Os Professores e Seu Papel Na Sociedade Imperial
Os Professores e Seu Papel Na Sociedade Imperial
Os Professores e Seu Papel Na Sociedade Imperial
Epigrafe
O professor, na frase eloqente de um
grande pensador, o rgo pelo qual se
exerce a ao moralizadora do poder
sobre o tenro corao dos meninos: ele
quem, pelo exemplo e pelo ensino,
prepara homens virtuosos e bons
cidados, inspirando-lhes piedade e
devotamento pela ptria e seu chefe, a
obedincia s leis, a submisso s
autoridades, o amor pelo prximo: enfim,
ele quem se apresenta a infncia como
uma imagem das virtudes pblicas e
particulares, como lao moral entre os
governados e o governo. (PROVNCIA
do Paran. Inspetoria da Instruo, 1867,
p. 4).
1 Introduo
O objetivo central deste artigo compreender as aes desencadeadas pelo Estado
referente aos professores pblicos primrios no Brasil do sculo XIX. Quais as condies
de trabalho e incentivos salariais? Que papel era esperado do professorado na construo
de um projeto de Nao?
Os professores participaram ativamente do processo de difuso da instruo
pblica ao longo do Imprio, por isso foram alvo de muitas crticas e, muitas vezes,
responsabilizados pelo estado pouco lisonjeiro da educao. Em torno deles e do trabalho
exercido por eles, constituiu-se uma estrutura de inspeo e fiscalizao. Sendo eles
agentes do Estado, estavam sujeitos a um conjunto de regras que deveriam seguir, em
funo de estarem vinculados a um projeto de sociedade e Estado.
1
Alguns anos depois, Tavares Bastos, nas Cartas do Solitrio, tambm classificou
os professores primrios da mesma forma. Segundo, ele as escolas primrias eram criadas
para sinecuras de agentes eleitorais ou de suas mulheres. E para sinecura, os salrios
que geralmente pagam ao magistrio no so medocres; mas, para atrair pessoas de mrito
ao exerccio desse cargo, parecem realmente irrisrios.(1998, 659-60. Grifo do autor).
Deixemos de lado os adjetivos negativos para averiguarmos, como que os
discursos do mesmo perodo representavam o professor ideal para formar os cidados. Para
Almeida Oliveira, os bons professores deveriam ser compndios de virtudes ou homens
dotados de qualidades extraordinrias. Para tanto, chegou a compor um poema no qual
exaltava as virtudes do mestre perfeito. Segundo o poema os mestres deveriam ter as
seguintes caractersticas:
Puro nos costumes, no dever exato
Modesto, polido, cheio de bondade,
Paciente, pio, firme no carter,
3
Provncia do RJ
Provncia de MT
Lei de 15 de outubro
de 1827: Art. 8: s
sero admitidos
oposio e
examinados os
cidados brasileiros
que estiverem no
gozo de seus direitos
civis e polticos, sem
nota na regularidade
de sua conduta.
Decreto n. 1331-A.
Reforma Coutto
Ferraz, de 17 de
fevereiro de 1854:
Art. 12: s podem
exercer o magistrio
pblico os cidados
brasileiros que
provarem: 1
maioridade legal. 2
moralidade. 3
capacidade
profissional.
Decreto n. 7.247
Reforma Lencio de
Carvalho, de 19 de
abril de 1879:
No mencionou as
exigncias.
Regulamento de 14 de dezembro de
1849
Art. 12: s podem exercer o magistrio
pblico os cidados brasileiros maiores de
21 anos, de reconhecida morigerao, que
no se acharem pronunciados e que no
houverem sofrido pena de gals ou
condenao por crime de estupro, rapto,
adultrio, roubo, furto ou algum outro que
ofenda a moral pblica ou a religio do
estado.
Regulamento de 30 de abril de 1862:
Art. 27: S podero exercer o magistrio
pblico os brasileiros de um e outro sexo
que provarem ser maiores de 21 anos,
qualquer que seja seu estado civil, ser
bem morigerados, professar a religio do
Estado e ter a necessria idoneidade fsica
e profissional.
