utiliza de termos chulos, que ao nosso ponto de vista so desnecessrios em sua
obra, porm, o emprego desses termos no causa prejuzo ao enredo; isso deve ser visto como
necessrio autora no momento de sua criao. Diante de tudo isso, ela continua no mercado
editorial com uma expresso autoral autntica, sem mudar seu estilo, atinge altos ndices de
vendagem.
Em nossa era contempornea, em que as identidades j no podem mais ser fixas,
o indivduo passa por constantes alteraes identitrias, como o caso da protagonista Carina,
deste romance, que, ao constatar, diante do outro, que sua imagem no corresponde ao
modelo esttico corporal ditado pela mdia atual, decide transformar seu corpo e sua
identidade, para ter aceitao nesse mercado cada vez mais exigente. Para isso, ela decide
transform-lo, valendo-se de todos os recursos tecnolgicos no campo da medicina esttica,
da cirurgia plstica, da cosmetologia, dos suplementos alimentares, do vesturio, para munirse dos atributos fsicos, estticos e culturais necessrios para atingir o padro de beleza ditado
pela mdia atual, no sentido de atender ao mercado consumidor.
A partir dessa anlise e descrio de como vista a imagem corporal feminina em
nossa sociedade atual, representada nessa obra, verificou-se que esta fico em muito se
assemelha realidade. Disso depreende-se que Fernanda Young criou um universo referencial
para a esttica corporal feminina, que permite ao leitor conhecer o universo no qual circula
essa imagem, no mbito social e cultural que formam sua identidade. Ela mostra o romance
sob mais de uma perspectiva. s vezes o enredo contado sob a perspectiva de Carina, outras
vezes sob a perspectiva de Rigel. Os olhares dos dois sobre a histria s vezes se cruzam.
O enredo desse romance no apresenta linearidade e a narrativa tem uma grande
carga humorstica. Essas caractersticas so encontradas em outras obras desta autora. O
romance A sombra das vossas asas marcado por personagens que apresentam uma psique
muito forte, pelas suas loucuras e questionamentos psicolgicos. Os dois protagonistas,
Carina e Rigel, apesar de parecerem muito simples, so muito complexos, apresentando
reflexes profundas da vivncia de cada um deles.
Fernanda Young produz uma literatura que vai de encontro ao pblico, ao retratar
ficcionalmente a realidade circundante, pois, retrata a identidade feminina e sua subjetividade
ao tratar de valores que fazem parte de nossa sociedade no tempo presente, como a cultura do
corpo. Uma cultura massificante, qual a mulher encontra-se aprisionada, num tempo em que
112
apregoa-se o mximo de liberdade para o ser humano. Ao corpo feminino, esto atreladas as
imposies de uma sociedade machista, que v a mulher representada pelo seu corpo e no
por suas qualidades individuais e intelectuais, mesmo no sculo XX.
Esta pesquisa possibilitou-nos falar ainda da liberdade de expresso, de voz e vez,
por sculos negados s mulheres. As barreiras de silncio que lhes foram impostas ao longo
do tempo so rompidas aos poucos, marcando um perodo obscuro de sua existncia, em que
estiveram relegadas a simples objeto, para sarem desse lugar, no qual no tinham valor de
pessoa e revelarem ao mundo sua subjetividade. Ao descortinar esse horizonte, representado
unicamente pelo universo da dominao masculina, a mulher faz valer sua voz ao se
autorrepresentar; fazendo-se memria de si mesma, deixa de ser memria do Outro.
nesse campo de representao que se encontra a escritora Fernanda Young. Ao
soltar sua voz, aos poucos faz-se ouvir do lugar de sua fala. As editoras com as quais editou e
edita seus livros so editoras grandes, que tm autonomia e longo alcance para divulgar seu
trabalho, pois atingem um grande pblico. Com isso, a obra dessa escritora alcana com maior
facilidade o pblico leitor e seu discurso melhor divulgado. Esse um dos pontos
importantes e positivos aos quais sua literatura est vinculada. Apesar de todas as
controvrsias, do silncio imposto pela crtica ao seu discurso literrio, ela continua atuante
no mercado editorial, com uma intensa produo.
