SARLO, Beatriz - Tempo Passado
SARLO, Beatriz - Tempo Passado
SARLO, Beatriz - Tempo Passado
,,_
Editora UFMG
Diretor
Wander Melo Miranda
Vice-Diretoffi
Silvana Cser
BEATRTZ SARLO
Conselho Editorial
Wander Melo Miranda (presidente)
Carlos Antnio Leite Brando
Jos Francisco Soares
Tempc passado
Cultura da memria e guinada subjetiva
Silvana Cser
Tiaduo
Rosa Freire
d'Aguiar
Editora UF4G
6627
AJa direita da Biblioteca Cerltrel _ Trreo
Carnpus Parrpuiha
Belo HorizontelMG
-,trz7o-9or Tel.: (3r) 3$9-4650 Fax: (3r) 3499-r,768 E-rnail: editora@uing.br
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CoNrpa NrlrA Das
trrals
Copyright
Tiempo pasado
publicado oiginalmente en espafiol en zoo5. Estatraduccin espublxxl Edinres Argentina [Tempo passado foi pubicado ori-
a sido
Sumrio
ginalrnente em espanhol em zoo5. Esta traduFo pubicada mediante acordo com sigo xxr
Editores rgentinal.
Ttulo original
Tiempo pasado
Capa
Rar:I
Loureiro
, lmagemdampa
Fanfare (1974), de George Dannatt, guache e lpis sobre acrlico.
@ Coleo particulari The Bridgeman Art Library
Prepata.o
Carmen S. da Costa
Isabel jorge Cury
1.
Dados Internacionais de CatalogaFo na Pubao
(Cmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)
mmria
c guinada subjetiva
So Paulo
/ Bii Sarlo
978-85-7041-583-7
6.
07-1046
cDD.982
A retrica testemunhal, 45
4. Experincia e argumentao, 69
5. Ps-memria, reconstituies, 9o
3.
Sallo, Betriz
rsBN
Tempo passado,9
(crr)
Histria
social
982
^rgcDtina
lzoozl
Todos os direitos desta edio reservados
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o4532-ooz-So Paulo
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sp
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Notas, rzr
( uerra
de
3"
A retrca testemunhal
contramonumentalizao do Holocusto,e
cleilonstrou que a explorao no est contida apenas dentro dos
limites
distanciamento
as
45
sl:
cficos.
fez sob
o choque da violncia de Estado jamais pareceu um obstculo para construir e escutar a narrao da experincia sofrida.
A
novidade dessa experincia, to forte como a novidade dos
fatos da
Primeira Guerra Mundial a que se referia Benjamin, no impediu
desponcondies da transio, os discursos comearam a circular e demonstraram ser indispensveis para arestaura"o
de uma
esfera pblica de direitos.
taram
as
A memria
se disse no
poltica. Aim
da aceitao dessas caractersticas, bem crifcil
estaberecer uma
perspectiva que se proponha examinar de
modo crtico a narrao
das vtimas. se o ncieo de sua'erdade
derre sel inquestionver,
os crimes das ditaduras foram exibidos em meio a um florescimento de discursos testemunhais, sobrtudo porque os julga-
se
jurdica,moral
sofrido e do que sabiam que outros sofreru- at morrer. No mbito judicial e nos meios de comunic aco,aindispensve narrao
dos fatos no foi recebida com desconfianasobre as possibilidades de reconstruir o passado, salvo pelos crirninosos e seus
repre_
sentantes, que atacaram o valor probatrio das narraes testemunhais, quando no as acusaram de ser falsas e encobrir os crimes da
guerrilha'
se se excluem os culpados,
testemunhais,
*E*
+6
A7
iiliHll",
se
lrr'tes, intelectuais, polticos, religiosos ou sindicalistas das dcarl;rs anteriores no so a nica fonte de conhecimento; s uma fetir lr iz.ao da verdade testemunhal poderia outorgar-lhes um peso
riul)()l'ior ao de outros documentos, inclusive os testemunhos conlcr,porneos aos fatos dos anos tr960 e 1970. s urna confiana
as
da
ordem da erlperin-
de.
positivista.(no sentido em que Ben.jrr rrrrr usou essa paiavra para cayacterizar os "fatos") a intangibiliclrcle da experincia vivicla na nawaa testeinunhal do que a de
lur relato feito a partir de outras fontes. E, se no submetemos
todas as narraes sobre os criines das ditaduras ao escrutnio
ideoigico, nohraza rnorai para ignorar esse exarne quando se
trata
as
As narraes da memria tambm insinuam outros probleRiceur assinala que errado confial na idia de que a narra-
IJMA
N,{D,
"Criou-se
primeira
est apoiada
atribuda
num
urna rrida
49
ao
atribudo
iluso de evitar
a disperso do sentido.
Da perspectiva da disciplina histrica, em compensao, jr
no se pretende reconduzir os acontecimentos a uma origem; ao
rdnunciar
tempo,
um nico princpio de
apropriado
histria como a acumulao de detalhes produzem um moclo realista-romntico em que o sujeito que narra atribui sentidos a todo
pblica, em que
contrapartida, no
se cr obrigado a atribuir sentidos nem a explicar as ausncias, como acontece no caso da histria. O primado do
detalhe um modo realista-romntico de fortalecimento da credi-
os velhos dis-
discurso da memria
bilidade do narrador
Ao contrrio,
disciplina histrica
se
ficou
con-
vduo, mas o especfico.A noo de intriga nos afasta de toda defesa da histria como urna cincia do concreto. Incluir um elemen-
motivos rrretodolgicos
creto
e da
articulam conta o esquecimento, mas tambm lutam por um significado que unifique a interpretao.
a ele
interveno na esfera
das".6 Naturalmente, a estilizao unifica etraauma linha argumental forte, mas tambm instala o relato num horizonte em que
tem razes
local do fato
trico
admissvel
desconfiana; nas, o
tem
luto, fundando assim ima comunidade ali onde ela foi destruda.'
