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Gramática Sem Decoreba

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Gramtica sem decoreba


Primeiro, as aulas eram s teoria. Depois, redao, leitura e
nenhum conceito. Mas hoje se sabe como ensinar a estrutura da
lngua, de forma prtica, para que os alunos escrevam melhor
Iracy Paulina

H anos se fala de uma concepo diferente do ensino de gramtica, mas pouca


coisa mudou.O professor sabe que decorar regras e ler a gramtica (que deve ser
usada s para consulta) no funcionam. Isso porque somente o estudo terico no
leva ningum a falar, ler e escrever melhor.Como muitos educadores ainda no
descobriram outra forma de abordar o tema, simplesmente o deixam de lado. O
resultado que o contedo praticamente desapareceu da sala de aula.
Essa parte da lngua foi relegada porque se acreditava que ela no dava competncia
para redigir bem. "Nos anos 1990, essa idia comeou a ser questionada", observa
Ktia Lomba Brakling, uma das autoras dos Parmetros Curriculares Nacionais de
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Lngua Portuguesa de 1 a 4 srie e de 5 a 8. "Tudo o que se v nos programas de


leitura mostrou que esse mais um dos componentes a ser abordado quando se fala
em reflexo sobre a lngua."

Leia mais sobre produo de texto


Existe uma enorme dificuldade em inovar a didtica nesse campo. A constatao de
Artur Gomes de Morais, do Centro de Estudos em Educao e Linguagem da
Universidade Federal de Pernambuco, que fez uma pesquisa sobre o tema em 2002.
Ele pretendia verificar o que se realizava em classe com as sries iniciais do Ensino
Fundamental em relao s novas orientaes para o desenvolvimento do contedo.
Foram entrevistadas 12 professoras de 3 e 4 srie da rede pblica municipal do
Recife.Apesar de se esforarem, Morais verificou que elas mantinham um p na
inovao e outro no convencional. O que chamam de gramtica contextualizada, em
geral, so aulas sobre nomenclatura e classificaes, s que travestidas porque se
baseiam em um texto.Ainda hoje estamos longe do desejvel,mas vm ocorrendo
algumas inovaes. Um caminho interessante desvendar com a garotada a inteno
do autor ao escolher determinada forma de escrever, como faz o professor Pern
Rios, da Escola de Aplicao da Universidade Federal de Pernambuco (leia o
quadro).
Ana Silvia Moo Aparcio, da Universidade de Campinas, chegou a concluses
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semelhantes s de Morais em estudo feito com dez educadoras de 5 a 8 srie da


rede pblica de Penpolis (SP). "Elas diziam inovar nessa rea, mas privilegiavam a
leitura e a escrita e os contedos vistos continuavam sendo as categorias tradicionais,
como substantivos, adjetivos e preposies, usando o texto como pretexto."

Carta a um amigo
As atividades propostas em Lngua Portuguesa aos estudantes da Escola de
Aplicao da Universidade Federal de Pernambuco procuram sempre aliar, de
forma unificada e coerente, vrias reas da disciplina, como gramtica, leitura
e produo textual. o que mostra o plano de aula desenvolvido pelo professor
Pern Rios com uma turma de 8 srie.
1. Rios pediu que todos lessem uma carta de Carlos Drummond de Andrade a
Joo Cabral de Melo Neto (publicada em Correspondncia de Cabral com
Drummond e Bandeira) e discutiu sobre tipos de saudao e formato. Como
uma carta pessoal, a linguagem afetiva predomina.
2. Em seguida, a turma leu e discutiu o poema Imitao da gua (publicado em
Obra Completa de Joo Cabral de Melo Neto) e escreveu uma carta para Joo
Cabral, comentando o poema. Todos podiam trat-lo como amigo (com
linguagem afetiva) ou algum distante (empregando a linguagem formal).
3. Escolhida uma das cartas para ser analisada, foram destacadas referncia
temporal, saudao e linguagem (pessoal afetiva). O professor sublinhou os
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marcadores de tempo, lugar e modo e pediu que a funo deles fosse


apontada. Era necessrio analisar o peso de palavras como "cuidadosamente"
no sentido buscado pelo aluno. "Poderamos retirar esse termo sem modificar o
sentido?", questionou.
4. Como prxima atividade, Rios props a reescrita de alguns trechos. O
marcador usado em uma determinada frase em destaque era o mais adequado
para exprimir a inteno da autora? Ele poderia ser substitudo por outra
palavra mais apropriada? Qual?
5. Rios explicou que os marcadores exprimem circunstncias e so chamados
de advrbios. Depois, pediu a todos que conceituassem os advrbios. Para
concluir, compararam com a definio do livro.