Esta pesquisa permitiu-nos lanar o olhar para os escritores excludos, os editores
que editam seus livros em editoras menores, com menor alcance do pblico, e constatar que
esses tambm merecem ser vistos com maior ateno. Essa ateno deve-se aos escritores,
seus editores e editoras, pois, realizam um trabalho importante de divulgadores dessas obras,
o que lhes permite representarem-se do lugar de sua fala. Se existe uma literatura produzida
nas bordas, porque h uma fluidificao dos significados das coisas e do mundo, um
entrecruzar de saberes que se expandem para formar a cultura e a memria; por isso, as vozes
excludas no podem calar-se, merecem ser ouvidas.
113
6 REFERNCIAS
AIRES, Eliana Gabriel. O conto feminino em Gois. Goinia: Editora da UFG, 1996.
ALVES, Andrea Moraes. Geraes em perspectiva: os sentidos da sexualidade feminina na
velhice e na vida adulta. In: GOLDENBERG, Mirian. Corpo, envelhecimento e felicidade.
(Org.) Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2010.
ARRAES, Guel. Contracapa do livro Vergonha dos ps. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996.
BACHELARD, Gaston. A gua e os sonhos: ensaios sobre a imaginao da matria. Trad.
Antnio de Pdua Danesi. So Paulo: Martins Fontes, 1989.
BATAILLE, Georges. O erotismo. Trad. Cludia Fares. So Paulo: Arx, 2004.
BARTHES, Roland. Crtica e verdade. Trad. Leyla Perrone Moiss. So Paulo: Perspectiva,
1999.
______. A morte do autor. In: ______. O rumor da lngua. Lisboa, Portugal. Edies 70,
1984.
BAUMAN, Zigmunt. Identidade. Entrevista a Benedetto Vecchi. Trad. Carlos Alberto
Medeiros. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor, 2005.
______. Modernidade lquida. Trad. Plnio Dentizien. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor,
2001.
BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: fatos e mitos. v. 1. Trad. Srgio Milliet. 3. ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
______. O segundo sexo: a experincia vivida. v. 2. Trad. Srgio Milliet. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1980.
______. A velhice. Trad. Maria Helena Franco Martins. Rio de Janeiro: Nova Fronteira 1970.
BBLIA, Sagrada. Salmos. Portugus. Trad. Centro Bblico Catlico. So Paulo: Ave Maria,
70. ed. 1989. p. 703.
BIGIO, Sandra Moreira de Lima. O corpo interditado: a sexualidade de uma mulher velha em
Lygia Fagundes Telles. In: DALCASTAGN, Regina e LEAL, Virgnia Maria Vasconcelos
(Org.). Deslocamentos de gnero na narrativa brasileira contempornea. So Paulo:
Horizonte, 2010.
BORGES, Luciana. O desejo como ruptura: apontamentos sobre fico ertica de autoria
feminina no Brasil. In: RISCAROLI, Eliseu (Org.). Cruzando fronteiras: leituras em Gnero,
Literatura e Educao. Curitiba: Appris, 2012.
BOURDIEU, Pierre. A dominao masculina. Trad. Maria Helena Kuhner. 5 ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
114
______. O poder simblico. Trad. Fernando Tomaz. 10 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2007.
BRANDO, Izabel, MUZART, Zahid L. Refazendo ns: ensaio sobre mulher e literatura
(Org.). Florianpolis: Ed. Mulheres, 2003.
BRANDO, Junito de Souza. Mitologia grega. Vol. 1 3. Ed. Vozes: Rio de Janeiro 1987.
BRANDO, R. S.; BRANCO, L. C. A mulher escrita. 2. ed. Rio de Janeiro: Lamparina,
2004.
BRETON, David Le. Adeus ao corpo: antropologia e sociedade. Trad. Marina Appenzeller.
Campinas-SP: Papirus, 2003.
BULFINCH, Thomaz. O livro da mitologia. Trad. Luciano Alves Meira. 4. ed. So Paulo:
Martin Claret, 2006.