5o
51
,,u&.*,
()I)0 I].EALISTA-ROMNTICO
tanto ou mais que lemlrrrr', corresponde de Annette Wieviorka, quando afirma que
vivcrnos "[...] uma poca em que, de modo geral, o relato indivitltral c a opinio pessoal ocupam muitas vezes o lugar da anlise',.t'
I)oucornportaquoproblerntica fatosreconstitudos,
verdade
ntriga por sua abundnci realista, isto , por seu aspecto verossrnil mas no necessariamente verdadeiro. A proliferao do detai
i'dividual fecha ilusoriamente as fendas da intriga e a apresenta como se ela pudesse ou devesse representar um todo, algo
lhe
so fatos
os deta-
bern claro no caso dos desaparecidos argentiiros, chilenos e uruguaios, e de seus farniliares. h4as h alguns textos em que o detaihe
partnoy
contado em terceira pessoa, de modo que a identificao
seja
mediada por um princpio de distncia. E, quase na metade
do
livro, outro terto em teceira pessoa vale como uma espcie
de corte
no movimento de identificao autobiogrfica; a terceira
pessoa
seqestradores"
so
as caias de seu
se
repetido
desaparecimentos.
histria que
se deseja
reconstituir
))
poltica anterior
visam incluir
paisagem cultural
as
tui.
aquilo mesmo que ela reconstimomento que a iluso de uma representao comple-
tico
nesse
se
adapta bem
a essas
primeira, evidentemente,
que
se
se se
*.t*o
o fato de centrar-se na
primeira pessoa,
fre-
nesses anos, os
parecidos ou combatentes ocupam posies importantes no relato, que, assim, se sustenta numa dimenso afetiva de rememorao. Restrita idia realista do romance, Zuker escreve um captulo
se
desaparecidos argenti-
de toda maneira,
sobre
foi
se
iminente
c1a
cialmente
as
Mes
mais tarde
as
fixando numa palavra de ordem um argumento poderoso: sacrificados ern plena juventude, justamente porque correspondiam a
uma imagem da juventude que coincide com o senso comul
55
54
t
i.
gtsK-,
atua-
des-
srrs
r't
orte.
evidente que, para as
rrrra
histria
'o
narrativa um direito e, ao exerc-lo, embora subsista
dessa
a parte
prprio
aproxime de uma
espont-
nea.
obriga
lembrar, com
d a entrevista
construdo no pre_
sente. Cs aldeoes ou as vtimas falam
no presente e, inevitavelmen_
te, sabem rnais do que sabiam
no momento dos fatos, embora tam
reconhec_lo e
traar seus limites. Todo ato cle discorrer
sobre o passado tem urna
dirnenso anacrnlca; quando Benjamin
se inclina por uma hist_
ria que liberte o passado de sua
reificao, redimindo-o num ato
presente de memria, no imprilso
messinico peo qual presente
o
_)o
E-
se
poltica ou moral no presente, daquilo que ele tttfizacomo dispositivo retrico para argumentar, atacar ou defender-se, daquilo
se
ao:
suamatriatemporal,assim como o passado aquelamatriatemporal que se quer recaptua. As narraes testemunhais sentemse
cultural, biogrfca)
q.ue
pleciso lernbrar
qualidade anactnicaporque
impossvel elirnin-la.
as pretenses de verdade
outro gnero de
histria, isso no obriga a aceitar o inevitvel como nexistente,
queuJizegaesquec-1o justarnente porque no possvel elimin-
o presente da enunciao a
.o*o
A,impurezado testemunho uma fonte inesgotvel de vitalidade polmica, mas tambm requer que seu vis no seja esquecido em face do impacto da prirneira pessoa que fala por si e estarnpa seu nome como uma reafirmao de suaverdade' Tnto quanto
lo que ele
se
as
;B
I
!:,
;;jl&rtir*
fatal, mas que trabalhe com ela para alcanar uma reconstruo
inteligvel, ou seja: que saiba com que fibras est construda e,
e congressos, manifestos
nais partidrios
desejo de simplicidade que no suficiente para recuperar o passado num impossvel "estado puro". Corno disse uma vez Althus-
deixar de lado, pois freqente que digam muito mais que as lembranas dos protagonistas ou, pelo menos, as tornem compreens-
crnio deVoltaire menino. Mas para pensar o passado tambm insuficiente a tendncia a colocar a as formas
pretenso
a que agora eles tm de como eram e agiam, no uma
reificante da sub'jetividade nem um plano para expuls-la da histria. Significa, apenas, que a "verdade" no resulta da submisso a
limites afetam, como no poderia deixar de ser', os testemunhos de quem foi vtima das ditaduras; esse
carter, o de vtimas, interpela uma responsabilidade rnoral coletiva que no prescreve. No , em contrapartida, uma ordem para
qLre sels
ser, no existe o
a, imagina encontar o
escritos
em prirneira pessoa, como os prociuzidos por tcnicas etnogrficas que utilizarn uma terceira pessoa muito prxima da primeira
(o que em literatura se denomina discurso indireto lvre). Diante
dessa tendncia discursiva seria preciso ter ern conta, em
primeiro
no partidrios
menos)
Evidentemente,
6a
se
esses
reiato da experincia
par dea
no limitar-se lembran-
esse
legtimas razesparapartici-
tm
e,
jor-
-,
So fontes ricas, que seria insensato
e programas, cartas,
interpretvel.
AS IDIAS E OS FATOS
A pergunta tem importncia porque aquele perodo foi fortemente ideolgico, tanto na esquerda como na direita (o pragma-
jornais populares argentinos desse perodo provavelmente ficar surpreso, tanto quanto quem verificar que os
Dirios de Ernesto Guevara foram publicados em srie na revista
mais sensacionalista do fim dos anos 1960, na qual dividiram as
pginas corn as notcias policiais *as vedetes do teatro direvista.
No incio dos anos 1970, consumiam-se na
rnais jornais
consuka dos
"{,rgentina
muitos
rninando-se com
motivos:
d.e
as rlerses
ori-
o iniienarismo
integava a "teologia
63
d9{&+".
