Arquétipos, Psicanálise e Rencarnação PDF
Arquétipos, Psicanálise e Rencarnação PDF
Arquétipos, Psicanálise e Rencarnação PDF
Fernanda Suhet
Prefcio
Diferente de nosso trabalho anterior, no presente livro estamos dando uma nfase
maior ao aspecto espiritual da psicanlise reencarnacionista e interao do ser
encarnado com os seres desencarnados. No pretendemos com isto apresentar provas
irrefutveis ou mesmo inquestionveis, pois a percepo desta interao e a
irrefutabilidade de seus fenmenos sofre de uma limitao na qual no pretendemos
nos imiscuir: dependem de uma abertura mental e emocional que s proporcionada
pela f.
Desta feita, este livro no se destina queles que no tenham uma mente aberta ou
que estejam fortemente aferrados conceitos e cosmovises que lhes velem a
percepo. Seu alvo , por outro lado, as pessoas que dispondo de uma crena ou
religio que considere como realidade a interao entre planos estejam, ainda assim,
necessitados de uma anlise mais acurada destes fenmenos, a fim de que a f no
seja justificativa para a perda de racionalidade e objetividade.
Advertimos, portanto, ao leitor que exatamente por nos atermos ao princpio da lgica
e da racionalidade, tambm estaremos tocando algumas feridas abertas pela f cega,
ou seja, estaremos tambm demonstrando que a atitude de crena sem
questionamento to nociva quanto a atitude de total descrena tanto sobre a
reencarnao, quanto sobre a interao entre planos. Desmistificar estes conceitos e
coloc-los, adicionalmente, dentro de uma perspectiva psicanaltica e evolucionista
certamente levar a um certo desconforto, mas consideramos que este desconforto
necessrio para retirar algumas conscincias de seu estado inercial.
Durante todo o trabalho estaremos realizando uma interface entre a psicanlise, o
desenvolvimento do ser humano e o que dito nos Evangelhos. Desta forma, este livro
tambm no se destina queles que no sejam cristos independente de sua religio
e que, alm do mais acreditam que o conhecimento evanglico de pouca
utilidade para a vida prtica.
Fernanda Suhet
20 de janeiro de 2004
da psique. Neste sentido, pouco importa se ela praticada em um set de terapia, num
mosteiro budista ou numa caverna do Himalaia se o seu objetivo debruar-se
honestamente sobre voc mesmo e compreender em profundidade seus impulsos e
aspiraes, modificando sua perspectiva de vida a partir desta compreenso, voc est
fazendo psicanlise. Assim, analisar profundamente uma psique e fazer alguma coisa a
partir desta anlise o que definimos como psicanlise e no a uma tcnica ou ritual
especfico. Obviamente que qualquer profissional ir eleger uma tcnica e um escopo
de ferramentas quer melhor se afine sua psique e a de seus pacientes, mas o que
define a psicanlise a despeito do egocentrismo de Freud no a ferramenta, mas
o resultado, assim como o que define a pintura no a tinta ou a tcnica e nem
mesmo este ou aquele pintor especfico , mas o fato de produzir um quadro.
Quanto aos junguianos sabemos que muitos se sentiro igualmente desconfortveis,
pois a despeito de Jung ter estudado diversas culturas, ter se aproximado do ocultismo
e ter mesmo citado em seus livros estudos sobre a vida aps a morte, fez absoluta
questo de manter fora de suas obras completas qualquer apoio ao conceito de
reencarnao e h mesmo um de seus livros no qual ele resume o fenmeno da
mediunidade a um caso de histeria1, ainda que em sua autobiografia2 abordasse as
referncias paranormalidade de maneira menos rgida.
Queremos esclarecer ainda que a despeito de este livro tratar de diversos temas que
so de interesse especfico para profissionais de psicanlise, de forma alguma ele se
destina especificamente a estes. um livro para leigos e para aqueles que tm interesse
em compreender o que est na formao da sua prpria psique. Tampouco um livro
escrito apenas para aqueles que j compreendem o conceito de reencarnao e os
conceitos subseqentes a este no um trabalho religioso nem no sentido estrito,
nem no sentido lato. Em resumo, um trabalho destinado queles de mente aberta o
suficiente para se aproximarem sem preconceitos tericos ou religiosos de uma
abordagem evolutiva da conscincia humana.
Para concluir, advertimos ao leitor que temos uma tendncia de falar por metforas
porque acreditamos sermos esta uma das maneiras mais simples de poder explicar o
que s vezes absolutamente inexplicvel. Este recurso necessrio para que
consigamos formar uma imagem que seja compreensvel para nossa mente, ainda que
saibamos que toda metfora, por mais bem construda que seja, sempre deixar a
desejar dada a natureza do assunto. Contudo, para a mente humana tentar explicar
um arqutipo, tentar explicar um smbolo, como se uma gota tentasse explicar o
oceano. Smbolos e arqutipos, por exemplo, so infinitamente maiores do que ns.
Antecedem a nossa formao, atuam neste momento e nos sucedero na Criao,
assim como os elementos qumicos nos antecedem e nos sucedero no Universo.
Somos ns que somos compostos deles e no o contrrio. O mximo que podemos
fazer so plidas idias, definies simblicas, indiretas e tentar correlacionar tudo isto
de uma forma que possamos compreender.
sofrimento se imiscuem em nosso corao tingindo de negro tudo que est a nossa
volta e em ns, perdemos muitas vezes a f no que quer que seja, pois no
encontramos uma resposta que justifique o sofrimento e a brevidade da vida, quer
tenha sido ela coalhada de alegrias ou tristezas.
Chegamos assim a um terceiro pilar para nosso trabalho: se somos monotestas de
verdade, temos que admitir que Deus est conduzindo todos os processos e toda Vida,
quer sejam eles agradveis ou desagradveis, longos ou curtos. Mas ao contrrio de
outras cosmovises no nos limitados a resumir aquilo que no conseguimos entender
chamando-o de mistrios divinos, pois a finalidade , do nosso ponto de vista, muito
clara: a evoluo e o aperfeioamento das formas. Quando ressalvamos que esta
uma concluso lgica para os monotestas estamos chamando a ateno para o fato
de que ainda que pertenamos a uma cultura e a uma religio (qualquer que seja ela)
que apregoe o monotesmo, a verdade que na mente e principalmente no corao
de muitos de ns o monotesmo ainda algo a ser alcanado. Regra geral, as pessoas
acreditam em pelo menos dois deuses: um para as coisas boas e duradouras e outro
para as coisas negativas e breves. Damos graas Deus a tudo que seja bom e belo e
consideramos que Deus se afasta de ns quando a dor e a infelicidade se abatem
sobre ns; e neste afastamento ficamos sujeitos a uma fora negativa de igual tamanho
e proporo fora divina positiva. Esta fora negativa, como a imaginamos, tem o
poder e a capacidade de nos arrastar para suas garras revelia e contra a vontade de
Deus, o que a colocaria, no mnimo, em p de igualdade com Ele.
Esta a essncia do dualismo e contradiz frontalmente aquilo que apregoado nos
templos de quase todas as religies ocidentais modernas. A verdade est bem longe
disto: no existe um Deus para as coisas boas e outro para as coisas no-boas. Deus
est acima e alm desta limitada conceituao humana, o que coloca a finalidade de
qualquer dor e sofrimento em um patamar bem diferente daquele de prmio ou
punio, de graa ou maldio. Assim como no podemos dizer que uma folha que
caiu de uma rvore e foi devorada por um verme deixou de fazer parte da Criao, ou
que um filhote de cervo devorado pelo leo foi abandonado sorte, no podemos
dizer igualmente que a morte de uma pessoa a coloca parte da Criao e que sua
dor e infelicidade significaram que Deus a abandonou sorte. Nosso orgulho e nossa
vaidade humana, contudo, fazem exatamente isto e acreditamo-nos seres parte da
Criao e da Natureza. Supomo-nos deuses mais poderosos que o prprio Deus, pois
pensamos que nossa vontade pode estar mesmo acima da Vontade dele ao invadirmos
a matria e violarmos a Natureza. Nosso orgulho nos faz crentes de que se Ele assistiu
impassvel a violncia que perpetramos e que, por isto, julgamos que ou Ele no forte
o suficiente para nos deter em nossa sanha assassina, ou no est mesmo ao lado de
nossas vtimas, sejam elas o garoto vtima de seqestro ou japons desintegrado pela
exploso de uma bomba atmica.
Contudo, quando colocamos todos os eventos em uma perspectiva evolucionista e
expandimos esta evoluo para alm de algumas dcadas, conseguimos perceber que
nem o assassino fica sem correo em sua viso distorcida, nem a vtima perdeu seu
tempo e sua vida inutilmente. No calor da dor de uma perda mesmo natural que
sintamos este sofrimento como algo injustificado e intil, assim como natural que
dentro de um furao tudo o que sintamos nossa frente e atrs de ns sejam os
ventos da tormenta. Mas, passada esta, recolhidos os cacos, podemos reconstruir tudo
em novas bases, seja como um Japo melhor ou como um ser humano mais sensvel
s dores alheias.
Gradualmente iremos explicar os processos que esto por trs deste grande processo
chamado Evoluo, focando, obviamente, no processo da evoluo da conscincia
humana. Por enquanto fundamental que compreendamos que o Universo e tudo que
h nele , em essncia, muito lgico quando somos verdadeiramente monotestas e
toda e qualquer mistificao foi somente um esforo inicial de compreender algo que
at ento estava acima da limitada capacidade intelectual e emocional humana. O
monotesmo , como dito no Evangelho de Mateus, o princpio sobre o qual se embasa
toda Lei que, com L maisculo, no se resume s leis morais e espirituais, mas as
abrange e transcende. , obviamente, o princpio que forma tambm a matria,
despeito e revelia do orgulhoso cartesianismo moderno, pois igualmente no existe
um Deus para as coisas do esprito e deus-nenhum ou um segundo deus para as
coisas da matria. Deus um s, seja regendo a matria, seja regendo a alma
humana. apenas nossa imaturidade intelectual, espiritual e emocional que O
fragmenta em dois ou em muitos.
2) A lgica da reencarnao
Decerto, Elias vem e restabelecer tudo; mas eu vos digo, Elias j veio e, em vez de
reconhec-lo, fizeram com ele tudo o que quiseram. (Mt 17, 10-12, grifo nosso.)
Pois bem, eu vos declaro, Elias veio e fizeram a ele tudo o que queriam, conforme
est escrito a seu respeito. (Mc 9, 13.)
A Bblia, de ponta a ponta, eivada de citaes que do margem a toda sorte de
interpretaes particulares e peculiares. Contudo, h nela frases que no se submetem,
por mais que o desejemos, a subterfgios mentais, e a idia atada s palavras no
permite mais de uma interpretao. As referncias de Jesus a Elias so desta categoria.
Inquirido sobre a previso do retorno de Elias, Jesus afirma categoricamente que a
profecia j havia sido cumprida e que a personalidade de Elias havia caminhado
novamente entre eles e no fora reconhecida, como o previsto. Todos sabiam que Elias
era morto e s haveria uma forma dele voltar, caminhar entre eles e no ser
reconhecido: estar em um outro corpo fsico que no aquele que tinha enquanto Elias.
No uma questo de interpretao, uma questo de lgica que nos leva
inexoravelmente para o reconhecimento, por parte do prprio Jesus, da possibilidade
de que uma personalidade qualquer, no caso a de Elias, depois de morto o corpo
10
11
Ele faz para nos ter a Seu lado3. E mais: qualquer um de ns poderia sentir-se
completamente desanimado em continuar tentando, pois se formos verdadeiramente
honestos conosco e olharmos em profundidade para nosso corao iremos encontrar,
se no aes, pensamentos e desejos frontalmente contrrios a qualquer Lei Divina.
Voltar a viver na matria, em um outro corpo, seria, desta forma, uma conseqncia
lgica do amor de Deus sobre ns, pois isto nos daria outras oportunidades que uma
vida nica jamais ir nos dar. Contudo, o que mesmo reencarnar? Todos
compreendemos com facilidade o que significa a palavra reencarnao, contudo, o
processo por trs desta palavra pode se tingir de dvidas e confuses se perdemos de
vista a simplicidade e agregarmos a ele hiprboles mentais que s nos levam a
mistificaes. Como dito na apresentao, ao longo de toda histria humana a
reencarnao foi vivida como uma verdade religiosa e s vezes filosfica, mas cada
religio ou filosofia tinha uma verso e uma explicao particular para este processo
e, dependendo da poca que estudarmos uma mesma cultura podemos encontrar
verses diferentes para o mesmo evento. Os Egpcios, por exemplo, em dado momento
de sua histria, acreditavam que o morto, aps o julgamento de Osris, reencarnaria
em seu prprio corpo no Duat e, em outros momentos, que a alma do morto voltaria a
este corpo todas as noites; os indianos, e algumas tribos primitivas de hoje,
acreditavam que a alma de um ser humano seria transferida, no exato momento da
morte, para uma outra forma, seja um animal ou uma rvore ou qualquer outra coisa;
algumas religies ocidentais acreditam, como j foi dito, que a alma ficar em algum
lugar esperando o Juzo Final e, depois da separao do joio e do trigo, os eleitos
voltaro a habitar o mesmo corpo que tinham antes de morrer.
Nestes trs exemplos, v-se uma distoro comum no entendimento do que seja a
reencarnao: a despeito de a alma poder voltar a viver na carne, ela no passaria por
um novo processo de gravidez e no adquiriria um corpo humano novo. Para os fins
deste trabalho uma pessoa nos perguntou como podemos ter certeza de que ao
desencarnar o ser no passa imediatamente para outra forma reencarnada e se a
condio de esprito j no em si mesma uma reencarnao.
Comecemos, desta forma, esclarecendo primeiro que reencarnar significa estar
novamente em um corpo de carne, o que descarta a possibilidade de que a condio
de esprito tenha qualquer coisa a ver com reencarnar-se em outro plano que no seja
fsico. O segundo ponto importante a enfatizar que o objetivo de uma reencarnao
sempre a continuidade, a concluso e/ou o aprendizado: em sntese, a evoluo da
mente e do emocional humano da condio de ser ignorante das Leis Divinas para a
condio de ovelha reintegrada ao rebanho divino. Se este Universo caminha para
frente e para a expanso, no podemos acreditar que haveria uma regresso da forma
humana para a forma animal, vegetal ou mesmo mineral, pois isto sim equivaleria a
Nossa viso do que seja realmente o Juzo Final ser explicada adiante. Por enquanto deixemos em
suspenso que nem mesmo o Juzo Final implica no abandono de Deus e um filho transgressor de suas
leis.
12
jogar na lata do lixo qualquer raio de lucidez mental, espiritual e emocional que uma
pessoa tenha adquirido ao longo de sua vida.
O ltimo ponto a esclarecer neste tpico exatamente aquele que mais desperta
inquietaes: a necessidade de uma outra encarnao, ou seja, a necessidade do
nascimento em um outro corpo fsico, gerado igualmente por um outro corpo fsico
durante os nove meses de uma gravidez. Como vimos, o mais comum para as religies
que acreditam em uma nova vida que esta vida se dar no mesmo corpo de antes, e
nada nos parece to desprovido de senso do que esta crena. Qualquer criana de
stima srie sabe explicar que um corpo, depois de morto, passa por um processo de
decomposio que o reintegra cadeia alimentar, ou seja, ele deixa de ser o veculo
de um esprito humano ou mesmo de um animal para se transformar em alimento para
vermes e moscas e adubo para plantas. E ao longo dos milnios ele pode at se
transformar em petrleo! Desta forma, poderamos supor a dificuldade de um homem
encarnado poca de Jesus, cujo corpo no tenha sido mumificado, para reintegrar
novamente na mesma forma de antes todas as molculas e tomos que o compunham
h dois mil anos. Se seu corpo virou adubo para uma rvore frutfera, significa que as
molculas que o compunham forma absorvidas pelas razes e podem ter se
transformado em uma fruta qualquer, consumida por um outro homem que, por sua
vez, tambm j morto e tambm j pode ter virado adubo. Seguindo nesta
brincadeira mental at os dias de hoje, o contemporneo de Jesus teria provavelmente
molculas a reivindicar at mesmo no corpo de uma mosca!
