A Ideia de Deus

Fazer download em doc, pdf ou txt
Fazer download em doc, pdf ou txt
Você está na página 1de 12

criticanarede.

com ISSN 1749-8457


http://criticanarede.com/html/deus.html
criticanarede.com ISSN 1749-8457

20 de Outubro de 2009 Filosofia da religio

A ideia de Deus
William L. Rowe Universidade de Purdue
Traduo de Vtor Guerreiro
Em 1963 foi publicado um pequeno livro da autoria de um bispo anglicano, livro que
causou um tumulto religioso no Reino Unido e nos Estados Unidos.1 Em Honest to God,
o Bispo John Robinson atreveu-se a sugerir que a ideia de deus que predominou durante
sculos na civilizao ocidental irrelevante para as necessidades dos homens e
mulheres de hoje em dia. A sobrevivncia da religio no Ocidente, argumenta Robinson,
exige que se rejeite esta imagem tradicional de deus, a favor de uma concepo
profundamente diferente, concepo cuja emergncia Robinson afirmou ter visto na
obra de pensadores religiosos do sculo XX, como Paul Tillich e Rudolf Bultmann.
Robinson previu correctamente a reaco que a sua tese ia provocar, sublinhando que
encontraria inevitavelmente resistncia, como traio daquilo que se afirma na Bblia.
No s as pessoas ligadas igreja, na sua vasta maioria, se oporiam perspectiva de
Robinson, como a afirmao de que a ideia de deus j morrera ou que pelo menos
estava moribunda provocaria ressentimento nos que tinham rejeitado a sua crena em
deus. Na correspondncia com o director do londrino Times, em artigos de revistas
acadmicas e nos plpitos de dois continentes, Robinson foi atacado como ateu
disfarado de bispo e s raramente defendido como profeta de uma nova revoluo que
ocorria no interior da tradio religiosa judaico-crist. Um olhar sobre algumas das
ideias de Robinson ajudar-nos- a distinguir diferentes ideias de deus e a concentrarmonos naquela que ser o centro das nossas atenes ao longo da maior parte deste livro.
Antes de surgir a crena de que o mundo no seu todo est sob o controlo soberano de
um nico ser, as pessoas acreditavam amide numa pluralidade de seres divinos ou
deuses, posio religiosa a que se chama politesmo. Na antiguidade grega e romana,

por exemplo, os diversos deuses controlavam diferentes aspectos da vida, de modo que
se venerava, naturalmente, vrios deuses um deus da guerra, uma deusa do amor, e
por a em diante. s vezes, porm, podia-se acreditar que h diversos deuses mas
venerar apenas um, o deus da prpria tribo, posio religiosa a que se chama
henotesmo. No Antigo Testamento, por exemplo, h referncias frequentes a deuses de
outras tribos, embora os hebreus se mantenham fiis ao seu prprio deus, Jeov.
Lentamente, porm, surgiu a crena de que o nosso prprio deus o criador do Cu e da
Terra, o deus que no apenas o da nossa prpria tribo mas de todos, perspectiva
religiosa a que se chama monotesmo.
Segundo Robinson, o monotesmo, a crena num s ser divino, sofreu uma mudana
profunda, mudana que Robinson descreve com a ajuda das expresses l em cima e
l fora. O Deus l em cima um ser localizado no espao acima de ns,
presumivelmente a uma determinada distncia da Terra, numa regio conhecida como
os Cus. Esta ideia de Deus est associada a uma certa imagem primitiva em que o
universo consta de trs regies, os Cus em cima, a Terra em baixo e a regio das trevas
sob a Terra. Segundo esta imagem, a Terra frequentemente invadida por seres dos
outros dois domnios Deus e os seus anjos do Cu, Satans e os seus demnios da
regio subterrnea que combatem entre si pelo controlo das almas e do destino dos
que habitam o domnio terreno. Esta ideia de Deus como ser poderoso que est l em
cima, numa determinada regio do espao, foi lentamente abandonada, afirma
Robinson. Agora explicamos s crianas que os Cus no esto de facto sobre as suas
cabeas, que Deus no est literalmente algures l em cima, no Cu. Em lugar de Deus
como o velhote no Cu, surgiu uma ideia de Deus muito mais sofisticada, a que
Robinson se refere como a ideia de Deus l fora.
Mudar do Deus l em cima para o Deus l fora mudar de uma concepo de Deus
como um ser localizado no espao a uma certa distncia da Terra para uma concepo
de Deus como algo distinto e independente do mundo. Segundo esta ideia, Deus no
est em qualquer local ou regio do espao fsico. um ser puramente espiritual, um ser
pessoal, perfeitamente bom, omnipotente, omnisciente, que criou o mundo, mas no faz
parte dele. distinto do mundo, no est sujeito s suas leis, julga-o, orienta-o para o
seu desgnio final. Esta ideia bastante majestosa de Deus foi lentamente desenvolvida ao
longo dos sculos por grandes telogos ocidentais como Agostinho, Bocio,
Boaventura, Avicena, Anselmo, Maimnides e Toms. Tem sido a ideia dominante de
Deus na civilizao ocidental. Se rotulamos o Deus l em cima como o velhote no
Cu, podemos rotular o Deus l fora como o Deus dos telogos tradicionais. E o
Deus dos telogos tradicionais que Robinson considera ter-se tornado irrelevante para
as necessidades das pessoas de hoje em dia. Quer Robinson tenha ou no razo e
muito duvidoso que tenha inegavelmente verdade que quando ns, que herdmos
maioritariamente a cultura da civilizao ocidental, pensamos em Deus, o ser em que
pensamos em muitos aspectos importantes parecido com o Deus dos telogos
tradicionais. Ser til, portanto, ao clarificar as nossas prprias ideias acerca de Deus,
explorar com maior detalhe a concepo de Deus que surgiu no pensamento dos grandes
telogos.