Cristo, suas
legies se reconhecem e se organizam. A profecia chega
ao pesen_
te vinda do passado, autorizando a mudanca anunciada
nos textos
sagrados. Na Amrica Latina, o cristianismo revolucionrio
dqs
arros i960 e 1970 marcou o rnomento mais compacto e de
maior
penetrao desse discurso. Leu-se a Bbiia na cave terceiro-munciista e se dimlgaram verses secuiarizadas d.a mensagem evanglica. os documentos do
Mundo,
Mo'imento
a revista
cristianismo y Revorncin, a teologia da libertao do padre peruano Gustavo Gutirrez prepararam o solo ideo_
lgico em que o milenarismo cristo se encontrou com a radicalizao revolucionria.,'
era'r defendidas corno ncieo constitutivo da identidade poltica, sobrtudo nas faces marxistas do movimento
radcal. A afirmao daprimazaintelectual no deve'ia ser
tomaAs idias
na con-
figurao das identidades polticas: utopia-e uma teoria revolucionria que animasse e guiasse a experincia pressionav a aprti-
'a
acadmicas.'e
os caminhos da revoluo
(as
"vias"),
aliavam ou
se
cle
A emergncia da guerrilha motivou, no caso argentino, revistas e semanrios do mercado a colocarem essa discusso, de
longa
'am
Tlrdo isso
nas vanguardas
estticas.
'o
gio prtico", mas sob formas discursivas, textuais, lirrrescas;
se c
imaginrio potrtico,longe de se confgurar contra o erudito, recorria
64
O)
que
se
pergunta
quanto do peso
te-se
as
blante intelectual
se
aquela?
No
se
presso de uma
se submetem, como os da
e, se
disciplina histrica)
um controle que
memrias da represso,
:i-
a base
mundo
se disse,
emoes
ginaoviaja,
se
dizer
ima-
insufciente
a crise da
subjetivida-
"1*
histria
apia sua
4"
Experincia e argurnentao
desconfiam da sinceridade
e da
produto direto de um relato. Recorrem a uma modalida de argumentativa porque no acreditam de todo no fato de que c
soa como
se
Piiar
Calveiro.
'
Eies pressupem leitores que buscam explicaes no apoi:rdas apenas no pedido de verdade do testemunho, nem no impacto
moral das condies que colocaram algum na situao de ser testemunha ou vtirna, nem na identificao. Fressupem autorils
que no pensam que a experincia confere diretamente
uila intc-
69
Arendt
poss-
tambm fez seu, de buscar princpios explicativos alm da experincia, na imaginao sociolgica ou histrica. Afastam-se de
uma reconstituiao
narrativa
as
remisses tericas
rncias empricas;
as
ea
um cientista social, algum que no perdera seus conhecimentos e podia continuar a exerc-los. pola quis
recuperar um passado universitrio e empega suas capacidades,
demonstrando que a priso no havia conseguido anular as habiautor continuava
refe-
a ser
lgico que, claro, no surge dela, mas das regras da arte praticadas pela histria e pelas cincias sociais. A perspectiva fortemen-
do discurso memorialstico ao
se separam
aceitar restries no uso da primeira pesioa, da anedota, d anarrao de forte linha argumental, do sentimentalismo, da invectiva
dos tropos.
se
se
lado,
pessoais da
tando
se
experincia de
seusprprios sofrimentos.Tmbmporisso no so
os
textos mais
7I
70
represso
xando de lado outas perspectivas sobre os fatos. pola diz que seu
texto (como Levi afirma do dele) uma "matria-prima I Natural-
tos futuros nem ter idia de quais seriam o tom e a retrica com que
a. O que
to na cadeia, "cumprindo o papel prprio aos'intelectuais'na prisio [...], isto , o de se constiturem em analistas e comentadores,
rrrrris que em
l
rrr
l c analista
produto
se
res
sustentam suaverossimilhan-
e da
teoria
perspectiva terca
apagar seu
construindo um rela-
to contnuo e coeente, o trabaho das bentbas consiste em elimirar pogessivarnente os absurd.os aparentes ('duas mil liberda-
a"La
Bentba,discursos fragmentrios, i'umores. A origem da palavra seriam as rad,iobembas, os boatos que circularram de boca em boca antes da Revoiuo Cubana.
(N.r.)
11
umo
bibliografia,
os
as
ideologia so tambm
Menciono
cr
esses
espao
anterior
se
fo
modelo comunicacional inspirado no modelo econmico, chegando s raias do desmedido, como ao citar O capitalpara definir
o processo de circulao dabembacomo parte de seu processo de
produo: "Em certo sentido, caberia dizer do'trabalho' das bembasalgo muito parecido com o que Marx (O capitalvol.2) afirma
a exp e_
que ele
scio-semiolgicas,
as anlises e as hipteses.
nota de p de pgina
A experincia em
rrrnor.*o
transferncia) que,
se
tripartite
75
t-.
-!,
significar alguma coisa. E interessam-lhe particularmente os pessupostos da verossimiihana do rumor. com sua anlise ele no
quer provar que sempre, em todas as condies, uma pequena
nunca
de mensagens de um
produo
sociedade consegue alcancar um pequeno mas significativo objetivo, e sim que a bemba altera as seqncias normais da circulao
as liberdades, os
se
uma vez sero esquecidas. Sem esse crculo em que o novo apaga o
pola caract eriza apriso como um espao em que .,a qualquer rnomento pode acontecer qualquer coisa". Essa indetermina_
o do esperado ery termos cornunicativos urna marca imposta pelo poder carcerrio para que os sujeitos vivam num regime
do-poderosas
e, ao
respos-
i'emria.
Se no circutrar-,
d,esgaste da novidade
Z6
informativa.
por
ctra
iejei-
otimisias demais, no
se
circuito
e as
condi-
cir-
cuito comunicativo
qr,re
se preserva
um grau deverossimilhana que evita suatransformao em mensagens frustradas, completamente descartveis, na medida em que
contradizem tanto
as
difundidas.
peronistdder-
rnbado; simpatizantes distantes; e garrones, que ele descreve como reveladores da verdade do sofrimento carcerrio, na medida
em que no podem, ao menos em princpi o,dar razonem expli-
de seus carcereiros'
ria: lembram as armas do preso poltico diante
se constri
A teoria ilumina a experincia' O ensaio de pola
da ideologia' cuja
confivel, porque nunca esto livres da falsidade
interveno apoiada
contarrrinao s pode ser dissipada po Lrma
faz parte do
no conhecimento' Por isso a experincia pessoalno
de p de pagina'
corpo do texto, lrtas est onde lhe cabe' nas notas
da pgina aPresenta
como "matria-prima" da anlise' O espao
ao conhecigrafcamente a hierarquia que subordina a experincia
que
pessoa no tem outro privilgio alm do
L"nto.
