Currculos escolares e diversidade tnico-cultural

Artigos/Articles

Currculos Escolares e Diversidade tnico-Cultural: uma Anlise

sobre o Emprego da Lei n 11.645/08 nos Colgios de Belm/PA
School Curriculum and Ethnic and Cultural Diversity: an Analysis of
the Use of the Law n. 11.645/08 in Schools of Belm/PA
Guilherme Bemerguy CHNE NETO1
Lorena Alves MENDES2
Manoel Cludio Mendes Gonalves da ROCHA3
RESUMO: Este artigo tem por objetivo analisar os currculos escolares e o material didtico da rede pblica
e privada de ensino em Belm e a partir desta anlise, refletir sobre a incluso da temtica referente histria
e cultura indgena nos currculos, de acordo com as exigncias da Lei n 11.645/2008. A anlise foi realizada
atravs de pesquisa bibliogrfica e documental, entrevistas no-estruturadas com gestoras e professores de duas
escolas da educao bsica de Belm, alm da anlise do material didtico e contedo programtico de outras
duas escolas. A importncia deste trabalho reside na possibilidade de proporcionar um olhar geral sobre as
escolas de Belm e de que modo estas lidam com essa lei, o que nos permite analisar os possveis avanos e
as dificuldades da educao belenense em implementar um ensino pluritnico. Foi possvel constatar que a
temtica indgena ainda no se faz presente de forma plena no cotidiano escolar em Belm, e que ainda h muito
que caminhar no sentido de garantir a efetiva aplicao da Lei n 11.645/2008.
PALAVRAS-CHAVE: Educao. Currculos escolares. Temtica indgena. Lei n 11.645/08.

Introduo
A educao foi fundamental no processo de formao histrica, poltica
e cultural da sociedade brasileira. Os processos educacionais e sistemas de ensinoaprendizagem acompanham a histria do povo brasileiro desde o perodo cabralino,
a partir do sculo XVI com os jesutas e a escolarizao colonial, passando pela fase
joanina do incio do sculo XIX, pelas polticas educacionais do fim do mesmo sculo
e posteriormente as polticas educacionais do Estado Novo na primeira metade do
sculo XX (RIBEIRO, 2007), as reformas nas diretrizes da educao durante o
perodo da ditadura militar, chegando redemocratizao da poltica educacional

Antroplogo, Pesquisador Associado do Laboratrio de Antropologia dos Meios Aquticos (LAMAq) do

Museu Paraense Emlio Goeldi/MPEG-MCTI. Endereo eletrnico: gbemerguy@hotmail.com.

Mestranda no Programa de Especializao em Patrimnio do Mestrado Profissional em Preservao do

Patrimnio Cultural do Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (PEP/MP/IPHAN), graduada
em Cincias Sociais, com nfase em Antropologia pela Universidade Federal do Par (UFPA). Endereo
eletrnico: lorenaalvesmendes@yahoo.com.br.

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Mestre em Antropologia e graduado em Cincias Sociais, ambos pela Universidade Federal do Par. Endereo
eletrnico: manoelcs@live.com.

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sob a gide da nova Constituio, promulgada em 1988, e posteriormente a criao