Os atributos de Deus
Vimos que, segundo muitos telogos importantes, se concebe Deus como um ser
perfeitamente bom, distinto e independente do mundo, omnipotente, omnisciente e

criador do universo. Duas outras caractersticas que os grandes telogos atriburam a


Deus so a auto-existncia e a eternidade. A ideia de Deus que predomina na civilizao
ocidental portanto a ideia de um ser perfeitamente bom, criador do mundo mas
distinto e independente dele, todo-poderoso (omnipotente), omnisciente, eterno e autoexistente. Claro que esta lista dos elementos mais importantes dessa ideia de Deus s
esclarecedora para ns na medida em que compreendamos os prprios elementos. Como
ser omnipotente? Como compreender a ideia de auto-existncia? Como se concebe a
distino e independncia de Deus perante o mundo? O que se quer dizer ao afirmar que
Deus, e s Deus, eterno? S na medida em que pudermos responder a estas e a outras
perguntas semelhantes compreenderemos a ideia central de Deus que surgiu na
civilizao ocidental. Antes de passarmos ao estudo da questo da existncia de Deus,
portanto, importante enriquecer a nossa apreenso desta mesma ideia, procurando
responder a algumas daquelas questes fundamentais.

Omnipotncia e perfeita bondade


Na sua grande obra, Summa Theologica, S. Toms de Aquino, que viveu no sculo XIII,
procura explicar o que para Deus ser omnipotente. Depois de indicar que, para Deus,
ser omnipotente ser capaz de fazer tudo o que possvel, Toms explica
cuidadosamente que h dois tipos de possibilidade, a possibilidade relativa e a
possibilidade absoluta, e investiga a que tipo de possibilidade se alude quando se afirma
que a omnipotncia de Deus a capacidade de fazer tudo o que possvel. Algo uma
possibilidade relativa quando um ser ou mais pode faz-lo. Voar por meios naturais, por
exemplo, possvel relativamente s aves mas no relativamente a meros seres
humanos. Algo uma possibilidade absoluta, porm, se no uma contradio nos
termos. Derrotar um mestre de xadrez num jogo de xadrez algo muito difcil de fazer,
mas no uma contradio nos termos; na verdade, isso j foi ocasionalmente feito.
Mas derrotar um mestre de xadrez num jogo de xadrez depois de este nos ter colocado
em xeque-mate no apenas algo muito difcil de fazer: no se pode fazer sequer, visto
que uma contradio nos termos. Tornar-se um solteiro casado, fazer a mesma coisa
ser ao mesmo tempo redonda e quadrada, derrotar algum no xadrez depois de ele nos
ter colocado em xeque-mate so coisas que no so possveis em sentido absoluto; so
actividades que, implcita ou explicitamente, envolvem uma contradio nos termos.
Tendo explicado os dois tipos diferentes de possibilidade, Toms indica que tem de ser
possibilidade absoluta que se alude quando se explica a omnipotncia de Deus como a
capacidade de fazer tudo o que possvel. Porque se nos referssemos possibilidade
relativa, a nossa explicao no seria mais do que afirmar que Deus omnipotente
significa que Deus pode fazer tudo o que est em seu poder. E embora seja seguramente
verdade que Deus pode fazer tudo o que est em seu poder, isso nada explica. Deus
omnipotente, portanto, significa que Deus pode fazer tudo o que no envolve
contradio nos termos. Querer isto dizer que h coisas que Deus no pode fazer? Num
certo sentido, significa precisamente isso. Deus no pode fazer a mesma coisa ser ao
mesmo tempo redonda e quadrada e no pode derrotar-me num jogo de xadrez depois
de eu o ter colocado em xeque-mate. Claro que Deus podia sempre colocar-me em
xeque-mate antes de eu conseguir fazer-lhe o mesmo. Mas se Deus por uma razo
qualquer pudesse fazer-me entrar num jogo de xadrez e deixar que eu o colocasse em
xeque-mate, ento Deus no poderia ganhar aquele jogo de xadrez. Poderia aniquilarme e ao tabuleiro de xadrez, mas no poderia ganhar aquele jogo. Portanto, h muitas
coisas que Deus, apesar da sua omnipotncia, no pode fazer. Seria um erro, porm,