Regulamento 16 de dezembro de 1876:
Art. 120: Mantiveram-se as mesmas
exigncias do regulamento anterior. A
nica diferena que passou a aceitar
mulheres a partir de 18 anos, desde que
morassem com os parentes de
reconhecida probidade.
Regulamento de 30 de setembro
de 1854:
Art. 4: 1 Certides ou
justificaes de idade provando ser
maior de 18 anos; 2 atestaes
de bom procedimento passados
pelo Proco da Freguesia onde
residirem, ou tiverem ultimamente
residido por mais de um ano. Art.
6: Capacidade profissional provada
por exame oral ou escrito feito
publicamente para uma banca de
trs membros.
Regulamento de 4 de maro de
1880.
Art. 81: S podero propor-se ao
magistrio pblico os cidados
brasileiros que provarem os
seguinte requisitos: 1 Maioridade
legal; 2 Moralidade; 3 Iseno de
culpa; 4 Capacidade profissional.
Art. 82: para provar seria
necessrio apresentar: 1 certido
de batismo; 2 atestado do proco
ou autoridade do lugar; 3 exibio
Provncia
do PR
Lei n. 34 de
16 de
maro de
1846 da
Provncia de
So Paulo:
Art. 10: no
mnimo 18
anos,
moralidade e
capacidade
profissional.
Regulament
o de 8 de
abril de
1857:
Art. 67:
Manteve o
mesmo da
lei paulista.
Regulament
o de 16 de
julho 1876:
Art. 45:
Idade
mnima de
18 anos,
moralidade e
capacidade
profissional.
As exigncias legais eram aplicadas aos professores homens. Quanto s mulheres, alm das exigncias
arroladas nessa lista, constavam outras ainda mais rigorosas. Tal fato mereceu um estudo parte, que ser
publicado em outra oportunidade.
A Provncia de Mato Grosso ainda teve os regulamentos de 4 de julho de 1873, o de 13 de fevereiro de 1878
e o de 7 de julho de 1889. Todos mantiveram as mesmas exigncias, exceto a de ser catlico, suprimida a
partir de 1880. (S e SIQUEIRA, 2000).
6
Segundo a Constituio de 1824 (artigos 90-97) a eleio se dava em dois turnos. No primeiro, os
indivduos qualificados como votantes elegiam alguns eleitores na Assembleia paroquial. Estes por sua vez
elegiam os deputados provinciais, gerais e senadores. Para ser qualificado como votante exigia-se uma renda
Um dos primeiros regulamentos a exigir atestado mdico foi o de 13 de fevereiro de 1878, da Provncia de
Mato Grosso ao estabelecer no 4 do artigo 35 o seguinte: No sofrer enfermidade incompatvel com as
funes do cargo a exercer, mediante atestado mdico. (S e SIQUEIRA, 2000, p. 123). Sobre as
influncias do saber mdico nas questes educacionais Cf. GONDRA, 2004).
Nestes casos a prova era mais simples e o professor poderia realiz-la na prpria
localidade onde estava a escola, no sendo necessrio se deslocar at a capital.
Os professores eram avaliados por uma banca composta de trs examinadores. Os
conceitos de aprovao, em concursos pblicos classificavam-se em timo, bom, sofrvel
ou plenamente e simplesmente. Os candidatos aprovados pelos trs membros da banca
receberiam os conceitos de timo, bom, ou de plenamente e quando aprovados por dois
membros de sofrvel, ou simplesmente. No primeiro caso os professores poderiam ser
providos de forma efetiva e no segundo de forma interina. Estes poderiam solicitar outro
exame depois de seis meses.