E a primeira
analtica"'La bemba"
ganha pela sofsticao de sua capacidade
como o que se
inverte arelaoque cal acter izalanto o testemunho
analisada'
c-la,aexperincia no rememorada' mas
parece estranho
Examinando o artigo de Emilio de ipola' no
a experincia
que tenha sido esquecido como texto que apresenta
pola quer manter da lembrana de sua experincia. Mais que reviv-la, ele procura imprimir-lhe as categorias e a rctrca expositiva de uma
esfera do imediatismo e da sensibilidade para p-la na esfera inte-
so singularmente
carcerriadurante a ditadura' Suas qualiciades
lectual.
alheiasmassatestemunhaleshistriaspessoaisecoletivassobre
l8
79
terrorismo de Estado. O ensaio quer ser algo mais e algo menos que
isso; por excesso ou falta, fcou invisvel.
A EXPERNCIA DE OUTROS
Publicado em 1998, Poder y desaparicin: Los campos de concentracin
en
doutorado apresentda no Mxico,n Pilar Caiveiro foi uma prisioneira que fcou desaparecida durante um ano e meio, em1977,na
4anso Ser; na delegacia de Castelar; na ex-casa de Massera etn
Panamericana
e Thames) e
(esu.+.).
inrtuos
n o
cla
existncia de uma
se estende
ciitadura em i.97 6.
81
guerrilheiras mantiveram com sua prtica uma relao que Calveiro (ex-militante montonera) acredita necessrio diferenciar,
por motivos queveremos em seguida.
se
vidos perifricos;
a represso, o desaparecimento
ou a tortura de
consolidava o regime de terror. Ao estabelecer essa diferena com o discurso mais difundido,
Calveiro
se
se
ser avaliada, na
as
medida em que, ao
se
afir-
se situa
moral particular sobre o leitor, que sabe que Calveiro foi uma
presa-desaparecida, mas sobre aqueie de quem no se exige uma
crena baseada em sua prpria histria, e sim nas histrias de
outos, que ela retoma como fonte e, portanto, submete a operes interpretativas. Calveiro est se referindo a fatos excepcionais;
mas no exige que ningum acredite neles s pela carga de sofrimento humano que (lhe) produziram, e sim pelo dispositivo intelectual que os incorpora a seu texto. A leitura iivre porque
Calveiro no se apresenta como prova do que foi dito, embora se
saiba que sua vida parte dessa prova. A diferena essencial:
algum investiga o que aconteceu com outros (embora exatamente isso the tenha acontecido). Por outro lado, as hipteses de
Calveiro, por no estalem apoiadas unicamente em sua experincia de tormento, podem ser discutidas.
Como a primeira pesso se apaga,a obra de Calveiro proclrra
legitimidade no na persuaso nem em motivos biogrfcos, mas
intelectuais. claro que, provavelmente, o livro no teria sido
escrito se no tivessem existido razes biogrficas, mas essa simples comprovao vale para muitos livros de teinas bastante diferentes. A biografa est na origem, mas no no modo expositivo,
nem na retrica, nem no aparato de captao mora do leitor.
Assim, o que singularmente original no iivro de Calveiro a
deciso de prescindir de uma narrao da experincia pessoal
como prova de seu argumento. Trata-se de uma negativa explcita.
8t
Depois de anos de publicao de testemunhos, Calveio' que possui os mesmos materiais vividos que os autores de narraes em
se
poderiam me matar
sacialporquefoi desapa-
tima.
me na Rivadavia
i...] A segunda:
se
esse
flha de qua-
moral
e torturada. Seu direito ven de algo universal, e no de uma circunstn-
cia
terrvel.
::
e analisa, refere-se ao
ato suicida
tinha
as
conse-
cle
camnho
se ela se dissesse
fora includo. Ao
esse
como
coioca no ii-lgar de quem d urn testernunho, o qual no ocupa em seu prprio iivro: "Pulo pela jane-
se
claro que,
difi-
culdade, jno de viver, mas de morrer. Morrer iro era fcil deniro de uin campo. Teresa 4eschiati, Susana Burgos e muitos outros
8+
c1e
85
res-
indiscut-
fazpafie
dos outros. Seu objetivo no provar que o campo foi to terrvel
que ela tentou se suicidar; no quer usar seu corpo como base testemunhal. Quer provar, de modo mais amplo e intelectual, que as
condies do carnpo podem conduzir tentativa de suicdio de
Susana Burgos
muitospresos
no assume o lugar que lhe cabe para escrever seu ivro porque
procura uma interpretao que mais possvel se suas fontes so
outras. Analisa
no pe suaexperincia no centro.
A
dimenso autobiogrca quase ausente cede lugar dimenso
argumentativa: onde se devia falar em primeira pessoa, fala-se em
terceira. O tempo passado no o do testemunho e de sua dimenso autobiogrfr.ca,mas o da anlise daquilo qlre outros narrarail
e da elaborao de classificaes e categorias: o tipo de tortura, os
passos da resistncia e os da delao, a lgica do campo' que repro-
gesto
ltimo
violn-
solidariedade nem a simpatia, mas exclui Calveiro {g9se dom, porque ela
procua ser reconhecida em outro lugar e por outros motivos)
recidos. Essa mudana de lugares (gr1e no enfraquece
claramente indicada nas fontes testemunhais que o texto menciona e cuja procedncia se esclarece em notas.
Mas h umas poucas e mnimas inscries autobiogrficas:
seu
prprio nome
seu
nmero
experincia
e as
duz a do pensamento totalitrio, a vicia cotidiana dos desaparecedores, jogando uma partida de truco que telr como fundo solforo
os discursos de Hitler; a coexistncia do legal e do ilegal, do completamente secreto
produz em simetria
outros presos.