concluir a partir daqui que o poder de Deus de algum modo limitado, que h coisas
que Deus no pode fazer mas que poderia fazer se o seu poder fosse maior. Pois o poder,
como observa Toms, abrange apenas aquilo que possvel. E nada h que seja possvel
fazer mas que Deus no possa fazer por falta de poder. Assim, conclui Toms: Tudo o
que implique contradio no est no mbito da omnipotncia divina, porque isso no
pode ter o aspecto da possibilidade. Pelo que mais apropriado afirmar que no se pode
fazer tais coisas, do que afirmar que Deus no as pode fazer.2
Mas no haver coisas que, ao contrrio de fazer um quadrado redondo, no so
contraditrias e no entanto Deus no as possa fazer? Cometer suicdio ou praticar uma
m aco no envolvem contradio. Muitos telogos, contudo, negaram que Deus
possa autodestruir-se ou praticar o mal. Porquanto essas aces so inconsistentes com a
natureza de Deus com a sua eternidade e perfeita bondade. Poder-se-ia objectar que
as perfeies de Deus implicam apenas que este no se autodestruir nem praticar o
mal, e no que no o possa fazer Deus tem o poder de praticar o mal, mas, como
perfeitamente bom, nunca exercer esse poder. O que escapa a esta objeco, contudo,
que atribuir a Deus o poder de praticar o mal atribuir-lhe o poder de deixar de ter um
atributo (a perfeita bondade) que faz parte da sua prpria essncia ou natureza. Ser
perfeitamente bom faz tanto parte da natureza de Deus como ter trs ngulos faz parte
da natureza de um tringulo. Deus no poderia deixar de ser perfeitamente bom tal
como um tringulo no poderia deixar de ter trs ngulos. Perante esta dificuldade,
talvez seja necessrio corrigir a explicao de Toms acerca do que significa Deus ser
omnipotente. Em vez da mera afirmao de que isto significa que Deus tem o poder de
fazer tudo o que seja uma possibilidade absoluta, diremos que significa que Deus pode
fazer tudo o que uma possibilidade absoluta e que no seja inconsistente com
qualquer um dos seus atributos fundamentais. Como praticar o mal inconsistente com
a perfeita bondade e como a perfeita bondade um atributo fundamental de Deus, no
haver conflito entre o facto de Deus no poder fazer o mal e o facto de ser
omnipotente.
A ideia de que a omnipotncia de Deus no inclui o poder de fazer algo que seja
inconsistente com qualquer um dos seus atributos fundamentais pode ajudar-nos a
resolver aquilo a que se tem chamado o paradoxo da pedra. Segundo este paradoxo,
ou Deus tem o poder de criar uma pedra to pesada que no a possa levantar, ou no tem
esse poder. Se tem o poder de criar tal pedra ento h algo que Deus no pode fazer:
levantar a pedra que criou. Por outro lado, se no pode criar tal pedra, ento h tambm
algo que no pode fazer: criar uma pedra to pesada que no a possa levantar. Em
qualquer dos casos h algo que Deus no pode fazer. Logo, Deus no omnipotente.
A soluo deste quebra-cabeas ver que criar uma pedra to pesada que Deus no a
possa levantar fazer algo inconsistente com um dos atributos essenciais de Deus o
atributo da omnipotncia. Porquanto se existe uma pedra to pesada que Deus no tem o
poder de a levantar, ento Deus no omnipotente. Logo, se Deus tem o poder de criar
tal pedra, tem o poder de fazer com que lhe falte um atributo (omnipotncia) que lhe
essencial. Ento, a soluo adequada do quebra-cabeas afirmar que Deus no pode
criar tal pedra, do mesmo modo que no pode praticar uma m aco. Isto no significa,
evidentemente, que haja uma pedra na srie infinita das pedras que pesam mil
quilogramas, dois mil quilogramas, trs mil quilogramas, quatro mil quilogramas, e por
a em diante, que Deus no pode criar. No caso de uma m aco, Deus no pode
praticar essa aco porque a sua perfeita bondade lhe essencial. No caso de uma pedra

to pesada que no a possa levantar, Deus no pode criar tal pedra porque a sua
omnipotncia lhe essencial.
Vimos que no se pode compreender a omnipotncia de Deus como algo que inclui o
poder de causar estados de coisas logicamente impossveis ou de realizar aces
inconsistentes com seus os atributos essenciais. E quanto a mudar o passado?
Evidentemente, Deus podia ter impedido que Barack Obama se tornasse presidente dos
Estados Unidos. Mas poder Deus faz-lo agora? Um estado de coisas em que Obama
nunca tenha sido presidente no uma impossibilidade lgica; to-pouco parece haver
inconsistncia entre causar esse estado de coisas e a bondade de Deus ou qualquer outro
dos seus atributos essenciais. Mas parece que no est agora ao alcance de qualquer ser,
mesmo um ser omnipotente, fazer que Obama nunca tenha sido presidente. Assim,
embora tenhamos aperfeioado a nossa compreenso da noo de omnipotncia e visto
que a omnipotncia de Deus no o poder de causar seja o que for em absoluto, no
podemos afirmar ter dado uma explicao completa da ideia de que Deus
omnipotente. Pois, como acabmos de ver, h acontecimentos do passado que no se
pode mudar agora, mesmo que se seja omnipotente. E pode haver outros estados de
coisas que um ser omnipotente e divino no possa causar.
A ideia de que Deus tem de ser perfeitamente bom liga-se perspectiva de que Deus
um ser digno de gratido, louvor e venerao incondicionais. Pois nenhum ser digno
de louvor e venerao incondicionais a menos que seja perfeitamente bom. Assim, Deus
no s um ser bom como a sua bondade insupervel. Alm disso, Deus no
perfeitamente bom por acaso; esse modo de ser a sua natureza. Logicamente, Deus
no poderia deixar de ser perfeitamente bom. Esta a razo de termos observado h
pouco que Deus no tem o poder de praticar o mal. Porquanto atribuir tal poder a Deus
atribuir-lhe o poder de deixar de ser aquilo que necessariamente .
Afirmamos que Deus perfeitamente bom por definio? Sim. Mas vemos tambm que
a definio de Deus como perfeitamente bom est ligada exigncia religiosa de que
Deus seja um objecto de louvor e venerao incondicionais, se que no est mesmo
fundada nessa exigncia. E esclarecemos tambm outra coisa. Porquanto afirmmos
tambm que o ser que Deus no pode deixar de ser perfeitamente bom. Um solteiro
por definio no casado. Mas uma pessoa solteira pode deixar de no ser casada.
Claro que quando isto acontece (o nosso solteiro casa-se), a pessoa deixa de ser solteira.
Ao contrrio do nosso solteiro, porm, o ser que Deus no pode abdicar de ser Deus.
Pelo que no afirmamos simplesmente que Deus por definio perfeitamente bom.
Afirmamos tambm que um ser que seja Deus nunca pode ser outra coisa seno Deus. O
solteiro que vive na porta ao lado pode deixar de ser solteiro. Mas o ser que Deus no
pode deixar de ser Deus. Podemos formular isto do seguinte modo: ser solteiro no faz
parte da natureza ou essncia de um ser que solteiro. Pelo que, embora por definio
ningum possa ser solteiro estando casado, essa pessoa pode deixar de no ser casada
porque pode deixar de ser solteira. Mas ser Deus faz parte da natureza ou essncia do
ser que Deus. Ento, uma vez que o ser que Deus no pode deixar de ser Deus, esse
ser no pode deixar de ser perfeitamente bom.
Mas o que ser perfeitamente bom? Na medida em que Deus insuperavelmente bom,
tem todas as caractersticas que a bondade insupervel implica. Nestas se inclui a
absoluta bondade moral. A bondade moral uma parte vital, mas no o todo, da
bondade, pois h tambm o bem amoral. Assim, distinguimos entre duas afirmaes que

