Cap. Passarelli (2012)

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CAPTULO

Funes da escrita de diferentes gneros


textuais eprincpios norteadores para o
ensino da produo textual
Funes da escrita
Escrever no pode ser tido apenas como um exerccio
escolar, distante da realidade do aluno. Mas nem sempre
os alunos percebem que a escrita que aprendem na escola est presente, tambm, fora dos muros escolares, o
que pode decorrer daquela prtica considerada como
ensino de redao que leva em conta, quase com exclusividade, as tcnicas bsicas de redao. Aulas restritas
identificao de modalidades textuais, incorporao
de modelos de autores consagrados (escolhidos intencionalmente) e solicitao de e scrita baseando-se em tais
exemplos. Em acrscimo a isso, com a incumbncia de
escrever um texto com base aJlenas em um tema ou titulo propostos pelo professor, a prpria escola contribui
para que muitos alunos desenvolvam a crena de que a
escrita, moda de fatdicas redaes, como na primeira

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LfLlAN GHIURO PASSARELlI

parte deste livro, uma exigncia exclusiva da escola,


sem serventia fora dela.
Antes de ser um objeto escolar, a escrita um objeto
social. Assim, a tarefa da escola levar o aluno a perceber
o significado funcional do uso da escrita, propiciando-lhe
o contato com as vrias maneiras como ela veiculada na
sociedade. Da a relevncia de aproximar os usos escolares
da lngua escrita com o aspecto comunicativo dentro e fora
do contexto escolar. A esse respeito, vale recuperar o que
pensei por escrito em minha tese de doutorado, quando
me referi aos usos e funes da e scrita, que variam histrica e culturalmente; variam, da mesma forma, em funo
dos contextos definidos por comunidades especficas (hoje,
a comunidade dos usurios da Internet um exemplo
disso). Quando o sujeito no percebe a relevncia do ensino da escrita para suas necessidades reais, fica contaminado por um desnimo exemplar.
Outro aspecto que contribui para dar um novo tom s
aulas de produo textual ancora-se na perspectiva que
mais se apregoa em relao linguagem. Trata-se de levar
em conta e mostrar aos alunos que a linguagem se realiza
em situaes prticas, de convvio social, por textos orais
e escritos, mediante as quatro habilidades lingusticas
bsicas: falar, escutar, ler e escrever.
Para abrir um espao diferenciado para o ensino da
produo textual, podemos iniciar por uma reflexo sobre a
importncia da escrita em nossas vidas. A cada dia e cada vez
mais, estamos nos deparando com textos escritos das mais
variadas ordens. Se refletirmos junto com nossos alunos
sobre as funes da escrita, podemos mostrar duas funes

ENSINO ECORREO NA PRODUO DE TEXTOS ESCOLARES

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predominantes - comunicativa e informativa. Podemos


acrescentar a essa classificao (Heat, apud Miranda, 1992)
mais uma distino, que se compe de dois grandes blocos:
1. funo utilitria, que diz respeito aos textos redigidos na escola (exclusive textos criativos), tais como
resumos, relatrios, anotaes da lousa, provas,
exerccios etc., e aos textos que remetem aos usos
sociais da escrita, voltados a informar, formar opinio, explicar, argumentar, documentar, orientar,
divulgar, instruir etc.;

2. funo desinteressada, sem interesse pragmtico,


tambm conhecida por funo esttica, se refere ao
que se escreve mais por prazer do que por contingncia e aos textos criativos propriamente ditos
(produzidos ou no na escola), voltados a entreter,
elogiar, sensibilizar, provocar prazer etc.
De acordo com o que se quer veicular, temos diferentes
suportes que podem variar, :go se restringindo aos materiais tradicionais de impresso. O quadro' a seguir, que
no se pretende exaustivo, mostra-nos o propsito comunicativo, o para que escrevemos em diferentes situaes,
quer da vida cotidiana, quer da escolar. Na coluna da esquerda, encontram-se funes sociais e propsitos comunicativos, isto , os objetivos que levam o sujeito a produzir
seu texto; na coluna da direita, esto os gneros que o sujeito produz para atender aos propsitos enunciados.
1. Este quadro foi elaborado inicialmente para uma de minhas palestras. Ele
tem sido reaproveitado em outras situaes de educao lingustica continuada e
agora sofreu mais reajustes.

UUAN GHIURO PASSARELU

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Funo social e/ou


propsito comunicativo

Gnero

cheque; carta comercial; ofcio, memorando,


relatrio tcnico, circulares; curriculum vitae;
Fornecer!obter informaes
textos de procedimentos; e-mails;provas.ree resolver problemas prticos
daes e trabalhos escolares; convites; textos
do dia a dia
para mural; regras de jogos; manuais de instruo; receita mdica; bula de remdio
Partilhar vivncias

depoimentos em redes sociais, em colunas de


revistas; blogue; gora

Reivindicar, manifestar e/ou carta de leitor; carta de reclamao; artigo de


formar opinio
opinio; editorial
fichamentos, resumos, resenhas etc.; anotaNo esquecer
es pessoais em calendrios; pginas de
Fornecer suporte memria
agendas; receita; datas de aniversrios; listas
Formalizar registras perma- convites; certides; certificados; diplomas;
nentes
frases em tatuagens
Substituir comunicaes pr- bilhetes, cartas; telegramas, mensagens eleprias do cantata face a face trnicas [via computador, telefone]

folhetos religiosos; mensagens que orientam


Satisfazer curiosidades, intei- papis sociais; propagandas institucionais;
rar-se
cadernos de perguntas pessoais dos adolescentes

ENSINO E CORREO N A PROOUO DE TEXTOS ESCOLARES

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A produo de alguns desses gneros tambm pode


acontecer na escola e, como exerccio escolar, "simula"
situaes da vida cotidiana e pode at desenvolver o desbloqueio em relao ao papel em branco. Se refletirmos
junto com nossos alunos sobre as funes sociais da escrita, j teremos dado um bom passo contra a relutncia.
Outro passo rumo motivao, como vimos, est na dimenso ldica. Mas preciso verificar at que ponto o
ldico pode reverter a relutncia dos estudantes frente ao
ato de escrever. Antes disso, porm, convm pensar o ldico como agente socializador e, em seguida, vincular a
prtica comunicativa a um ensino sobre e com base nos
conhecimentos prvios tanto dos alunos como do professor.
Contar com os conhecimentos prvios especialmente
do professor requer associ-los s trs dimenses da prtica pedaggica, que aqui destacamos a do saber: uma slida base referente ao aparato terico-cientfico, integrado
aos contedos disciplinares e aos saberes pedaggicos e
didticos.
I