da Lei de Diretrizes e Bases da Educao (LDB) em 1996 (BRASIL, 1996).
Ao longo do processo de formao da sociedade brasileira, a educao andou de
mos dadas com o poder pblico. Durante o perodo colonial, a educao serviu como
um mecanismo fundamental para o domnio social, poltico e cultural do colonizador,
uma ferramenta de controle das populaes indgenas nativas e das populaes negras
escravizadas de origem africana. A poltica educacional no intervalo de 1931 a 1961
se caracterizou por sua dimenso dualista, tendo em vista que a educao tinha, nesse
contexto, dois objetivos distintos: de um lado formar as elites condutoras e do outro
formar o povo conduzido (SAVIANI, 2005). O processo educacional contribuiu para
a formao da sociedade brasileira e da prpria identidade nacional, configurando
os atores sociais, as relaes de poder e as hierarquias sociais na medida em que
direcionava o que educar, de que modo educar e para quem educar.
O resultado desse processo foi uma educao pautada em um discurso
discriminatrio que primava por um ideal de raa brasileira, uma identidade nacional
imposta que nega a contribuio histrica e cultural das populaes negras e das diversas
etnias que construram seus conhecimentos sobre o mundo, suas formas de sociabilidade,
de praticar o viver, muito antes que aqui chegassem os europeus (VIEIRA; SILVRIO,
2008); uma educao direcionada para a constituio de uma memria oficial e a
concepo de uma nao construda de forma harmnica, forjada exclusivamente pela
ao das elites dominantes, negando o passado de homens e mulheres que contriburam
com seu sangue e suor para a formao da sociedade brasileira.
s a partir da Constituio de 1988 e posteriormente a promulgao
da LDB de 1996, que as polticas pblicas educacionais no Brasil iniciaram um
processo de importantes reformulaes. Dentre elas, a criao da Lei n 10.639/03,
que tornou obrigatrio o estudo da histria e cultura afro-brasileira nas sries do
Ensino Fundamental e Mdio da rede pblica e privada, e, posteriormente, daLei
n 11.645/08 (BRASIL, 2008), que altera a anterior, incluindo tambm a temtica
indgena. Esta lei exige a incluso destes contedos no mbito de todo o currculo
escolar da Educao Bsica.
O presente artigo prope uma reflexo a respeito da incluso dos contedos
referentes temtica da histria e cultura indgena nos currculos escolares da educao
bsica em Belm, em escolas da rede pblica e privada, a fim de saber se a temtica
indgena j faz ou no parte dos contedos programticos destas escolas, se j so
abordados em sala de aula e de que forma so ministrados, isto , de que forma estes
contedos esto sendo apresentados e discutidos na educao. Em termos gerais, este
trabalho tem o propsito de verificar de que forma a Lei n 11.645/2008 vem sendo
garantida nestas escolas de Belm, no sentido de proporcionar uma perspectiva sobre
a realidade brasileira que contemple a diversidade cultural e tnica do nosso pas.

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Para isso foi realizada pesquisa bibliogrfica com o intuito de fundamentar

teoricamente as discusses acerca do tema. Alm disso, foi realizada pesquisa
documental, fazendo uso dos textos da Lei de Diretrizes e Bases da Educao de
1996, da Lei n 11.645/2008, bem como do documento oficial Poltica de Educao
Bsica do Estado do Par (PAR, 2008). Duas escolas de Belm foram visitadas, uma
da rede pblica uma das escolas mais conhecidas da cidade e uma da rede privada
uma escola de tradio religiosa4 , e atravs das visitaes foram entrevistadas as
gestoras das respectivas instituies e alguns professores5, por meio de entrevistas no
focalizadas, onde os pesquisadores incentivaram o informante a falar livremente sobre
o tema, atravs de perguntas que permitiram ao entrevistado expressar suas opinies
e sentimentos (MARCONI; LAKATOS, 2002); alm de conversas informais com
professores da rede pblica e privada de Belm. Foram consultados tambm o
contedo e material didtico de uma escola da rede privada disponvel na internet,
bem como os livros didticos de um colgio de tradio religiosa6.
A importncia deste trabalho reside na possibilidade de proporcionar um olhar
geral sobre as escolas de Belm e de que modo estas lidam com a Lei n 11.645/2008,
o que nos permite apresentar os primeiros passos da educao brasileira no sentido de
avanar no processo de democratizao dos saberes e construo de uma concepo
de nao que contemple a diversidade tnico-cultural do nosso pas, bem como nos
permite denunciar a pouca efetividade das redes pblica e privada de ensino em seguir
as novas diretrizes da educao e insistir em um modelo educacional autoritrio e
discriminatrio.
Na primeira parte deste trabalho ser discutida a formao da identidade
nacional brasileira, a problemtica referente aos currculos escolares e em seguida,
o que de fato diz a Lei n 11.645/2008, quais as suas exigncias e direcionamentos.
Na segunda parte ser abordado o contexto das escolas visitadas, a fim de verificar
se j esto sendo atendidas as exigncias da lei e em que condies esto situadas as
escolas de Belm, no sentido de garantir tais exigncias. Por fim, a terceira parte trata
da importncia em garantir as reivindicaes dessa lei, no sentido de contribuir para o
reconhecimento e respeito das populaes indgenas, enquanto agentes construtores
da histria e cultura brasileira.

Identidade nacional, currculos escolares e a Lei n 11.645/2008

O processo histrico de formao da identidade social brasileira est pautado
na fbula ou mito das trs raas, onde esto presentes: o branco colonizador, o ndio e
Esta escola segue a doutrina adventista, ressaltando o fato de que o contedo programtico da escola est de
acordo com tal doutrina.

Foi interessante analisar as entrevistas de modo a contrapor o discurso das gestoras s falas dos professores.