se pode fazer a propsito da morte de algum: Empenhou-se em levar uma vida boa e
Teve uma vida boa. A primeira afirmao diz respeito ao bem moral, a ltima diz
sobretudo respeito ao bem amoral, como a felicidade, a boa sorte, etc. A perfeita
bondade de Deus tanto envolve o bem moral quanto o amoral. De interesse crucial aqui
o bem moral de Deus (perfeita justia, benevolncia, etc.), visto que durante muito
tempo se pensou que a bondade moral de Deus de algum modo a fonte ou o padro da
moralidade para a vida humana. Alm disso, em virtude da sua perfeio moral
essencial, pode-se fazer alguns juzos acerca do mundo que Deus criou. Podemos estar
certos, por exemplo, de que Deus no criaria um mundo moralmente mau. Pode at ser
verdade que em virtude da sua perfeio moral Deus seja levado a criar o melhor
mundo, em termos morais, de que capaz. Estes tpicos so importantes. Discutiremos
mais tarde o segundo (que gnero de mundo Deus criaria), quando considerarmos o
problema do mal. Ser til ponderar aqui brevemente a conexo entre a perfeio moral
de Deus e a moralidade na vida humana.
Tem-se defendido que Deus a fonte ou o cnone dos nossos deveres morais, tanto dos
negativos (por exemplo, o dever de no tirar vidas humanas inocentes) como dos
positivos (por exemplo, o dever de ajudar quem precisa). Geralmente, as pessoas
religiosas acreditam que estes deveres se baseiam de algum modo em mandamentos
divinos. Um crente no judasmo pode ver os dez mandamentos como regras morais
fundamentais que determinam pelo menos grande parte daquilo que estamos
moralmente obrigados a fazer (deveres positivos) ou a abstermo-nos de fazer (deveres
negativos). claro que, dada a sua perfeio moral, aquilo que Deus nos ordena tem de
ser o que moralmente correcto fazer-se. Mas sero estas coisas moralmente correctas
porque Deus as ordena? Isto , ser que o bem moral destas coisas consiste apenas no
facto de Deus as ter ordenado? Ou ser que Deus ordena que se faa estas coisas porque
so correctas? Se formos pela segunda opo, que Deus ordena estas coisas porque v
que so moralmente correctas, parece que estamos a sugerir que a moralidade existe
independentemente da vontade ou dos mandamentos de Deus. Mas se formos pela
primeira opo, que o facto de Deus as querer ou ordenar que torna essas coisas
correctas, parece que estamos a sugerir que no haveria bem nem mal se no houvesse
qualquer ser divino para decretar tais mandamentos. Embora nenhuma das respostas
seja improblemtica, a que predomina no pensamento religioso acerca de Deus e da
moralidade que aquilo que Deus ordena moralmente bom independentemente dos
seus mandamentos. O facto de Deus nos ordenar certas aces no as torna moralmente
rectas; estas so moralmente rectas independentemente das suas ordens e Deus ordenaas porque v que so moralmente rectas. Assim, em que sentido depende a nossa vida
moral de Deus? Ainda que a moralidade em si no dependa necessariamente de Deus,
talvez o nosso conhecimento da moralidade dependa dos mandamentos divinos (ou pelo
menos seja auxiliado por eles). Talvez os ensinamentos da religio levem os seres
humanos a ver que certas aces so moralmente rectas e que outras so moralmente
erradas. Alm disso, pode ser que a crena em Deus ajude a prtica da moralidade. Pois
embora cumprir o dever por respeito ao prprio dever seja uma parte importante da vida
moral, talvez seja exagerado esperar que os seres humanos comuns sigam
inflexivelmente a vida do dever, mesmo sem razes para associar a moralidade ao bemestar e felicidade. A crena em Deus pode ajudar a vida moral dando uma razo para
pensar que a relao entre esforar-se por levar uma vida boa e ter uma vida boa no
meramente acidental. Ainda assim, o que faremos com a dificuldade de que certas
coisas so moralmente rectas independentemente do facto de Deus no-las ordenar?
Considere-se o facto de Deus acreditar que 2 + 2 = 4. Ser 2 + 2 = 4 verdade porque

