Quando É Arte, de Nelson Goodman
Quando É Arte, de Nelson Goodman
Quando É Arte, de Nelson Goodman
Nelson Goodman
1.
O Puro na Arte
Traduo: Daniela Kern. Referncia do original: GOODMAN, Nelson. When is art? In: _____.
Ways of worldmaking. Indianapolis, Indiana: Hackett Publishing Company, 1984. p. 57-70.
1
Settling the Colonels Hash, Harpers Magazine, 1954; reimpresso em On the contrary (Farrar,
Straus and Cudahy, 1961), p. 225.
extraterreno do que a classificao das obras como simblicas com base no fato de terem
smbolos como assunto isto , com base em sua descrio ao invs de no fato de serem
smbolos. Isso deixa como arte no simblica no apenas obras que nada descrevem mas tambm
retratos, naturezas-mortas, e paisagens nas quais os temas so apresentados de maneira direta
sem aluses arcanas e que no se sustentam eles mesmos como smbolos.
Por outro lado, quando escolhemos obras para a classificao como no simblicas,
como arte sem smbolos, restringimo-nos a obras sem assunto; por exemplo, a pinturas,
construes ou composies musicais puramente abstratas ou decorativas ou formais. Obras que
representem algo, no importa o que e no importa o quo prosaicamente, esto excludas; pois
representar certamente referir, figurar, simbolizar. Cada obra representacional um smbolo; e
arte sem smbolos restrita a arte sem assunto.
Que obras representacionais sejam simblicas de acordo com um uso e no
simblicas de acordo com outro importa pouco medida em que no confundamos os dois usos. O
que importa muito, contudo, de acordo com vrios artistas e crticos contemporneos, isolar a
obra de arte como tal de qualquer coisa que simbolize ou faa referncia de qualquer maneira.
Deixe-me colocar entre aspas, uma vez que estou oferecendo isso para considerao sem
expressar agora nenhuma opinio a respeito, uma afirmao compsita de um programa ou
poltica ou ponto de vista correntemente muito defendido:
2. Um dilema
Isso significa que qualquer obra que no representa nada atende as demandas puristas?
De modo algum. Em primeiro lugar, algumas obras certamente simblicas como as pinturas de
Bosch de monstros bizarros, ou a tapearia de um unicrnio, nada representam; pois no h tais
monstros ou demnios ou unicrnios em lugar algum a no ser em tais pinturas ou em descries
verbais. Dizer que a tapearia representa um unicrnio equivale apenas a dizer que ela a
pintura de um unicrnio, no que exista qualquer animal, ou absolutamente qualquer coisa que ela
represente. Essas obras, ainda que no haja nada que representem, dificilmente satisfazem os
puristas. Talvez, ento, esse seja apenas outro sofisma de filsofos; e no quero insistir nisso.
Vamos concordar que tais pinturas, ainda que no representem nada, so de carter
representacional, logo, simblicas, e assim no puras. Do mesmo modo, devemos perceber a
propsito que o seu ser representacional no envolve representao de nada fora delas mesmas,
assim a objeo purista a elas no pode ser nesse terreno. Seu caso ser modificado de uma
forma ou outra, com algum sacrifcio de simplicidade e fora.
Acredito que h uma resposta para esta questo: mas para atingi-la, teremos que
abandonar todo essa sonante conversa sobre arte e filosofia, e voltar terra de um golpe s.
3. Amostras
amostra de tecido uma amostra de tamanho e forma; uma espcie de minrio pode ser uma
amostra do que foi coletado em um dado tempo e espao. Alm disso, as propriedades
amostradas variam amplamente com o contexto e a circunstncia. Ainda que a amostra seja
normalmente uma amostra de sua textura, etc., mas no de sua forma ou tamanho, se eu a mostro
a voc em resposta pergunta o que uma amostra de estofador? isso ento funciona no como
uma amostra do material, mas como uma amostra de uma amostra de estofador, assim sua forma
e tamanho esto agora entre as propriedades das quais amostra.
assume funes simblicas como amostra de pedras de um dado perodo, origem, ou composio,
mas no est ento funcionando como uma obra de arte.