De acordo com a lei geral de 1827 e os regulamentos 1837, da Provncia do Rio
de Janeiro e de Mato Grosso, o professor que fosse aprovado plenamente poderia ser
nomeado efetivo-vitalcio. Provavelmente a primeira legislao educacional a instituir o
perodo probatrio tenha sido a de 1849, da Provncia do Rio de Janeiro, a qual serviu de
base para a reforma Coutto Ferraz de 1854, na Corte. Os regulamentos e leis posteriores
das provncias e da Corte passaram a exigir um perodo de trabalho que variava de 3 a 5
anos de experincia.
Em 1873, Almeida Oliveira apresentou uma proposta para conceder a
vitaliciedade aos professores. Segundo ele:
Todo professor ser obrigado a escrever uma obra sobre qualquer das
matrias do ensino. Essa obra deve ser oferecida ao conselho central da
instruo no ato de pedir o professor a declarao da vitaliciedade, a fim
de por ela se julgar das suas habilitaes. Se a obra for declarada m, ou
no fim dos cinco anos o professor tiver contra si qualquer fato que ponha
em dvida a sua moralidade, a declarao da vitaliciedade poder ser
retardada, no primeiro caso at a apresentao de nova obra, no segundo
at que finde o termo de espera proposta pelo conselho e aprovada pelo
congresso.(2003, p. 225-6).
Cf. por exemplo o artigo 54 do regulamento de 1862 do RJ, artigo 48 do regulamento de 1871 do PR, artigo
67 do regulamento orgnico de 1873 de MT.
11
tiver exercido as suas funes. Caso o pedido fosse indeferido, teria que esperar mais
quatro anos para pedi-lo novamente. (S e SIQUEIRA, 2000, p. 172-3). Em todos os
casos, a inspetoria de instruo pblica cobrava do professor pela emisso do ttulo de
vitaliciedade. Conquistada a vitaliciedade, o professor s poderia ser demitido por processo
disciplinar.
Entretanto, nem tudo caminhava contra os professores, pois a legislao
educacional produzida no Imprio, tambm oferecia algumas garantias e vantagens
profisso docente. Vejamos as principais. Na lei de 15 de outubro de 1827 no foi
garantido aos professores o direito de aposentadoria. Nos regulamentos posteriores, seja
das provncias ou da Corte, o direito foi estabelecido aos vitalcios, inclusive
proporcionalmente. Aps sete ou dez anos de servio, em virtude de problemas de sade, o
professor poderia ser aposentado proporcionalmente. Aos vinte e cinco anos de servio era
concedida a aposentadoria com o salrio normal, sem as gratificaes. Quase a totalidade
da legislao estimulava o professor a continuar trabalhando depois dos 25 anos,
oferecendo mais , ou , sobre o salrio e, ao final de trinta ou trinta e cinco anos, o
professor receberia a aposentadoria integral, com as gratificaes. Caso o professor
resolvesse deixar o ensino, depois de 25 anos, no poderia ocupar outro cargo provincial.
Muitos dos regulamentos tambm estabeleceram gratificaes por tempo de
servio. Aps dez, quinze ou vinte anos de trabalho os professores poderiam ter um
aumento proporcional ao salrio, mas tal gratificao dependia da qualidade do seu
servio. Outras ofereciam gratificao por alunos aprovados ou quando na escola havia
uma freqncia elevada de alunos. Havia tambm auxlio para o aluguel de casas e escolas
ou casas-escola.
Depois de citarmos algumas vantagens estabelecidas para a carreira docente, fazse necessrio tratar tambm das suas obrigaes e proibies, que, alis, eram muitas.