Se
discusso inter-
mais insignificantes'
Calveiro no escreve uma "fonte". Por isso possvel concordar ou discordar do que afrma, sobretudo em suas hipteses mais
gerais. A liberdade de leitura (uma liberdade intelectual e moral)
se encontra mais segura nesse terreno do que no da primeira pesB7
incluir
seu
experincia intransmissvel, irrecupervel, da tpica vtima. Tambm aqui h uma reticncia: Levi
se v
obrigado
nho igualmente complexo: no falar em nome prprio. Nessa cesso da primeira pessoa, Calveiro sacrifica no apenas) como se
poderia pensar,
riqueza detalhada
jul-
sofrimento para
livro no decorre da priso e da tortua, mas do exiio no Mxico, onde ela pesquisou e incorporou os
instrumentos intlectuais paa escrev-lo, situando-se em primeiro lugar no mais acadmico dos espaos
e no gnero mais pesadamente escolar: a tese de doutorado, que ordena a excluso do eu,
sem excees.
experincia sofrida.
as condies
a v et
Assiiralou tambn:
Bg
5 . Ps - menr
"lembrana",
anne Hirsch chama de "ps-memria" esse tipo de
dando por inaugurada uma categoria cuja necessidade deve ser
ria, reconstituies
memria pblica; no
tampouco
At memory's edge,'pergunta-se
como "lembrar" aqueles fatos que no foram diretamente experimentados, como "lembrar" o que nose viyeu. As aspas que srquadram a palavr a lembrar indicam umSb fi gurado: o que se "lembra"
o vivido, antes, por outros. "Lembiar" se iferencia de lembrar
James Young, no comeo de
A idia
xx. Aqui me proPonho a examin-la'
Hirsch e Young assinalam que o trao diferencial da ps"lembranas"'
memria o carter ineludivelmente mediado das
direta
Mas os fatos do passado que as operaes de uma rnemria
e esto ttnida experiricia podem reconstituir so muito Poucos
vidas dos sujeitos e de seu entorno imediato' pelo discuro resto dos
so de terceiros que os sujeitos so informados sobre
contemporneos a eles; esse discurso, por sua vez' pode estar
dos
mal) lembrar em termos de experinciafatos que no foram experimentados pelo sujeito. Esses fatos s so "lembrados" porque
fatos
monumento lembrava").
Alertado intermitentemente pelo marco que enquadra
lem-
se
em
apoiado na experincia ou resultar de uma construo baseada
o
como
fontes, embora sejam fontes mais prximas no tetrtpo'
o de Burckclssico de Fustel de Coulanges sobre os romanos ou
fonhardt sobre o Renascimento. Nas sociedades modernas' essas
da escuta direta
so crescentemente miditicas, desvinculadas
tes
por
de uma histria contada ao vivo por seu protagonista ou
97
tLrr
r
rrit, ocs.
Iro t
Por isso
Ic todos os
tipos de discurso
pati
irrlxir;tente.
Se
as
vtimas dos
cxcrce essa memria, tnas da escuta davoz (d-da viso das irnaqcrrs) dos que nela esto impiicacios. ssa a rnemria de segunda
llcra o,lembrana pblica ou
familiar
de fatos auspiciosos ou
tr-
Young se estende acercados problemas colocados pelo carter vicrio da lembrana de um passado que no se viveu, como se
fosse um trao indito que pela prim eiravez caracterizasse os fatos
de uma histria recente. Mas bvio que toda reconstituio do
passado vcriae hipermediada, exceto a experincia que coube
ao corpo e sensibilidade de um sujeito.
A palavra ps-memria, empregada por Hirsch e Young, no
tir tambrm
funcionam
carter
subietivo nos
'
fatos representados.
to
e da
jetiva.
Se se
Se
para chamar
morte do pai no est de certo modo reduplicando os mtodos da tese que foi realizar no planalto pampiano?'Se
as condies da
carter lacunar dos resultados, nem por seu carter vicrio. Sim-
se
xx a iteatura autobiogrfi ca abunda em memrias da memria familiar. Sarmienlo, em Recuerdo s de prov incia, comeap ela
histria de sua familiae a reconstitui (bem arbitrariamente, devesculo
partir de fontes familiares e uns poucos documentos. Hoje, esses capiulos de seu livro receberiam o nome de psmemria, o que parece completamente desnecessrio para se
compreender arelao complexa e conflituosa de Sarmiento com
seu pai, o esteticismo e a vibrao moral do retrato de sua rne e as
operaes de inveno- recriao de uma famlia que, por seus brases,lhe permite afirmar-se como filho de uma linhagem, e no s
de suas obras. Victoria Ocampo comea sua autobiografia com o
av, que era amigo de Sarmiento;para entender esse comeo perfeitamente intil o conceito de "ps-memria", que, em teoria,
mos admitir)
as
implicaria
94
o<
autobiografra- sobre
<1ue
o tema
Starobinski
e se
e s
gerao imediatamente anterior e esto ligados ao ps-mernorialista pelo parentesco mais estreito.
Egs-a
rne,
cla
I
l
(pelo menos essa a verso de Hirsch, que passa pelo centro exato
do que aconteceu com sua prpria famlia).
incorpo-
-,
especificamente naqueles que dizem respeito ao
cstudos culturais,
as
categorias.
memria: fundar um presente em relao com um passado. A relao com esse passado no diretamente pessoal, em termos de
famiia e pertencimento, mas se d atravs do pblico e da memria coletiva produzida institucionalmente. essa a dimenso em
que se movem os ensaios de Young, que discute apenas a ps-
Abandonando-se o ideal de urna histria que atinja a totalidade por rneio de certos princpios gerais que trhe dariam unidade,
toda lristria ftagmentria. Se o que se quer armar que as his-
qr-le
nc
E6
se
as razes
aidiadevazio deixada pelo Holocausto, essa evidncia se transfere, sem maiores exames, a outros "vazios". Filosoficam ente la
mode,essacorrente
relato da memria:
designado
umainterpretao
de sentido
tipologias
aquilo que
e os
se
lembra
e
ocupa-
sociais do
lembrvel, otraumaque cria obstculos emergncia dalembranjrealizados que incidem como guias de avaliaa, os jugamentos
to pessoal,
obviamete nica). Ou tambm qlle o centro damquina de morte, as cmaras de gs e os crematrios s podem ser
reconstitudos arqueologicamente.
Se
de avaliao.
gran-
tudo fragmentrio.
fragmentrio decorre, na opinio deYoung,u do
e as
vazio entre
ideolgicas.
opera sobre algo que no est presente, para produzi-lo como Presena discursiva com instrumentos que no so especficos do tra-
cheio de retrica
lembrana
metonmi-
cadeumvazio para outro, embelezada por todos os prestgios tericos, a que se poderiam acrescentar o vazio constitutivo do sujei-
gB
critivamente adequada.