Passar o tempo, ter momen- poemas, pichaes em muros, cadernos pestos de lazer
soais

Noes e pri ncpios tericos

Obter informaes, esclareci- torpedo; telegrama; carta; e-mail ou outra


mentos ou trocar mensagens correspondncia eletrnica; cartes de Natal,
atinentes a relaes sociais de aniversrio
com parentes, amigos e namorados

Comecemos, ento, pela concepo de


Como as relaes humanas so permeadas e estabelecidas
pela linguagem, e a incumbncia da escola, como instncia
pblica de uso da linguagem, propiciar situaes favorveis para o sujeito construir-se como cidado participativo,
pensar o ensino de produo textual luz da linguagem
implica conceb-la

Produzir literatura

acrsticos, crnicas, contos, romances, poemas, haicais, limeriques

QUADRO 2. Funes sociais da escrita: para que escrevemos.

LfLlAN GHIURO PASSARELLI

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[...] no s como forma de interao, mas como processo interacional entre sujeitos que usam a lngua em suas variedades
para se comunicar, para exteriorizar pensamentos, infonnaes, e, sobretudo, para realizar aes com o outro, sobre o
outro. Nesse sentido, a linguagem atividade constitutiva
histrica e social, realizada por sujeitos que interatuam a partir de lugares sociais estabelecidos pela sociedade em questo,
o que no descarta a liberdade de cada sujeito, pois cada sujeito se constitui diferente do outro (Passarel1i, 28b, p. 221-2).

Por ser condio essencial na apreenso e formao


de conceitos que permitem aos sujeitos compreender o
mundo e nele agir, o ponto fulcral, para Geraldi (2lb, p.
34), o da "interlocuo tomada como espao de produo
de linguagem e de constituio dos sujeitos'~
Alm dessa concepo de linguagem, h outras relevantes para os fundamentos que aliceram produtivamente o processo ensino-aprendizagem de base sociointeracionista, cujo foco, ancorado em uma dimenso social, tem a
lngua escrita por objeto cultural com funes sociais diversas, materializadas em textos.
I

im'J

No modelo terico de Coseriu (1997),


uma
unidade lingustica concreta (perceptvel pela viso ou
pela audio), tomada pelos usurios da lngua (falante,
escritor/ouvinte, leitor), em situao de interao comunicativa especfica, como uma unidade de sentido e preenchendo funo comunicativa reconhecvel e reconhecida, independentemente de sua extenso, dentro de uma
norma de pensamento. Geraldi (21b, p. 168) completa,
chamando de texto o que define "como a materializao
superficial lingustica de um discurso que tem sua mate-

ENSINO E CORREO NA PRODUO DE TEXTOS ESCOLARES

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rialidade prpria na sua relao com o social e com a


memria social".
iIl~~'.
por sua vez, a propriedade de um sujeito
V"l';?k.
.,i!:"
se manifestar linguisticamente conforme a convenincia
de determinada circunstncia. Dessa forma, o texto ser
o resultado, o produto concreto da atividade do discurso,
visto que o discurso se concretiza no texto. Na constituio
do discurso e do texto, h sempre uma lngua funcional
que se sobrepe s demais. O discurso, tal como o texto,
est determinado por quatro fatores: o falante, o destinatrio, o objeto (ou tema de que se vai falar) e a situao.
~\iS.'!?1'~:tI;P..

.,

Se a lngua funciona em textos, e no em palavras e


frases isoladas e descontextualizadas de qualquer situao
de comunicao, um trabalho dessa natureza requer uma
articulao da gramtica da frase com a gramtica do texto. O ponto de partida trabalhar o texto, tomado pelos
usurios da lngua em uma situao de interao comunicativa especfica e, com base no gnero em que se materializa, atende ao propsito comunicativo atinente ao contexto em que se insere.
Assim,
. o produto histrico de diferentes
instncias sociais, resultante do trabalho discursivo do
passado, obtido nos processos de interlocuo que acontecem no interior das mltiplas e complexas instituies
de determinada formao social. Por ser produto da histria e condio de produo da histria presente, a lngua
"vem marcada pelos seus usos e pelos espaos sociais
destes usos" (Fiorin, 1993, p. 27-28). Por causa disso, a
lngua nunca considerada produto acabado, pronto,
fechado em si mesmo. "A lngua vai-se constituindo nos

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LfUAN GHIURO PASSARElLI

inmeros processos de interao, de sua natureza ser


vria" (Geraldi, 2010b, p. 37). Alm disso, a linguagem,
como atividade, "implica que at mesmo as lnguas (no
sentido sociolingustico do termo) no esto de antemo
prontas, dadas como um sistema de que o sujeito se apropria para us-las segundo suas necessidades. Sua indeterminao no resulta apenas de sua dependncia dos diferentes contextos de produo ou recepo. Enquanto
'instrumentos' prprios construdos neste processo contnuo de interlocuo com o outro, carregam consigo as
precariedades do singular, do irrepetvel, do insolvel,
mostrando a vocao estrutural para a mudana" (Geraldi,
2lOa, p. 126-7).
Focando mais especialmente no carter da.IDutabilidade lingustica, importante salientar que as alteraes
sofridas pela lngua por influncias de natureza sociocultural da prpria comunidade levam a conceber a variao
lingustica como inerente lngua. Reconhecer essa heterogeneidade em suas variedades de regio, de gnero, de
gerao, de profisso, de classe social, entre outras, considerar analogamente que as unidades lexicais estrangeiras utilizadas para dar conta das necessidades dos falantes
tambm so aceitas como um fato normal da lngua e como
mero efeito de interculturalidade, acompanhando o processo de globalizao (Faraco, 2001).
O
usado pelo sujeito diz respeito estrutura da
lngua que contm os traos distintivos indispensveis, as
oposies funcionais do sistema que "asseguram seu funcionamento como instrumento cognoscitivo e comunicativo",
como sustenta Coseriu (1979). Trata-se do sistema de possi-