Mais que a classificao, preciso saber a funo


Apenas encontrar substantivos e pronomes em um conto no suficiente para ampliar
o conhecimento da gramtica, segundo Irand Antunes, da Universidade Estadual do
Cear. " preciso ir alm das definies para descobrir, por exemplo, a funo deles
na introduo e na manuteno do tema ou do enredo", ela defende." Saber que
indeterminado o sujeito de uma frase muito pouco. O importante compreender por
qu, com que propsito discursivo, se preferiu deix-lo assim."Portanto, diz Irand,
necessrio ir alm da nomenclatura, das classificaes, da simples anlise sinttica
de frases soltas para ver como as unidades da lngua funcionam na construo dos
textos e que efeitos seus usos podem provocar na constituio do discurso.
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As pesquisas sobre o ensino de gramtica levam em conta que, para haver uma boa
comunicao, a pessoa deve adequar a forma como se expressa situao
comunicativa em que se encontra. "A questo no exatamente aprender as regras
gramaticais, mas dominar tambm a lngua culta de uso real, aquela de fato usada
pelas pessoas mais escolarizadas", aponta Morais.
essencial que a garotada aprenda a importncia de falar e escrever de acordo com
a variante lingstica prestigiada socialmente, que esperada em determinadas
situaes sociais." Se o aprendiz a domina, poder compreender mais o que dito
ou escrito pelas pessoas mais letradas. Ele vai entender o que foi escrito num tom
mais formal, desfrutar de obras literrias, compreender melhor publicaes
cientficas", explica Morais.
Alm disso, o domnio da variante prestigiada permite que os jovens no sejam
discriminados em certos contextos e lhes d uma ferramenta a mais para lutar por
seus princpios e interesses como cidados. Dominando os saberes de como a lngua
funciona, eles estaro aptos a distinguir, por exemplo, que palavras ou expresses
sero adequadas ou no usar de acordo com a formalidade da situao ou com seus
interlocutores. " o que a lingstica conceituou de competncia codemunicativa e
que muitas escolas ainda no incorporaram. Ainda tendem a achar que se escreve e
fala de um jeito s, como se no importassem o gnero textual e a situao
comunicativa", diz Morais.

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O tempo presente no artigo de opinio


A leitura de textos de variados gneros e a anlise da produo da meninada
so a base das aulas de gramtica do professor Manuel Arajo, da EMEF
Antonio Carlos de Andrade e Silva, em So Paulo. "No promovo apenas um
simples estudo de regras, mas dou recursos para o entendimento de como o
texto foi construdo." Acompanhe uma das atividades propostas s turmas de 8
srie.
1. Em duplas, os estudantes leram o artigo "Efeitos do trnsito", de Bruno
Soerensen, publicado na Folha de S.Paulo, e procuram as palavras
desconhecidas no dicionrio, verificando qual definio combinava melhor com
o sentido. Se no conseguiam decidir, Arajo pedia que identificassem o
provvel significado com base no contexto.
2. Para analisar a inteno do autor, Manuel discutiu o papel dos tempos
verbais e props a comparao do artigo (com verbos no presente do
indicativo) a um conto de Igncio de Loyola Brando, A Descoberta da Escrita
(texto narrativo, com verbos no pretrito), do livro O Homem do Furo na Mo. A
tarefa era refletir sobre a predominncia do presente em gneros que
expressam opinio.
3. Miguel pediu que cada aluno escrevesse um pequeno comentrio,
defendendo suas idias sobre o impacto na sade das pessoas causado pelo
trnsito. A estrutura do artigo de opinio deveria ser empregada.
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4. Com base na produo, ele avaliou a turma e localizou dificuldades, como as