Deus acredita que ? Ou ser que Deus acredita que 2 + 2 = 4 por ser verdade que 2 + 2
= 4? Se vamos pela ltima, como parece que devemos fazer, estamos a sugerir que
certas afirmaes matemticas so verdadeiras independentemente de Deus acreditar
nelas. Portanto, parece que estamos j comprometidos com a perspectiva de que o modo
como algumas coisas so no tem em ltima instncia a ver com a vontade ou com os
mandamentos de Deus. Talvez as verdades fundamentais da moralidade tenham o
mesmo tipo de estatuto que as verdades fundamentais da matemtica.

Auto-existncia
A ideia de que Deus um ser auto-existente foi desenvolvida e explicada por Santo
Anselmo no sculo XI. Usando diversos argumentos, Anselmo persuadira-se de que
entre os seres que existem h um que perfeitamente grandioso e bom nada que
existe ou alguma vez existiu se lhe compara. De tudo o que existe, porm, Anselmo
estava igualmente persuadido de que podemos perguntar o que justifica ou explica o
facto de existir. Se nos deparamos com uma mesa, por exemplo, podemos perguntar o
que justifica o facto de a mesa existir. E podemos responder nossa pergunta, pelo
menos em parte, verificando que um carpinteiro pegou numa poro de madeira e fez a
mesa. Poderemos, de igual modo, quanto a uma rvore, montanha ou lago, perguntar o
que explica o facto de existirem. Tentando descobrir mais acerca do ser perfeitamente
grandioso e bom, Anselmo faz a mesma pergunta a respeito deste ser. O que justifica o
facto de o ser perfeitamente grandioso e bom existir?
Antes de tentar responder a esta questo, Anselmo observa que h apenas trs casos a
considerar: ou a existncia de uma coisa se explica por outra coisa, ou se explica por
nada, ou por si mesma. claro que a existncia da mesa se explica por outra coisa (o
carpinteiro). O mesmo acontece com a existncia de uma rvore, montanha ou lago.
Cada uma destas coisas existe por causa de outras coisas. Com efeito, tudo o que
familiar nas nossas vidas parece explicar-se por outras coisas. Mas mesmo quando no
sabemos o que explica o facto de certa coisa existir, se que algo o explica, bvio que
a resposta tem de ser uma das trs que Anselmo prope. O facto de certa coisa existir
explica-se ou por referncia a outra coisa, ou por nada, ou pela prpria coisa.
Simplesmente no h mais hipteses a considerar. O que dizer ento da existncia de
um ser perfeitamente grandioso e bom? Ser que a sua existncia se deve a outra coisa,
a nada, ou a si prpria? Ao contrrio da mesa, da rvore, da montanha, ou do lago, a
existncia do ser perfeitamente grandioso e bom no pode dever-se a outra coisa,
argumenta Anselmo, pois nesse caso a sua existncia dependeria dessoutra coisa e,
consequentemente, no seria o ser supremo. A existncia de qualquer coisa superior a
todas as outras coisas no pode depender (nem ter dependido) de qualquer delas. A
existncia do ser supremo, portanto, tem de se explicar ou por nada ou por si prpria.
Se a existncia de algo se explica por nada ento esse algo existe sem que haja qualquer
explicao para o facto de existir em vez de no existir. Poderia haver algo assim
algo cuja existncia simplesmente um facto bruto ininteligvel, sem qualquer
explicao? A resposta de Anselmo, esteja ou no correcta, perfeitamente clara: em
ltima anlise inconcebvel que aquilo que alguma coisa exista por meio de nada.3
Infelizmente, Anselmo no explica por que razo no podemos conceber algo cuja
existncia seja um facto bruto ininteligvel. Presumivelmente, achou que isso era to
bvio que no precisava de explicao. Em todo o caso, temos de observar com cuidado
o princpio que Anselmo exprime aqui, pois figurar mais tarde num dos principais