ENSINO ECORREO NA PRODUO DE TEXTOS ESCOLARES

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bilidades que permite a criao de palavras e de formaes


novas. A realizao "coletiva" do sistema a ii~~"f!~, que
contm o prprio sistema e os elementos funcionalmente
no pertinentes, mas normais no falar de uma comunidade. A repetio de modelos anteriores, na fala e na escrita,
refere-se ao sistema de realizaes obrigadas, de imposies
sociais e culturais, e varia segundo a comunidade.
O sistema e a norma de uma lngua funcional refletem
sua estrutura. A distino entre norma e sistema esclarece
melhor a compreenso do mecanismo da alterao lingustica, pois o que imposto ao falante no o sistema, mas
a norma, da ser ela coercitiva. Por um lado, o falante tem
conscincia do sistema e o utiliza; por outro, pode conhecer ou no a norma, obedecer-lhe ou no, ainda que se
mantenha dentro das possibilidades do sistema. Por lhe
ser inerente, a lngua tem virtualidade para criar novas
formas, abriga formas feitas e sempre se predispe a atender s necessidades expressivas de qualquer falante que,
aq criar, mostra dominar o sistema da lngua.
I

Para fechar as concepes de Coseriu (1979, p. 72-77)


referentes oposio trplice entre sistema lingustico,
norma e
esta ltima a realizao individual concreta da norma, que contm no s a prpria norma como
tambm a originalidade expressiva dos falantes. A fala,
desse modo, o conjunto de atas lingusticos realizados
concretamente pelos sujeitos.

fi!,

imprescindvel enfatizar vigorosamente que a apropriao do sistema da lngua visa ao uso. Portanto, no
trabalho com a linguagem em uso na perspectiva textual,
a gramtica leva em conta um raciocnio textual cujas ideias

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LfUAN GHIURO PASSARELlI

tm de estar interligadas de maneira lgica, com organizao coerente.


Considerar as ideias traduzidas em palavras dentro do
texto requer ter como ponto de partida o contexto de uso,
e no a regra gramatical. Trabalhar a gramtica pela gramtica intimida e afasta os alunos da leitura e da escritura,
porque com isso no se percebe a lngua em uso. O trabalho com os aspectos gramaticais importante para a produo e a recepo, na medida em que recorrer a tais aspectos nos auxilia na construo dos sentidos.
Com Geraldi (2010b, p. 186) defendo a ideia de que
mais do que descrever com base no normativismo, o ensino de gramtica descontextualizada tem de dar lugar
reflexo sobre a linguagem e sobre o funcionamento da
lngua para desenvolver, alm da competncia lingustica
dos que j a usam e permitir-lhes conviver melhor com
discursos/textos, "a capacidade de observao dos recursos
expressivos postos a funcionar nos discursos/textos".
Assim, na produo textual, isso implica entender que
optar por um modo de pontuar uma passagem pela abertura de um novo pargrafo, por exemplo, decorre mais de
razes de natureza estilstica e/ou argumentativa, conjugando raciocnio e intenes pessoais. Na leitura, trata-se
de reconhecer por que h ocorrncias como essas e qual
efeito de sentido elas desencadeiam.
Assumir a escritura como um processo cognitivo interno desenvolvido pelo sujeito em resposta s convenes
discursivas especficas de determinadas comunidades requer considerar a funo de um texto, com base no contexto em que ele desempenha uma atividade sociocomunicativa. Quanto mais o sujeito conhece as convenes

ENSINO ECORREO NA PRODUO DE TEXTOS ESCOLARES

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especficas tpicas de um dado domnio discursivo, mais


ele tem condies de se adequar ao comportamento lingustico requerido, a essa espcie de script que impe um
determinado padro da lngua em uso em consonncia com
o gnerotextual que d conta daquele projeto de dizer.
. 'O 'quadro terico de propostas de aplicao leva em
considerao estudos lingusticos que observam a lngua
em uso e se sustenta, inicialmente, nos postulados de
Bakhtin (2000): os gneros so um conjunto de enunciados
relativamente estveis e que, por fatores de ordem scio-histrica, quando do uso da lngua como unidade de
processamento textual, as proposies tendem a se agrupar,
tomando, assim, uma configurao caracterstica, ao constiturem uma sequncia caracterstica de proposies que
serve para compor os gneros como formas textuais de uso
efetivo na vida em sociedade.

El_l

Entendendo que
diz respeito aos aspectos fsicos e lingusticos, mais propriamente aos elementos
estruturais que podem ser observados e qu,e, em conjunto,
possibilitam caracterizar um gnero e distingui-lo em meio
a outros (Shepherd e Watters, 1999), nessa linha de pensamento, concebe-se , .
w:)\6'~";~'~
como realizao
,". .'
lingustica concreta definida por propriedades sociocomunicativas. Trata-se do texto, cuja modalidade de realizao
pode ser oral ou escrita, empiricamente realizado, cumprindo funes em situaes comunicativas recorrentes.
~.?-I:

Um bilhete, uma lista de supermercado, um poema,


uma receita mdica, uma charge, uma petio inicial, um
telegrama, um recibo, uma bula de remdio, uma notcia
jornalstica, uma nota fiscal, uma mensagem eletrnica,

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LfLlAN GHIURO PASSARELLI

uma aula expositiva, um bate-papo pela rede virtual, um


conto e por a afora so gneros textuais com objetivos
preestabelecidos.
Um texto se organiza dentro de detenninado gnero
em funo das intenes comunicativas, da se dizer que
um dado gnero se funda em critrios externos: sociocomunicativos e discursivos. Esse agrupamento com base
em caractersticas lingusticas est relacionado noo de
j:ip~;f~~i!~, que se refere mais a modalidades discursivas
ou ento sequncias textuais do que a um texto em sua
materialidade (Koch, 2004). Cada tipo textual funda-se
em critrios internos lingusticos e formais e se define
pela natureza lingustica de sua composio - modalidade, aspectos sintticos e lexicais, tempos verbais, relaes
lgicas, estilo, organizao do contedo. Os tipos textuais
envolvem algumas categorias conhecidas: narrao, argumentao, exposio, descrio, injuno (h autores que
acrescentam a categoria dialogal ou conversacional). Com
a predominncia de uma caracterstica tipolgica em um
texto concreto, esse texto pode ser considerado predominantemente argumentativo, narrativo, expositivo, descritivo ou
injuntivo. Os tipos textuais constituem modos discursivos
organizados no fonnato de sequncias estruturais sistemticas que entram na composio de um gnero textual.
"Tipo e gnero no formam uma dicotomia, mas se
complementam. Um gnero pode envolver vrios tipos,
como uma fbula, gnero em cujo nvel textual predominam sequncias narrativas, mas tambm abriga a presena de sequncias descritivas (cenrio, caractersticas das
personagens) e do carter argumentativo instaurado pela
sentena moral" (Passarelli, 2011, p. 23-24).