Todos os regulamentos trataram desta questo e, quanto mais prximo do final do Imprio,
maior era a lista de deveres e proibies. Para sermos mais objetivos sobre esta questo
reproduzimos o que estabeleceu o regimento interno das escolas da Corte, elaborado pelo
inspetor interino Joaquim Jos Rodrigues Torres, em 1855, para dar execuo ao 8 do
artigo 3 da reforma de 17 de fevereiro de 1854:
Art. 1 O professor pblico deve: 1 Procurar por todos os meios
infundir no corao de seus discpulos o sentimento dos deveres para com
Deus, para com a Ptria, pais e parentes, para com o prximo e para
consigo mesmo. O procedimento do Professor, e seus exemplos so o
meio mais eficaz de conseguir este resultado. 2 Manter o silncio na
12
Alm deles, de acordo com o artigo 6 A escola deve estar sempre na maior limpeza e asseio, fazendo o
Professor varrer a casa pelo menos uma vez no dia, lav-la duas vezes cada ms, e conservar abertas as
janelas o maior espao de tempo que fora possvel. importante destacar que os dispositivos contidos no
Regimento Interno das escolas da Corte, de 6 de novembro de 1883, continuaram praticamente os mesmos.
Cf. BRASIL. Deciso n. 77, 1883, p. 77-8.
13
De acordo com ele, no era s o professor que sofria com a privao do bemestar e vantagens para si e sua famlia, para sua vida presente e para a velhice apressada
por rduo e continuo trabalho. Com os baixos ordenados pagos aos professores a
instruo e a educao da mocidade e a prpria sociedade, eram prejudicadas. O
lastimvel estado pouco lisonjeiro da instruo pblica primria exigia esforos, mesmo
que as circunstncias financeiras do pas, no fossem favorveis. Foi, sobretudo contra
a precria sorte dos professores que se levantavam as vozes e clamores dos que
sinceramente desejavam a reforma do ensino, concluiu Eusbio de Queirs. (MUNICPIO
da Corte. Inspetoria Geral de Instruo, 1856, p. 5).11 preciso considerar, que esta
afirmao do inspetor buscava justificar as medidas implantadas pela reforma Coutto
Ferraz em favor da instruo pblica. Geralmente o reformador justifica suas ideias
depreciando as anteriores.
A questo salarial era realmente grave no perodo imperial, e no s os inspetores
gerais tinham clareza da situao, mas tambm os presidentes de provncias, os deputados
gerais e provinciais e, at os ministros do Imprio consideravam que os baixos salrios
eram responsveis pelas precrias condies da instruo pblica. O inspetor geral de
instruo pblica da Provncia de Mato Grosso, Joaquim Gaudei Ley, reivindicava
constantemente melhores salrios aos professores. Algumas vezes as reivindicaes eram
ouvidas, como se evidencia na passagem abaixo:
Pela lei n 11 de 6 de julho do ano passado foram elevados os
vencimentos dos professores, conforme havia eu proposto no relatrio
ltimo. Posto que este aumento de um tero mais no esteja em relao
ao que deveria ser, a vista dos preos de todos os gneros indispensveis
subsistncia, todavia no desconheo que nossas atuais circunstncias
mais no permitem. (PROVNCIA de Mato Grosso. Inspetoria Geral de
Instruo, 1859, p. 4).
Alguns anos depois ele afirmou o seguinte: O governo imperial sabiamente compreendeu que nada
poderia conseguir a esse respeito, se no se esforasse por melhorar a posio dos professores primrios, por
elev-los na opinio do pas, por assegurar-lhes os meios de decente e honesta subsistncia, libertando-os das
apreenses do futuro a legar a suas famlias. (MUNICPIO da Corte. Inspetoria Geral de Instruo, 1859, p.
4).
14
crtica foi reforada alguns anos depois por Almeida Oliveira, quando analisava a situao
salarial dos professores nos pases mais desenvolvidos, comparando-a com a do Brasil.
Assim se expressou:
O fato geral mas no deixa de ser uma vergonha para os Estados e um
prejuzo para os povos. A civilizao obra da escola, e a escola obra
do professor. Se portanto quereis elevar a escola e a civilizao, comeai
por elevar o professor altura da sua misso e lhe dar nas vantagens do
seu ofcio a coragem, o gosto, a energia e a fora, que ele demanda.
(2003, p. 224).