Tivemos acesso aos livros por meio de um aluno da 6 srie do Ensino Fundamental. Esta escola, tambm de
tradio religiosa, porm, de orientao catlica.
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o negro (DAMATTA, 1987). inegvel a presena desses atores sociais na formao

da sociedade brasileira, entretanto, o modo ressignificado como suas participaes se
deram nesse processo tomado como base de recursos ideolgicos para a construo
de uma identidade nacional.
Que os trs elementos sociais - branco, negro e indgena - tenham sido importantes
entre ns bvio, constituindo-se sua afirmativa ou descoberta quase que numa
banalidade emprica. claro que foram! Mas h uma distncia significativa entre a
presena emprica dos elementos e seu uso como recursos ideolgicos na construo
da identidade social, como foi o caso brasileiro (DAMATTA, 1987, p. 62-63).

A construo de uma nao, aos moldes dominantes, precisa estar respaldada,

entre outras, pela ideia de um mito fundador, que para ser absorvido pela coletividade
necessita de confirmaes e reafirmaes cotidianas, difundidas nos mais variados
espaos pelos mais diversos agentes (DAMATTA, 1987).
A educao brasileira, neste sentido assume um papel fundamental para a
promoo das verdades construdas no processo de formao da sociedade nacional,
fato este que pode se apresentar como um grande problema dependendo de como
e por quem foram construdos e, a partir destes, de que forma essas verdades e
conhecimentos so repassados.
Segundo Tomaz Tadeu da Silva (2003, p. 2)O componente mais bvio de
uma teoria do currculo tem a ver com a questo do conhecimento e da verdade, a
partir de contedos apresentados nos currculos escolares verdades so propagadas,
produzindo e reproduzindo efeitos mltiplos na vida dos estudantes. A elaborao
de um currculo e, portanto, a matria abordada em seu interior carregada de
subjetividades, implicando diretamente em vises de mundo acerca da realidade
social vivida pelos sujeitos e na manuteno de modelos sociais, polticos e culturais
reconhecidos e valorizados socialmente nos espaos de poder, retratados neste caso a
partir dos contedos (SILVA, 2003).
Nesse sentido inevitvel deixar as relaes de poder afastadas da discusso
dos currculos escolares, sendo a produo dos currculos a vontade de potncia de
determinados grupos sobre outros (NIETZSCHE, 2005) significando eleger qual
verdade ser repassada como conhecimento. importante ressaltar que para o mbito
deste trabalho esto sendo levados em considerao os contedos escolares pertinentes
educao bsica.
No intuito de tornar os currculos escolares mais diversos e assim contemplar
a diversidade tnico-cultural da sociedade brasileira, em 2008 a Lei n 10.639/2003
foi revogada e em seu lugar passou a vigorar a Lei n 11.645/2008, atravs da qual se
exige que seja trabalhada nos ensinos mdio e fundamental, alm da cultura africana
e afro-brasileira, a temtica indgena.

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A alterao da lei se fez necessria para que os currculos escolares possam

abarcar, de fato, as vrias histrias, ou como afirma Walter Benjamin (1980 apud
GAGNEBIN, 1982), uma histria possvel entre outras. A histria oficial, nesse
sentido, seria questionada de forma que o conformismo dessa histria vigente fosse
substitudo pela reflexo crtica e a partir dela fosse possvel ler e escrever uma histria
outra, a histria dos vencidos que [...] exige a aquisio de uma memria que no
consta nos livros da histria oficial [...] (GAGNEBIN, 1982, p. 26).
Apesar de a lei enfatizar as dimenses histrica, artstica e literria, prope que
a temtica indgena seja contemplada pelo currculo escolar como um todo. O texto
da lei, entretanto, no sugere os encaminhamentos necessrios para a aplicabilidade
da mesma, no sentido de definir especificamente os contedos a serem includos e
de que forma estes sero trabalhados, como tambm no prope um modelo para
garantir de maneira efetiva as suas exigncias.
A Lei n 11.645/2008 representa mais uma vitria dentre a srie de conquistas
da sociedade brasileira, fruto das aes dos novos movimentos sociais (GOHN, 2000)
na medida em que prope trazer tona a histria e cultura das sociedades indgenas.