ENSINO ECORREO NA PRODUO DE TEXTOS ESCOLARES

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Trabalhar com os gneros na sala de aula requer


vincul-los "s esferas comunicacionais em que so postos
a funcionar", como explicita Geraldi (2010b, p. 186). Essa
perspectiva remete a outra noo de que no se pode abrir
mo: domnios discursivas.
Dmfii~l>,~ml'1ifii1r;
so instncias discursivas de
:-.\t;.; ..;
.c.; -"
...' ._.; v:uma cultura, mais propriamente de uma esfera de atividade humana, nas palavras de Bakhtin (2000), que abrangem
uma srie de discursos especficos. Como Marcuschi (2008)
adverte, no se trata de um princpio de classificao de
textos, pois indica instncias discursivas, tais como: discurso jurdico, discurso jornalstico, discurso religioso,
discurso militar, discurso acadmico etc. Um domnio
discursivo no abarca um gnero em particular, mas d
origem a vrios deles, constituindo prticas discursivas
dentro das quais podemos identificar um conjunto de gneros textuais que s vezes lhe so prprios ou especficos
como prticas ou rotinas comunicativas institucionalizadas
e instauradoras de relaes de poder etc. Os gneros so
prduzidos dentro de cada domnio discursivo por necessidades de natureza comunicativa e/ou sociocultural. Bem
por isso, no h um nmero fixo de gneros em cada domnio, tampouco h uma estabilidade absoluta em relao
aos gneros ainda que dentro de um mesmo domnio discursivo. Alis, no atinente ao nmero de gneros, impossvel levantar quantos existem, pois a cada inovao
tecnolgica novos gneros textuais so criados.
N o mbito do domnio discursivo jornalstico, por
exemplo, podem ser identificados gneros textuais como
notcia, reportagem, editorial, carta de leitor, artigo de
opinio, classificados, entre outros.
:;t.::j:~-' ~~-;::,~":-,,,:

'0'<-:- _~- _~'

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LfuAN GHIURO PASSARELU

Como os gneros textuais so fatos sociais que emergem


na atividade de compreenso intersubjetiva que acontecem
em situaes tpicas nas quais preciso gerenciar atividades
e compartilhar significados rumo a propsitos de ordem
prtica (Bazerman, 200S) , preciso focalizar a aprendizagem na contramo de descries das peculiaridades mais
evidentes dos gneros, desvinculados das condies da situao de interao comunicativa entre sujeitos sociais.
Esses pressupostos de natureza terica contribuem para
que o ensino da produo textual escrita associe a escrita
vida em sociedade, o que leva . necessidade de deixar
clara a nossos alunos a ideia de que todos gneros de texto
so produzidos para determinada sociedade e dentro dela.
Uma possibilidade, e no "a" receita, para consolidar
o ensino de produo textual atrelado s prticas sociais
considerar diversos gneros para o aprendente ter mais
subsdios com os quais ele possa "concretizar" a forma de
dizer em circulao social- um trabalho com o texto que
considera forma e contedo, ambos determinados pelo
funcionamento social e contextuai do gnero.
Explicito aqui um exerccio que meus alunos tanto de
graduao, como de ps tm praticado e que d gancho
bastante significativo para percepo da escrita e sua relao com a vida em sociedade, contemplando a perspectiva
apontada por Bazerman (200S). Distribuo textos dos mais
variados gneros e peo aos alunos que analisem as caractersticas de tais textos, indicando: o gnero textual, o
suporte, a veiculao, a funo social, a natureza da informao, o(s) tipo(s) textual(is) em predominncia e os recursos expressivos e nvel de linguagem predominante em
funo dos participantes da situao interlocutiva.

ENSINO ECORREO NA PRODUO DE TEXTOS ESCOLARES

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Para orientar os alunos quanto operacionalizao de


ordem didtica dos contedos relativos aos gneros, dou
incio lembrando que, como no se separa o que dito das
condies institucionais do dizer, pois o modo de existncia material e o modo de difuso de um texto intervm na
sua constituio (dimenso mediolgica), a identificao
do ambiente em que o gnero aparece da maior relevncia. Assim, o
- de onde, materialmente, o texto
foi retirado - a superfcie fsica ou virtual que, em formato especfico, suporta, fixa e mostra um texto (Marcuschi, 2003); o meio material da mensagem e das redes
tcnicas e humanas que lhe permitem circular.
Reconhecer a _
ou o tipo de situao em que
o gnero se situa tambm contribui para a atribuio de
sentido, pois um texto que veicula em uma situao comunicativa pblica se constitui diferentemente de um em
situao privada ou ntima; um que faz parte de uma situao corriqueira se apresenta com diferenas do que
integra uma mais solene e assim por diante.
Identificar a
do texto propicia mais
condies de o sujeito-leitor se apropriar do que implicam
os propsitos comunicativos do autor do texto e, quando
da produo textual, contribui para que o dizer do produtor se consubstancie dentro de seu projeto de dizer. Como
visto anteriormente, a funo social pode se desdobrar em:
funo esttica, mais propriamente de fruio - entreter,.
elogiar, sensibilizar, provocar prazer etc. -; funo utilitria - informar, formar opinio, explicar, argumentar,.
documentar, orientar, divulgar, instruir etc.
Tambm relevante para atribuio de sentido a identificao de outras caractersticas dos gneros para apreen-