argumentos a favor da existncia de Deus. A convico fundamental de Anselmo que


para tudo o que existe tem de haver uma explicao da sua existncia tem de haver
algo que explique o facto de a coisa existir em vez de inexistir, e esse algo tem de ser ou
outra coisa ou a prpria coisa. Negar isto ver a existncia de algo como irracional,
absurda, completamente ininteligvel. E Anselmo pensa que o ser supremo no pode ser
assim, tal como nem uma rvore ou uma montanha o podem. A existncia do ser
supremo, portanto, no pode explicar-se por nada. Resta ento a terceira via. Anselmo
conclui que a existncia do ser supremo se deve a si prpria.
Claro que uma coisa concluir que a explicao da existncia do ser supremo tem de se
encontrar na natureza desse mesmo ser, e outra coisa completamente diferente
compreender o que h na natureza do ser supremo que justifica a sua existncia.
Anselmo no afirma compreender o que h na natureza divina que justifica a existncia
de Deus. Nem compreende exactamente como a natureza de um ser poder explicar a
existncia desse ser. Tudo aquilo de que afirma estar certo que a existncia do ser
supremo se deve ao prprio ser supremo. No quer com isto dizer, obviamente, que o
ser supremo causou a sua prpria existncia. Pois nesse caso teria de existir antes de ter
existido de modo a causar a sua prpria existncia e isto claramente impossvel. Alm
disso, como vimos, a eternidade uma das caractersticas de Deus, pelo que evidente
que Deus no comeou a existir num determinado momento.
Contudo, Anselmo apresenta uma analogia, procurando ajudar-nos a compreender esta
ideia bastante difcil. Usando o nosso prprio exemplo, pode-se exprimir assim a ideia
de Anselmo: suponha-se que numa noite fria encontramos uma enorme fogueira.
Reparamos que uma pedra perto da fogueira est quente. Se perguntarmos qual a
explicao deste facto acerca da pedra (o facto de estar quente), seria absurdo sugerir
que a explicao tem de estar na prpria pedra, que h algo na natureza da pedra que a
faz estar quente. A fogueira e a proximidade entre a pedra e o fogo explicam o calor da
pedra. Suponha-se que reparamos ento que tambm a fogueira est quente. O que
explica o facto de a fogueira estar quente? Aqui no parece absurdo sugerir que a
explicao reside na prpria fogueira. Pertence natureza de uma fogueira o estar
quente, tal como pertence natureza de um tringulo o ter trs ngulos. Para evitar a
confuso, temos de estar claramente cientes de que procuramos explicar o facto de a
fogueira estar quente e no o facto de a fogueira existir. O facto de a fogueira existir no
se deve fogueira mas ao campista que ateou a fogueira. O facto de a fogueira que
existe estar quente, contudo, um facto acerca da fogueira que se explica pela natureza
da fogueira, pelo que ser uma fogueira. Temos ento aqui o exemplo de um facto
acerca de algo (o calor da fogueira) que se explica no por outra coisa qualquer mas
pela natureza da prpria coisa (a fogueira). Anselmo espera que se virmos uma vez que
um determinado facto acerca de algo se pode explicar no por outra coisa qualquer mas
pela natureza dessa coisa, a ideia de auto-existncia deixar de nos parecer to estranha.
Quer seja ou no assim, devia ser claro tanto o que se quer dizer com auto-existncia
como por que razo os telogos tradicionais sentiram que se tratava de uma
caracterstica fundamental do ser divino. Ser um auto-existente ter na sua prpria
natureza a explicao da sua existncia. Como nada pode existir cuja existncia seja
ininteligvel, sem qualquer explicao (o princpio fundamental de Anselmo), e como o
ser supremo no seria supremo se a sua existncia se devesse a outra coisa, a concluso
inevitvel que a explicao da existncia de Deus (o ser supremo) est na sua prpria
natureza.

Distino, independncia e eternidade


Temos vindo a explorar as noes de omnipotncia, perfeita bondade e auto-existncia,
procurando aprofundar a nossa apreenso da ideia dominante de Deus que emergiu na
civilizao ocidental. Explorar-se- alguns dos outros elementos desta ideia de Deus em
captulos posteriores. Para completar esta explorao inicial, contudo, ser instrutivo
considerar a noo de que Deus distinto e independente do mundo e a concepo de
Deus como um ser eterno.
Vimos a emergncia do monotesmo a partir do henotesmo e do politesmo. O
monotesmo a tradio dominante no judasmo, no cristianismo e no islamismo. H
outra perspectiva de Deus que persistiu desde a antiguidade e continua a florescer,
particularmente nas grandes religies do Oriente, o budismo e o hindusmo: uma
perspectiva chamada pantesmo. Segundo o pantesmo, tudo o que existe tem uma
natureza interna que a mesma em todas as coisas e essa natureza interna Deus. Mais
tarde, quando examinarmos as experincias de alguns dos grandes msticos,
consideraremos o pantesmo de um modo mais completo. A ideia fundamental no
monotesmo, de que Deus distinto do mundo, constitui uma rejeio do pantesmo.
Segundo a concepo judaico-crist e islmica, Deus e o mundo so inteiramente
distintos: podia-se aniquilar por completo tudo o que h no segundo sem que ocorresse
a mais ligeira mudana na realidade do ser divino. Claro que h coisas no mundo que se
assemelham mais a Deus do que outras. Como os humanos so seres vivos e racionais,
assemelham-se mais a Deus do que as pedras e as rvores. Mas ser como Deus e ser
Deus so coisas bastante diferentes. O mundo no o divino e a noo de que Deus
distinto do mundo visa salientar a diferena fundamental entre a realidade de Deus e a
realidade do mundo.
O facto de Deus ser independente do mundo significa que no regido por quaisquer
leis fsicas, que rejam o funcionamento do universo. Mas significa muito mais do que
isto. Significa tambm que Deus no est sujeito s leis do espao e do tempo. De
acordo com a lei do espao, nenhum objecto pode existir ao mesmo tempo em dois
lugares diferentes. Claro que uma parte de um objecto pode existir numa regio do
espao e outra parte do mesmo objecto (se for um objecto grande) pode existir numa
regio diferente do espao. A lei no nega isto. Nega que um objecto no seu todo possa
existir ao mesmo tempo em duas regies diferentes do espao. Se esta lei se aplicasse a
Deus, ou Deus ocuparia qualquer regio do espao num determinado momento e no
outras regies do espao nesse mesmo momento ou ocuparia todo o espao ao mesmo
tempo, mas com apenas uma parte sua em cada regio do espao. Nenhuma destas
alternativas era aceitvel para os grandes telogos do passado. Na primeira alternativa,
embora Deus pudesse estar presente em vora num determinado momento, no podia
nesse momento estar presente em Lisboa. E na segunda alternativa, embora Deus
pudesse estar presente em vora e Lisboa ao mesmo tempo, em vora estaria uma parte
de Deus e em Lisboa estaria uma parte diferente de Deus. Na ideia tradicional de Deus,
no s Deus tem de estar presente em todo o lado ao mesmo tempo como o seu todo
tem de estar ao mesmo tempo em todos os lugares. Deus no seu todo est em vora e
em Lisboa ao mesmo tempo na verdade, todo o tempo. Mas esta perspectiva entra
em conflito com a lei do espao. Ento a ideia de Deus que emergiu na civilizao
ocidental a de um ser supremo independente das leis da natureza e que transcende
mesmo a lei fundamental do espao.

