Educao musical e musicoterapia frente a pessoa com deficincia

Por Viviane Louro

A questo da educao musical direcionada para as pessoas com deficincia, no

Brasil, ainda pouco discutida e difundida, pois as iniciativas inclusivas com relao a
essas pessoas, geralmente, so estruturadas somente para a educao bsica e no para
cursos especficos. Alm disso, como afirmado por Fernandez1:

A educao musical especial muitas vezes tratada pela

musicoterapia, fazendo com que, no caso brasileiro, ocorra carncia
na produo [cientfica], ou at mesmo inexistncia dela.

Desde o surgimento da esquematizao da musicoterapia como disciplina

reconhecida cientificamente (sculo XX) a msica vem sendo usada para a reabilitao
fsica e mental das pessoas, inclusive das pessoas com deficincias. De qualquer forma,
importante mostrar que "a Musicoterapia difere da Educao Musical" (FERNANDEZ
1999).
Bruscia (2000), um conceituado musicoterapeuta, conceitua musicoterapia como:

um processo sistemtico de interveno em que o terapeuta ajuda o

cliente a promover a sade utilizando experincias musicais e as
relaes que se desenvolvem atravs delas como foras dinmicas
de mudana.

Bruscia (2000), completa dizendo que a musicoterapia um processo sistemtico

que requer planejamento e monitoramento na qual, o que importa a relao da msica
com o paciente e no ela em si mesma, nem os conceitos estticos que a permeiam.

FERNANDEZ, Jos Nunes. Pesquisa em educao musical: situao do campo nas dissertaes e teses dos
cursos de ps-graduao Stricto-Snsu em educao. Revista opus n 6. Outubro de 1999. Disponvel em <
www.musica.ufmg.br/anppom/opus/opus6/fernande.html > Acesso em: 02 de maro de 2003.

Quando um musicoterapeuta fala de msica, ele est se referindo a estruturas musicais2 e

no a repertrio3.
Gerrd Ducourneau (1984) confirma essa afirmao quando menciona que para o
musicoterapeuta "o importante no uma grande cultura musical. muito mais
importante conhecer os elementos fundamentais e os efeitos produzidos por eles".
Sendo assim, no o gosto musical do terapeuta que est em jogo, que guia as
sees, mas sim, o gosto musical ou sons com os quais os pacientes se identificam.
A identificao desses sons mencionados delimitada a partir da Identidade
Sonora

(ISO)

que

Benenzon

(1985)

conceitua

como

base do processo

musicoteraputico. Conforme Benenzon (1985) a Identidade Sonora composta pelo

complexo de sons que integram o todo psico/fisiolgico de cada ser humano; os sons e
movimentos internos que resumem nossos arqutipos e vivncias sonoras gestacionais,
intra-uterinas, de nascimento e infantis at os dias de hoje. Entre estes sons esto a
natureza, o corpo humano, os instrumentos musicais, os aparelhos eletrnicos, os sons
percebidos internamente como batimento cardaco, vibraes, o prprio silncio, entre
outros.
sobre a ISO de cada paciente que o musicoterapeuta trabalha. Para isso, portanto,
ele

utiliza o "Objeto Intermedirio" que o que torna possvel a comunicao e

atuao do terapeuta no paciente. Esse, no necessariamente precisa ser um instrumento

musical, pode ser um boneco, um som, um desenho, ou seja, algo que intermedie a relao
paciente/terapeuta (BENENZON 1985).
Em algumas ramificaes da musicoterapia, como por exemplo o trabalho
realizado em algumas instituies em So Paulo, o enfoque teraputico e pedaggico
caminham paralelamente. Por vezes, se misturam de tal forma que se torna quase
impossvel diferenci-los, mas isso no significa que sejam a mesma coisa. Em princpio,
so diferentes:

A musicoterapia [...] no uma srie aleatria de experincias, no

um processo no planejado e sem monitoramento, e seus
resultados no so meramente casuais [...] a musicoterapia
2

melodia, ritmo, harmonia, timbre, intensidade entre outros.

definida por sua natureza de processo e no somente pelo resultado.

Cada experincia que venha a ser benfica, que melhora a sade, ou
mesmo que seja teraputica, no necessariamente terapia. [...]
H uma diferena importante entre uma experincia que produz um
efeito teraputico e os encontros repetidos, que tipificam o processo
teraputico. Portanto, ter uma experincia musical teraputica, ou
com poderes transformador no a mesma coisa que entrar num
processo de musicoterapia, independente de quaisquer semelhanas
ou diferenas de profundidade, significao ou durao dos
resultados (BRUSCIA 2000: 27,36).

Gainza conceitua musicoterapia como: "aplicao cientfica das possibilidades da

msica para contribuir ou favorecer os processos de recuperao psicofsica das
pessoas". Por outro lado, coloca educao musical como: modo de sensibilizar e
desenvolver integralmente o educando e capacit-lo para tornar possvel seu sucesso ao
conhecimento e prazer musical". (BENENZON et al 1998)
Ao observarmos as palavras de Bruscia e Gainza, percebemos que a diferena entre
esses dois enfoques se d no procedimento4, ou seja, na inteno, nos objetivos a serem
alcanados e como se chegar at eles. Mesmo que por ventura os resultados da educao
musical e da musicoterapia sejam os mesmos, o fato de suas bases estarem fundamentadas
em propostas diferenciadas, muda toda relao do indivduo com a msica, seja ele com
deficincia ou no.
Terapeuticamente, h 2 enfoques bsicos no que diz respeito ao direcionamento da
msica. O primeiro quando a msica usada como terapia, e o segundo, quando ela
usada na terapia. Consoante Bruscia (2000):

Msicas estruturadas, ou conjunto de obras de um determinado perodo ou de perodos diversos.