130

LfllAN GHIURO PASSARELlI

so do projeto de dizer do produtor: a natureza da informao, a relao entre os participantes da situao


comunicativa e a variante lingustica utilizada justamente
em funo do perfil do pblico-alvo.
A .'.~
ou o
o assunto e/ot;"a informao transmitida, isto , o que ou pode
tornar-se dizvel por meio do gnero na situao interlocutiva, cuja,
se refere situao de ausriia/presena de contato imediato entre
remetente e destinatrio: conhecidos, desconhecidos, nvel
social, formao etc. Como todo enunciado falado ou escrito emitido determinado "tanto pelo fato de que procede de algum, como pelo fat() de que se dirige para algum" (Bakhtin, 1992, p.113), em funo dessa relao, o
'. .. produtor do texto se vale de uma determinada '
':
.'. .' ou seja, o produtor faz uso do registro lingustic~'''que julga mais adequado em relao situao interlocutiva. Por exemplo, numa troca de correspondncia
eletrnica, o texto do e-mail serformal.ouinformal.dependendo da relao entre os interlocutores. Se se tratar
de relacionamento exclusivamente profissional, o nvel de
formalidade ser bem mais alto do que em outra situao
em que esse gnero pode ocorrer. E mais: independentemente da forma lingustica da \Tariedade que usa, quanto
mais o produtor conhece o conjunto de peculiaridades que
o gnero e-mail apresenta em situao formal, mais sucesso ele obtm quando da sua elaborao. A esse respeito,
Gnerre (1998, p. 6) avana a discusso:
As regras que governam a produo apropriada dos atos de
linguagem levam em conta as relaes sociais entre o falante

ENSINO ECORREO NA PRODUO DE TEXTOS ESCOLARES

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e o ouvinte. Todo ser humano tem que agir verbalmente de


acordo com tais regras, isto , tem que "saber": a) quando pode
falar e quando no pode, b) que tipo de contedos referenciais
lhe so consentidos, c) que tipo de variedade lingustica
oportuno que seja usada. Tudo isto em relao ao contexto
lingustico e extralingustico em que o ato verbal produzido,

Quanto variante lingustica empregada, vale retomar do Captulo 2 que a variao lingustica implica as
variedades de uso da lngua em relao a marcas de uso
decorrentes de fatores geogrficos, socioculturais e estilsticos, a escolhas adequadas do registro formal ou informal de acordo com a situao de uso pelo grau de
formalidade ou pela finalidade. Implica, pois, a diferena
de comportamento lingustico nos processos de interao
como um fato normal na lngua com traos caractersticos
de cada situao de uso, bem como as perspectivas ligadas
heterogeneidade lingustica em suas variedades de regio, gnero, gerao, profisso, classe social, s escolhas
de unidades lexicais estrangeiras e s criaes neolgicas
em funo das necessidadf;i;s dos falantes.
Para a operacionalizao dos contedos relativos aos
gneros, apresento o quadro a seguir, com algumas alteraes do j proposto anteriormente. 2 Este organiza aspectos
inerentes ao conjunto de elementos constitutivos dos gneros. Observe-se que a coluna da direita oferece especificaes tericas para, na coluna da esquerda, serem aplicadas em relao ao texto selecionado para anlise.
2. A primeira verso desse quadro foi elaborada em 2003, quando das aulas na
graduao de Letras na pue-sp, e vem sofrendo alteraes (Passarelli, 2004a, p. 63-:;
PassareIli 2008a, p, 120; Passarelli, 2008b, p. 233), Conforme o utilizo e quanto maIS
estudo, mais alteraes e ajustes ele sofre.

132

LfUAN GHIURO PASSARElll

Forma textual materializada em situao(es) comunicativa(s), cuja modalidade de realizao pode s.er oral ou escrita.
Funda-se em critrios externos: sociocomunicativos e discursivos. Um texto se organiza dentro de determinado gnero
em funo das intenes comunicativas.

')l}~~iI~ L-

~~ii~j.Si~~:;;

mbito de uma esfera de atividade discursiva que d origem


a prticas linguageiras dentro das quais se identifica um conjunto de gneros produzidos por necessidades de natureza
comunicativa e/ou sociocultural. Tais prticas ou rotinas comunicativas, institucionalizadas e instaur3doras de relaes
sociais, de poder, de autoridade, manifestam contingncias situacionais, diferentes e variadas, observveis por marcas lingusticas e discursivas escolhidas em funo dos propsitos
comunicativos e discursivos.
Exemplos de domnios discursivas: acadmico, jornalstico, entretenimento, publicitrio, cientfico, empresarial, literrio, humorstico, religioso, educacional, jurdico, religioso,
militar etc.
No domnio discursivo acadmico, por exemplo, podem ser
identificados, entre outros, gneros textuais como: seminrio,
palestra, comunicao em congresso, defesa de trabalho de
ps-graduao (modalidade ora)), resumo, resenha, artigo
cientfico, ensaio analtico, dissertao, tese (modalidade escrita). Os gneros a seguir so tpicos de outro domnio discursivo, O jornalstico: notcia, reportagem, editorial, artigo de opinio, charge, carta de leitor, anncio classificado etc.
Suporte ou ambiente em que o texto aparece; meio material
da mensagem e redes tcnicas e humanas que lhe permitem
circular.
Superfcie fsica ou virtual que, em formato especfico, suporta, fixa e mostra um texto.
Os propsitos comunicativos podem se desdobrar em:
funo esttica: entreter, elogiar, sensibilizar, provocar
prazer (hedonismo?) etc.;
funo utilitria: informar, formar opinio, explicar, argumentar, documentar, orientar, divulgar, instruir etc.

ENSINO E COAREO NA PRODUO DE TEXTOS ESCOLARES

Assunto e/ou informao transmitida tornar-se dizvel por meio do gnero.