COSTA, Marcelo S. O Efeito Urano: de Fernanda Young. Entrevista concedida ao site
Scream & yell, em 2001. On line. Disponvel em: <http://www.screamyell.com.br /literatura/
fernandayoungum.html> Acesso em: 20/05/2002.
DALCASTAGN, Regina. A auto-representao dos grupos marginalizados: tenses e
estratgias na narrativa contempornea. Letras de Hoje. Porto Alegre v.42 n.4 p. 18-31. 31 de
dezembro
de
2007.
Disponvel
em:
<http://revistaeletrnicaspucrs.br/ojs/index.php/fale/article/viewFile/4110/3112>. Acesso em:
01/11/2013.
DAMASCENO, Joo Emeri. Os duplos em Dostoiesvski e Saramago. Dissertao de
Mestrado. Agosto de 2010. 90 p. Programa de Ps-Graduao em Letras, Leitura e cognio
da Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC.
DESCARTES. Renee. Mditations mtaphysiques. Paris: PUF, 1966.
FERNANDES, Cleudemar Alves. Discurso e sujeito em Michel Foucault. So Paulo:
Intermeios, 2012.
FERREIRA, Jerusa Pires. Cultura das bordas: Edio, comunicao, Leitura. Cotia, So
Paulo: Ateli Editorial, 2010.
FLEIG, Mrio. O mal-estar no corpo. In: TIBURI, Mrcia e KEIL, Ivete (Org.). O corpo
torturado. Porto Alegre: Escritos, 2004.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Trad. Laura Fraga de Almeida Sampaio. 17 ed.
So Paulo: Edies Loyola, 2008.
______. Histria da sexualidade I: A vontade de saber. Trad. Maria Thereza da Costa
Albuquerque. 9 edio. So Paulo: Graal, 2009.
FRANCO, Jean. Marcar diferenas, cruzar fronteiras. Trad. Ala Garcia Diniz. Belo
Horizonte: PUC Minas, 2005.
115
116
LIEBIG, Sueli Meira. Narciso acha feio o que no espelho. Revista Literafro 2011.
Disponvel em: <http://www.letras.ufmg.br/literafro>. Acesso em: 15/09/2013.
LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. Traduo: Mrio Vilela. So Paulo:
Editora Barcarolla, 2004.
MARTINEZ, Fabiana Jordo. De menina a modelo, entre modelo e menina: gnero, imagens
e experincia. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Doutorado em Cincias Sociais
do Instituto de filosofia e Cincias Humanas da Universidade Estadual de Campinas.
Campinas-SP, 2009.
MILLER, Elizabeth Lee. Disponvel em: <http:www.leemiller.co.uk/.> Acesso em:
03/05/2013.
MOISS, Leila Perrone. Altas literaturas: escolha e valor na obra de escritores modernos.
So Paulo. Companhia das Letras, 1998.
MOURA,
Digenes.
A
louca
debaixo
do
branco.
<http://www.aloucadebaixodobranco .com.br>. Acesso em: 02/08/2013.
Disponvel
em:
NASCIMENTO, rica Peanha do. Vozes marginais na literatura. Rio de Janeiro: Aeroplano,
2009.
NOVAES, J. V. Corpo Beleza e Feiura: feminino e regulao social. In: PRIORE, Mary Del e
AMANTINO, Mrcia. (Org.). Histria do corpo no Brasil. So Paulo: Editora Unesp, 2011.
NOVAES, Joana de Vilhena. O intolervel peso da feira: sobre as mulheres e seus corpos.
Rio de Janeiro: Ed. PUCRio, 2013.
OLIVEIRA, Nucia Alexandra Silva de. Imagens de beleza... questes de gnero. Caderno
Espao Feminino, v. 17 n. 01. Universidade Federal de Uberlndia, Instituto de Histria,
Centro de documentao e Pesquisa em Histria (CDHIS), NEGUEM. Uberlndia-MG, 2007.
OLIVETTO, Washington. Contracapa do livro Vergonha dos ps. Rio de Janeiro: Objetiva,
1996.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Anlise de Discurso: princpios e procedimentos. 9 ed. CampinasSP: Pontes Editores, 2010.