Entendemos como procedimento, a maneira de se atuar, particular a cada fazer, ou seja, a forma como se
procede para alcanar um determinado objetivo. Por exemplo: estmulo motor atravs da msica,
sensibilizao auditiva atravs de diferentes sons entre outros, so procedimentos musicoteraputicos, ler
partitura, trabalhar a conscincia rtmica atravs de instrumentos de percusso, formar pequenos grupos
musicais, so procedimentos pedaggicos musicais.

Quando usada como terapia, a msica assume um papel primrio na

interveno e o terapeuta secundrio; quando usada na terapia, o
terapeuta assume um papel primrio e a msica secundria.
Quando a msica usada sem terapeuta, o processo no
qualificado como terapia.

Um exemplo da msica utilizada como terapia o trabalho pedaggico/teraputico

para crianas com deficincias auditivas e mltiplas realizado por Claus Bang. Desde 1972,
o Aalborg University Centre na Dinamarca oferece uma estrutura de educao
musicoterpica para portadores de deficincias monitorada pelo musicoteraputa Claus
Bang (RUUD 1991).
Conforme Claus Bang mesmo menciona, a msica como terapia [...] a aplicao
controlada de atividades musicais especialmente organizadas com a inteno de expandir
o desenvolvimento e a cura durante o tratamento".
J o direcionamento da msica na terapia ocorre quando um terapeuta, seja
musicoterapeuta ou no a utiliza como parte de um processo que no necessariamente est
ligado com msica. Por exemplo, quando um psiclogo coloca uma msica para um de seus
pacientes relaxar ou para induzi-lo a manifestar ou dizer algo, ou quando, numa seo de
arte-reabilitao introduzida uma msica ou estruturas musicais com a finalidade de criar
um intercmbio entre o desenho e a msica.
Na educao musical, apesar de muitas vezes surtir resultados benficos, como a de
uma terapia, no pode assim ser considerada, pois em princpio, os objetivos so diferentes.
Na educao musical, de certo modo, adquirir conhecimento e habilidades especficas o
foco central, enquanto que na terapia, mesmo que se obtenha um aprendizado musical ou
uma habilidade instrumental, o foco principal a sade, a recuperao de algum dficit que
o indivduo possua (BRUSCIA 2000).
Outra forte diferena entre educao musical e musicoterapia, o que diz respeito a
relao professor/aluno - terapeuta/paciente. Um estudante, geralmente no leva problemas
pessoais ou de sade para o professor, a no ser que esses afetem seu aprendizado, assim
como, um cliente no leva problemas educacionais para o terapeuta, a no ser que esses
afetem diretamente sua sade.

Um professor motiva o estudante a aprender uma matria ou dominar uma

habilidade, que em nosso caso a musical, ou se quisermos ser mais especficos, a
instrumental. Em contrapartida, o terapeuta ajuda o cliente a alcanar a sade, mesmo que
seja atravs de um aprendizado (BRUSCIA 2000).
Outro pormenor, que numa relao teraputica, normalmente, no exigido do
paciente um envolvimento com a msica alm das sees. J na educao musical,
exigido do aluno treino dirio para a aquisio do conhecimento musical e da habilidade
instrumental, bem como, necessrio que o aluno tenha o instrumento escolhido em casa
para seu estudo.
Assim, na educao musical mesmo sendo ela voltada para pessoas com
deficincias, o aprendizado musical o objetivo central e na musicoterapia, o objetivo
atravs da msica alcanar um resultado satisfatrio ligado sade.
Por esse motivo, necessrio que haja metodologias eficazes tambm para a
educao musical dessas pessoas, pois, como menciona Claus Bang, possvel a educao
musical, mesmo para aqueles que tenham um grande comprometimento fsico, somente
uma questo de adaptar a msica ao aluno, e no o aluno msica. (RUUD, 1991)

Bibliografia
BENEZZON, Rolando. O. Manual de Musicoterapia. Rio de Janeiro: Enelivros, 1985.
182 p.
___________ et al. La Nueva Musicoterapia. Barcelona: .Zumen. 1998. 220 p.
BRUSCIA, Kenneth E. Definindo a Musicoterapia. 2 ed. Trad. Mariza Velloso Fernandez
Conde. Rio de Janeiro: Enelivros, 2000. 309 p.
DUCOURNEAU, Grard. Introduo musicoterapia A Comunicao musical: seu
papel e mtodos em terapia e reeducao. So Paulo: Manole, 1984. 104 p.
FERNANDEZ. Jos Nunes. Pesquisa em Educao Musical: Situao do campo nas
dissertaes e teses dos cursos de Ps-graduao Stricto Sensu em Educao. Revista Opus
n
6.
Outubro
de
1999.
Disponvel
em
<
www.musica.ufmg.br/anppom/opus/opus6/fernande.html > Acesso 02 de Maro de 2003.
RUUD, Even. (org). Msica e sade. Trad. Vera Bloch Wrobel, Glria Paschoal de
Camargo, Miriam Goldfeder. So Paulo: Summus, 1991. 175 p.