A abordagem da diversidade tnico cultural nas escolas de Belm

No obstante o carter emancipatrio da Lei n 11.645/2008, este ainda
no est garantido em termos efetivos de sua aplicabilidade em Belm, o que foi
constatado a partir das visitaes nas duas escolas; do acesso aos contedos de uma
terceira escola, disponveis na internet; e da anlise dos livros didticos de um quarto
colgio trataremos a partir daqui como escola A, escola B, escola C e escola D,
respectivamente. Atravs dos relatos das gestoras e dos professores, verificou-se que
os contedos referentes temtica indgena ainda no fazem parte de forma plena da
proposta pedaggica das escolas.
Na visita escola A, foi possvel perceber uma divergncia entre os discursos
da gestora e dos professores no caso, os professores de histria e sociologia. A
temtica indgena, segundo a gestora, j est em pauta nos contedos programticos
da escola contudo, no nos foi permitido ter acesso aos tais contedos. Entretanto,
os professores revelaram que a temtica de fato ainda no abordada, haja vista que o
corpo docente e o corpo tcnico carecem de capacitao pertinente temtica, alm
do fato de que na disciplina de sociologia no existem livros didticos como suporte
para o processo de ensino-aprendizagem, e em histria estes livros correspondem,
segundo o professor de histria, a pesquisas historiogrficas de 10 anos atrs. Em
termos gerais, foram apontadas pelos professores, duas dificuldades no processo de
incluso desta temtica no contedo programtico das escolas, que seriam a formao
e capacitao dos professores e o material didtico disponibilizado.

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Ao visitarmos a escola B, constatamos um quadro semelhante. Da mesma

forma, a temtica indgena ainda no est includa no contedo programtico. E mais,
a coordenadora pedaggica da escola revelou em sua fala que desconhece o fato da
lei j estar em vigor. Em contrapartida, ao consultarmos a professora de sociologia da
instituio, averiguou-se que h uma iniciativa prpria por parte desta em conjunto
com o professor de histria, no intuito de trabalhar a temtica indgena. Porm, o
material didtico utilizado na escola, mesmo que recentemente reformulado, ainda
no inclui tal abordagem.
A partir da anlise do contedo programtico e do material didtico da escola
C disponveis na internet, foi verificado que esta escola ainda segue um modelo
de currculo padronizado, orientado pelas diretrizes educacionais que antecedem
a promulgao das leis n 10.639/2003 e n 11.645/2008, o que implica em um
material didtico que ainda aborda as populaes indgenas brasileiras como sujeitos
cristalizados em uma histria que ficou no passado.
Como foi dito anteriormente, uma das principais dificuldades para aplicao
da lei a carncia no sentido da formao e capacitao dos professores e profissionais
da educao referente histria e cultura das sociedades indgenas. A formao dos
docentes do 1 e 2 grau pautada na concepo de unidade social homognea, o
que implica em uma perspectiva que compreende a identidade nacional a partir de
[...] processos historicamente apreensveis de inveno (LIMA, 1995, p. 410). Em
outros termos, esta formao orientada por parmetros de uma educao formal
que prima por uma histria oficial hegemnica em detrimento da histria de sujeitos
sociais tambm formadores desta identidade nacional, dentre outros, as populaes
indgenas brasileiras.
Os professores do 1 e 2 graus tm, portanto, a tarefa de desconstruir a leitura
hegemnica da formao cultural, histrica e social brasileira, e proporcionar um
olhar que compreenda a sociedade brasileira em sua diversidade, em sua dimenso
plural e conflituosa. Os docentes tm pela frente o desafio de:
[...] gerar a inquietao por um saber menos totalizante em sua aparncia e mais
libertrio em seus efeitos do que o encimado pelo Estado nacional, permitir o
crescimento do desejo da diferena e a descrena nas verdades oficiais, conquanto
sabendo-se que temos de lidar com elas, produzir elementos para conscincias
questionadoras (LIMA, 1995, p. 418).

O livro didtico, segundo Telles (1987 apud GRUPIONI, 1995, p. 486),

fundamental no processo de formao da imagem que temos do Outro, constituindose enquanto um importante instrumento, quando no o nico, no processo de
formao dos referenciais bsicos do indivduo acerca de sua sociedade, apresentandose em muitos momentos como o nico material didtico impresso cristalizador dos
conhecimentos, tanto para o aluno quanto para o professor (TELLES, 1987 apud
GRUPIONI, 1995, p. 486).
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Nessas consideraes, pode-se dizer que o livro didtico um instrumento