______. As formas do silncio: no movimento dos sentidos. 6 ed. So Paulo: Editora da
Unicamp, 2011.
______. Discurso e leitura. Cortez Editora da Unicamp: So Paulo, 1988.
OVDIO. Metamorfoses. Trad. Paulo Farmhouse Albert. Lisboa, Portugal: Ed. Livros
Cotovia, 2007.
PION, Nlida. O calor das coisas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
POE, Edgar Allan. Willian Wilson. In. ______. Histrias extraordinrias. Trad. Brenno
Silveira et. al. So Paulo: Abril Cultural, 1981 p. 85-107.
117
PRIORE, Mary Del e AMANTINO, Mrcia. (Org.). Histria do corpo no Brasil. So Paulo:
Editora Unesp, 2011.
RAMOS, Tnia Regina Oliveira: Literaturas (ou leituras) sem vergonha. Signtica, v. 21 n.1
p. 205-217, jan/jun. 2009. Disponvel em:< http://www.revistas.ufg.br /index. php. sig. Article
/view/ 8626 /6106.> Acesso em: 12 de dez 2010.
RANK, Otto. O duplo. Trad. Mary B. Lee. 2 ed. Rio de Janeiro: Tipografia Alba, 1939.
RAY, Man. Disponvel em: http://www. Ideafixa.com/os-retratos-de-man-ray. Acesso em:
03/05/2013.
RISCAROLLI, Eliseu. (Org.) Cruzando fronteiras: leituras em gnero, literatura e educao.
Curitiba: Appris, 2012.
SANTANNA, Denise Bernuzzi de. Corpos de passagem: ensaio sobre a subjetividade
contempornea. So Paulo: Estao da Liberdade, 2001.
SANTOS, Salete Rosa Pezzi dos. ZINANI, C. J. A. (Org.). Mulher e Literatura: histria,
gnero e sexualidade. Caxias do Sul: Educs, 2010.
______. Duas mulheres de letras: representao da condio feminina. Caxias do Sul Educs,
2010.
SHOLLHAMMER, Karl Erik. Fico brasileira contempornea. Rio de Janeiro: Civilizao
Brasileira, 2009.
SHOWALTER, Elaine. A crtica feminista no territrio selvagem. In: HOLLANDA, Heloisa
Buarque. (Org.) Tendncias e impasses: o feminismo como crtica da cultura. Trad. Deise
Amaral. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
SILVA, Patrcia e OLIVA, Osmar. Sabor e Dessabor: o martrio do corpo em Rudo de
Passos e Mas vai chover, de Clarice Lispector. XII Semana de Letras da UFOP. Pluralidade
da Memria: Literatura, traduo e prticas discursivas. De 23 a 26 de outubro de 2012.
UFOP Mariana, MG. Disponvel em: <http://www.ichs. ufop.br/delet/images
/Anais/Artigo_Velhice2 _ Copia.pdf.>. Acesso em: 31/07/2013.
SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferena: a perspectiva dos estudos culturais.
9. ed. Petrpolis: Vozes, 2009.
STEINER, Jorge. Linguagem e silncio: ensaios sobre a crise da palavra. Trad. Gilda Stuart e
Felipe Rajabally. So Paulo: Companhia das Letras, 1988.
VALLE, Brbara. O feminino e a representao da figura da mulher na filosofia de Kant. In:
TIBURI, Mrcia; MENEZES, Magali de. EGGERT, Edla (Org.). As mulheres e a filosofia.
So Leopoldo RS: Unissinos, 2002.
VIGARELLO, Georges. Histria da beleza. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
WELS, Erica Schlude. A sombra das vossas asas: o corpo como rascunho. Programa de Psgraduao em Letras Vernculas. Rio de Janeiro Faculdade de Letras/UFRJ, 2005.
118
119
ANEXO
120
Foto 2: Lee Miller em uniforme Londres 1944. Como correspondente da Revista Vogue Americana durante a II
Guerra Mundial onde atuou no foto jornalismo nos frontes de Buchenwald e Dachau.
Fonte: http://thebestflola.blogspot.com.br2013/05leemiller_segun_man_ray412html