A questo de quais caractersticas distinguem ou so caractersticas da simbolizao
que constitui o funcionamento como uma obra de arte pede estudo cuidadoso luz de uma teoria
geral dos smbolos. Isso mais do que posso fazer aqui, mas eu arrisco o pensamento hipottico
de que h cinco sintomas do esttico: (1) densidade sinttica, onde as mais sutis diferenas em
certos aspectos constituem uma diferena entre smbolos por exemplo, um termmetro de
mercrio no graduado quando contrastado com um instrumento de leitura eletrnico digital; (2)
densidade semntica, onde os smbolos so atribudos a coisas distintas pelas mais sutis
diferenas em certos aspectos por exemplo, no apenas o termmetro no graduado de novo
mas tambm o ingls comum, ainda que ele no seja sintaticamente denso; (3) completude
relativa, onde comparativamente muitos aspectos de um smbolo so significantes por exemplo,
um desenho de uma montanha a partir de uma nica linha de Hokusai onde cada aspecto da
forma, linha, espessura, etc. conta, em contraste talvez com a mesma linha como um mapa das
mdias dirias da Bolsa de Valores, onde tudo o que interessa a elevao da linha acima da
base; (4) exemplificao, onde um smbolo, quer o denote ou no, simboliza por servir como
amostra de propriedades que literal ou metaforicamente possui; e finalmente (5) mltipla e
complexa referncia, onde um smbolo desempenha muitas funes referenciais integradas e
interativas, algumas diretas e outras mediadas por meio de outros smbolos.
Esses sintomas no fornecem definio, muito menos uma vigorosa descrio ou uma
celebrao. Presena ou ausncia de um ou mais deles no qualifica ou desqualifica nada como
esttico; nem a extenso em que esses aspectos so apresentados mede a extenso em que um
objeto ou experincia esttico. Sintomas, afinal de contas, nada mais so do que chaves; o
paciente pode ter os sintomas sem a doena, ou a doena sem os sintomas. E mesmo para que
esses
cinco
sintomas
cheguem
algo
perto
de
serem
disjuntivamente
necessrios
conjuntivamente (como uma sndrome) suficientes bem pode ser preciso apelar para alguma
redefinio das vagas e andarilhas fronteiras da esttica. Note-se ainda que essas propriedades
tendem a focalizar a ateno no smbolo mais do que, ou ao menos junto com, o que ele refere.
Onde no podemos determinar nunca precisamente que smbolo de um sistema temos ou se
temos o mesmo em uma segunda ocasio, onde o referente to elusivo que adequar
propriamente um smbolo a ele requer infinito cuidado, onde antes mais do que menos aspectos do
smbolo contam, onde o smbolo uma instncia de propriedades que ele simboliza e pode
desempenhar muitas funes referenciais simples e complexas inter-relacionadas, no podemos
meramente olhar atravs do smbolo para ver ao que ele se refere como fazemos ao obedecer as
luzes do trnsito ou ao ler textos cientficos, mas devemos nos ater constantemente ao smbolo em
si mesmo, como ao vermos pinturas ou lermos poesias. Essa nfase na no-transparncia da obra
de arte, na primazia da obra sobre aquilo a que ela se refere, longe de envolver negao ou
desconsiderao pelas funes simblicas, deriva de certas caractersticas de uma obra como um
smbolo.
Longe de especificar as caractersticas particulares que diferenciam a esttica de
outra simbolizao, a resposta questo Quando arte? me parece assim claramente encontrarse em termos de funo simblica. Talvez dizer que um objeto arte quando e apenas quando
funciona como tal seja exagerar o caso ou falar elipticamente. A pintura de Rembrandt permanece
uma obra de arte, bem como permanece uma pintura, enquanto funciona apenas como um
cobertor; e a pedra da rua pode no se tornar estritamente arte por funcionar como arte.
Similarmente, uma cadeira permanece uma cadeira mesmo se nunca usada como assento, e um
caixote de embalagem permanece um caixote de embalagem mesmo se usado apenas para
sentar. Dizer o que a arte faz no dizer o que a arte ; mas eu argumento que o primeiro a
matria de preocupao primria e peculiar. A questo posterior de definir a propriedade estvel
em termos de funo efmera - o que em termos do quando no se confina s artes mas
deveras geral, e a mesma para definir tanto cadeiras como para definir objetos de arte. A parada
de respostas instantneas e inadequadas tambm a mesma: que um objeto seja arte ou uma
cadeira depende da inteno ou de quando ele s vezes ou usualmente ou sempre ou
exclusivamente funciona como tal. Porque tudo isso tende a obscurecer questes mais especiais e
significativas relativas arte, dirigi minha ateno do que arte para o que a arte faz.
Uma caracterstica destacada da simbolizao, insisti, que ela pode ir e vir. Um
objeto pode simbolizar coisas diferentes em pocas diferentes, e nada em outras pocas. Um
objeto inerte ou puramente utilitrio pode vir a funcionar como arte, e uma obra de arte pode vir a
funcionar como um objeto inerte ou puramente utilitrio. Talvez, mais do que ter a arte vida longa e
curta, ambas sejam transitrias [...].