formador de opinio, de formas de sentir, pensar e construir conhecimentos sobre
o mundo, sempre orientado por uma intencionalidade. A exemplo disso possvel
observar a imagem do ndio construda neste instrumento, uma imagem contraditria
e fragmentada, onde os livros didticos produzem a mgica de fazer aparecer e
desaparecer os ndios na histria do Brasil (GRUPIONI,1995).
Assim sendo, a histria e a cultura das populaes indgenas acabam por cair
no esquecimento e no silncio, e as novas geraes assimilam uma ideia de memria
e identidade nacional da qual tais populaes no fazem parte.
O que parece mais grave neste procedimento que, ao jogar os ndios no passado, os
livros didticos no preparam os alunos para entenderem a presena dos ndios no
presente e no futuro [...] Deste modo, elas no so preparadas para enfrentar uma
sociedade pluritnica. (GRUPIONI, 1995, p. 489)

Analisando o material didtico da escola D, foi possvel identificar a incluso

dos contedos pertinentes temtica indgena nos livros didticos de geografia
e histria da 6 srie do ensino fundamental. No primeiro livro, discutida a
problemtica referente diversidade tnica do pas, abordando brevemente a temtica
indgena (GARCIA; GARAVELLO, 2007). O segundo livro aplica em maior grau
o estudo sobre a histria e cultura das sociedades indgenas brasileiras, colocando
em pauta a presena dos povos indgenas na Amrica, a diversidade de etnias e
troncos lingusticos, e a demarcao das reservas indgenas (CABRINI; CATELLI;
MONTELLATO, 2004).
Em termos gerais, ainda pouco significativo o percurso trilhado pela
educao em Belm no sentido de garantir de forma efetiva a Lei n 11.645/2008,
considerando a realidade de trs das escolas observadas necessrio levar em conta
que estas so instituies relativamente bem estruturadas, se comparadas ao quadro
geral de escolas da cidade. Contudo, pode-se dizer que na escola D j foram dados
os primeiros passos no intuito de cumprir as exigncias da lei, o que foi verificado na
discusso em torno da temtica indgena presente nos livros didticos da 6 srie do
ensino fundamental da escola.

A Lei n 11.645/2008 e asperspectivas outras da Histria

Tendo em vista o que foi discutido anteriormente, pode-se dizer que a
educao um importante instrumento no processo de formao cultural, histrica
e poltica de um povo. Nas consideraes de Antonio Gramsci, educao processo
de formao humana, o processo de socializar determinadas formas de pensar, de
valores, de habilidades, de comportamentos e de atitudes (GRAMSCI, 1992). Ao
se relacionarem com o Outro, os educadores socializam determinados contedos,
determinados conhecimentos, formas de compreender e praticar o mundo. Deste
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modo, a escola em sua dimenso de locus do processo de ensino-aprendizagem, passa

a se constituir enquanto uma instituio responsvel pelo disciplinar dos corpos, o
disciplinar das vozes e mais, o disciplinar dos sentimentos (FOUCAULT, 1979).
Lanando o olhar sobre a intencionalidade inerente aos currculos escolares
e o processo de transmisso dos contedos, possvel perceber que a educao
uma instituio orientada por um princpio norteador bsico que define o qu e
como educar, selecionando os contedos a serem reproduzidos e, por conseguinte,
produzindo verdades, discursos sobre o mundo e sobre a realidade. Segundo as
consideraes de Michel Foucault:
A verdade deste mundo, ela produzida nele graas a mltiplas coeres e nele
produz efeitos de regulamento de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade,
sua poltica geral de verdade: isto , os tipos de discursos que ela acolhe e faz
funcionar como verdadeiros. (FOUCAULT, 1979, p. 12)