Tal situao persistia nos anos 1880, na Corte, pois, segundo o inspetor Souza
Bandeira:
(...) pode-se afirmar que enquanto forem to exguos os vencimentos do
professorado primrio, ser enorme a dificuldade em levantar o nvel do
nosso ensino, atraindo para ele as verdadeiras vocaes. O servio do
professor fatigante e prolongado, obrigando-o a seis horas de trabalho
dirio, e exige vocao e estudos constantes. Os regulamentos em vigor
probem aos professores ocuparem-se em servios comerciais e
industriais, e ningum ignora que os hbitos da profisso inutilizam o
indivduo para trabalhos de outra ordem. (MUNICPIO da Corte.
Inspetoria Geral de Instruo, 1884, p. 26).
15
16
contribuio do Estado.
Para ilustrar melhor comparamos o salrio dos professores da Corte com outras
profisses. Em 1858, o salrio de um mestre-de-obras era de aproximadamente 1:280$000,
de um mestre-carpinteiro 1:100$000, j o simples carpinteiro recebia 730$000. Em 1865, o
salrio de um soldado da polcia militar era de aproximadamente 460$000 e, em 1873 um
guarda urbano recebia 720$000. (HOLLOWAY, 1997, p. 160, 163 e 218). Os nmeros
evidenciam que o salrio dos professores no era dos mais baixos. Todavia, no resta
dvida de que era um salrio baixssimo, principalmente devido ao alto custo de vida da
poca.
Alm disso, outro srio problema enfrentado pelos professores era o atraso no
pagamento, em virtude das dificuldades financeiras das provncias, ou ento, pela demora
do recebimento dos mapas de freqncia, devido s distncias e problemas de
comunicao. Segundo informou o inspetor de instruo pblica, Josino do Nascimento
Silva, no seu relatrio de 1874, o problema do atraso de salrios foi resolvido na Provncia
do Rio de Janeiro. No mesmo relatrio, o inspetor defendeu algumas idias visando
melhorar o salrio e estimular o desenvolvimento do professorado na Provncia nos
seguintes termos:
(...) gratificao aos que tiverem matrcula excedente a quarenta alunos
ou freqncia excedente a trinta, melhoramento de localidade, quando,
por seu merecimento, se tornem dignos desse favor. A parte pecuniria
depende de lei, que de certo ser votada se os membros da Assemblia se
convencerem, como estou convencido, da necessidade de reformar o
professorado. (PROVNCIA do Rio de Janeiro. Diretoria da Instruo,
1874, p. 16).
17
profissional e salarial.12
As preocupaes com a criao de instituies e instrumentos para estimular e
desenvolver os brios nos docentes, apareceram frequentemente nos discursos de
intelectuais e autoridades responsveis pela instruo pblica. Qual o melhor sistema? A
classificao das escolas por localidade, a produo de uma obra relevante sobre algum
tema do ensino ou as gratificaes por tempo de servio? 13 Em 1884, o inspetor da Corte,
Souza Bandeira criticou o modelo de concesso de gratificaes por tempo de servio,
afirmando que aquela garantia legal era detestvel, pois, no aviventava o estmulo pelo
trabalho. O bom professor fica equiparado ao indolente, que apenas limitou-se a no
incorrer em censuras. E, como alternativa, props que:
As gratificaes, correspondentes aos 10, 15 e 20 anos de servio, so concedidas
aos professores que se distinguirem por publicaes julgadas teis pelo Conselho
Diretor ou em provas pblicas prestadas perante a Escola Normal. Desta forma
ser o professor constantemente induzido a estudar e trabalhar, pela certeza que
tem de que os seus esforos sero compensados por uma vantagem material. Por
outro lado, o mau professor perder a esperana de melhoramento. O nico meio
de manter a atividade no professorado sujeit-lo a constantes provas de
habilitao, a fim de que um esprito novo o anime sempre, e ponha embaraos ao
influxo da rotina. (MUNICPIO da Corte. Inspetoria Geral de Instruo, 1884, p.
27. Grifos do autor).14
Esta prtica j estava instituda no artigo 15 do regulamento de 1849 da Provncia do Rio de Janeiro.