Voltando a citao do retorno de Elias, compreendemos que muito mais simples e
muito mais limpo, proporcionar ao esprito reencarnante uma nova gestao e um
corpo novinho em folha. H ainda outras implicaes um pouco menos bvias para
esta nova gestao o esquecimento da personalidade anterior a fim de que o
reencarnado possa comear em bases realmente novas e no simplesmente repetir os
erros que cometeu no passado. Suponhamos um homem absolutamente mesquinho
que precise aprender a amar ao prximo. Se ele lembrasse de si mesmo exatamente do
jeito que era, provavelmente teria as mesmas dificuldades para aprender novas formas
de ver a vida que qualquer um de ns tem durante uma nica encarnao. Um outro
exemplo para ficar mais claro o porqu da necessidade do esquecimento: se algum
aprendeu na infncia a reagir com violncia a qualquer agresso que sofra, esta
pessoa provavelmente ter, na idade adulta, grande dificuldade de aprender a ter
calma e pacincia diante das adversidades e s ir mudar esta forma de agir depois de
um longo e doloroso processo de aprendizado e autocontrole. Mudar um jeito de ser,
um hbito nocivo ou um aprendizado da infncia no algo fcil e qualquer um que
j tenha tentado pode atestar isto. O esquecimento ao qual somos submetidos quando
recebemos um crebro novinho em folha nos proporciona uma oportunidade mpar de
apagar de nossa memria atual o hbito anterior e tentar fazer tudo diferente desta
vez.
Adiante veremos que este esquecimento no absoluto e que exatamente por no o
ser que precisamos de no uma, mas vrias reencarnaes, pois a personalidade
anterior e seus hbitos e vcios permanecem no inconsciente e pressionam a
13
14
Um outro ponto importante que muitas vezes coloca a f na condio de dom menor
diante do ocidental o fato de que, presas de uma civilizao mental, muitos de ns
acreditamos que o pleno exerccio da f descarta a possibilidade de continuarmos
sendo lgicos e racionais, como se Deus tivesse nos dado dois dons diferentes que
brigam e se excluem mutuamente. Isto faria do crente um tolo desprovido de senso,
tanto quanto faz do racionalista um cego diante das realidades de sua prpria alma.
Contudo, quando compreendemos que ser racional no significa termos que perder
nossa condio de filhos de Deus e que manter esta identidade por uma f inabalvel
no nos torna estpidos irracionais, vtimas de toda sorte de mistificaes, nos
colocamos em condio de verdadeiramente conhecer o que vemos e o que novemos.
Feitas estas consideraes que exortam a qualquer um de ns a utilizar os Dons que
Deus nos deu para irmos alm do fisicamente tangvel, comecemos chamando a
ateno para o fato de que em sua exortao aos Hebreus, o apstolo fala da
organizao dos mundos, deixando claro que ele reconhecia e compreendia que
existia pelo menos mais de um mundo, e, em seguida, ressaltava a existncia dentre
estes mundos de um nico mundo visvel, cujas origens no se encontram nas
aparncias, mas em algo que est alm do visvel e palpvel.
A primeira conseqncia lgica destas afirmaes de que h um universo visvel e
pelo menos mais um universo, agora invisvel (a fsica moderna, depois de formulada
a Teoria das Cordas, fala em mais de um universo invisvel para ns, quantificando-os
em dez ou onze e chamando a todo conjunto de pluriverso). Este outro universo,
obviamente, tem suas prprias leis, das quais o mundo fsico conseqncia, e
participa da Criao como o nosso, o que nos leva outra concluso igualmente
lgica: no algo parte para ns, inacessvel, e no algo que esteja alm da nossa
realidade espiritual. Antes disto, a fonte, a origem de tudo o que est visvel para ns
e de toda a matria, uma espcie de matriz na qual as coisas se organizam e se criam
antes de serem materializadas por aqui.
E se isto vlido para o que existe em termos fsicos, tambm o para o que existe em
termos de psique e mente humana. Em sendo a fonte, tambm o destino de toda
alma. o lugar para o qual voltamos entre uma encarnao e outra, e compreender
o que se passa nos perodos em que estamos fora da matria nos coloca em condies
de compreender o que acontece conosco enquanto estamos na matria, pois l que
organizamos e decidimos o que iremos fazer ou viver por aqui.
Sendo fonte do mundo fsico, obviamente o mundo no-fsico mais prximo de nossa
realidade mental e espiritual, que chamaremos a partir de agora de mundo espiritual4,
no pode ser algo que guarde uma grande diferena do nosso mundo. Ele a fonte e
15
4) Compreendendo os mundos
Pois onde estiver o teu tesouro, ali tambm estar o teu corao. (MT, 6, 21.)
Quando algum est diante de um problema grave, por exemplo uma depresso
profunda, pode olhar para uma paisagem ensolarada e no se sentir tocado por uma
nica cor, pois para esta pessoa como se o mundo a seu redor se tornasse algo cinza
e sem vida. Da mesma forma, quando se encontra no meio de uma crise emocional,
pode olhar por esta mesma paisagem e sentir que seu mundo est inundado por uma
tempestade. Passada a depresso ou a crise emocional, a paisagem volta a ser o que
sempre foi em termos fsicos, mas sofre uma modificao significativa para o
observador, uma vez que suas perturbaes anteriores deixam de ser um filtro negativo
que distorcem sua percepo. Da mesma forma, a percepo da paisagem e do
mundo fsico pode ainda ser alterada pelo sentimento de amor por uma pessoa
especial e qualquer um de ns sabe o que significa ver o mundo cor-de-rosa
quando se est apaixonado, ainda que l fora caia uma chuva torrencial!
Disto conclumos que o estado emocional de uma pessoa responsvel pela maneira
como ele percebe a realidade e, mesmo que a paisagem pela janela no sofra
qualquer alterao de acordo com as variaes deste estado emocional, no mundo
espiritual, mais plstico que o fsico, este estado o diferencial para a construo de
uma realidade exterior. Frisemos que a qualidade de ser plstico, atribuda ao mundo
espiritual, uma conseqncia do fato de que somente se lhe admitirmos esta
plasticidade que poderemos vermo-nos como capazes de modificar por um ato de
16
vontade a estrutura de nosso corpo. Dito de outra forma: ainda que o estado
emocional de uma pessoa modifique somente sua percepo da paisagem, e no a
paisagem em si, este mesmo estado emocional capaz de gerar ou curar doenas em
um corpo fsico - que , de toda sorte, completamente material.
Pesquisas em neurocincia, realizadas com monges budistas e freiras, demonstram que
durante uma prece profunda ou um ato de contrio religiosa, os neurnios destes
religiosos sofrem uma modificao visvel durante o escaneamento cerebral e estas
pesquisas modernas esto atestando e compreendendo em maior profundidade o que
acontece, por exemplo, no fenmeno conhecido como placebo, no qual uma pessoa
recebe um falso medicamento absolutamente incuo, ou at mesmo sofre uma falsa
cirurgia, e apresenta a seguir a remisso de seus sintomas, se no a cura completa de
suas doenas. Repetindo apenas para frisar: o que acreditamos, o que vai em nossa
mente e em nosso corao, cria uma realidade psquica to potente que capaz de
modificar at mesmo a estrutura de nosso corpo fsico.
Uma segunda considerao que ir nos levar adiante na compreenso do que se d
entre encarnaes diz respeito a uma constatao da fsica moderna: dentre as teorias
originrias da Teoria das Cordas, h uma que atesta que a nica fora que permeia e
vaza de um universo para outro a fora gravitacional. Dois raciocnios conseqentes
se originam desta constatao: primeiro que os universos no fsicos, para fazerem
justia a mesma fora gravitacional, possuem um tipo especial de matria que tem
forma, dimenso e densidade. Segundo: se a gravidade uma fora que atua somente
sobre coisas que possuam densidade e, ainda, que atua sobre elas de forma diferente,
conforme tiverem diferentes densidades, ainda que invisveis, estes universos possuem
uma estrutura composta por coisas que, como dito, tm forma, tamanho, dimenso e
peso prprios.
Um terceiro ponto que se um ato de f ou de vontade capaz de criar para nosso
corpo uma realidade diferente da que tinha antes deste ato, e se esta realidade foi
inicialmente concebida apenas em nossa mente e posteriormente materializada e,
ainda, se o mundo espiritual a matriz para a realidade fsica, ento a f e/ou a
vontade so igualmente foras capazes de, neste mundo espiritual, criar largamente o
que se deseja. E mais: o que quer que se crie, se adquirir densidade suficiente,
atrado para na nossa realidade corporal, donde se conclui que pensamentos e
sentimentos, a despeito de serem intangveis para ns, tm neste outro mundo uma
com o perdo da palavra concretude. como se eles adquirissem uma carga
magntica que nos faz ser atrados neste mundo para a rea ou zona que melhor se
afiniezem a eles quanto mais negativos, mais densos eles se tornam; quanto mais
positivos, mais leves.
Feitas estas consideraes iniciais, passemos para a descrio do que ocorre a uma
pessoa aps de seu desencarne. Suponhamos algum que esteja, ao longo dos anos
que precedem a morte fsica, atormentado por um processo de depresso. Neste
estado, como j dito, a pessoa tem uma realidade mental cinza e popularmente
dizemos que esta pessoa est emocionalmente pesada. Lembremos uma vez mais que
17
o estado emocional de uma pessoa no algo que em vida ela consiga modificar de
um segundo para o outro a menos que este processo de modificao seja fruto de
um insight conseguido aps anos e anos de reflexo.
Desta forma, a psique de uma pessoa que desencarna no sofrer salto evolutivo,
continuando a ser exatamente do jeito que era antes da morte do corpo, o que
equivale dizer que a morte no um milagre ou uma varinha de condo que a far
transformar-se em um ser leve e alegre instantaneamente. Contudo, uma primeira
diferena aparece entre os dois mundos neste momento: se no mundo fsico a mente
atrai a realidade emocional/mental para modificar a realidade corporal, no mundo
espiritual o corpo espiritual a trado para a realidade emocional/mental criada.
Assim, a pessoa que desencarna aps anos de depresso ser atrada por fora da
gravidade para uma paisagem cinza, lgubre e desprovida de alegria. No uma
questo de castigo ou condenao eterna: uma simples questo de fora
gravitacional. Ali ela ir encontrar e interagir com aqueles que, assim como ela,
tambm estejam gravitacionalmente presos ao mesmo cenrio. E isto vlido para a
depresso e para todo e qualquer estado mental/emocional.
Suponhamos, agora, uma outra pessoa que, a despeito de ter desencarnado em um
processo depressivo, foi at pouco antes de sua morte na matria, algum otimista e
alegre. Comparando a mente do nosso primeiro desencarnado em relao a este de
agora, percebemos no segundo um acmulo bem menor de pensamentos e
sentimentos negativos, visto que o otimismo anterior depresso era um estado
costumeiro. Esta pessoa ter em seu campo mental/emocional uma quantidade maior
de pensamentos leves e alegres que acabaro fazendo-a ser atrada para um cenrio
infinitamente mais ameno que o da a primeira.
Acima dissemos que o nosso depressivo, pessimista contumaz, ir encontrar e interagir
com aqueles que lhe so afins. Algumas pessoas poderiam questionar se cada um de
ns no cria para si mesmo um mundo espiritual parte e permanece sozinho em
sofrimento ou idlio at a prxima encarnao. A estas respondemos que a despeito de
a fsica moderna admitir pluriversos, eles no passam de onze e, ainda, para ser matriz
do mundo fsico, o mundo espiritual mais prximo de ns guarda uma coerncia
interna que exclui a possibilidade de que cada ser humano tenha um universo prprio,
construdo de acordo ao que lhe vai na mente. O que acontece que este mundo
espiritual composto por faixas, zonas ou, se preferirem, planetas, cenrios e
paisagens to diversos quanto o nosso universo fsico e para elas seremos atrados
conforme nossa identidade, identificao ou afinidade mental/emocional com este ou
aquele cenrio.
Desta forma, ao desencarnarmos encontraremos aqueles que j nos precederam e que
ainda no reencarnaram. Mas no necessariamente encontraremos as pessoas com as
quais mantivemos laos na matria, quaisquer que sejam estes laos, pois elas podem
ter um estado mental/emocional bem diverso do nosso e sero igualmente atradas
para o cenrio que melhor lhes convm. Na matria podemos at conviver por anos
com uma pessoa cujo estado mental/emocional absolutamente antagnico ao nosso,
18
Neste ponto preciso esclarecer que aquilo que os espritas chamam de vidncia um processo
mental/espiritual, ou seja, os olhos do esprito encarnado se abrem para o mundo espiritual e ele
constri uma imagem mental do que seu esprito v. A qualidade desta imagem e a exatido deste
processo sero explicados mais frente.
19
exclui as pessoas de vontade fraca e, igualmente, aquele que a despeito de amar seus
familiares, suficientemente abnegado e dotado de f para deixar estes seres amados
seguirem sua vida e seguir, por sua vez, o rumo que lhe destinado.
Uma outra forma de fazer um desencarnado permanecer em seu ambiente familiar
acontece quando um ou todos os seus familiares tm uma vontade e um apego
suficientemente fortes para atrair o esprito desencarnado para seu lado. Em ambos os
casos, apenas a interveno amorosa e abnegada dos socorristas ou guias poder
amenizar ou mesmo romper o lao que ata o desencarnado ao esprito ou espritos que
ficaram na matria. Ressaltemos ainda que este lao de atrao pode se dar no
somente entre espritos que estejam afinizados, mas tambm entre um desencarnado e
as coisas, objetos e bens materiais aos quais se apegou fortemente enquanto
encarnado. Isto far com que a despeito de estar agora em um universo por assim
dizer paralelo, ele permanea vivendo e transitando na proximidade dos seus
tesouros. E impedido de agir e interagir livremente na matria por no dispor mais de
um corpo fsico, ser tomado de grande angstia e sofrimento at compreender, por
vontade prpria, a necessidade de se desapegar ou, ento, at que um esprito
abnegado venha em seu socorro e o esclarea desta necessidade.
Uma terceira possibilidade que acabar fazendo que ele seja arrancado fora deste
ambiente a interveno de algum que tenha uma vontade mais forte que a dele e
que, pelo uso desta vontade, vede a entrada dele ao ambiente familiar e ele, ento,
ser finalmente levado a outro ambiente de acordo com sua densidade
mental/espiritual. Dito isto, podemos concluir que a advertncia de Jesus para que no
nos apeguemos aos tesouros da matria tem um sentido muito mais prtico e espiritual
do que meramente nos exortar a todos prtica da caridade e/ou da pobreza.
20
21
desencarnarmos, estes laos sero como pesos ou limalhas a nos imantar pessoa e
situao dolorosa.
Em termos prticos, fica evidente que esta imantao tem o carter a uma prorrogao
indefinida do sofrimento, da dor e da angstia vividas no momento em que fomos
ofendidos. Proponhamos um exemplo para clarificar o que se entende por
prorrogao. Suponhamos uma mulher que se apaixone por um homem e se coloque
disponvel para ele. Suponhamos ainda que este homem, numa miopia bastante
humana, considere esta disponibilidade da mulher no como um convite ao amor e
paixo, mas como um simples sinal para se aproximar fisicamente e, mesmo no tendo
por ela nenhum sentimento, entregar-se por um tempo ao prazer fsico. Em questo de
dias ou meses o desejo e a curiosidade sobre uma mulher to disponvel podem se
exaurir e ele, que em momento algum esteve apaixonado por ela, voluntariamente se
afasta. Do ponto de vista dele no lhe parece um equvoco desfrutar somente de sexo
uma vez que ela demonstra estar feliz com este contato. Contudo, do ponto de vista
dela, que est apaixonada por ele, o contato meramente sexual no ir preencher suas
expectativas e, muitas das vezes, ela ir permitir que ele assim se comporte alimentando
secretamente a esperana de que ao lhe dar o mximo de prazer e ateno ela acabar
finalmente fazendo-o apaixonar-se. Findo o caso, esta esperana que a levou a
voluntariamente violentar no somente sua natureza, mas tambm seus sentimentos,
poder se converter em raiva e dio, uma vez que ele efetivamente desconsiderou os
sentimentos dela e aproveitou-se de sua disponibilidade fsica.
Os leitores masculinos deste nosso exemplo poderiam argumentar em favor de seu par
dizendo que ele em momento algum prometeu amor ou paixo. Contudo, at mesmo
nas Leis humanas, existe a possibilidade de condenao por um crime que no se quis
cometer, mas que o foi por impercia ou imprudncia. E se isto vlido no limitado
universo fsico, o mais ainda no universo espiritual e o homem do exemplo acima
ganhou uma inimiga de peso, visto que as mulheres que se sentem desprezadas
costumam ser os espritos que engendram as maiores crueldades e podem destruir
emocionalmente um homem. Ao retornar ao mundo espiritual e ser confrontado com
seus atos, ele dever perceber que a ignorncia que o levou a desconsiderar os
sentimentos e as necessidades de outra pessoa o coloca ainda em um estgio evolutivo
primrio. Desta forma, ter dois bons motivos para retornar matria em uma outra
encarnao: a necessidade de apaziguar a alma e se reconciliar com a mulher que no
passado desprezou; e a necessidade evolutiva de aprender a agir diante de uma
mulher apaixonada atentando no somente para suas necessidades fsicas, mas
tambm emocionais. Ele dever, neste caso, desenvolver uma sensibilidade aos
sentimentos do prximo que o permitir no futuro refrear at mesmo seus prprios
instintos quando perceber que a inteno do outro est em um patamar emocional
diferente daquilo que ele mesmo deseja.