Nesse sentido, o processo de ensino-aprendizagem no Brasil assume dimenso

poltica e ideolgica, a partir do momento que (re)produz verdades, perpetuando uma
perspectiva da histria fundamentada na concepo de unidade nacional hegemnica,
um discurso que nega a diversidade enquanto componente da histria e cultura
nacional. O intelectual e aqui enfatizamos o papel do educador tem a funo de [...]
apresentar leituras alternativas e perspectivas da histria outras, que aquelas oferecidas
pelos representantes da memria oficial e da identidade nacional [...] (SAID, 2003, p.
39), ou seja, desconstruir as representaes distorcidas ou demonizadas das sociedades
indgenas, de etnias que tiveram seu passado negado, e buscar a diversidade presente na
cultura, fazendo com que esta esteja representada na memria oficial e na identidade
nacional de seu povo (NAJJAR, J; NAJJAR, R, 2006, p. 176).
Para Benjamin [...] nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido
para a histria (BENJAMIN, 1994, p. 223). Sem distinguir entre os grandes e os
pequenos acontecimentos, a histria real a histria dos vencidos (BENJAMIN, 1994),
ou seja, aquela das esperanas frustradas que a histria oficial dissimula, o esquecimento
da histria dos vencidos pela histria da dominao burguesa (ROUANET, 1981, p.
21). Benjamin acolheu a realidade da dor e do sofrimento humanos para a escritura de
uma histria que a historiografia oficial no conta. Em suma, objetiva-se trazer [...]
para o presente o futuro aprisionado no passado, em vez de mergulhar no arquivo
morto do era uma vez (ROUANET, 1987, p. 72), logo, um processo dialtico, onde
destruio e construo no cessam, pois este o movimento da histria dos vencidos,
da verdadeira histria, segundo Benjamin.
A Lei n 11.645/2008 teria, ento, o objetivo de resgatar uma histria entre
tantas, a histria perdida ou esquecida das sociedades indgenas. Uma histria que
existiu e existe, que construda e destruda a todo o momento, porm, sem se deixar
extinguir, pois uma histria no termina, pelo contrrio, se transforma dentro de
um contexto onde todos os atores so essenciais. No processo de (re)construo da
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identidade nacional brasileira, essa lei resgata a histria dos vencidos, trazendo, ento,
a possibilidade de enfrentar uma sociedade pluritnica.

Consideraes finais
No momento em que se prope uma discusso sobre a aplicabilidade da
Lei n 11.645/2008 nos currculos escolares em Belm se traz tona inmeras
problematizaes, esperando-se com elas que muitos efeitos sejam produzidos.
A proposta deste trabalho foi de, primeiramente, considerar que a partir de uma
identidade nacional brasileira construda e propagada, efeitos mltiplos so gerados
no imaginrio e na vida social dos brasileiros. Tendo a educao um papel primordial
no que tange socializao dos conhecimentos e das verdades, a forma como aquela
se d, construindo ou desconstruindo essa formao da identidade nacional, tem
implicaes diretas na viso de mundo dos estudantes, no reconhecimento dos
sujeitos sociais diversos enquanto construtores dessa histria e assim na consolidao
ou no de suas identidades.
Os currculos escolares enquanto materializao do que ser repassado
como saber, tornam-se, nesse contexto, subsdios de fortalecimento do conhecer e
importante artifcio para orientao dos educadores.
Em linhas gerais, a partir dos contextos escolares visitados, foi constatado que
mesmo com a implementao de uma lei assegurando que a forma de educar dialogue
com a diversidade caracterstica da sociedade brasileira, ainda assim a resistncia nos
modelos educacionais cristalizados evidente. Apesar de alguma sinalizao esta
encontrada nos livros didticos da escola D e nas aes isoladas dos professores da
escola B para a diversidade tnica e cultural, percebe-se que o processo ainda muito
lento e desarticulado na realidade belenense, onde no havendo algum mecanismo de
verificao para efetivao da lei, esta continuar sem vida nas salas de aula.
A Lei n 11.645/2008 surge na sociedade brasileira, principalmente na
educao, como uma possibilidade de resgate e re(construo) de formas de ser e
agir no mundo, a partir das sociedades indgenas brasileiras e sua contribuio para
o Brasil. Tornar coletiva essa histria, no intuito de valorizar as populaes indgenas
enquanto atores histricos, significa produzir sentidos outros para o que se pretende
como relao eu e outro no sentido de construir uma sociedade brasileira em sua
diversidade tnico-cultural.

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ABSTRACT: The aim of this article is to examine the school curriculum and educational material from public
and private schools in Belm and from this analysis, reflect on the inclusion of themes related to the history
and indigenous culture in the curriculum in accordance with the requirements of Law n. 11.645/2008. The
analysis was conducted through literature and documents, unstructured interviews with administrators and
teachers from two schools in the basic education of Belm, and analysis of teaching materials and syllabus of
two other schools. The importance of this work lies in the possibility of providing a general look at the schools
of Belm and how they deal with this law, which allows us to analyze the possible advances and difficulties of
implementing education in a multiethnic school. It was found that indigenous issues is still not present fully
in the daily school in Belm, and that there is still long way to go in ensuring the effective implementation of
the Law n. 11.645/2008.
KEYWORDS: Education. School curriculum. Indigenous themes. Law n. 11.645/2008.

Referncias
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