Entre as instituies destacam-se as diversas tentativas de criao e organizao das escolas normais na
maioria das provncias do Imprio. Tivemos ainda as tentativas de formao na prtica dos professores
adjuntos ou alunos-mestres e as experincias das chamadas conferencias pedaggicas. Sobre as escolas
normais Cf. ARAJO e Outros, 2008 e CASTANHA, 2009. Sobre os alunos-mestres e as conferencias
pedaggicas Cf. CASTANHA, 2008.
14
Tal idia no era de Souza Bandeira. Ele simplesmente sugeriu pr em execuo o artigo 17, da reforma
Lencio de Carvalho, de 19 de abril de 1879 que estabelecia a gratificao por mrito e no por tempo de
servio previsto nos regulamentos de 1854 e 1877. Naquela idia estava concentrado o esprito liberal da
reforma Lencio de Carvalho e do prprio Souza Bandeira. Aqui cabe uma observao. Nos dias atuais,
muitos administradores esto defendendo distines salariais por mrito, como se fosse a ltima novidade.
13
18
Decreto 131-A.
Reforma Coutto
Ferraz de 17 de
fevereiro de 1854:
Art. 115: Os
professores
pblicos que por
negligncia ou m
vontade no
cumprirem bem
seus deveres,
instruindo mal os
alunos, exercendo a
disciplina sem
critrio, deixando
de dar aula sem
causa justificada
por mais de trs
dias em um ms,
ou infringindo
qualquer das
disposies deste
Regulamento ou as
decises de seus
superiores, ficam
sujeitos s
seguintes penas:
admoestao,
repreenso, multa
at 50$, suspenso
do exerccio e
vencimento de um
at trs meses,
perda da cadeira.
Provncia de MT
Regulamento de 4
de julho de 1873:
Art 99: Os
professores pblicos
que por ignorncia,
descuido, frouxido,
negligncia, omisso
ou m vontade, no
cumprirem bem os
seus deveres,
instruindo mal os
alunos, exercendo a
disciplina sem
critrio, deixando de
dar escola por mais
de trs dias, sem
motivo legtimo em
um ms, ou
infringindo qualquer
disposio deste
regulamento e
instrues de seus
superiores ficaro
sujeitos s seguintes
penas: admoestao,
repreenso, multa de
10 a 30$000 ris,
suspenso de 15 dias
a trs meses com
perda dos
vencimentos,
remoo para
cadeiras das classes
inferiores, perda da
cadeira.
As penas do artigo antecedente eram: admoestao, repreenso, multa, suspenso correcional de 15 dias a 3
meses e demisso.
20
muitos professores fossem demitidos sem justa causa muitas vezes por motivos polticos.
Nos casos que afetavam gravemente a moral ou que houvesse perigo de demora no
processo, o inspetor poderia determinar a suspenso prvia do exerccio do professor,
levando o fato ao conhecimento do governo. (MIGUEL, 2000, p. 32). Os inspetores
poderiam, tambm empregar todos os meios possveis para avaliar os talentos e
comportamento moral e civil dos professores, a fim de informar a respeito do estado do
ensino pblico.(MIGUEL, 2000, p. 38 e S e SIQUEIRA, 2000, p. 54).
Ao abordar o trabalho dos professores na Provncia do Rio de Janeiro, o inspetor
Josino do Nascimento Silva afirmou. Moralidade comprovada e incontestvel, exames
severos e repetidos, a escola inspecionada a mido e as faltas imediatamente punidas, raras
licenas, rarssimas remoes, tais so por enquanto as regras que se impem a Diretoria, e
que pretende cumprir. (PROVNCIA do Rio de Janeiro. Diretoria da Instruo, 1874, p.
16).
Os professores precisavam ser ntegros, ordeiros, com uma moral ilibada,
verdadeiros espelhos para as crianas, como queria Almeida Oliveira no poema do bom
professor. A falta da habilitao necessria para o exerccio da profisso e os baixos
salrios so referidos em segundo plano. A preocupao central das autoridades, legitimada
em dispositivos legais, estava muito mais direcionada manuteno e difuso da ordem e
hierarquizao da sociedade do que na elevao cultural do povo.