A ideia de que Deus no est sujeito lei do tempo relaciona-se intimamente, como
veremos, com um dos significados de eternidade. De acordo com a lei do espao, nada
pode existir inteiramente em duas regies diferentes do espao ao mesmo tempo. De
acordo com a lei do tempo, nada pode existir inteira e simultaneamente em dois
momentos diferentes. Para compreender a lei do tempo, basta considerar o exemplo do
homem que existiu ontem, existe hoje e existir amanh. O homem no seu todo existe
em cada um destes momentos diferentes. Isto , no se trata de apenas o seu brao, por
exemplo, ter existido ontem, a sua cabea existir hoje e as suas pernas existirem
amanh. Mas ainda que o homem no seu todo exista em cada um destes trs momentos,
o todo da sua vida temporal no existe em cada um destes momentos. A parte temporal
da sua vida que existiu ontem no existe hoje; quando muito o homem pode participar
nela recordando-a. E a parte temporal da sua vida que existir amanh no existe hoje;
quando muito pode participar nela antecipando-a. Embora o homem no seu todo exista
em cada um destes trs momentos, a sua vida inteira no existe em qualquer um deles.
A sua vida, portanto, divide-se em muitas partes temporais e em cada momento
particular s uma destas partes temporais lhe presente. Assim, a vida de uma pessoa
exemplifica a lei do tempo. Pois de acordo com essa lei as partes temporais individuais
da vida de uma pessoa no podem estar presentes ao mesmo tempo. Por razes que no
precisamos de desenvolver aqui, os grandes telogos medievais hesitavam em dividir a
vida de Deus em partes temporais e, portanto, adoptaram a perspectiva de que Deus
transcende a lei do tempo tal como transcende a lei do espao. Ainda que seja quase
ininteligvel, adoptaram a perspectiva, como Anselmo a exprime, de que a natureza
suprema existe num lugar e num momento de tal maneira que no a impede de existir
desse modo simultaneamente, como um todo, em lugares e momentos diferentes.4 De
acordo com esta ideia, toda a vida ingnita e interminvel de Deus lhe presente em
cada momento do tempo e Deus no seu todo est simultaneamente presente em cada
regio do espao.
Eterno tem dois significados distintos. Num sentido, ser eterno ter existncia temporal
interminvel, sem comeo nem fim; ter durao infinita em ambas as direces do
tempo. Nada h neste significado de eterno que entre em conflito com a lei do tempo. A
lei do tempo implica apenas que qualquer coisa que seja temporalmente infinita ter
uma infinidade de partes temporais compondo de tal modo a sua existncia que em
nenhum momento estar presente mais do que uma destas partes temporais; as outras
partes temporais esto ou no seu passado ou no seu futuro. De acordo com o segundo
significado de eterno, contudo, a vida de um ser eterno no se divide em partes
temporais, pois no est sujeito lei do tempo. Assim, de acordo com este significado
de eterno, um ser que tivesse durao infinita em cada direco do tempo e estivesse
sujeito lei do tempo no seria eterno. Como observou o estudioso romano Bocio
(480-524 d.C.),
Tudo o que est sujeito ao tempo, mesmo aquilo que no tem comeo e que no ter fim
numa vida coextensiva com a infinidade do tempo e foi assim que Aristteles
concebeu o mundo , tal que no se pode correctamente considerar eterno. Porquanto
no abrange nem inclui o todo da vida infinita ao mesmo tempo, dado que no abrange
o futuro, que est ainda por vir. Logo, s o que abrange e possui ao mesmo tempo toda a
plenitude da vida infinita, da qual nada de posterior nem de anterior est ausente, se
pode com justeza chamar eterno.5

Bocio, Anselmo, Toms, e outros telogos tradicionais interpretaram a eternidade de