Neste exemplo bastante banal podemos ver em profundidade a nobreza e a validade
de um processo de reencarnao, pois graas a ele que teremos infinitas
oportunidades para aprimorar nossa conscincia e nosso campo mental/emocional e,
igualmente, nos reconciliarmos com nossos processos conscienciais e com tantos
22
23
para passar prxima etapa de sua evoluo, ainda que o outro permanea preso de
sua ignorncia e/ou renitente em seus erros, o primeiro no ser obrigado pelas Leis
Divinas a permanecer atado a esta pessoa. E se por ventura decidir permanecer no seu
raio de ao vingativo o far agora por livre vontade e no por resgate de dvidas ou
necessidade de aprendizado, mas por desejar de corao seguir o que tambm dito
no Evangelho: Se algum te fora a andar mil passos, anda com ele dois mil. (Mt 5,
41)
E quando ocorre que seja o ofensor a no aprender as lies que lhe cabem e ficar
para trs no processo evolutivo, a Justia Divina tambm no o deixar desamparado
em sua necessidade de aprendizado: colocar em seu caminho uma terceira pessoa
com um tipo psicolgico e um comportamento similares aos da primeira jovem a fim
de que ele tenha tantas oportunidades de colocar-se prova quantas forem
necessrias. Obviamente quanto maior a quantidade de pessoas envolvidas neste
drama, maior a quantidade de laos que ele formar e se, como comum acontecer,
ele repetir muitas vezes a mesma conduta irresponsvel do passado, acabar tendo
diante de si uma quantidade considervel de pessoas s quais dever reparar seus
erros.
Tendo em mente que a reparao para ambos, ou seja, que no uma simples
questo de repetir novamente a cena original, mas aprender algo com ela e fazer
diferente, podemos agora colocar este processo pelo nome que mais conhecido tanto
no Ocidente quanto no Oriente: Karma. Contudo, a primeira coisa que fica claro para
qualquer estudioso que esta palavra adquiriu um carter distorcido e para a maior
parte das pessoas karma significa simplesmente sofrer as conseqncias do que se
fez no passado. isto, mas no somente isto, visto que no tem o carter de
passividade que o ocidental mediano lhe atribui e no basta apenas sentar e chorar
enquanto se sofre as conseqncias dolorosas do passado. preciso fazer algo
diferente e a atitude diante do Karma deve ser uma atitude ativa.
Karma significa, no sentido original da palavra, colheita, mas pressupe uma
profunda modificao de conduta, ou seja, pressupe que aquele que esteja submetido
a esta colheita faa desta vez o que deveria ter feito de certo no passado. Isto pe a Lei
do Karma em estreita relao com outra Lei, conhecida no Oriente por Dharma6. Por
enquanto, diremos apenas que, numa reduo simplista, que Dharma significa fazer a
parte que lhe cabe na Criao. No caso do rapaz de nosso exemplo, o Dharma lhe
imputa desenvolver uma profunda responsabilidade por seus atos e uma atitude de
compaixo pelos sentimentos de outra pessoa. Ele precisa aprender a viver a primeira
parte do segundo Mandamento amar ao prximo como a si mesmo e agir de
acordo com este amor. Note-se que isto no implica que na cena original ele deva
casar-se com a jovem apaixonada, mas se estivesse inteiramente cnscio deste
Mandamento, ainda que ela estivesse se colocando irresponsavelmente disponvel para
24
25
aprendizado. E para que este aprendizado se realize a Justia Divina conta com o
recurso de juntar na matria pessoas que, a despeito de no terem um
comprometimento comum no passado, tm uma sintonia de idias, pensamentos e
necessidades evolutivas que far com que sirvam de instrumentos de resgate mtuo. O
equivalente a isto na justia terrena a figura do resgate atravs da prestao de
servio comunidade e no somente ao ofendido em particular.
Lembremos que os laos que atam um devedor a um cobrador podem se romper no
somente quando o credor evolui, mas tambm quando o devedor evolui. E que esta
evoluo pode se dar em um mesmo momento, ou se dar em momentos siderais
diferentes, fazendo com que o devedor possa sair do raio de atuao do credor, ainda
que este continue renitente em sua ignorncia espiritual. Isto equivale dizer que quando
a Justia (tanto Divina, quanto terrena) considera que algum pagou o que lhe
devido, ainda que credor permanea na disposio de cobrar juros e correo
monetria, no lhe ser permitido continuar cobrando.
Enfatizemos agora que sentir-se na disposio de cobrana equivale, em termos
evolutivos, estar ainda em um estgio de imaturidade espiritual e, igualmente,
necessitar aprender uma outra Lei Divina, que a Lei do Perdo s Ofensas. Desta
forma, como dito, o Karma conta com a possibilidade de colocar lado a lado pessoas
que no tenham exatamente um evento comum a resgatar, mas que tenham uma
necessidade evolutiva comum que as far serem instrumentos de crescimento espiritual
recproco, cada uma na sua especificidade de aprendizado. Ou seja: enquanto o rapaz
de nosso exemplo precisar aprender a amar e respeitar o prximo como a si mesmo, e
a abrir mo de seus instintos quando este amor no for suficiente para uma
convivncia ntima, ir encontrar em suas encarnaes mulheres que precisem
aprender a perdoar e a abrir mo da convivncia e do contato ntimo, mesmo com
aqueles a quem amam, quando perceberem que no tm afinidades recprocas.
Isto amplia profundamente o que o Ocidente entende como Karma e coloca as
relaes e vivncias humanas, principalmente as dolorosas, em uma perspectiva muito
mais ativa do que passiva. Karma no , desta forma, uma mera questo de sofrer
humildemente as conseqncias do que se fez no passado, mas ter humildade
suficiente para reconhecer a ignorncia espiritual do passado e aprender hoje o que se
deveria aprender, atuando sobre os eventos e sobre as relaes de forma positiva. No
simplesmente o ato de pagar que nos garantir a liberdade para no sermos
novamente jogados na priso da matria, mas fundamentalmente aprender a no
contrair dvidas.
6) Os Senhores do Karma
26
Desgraado do mundo que causa tantas quedas! Decerto, necessrio que haja
escndalos, mas ai do homem por quem acontece a queda! Se tua mo ou o teu p te
levam queda, corta-os e lana-os longe de ti; mais vale para ti entrar na vida maneta
ou coxo do que ser lanado com ambas as mos ou ambos os ps no fogo eterno!
(MT 18, 7-8) Pois cada um ser salgado no fogo. Coisa boa o sal. Mas se o sal
perde a fora, com que lha restituireis? (MC 9, 49,50) Guardai-vos de desprezar
algum desses pequeninos, pois eu vos digo, nos cus os seus anjos se mantm sem
cessar na presena do meu Pai que est nos cus. (MT 18, 10)
Exploremos agora uma figura tantas vezes citada: a figura da Justia, referidas na
parbola como Juiz e Executores ou Policial. Comecemos comentando aos versculos
acima: quando Jesus compara aqueles a quem se destina o Reino dos Cus s
crianas ele o faz muito menos por serem elas puras, mas porque tm uma
disponibilidade interior para crer e para seguir aquilo no qual crem. Os pequeninos
so simples de corao e, principalmente, no possuem a sofisticao mental e
ateno s regras sociais de um homem adulto. Mais frente, em ele nos exorta a
sermos como elas, o que significa dizer que nos exorta a abrimos mo tanto de nosso
verniz social, quanto das idias, conceitos, preconceitos e traumas que tolhem a nossa
espontaneidade e nossa confiana em Deus.
Contudo, o prprio Jesus reconhece que as pessoas que sejam to simples so
exatamente aquelas que acabam sofrendo mais facilmente diante de um mundo eivado
de vilanias e iniqidades. E mais: em Mateus ele afirma categoricamente que estes
sofrimentos, que ele chama de escndalos, so necessrios. Vimos acima que a
funo de qualquer sofrimento provocar um amadurecimento no esprito e conduzi-lo
no longo caminho da evoluo. Isto significa dizer que este processo de evoluo nos
leva a uma espcie de movimento circular: partimos de um estado de simplicidade
mental, pelo sofrimento perdemos esta simplicidade e deveremos, conforme formos
acumulando experincias, voltar a este mesmo estado de confiana absoluta, mas
agora uma confiana calcada na f madura e no mais na ingenuidade e
inexperincia infantis.
Neste trecho do Evangelho, quando fala das quedas, Jesus est se referindo em
primeiro lugar ao estgio inicial da evoluo espiritual, fala especificamente daqueles
que ainda estejam imaturos e que, por isto, precisam amadurecer pela dor. E para
estas pessoas que Deus destinou seus anjos da mais alta hierarquia celeste, pois so
exatamente aquelas que no tm ainda condies de decidirem por si mesmas o que
vivero na matria e o que lhe acontecer ou deixar de acontecer em uma
determinada encarnao.
Voltemos ao nosso casal imaturo dos pargrafos acima e o flagremos agora entre uma
encarnao e outra, confrontando-se com as conseqncias do que fizeram a si
mesmos e ao outro e com o que deixaram de aprender e reconhecer em si mesmos.
No nosso exemplo, em dado momento, o rapaz est agora comprometido com mais
de uma mulher a quem sua conduta descompromissada feriu e todas elas esto
27
28
tem, desta forma, o poder de nos salgar e nos fazer assumir nossa essncia.
Analisemos um pouco o simbolismo do Fogo.
Na Histria do planeta, o fogo tem papel fundamental na evoluo humana, pois foi a
partir do ponto em que conseguimos torn-lo um aliado e us-lo como instrumento
para a proteo que a noite se tornou um momento seguro para reflexes. A
arqueologia atesta que entre 1,5 e 0,5 milho de anos atrs o homem das cavernas
no obteve nenhuma evoluo significativa e permaneceu exatamente do mesmo jeito
por todo este tempo em qualquer lugar do planeta em que o encontremos. Ento, h
0,5 milho de anos dominamos o fogo e pudemos, a partir dele, liberar nossa mente
do ambiente imediato e dar liberdade s nossas idias, preparando nosso crebro para
uma evoluo significativa que se daria na frica entre 150 e 140 milhes de anos
atrs, quando finalmente desenvolvemos a capacidade pensar sobre o futuro, imaginlo e providenciar hoje o que ser necessrio amanh. Foi, desta forma, o
desenvolvimento da imaginao que propiciou nossa sobrevivncia (estvamos beira
da extino) e nos tornou o que somos hoje. Foi o fogo que nos deu a chance de nos
tornarmos mais que descendentes de smios e nos transformarmos em verdadeiros
humanos.
E se o fogo real foi o elemento detonador do processo para desenvolvermos da
essncia humana, nada mais justo que ele seja usado por Jesus para definir todo e
qualquer processo que proporcione o desenvolvimento de nossa essncia espiritual.
No versculo 8, contudo, como em muitas outras partes da Bblia, este fogo chamado
de eterno, o que uma evidente contradio com sua propriedade de restituir o
sabor. Ora, uma vez que o sal volte a ter a propriedade de salgar, ele torna a ser o
bom sal e readquire todas as qualidades que lhe possam dar bom uso. Pensamos,
desta forma, que esta eternidade no absoluta, pois nem mesmo este Universo
eterno. O prprio planeta Terra, que j possui 5 bilhes de anos, acabar sendo
consumido pela expanso do Sol dentro de 7 bilhes de anos e, supondo-se que a
humanidade no se extinga a si mesma em uma hecatombe nuclear, a terra prometida
por toda eternidade certamente no esta aqui.
Desta forma, a eternidade de uma punio ou premiao no um valor absoluto
nem mesmo para a matria e muito menos para o esprito. Ela relativa e esta
relatividade se aplica ao ego. Acima dissemos que quando no meio de um furaco
emocional ou real no conseguimos ver nada a frente ou atrs de ns e aqueles que j
passaram por um grande drama em suas vidas podem atestar que a sensao
temporal se distorce: honestamente pensamos que aquele momento e aquela dor
jamais iro passar. Depois de anos ou dcadas, olhamos para trs e vimos que tudo
aquilo no durou mais que algumas horas ou meses e podemos nos espantar do
tempo real decorrido. o ego em sofrimento quem percebe as dores como eternas e
este o nico sentido admitido para a palavra eternidade no somente neste
versculo, como em toda Bblia.
A eternidade assim a percepo do esprito confrontado com sua necessidade de
evoluir e abrir mo da imaturidade relativa a seu momento sideral anterior. Frisemos
29
uma vez mais que no abrimos facilmente mo daquilo que acreditamos e da autoimagem que alimentamos e este o motivo pelo qual precisamos que mestres e guias
mais elevados e maduros que ns imponham as lies que eles sabem graas a sua
alta hierarquia serem necessrias. A vida na matria se assemelha, desta forma, a
uma escola qual somos enviados todas as manhs por aqueles que tm
responsabilidade sobre ns. Quer desejemos ou no permanecer dormindo, qualquer
pai na matria sabe da importncia de no dar asas preguia infantil e sabe, ainda,
o custo, na vida adulta, de um ano letivo perdido na infncia.
Para concluirmos preciso comentarmos o lamento de Jesus sobre aqueles que so os
responsveis pela queda de algum. Repitamos, antes, que a queda, e as dores
advindas dela, necessria para que nos libertemos da imaturidade espiritual e
graas a ela que evolumos. Antes que ela acontea somos como diamantes brutos
incrustados na rocha e o diamante uma outra metfora para crianas, pois no seu
estgio inicial ele praticamente no brilha e precisa passar por um longo e doloroso
processo de evoluo at atingir todo resplandecente fulgor que lhe prprio. Ele
jamais deixou de ser o que sempre foi, mas antes da lapidao estava escondido de si
mesmo e do mundo. Se, em nossa metfora, imaginarmos o diamante dotado da
propriedade de sentir as dores relativas ao processo de lapidao, estaremos bem
prximos de compreender a realidade do que foi dito nos pargrafos acima. Agora,
tratemos especificamente do lapidador: sem ele o diamante no alcanaria todo seu
valor e, no entanto, na qualidade de ignorante das dores que provoca ao diamante,
ele se torna por si mesmo alvo de lapidaes futuras.
As pessoas que provocam quedas e escndalos so como instrumentos divinos para o
burilamento de outros; mas so instrumentos cegos, instrumentos de dor e, ainda que
esta dor seja necessria ao diamante, quem a imputa o faz usualmente armado de um
ego tosco e bruto. Por serem instrumentos divinos para nossa evoluo que somos
exortados todo o tempo a perdo-los, pois, verdadeiramente, eles no sabem o que
fazem. Mas quando Jesus adverte que devemos perdoar para que nossos pecados
tambm sejam perdoados, a verdade que encontramos aqui que tambm ns somos
todo tempo instrumentos cegos na vida de outras pessoas. Qualquer ser humano
adulto, principalmente se j atingiu o fim da meia-idade ou se j adquiriu alguma
lucidez espiritual, sabe que no passou pela vida sem provocar dor e angstia at
mesmo naqueles a quem amava e que lhe amavam. Quando olhamos para nossos
pais, nossos filhos, amigos e companheiros de muito tempo, quando vimos os anos de
nossa juventude, sempre encontramos algum a quem ferimos e machucamos, ainda
que involuntariamente. Quando esta pessoa permaneceu em nossas relaes possvel
que tenhamos feito tudo o que estivesse a nosso alcance para que esta dor fosse
minimizada. Mas uma ferida na alma, qualquer que seja sua gravidade, sempre deixa
cicatrizes.
O que poucas vezes observamos que estas cicatrizes no esto s na alma de quem
foi ferido, mas tambm na alma de quem feriu, pois no fundo de sua conscincia a
pessoa est em dbito consigo e sente-se culpada. Este sentimento de culpa, mesmo se
for inconsciente, ir pesar em seu esprito e o colocar por fora da lei gravidade
30
31
32
33
34
no somente com aqueles que foram reprovados junto com ele, mas tambm com
outros que pertenciam no passado a grupos bem diferentes do dele.
Flagremos agora nosso pesquisador e suponhamo-lo magoado com a vida isolada que
teve que viver para realizar seus trabalhos. Assim que desencarna ele tem sua mente e
seu perisprito pesado pela tristeza que carregou durante a vida, mas possui uma
grande diferena em relao ao jovem do exemplo anterior: ele conduziu sua vida,
ainda que de m vontade, exatamente dentro do programa determinado tanto pelo
Karma como pelo Dharma. Ele cumpriu a misso que lhe foi destinada, ainda que no
visse seu trabalho como tal e, assim, ter um tratamento condizente com esta retido.