99
des-
necessrio se precaver contra qualquer resposta que prodnza uma clausura indesejvel. euando
analisa o projeto do museu judaico de Berlim, deDaniel Libeskind,
ausncia daqueles documentos que foram sistematicamente destrudos. No h imagens de um crematrio em funcionamento,
Young recorre
uma frmula com a qual acredita deixar estabelecidos os mritos do projeto, porque teria"respondido ao problema
tornou invisvel
ediftcio;
cmara de gs
memria
(e de seus
monumentos
ralmente aberta
coer-
tentil
j que
teri-
por defnio, um problema est iro atual momento aberto irresolno, o que se afirma , mediante outro lxico, uma noo de
't-cuttnt.Young recore teoria do vacutnn,daquilo que no existe
seno na ausncia, e obriga-se a continuar ligado a ela s porque
sentidos ao
Se se
contramonumentos). Salienta
no perrnanecerar ir resolvidos.
qualidadelacunar da
reconstituio memorialstlca forma um sistema com outrolugarcomum contemporneo, que afrrrna- que, quanto mais irnportan-
a questo no ficou
irresolvida e que h um cnone esttico frme (de instalaes e
coniramonumeritos) que exerce seu poder simbiico no presente,
100
:li'.:
:..:riiitr
io1
"irresolde
obras
contravido" com queYoung acompanha um conjunto
monumentais de primeira linha internacional. E notvel como
traste entre o discurso do "aberto", do "fragmentrio"
do
internacional unificado e fortemente criador de consensoHirsch tambm insiste no carter inacabado e fragmentrio
que definiria, por sua prpranatureza, as subjetividades que lem-
histria que lhes garantisse sentidos e seguisse uma trajetria definiclaporumateleologia quelevava da queda redeno revolucionria, com um protagonismo slido ao qual foram atribudas qualidades absolutamente estveis. Eles montaram um discurso que
lucionrio e na esquerda.
No foi sua condio
Parte'
vivi-
,:
niram
liderana de Pern
eo
EXEMPLOS E CONTR.A-EXEMPLOS
Convm evitar um discurso nico sobre a memri.a e a"psmemria". Caracterzado pelo lacunar, pelo mediado, pela resistncia totalizao e por sua prpria impossibilidade, o discurso
se
transfor-
se
vam
102
{:r
.'iq&,
uma data
fundadora, falaram abertarnente do passado de seus pais e consideraram que eies tinham sido participantes equivocados ou espectadores que no entendiam os acontecimentos. Foram filhos que
primeiro governo peronista; que os acusaram de ter sevoltado com intensidade para o pblico e no ter captado a verdadeira natureza do
movimento de massas.
seus pais viveram o
tria contempornea
juventude ou rnaturidade
referiram
e se
a esse
ea
trabalhosa tentativa de reconsiituio; seria r.rma certezacompacta, que precisou dessa solidez porque a histria difundida entre os
flhos devia ser um instrurnento ideolgico e cultural da poltica
nos anos i960 e na prirneira rnetade dos 1970" A poca pensava
desse rnodo e os jovens pensavafi de acordo corn a poca.
ses
Trinta anos depois, encerrada a ditadura militar os filhos desjovens dos anos 1960, muitos deles militantes desaparecidos e
demonstrao da subjetividade,
as coisas a
partir
privada
rniitncia,
familiar
diretora-fiiha de desapae-
ia4
io5
tora,
morte,
testemunhas evocam
cenas domsticas e familiares. No podia ser de outro jeito, pois o
cimentos finais,
nada, reconstituir
a si
indiferen-
aos
as
as
e,
esses
colegas dos pais da diretora, mas ern Las rubios seu anonimato
o testemunho. O
Sheratonlo centro
e sua
isso, e
sim sua
essas
No "Campinho"
se
Ali
to7
ro6
""i"
explorao da memria.
As perucas usadas pela diretora, pela atriz que a representa e
SEM LEMBRANAS
inevitvel. A tragicidade dos fatos tocou ali onde no havia i;ujeitos em condies de responder nem de se defender, sujeitos que
ro8
o exerccio de "ps-memria" de Carri com a busca de uma imagem paterna ou materna e, concretamente, da histria no sti pessoal, mas poltica, desses desaparecidos: "Tenho dezoito anos, meu
pai est desaparecido, era mdico. H pouco sonhei com ele' Sonhei que me jogavam em cima dele e eu lhe dizia:'Ai, por favor, me
leve com voc paraonde voc est, no me importa, seja o qtre for,
me leve para
a ESMA,
dizia'No,
no, no quero ir atrs de nenhuma bandeira, poque isso no
passa pelo poltico, quero ficar com voc', e ele como que me dizia
'No, voc tem de ir atrs dessa bandeira'e eu dizia'No, quero
ele me dizia:'No, no, ande atrs dessa bandeira', e eu
nada"'.t'
por um pas rnelhor, mas fiquei sem minha me por seis anos
no
tenho mais meu pai. O que valia mais apena?. I-utar por utn pas
melhor ou formar uma famiia? Tudo isso so contradies' {o os
julgo por seus atos; so coisas que pala mirn continuam penrlentes.
1t)9
irm mais moa, Silvina, foram para a Frana, viver com a me, em
relao a quem haviam mantido uma distncia entremeada de
a algo que
a,
Mara Laura
seu compromisso
vive-
polti-
poltica
num sentido forte: recuperar aquilo que o pai foi como pessoa, no
simplesmente aquilo que foi como pai e em relao s filhas."
Nesse e em outros casos, entender significa pr-se no lugar do
(a organizao que rene os que tr4 pais desaparecidos),mostram a outra face de uma reconstituio do pgssado. Muitos teste-
munhos de Ni
enterru-
foi possvel,
fragmentos de uma histria de militante. Ps diante da av as pro-
procurou
el
Ele tinha paixo pelo sindicato"." Evidentemente, o lue se recupera a morte e o que precedeu a morte; no se recebe o perdido, mas
perda.
compilao de Gelman
internacionais
e,
110
Num lado, esto os filhos de operrios (uns 30% dos desaparccidos o eram): "Que aconteceu com esses rapazes cujo pai era
de uma
comunidade
tlrrc conheceu seus pais, por isso est em condies de tratar seus
r.cprcsentantes,AciraArgumedo
\ i
r.i
no ser que
se
ele qual
assassinato.
simil nem existe nos rapazes a quern, durante toda a infncia, foi
ncgada a histria dos pais e de quem os avs, ressentidos com as
escolhas dos flhos ou genros, roubaram at as fotografias.