133

o que ou pode

Funda(m)-se em critrios internos lingusticos e formais e


designam uma espcie de construo terica definida pela natureza lingustica de sua composio.
Podem-se agrupar os gneros em relao predominncia
dos tipos narrativo, descritivo, injuntivo, expositivo, argumentativo.
A situao comunicativa pblica em que o texto veicula
apresenta determinadas escolhas que o distinguem de um que
circula em situao privada. O mesmo se d em relao a
textos de outros contextos, uma vez que o texto de uma situao corriqueira implica usos que o caracterizam diferentemente dos que se encontram em situao solene, ntima e assim
por diante.
Em funo da natureza da situao, que define o grau de
proximidade ou distanciamento entre os participantes, os usos
lingusticos com os quais o texto construdo diferem. Se o
pblico-alvo composto por jovens, o texto tem de se apresentar
condizentemente a esse tipo de interlocutor. Quanto mais o
produtor do texto considera o perfil de seu leitor, melhor pode
ficar o produto textual, da a relevncia de levar em considerao
/
o nvel social e a formao, entre outros fatores.
Uso de variantes tpicas de regio, gnero, gerao, profisso, classe ou grupo social e de registro formal ou informal
segundo a situao comunicativa e o tipo de relao entre os
interlocu tores.
QUADRO 3. Operacionalizao de ordem ddtca para anlise lingustico-textual-discursiva de gneros textuais.

Para ilustrar essa operacionalizao em relao aos


gneros textuais, tome-se o exemplo acomodado no quadro
a seguir (cf. Passarelli, 2011, p. 32):

LfllAN GHIURO PASSARELlI

134

riIE
-

...-. 28/08/2010

Crack assassino
Que o consumo de crack est associado prtica
de delitos, j se sabia. O chocante que uma pesquisa
realizada em Belo Horizonte mostrou que os homicdios ligados a uso de drogas na cidade explodiram com
a chegada das "pedras".
At 1996, quando o crack apenas comeava a ser
consumido na capital mineira, as mortes ligadas a
conflitos gerados por drogas ilcitas ficavam em 8,3 %
do total.
Dez anos depois, o ndice de 33,3 %. Enquanto
os homicdios de uma maneira geral esto caindo em
Belo Horizonte, aqueles associados ao uso do crack no
param de crescer.
Essa droga, como se sabe, causa uma dependncia
ainda mais profunda do que outras, como a cocana.
A "fissura" incontrolvel e pode levar o viciado a
cometer atos brbaros.
O que tambm acontece muitas vezes o endividamento do usurio, que depois acaba sendo assassinado por traficantes.
Lamentavelmente, a cidade de So Paulo foi uma
das primeiras a conhecer os problemas do crack. Aqui
surgiu a tristemente famosa cracolndia.
No faz muito, a prefeitura anunciou uma ofensiva contra o acmulo de viciados em reas centrais da
cidade. um espetculo deplorvel, que lembra o videoclipe "Thriller", de MichaelJackson.
Mas pouco mudou. Agora, com as eleies, polticos voltam a fazer promessas.
O problema mesmo difcil de resolver.
No bastam aes policiais. preciso acompanhamento mdico e assistncia sociaL E tambm perseverana - uma virtude muitas vezes ausente do poder
pblico.

Gnero textual: editorial


Domnio discursivo:
jornalstico
Suporte:
Jornal Agora - So
Paulo, em 28 ago. 2010.
Funo social:
.propsitos comunicativos
de formar opinio
(funo utilitria)
Natureza da informao
ou contedo:
a problemtica em
relao ao crack e o
que necessrio para
enfrent-la
Tipo textual em
predominncia:
argumentativo
Veiculao: situao
comunicativa pblica
Relao entre
participantes da
situao comunicativa:
de ausncia, leitor
preconcebido em funo
do suporte
Registro lingustico em
uso na situao
interlocutiva: apesar de
algumas marcas
lingusticas tpicas do
submundo dos drogados,
h predominncia do
registro formal

QUADRO 4. Exemplo de anlise lingustico-textual-discursiva de gnero textual


com base na operacionalizao de ordem didtica.

ENSINO E CORREO NA PRODUO DE TEXTOS ESCOLARES

135

Identificadas as caractersticas mais propriamente atinentes superfcie lingustica do texto e s condies discursivas que orientam a materializao textual, associando
o querer dizer do locutor, que reporta naturalmente "
relao com seus interlocutores e o estilo prprio do sujeito que fala, isto , suas escolhas dentre as estratgias de
dizer disponveis, ou suas elaboraes de estratgias novas
resultantes da articulao que realiza entre o disponvel e
o novo", um ensino diferenciado pressupe, conforme Geraldi (2010b, p.168) adverte, refletir sobre a linguagem e
sobre o funcionamen to da lngua portuguesa para alm do
desenvolvimento da competncia lingustica. Esse tipo de
abordagem propicia desenvolver tambm atividades de
reflexo sobre recursos expressivos e seus efeitos de sentido em funcionamento no gnero em anlise. No se trata
de atividade meramente metalingustica, resultante de uma
teoria lingustica, mas de atividade epilingustica, que
mais produtiva para desenvolver "competncias no uso
/ (perspectiva instrumental) e na conscincia dos modos de
funcionamento da linguagem (perspectiva cognitiva)",
tambm de acordo com Geraldi (2010b, p. 186).
Retomando o texto "Crack assassino", reconhecer o
gnero a que pertence, por meio de aspectos estruturais el
ou de suas caractersticas composicionais remete a consider-lo um editorial, uma vez que, com a predominncia
da tipologia argumentativa, o texto defende um ponto de
vista sobre o assunto, sustentado por argumentos convincentes, alm de no se apresentar "fisicamente" assinado,
outra evidente caracterstica desse gnero textual. Ateno
para o advrbio entre aspas, pois, de acordo com o Professor