To logo se desligue do corpo, ser levado pelos guias e amigos espirituais (as
professoras de nossa metfora) a lugares no plano espiritual nos quais ter tempo para
ser esclarecido e limpar-se das mgoas desnecessrias que carregou na alma; mas ao
contrrio do nosso exemplo anterior, o tanque no um tanque de lgrimas, mas
um local similar aqui na Terra a um hospital ou posto de socorro, onde receber
carinho e informaes sobre os motivos pelos quais viveu como viveu. Depois de
esclarecido e readquirida a leveza condizente ao esprito que cumpre a Vontade Divina,
ele levado a outros cenrios que tenham afinidade com seu tipo psicolgico.
muito importante frisarmos que a despeito de o universo correspondente vida
espiritual ser um universo mais plstico ele , como j o dissemos, matriz do nosso e
muito similar em termos de aparncia a nosso prprio universo. Assim, h planetas e,
neles, cidades e muita atividade em cada uma delas. Mas h diferenas fundamentais:
a lei que governa estes mundos, como os chamou Jesus, est firmemente pautada na
questo da afinidade energtica, como j o vimos e, desta forma, o jovem egosta e
espiritualmente irresponsvel no consegue transitar livremente na mesma cidade de
um pesquisador interessado no destino da humanidade. Como disse o Mestre, nestes
lugares as pessoas no casam, nem so dadas em casamento (MC 12, 25), e,
portanto, as relaes entre os indivduos so pautadas exclusivamente no que elas
sentem umas pelas outras e no em protocolos ou vernizes sociais.
Um outro ponto fundamental diz respeito s implicaes de ser aquele universo a
matriz do nosso e de que todo planejamento de encarnaes acontece ali. Isto significa
dizer que o que quer que precise ser inventado ou desenvolvido ou aprendido no
universo fsico, o primeiro no universo espiritual que lhe tem por base. Assim, uma
vacina necessria humanidade tem todo seu projeto inicialmente desenvolvida no
plano espiritual e s posteriormente desenvolvida no plano fsico. Obviamente, se
existe algo a ser desenvolvido, existe algum a desenvolver e o pesquisador do nosso
exemplo muito provavelmente j o era no plano espiritual antes mesmo de sua
encarnao, e o continuar a ser aps o desencarne. E existem igualmente lugares,
tais como hospitais, universidades e bibliotecas apenas que tudo muito mais
sofisticado e eficiente do que aqui na matria.
Algumas pessoas objetam para o fato de que ao esprito no interessam os assuntos da
carne. Nada mais longe da verdade, pois na carne que o esprito prova que
realmente atingiu determinado estgio evolutivo, tal como durante os testes e provas
35
bimestrais que o aluno mostra o que aprendeu e o que no aprendeu durante as aulas.
Assim como o jovem deve provar que aprendeu a amar e respeitar o prximo
esquecido das dores que sofreu no espao, o pesquisador deve provar que realmente
se interessa pelo sofrimento do outro e capaz de dedicar uma vida inteira a salvar
vidas, esquecido do planejamento que aceitou antes de encarnar. A vida na matria,
desta forma, assemelha-se a uma prova sem consulta em nossas escolas ou, melhor
dizendo, a consulta feita somente nos apontamentos e no nos livros. Veremos a
seguir que o que chamamos aqui de apontamentos so os sonhos significativos que
todos temos ao longo da vida e que, quando devidamente interpretados, podem nos
dar as respostas adequadas a cada momento importante de uma encarnao. Por
enquanto, importante mantermos em mente que o verdadeiro aprendizado e
planejamento de uma encarnao se d antes que ela acontea e o que se passa aqui
mesmo uma prova de conhecimentos adquiridos.
Um outro motivo para que os espritos se dediquem a pesquisar e desenvolver recursos
para melhorar a vida na matria o amor ao prximo. Imaginemos que qualquer um
de ns ir mandar seu filho amado para um intercmbio cultural em um pas distante a
fim de que ele aprenda a cultura e o idioma deste pas. Ns no poderemos
acompanh-lo nesta viagem, mas tudo faremos para que ele tenha a seu alcance
todos os recursos necessrios a fim de que a estada naquele lugar seja a mais
agradvel e proveitosa possvel. Certificaremo-nos do clima e providenciaremos as
roupas adequadas; trocaremos nossa moeda pela moeda do pas distante;
providenciaremos livros e faremos junto com ele as pesquisas necessrias a fim de que
o choque cultural seja minimizado... em sntese: nos interessaremos ao mximo por
tudo o que se passa ali a fim de dar a nosso amado filho tudo que estiver a nosso
alcance, mesmo que pessoalmente as lies que ele aprender ali no sejam mais
necessrias a ns.
Acima dissemos que um planejamento, por mais detalhado que seja, pode no ter o
resultado esperado se o aluno no corresponder s expectativas. Neste caso, o que
ocorre na matria pode ser comparado novamente ao que ocorre em uma sala de
aula: ao longo de um perodo letivo (uma encarnao), o discente submetido a testes
e provas mensais e bimestrais e, quando detectado que ele no assimilou o contedo
do ms ou bimestre anterior, os professores providenciam lies extras ou mesmo
aulas de reforo, modificando e aprimorando, desta forma, o planejamento inicial.
Tendo em mente que at mesmo estes esforos dos professores podem no mobilizar o
aluno para o aprendizado, fica claro que o resultado de uma encarnao pode ser
absolutamente oposto ao esperado e qualquer professor sabe que um aluno que se
atrase demais em relao turma pode at mesmo ser mudando de turma no meio
de um ano letivo. Imaginemos um novo exemplo para deixar claro que qualquer
programao pode ser modificada no meio de uma encarnao: suponhamos que o
nosso jovem, depois de lavar sua alma no plano espiritual, tenha tido um lampejo de
conscincia e admitido que sua conduta imatura algo a ser corrigido. Suponhamos
que dentre todas as pessoas que prejudicou h uma da qual ele verdadeiramente se
arrepende de ter sido o instrumento de queda e que lhe seja apresentado um
36
planejamento para a prxima encarnao que inclui um casamento de sete anos com
ela, depois dos quais ele dever casar-se com outra pessoa a quem igualmente deve
algo, mas que no lhe to cara aos sentimentos. Ao reencarnar, a memria de todo
o planejamento ser lanada em seu inconsciente e ele ir esquecer seus
compromissos. Por volta dos 20 anos, conhece a primeira moa tambm reencarnada
e casa-se sem saber que tem ali algum a quem deve algo, mas no recndito de sua
alma sente necessidade de proteg-la e ampar-la, ainda que no tenha objetivamente
nenhum motivo para tais sentimentos. Pode acontecer, no entanto, que a moa
mantenha em seu inconsciente a mesma raiva que tinha dele e, passados alguns anos,
este casamento transforme-se em um verdadeiro inferno, no qual ela impiedosamente
cobra e impinge nele todas as dores que sentiu no passado enquanto ele, eivado de
remorsos tambm inconscientes, no consegue perceber que o pagamento tem dia e
hora para acabar sete anos no planejamento original e que depois disto ele dever
relacionar-se com outra pessoa tambm prevista originalmente.
Assim, 20 anos depois poderemos encontr-los no ringue domstico, alimentando-se
mutuamente de mgoas e dio. Enquanto isto, a segunda moa do planejamento, est
completamente fora do raio de ao do jovem e ele continua, em relao a ela, um
devedor. Neste ponto, os professores desta turma, cientes de que o rapaz e sua
esposa no conseguiram aprender as lies de amor e perdo que lhe cabiam e que,
por isto mesmo, no podem ser promovidos a uma nova etapa do aprendizado,
colocam no caminho da segunda jovem um outro rapaz que, a despeito que no ter
em relao a ela nenhum karma a ser resgatado, ir proporcionar-lhe as mesmas
lies de perdo e amor que deveriam ser proporcionados pelo primeiro. Faamos
neste ponto uma ressalva importante: ainda que este segundo jovem no seja aquele
previsto no planejamento original para ser o esposo desta moa, muito raramente lhe
ser algum totalmente desconhecido. A verdade que estamos todos na mesma
escola e ainda que algum no faa parte originalmente do mesmo grupo de
estudos, faz parte da mesma turma e pode ser convocado a ajudar um colega de
turma com o qual, at aquele momento, no teve relaes to estreitas.
Para no deixar dvidas sobre o fato de que um planejamento pode ser completamente
modificado, imaginemos agora que o nosso pesquisador do exemplo acima no se
conforme com o fato de ter que sair de seu pas de origem e no aceite de forma
alguma dedicar toda sua vida a uma pesquisa de vacina, insistindo em estabelecer e
manter laos de famlia e permanecer em seu pas. Em dado momento, seus mestres
podem concluir que ele decididamente no est preparado para provar o seu
aprendizado e, assim, ele liberado temporariamente das lies mais avanadas do
compromisso com o seu Dharma. No entanto, em sua alma, no seu inconsciente, ele
sentir o peso desta liberao e ainda que venha a ter uma famlia, haver em relao
a si mesmo um sentimento de frustrao que poder, em dado momento, lev-lo at
mesmo depresso e ao completo desastre na vida que escolheu. No improvvel
que a carreira que escolher a de professor lhe seja um grande peso, visto que no
ali que ele deveria estar e, ao fim da vida, o sentimento de fracasso ser inevitvel,
pois este sentimento permeia a alma de todos aqueles que voluntariamente decidem
37
8) O despertar
Vieram os da undcima hora e receberam uma moeda de prata. Vindo por sua vez os
primeiros, pensaram que iam receber mais; mas receberam, tambm eles, uma moeda
de prata cada um. Ao receb-la, murmuravam contra o senhor de casa; Estes que
chegaram por ltimo, diziam, s trabalharam uma hora, e tu os tratas como a ns, que
suportamos o peso do dia e do calor intenso. (MT 20, 9-12)
Como todas as parbolas, tudo que est escrito na Bblia pode ser entendido como um
smbolo e, como todo smbolo, sujeito a vrias leituras, todas vlidas. Para
entendermos esta peculiaridade do smbolo, utilizemos uma metfora indiana para
descrever o que venha a ser a Verdade: Trs cegos foram chamados a descrever um
elefante; um apalpava sua pata, outro sua tromba e o terceiro sua orelha. O primeiro
disse que o elefante era slido como uma coluna, o segundo que era flexvel como um
cip e o terceiro que era delgado como uma folha. Um homem que via distncia
38
aproxima-se dos trs e conclui que o elefante era sim tudo aquilo, mas tambm era
muito mais que aquilo. Assim como a Verdade, o smbolo se presta a vrias
interpretaes, todas corretas, mas tambm parciais.
Explicamos isto neste momento pois vamos abordar a questo do trabalhadores da
undcima hora no apenas com o carter de converso espiritual que lhe prprio;
mas tambm com o carter de despertamento psicolgico pouco explorado. Em nosso
trabalho clnico comumente encontramos pessoas que ao se darem conta de que
estavam adormecidas em relao a seu desenvolvimento psicolgico e espiritual,
quedam desanimadas pelo tempo que perderam. Principalmente se j estiverem na
segunda metade da vida, sentem-se fracassadas, e este sentimento esmagador
usualmente utilizado como argumento para no provocar neste momento as mudanas
que precisam ser feitas. Seu argumento distorcido que j no tm mais tempo para
fazer grandes modificaes em sua psique e que perderam a encarnao. Nada est
mais longe da verdade.
Lembremos que ao tomarmos conscincia do processo de reencarnao transferimos o
foco do nosso desenvolvimento para o momento presente e no para uma vida
futura. A salvao, qualquer que seja o sentido que dermos para esta palavra, no
em um alm ou num paraso, mas no momento presente, qualquer que seja este
momento. Pelo que dito na parbola, no existe grande diferena, em termos de
desenvolvimento psicolgico ou espiritual, entre uma pessoa que alinha sua vida com
seu Karma e seu Dharma aos 20 anos e outra que s o faz aos 75. E isto ocorre
exatamente porque o processo de evoluo contnuo e o que se aprende
verdadeiramente em uma encarnao, ainda que o seja aprendido dias antes do
desencarne, passa a ser um patrimnio do esprito, um tesouro imperecvel que
ningum lhe pode retirar.
com muita tristeza que percebemos muitas vezes as pessoas utilizando o mecanismo
da reencarnao como argumento para no realizarem modificaes em suas vidas
aqui e agora. Muitas vezes, elas se comportam como o rapaz do nosso exemplo que,
reencarnado eivado de culpa e preso a uma companheira que o maltrata, escora-se no
argumento do Karma e deixa que o tempo de dores se estenda alm do previsto. Anos
depois, ao perceber que marcou passo em sua evoluo, ele se v diante do dilema de
dar uma guinada em sua vida ou curvar os ombros ainda mais porque sente a
aproximao do desencarne. No entanto, perder mais tempo ainda se transferir para
uma prxima encarnao as modificaes que pode fazer em si mesmo neste exato
instante. O que a parbola deixa bem claro que ainda que ele trabalhe apenas uma
hora em benefcio de seu desenvolvimento, ter feito um trabalho digno e isto sim far
grande diferena em um novo reencarne.
A verdade que a nenhum de ns escapa conforme vamos amadurecendo que por
mais que nos empenhemos em amadurecer psicologicamente e espiritualmente, ao
longo da vida deparamo-nos com problemas e questes internas e externas que
acabam ficando intocadas. Mesmo aqueles que iniciam o Caminho logo no incio da
vida, se forem honestos consigo mesmos, vero que a completa evoluo espiritual
39
no ocorre em uma nica encarnao e que por mais que a pessoa se debruce sobre
si mesma e modifique o que lhe estiver ao alcance, haver em sua psique pontos que
decididamente ficaro para um posterior exame. Voltemos a nossa metfora da escola
para entendermos este processo: imaginemos um aluno de jardim que desde o
primeiro dia de aula se dedique a aprender com afinco tudo o que lhe ensinado pela
professora e, ao final do ano letivo, tenha verdadeiramente aprendido a ler. No
entanto, se ele tiver uma boa percepo de si mesmo, estar bem consciente de que
sua letra ainda imatura e no tem os traos firmes e fluentes de sua professora. Por
mais que ele se dedique a ficar horas e horas treinando caligrafia, a verdade que sua
musculatura est ainda em desenvolvimento e esta fluidez que ele no somente deseja,
mas que tambm algo que se espera dele para o futuro, no possvel de ser
adquirida no primeiro ano de alfabetizao. Contudo, repitamos apenas para frisar, a
percepo de que impossvel saltar da condio de alfabetizando para a condio de
uma caligrafia impecvel no lhe pode ser argumento para deixar de traar as
primeiras letras seguindo ainda o pontilhado dos exerccios.
Um outro argumento que muitas vezes usado para que no se realizem aqui e agora
as modificaes psquicas e espirituais necessrias o de que muitas vezes as pessoas
no sabem se este o momento de mudana ou se devem ainda suportar com
pacincia os grilhes do Karma ou as determinaes do Dharma. Lembremos que
acima dissemos que o todo aprendizado e/ou a preparao para qualquer encarnao
feita ainda antes do reencarne e que a vida na matria se assemelha, desta forma, a
uma prova qual o aluno se submete tendo em mos apenas seus apontamentos.
Dissemos ainda que estes apontamentos so consultados durante o perodo de sono,
atravs dos sonhos.
Durante um longo perodo na histria da humanidade os sonhos tinham o status de
vozes de Deus e eram levados a srio tanto pelo sonhador, quanto pela comunidade.
No entanto, conforme esta humanidade foi perdendo a conscincia de ter uma alma
que atua em sua vida diria e transferindo exclusivamente para outrem (usualmente um
sacerdote ou uma igreja) a prerrogativa de estar em contato com este aspecto espiritual
da vida humana, foi gradualmente alienando-se do fato de que Deus fala atravs dos
sonhos a todos ns e no somente a alguns poucos eleitos. Agregue-se a isto o fato
de os sonhos serem simblicos e teremos a clara compreenso de o porqu de termos
voluntariamente aberto mo de uma via importante para conhecer aquilo que se
espera de ns em todos os momentos de nossa vida.
Comecemos explicando o porqu de os sonhos serem simblicos7. Lembremos que o
universo no qual o esprito transita livremente entre encarnaes um universo que
possui caractersticas e leis que o tornam maior e mais abrangente que o nosso. ele
nossa matriz e, por isto mesmo, no est restrito aos nossos limites e sim ns que
estamos restritos aos limites dele. Entre encarnaes estamos muitas vezes plenamente
Existem vrias categorias de sonhos e h mesmo aqueles que no so de forma alguma simblicos,
mas deixaremos para explorar os detalhes deste assunto em outro trabalho.