As histrias detalhadas dos desaparecidoS"circularam em
comunidades de amigos
La
essas
diferenas sal-
ples entre memria dos que viveram os fatos e mernria dos que
so seus fihos. ciaro que ter
titu-lo atravs
7r2
vivido un acontecimento
recons-
todo pas113
6.
Nm da experincia
necessidades
tomam
pessoa
primeira
a palavra no testemunho e na narrao em
sujeitos at ento silenciosos. Numa signifcativa coincidncia,
tambm esses sujeitos contam suas histrias nos meios de co-
municao.
H mais de trinta anos, uma histria militante otganrzava
seus protagonistas ao redor de um conjunto de oposies simples: nao-imprio, povo-oligarquia, para citar dois exem-
plos clssicos. Eles formavam o povo dos explorados, dos trados, dos pobres, da gente simples, dos que no governam, dos
que no so letrados. Hoje o elenco de protagonistas novo ou
recebe outros nomes: os invisveis do passado, as mulheres) os
marginais, os submersos, os subalternos; tambm os jovens,
$upo
qurio ou a pesquisa acadmica mais obtusa e isolada da sociedade poderiam, hipoteticamente, suspend", urtfuao valorativa
"
com o presente. A curiosidade tem uma'extenso limitada ao gru-
essa universalidade
se impem atodos
e de
que atingiu sua existncia mais teatral, esttica e poltica no Maio estudantil francs, mas que antes tinha conferido
estilo aos primeiros anos da Revoluo Cubana, depois ao Cor-
hipo-
dobazo* e a quase todos os movimentos guerrilheiros ou terroristas dos anos 1960 e 1970. os jovens como fora curativa da
nao ou da classe, a juventude como etapa de healing,tema
Como
se disse
no comeo, o passado
inevitvel
e acomete
*Rebelio
suprimida seno pela violncia, pela ignorncia ou pela destruio simblica e materal. Por isso mesmo, essa fora intratvel
desafia o acordo institucional e acadmico, mesmo que esse acor-
e da
guerrilha urbana na
115
tr4
l
i .::
ii;
'
r.*b,r:
de prom"ssa de
da paavra; o que
-,
No
da rua,,.,
e sabendo tamb'm que devia lidar com idias que iam em direes distintas: o
potencil da primeira pessoa para reconstituir a experincia e as
ll
177
se
uma
tudo ou nada
de uma luta e
de fi.rl-
Em Duas
vezes
possvel.
a perspectiva
mas no sobre
horror artisticamte controlada?'.'Um rigor formal extremo permite que o romance se inicie comumaperguntailegvel:"4
partir de que idade se pode comessar Isic] a torturar uma criana?".
Sem o controle artstico, essa pergunta inicial impediria constrir
qualquer histria, porque a escalada do horror afgrnaria intransitvel, obscena. Congelada e ao mesmo tempo conservada pela narrativa "artisticamente controlada", a fico pode representar aquilo sobre o que no existe nenhum testemunho em primeira pessoa:
o militar que se apropria de crianas, mergulhado no que Arendt
chamou de banalidade do mal; e o soldado que o assiste com disciplina, totalmente imune emoo, esse sujeito de quem tampou-
se
o do
se
ele-se
Visitei Terezin,
memria
de seu
Inglaterra, o personagemde Austeilitzpassa, com a mesma unlateralidade e o mesmo carer absoluto, utopia da mais obsessiva
reconstituio do passado. Sebald mostra entre quais extremos se
move qualquer empreendimento reconstitutivo: desde a perda
radical da identidade at a alienao na lembrana empurrada
pelo desejo, sempre impossvel, de uma memria onisciente.
A literatura, claro, no dissolve todos os problemas colocados, nem pode explic-los, mas nela um narrador sempre pensa de
se
apoderar do
119
se
antecipam
moda contem-
pornea
I. Annette Wieviorka, L're du tmoin,Pars,Pion, 1998, p. 12.
Z.Walter Benjamin, "O narrador: Consideraes sobre a obra de Nikolai
Haus sind/ in der gedeutetenWelt" (RainerMaria Rilke,"Primeira elegia",emElegias de Duno,traduo de Dora Ferreira da Silva, So Paulo, Giobo,2001. Daqui
em diante, salvo indicao em contrrio, todas as tradues so minhas).
4. Jean-Pierre le Goff,
2002 119981,p.3a.
5.
6. O
I'anthuma-
ars.Galimard, I 985.
Newton Bignotto
18. Escreve
ambigidade
e at
reduz os acontecimentos
arquti-
pos fixos'i
no 5, dezembro de 1979. O
vro de Plriippe Lejeune, Le pacte autobiografrque, foi publicado em Paris, pela
Seuil' emL9j5s
etlopoh;
Anselm Kiefer permite pensar numa inte'veno esttica que tem o passado
Buenos Aires,
rece uma exposio clara dos escritos de Paul de Man sobre o tema.
12. O mesmo acontece com a palavra "genocdio'] cujo uso extensivo aos
mais diversos cenrios j foi discutido o suficiente por Hugo Vezzetti em Pasaclo
e na srie de seus
artigos em
722
).
qu"e
Riceur, Ia nntoire,I'histoit'e,I'oubli,Paris,Set1,2000,p.222.
EcE, 200
como objeto de uma perspectiva que no reproduz o discurso do artista sobre sua
obra (Enbusca delfuturo perdido: cultura y ntemoria en tiempos de globalzacn,
3. RErRrcA TESTEMUNHAL
[pp. 45-65]
l. "Mencionei a cescente i'rpo'tncia do Holocausto como acontecimerto fundacional da memr.ia no s eur opia. Essa percepo no podia se dar por
evidente. Durante vrias dcadas, diante da gigantesca confiontao miitar.da
segunda Guer ra Mundial, tendeu-se a trata o assassinato em rassa dos judeus
como algo mais perifrico, um epiacontecimento, por assim dizer. Hoje o olharnos
de outra perspectiva. o Holocausto passou a ocupar o centro da conflagr.ao e se
tornou o acontecimento nucear negativo do sculo xx. Temos razes para du'idar que
essa
perspectiva correspoirdesse
r23
faz na esfera
2.
casos
norte-americano
3. Paul
Riceur,
Riceurretoma
histria
E.