de concordncia. Ele ps na lousa frases que apresentavam erros, como "Os
carro perigoso para as pessoas". Em seguida, elas foram reescritas (leia
abaixo) e analisadas para descobrir se havia diferenas de sentido entre elas.
5. Por fim, Manuel retomou o artigo "Efeitos do trnsito", mostrando que,
optando pelo verbo no presente - que conferiu um tom de veracidade -, o autor
pretendia causar um efeito: convencer o leitor de que o trnsito nocivo.
Assim, a turma entendeu que o ato de escrever nunca aleatrio.

Desmontar textos para compreender os sentidos


Irand Antunes vai alm: segundo ela, boa parte dos equvocos que se cometem em
classe poderia ser evitada ao fazer a distino entre o que so e o que no so
regras gramaticais. Estas, segundo entende, so as regularidades, as normas que
ajudam a entender como usar e combinar as unidades da lngua para produzir
determinado efeito comunicativo. Nesse grupo, ela lista: a descrio de como
empregar pronomes ou de como expressar exatamente o que se quer pelo uso da
palavra adequada, no lugar certo, na posio certa ou como usar flexes verbais para
indicar determinadas intenes, entre outras. Foi o que fez o professor Manuel
Arajo, da EMEF Antonio Carlos de Andrada e Silva, em So Paulo (leia o quadro na
prxima pgina) tendo Mais que a classificao, como material de trabalho um artigo
de opinio e um conto.

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Os especialistas encampam a idia de que, para ensinar as regras gramaticais em


situaes reais de uso, preciso o convvio reiterado com diferentes gneros e nveis
de formalidade, mas com uma abordagem bem especfica."Precisamos desmontar
esses textos para ver como seus sentidos foram construdos, articulados e expressos
em uma unidade semntica mais ampla", afirma Irand.
Com uma boa formao e um estudo constantes, possvel montar propostas
eficientes baseadas em bons modelos de variados gneros. o que faz a professora
Irene Tamaki Uematsu Harasawa (leia o quadro). Ela apresenta notcias e poemas,
por exemplo, aos alunos do Colgio Sidarta, em Cotia, na Grande So Paulo, e os
leva a refletir sobre por que o autor optou por determinadas construes sintticas e
sobre que efeitos produziu no leitor.
Alm de oferecer modelos para anlise - em que se buscam as regularidades da
lngua -, cabe ao educador tambm criar oportunidades para que o grupo escreva
muito.Morais afirma que outra estratgia importante a reescrita, para que as
produes fiquem adequados tanto do ponto de vista normativo (emprego da
concordncia e ortografia) como em relao textualidade (estrutura e formato,
escolha do vocabulrio). Para aproveitar bem cada uma dessas situaes, essencial
estar preparado, j que muitas dvidas vo surgir."Ainda falta conhecimento
gramatical aos responsveis pelas aulas de Lngua Portuguesa.O contedo est l, no
livro, e o professor precisa se apropriar dele", entende Ktia Brakling.

Um grande desafio
Ensinar a gramtica de acordo com as novas orientaes um grande n para quem
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leciona Lngua Portuguesa. "As aulas de gramtica normativa, baseadas s em fatos