40
41
42
43
compreender sua lngua. Alm disto, seria absolutamente impossvel que ele estivesse
junto a cada um de ns, interessando-se pelos assuntos pessoais e individuais de
todos e interagindo simultaneamente em todo o planeta. Lembremos que na Escola do
Universo, somos ainda crianas no jardim de infncia e que no compreendemos a
linguagem dos Doutores da Criao, que a despeito de estarem sim interessados em
nosso desenvolvimento escolar e planejarem este desenvolvimento, precisam contar
com nossas professoras normalistas e suas assistentes para se fazerem entender por
ns. Em nossa metfora, so elas quem interferem quando nosso coleguinha rouba
nosso lpis ou quando sujamos a roupa com o lanche do recreio; ou seja, so elas que
esto a nosso lado nos assuntos dirios e que seguram em nossas mos para nos
ajudar a traar o pontilhado de uma letra. Tambm so elas que nos dizem qual ser o
assunto da prova no dia seguinte e que nos impem nossos deveres de casa. E, como
j o dissemos, se em relao aos Doutores da Criao elas so ainda aprendizes, em
relao a ns esto verdadeiramente em condies de ensinar.
Dito isto, abordaremos a seguir as religies e filosofias que nos ensinam como
podemos estar em contato com estas professoras, estes espritos que, ainda que no
os vejamos, esto a nosso lado diariamente e que tm por determinao divina a
funo de serem as vozes de Cristo e Deus em nossa vida. Antes, contudo,
importante frisarmos que no necessrio e no est prescrito no Evangelho que
algum seja seguidor de qualquer destas religies ou filosofias para ter o direito de
interagir com suas professoras, mas que esta uma prerrogativa dada a cada um de
ns. A via para o contato com estes mestres a via intuitiva e a intuio uma funo
natural a todo ser humano, como o so o sentimento e a razo. E exatamente no fato
de ser esta uma funo natural e no um fenmeno espetacular destinado a uns
poucos eleitos que nos embasamos para confessar a verdade evanglica de que
nenhum de ns est rfo ou jogado ao vento no momento em que reencarna. E
por no ser uma prerrogativa das religies ou filosofias que preconizam o contato entre
planos que afirmamos que nenhum de ns est isento de tomar em suas mos a
responsabilidade por sua vida diria utilizando para isto o argumento de que no
podia ouvir a Vontade de Deus para cada passo que dava na matria.
44
Em 1988 foi lanado no Brasil a primeira edio do livro A Fonte Interior de Kathleen
Vande Kieft. Quem teve a oportunidade de l-lo e realizou todos os exerccios que ela
prope ali, acabou descobrindo sem sombra de dvidas que poderia facilmente entrar
em contato com uma fonte interior que, naquele trabalho, ela chama de
superconscincia. O que ela demonstra e prova que esta superconscincia tem em
mos todas as respostas a todo e qualquer questionamento que a pessoa lhe faa com
humildade suficiente para ouvir a resposta, ainda que a resposta contrarie frontalmente
o egosmo de quem pergunte. E este livro tem mais uma coisa que o torna, neste
momento, alvo de consideraes: em nenhuma de suas 440 pginas Kathleen faz
qualquer referncia ao fato de que este poder tenha uma fonte espiritual. Para ela
trata-se de algo inerente ao ser humano, independente de qualquer religio. Os
junguianos ortodoxos diriam que ela faz ali um tipo especial de imaginao ativa que a
coloca em condies de acessar seu Self, que em nossas metforas, estamos
chamando de o diamante da alma, mas que em diversas religies chamado de
centelha divina.
Comeamos citando este livro porque ele d ensejo a algumas consideraes
importantes que precisam ser feitas neste momento. A primeira delas que em certo
sentido tanto Kathleen quanto os junguianos tm razo: h mesmo uma parcela divina
dentro de ns, uma parcela superconsciente que, em acordo com nossos anjos,
coordena e administra tudo o que ocorre ao ego em cada uma destas encarnaes.
Ela a essncia do ser, o diamante da alma que gradualmente liberado das rochas
da ignorncia a cada nova encarnao. Assim, vemo-la como uma espcie de
caracterstica divina que liberada em ns pela sntese do que foi assimilado no
aprendizado de cada uma das personalidades transitrias que tivemos na matria
desde o momento em que fomos criados.
Sendo assim, ela possui no somente a caracterstica de ser divina, mas recebe os
atributos humanos e agrega em si mesma a sabedoria das eras. Qualquer pessoa que
se disponha a seguir os exerccios de Kathleen e que tenha, aliado a esta disposio, a
humildade suficiente para ouvir as respostas daquilo que perguntar, no ser deixada
no silncio. Ainda que a fonte da resposta no possa ser sempre identificada ou
seguramente confirmada como sendo da Centelha, a sabedoria e o conhecimento
superior esto, ainda assim, verdadeiramente disponveis para qualquer um de ns. O
que Kathleen efetivamente ensina a abrir o canal da intuio que, como j o
dissemos, uma funo natural a todo ser humano. E por isto que suas tcnicas so
realmente teis, principalmente para aqueles que tm uma certa averso a tudo aquilo
que tenha o cheiro de espiritualidade. Ela tem o mrito de nos ensinar a romper com
a natural arrogncia que nos faz acreditar que o ego a parte mais importante da
alma humana.
Entretanto, preciso que se reforce que em boa parte das vezes as respostas e os textos
que a intuio afiada iro gerar tm como fonte no exclusivamente nossa Centelha
ainda em evoluo, mas a figura que Jesus chama de Parclito e que anteriormente
45
mostramos ser os guias e mentores espirituais que cada um de ns tem a seu lado
diuturnamente. Disto conclumos que o contato estreito com a espiritualidade algo
que pode ser desenvolvido por qualquer ser humano seguindo a promessa de Jesus
de que ele estar com cada um de ns e no apenas com alguns e que aquilo que
os meios espiritualistas e espritas chamam de mediunidade uma figura ligeiramente
diferente de intuio. A mediunidade depende da intuio, mas esta no depende
daquela.
Ser mdium ser um canal, um meio de contato entre a espiritualidade e outra pessoa.
O mdium no fala por si mesmo, mas repete aquilo que ouve (ou deveria repetir!)
para quem no consegue ainda ouvir por si. Disto se conclui que a pergunta no lhe
pertence, tanto quanto a resposta e no ele o foco da comunicao na maior parte
dos casos. Vejamo-lo apenas como um instrumento, uma ferramenta ou, para criar
uma metfora, um fio de eletricidade. Pelo fio passa a energia que ir acender a
lmpada e ainda que ele tenha que ser de boa qualidade, o que interessa no processo
a lmpada. Para ser um mdium a pessoa passa por um processo de aprendizado e
por uma srie de ajustes em seu corpo fsico e espiritual a fim de ser capacitada a
atender s necessidades de resposta at mesmo daqueles que no conhece.
Poderamos, desta forma, dizer que um mdium aquele que se prepara para abrir
mo de seu prprio ego e de seus prprios interesses em benefcio do prximo.
A via intuitiva, por outro lado, por ser uma capacidade natural da humanidade, pode
estar exclusivamente focada no desenvolvimento de apenas uma pessoa. E aquele que
a utiliza no pode ser rigorosamente chamado de mdium, pois no est ligando um
ponto A a um ponto B. E por este motivo que estamos afirmando deste as
primeiras pginas deste trabalho que o contato com a espiritualidade no um
privilgio desta ou daquela religio, mas uma promessa do Divino Mestre e, por isto
mesmo, um direito de cada um de ns. Como Kathleen bem o prova, no h mesmo
qualquer necessidade que aquele que a use tenha conscincia de estar acessando a
espiritualidade ou mantendo estreito contato com seus guias e mestres, visto que a
estes guias e mestres pouco importa assinarem uma mensagem, mas apenas que a
mensagem seja boa o suficiente para elevar o padro mental, emocional e espiritual de
quem a recebe e solucionar uma questo premente para aquela pessoa em especial,
seja esta uma questo de trabalho, sade ou famlia.
Para estes mestres o que verdadeiramente importa que as comunicaes sejam
educativas e nos recordem os mais altos valores espirituais, realinhando-nos com nosso
Karma e nosso Dharma. Tanto faz se a pessoa que os acessa os chame de Esprito
Santo, de Fonte Interior, de Jesus, Self ou Deuses, Santos e Arqutipos; tanto faz que
ela seja uma benzedeira catlica ou rezadeira protestante ou ainda que esteja
interessada apenas em si mesma e no no destino de sua vizinha o contedo e no
a vaidade egica que mobiliza a alta espiritualidade para junto de ns. Repitamos
apenas para frisar: se estiver interessada em algum mais que si mesma, estar usando
a intuio na funo de mdium; mas ainda que esteja preocupada apenas com sua
prpria vida, no ser privada nem da intuio, nem do contato com a espiritualidade;
46
apenas que no poder ser chamada de mdium por no estar sendo o canal para um
terceiro.
Dito isto abordemos um pouco as vias mais comuns de contato com a espiritualidade,
quais sejam as vias medinicas. E escolhemos para este propsito justamente uma
religio que nos oferece um timo ensejo para apresentarmos o elo de ligao
conceitual entre psicanlise, mediunidade e reencarnao: a Umbanda.
Autenticamente nacional, fruto do sincretismo entre smbolos catlicos, africanos,
indgenas pr-colombianos e brasileiros, e agregando em seu bojo valores cristos e
muito da conceituao kardecista , contudo, na Umbanda que o Parclito assume as
formas mais assustadoras, notadamente para aqueles que ainda no assimilaram a
verdade simples de que a espiritualidade como um todo, e os guias em especial, est
ao lado de cada um de ns, se interessando por todos os nossos assuntos. Ela tambm
se torna assustadora para aqueles que ainda no conseguem perceber com a devida
facilidade que os arqutipos so mais do que meros conceitos ou histrias da
carochinha, mas a substncia elementar por traz da formao de cada psique
individual. Certo que ela, a espiritualidade, no conta apenas com a Umbanda para
cumprir a promessa evanglica, assim como no conta exclusivamente com o
Espiritismo, o Catolicismo, o Protestantismo ou Budismo ou qualquer outra religio. Da
mesma forma, certo ainda que os arqutipos no so privilgio ou prioridade de
nenhuma religio, permeando toda a histria da humanidade. Alis, pelo que foi dito
acima, no nem mesmo imprescindvel que a via de contato com a espiritualidade ou
de interao arquetpica seja identificada como religiosa e ela pode ser tida como
exclusivamente mental, como nos mostra kathleem.
Contudo, como j afirmado, ao excluir a espiritualidade dos assuntos ditos
mundanos, seja focando-se exclusivamente no mentalismo, seja fragmentado-se em
uma espiritualidade domingueira, o homem embaraa-se em sua vida diria e perde
grandes oportunidades de evoluo. Assim, nada mais justo que comecemos nossa
anlise e nossa interface conceitual por uma religio que tem por proposta realizar esta
conexo diuturna tanto com a espiritualidade, quanto com os arqutipos. Mesmo que a
prtica nos mostre que at para seus adeptos sobremaneira difcil considerar a
presena divina em todos seus aspectos, o sincretismo brasileiro da Umbanda a torna
campo profcuo para nossos propsitos de anlise, pois suas figuras tradicionais
servem como exemplo elucidativo de como possvel construir uma ponte vivel entre
o humano e o divino no dia-a-dia das criaturas.
2) O Parclito e a Mediunidade
No h boa rvore que produz um fruto doente e nem rvore doente que produza um
bom fruto. Cada rvore, com efeito, se reconhece pelo fruto que lhe prprio: de um
espinheiro no se colhem figos, nem de cardos se colhe uva. O homem bom, do bom
47
tesouro do seu corao, tira o bem; e o mau, do seu mau tesouro, tira o mal; pois o que
sua boca fala o que transborda do corao. (Lc 6, 43-45.)
O Criador, em Sua infinita misericrdia, nos deu tantos caminhos para evoluirmos e
chegarmos a Ele quantos sejam os tipos psicolgicos9 e as necessidades de cada grupo
dentro destes tipos. Assim, aqueles que tem um tipo psicolgico mais focado na
intuio, no sentimento e/ou sensao, sentir-se-o mais confortveis nas vias onde se
privilegiam, respectivamente, o contato direto com as fontes superiores, a f que vem
do corao ou o ritual; enquanto aqueles que tm um foco maior na funo
pensamento, sentir-se-o mais confortveis nas vias que privilegiam a racionalidade, a
filosofia e o controle do pensamento. E como cada um de ns no possui apenas uma
destas funes, mas tem todas em si mesmo e apenas privilegia uma ou duas em sua
conscincia, o Criador permitiu que estas funes fossem se mesclando em diversas
religies e filosofias por toda histria da humanidade. Desta forma, apenas para
ilustrar, aqueles que tm um tipo psicolgico mais emocional, sentir-se-o mais
confortveis em religies como o Catolicismo e a Umbanda; enquanto que aqueles
que tm um tipo mais racional preferiro o Protestantismo e o Espiritismo. Certo que o
Catolicismo e a Umbanda no excluem de forma alguma a racionalidade e a filosofia,
assim como o Protestantismo e o Espiritismo no podem se sustentar sem a emoo e o
sentimento de amor divino. O fato de ter um foco no exclui as outras funes, assim
como o fato de apalpar primeiro a pata de um elefante no exclui o elefante inteiro!
Mantendo em mente esta tipologia, vamos ento apresentar os principais arqutipos da
Umbanda e vamos iniciar pelo mais singelo de todos eles: o preto-velho. Para
esclarecer esta figura, vamos desmembr-lo em partes e comearemos, gradualmente,
a diferenciar melhor aquilo que em uma metfora anterior chamamos de Doutores de
Ctedra das nossas professoras de primrio, atribuindo aos primeiros o nome pelo
qual so mais conhecidos na psicanlise Arqutipos10 e s ltimas o nome de guias
e mentores.
Comecemos criando uma nova metfora, usando agora a medicina na Terra:
suponhamos uma pessoa que subitamente seja atacada por uma dor de ouvido e
precise ir emergncia de um hospital. Ao chegar neste hospital, ir procurar
consultar-se com um otorrino (e se um ortopedista se oferecer para atend-la de
nenhuma maneira poder ajud-la com a preciso do especialista em ouvido). A
especialidade otorrinolaringologia e a especialidade ortopedia so, para fins de
nossa metfora, arqutipos diferenciados (Deuses, Orixs ou Senhores do Karma), ou
Para uma melhor compreenso sobre Tipos Psicolgicos remetemos o leitor s obras de Jung e ao
nosso trabalho Fundamentos de Psicanlise Reencarnacionista.
10
Os arqutipos sero abordados em vrios momentos neste trabalho e, esperamos, em cada um destes
momentos, estaremos ampliando seus conceitos. Lembremos que qualquer tentativa de descrever um
Arqutipo parcial, pois como se uma formiga tentasse descrever uma montanha! Assim, pedimos
pacincia aos leitores para irmos construindo gradualmente esta imagem em suas mentes.
48
seja, so uma especializao da Energia Divina Maior (o Deus nico) que aqui
chamamos Medicina. Assim como cada santo tem uma rea de atuao, cada
arqutipo ou orix ou especializao da medicina tem uma forma mais ou menos
predeterminada de abordar um problema especfico.
Desta maneira, a especializao em si mesma um procedimento mdico especfico,
uma forma peculiar de canalizar a Medicina para um alvo ou foco estabelecido.
Obviamente, se h um modo particular de agir e direcionar a energia da Medicina,
existe tambm algum especializado para seu exerccio, no caso, o mdico e isto,
igualmente, prev a existncia de remdios, instrumentos e aparelhos, tais como o
aparelho de raio x e o otoscpio o aparelho para ver dentro do canal auditivo. Desta
forma, trabalhando lado a lado com vrias metforas, a Medicina ou Universidade
Csmica Deus ou Criador nico; a Otorrinolaringologia um Arqutipo, Orix,
Arcanjo ou Santo Catlico ou PhD da Criao; o mdico o guia, a professora, o
profeta ou sacerdote que faz a ligao entre ns, o PhD e as diretrizes educacionais e
curativas do Criador. E os aparelhos, remdios, instrumentos ou cadernos, lpis e
folhas de papel so tudo aquilo que utilizado na matria para mobilizar nossa cura
ou aprendizado, quais sejam os cultos, pregaes, rituais, vestimentas, paramentos e
mesmo mdiuns.