Ben-
H. Weinrich, preocupando-se especialmente em considerar a capacidade do relato de se desdobrar em duas temporaidades, a do momento de contar e
a do tempo do narrado. Essa capacidade constitui sua dimenso reflexiva origi-
veniste
Sobre Partnoy, veja-se Diana Tayl or, Disappearing acts: Spectacles of gender and
nationalism in Argentina's" Dirty War", Durham e Londres, Duke University
Press, 1997, pp. 162 ss.
13.
saga
Sudamericana, 2003.
14. Elizabeth Jeiin escreve:'A
memria
histria,
mesmo (e especialmente) em suas tergiversaes, em seus deslocamentos e negaabertas pesquisa" (Los trabajos de Ia
es, que colocam enigmas e Perglntas
trabaho paxo
a exceo, So Pauo
rias coletivas errticas em seu contedo, em sua forma, em sua funo e em sua
5. Ricceur,
la z moire'
e Reconciliao
medida em que toda transio procura reconciliar no s a sociedade civil consigo mesll]a, mas tambm a Igica poltica com a 1gica do uto" ("La construccin
delafuenteylosfundamentos de lareconciliacin en el Per:Anlisis dellnforme
nal de Ia comisin de Iaverdad y Reconciliacin", mimeo, departamento de
espanhol
9, Paul
Riccur,
Tempo e rtarrativa,vol.l-
olhares
L24
esses
peruana. como aponta christopher van Ginhoven Rey, a cvn "reconheceu desde
o incio que o testemunho' tambm uma forma de processar um luto longamente postergado',
alemo.
aperfeioa as noes de
as
transmisses
e se
condena
dimenso memorativa da histria sem aceitar, junto com ela, sua fixao no
inconsciente e su dimenso anacrnica". A citao de Rancire de "Le concept
d'anachronisme er la vrit de I'historien I tlnactuel,no 6,1996. Em seu trabalho
sobre os deslocamentos de tempo e de interpretao, assinalando que o testemuo ineludvel na medida em que o objeto do historiador for recoustituir a orma
como uma colfigurao de fatos impactou os sujeitos contemporneos a eles'
17. Uma antologia de textos e um panorama histrico podem se encontrados em Beatriz Sarlo,Labatalla delas ieas,Buenos
los
Altamirano
clau-
dia Giman estudou os debates intelectuais nesse perodo num livro excelente: Ia
plumayla espada, Buenos Aires, Siglo xx1,2003. Para uma perspectiva compara-
t25
tiva com o caso francs, veja-se o j citado livro de Jean-Pierre le Goff, que realiza, a propsito do Maio de 1968 e dos anos seguintes, um estudo cujo eixo a his-
2. "La bemba'l de Emilio de pola, foi includa e m Ideologa y discurso popu/lsra" Buenos Aires, Folios Ediciones, 1983. H uma edio de Siglo xxl, Buenos
Aires,2005.
18.Veja-se o "Estudio
Saro,
In
I9. A mais proeminente, seguramente, foi o trabalho de ]uan Carlos Portantiero e Miguel Murmis, Estudos sobre as ctrigens do peronismo, So Paulo,
(rlacso), com
sede em Santiago,
parajuntar-se ao corpo
de professores-pesquisadores.Aceitou
obtinham
a maior difuso em massa. As colees do Centro Editor, como Siglomut'rdo (dirigida por iorge-afforgue), Historia del sndicalismo (dirigda por
dos interessados costumava levar correspondncia para membros de organizaes de esquerda chilenas, em particular para o Movimiento de Accin popular
Alberto Pl), e mesmo Polmica, uma histria argentina dirigida por Hayde
Gorostegui de Torres, com maior participao dos historiadores profissionais,
Altamirano, Bajo
20. A
formavam uma biblioteca poltica popular, que podia ser encontrada em toda
Argentina,
transferido para
como
a superintendncia de segurana, interrogado, torturado (subfinalmente posto disposio do ppN no dia 12 de abril. Ficou pouco
mais devinte meses na priso.saiu"por opo", no contexto do artigo 23 da constituio' modificado pela Junta Militar (a norma modificada autorizava o preso a
solicitar
base
de testemunhos.
4. EXPER.rNCrA
E,
pa-ca
marino)
panhia das Letras, 2005. A respeito de Maus, Aacreas Huyssen assinaa que sua
726
I . Jarnes E.
o-rr3
114
mistura da esttica de quadrinhos com elementos vindos da tradiSo modernista, numa palavra, a"complexidade de sua narrao no s um procedimento
esttico [...] mas provm do desejo da segunda gerao de conhecer o passado dos
pais, do qual j fazem parte, queiram ou no: um proj eto de aproximao mimtica do trauma histrico e pessoal que liga vrios nveis de tempo" (Present pasts,
urbanpalimpsests andthepolitics of mernory,Stanford, StanfordUniversityPress,
2003,p.r27).
4. Mara Laura e
eI
flaco per'
Planeta, i997'
cit',P'66.
Didi-Huberman, In
Editions de Minuit'
2003,p.2L
8. James E. Young, oP' cit., P. 17 0.
9.Ibd.,p.92.
Um relato histrico qe teve divulgao macia e forte poder de construo imaginria e poltica a$oiou-se em obras e inteffenes de autores contemporneos do primeiro peronismo, como Rodolfo Fuiggrs, ]orge Abelardo
seus
Ramos, Arturo |auretche e Juan Jos Hernndez Arregui. vejam-se, Para
10,
antecedentes conceituais, Carlos Altamir no, op. cit.; ebeattiz Saflo, Labatalla
delasideas,oP.
cit.
n-4
Ryuichi sakamoto, charly Garca evirus; som: |sica surez; desenho de produAaala Couceyro' BuenosAires' 2003'
o: Paoa Pelzmajer; intrprete:
78' abril
12. Martn Kohan,"La apariencia celebrada", emPunto deVisfa' no
de2004,p.28.
(La histo ri a e s sfrL documenI 3. Victoria, argentino -mexicana, vinte anos
trio de )orge Denti). Citado em Gelman e La Madrid, op' cit',p' 65'
14.
15.
menGuarini.
ibi'' P. 123'
Silvia (Crdoba)' ib d., p. 136.
18. Fernando,
1
9.
128
6. arrr oe
L9 67,
El poltico y eI cien-
p. 49.