136

LfLlAN GHIURO PASSARELLI

Geraldi,3 O fato de no constar no editorial o registro fsico da autoria significa que ele assinado pela instituio
jornalstica. Por tratar-se do gnero de opinio do jornal
e, por isso mesmo, assumido corno institucional, muito
mais do que as reportagens ou notcias no assinadas, em
que aparecem fontes e s vezes as agncias noticiosas,
talvez o editorial seja o mais assinado de todos os textos
veiculados nessa esfera de atividade discursiva.
Tambm a ttulo de exemplificao dos recursos expressivos empregados no texto, no 7 0 pargrafo, com base
no repertrio social, possvel interpretar a relao estabelecida entre o que acontece nas reas centrais da cidade,
e o videoclipe de Michael]ackson serve para descrever o
estado horroroso e lamentvel em que se encontram os
usurios de crack.
Outra atividade significativa em relao aos recursos
expressivos a de identificar a funo de ocorrncias de
natureza lxico-semntica, como a criao de termos novos.
Em "Aqui surgiu a tristemente famosa cracolndia", a palavra grifada, um neologismo, isto , uma rfova palavra criada
para atender necessidade de expresso dos falantes, foi
composta para dar nome a uma regio onde muito grande
o consumo da droga e tem o significado de terra do crack.
O efeito de sentido produzido pelo uso intencional de
mecanismos de notao tambm contribui para o que pode
se constituir em bom exerccio de natureza epilingustica.
No editorial em tela, as aspas so empregadas ao longo do
texto com diferentes finalidades, quais sejam: 1Q pargrafo
3. Essa preciosa advertncia [e outras tantas._.] me foi dada pelo Professor Joo
Wanderley Geraldi por ocasio da leitura que fez deste livro para prefaci-lo.

ENSINO ECORREAo NA PRODUO DE TEXTOS ESCOLARES

137

- realar palavra empregada em sentido figurado como


sinnimo da droga; 4 pargrafo - sinalizar palavra da
linguagem dos drogados, cujo emprego descreve o estado
em que eles ficam quando no a consomem; 7 pargrafo
- assinalar ttulo do videoc1ipe.
Esse tipo de exerccio contempla a construo de saberes lingusticos utilizveis em situaes da vida prtica,
que, para Coseriu (1992), so os saberes sobre conhecimentos atinentes s normas de uso da linguagem: o que
se fala, com quem se fala e em que ocasio se fala. A construo desses saberes produtiva tanto para o aluno se
apropriar das caractersticas dos gneros textuais que servem de base para as propostas, como para o professor
produtor da proposta de produo textual.
Pensando nesse papel do professor, que tambm tem
de redigir textos claros e coerentes para que seus alunos
fiquem de fato orientados quando forem produzir seus
textos, apresento a lista de pontos que o professor tem de
contemplar. necessrio certo esclarecimento antes de
iniciar o trabalho.
comum que o professor utilize o ttulo da redao para
fornecer instrues, mas nem sempre o ttulo oferece pistas
suficientes para que sejam esclarecidas todas as caractersticas do texto. Toda vez que o aluno l a proposta e precisa
de esclarecimentos adicionais do professor para dar inCio
escrita, sinal de que a proposta no est bem redigida.
Para encaminhar a tarefa, deixando os alunos menos
inseguros, este outro quadro, elaborado articuladamente
ao Quadro 3, apresenta os elementos que devem estar
presentes na proposta:

,, ,


Alm do tradicional gnero redao escolar, tambm conhe
cido por texto dissertativoargumentativo e texto narrativo, tem
sido solicitados na escola outros gneros, tais como artigo de
opinio, carta de leitor, receita, crnica, notcia, currculo, poe
Gnero textual

Que forma
ter o texto?

e-mail..
Visto que um mesmo tema pode ser materializado sob dife
rentes formas, como os gneros que constam no pargrafo ante
rior, o aluno precisa dessa informao para, em funo das in
tenes comunicativas, organizar o gnero que lhe solicitado
dentro de suas caractersticas mais peculiarmente estveis e para

llla,

alcanar o que pretende.

Tipo textual em
predominncia:
argumentativo

importante que o professor esclarea aos alunos a noo


sobre tipologia textual, o que implica a predominncia, por
exemplo. do tipo argumentativo.
Por ser o argumento uma manifestao lingustica que inclui
uma assero capaz de levar a uma concluso. enyoh'e a eOllsl
tTuo de 3rgulnentos COl1\'incentes e persuasl\'os para sustl't1tar :
o pon to ele vista defendido. Se o gner~ for um artigo de. t.1Pini"O.\
O aluno precisa
por exemplo, preelomlnantemente lia a presena do tipo '11~11'
saber qual o tipo
mentHtivo; se for UIna carta de leitur, t;.unbI1l: um3 n:Lcit~1. in !
textual que tem de juntivo; UTIln crnica e uma notcia. narrativo; um currl..:ulo. \
ser contemplado?
I
descritivo.
Ateno especial dispensese ao advrbio "preelominante
mente", uma vez que, como no h texto puro, sequncias
narrativas e/ou descritivas, por exemplo, podem complo - da
a perspectiva bakhtiniana da relativa estabilidade dos gneros
textuais. Alis, via de regra, raro o texto em cuja composio
no aparece o descritivo.

Veiculao:
situao
comunicativa
pblica

Onde ci rcular
o texto?
Onde ser
publicado?

O aluno precisa ser informado do destino desse texto, isto


, em que situao circular e em que suporte ser acomodada
a ltima verso, pois, ao ser informado com clareza sobre o
contexto de circulao, ainda que se trate de um exerccio esco
1(~r que somente ter como leitor o professor, isso tambm tem
de ser esclarecido para o aluno dar incio escrita sem ter de
ficar perguntando o que quer que seja ao professor.

Funo social
ou propsito
comunicativo

O que se pretende?
Discutir um tema?
Contar uma
histria?
Organizar
informaes?
Convencer algum
sobre algo?
Entreter/divertir?

Relao entre
participantes
da situao
comunicativa

Quem ler?
O professor?
A turma?
A comunidade
escolar?
Algum de
fora da escola?

sempre no professor.
O papel de quem escreve depende do objetivo e do gnero
do texto. Se o objetivo do texto, por exemplo, for discutir um
tema polmico, espera-se que o redator argumente de forma
convincente e persuasiva. Para tanto, poder assumir a primeira pessoa (do singular ou do plural) ou esconder-se por detrs
da pretensa neutralidade, expressa pela terceira pessoa do

Usalldo um pseudl/imo, redija lima carta presidel/te


Di/ma Rousseff, su,qeril/do-lhe qual deve ser a prioridade
de'>fI( governo, para rea/mfl1tf marcar seullome lia hist'
ria do Brasil. Use argumentos necessrios para cOllvenc-la
de que slla sugesto real mell te re/emltle.