O Arqutipo , desta forma, uma qualidade universal inteligente em si mesma que se
expressa de forma particular e peculiar, e que cada cultura reveste ou atribui a uma
figura religiosa ou mitolgica. E ao enfatizarmos sua inteligncia estamos chamando
ateno para a realidade de que esta qualidade emana diretamente da Fonte Divina
nica, o que significa dizer que os Arqutipos possuem em si mesmos um tipo especial
de Supraconscincia. Assim, voltando Umbanda, a figura ou imagem universal do
Preto-Velho, tanto quanto a figura ou imagem universal de um Caboclo ou Pomba-gira
(especialidades mdicas), so os Arqutipos em si mesmos, tanto quanto os Santos
Catlicos ou os Deuses Gregos, Indianos ou Africanos. Repetindo para frisar: elas so
as formas pr-estabelecidas que incluem linguagens e modos de atuao prdeterminadas atravs das quais identificamos imediatamente qual o tipo ou qualidade
de Energia Divina est nossa frente. Citemos alguns exemplos: diante de uma
imagem de Santa Brbara ou de Ians, sabemos que estamos frente a frente com a
Qualidade Divina que capaz de afastar de ns as tempestades da vida; da mesma
forma, diante de uma imagem de So Sebastio ou de Oxossi ou Prometeu, sabemos
que estamos frente a frente com uma Qualidade Divina que capaz de se trazer para
a humanidade a luz e o fogo da intuio e do conhecimento superior. Disto conclumos
que o que diferencia Ians de Santa Brbara ou So Sebastio de Oxossi e de
Prometeu no a essncia que eles possuem ela a mesma mas apenas a
aparncia assumem em cada cultura ou religio onde sejam encontrados. Se nos
lembrarmos que cada Arcanjo ou Arqutipo um ser infinitamente mais evoludo que
ns e que eles falam uma lngua que ns ainda no conhecemos, fica fcil
compreender que cada cultura ou religio teve a necessidade de realizar uma traduo
bastante peculiar para esta lngua a fim de poder compreend-la, ainda que
parcialmente. E como qualquer traduo que se faa na matria, o resultado final ir
49
50
11
Acontecer nos ltimos dias, diz Deus, que eu derramarei o meu Esprito sobre toda carne, vossos
filhos e vossas filhas sero profetas, vossos jovens tero vises, vossos ancios tero sonhos; sim, sobre
meus servos e sobre as minhas servas, naqueles dias eu derramarei o meu Esprito e eles sero
profetas.(AT 2, 17-19.)
51
verdade que mdiuns como Chico Xavier, verdadeiramente excepcionais em sua vida
privada, ainda so to raros como uma prola perfeita no leito imenso do oceano.
Voltemos agora anlise dos anjos pessoais ou guias por trs da manifestao
medinica de um Preto-Velho. J o dissemos e permita-me o leitor que repitamos
vrias vezes a mesma idia para que ela fique bem clara em sua mente que PretoVelho um arqutipo e, portanto, ele antes uma especializao da energia Divina,
uma matria na Universidade Csmica, que exige algum especializado para a
canalizar. Assim, do ponto de vista da Energia Divina, o prprio guia um mdium,
pois faz a ligao entre um Arqutipo/Arcanjo ou Orix/Santo e o indivduo encarnado
na matria que, naquele momento, esteja no exerccio de uma mediunidade chamada
incorporao. Depreende-se assim que da mesma forma que entre o Reitor de uma
Universidade e a assistente da professora normalista encontramos vrios professores
menos graduados que traduzem a linguagem de um para aquele que est
academicamente abaixo, entre um Arqutipo e o guia que est incorporando no
mdium encarnado existe igualmente uma hierarquia pautada no conhecimento e na
capacidade de entendimento de cada um.
Os guias mais prximos de ns que em nossa metfora so a assistente da
professora e ela mesma so aqueles que a despeito de serem, em relao a ns,
habilitados para ensinar, so, no entanto, seres humanos, pois apenas seres humanos
conseguem se fazer entender por outros seres humanos. Eles esto ainda, tanto quanto
ns, em processo de evoluo e aprendizado na Universidade da Criao, mas
importante que frisemos que sob nenhuma hiptese esta constatao autoriza um aluno
de jardim de infncia a questionar e a desrespeitar a autoridade da assistente.
Voltemos ao Preto-Velho e sigamos esclarecendo que, a despeito da caracterizao e
da linguagem que ele utilize, o guia por trs desta manifestao no ter sido,
obrigatoriamente, um negro escravo em sua ltima encarnao. Ele pode ter escolhido
esta forma apenas por ser capacitado, por afinidade, para canalizar um Arqutipo
especfico e no outro qualquer. E quando falamos de capacitao por afinidade,
lembremos que um professor de matemtica se capacita pela afinidade com nmeros,
enquanto um professor de portugus se capacita pela afinidade com palavras. Desta
forma, ainda que faa modificaes individuais na sua forma de manifestar este
Arqutipo, o guia no ir se apresentar, por exemplo, como um Caboclo das Matas,
um Exu ou uma Criana.
Destes outros Arqutipos da Umbanda diremos que o Caboclo emana a fora, a
higidez e a sabedoria adquirida no contado com as energias da Natureza e na
manifestao medinica tanto sua linguagem, quanto seu gestual iro transpirar a
estas qualidades; Exu e Pomba-Gira so por excelncia o Arqutipo da manifestao
da vontade sobre a matria e do respeito e considerao pelo verdadeiro valor divino
de quaisquer aspectos desta matria12, mesmo aqueles mais condenados pelos
12
Ele contempla o cu aberto: desce de l um objeto indefinvel, uma espcie de pano imenso, vindo
pousar sobre a terra por quatro pontas; e dentro dele, todos os animais quadrpedes, os que rastejam
52
puritanos. Por isto mesmo, iro se apresentar em um gestual que transpira magia e
exacerba a sensualidade, a fora fsica, o domnio e controle das energias tidas por ns
como sujas e negativas, mas que, como na resposta de Deus a Pedro, por fazerem
parte da Criao, so to importantes como quaisquer outras. Na caracterizao
medinica, eles podem ou no tomar bebidas alcolicas e fumar, mas usualmente se
vestem, falam e se comportam de forma a romper o nosso verniz puritano que
considera que os assuntos humanos, os problemas da matria e principalmente a
sexualidade no sejam obras de Deus. As Crianas, por outro lado, remontam ao
Arqutipo da pureza de corao e da alegria espontneas que operam milagres. Este
Arqutipo, a despeito da simplicidade de sua manifestao, tem enorme poder pois
remonta Centelha Divina, ao Diamante da Alma, e ao que dito delas no
Evangelho: O Reino dos Cus para aqueles que so como elas (Mt 19, 14).
Apresentam-se usualmente brincando, rindo, pulando, pedindo e comendo doces e
refrigerantes.
E assim como o guia que se apresenta como Preto-Velho o faz por afinidade de
especializao, e no obrigatoriamente pelo que foi em sua ltima encarnao,
tambm no obrigatrio que aqueles que se apresentam como, por exemplo, uma
Pomba-Gira tenham sido uma prostituta, nem que aqueles que se apresentam como
um Caboclo tenham sido um ndio na ltima encarnao ou que aqueles que se
apresentem como crianas tenham desencarnado no incio de uma vida. Isto uma
possibilidade e pode mesmo ocorrer em muitos casos; mas o fato para o qual estamos
chamando ateno aqui o de que existe a real possibilidade de que ele tenha, fora
do estado de incorporao, uma aparncia humana adulta bastante comum.
A pergunta que muitos fazem quando tomam conhecimento desta realidade o
porqu, ento, dele se transfigurar em uma forma que no seja a sua para se
manifestar em um terreiro de umbanda. A resposta que sua caracterizao como
alis qualquer caracterizao ritualstica tem um impacto psicolgico positivo do qual
muitos consulentes (como so chamados os freqentadores dos centros de Umbanda)
no podem abrir mo, graas a seu tipo psicolgico: a caracterizao funciona como
um catalisador que mobiliza na psique do consulente, e tambm do mdium, as
energias relativas ao Arqutipo simples vista de um guia caracterizado. Voltemos
nossa metfora do hospital para explicar uma vez mais esta necessidade. Suponhamos
que o nosso paciente vtima de dor de ouvido tenha sua disposio dois otorrinos e
possa escolher qual o atender: um est vestido de jaleco branco, tem o crach, que o
identifica pessoalmente e identifica sua especialidade, e porta na mo um otoscpio; o
outro est de jeans e camiseta, no tem crach e nada nas mos. Ainda que sua
formao e especialidade sejam as mesmas, raramente o doente mais impressionvel
sobre a terra, os que voam no cu. Uma voz se dirigiu a ele:Vamos, Pedro! Mata e come! Pedro
respondeu: Jamais, Senhor! Nunca em minha vida comi nada imundo nem impuro. E de novo uma voz
se dirigiu a ele, pela segunda vez: No te atrevas a chamar imundo o que Deus tornou puro! (AT 10,
11-15.) O que Deus tornou puro, tu no o declares imundo! (AT 11, 9.) Frisemos que neste momento
Deus no estava tratando por puro seres humanos convertidos, mas animais e, por raciocnio lgico,
toda Criao na matria.
53
54
sim ser a incorporao, mas pode tambm ser a intuio, a vidncia, a audincia e a
psicografia, para falarmos somente das mais comuns. A intuio consiste no fato de
receber em sua mente uma idia completa, como se o guia transmitisse, por
irradiao, um pensamento diretamente para a mente do mdium, sem usar
necessariamente palavras ou imagens. Desta forma, cabe ao mdium revestir a idia
com palavras e imagens que as torne inteligveis para quem o ouve. Esta mediunidade
exige do mdium exatamente o preparo crebro-mental que falamos anteriormente ser
o destino do nosso desenvolvimento cerebral. Alm disto, pelo seu carter de sutileza,
quando utilizada pelos guias como uma funo de esclarecimento do prximo, ela
tambm exige do mdium uma afinidade bastante forte com estes mesmos guias a fim
de que ele, ao abrir o canal que comum a todos ns, no se sintonize com outros
espritos seno aqueles que efetivamente devem se comunicar. Como o mdium que
deve revestir a imagem com palavras e formas que a traduzam, fica evidente que esta
a mediunidade para a qual o mdium deve estar mais preparado psicologicamente,
emocionalmente e, principalmente, espiritualmente. Para estar a altura do tipo de
mediunidade que recebeu, ele deve procurar estar sempre lendo, estudando e se
atualizando. E no somente nos assuntos que digam respeito espiritualidade ou ao
Evangelho, mas em todos os assuntos. Lembremos que sua funo atender o prximo
e que os interesses deste prximo que devero ser levados em conta durante uma
comunicao medinica. Assim, a despeito de o mdium inculto poder ser utilizado
pelos guias at mesmo atravs da irradiao intuitiva, ser, com veremos abaixo, um
instrumento muito menos preciso do que um mdium que se empenhe honestamente
em formar um cabedal de conhecimentos que o capacitar a sacar de seu crebro
palavras e imagens mais acuradas para qualquer mensagem que um guia lhe
transmita.
Sobre vidncia e audincia no h muito o que dizer, exceto que assim como a
irradiao intuitiva, o que ocorre no um contato fsico entre o mdium e o guia,
mas um contato entre espritos. Lembremos que o fato de estarmos encarnados s faz
com que tenhamos um corpo a mais em relao a nossos guias e a qualquer
desencarnado no faz com que percamos o nosso esprito. Estas mediunidades so,
desta forma, uma espcie de abertura das capacidades espirituais naturais do mdium
que o colocam em condies de, utilizando os olhos e os ouvidos espirituais, formar
em seu prprio crebro espiritual a imagem e o som que v e ouve e, a seguir, fazer
com que seu crebro fsico perceba estas imagens e sons como se as estivesse vendo e
ouvindo na mente, ou na tela mental, para usarmos uma expresso mais comum. A
acuidade e preciso destas vises ou vozes, bem como a identificao correta de sua
origem, tambm depende, como na irradiao intuitiva, da capacidade, do
treinamento e do conhecimento do mdium que, em qualquer dos trs tipos de
mediunidade, dever estar sempre atento e vigilante para saber o que dizer e o que
no dizer e, principalmente, como dizer.
Na incorporao, no entanto, os guias dependem um pouco menos do preparo moral
e intelectual do mdium ainda que ele seja bastante desejvel. Antes de continuar
importante que digamos que isto no faz com que todos os mdiuns de Umbanda ou
55
13
Este o mesmo processo que se d na psicografia, mas nesta mediunidade o controle se resume ao
controle da mo ou mos do mdium e no de todo seu corpo.
56
culpa, ou qualquer outro sentimento negativo que o torne atado ao esprito e presa
deste processo obsessivo, que teremos uma maior dificuldade para afastar o esprito
do mdium segundo sua vontade. Mas neste momento no estamos falando de
obsesses, mas de mediunidade a servio do prximo, realizada de forma controlada e
por guias de elevada condio espiritual em relao a ns.
Descrevemos acima os processos ideais de mediunidade, no qual o mdium confia
to plenamente em sua entidade que a deixa trabalhar sem interferir. Frisemos que ele
se equivale, neste caso, a um bisturi afiado que, mesmo que tenha plena conscincia
de todos os atos da cirurgia, deixa que o mdico opere sem decidir por si mesmo onde
e como sero feitos os cortes. No entanto, a prtica nos mostra que no raro que a
qualidade do bisturi interfira significativamente na qualidade da cirurgia. Um bisturi
cego e um bisturi voluntarioso, ainda que manipulados pelo melhor cirurgio do
planeta, iro dificultar enormemente o trabalho e podero at mesmo comprometer o
resultado final. Ao bisturi cego podemos comparar os mdiuns que no tm o mnimo
de conhecimento das realidades espirituais e dos processos envolvidos em sua
mediunidade. Eles sero assustadios, facilmente presas de mistificaes, e somente se
tiverem muita humildade, confiana em seus guias, f na espiritualidade e simplicidade
no corao podero ser bem aproveitados. Ao bisturi voluntarioso podemos comparar
os mdiuns orgulhosos de si mesmos que, por qualquer motivo, se acham no direito de
dar consultas no lugar dos guias. E a palavra-chave aqui que pode pr o trabalho a
perder a vaidade.
Mas nem sempre a interferncia do mdium resulta em desastre ou desconforto por
parte do guia. s vezes ela desejada e at estimulada. Citemos um exemplo:
suponhamos um guia que se apresente como um Preto-Velho e que seja especializado
nas dores do corao, nas doenas da alma, ou seja, no que aqui na matria
chamamos de psicologia; suponhamos ainda que o mdium deste guia tenha por
profisso na matria a medicina homeoptica. Diante de uma me que est sofrendo e
adoecendo com um filho dependente qumico, o guia ouvir suas dores, lhe dar o
colo e os conselhos que ela necessita para se conduzir neste processo e poder, em
seguida, sugerir ao mdium que intervenha na comunicao e lhe prescreva um
remdio homeoptico para as doenas fsicas que esteja desenvolvendo. Neste
exemplo fizemos questo de colocar o mdium na condio de profissional da
medicina para realar o fato de que somente se ele for verdadeiramente detentor de
um conhecimento til para a consulta que ser celebrada a sua interferncia.
Achismos e prescries por no-especialistas podem resultar em mais sofrimento
para a pobre mulher, visto que ela est ali plenamente convicta que todas as palavras
que ouve da boca do mdium so oriundas do guia e poder seguir sem questionar
qualquer coisa que ele disser.
Alis, exatamente para pessoas como ela que estamos fazendo questo de sermos
bem extensos nas explicaes dos mecanismos da mediunidade. Se o contato com os
guias est treinando o crebro desta mulher para as realidades do esprito e,
fundamentalmente, para no se espantar quando ela prpria comear a desenvolver
e/ou assumir sua prpria intuio, ento importantssimo que ela no perca em
57
58
59
14
A respeito desta peculiaridade da Frana, a edio 1.793 da revista Isto , publicada em 18/02/04,
traz um excelente esclarecimento na matria Deus Fora da Classe.
60
cura no est no mdico, nos remdios e nem mesmo em quaisquer tcnicas que utilize
e sim em Algo que est acima e que incorpora, supera e transcende mdico, remdios
e tcnicas. A Medicina, portanto, seria um Princpio, um Todo muito maior que o
somatrio de suas partes; ainda assim, passvel de diviso em especialidades e passvel
de ser exercida de formas diferentes mesmo por mdicos da mesma especialidade.
Uma outra metfora seria a de uma usina eltrica: a Energia Eltrica em Sua Fonte
Primeira gigantesca (Deus ou Olofim-Olodumare ou qualquer que seja o nome que
dermos ao Criador) e de altssima voltagem; suponhamos que a ela sejam ligados
paralelamente doze geradores (Arqutipos/Orixs Maiores) que a captam e fazem a
primeira reduo de voltagem para que ela continue fluindo. A partir deles, ligados a
cada um, existem mais doze outros geradores menores (totalizando 144) que pegam
cada um uma cota desta Energia e vo, por sua vez, subdividindo-a em mais 12
(totalizando agora 1728) e baixando sua corrente, amperagem, tenso e voltagem at
que ela possa ser utilizada em uma lmpada ou cafeteira domstica. Assim a Energia
Eltrica se subdivide em vrias direes, atinge vrias cidades simultaneamente, sofre
um sucessivo descenso vibratrio, e particulariza sua utilizao em uma cafeteira ou
lmpada sem, contudo, deixar de ser a mesma Energia Eltrica da Usina Geradora. E
mais: ao longo desta incrvel rede de geradores h em muitos pontos um
entrecruzamento de cabos e fios de alta tenso e, desta maneira, pode acontecer que
um gerador de quarta gerao receba a Energia de duas fontes diferentes na gerao
imediatamente anterior, como uma cidade brasileira que pode receber energia que
venha tanto dos geradores do Nordeste quanto dos geradores do Sul. A isto a
Umbanda e o Candombl chamam de entrecruzamento de linhas e o sentido o
mesmo o sentido do entrecruzamento de duas linhas de gerao eltrica.