Deus no segundo dos dois sentidos que acabmos de distinguir. Defenderam que Deus
est fora do tempo, que no est sujeito sua lei fundamental. Outros telogos, contudo,
adoptaram a perspectiva de que Deus eterno no primeiro sentido que tem durao
infinita em ambas as direces temporais. O telogo ingls do sculo XVIII Samuel
Clarke, por exemplo, rejeitou como absurda a ideia de que um ser pudesse transcender o
tempo e adoptou a perspectiva de que ser eterno simplesmente ser perptuo, existindo
no tempo mas sem ter comeo nem fim. Quando mais tarde estudarmos o problema da
prescincia divina e da liberdade humana, reconsideraremos estes dois sentidos de
eternidade e observaremos as suas implicaes para a doutrina da prescincia divina.
De momento, contudo, basta reconhecer que a eternidade um elemento central na ideia
tradicional de Deus e que foi interpretada de duas maneiras distintas.
Temos vindo a explorar algumas caractersticas fundamentais que constituem a ideia de
Deus, que at agora tm sido centrais para a tradio religiosa ocidental. Segundo esta
ideia, Deus um ser perfeitamente bom, criador do mundo mas distinto e independente
deste, omnipotente, omnisciente, eterno e auto-existente. Ao explorar esta ideia de Deus,
vimos tambm muitas outras concepes do divino associadas ao politesmo,
henotesmo, monotesmo e pantesmo. A ideia de Deus que ser de importncia central
para este livro, porm, foi elaborada pelos telogos tradicionais ocidentais. a ideia
central de Deus das trs grandes religies da civilizao ocidental: judasmo,
cristianismo e islamismo. At aqui usmos a expresso de Robinson o Deus l fora e a
expresso o Deus dos telogos tradicionais para referir esta ideia de Deus. Doravante,
contudo, chamaremos a esta perspectiva acerca de Deus ideia testa de Deus. Ser
testa, portanto, acreditar na existncia de um ser perfeitamente bom, criador do
mundo mas distinto e independente deste, omnipotente, omnisciente, eterno (em
qualquer dos nossos dois sentidos) e auto-existente. Um atesta algum que acredita
que o Deus testa no existe, ao passo que um agnstico algum que ponderou na ideia
testa de Deus mas que no acredita na existncia nem na inexistncia do Deus testa.
Acabmos de usar os termos testa, atesta e agnstico num sentido restrito ou
circunscrito. No sentido mais amplo, um testa algum que acredita na existncia de
um ser ou seres divinos, mesmo que a sua ideia do divino seja bastante diferente da
ideia de Deus que temos vindo a descrever. De igual modo, no sentido mais amplo do
termo, um ateu algum que rejeita a crena em toda a forma de divindade, no apenas
no Deus dos telogos tradicionais. Para evitar a confuso, importante ter em mente
tanto o sentido circunscrito destes termos como o mais amplo. No sentido mais
circunscrito, o telogo protestante Tillich um atesta, pois rejeitou a crena naquilo a
que chammos Deus testa. Mas no sentido mais amplo um testa, dado que acredita
numa realidade divina, embora diferente do Deus testa. Na maior parte deste livro
usarei os termos tesmo, atesmo, e agnosticismo no sentido mais circunscrito. Assim,
quando ponderarmos na questo dos fundamentos do tesmo, a nossa preocupao ser
saber se a existncia do Deus testa (o Deus dos telogos tradicionais) tem uma base
racional. E quando perguntarmos, por exemplo, se os factos acerca do mal no mundo
sustentam a verdade do atesmo, estaremos a perguntar se a existncia do mal nos d
uma base racional para concluir que o Deus testa no existe.
Tendo clarificado a ideia do Deus testa, podemos agora considerar algumas destas
questes mais amplas. E comearemos com a questo de saber se se pode ou no
justificar racionalmente a crena na sua existncia

William L. Rowe

Reviso
1. Defina brevemente os conceitos politesmo, henotesmo, e monotesmo.
2. Explique como pode Deus ser omnipotente e contudo no ter o poder de fazer o
mal.
3. O que se entende por um ser auto-existente e que razes tem Anselmo para
pensar que Deus um ser auto-existente?
4. Formule a lei do espao e a lei do tempo e indique a conexo entre a lei do
tempo e o que se entende pela eternidade de Deus.
5. Descreva a ideia testa de Deus e o que se entende por tesmo, atesmo, e
agnosticismo.

Estudo complementar
1. Como definiria o termo Deus? Se a sua definio de Deus diferente da ideia
testa de Deus, explique as diferenas e d razes em funo das quais a sua
ideia de Deus possa ser melhor.
2. Que razes apresentaria para mostrar que Deus existe, tendo em conta o modo
como definiu Deus? Que razes poderia algum dar para rejeitar quer a sua
definio de Deus quer a sua afirmao de que Deus (como o leitor o definiu)
existe realmente? Como lhes responderia?

Notas
1. John A. T. Robinson, Honest to God (Londres: SCM Press Lda., 1963).
2. S. Toms de Aquino, Summa Theologica, I, Q 25, art. 3, in The Basic Writings of
Saint Thomas Aquinas, ed. Anton C. Pegis (Nova Iorque: Random House, 1945).
3. Santo Anselmo, Monologium, VI, in Saint Anselm: Basic Writings, trad. Sidney
N. Deane (La Salle, IL: Open Court Publishing Co., 1962).
4. Santo Anselmo, Monologium, XXII, in Saint Anselm: Basic Writings.
5. Boethius, The Consolation of Philosophy, prose VI, trad. Richard Green (Nova
Iorque: The Bobbs-Merrill Company, Inc., 1962).
Retirado de Philosophy of Religion: An Introduction, de William L. Rowe (Wadsworth,
2000)
Imprimir Termos de utilizao
Reproduza livremente mas, por favor, cite a fonte.
Copyright 19972009 criticanarede.com ISSN 1749-8457
Reproduza livremente mas, por favor, cite a fonte.
Termos de utilizao: http://criticanarede.com/termos.html.
Copyright 19972009 criticanarede.com ISSN 1749-8457 xhtml 1.1

Você também pode gostar