Por se tratar de propsito comunicativo destinado a manifestar opinio, configurando-se, assim, em funo utilitria, a
construo da argumentao tambm pode se basear em proce
dimentos que elogiem a presidente pelo fato de ser a primeira
mulher a galgar esse posto, alm de sensibiliz-la para que aceite os argumentos apresentados, o que tem a ver com a funo
es t tica que tambm compe o propsi to com unica tivo da carta.
O assunto sobre o qual o texto ser produzido a matria-priina. Quanto mais o produtor do texto conhece o assunto, mais

Natureza
d a informao
ou contedo

Qual o assunto
do texto?

Ter cincia do pblico-leitor fundamental, pois sempre se


escreve algo para algum. At mesmo textos que tm como alvo
leitores desconhecidos, em funo do script a ser seguido por
causa da situao comunicativa, possvel ter em mente um
leitor preconcebido.
Se a situao comunicativa criada pelo professor pressupuser outros leitores que no somente o prprio professor, o envolvimento e a motivao podem ser mais promissores para o
aluno escrever o texto. Dessa forma, oportuno que se especifique explicitamente o destinatrio e que a escolha no recaia

Quer seja um ou mais objetivos, o aluno precisa estar devi


damente informado, para que, posteriormente, durante a avalia
o, professor e aluno verifiquem se o que estava na proposta
foi atingido ou no.
Por exemplo: se foi estabelecido para o estudante escrever
uma carta manifestando sua opinio sobre algo, como o foi no
Vestibular Unificado 2012, da PUC-SP, e o estudante redigir um
texto dissertativo-argumentativo, bvio que o produto apresentado no est de acordo com o gnero solicitado e, portanto, no
atende aos objetivos que assim foram enunciados na proposta:

Registro
lingustico em
uso na situao
interlocutiva

Com qual
registro deve
ser construdo
o texto?

facilitada se torna a atividade. Muitas vezes, o estudante no tem


muita familiaridade com o assunto, mas a proposta oferece textos
com informaes que servem para o aluno expandir seus conhecimentos a respeito do que vai desenvolver. No caso da proposta
usada como exemplo, dois textos a compem: um excerto do pronunciamento ela presidente ao assumir o cargo e elado do Censo
de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (lEGE).
Alm disso, frequentemente, o objeto da produo textual
pode ser deduzielo a partir de um tema ou ttulo. Um bom tema
ou ttulo poelero gerar uma discusso, o quej um modo de
comear a trabalhar.
A situao comunicativa e o tipo de relao entre os inter
locutores norteiam a opo pelo registro mais indicado e, em
funo da natureza da situao, que define o grau de proximidade ou distanciamento entre os participantes, os usos lingusticos com os quais o texto construdo diferem. Se o pblico-alvo composto por jovens, o texto tem de se apresentar
condizentemente a esse tipo de interlocutor. Quanto mais o
produtor do texto considera o perfil de seu leitor, melhor pode
ficar O produto textual, da a relevncia de levar em considerao
o nvel social e a formao, entre outros fatores, do destinatrio.
Retomando o exemplo da carta presidente Dilma Rousseff,
natural que o registro seja o mais formal possvel, mesmo que
o candidato se assuma como algum do povo. Pessoas cuja escolaridad" no tenha sido a ideal sabem perfeitamente que com
autoridades o comportamento tem de ser mais formal - quer
seja lingustico, quer referente s regras sociais.
No se trata, portanto, de somente atender norma culta,
mas principalmente de ter em conta que a situao comunicativa estabelece uma interlocuo com pessoas hierara1JiC::lm"ntp

Critrios de
correo

Como a produo
textual ser
corrigida?
Que tamanho
o texto deve
apresentar?

Se os alunos tiverem acesso aos critrios de avaliao adotados pelo professor, eles podero canalizar suas energias produtivamente. Tais critrios esto diretamente relacionados aos
elemen tos anteriores e variam de proposta para proposta, podendo variar, tambm, conforme o gnero de texto solicitado.
Estabelecidos com bastante clareza pelo professor, devem servir
como norteadores tanto para ele prprio como para o aluno.
Observ2-los papel do professor que deseja criar um clima favorvel de trabalho, compatvel com a natureza complexa da
tarefa de escrever.
Em funo dos elementos anteriores esti a extenso do
texto. Aqui entra a questo relacionada ao equilbrio quantidade/
qualidade. Nem sempre escrever muito resulta em bom texto. A
definio de um dado nmero de linhas pode estar relacionada
aos objetivos e ao tempo disponvel.
Exemplificando ainda com base no exemplo do Vestibular
da PUC-SP, alm de haver novamente instruo sobre o nome a
ser adotado pelo candidato - "Use um pseudnimo para assinar
sua carta" -, constava o seguinte: "Seu trabalho ser avaliado
de acordo com os seguintes critrios: esprito crtico, clareza e
coerncia compatveis com o gnero textual solicit:ado e com a
situao comunicativa."
Obviamente o que se espera que o texto apresente a estrutura e os elementos composicionais tpicos do gnero carta
formal, alm da relevncia do que o candidato eleg:e para apontar como prioridade no governo Dilma.

ENSINO E CORREO NA PRODUO DE TEXTOS ESCOLARES

Como o professor o grande agente para desencadear


mudanas, ele quem deve conferir a requerida e devida
ateno ao conjunto de relaes peculiar e constitutivo das
condies de produo textual, considerando os recursos
expressivos mobilizados quando da construo de textos,
e o aluno aprimore sua capacidade de produzir seu prprio
discurso na produo textual que escreve e o revele em
outros contextos situacionais de escrita.

QUADRO 5. Elementos da proposta de produo textual.

Ao defender a ideia de que ressignificar o ensino da


escrita pela interveno mediadora do professor para a
construo de um sujeito-autor em lugar de uma prtica
higienista, o pressuposto bsico a interao construtiva. Mas isso ter mais sentido se o professor considerar
e levar para sua prtica pedaggica que a escrita um
processo. Consciente de que a assuno de tais pressupostos requer um empenho e dedicao maiores e das
condies nem sempre ideais que permeiam a atuao
do professor, as sugestes deste captulo so relevan tes,
mas no pretendem resolver a problemtica que envolve
o ensino da escrita.

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