Neste ponto queremos abrir um parnteses para enfatizar uma vez mais que a
expresso aberta de uma energia arquetpica pela via religiosa no uma prerrogativa
exclusiva da Umbanda. Ao se cultuar um santo em qualquer religio de nfase
simblica (sensrio-emocional), ou ao se realizar uma imaginao ativa interagindo
com uma forma mitolgica, est-se igualmente entrando em contato com atributos
divino-arquetpicos impregnados naquela manifestao simblica e recebendo os
benefcios desta interao. Estamos enfatizando e datalhando a Umbanda apenas
porque no temos conhecimento sobre qualquer outra religio contempornea que se
preste to perfeitamente para explicar de forma espiritual e igualmente conceitual o
que venha a ser um arqutipo na prtica e no somente na teoria psicanaltica e,
ainda, servir de ensejo perfeito para desmistificar o contato entre ns e nossos anjos.
Como dissemos, as religies africanas foram sincretizadas com a religio Catlica e,
desta forma, muitas vezes um arqutipo da Umbanda conhecido e cultuado pelo
nome e aparncia de um santo catlico. Este sincretismo ocorreu graas sabedoria
dos negros que, proibidos pelos senhores de escravos de realizarem seus cultos nativos,
identificaram intuitivamente nas personalidades e/ou vida dos santos catlicos as
qualidades e caractersticas que se ajustavam aos Orixs de sua religio e, na frente de
seus senhores, rezavam para estes santos, enquanto em sua alma, invocavam os
Orixs. Como este movimento foi um movimento espontneo, coordenado apenas
61
pelo Inconsciente Coletivo da raa negra escravizada, e como a cada nao africana
correspondia um sistema individual de cultos e crenas, algumas vezes podemos entrar
em um templo de Umbanda e ver um Orix associado a um determinado santo
catlico e, ao chegar em outro templo, descobrir este mesmo Orix associado a outro
santo catlico.
E isto acontece ainda hoje porque a despeito de a Umbanda j ser uma religio,
possuindo um sistema doutrinrio-filosfico e de crenas bastante peculiar, ela ainda
muito nova e no foi suficientemente sistematizada at compor um corpo ritualstico
nico. A nfase psicolgica da Umbanda , como j o dissemos, uma nfase
emocional e sensria15, sem, contudo, descartar as funes intuitivas e racionais. Esta
nfase a faz muitas vezes vtima ainda de interpretaes mirabolantes, destitudas de
senso e racionalidade. Mas isto de forma alguma lhe tira a beleza e a efetividade e
acreditamos que com o passar das dcadas gradualmente ela ir sendo clarificada
pela prpria espiritualidade (como ocorreu com o Kardecismo) at o ponto de poder
configurar um corpo doutrinrio e ritualstico nico, mesmo em suas manifestaes
individuais em cada centro.
Quanto aos pontos comuns entre a Umbanda e o Kardecismo, que levam muitas vezes
a tomarmos uma religio pela outra, repitamos uma vez mais que ambas so crists,
ou seja, ambas se atm ao Evangelho para pautar suas consultas e a conduta de seus
mdiuns, e ambas prevem a sobrevivncia do esprito depois da morte, a
possibilidade de comunicao e convivncia entre encarnados e desencarnados, e a
necessidade da reencarnao para o aperfeioamento do esprito. Contudo, no
Kardecismo as figuras dos Arqutipos, Santos ou Orixs Maiores (os doze primeiros
geradores) so mais comumente chamadas de Arcanjos ou mesmo de Arqutipos; os
Orixs Intermedirios (os 144 geradores seguintes) so chamados ora de Anjos, ora de
Espritos Puros; os Orixs Menores (as outras hierarquias de geradores) muitas vezes
so chamados de Chefes de Falange ou Lderes Espirituais, o que configura um
equvoco, pois j explicamos que um orix est em um nvel supra-humano, enquanto
os guias so pessoas como ns, apenas que mais adiantadas na escola csmica.
Alm disto, ao guia ou entidade (a professora mais prxima de ns) no permitido
que se manifeste em uma mesa kardecista canalizando abertamente a energia deste ou
daquele Arqutipo (principalmente o arqutipo de Exu). No Kardecismo, tambm, a
incorporao que leve o guia ao controle do corpo do mdium tida em muitos
centros de hoje como uma mediunidade menor, e os kardecistas privilegiam a
irradiao intuitiva como forma de comunicao entre planos e o passe magntico
que no prev a consulta individual (ela se realiza em outros momentos e no
indicada indistintamente para todos os que ali vo). Eles tambm privilegiam a
evangelizao coletiva e preventiva, e no h centro kardecista que no tenha o foco
de seus trabalhos as palestras de esclarecimento (lembremos a nfase na funo do
15
62
pensamento). Contudo, temos observado nas ltimas dcadas que comeam a existir
centros de umbanda que privilegiam o estudo, enquanto j h centros kardecistas que
permitem, por exemplo, a manifestao de pretos-velhos, mostrando uma vez mais que
o brasileiro tem uma incrvel capacidade de compor o seu tesouro espiritual buscando
e mesclando as jias mais preciosas de quaisquer fonte espiritual, completamente livre
para abraar a verdade onde quer que ela se encontre.
Para finalizar, queremos apenas enfatizar que a manifestao medinica mais light
dos centros Kardecistas tem grande valor principalmente pelo que chamamos aqui de
evangelizao coletiva e preventiva. Esta evangelizao se reveste de estudos
sistematizados e a Federao Esprita Brasileira16 d cursos anuais que se assemelham
aos cursos de graduao de qualquer universidade terrena, inclusive quanto a
durao! Na Umbanda, por outro lado, mais comum que esta evangelizao seja
dada individualmente, do guia para o consulente e, muitas vezes, o consulente s
procura a Umbanda no calor de um grave problema e no antes que o problema se
torne incontrolvel; e, solucionada a questo, muitas vezes ele desaparece do terreiro.
Em uma reduo puramente metafrica, poderamos dizer que a Umbanda o prontosocorro emergencial, enquanto o Kardecismo o tratamento ambulatorial continuado.
Ambas so boas rvores e do bons frutos quando bem nutridas!
III - Concluso
Ao chegarmos ao fim deste breve trabalho, esperamos ter deixado claro para nossos
leitores trs idias fundamentais que podero ajud-lo na busca da melhor
compreenso de sua prpria realidade interior: a primeira delas a de que a solido e
o isolamento endmico em nossa cultura atual no passam de uma atitude neurtica
que exclui da vida humana a realidade espiritual; a segunda a de que esta realidade
espiritual abrange todos os aspectos da vida humana e no somente o chamado
exerccio religioso, pois no dia-a-dia, na conduta diuturna que realizamos nossa
evoluo; e a terceira exatamente o fato de que nossas vidas tm um sentido
evolutivo e quaisquer que sejam os eventos que lhe ocorram esto, em verdade,
convidando a uma superao de si mesmo e a uma participao consciente.
16
Para o leitor leigo importante esclarecer que a despeito de chamar-se Federao Esprita, o foco da
abordagem espiritual que se faz ali ainda o foco Kardecista, pois eles ainda no realizaram nenhum
estudo sistematizado de outras religies que tambm tenham foco no contato espiritual.
63
Aula dada na UnB, no segundo semestre de 2003, como convidada, para uma turma de psicologia.
64
65
estao pessoal temos uma programao com um tipo de msica muito peculiar
escolhida individualmente por cada um de ns, nas estaes do inconsciente coletivo
iremos encontrar estaes que tm uma programao que prev apenas msicas
regionais, outras que tocam somente msicas nacionais e outras ainda que tocam
somente msicas internacionais desta ou daquela cultura especfica (uma rdio rabe,
uma rdio americana, uma chinesa etc.).
Em nossa metfora, cada estao do inconsciente coletivo est, desta forma,
relacionadas sempre a um mesmo tipo de comportamento psquico (estilo de msica),
mas no toca sempre a mesma msica. Na Nova FM, por exemplo, podemos ouvir
somente msicas nacionais, mas em duas horas de programao raramente iremos
ouvir a mesma msica e poderemos no deliciar tanto com Djavan, quanto com
Caetano, Milton, Ivete Sangalo etc. E mesmo que esta rdio s tocasse Djavan, teria
msicas suficientes da grande obra deste cantor e compositor para ficar horas e horas
sem repetir uma nica msica. Contudo, frisemos, na Nova FM no iremos ouvir
Beatles ou Bach, o que significa que o que define um comportamento psquico no a
exatido e rigidez de sua manifestao (a mesma msica sempre), mas a estao ou
estilo de manifestao deste comportamento.
Indo mais alm na metfora, lembremos que a despeito de uma estao poder ser
sintonizada por qualquer pessoa apenas uma estao particular sendo todas as
outras comuns tambm a outras pessoas. como se no inconsciente pessoal eu tivesse
uma rdio privada e fizesse uma seleo pessoal das msicas que quero ouvir ao longo
da minha vida e tivesse at mesmo composies pessoais de msicas escritas e
cantadas apenas por mim mesma , mas pudesse, tambm, a qualquer momento, girar
o dial e ouvir as msicas de cantores e compositores consagrados e at mesmo
msicas de domnio pblico em outras estaes ou, ainda, incorpor-las a minha
prpria estao pessoal.
Ao definirmos metaforicamente o que seja o inconsciente pessoal e coletivo fica mais
fcil compreender que os Smbolos so as msicas que tocam em cada estao
enquanto os Arqutipos so as prprias notas musicais e suas variaes em escala.
Citemos um exemplo da alquimia para deixamos isto mais claro: o quadrado um
arqutipo (uma nota musical), o crculo outro arqutipo (uma outra nota musical) e,
na alquimia, existe algo chamado quadratura do crculo, que um smbolo (msica)
que pode representar coisas diferentes conforme o alquimista que o descreva, assim
como uma mesma msica de Djavan pode ter um sentido especial e peculiar para
cada ouvinte, ainda que seja a mesma msica.
Esta particularidade de interpretao individual de uma mesma composio por vrias
pessoas diferentes o que explica o fato de que a despeito de duas pessoas poderem
estar sintonizadas com um mesmo smbolo e com um mesmo arqutipo, cada uma
delas ir agir e reagir de forma pessoal. Ainda que possamos identificar que estejam
danando a mesma msica, a msica em si no as transforma em robs e elas s
executaro uma dana sincronizada se assim o desejarem. Em termos de
desenvolvimento pessoal podemos dizer que a dana ser mais peculiar e individual
66
18
67
19
Segundo dados do Vaticano, o Brasil o pas no qual se concentra o maior nmero de adeptos do
espiritismo no mundo.
68
69
70
71
20
21
22
Jung, Carl Gustav, Estudos Psiquitricos, OC, Volume I, Ed. Vozes, 1971.
72
23
Jung, Carl Gustav, Memrias, Sonhos e Reflexes, Ed. Nova Fronteira, 1961.
73
1) O caso24 S.W.
A jovem S.W. era uma adolescente alem de 15 anos e meio no ano de 1899.
detentora de um carter inseguro, facilmente influencivel e afeita a ocorrncias
histricas25. Sua personalidade est, poca das manifestaes, completamente
diluda em uma famlia complexa, e o desenvolvimento de uma mediunidade
dramtica eleva seu status social perante a famlia e conhecidos. Por si s isto no
seria um parmetro para classific-la como falsa-mdium, pois h casos de mdiuns
legtimos que tambm passam por uma espcie de elevao social da importncia de
sua personalidade quando manifestam sua mediunidade. O elemento diferenciador,
portanto, fica por conta do carter das comunicaes que, nas sesses finais ocorridas
no caso de S.W., e de todos os outros mdiuns que pudemos observar em
manifestaes ilegtimas, so desprovidas de qualquer contedo que no possa ser
encontrado na conscincia e no inconsciente da dita mdium.
nas primeiras sesses, contudo, que nossa ateno ir se focar. Inicialmente, como
era costume na poca, as pessoas colocavam suas mos sobre uma mesa e aps o
transcurso de algum tempo, comeavam a ocorrer movimentos chamados inteligentes
atribudos presena dos espritos. Jung analisa estes movimentos como sendo
originrios de impulsos automticos do inconsciente, mas ao pargrafo 94 da obra em
questo ele afasta a possibilidade de total simulao, pois ocorreu, nestas primeiras
sesses, uma efetiva leitura do pensamento das pessoas presentes na sala. Contudo,
no isto que define uma ocorrncia medinica, uma vez que a telepatia uma
realidade que pode ser comprovada por qualquer um de ns em sua vida pessoal. Ela
, como j o dissemos, uma capacidade comum que vista como espetacular apenas
e to somente porque estamos acostumados a lhe atribuir um carter mstico que no
possui.
Na evoluo do quadro, a jovem passou a entrar em um estado de semisonambulismo, o que levou ao abandono da mesa como ferramenta e ao
aparecimento de diversas personalidades que agora se comunicavam pela boca da
mdium. Uma destas personalidades se auto-intitulava o av da jovem, mas as
caractersticas de elevada moralidade, religiosidade piedosa e seriedade que ele
apresentava no condiziam com a realidade histrica de sua personalidade. Outra
entidade presente chamava-se de Ulrich Von Gerbenstein, que era cpia perfeita de
uma outra identidade que aparecera anteriormente, chamada simplesmente de P.R, e
que se caracterizou por um comportamento falador, espirituoso, revelando-se tambm
um fanfarro leviano. P.R. apresentava-se como o irmo morto de um dos presentes,
24
No iremos discutir todos os detalhes do caso, pois quem o desejar poder l-lo diretamente na obra
junguiana, mas nos ateremos somente a algumas caractersticas das personalidades envolvidas e,
fundamentalmente, nas caractersticas das comunicaes que transpiravam nas sesses medinicas.
25
O conceito de histeria at ento em voga poderia ser resumido como a ocorrncia de sintomas
orgnicos, tais como paralisia, cegueira, pseudociese etc., cuja origem no tem base em uma funo ou
evento fisiolgica, mas no inconsciente do paciente.
74
mas negava-se a dar informaes que pudessem colocar acima de qualquer suspeita
sua identidade e, assim, aos poucos foi sendo substitudo por Ulrich, principalmente
depois que seu suposto irmo encarnado afastou-se das sesses. A terceira destas
personalidades chamava-se Ivenes e atribua-se a si mesma a caracterstica de ser o eu
elevado da prpria mdium, algo como uma personalidade transcendente que estava
alm do acesso normal da conscincia desperta. Esta ltima personalidade tem para
ns um interesse especial, pois assumia abertamente tratar-se de um complexo da
psique da prpria mdium.
s duas primeiras somaram-se uma srie de outras identidades que, quando analisadas
em profundidade, revelavam ser somente variaes minsculas ora do av, ora de
Ulrich. Durante os dois primeiros meses, o teor das comunicaes foi classificado como
solene e edificante, sendo apenas ocasionalmente perturbado pela presena de P.R. e,
posteriormente, de Ulrich. de se notar que ainda que a jovem tivesse uma instruo
mediana e no fosse reconhecida por nenhum dote intelectual, Ulrich falava um
alemo quase impecvel. Poderamos supor que, em se tratando de um caso histrico,
esta capacidade de correo verbal pudesse ser atribuda a um fenmeno psquico
chamado criptomnsia, que se caracteriza pelo surgimento na conscincia de um
conhecimento retido no inconsciente e liberado de forma espontnea sem que a
conscincia reconhea sua origem histrica. Neste caso, por exemplo, pode-se afirmar
que por ter sido instruda a jovem tinha em seu inconsciente o perfeito conhecimento
da lngua ptria, mas suas limitaes de personalidade a impediam de tomar posse
deste conhecimento e de a utilizar corretamente. Em sesses posteriores, tambm
ocorreu um outro fenmeno psquico chamado de glossolalia, que se caracteriza por
falar em lnguas. Mas tambm no caso em pauta, Jung demonstra que esta modesta
glossolalia um mero emprego inconsciente de impresses auditivas sem qualquer
sentido cognitivo.
Quando em estado de semi-sonambulismo, ao mesmo tempo que ocorriam as
comunicaes e a transmisso do pensamento das personalidades chamadas
espirituais, sua mente consciente estava focada em um outro estado no qual se via em
viagens a lugares distantes ou mesmo a outras esferas. Ocasionalmente ela tambm
entrava em estado de xtase, durante os quais sentia-se inundada por uma grande paz
e tranqilidade. A partir de um determinado momento, o teor das comunicaes foi
preenchido pela complexa elaborao de romances intrincados nos quais a jovem se
via como me, irm ou amante de alguns dos presentes e mesmo como amante de
Goethe em uma sucesso infindvel de reencarnaes.