da lngua-padro, no tm sentido para a garotada", admite Irene Tamaki Uematsu
Harasawa, que leciona h 26 anos. H sete, ao ingressar no Colgio Sidarta, em
Cotia, na Grande So Paulo, ela mergulhou em um novo jeito de desenvolver o
contedo. Para dar conta do desafio, faz muitos cursos. "Quando o estudante
estimulado a refletir sobre a lngua, ele vai longe. Precisamos saber responder s
questes."
Suas aulas para turmas de 6 srie se baseiam em diversos gneros e na anlise das
escolhas lingsticas feitas pelo autor para construir os sentidos desejados. Ao
apresentar o poema O Homem; as Viagens, de Carlos Drummond de Andrade
(publicado no livro As Impurezas do Branco) ela instigou a turma, primeiro, a pensar
na pontuao. "Por que o autor utilizou ponto-e-vrgula no ttulo?" Um garoto
respondeu que o ponto-e-vrgula uma pausa maior e daria a impresso de uma
viagem que se alonga. Assim, os alunos analisaram as escolhas lingsticas do autor
e concluram que so caractersticas da poesia.
Como analisa produes de gneros variados, a turma de Irene percebe a grande
variao de recursos. Para sistematizar os conceitos gramaticais, ela destaca
algumas frases e, em vez de comear colocando as definio no quadro-negro como fazia no passado -, d diversos exemplos e provoca os jovens para que
construam o conceito. "Na etapa final, confrontamos as definies deles com a do
livro." Com esse processo, os estudantes refletem sobre as possibilidades de uso de
determinadas palavras e realizam diferentes atividades para sistematizar o
conhecimento.
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Estudar gramtica dentro das prticas de linguagem...


Ajuda a descobrir como a lngua funciona em situaes reais de uso.
Aprimora a compreenso em situaes de leitura e amplia as possibilidades de
uso da lngua em situaes de escrita.
Gnero

Existe um nmero quase ilimitado de gneros, que variam em funo da poca,


da cultura e dos propsitos comunicativos. Eles so caracterizados pelo
contedo temtico e pela forma de composio.
Vocativo o nome do termo sinttico que serve para nomear um interlocutor a
quem se dirige a palavra.
Advrbio

de tempo: hoje, ontem, anteontem, amanh, atualmente, sempre, nunca,


jamais, cedo, tarde, antes etc.
de lugar: aqui, a, ali, c, l, acol, longe, perto, dentro, acima, abaixo,
direita, esquerda etc.
de modo: bem, mal, assim, depressa, devagar, rapidamente, lentamente,
facilmente etc.
Contexto
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A consulta ao dicionrio contribui para a perfeita compreenso e expresso de


idias, opinies e sentimentos. Os diferentes significados que a palavra pode
apresentar so dispostos em ordem numrica. Tambm so oferecidos
sinnimos e exemplos de emprego da palavra.
Tempos verbais

O presente do indicativo pode tambm expressar processos habituais,


regulares, ou aquilo que tem validade permanente. O pretrito perfeito simples
exprime os processos verbais concludos e localizados num momento ou
perodo definido do passado.
Concordncia

verbal: o verbo altera sua terminao para se adequar ao sujeito da frase.


nominal: os adjetivos, artigos, pronomes e numerais alteram sua terminao
para se adequarem ao substantivo a que se referem na frase.
Reticncias (...) indicam uma interrupo da seqncia da frase, com
conseqente suspenso da melodia. Ela pode se dar por motivos estilsticos.
Ponto-e-vrgula(;) marca uma pausa mais longa que a vrgula, porm menor
que o ponto. Emprega-se o ponto-e-vrgula, entre outras razes, para: separar
oraes coordenadas que tenham uma certa extenso Separar oraes
coordenadas que j venham quebradas por vrgula...

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Quer saber mais?


CONTATOS
EMEF Antonio Carlos de Andrade e Silva, R. Baltazar Santana, 365, 08040-420, So Paulo, SP,
tel. (11) 6154-1899
Escola de Aplicao da Universidade Federal de Pernambuco, R. Acadmico Hlio Ramos,
s/no, Cidade Universitria, 50740-530, Recife, PE, tel. (81) 2126- 8332
Colgio Sidarta, Estr. Municipal Fernando Nobre, 1332, 06705-490, Cotia, SP, tel. (11) 4612-2711
BIBLIOGRAFIA
Muito Alm da Gramtica, Irand Antunes, 168 pgs., Ed. Parbola, tel. (11) 6914-4932, 26 reais
Produo de Textos na Escola: Reflexes e Prticas no Ensino Fundamental, Telma Leal e
Ana Carolina Brando (orgs.), 208 pgs., Ed. Autncita, tel. 0800-2831-322, 32 reais

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Publicado em NOVA ESCOLA Edio 201, Abril 2007.


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