Esta preocupao pode ser evidenciada no relato do inspetor Josino do
Nascimento Silva:
No pode infelizmente a administrao prescindir do conhecimento da
vida ntima dos professores pblicos: tem por obrigao estud-los na
prtica dos seus deveres para com a sociedade, e esse estudo e
conhecimento no vir da inspeo local, muitas vezes apaixonada por
afeies ou desafeies, mas tambm no h de vir do inspetor geral, que
passa, ouve censuras ou louvores, e no tem tempo para averiguar at que
ponto so verdadeiros, que f devem merecer os seus autores. A chegada
do inspetor geral fato sabido e os professores preparam-se para a visita,
que no pode ser demorada. Tudo na escola encontrado em ordem quase
irrepreensvel, e s o habitualmente desidioso e relaxado, ou incapaz (e
desses, com prazer o digo, h muito poucos na provncia) apresenta-se tal
qual . Mas o que ser depois da visita? O inspetor no voltar, ao menos
por um ano, e satisfeito com a impresso do momento dar a diretoria
informao favorvel a escola e ao professor, que no daria se mais
detidamente pudesse estud-lo. (PROVNCIA do Rio de Janeiro.
Diretoria da Instruo, 1878, p. 19-20).
De fato, o Estado criou uma srie de instrumentos para estudar e controlar a vida
dos professores, mas, na prtica, nem sempre se conseguia aplic-los plenamente, pois, os
21
Segundo Gramsci, o elemento difuso era constitudo de homens comum, mdios, cuja participao
oferecida pela disciplina e pela fidelidade, no pelo esprito criador e altamente organizativo. (p. 26).
23
5 Concluses
Voltar ao sculo XIX para estudar as condies de vida e trabalho dos professores
foi, para ns um processo muito enriquecedor. O contato com as fontes primrias revelou
os mecanismos institudos para controlar o trabalho docente, mecanismo ainda presente
nos dias atuais embora em contexto bastante distinto. As fontes primrias revelaram
tambm que havia aes homogneas e articuladas entre as provncias no tocante aos
deveres e direitos dos professores. Tal fato nos permite contestar a tese da anarquia e
desagregao nas medidas educativas, proclamadas pela histria da educao, em virtude
do Ato Adicional de 1834, ou seja, da descentralizao.
De fato, o Ato Adicional descentralizou a administrao da educao, pois, a
partir dele, as provncias passaram a regulamentar e organizar seus sistemas de ensino. No
entanto, o fato de ter havido uma descentralizao administrativa, no o suficiente para
afirmar que no havia qualquer unidade nas aes educativas. Contrapondo-se aos
conceitos de anarquia, desagregao, fragmentao, renncia e omisso, o presente estudo
interpretou a ao do Estado sobre os professores durante o Imprio, pela perspectiva da
centralizao, que se efetivou por meio do poder dos inspetores, no currculo, na religio,
nos concursos e perodo probatrio, nos deveres e obrigaes e, principalmente pelo
projeto de sociedade e Estado que se almejava construir.
24
Posio semelhante foi defendida por Gondra e Sacramento, no estudo sobre Coutto Ferraz. Segundo eles:
A condio de professores pblicos, funcionrios e agentes do Estado exigia que os mesmos fossem
submetidos a uma vigilncia constante, de modo que pudessem apresentar um comportamento exemplar e
agissem em defesa da sociedade que procurava institu-los como exemplo que, dessa forma, modelaria os
prprios alunos e seus responsveis. Por extenso, concorriam para a produo da boa sociedade. (2002, p.
729).
25
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_______. Decreto n. 7247 de 19 de abril de 1879. Reforma o ensino primrio e secundrio
no municpio da Corte e o superior em todo o Imprio. Coleo das Leis do Imprio do
Brasil de 1879 Parte II Tomo XLII. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1880, p. 196217.