Jung analisou corretamente que estes romances tinham a finalidade de aumentar a
importncia da personalidade da mdium perante o meio e a famlia qual estava
inserida, pois a colocavam sempre como personagem central destes dramas.
Igualmente concordamos com ele quando afirma que o av representava um esforo
da psique para apresentar um comportamento mais religioso e centrado, enquanto
Ulrich representava um esforo no sentido oposto, qual seja o deixar livre o caminho
para a manifestao das fantasias de cunho sexual e dramtico que usualmente
75
76
26
Imaginao Ativa uma tcnica junguiana que leva o ego interao consciente com o material
inconsciente com a finalidade de fazer surgir precisamente a Funo Transcendente. Para um maior
aprofundamento deste assunto, recomendamos aos leigos o excelente livro de Robert Johnson,
Imaginao Ativa, publicado no Brasil pela editora Mercuryo.
27
77
78
recurso ideal para lidar com angstias, medos, raivas etc., ou seja, participam da
formao do ego como elementos de equilbrio entre o socialmente aceitvel e o
inconscientemente desejado. Com eles a criana brinca e fala sobre suas angstias de
adaptao, conta e ouve histrias que a ajudam a se referenciar subjetiva e
objetivamente e, fundamentalmente, rompem o sentido de isolamento que muitas vezes
ocorre quando a criana descobre que no mundo adulto h ainda muitas portas que
lhe so fechadas sem que em seu inconsciente estas mesmas portas deixem de existir.
Em seu relato, Walkiria no inclui qualquer referncia a maiores detalhes desta
interao infantil e sabemos apenas que as vises se desenvolveram ao longo dos
anos, mesmo na fase adulta, o que no seria comum na hiptese de companheiros
invisveis infantis, mas condiz com sua realidade histrico-familiar. Sabemos, ainda,
que o carter confortador dos personagens vislumbrados permaneceu o mesmo, pois
ela no relata vises de seres monstruosos28, mas de seres de elevado cunho espiritual
que vinham em seu socorro sempre que a conscincia passava por um processo de
angstia.
importante ressaltar que diferente do caso S.W., Walkiria no entrava em transe
durante suas vises e permanecia em estado de completa viglia. Tivesse sido ela
examinada por um psiquiatra ortodoxo, talvez pudesse ter recebido o diagnstico de
Personalidade Limtrofe ou Borderline, que se caracteriza, dentre outras coisas, pela
invaso de imagens onricas durante o estado de viglia, sem que o paciente se d
conta da irrealidade de suas vises. Walkiria, contudo, acusa ter plena diferenciao
entre a viso de um esprito e a viso de um vivo, mas trata a ambos como uma
realidade inquestionvel.
Na hiptese de que estas vises tenham um carter patolgico, poderiam ser
explicadas pelo fato de existir no inconsciente de Walkiria uma disposio depressiva
com ideao suicida que ela mesma confessa. Assim sendo, ainda que seu ego
mantivesse uma cota libidinal prxima do normal, e que ela fosse capaz de manter
uma funcionalidade adaptativa que lhe permitisse estudar, divertir-se e trabalhar como
qualquer outra jovem, existia em sua psique um desejo constante de morte que poderia
explicar suas vises. Como ela no detalha estas aparies e as classifica com o
mesmo teor que teriam companheiros invisveis de funo adaptativa de uma criana,
no temos elementos para excluir a possibilidade de que estes espritos tenham sido
frutos de uma compensao inconsciente sua atitude depressiva. E somente com o
desenvolvimento do caso que poderemos colocar a hiptese de fantasia neurtica em
suspenso.
Analisemos agora os fenmenos que ela chama de manifestaes fsicas. Na
introduo deste artigo explicamos que h duas hipteses para que estes fenmenos
ocorram: a capacidade telecintica e a capacidade de provocar sincronicidades. Estas
duas hipteses podem ser aplicadas ao caso, pois a telecinese se define pela
possibilidade de o sujeito produzir por sua vontade ainda que neste caso seja uma
28
O que no significa que estas vises no possam ter ocorrido, apenas que no foram relatadas.
79
29
Jung, Carl Gustav. Sincronicidade: Um Princpio de Conexes Acasuais, OC. Volume VIII, Ed. Vozes,
1971.
80
81
minutos para produzir um nico quadro complexo30. Em seu livro Walkiria confessa que
at o desenvolvimento desta habilidade no tinha qualquer conhecimento profundo
sobre artes e que desconhecia conscientemente os nomes sob o qual assinava algumas
de suas obras eram de pintores que passaram para a histria como artistas famosos.
Poderamos admitir, no entanto, que aqui e ali ela efetivamente poderia ter visto
algumas reprodues de obras dos referidos artistas sem dar a elas a devida ateno
consciente e reter apenas em sua memria inconsciente os elementos desta viso. Esta
no ateno direcionada , como explica Jung, um dos elementos necessrios para
que ocorra um caso legtimo de criptomnsia, pois a memria irromperia no futuro do
ego sob forma de produo original sem que o mesmo se lembrasse da fonte
verdadeira do conhecimento.
Contudo, a hiptese da criptomnsia tambm fica abalada pela diversidade
impressionante de estilos e temas de suas obras, pois somente se ela tivesse realizado
um curso de artes plsticas ou fosse uma pesquisadora amadora teria conseguido
armazenar em seu inconsciente pessoal uma quantidade de informaes plsticas
virtualmente inesgotvel. Estaramos, neste caso, diante de uma das maiores pintoras
do sculo XX, pois alm de produzir obras apuradssimas em tempo recorde, em
apenas trs exemplos at mesmo um leigo pode perceber um profundo domnio de
mais de uma gramtica pictrica. A hiptese de ela estar acessando e canalizando um
conhecimento pertencente faixa do Inconsciente Coletivo Transcultural poderia ser
elencada, mas ainda no explicaria a variao temtica que se sustenta ao longo do
tempo.
Em nosso trabalho psicanaltico estamos acostumados a analisar a produo artsticoteraputicos de nossos pacientes e sabemos, por experincia clnica, que ao se deixar o
inconsciente falar por smbolos pictricos, ele ir apresentar espontaneamente obras
que, ainda que sejam diferentes entre si, tero algum tipo de identidade nica
pautada pelo complexo energtico que assim se expressa. Em outras palavras: sempre
haver um tema central que se manifesta atravs de um estilo; e estes tema e estilo s
se modificam quando o contedo inconsciente totalmente assimilado pela
conscincia, abrindo espao para que o inconsciente possa ento trabalhar em outras
reas e apresentar novo material. Esta peculiaridade ocorre graas capacidade
limitada do ego para assimilar o inconsciente e, assim, o prprio inconsciente gradua a
liberao do material. Somente quando o ego rompe e desenvolve uma psicose que
o inconsciente perde este parmetro de graduao. Lembremos que pargrafos acima
aventamos a possibilidade de que Walkiria tivesse algo parecido a uma personalidade
Borderline. Isto poderia levar invaso da conscincia por vrios contedos
inconscientes simultaneamente, equivalendo, assim, a uma inundao ou
transbordamento dos limites entre conscincia e inconsciente. Mas mesmo nestes casos,
ainda encontramos um eixo de conexo entre as diferentes fantasias inconscientes, ou
30
Apenas em alguns rarssimos casos de Autistas com habilidade artstica poderemos encontrar tamanha
agilidade. Contudo, estas pessoas so todas claramente identificadas com o Transtorno Autista desde a
mais tenra infncia, o que no o caso de Walkiria.
82
seja, ainda que os contedos sejam diversificados e caticos, uma anlise profunda do
material ir encontrar um tema central ao redor do qual os outros se constelam.
No o que ocorre no trabalho de Walkiria, pois cada pintor tem um estilo que
poderia ser chamado de tema central em nossa anlise psicanaltica. Alm disto, a
personalidade Borderline se caracteriza por no conseguir impor limites ao
inconsciente, que se manifesta quando quer, na hora que quer e do jeito que quer.
Efetivamente em seu livro Walkiria confessa que perdia este controle quando o esprito
que a influenciava era o do pintor Amadeo Modigliani, mas bastou tomar conscincia
de que no poderia fazer assim, pois isto contrariava as regras do kardecismo, para
que o esprito se enquadrasse nas normas impostas por ela. Qualquer profissional
experiente sabe que este controle rgido sobre o inconsciente impossvel no caso de
uma pulso vinda diretamente do inconsciente, esteja esta pulso se manifestando
como simples neurose ou como psicose. E ainda que ela relate a angstia pela pintura
com todos os caracteres de uma obsesso inconsciente, exatamente por ter estes
caracteres clssicos que afirmamos que ela no teria condies de fazer frente ao
impulso e restringir suas pinturas a um nico perodo, nas tardes de sbado.
Estamos agora, portanto, prximos de conseguir definir o elemento diferencial entre
uma manifestao patolgica de uma manifestao medinica legtima. Resumamos,
antes disto, aonde no encontramos eles elemento: ele no encontrado no carter
teleptico, pois j provamos que a telepatia fenmeno comum ao ser humano;
tambm no o encontramos na modificao da personalidade do mdium, pois a
canalizao histrica ou neurtica do prprio inconsciente tambm levar,
obrigatoriamente, manifestao de uma outra personalidade apenas que esta
personalidade est no prprio inconsciente da pessoa; tampouco a apresentao de
um fenmeno paranormal, seja ele telecintico ou sincrnico, nos leva para muito
longe das manifestaes espontneas do inconsciente, pois pode ocorrer toda vez que
houver a necessidade de integrar na conscincia um contedo da Sombra, antagnico
ou complementar postura consciente, ou do Self; igualmente o transe, o
sonambulismo ou o semi-sonambulismo, a glossolalia, os movimentos automticos ou
as vises so encontradas em manifestaes histricas, patolgicas ou ser induzidos
por hipnose.
Isto nos leva a uma triste constatao: analisados de perto, muitas das pessoas que se
dizem mdiuns so apenas indivduos que no esto conseguindo lidar com seus
contedos intrapsquicos e que esto se valendo do fato de vivermos em uma
sociedade que absorve, sem maiores conflitos, a ocorrncia medinica para darem
livre curso a estes contedos inconscientes. E isto vlido at mesmo para aqueles que
apresentam comunicaes de carter notoriamente sbio. Lembramos que dentro do
inconsciente de todos ns existem, ao lado da Sombra e de complexos autnomos,
uma figura conhecida como Self. Este Self, como o definiu Jung, tem uma sabedoria e
um conhecimento transcendentes, adquirido ao longo de infindveis encarnaes e
experimentaes na matria. Ligado ao Inconsciente Coletivo, ele a Centelha
Csmica, a parte de ns que foi feita imagem e semelhana do Criador e, assim,
de se esperar que uma canalizao do Self apresente verdades transcendentes de
83
carter numinoso. Contudo, mesmo nestes casos possvel que uma anlise detalhada
dos contedos consiga esclarecer qual a verdadeira fonte dos mesmos: o Self
igualmente no ir liberar quaisquer contedos que no possam ainda ser assimilados
pela conscincia, ou seja, depois de um determinado tempo as comunicaes iro
estar sempre repetindo os mesmos temas, apenas que revestidos em uma nova
roupagem. Em outra linha, tambm no podemos descartar o fenmeno medinico e
classific-lo como patolgico apenas porque a pessoa adquire uma certa importncia
no meio circundante.
Nas manifestaes medinicas legtimas, pelo que vimos, o contedo das mensagens
pode at apresentar referncias personalidade do mdium, mas no se reveste desta
monotonia conceitual ou temtica. E este o elemento verdadeiramente diferencial
entre S.W. e Walkiria: a despeito de ambas apresentarem vrios sintomas comuns,
como vimos acima, a produo medinica de S.W. reveste-se de monotonia em
repeties infindveis de romances eivados de tramas e sexualidade no integrada; ao
passo que a produo de Walkiria apresenta uma variedade sempre crescente e nada
montona em sua apresentao. Conclumos, ento, que se quisermos efetivamente
auxiliar nossos pacientes a lidar com fenmenos inicialmente chamados de
mediunidade, devemos deix-los adentrar profundamente nos relatos de suas
experincias a fim de conseguirmos levantar se h ou no uma variao temtica ao
longo de semanas ou meses. Tomando o parmetro temporal do caso S.W., e dando
um crdito para que a conscincia do paciente se acomode em suas manifestaes,
podemos estabelecer que se no ocorrer uma variao temtica em um perodo de trs
a seis meses perodo este em que S.W. foi flagrada em embuste devemos conduzir
a anlise para uma integrao do contedo informando claramente ao paciente tratarse de projees do seu inconsciente e no de manifestaes espirituais.
Neste ponto alguns devem estar se perguntando qual deve ser a conduta do analista
ao concluir tratar-se de uma manifestao medinica legtima. A resposta simples e
um tanto bvia: devemos deixar que a pessoa fale de suas experincias com
naturalidade e, paralelo a isto, devemos exort-la a que procure um centro esprita
para dar curso ao que se chama desenvolvimento medinico, pois, como no caso de
Walkiria, o fato de algum possuir uma capacidade ou uma habilidade, ainda que
inata, no a exime de realizar um treinamento sistemtico da mesma. A mediunidade
no treinada faz com que o indivduo seja invadido por manifestaes extemporneas
que prejudicam sua funcionalidade e sua adaptao social tanto quanto qualquer
manifestao paranormal ou sintoma psicopatolgico.
84
85
86
viabilidade histrica. Por esta expresso estamos definindo uma coerncia psicolgica
entre as caractersticas apresentadas pelo complexo e o momento histrico que ele foi
formado. Citemos o caso de uma de nossas pacientes a fim de explicarmos isto. A
mulher, de meia-idade, possua um misto de atrao e pavor pelo engajamento em
movimentos polticos de cunho popular. Ao mesmo tempo em que sentia uma forte
presso interna para se aliar a um partido poltico social, sentia igualmente uma
espcie de fobia em expor suas opinies polticas. Em uma regresso espontnea,
como no caso de Walkiria, viu-se no corpo de um homem opositor da monarquia e
envolvido nos movimentos populares que antecederam em pouco Revoluo
Francesa e, no desenrolar da regresso, viu-se preso e torturado nas masmorras da
Bastilha exatamente por ter exposto abertamente sua posio poltica. Ele no se
reconhece como um lder, mas apenas como um partidrio que, como tantos outros,
morreram anonimamente sob tortura. Sua viabilidade histrica no est, portanto, em
poder-se conferir nos livros de histria a existncia daquela personalidade especfica,
mas em poder-se conferir que os opositores da monarquia francesa efetivamente foram
presos e mortos de roldo antes da Revoluo se consolidar. E mais: nossa paciente
viu-se como um homem do povo. Se ao invs disto ela tivesse se visto como uma jovem
dona-de-casa do povo, cercada de filhos e que fora presa por acaso, poderamos
questionar esta viabilidade histrica, pois as autoridades francesas de ento tinham
algo muito mais srio com o que se preocupar. Agregue-se a isto o fato de que a
probabilidade histrica de que uma me e dona-de-casa francesa do sculo XVIII
tivesse tempo para se engajar em movimentos polticos infinitamente mais baixa do
que a de um homem do mesmo perodo.
Como no caso de Walkiria, o complexo autnomo de nossa paciente tambm
pressionava o ego a partir de suas prprias vivncias e, igualmente, no acusava uma
atualizao evolutiva histrica, ou seja, no demonstrava ter qualquer conhecimento de
que tanto aquela vida, quanto aquela morte, j tivessem sido superadas e no
existissem mais. Disto conclumos que o complexo autnomo tem uma outra
caracterstica importante: todos os medos, conflitos, angstias, desejos e esperanas
que possua quando do desencarne ficam absolutamente intocados at que a
personalidade atual se volte para eles e os resolva. Desta forma, no caso de nossa
paciente, o desejo de se envolver em movimentos polticos era coerente com a
realidade da personalidade anterior, bem como o medo de faz-lo. E enquanto ela
no se defrontou com esta outra personalidade, ouviu seus motivos e a informou da
mudana de sua atitude consciente, que hoje se volta muito mais para o
desenvolvimento interior que para questes sociais, bem como da inadequao de
manter um trauma de um evento j superado, no caso a morte, ela no se sentiu
liberada para seguir sua vida e sua nova orientao libidinal de forma tranqila.
Para finalizar gostaramos de acrescentar que em nossos trabalhos de pesquisa e
observao de eventos medinicos no raras vezes identificamos a manifestao de
um complexo autnomo na figura do que os espritas chamam de obsessores. Um
obsessor se define por possuir uma postura antagnica conscincia, mas deve ser
diferenciado de um complexo inconsciente por um elemento bastante simples: moda
87
88