_______. Lei de 15 de outubro de 1827. Manda criar escolas de primeiras letras em todas
as cidades, vilas e lugares mais populosos do Imprio. Coleo das Leis do Imprio do
Brasil de 1827 primeira parte. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional 1878, p. 71-73.
_______. Portaria do Ministrio do Imprio de 20 de outubro de 1855. Aprova e Manda
que se observe, para execuo do pargrafo 8 do Artigo 3 do Regulamento que baixou
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anexo C-7 do Relatrio do Ministro dos Negcios do Imprio, Francisco Antunes Maciel
de 3 de maio de 1884. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1884.
_______. Escolas Pblicas da Corte do Imprio no ano de 1873. Relatrio apresentado
pela comisso ao Inspetor Geral de Instruo Primria e Secundria, em abril de 1874.
Publicado como anexo B-7 do Relatrio do Ministro dos Negcios do Imprio, Joo
Alfredo Correia de Oliveira de 12 de maio de 1874. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional,
1874.
OLIVEIRA, A. de Almeida. O ensino pblico. Braslia: Senado Federal, 2003.
PROVNCIA de Mato Grosso. Inspetoria Geral de Instruo Pblica. Relatrio do inspetor
Joaquim Gaudie Ley, de 29 de janeiro de 1859. Cuiab: Arquivo Pblico do Estado de
Mato Grosso - APEMT, Lata B, Ano de 1859 Pasta Inspetoria Geral dos Estudos.
PROVNCIA de So Paulo. Lei n. 34 de 16 de maro de 1846. Organiza a instruo
pblica primria e cria uma Escola Normal na capital da Provncia. Coleo das Leis
promulgadas pela Assemblia Legislativa da Provncia de So Paulo desde 1835 at 1888.
So Paulo: Tipografia Imparcial de Azevedo Marques, 1868.
_______. Regulamento de 8 de novembro de 1851. Para a instruo pblica. So Paulo:
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PROVNCIA do Paran. Inspetoria da Instruo Pblica. Relatrio do Inspetor Ernesto
Francisco de Lima Santos, de 31 de janeiro de 1867. Publicado como Anexo 1 do relatrio
do presidente Polidoro Cezar Burlamaque de 15 de maro de 1867. Curitiba: Tipografia de
Candido Martins Lopes, 1867.
_______. Relatrio do presidente Andr Augusto de Pdua Fleury, apresentado
Assemblia Legislativa Provincial, em 21 de maro de 1865. Curitiba: Tipografia de
Candido Martins Lopes, 1865.
PROVNCIA do Rio de Janeiro. Diretoria da Instruo Pblica. Relatrio do diretor
Josino do Nascimento Silva de 26 de agosto de 1874. Publicado como Anexo -2 do
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Janeiro: Tipografia do Apstolo, 1874.
_______. Diretoria da Instruo Pblica. Relatrio do diretor Josino do Nascimento Silva
de 3 de agosto de 1878. Publicado como Anexo S-6 do Relatrio do presidente Visconde
de Prados de 8 de setembro de 1878. Rio de Janeiro: Tipografia da Reforma, 1878.
_______. Lei n. 1 de 2 de janeiro de 1837. D Regulamento a Instruo Primria na
Provncia do Rio de Janeiro. In: Coleo de Leis, Decretos e Regulamentos da Provncia
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______. Regulamento da Instruo Primria e Secundria na Provncia do Rio de Janeiro
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Niteri: Tipografia Fluminense, 1851, p. 581-614.
_______. Regulamento da Instruo Primria e Secundria de 30 de abril de 1862. In:
Coleo de Leis, Decretos e Regulamentos da Provncia do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
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_______. Regulamento da Instruo Pblica de 16 de dezembro de 1876. In: Coleo de
Leis, Decretos, Atos e Decises do Governo da Provncia do Rio de Janeiro de 1876. Rio
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