E-Book II Ensino de Línguas Materna e Estrangeira
E-Book II Ensino de Línguas Materna e Estrangeira
E-Book II Ensino de Línguas Materna e Estrangeira
E-book
ISBN: 978-85-8112-126-0
CDD 410
Agradecimentos
Ao Grupo de pesquisa em Lingustica e Literatura GPELL da
UERN pela II edio do nosso ebook, bem como aos professores,
alunos e apoiadores que colaboraram para este volume, por
compreenderem a necessidade de pesquisar e divulgar aes que
favorecem o ensino de lnguas, seja ela materna ou estrangeira.
"Diga-me e eu esquecerei.
Ensina-me e eu me lembro.
Envolva-me e eu aprendo."
(Benjamin Franklin )
SUMRIO
APRESENTAO .................................................................................................................. 7
TRATAMENTO
APRESENTAO
O Grupo de Pesquisa em Lingustica e Literatura (GPELL) da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte (UERN), sobre a liderana do professor Dr. Jos Roberto
Alves Barbosa, compreende trs linhas de concentrao: 1- Discurso, enunciao e
argumentao; 2- Ensino de lnguas e 3- Literatura e sociedade. Visando socializar as
pesquisas desenvolvidas pelos membros que as compem, em 2014 foi lanado o primeiro
ebook, Literatura e sociedade: contemporaneidades, com vistas s investigaes da terceira
linha. Este ano, 2015, juntamente com outros colaboradores, daremos continuidade ao projeto
de publicao lanando o II ebook para atender aos trabalhos desenvolvidos pela linha 2 e ter
como ttulo: Ensino de lnguas materna e estrangeira: um espao para o debate. Como
nesta linha se abrange as trs habilitaes (portugus, ingls e espanhol) do curso de Letras da
nossa universidade, decidimos por um ttulo que abarcasse as trs lnguas. Nesta edio,
tambm contaremos com o apoio da professora Isadora Gregolin (UFSCAR), que nos ajudou
na organizao e do Professor Josenildo Barbosa Freire (UFPB) que contribuiu com um artigo.
No total, teremos onze artigos que trataro de apresentar perspectivas para o ensino
de lngua materna e estrangeira. Por esta razo o ebook estar dividido em duas partes: Sobre
lngua materna e Sobre lngua estrangeira. A primeira parte comea com o artigo de Maciel e
outros, intitulado Anlise de Narrativas Escolares: Uma Nova Proposta que descreve e
analisa as relaes dialgicas contidas em textos narrativos de alunos do Ensino Fundamental
e do Ensino Mdio. A teoria que norteia este estudo a concepo bakhtiniana de linguagem
segundo a qual todo e qualquer enunciado estabelece uma relao dialgica com os
enunciados que o precederam e os que o sucedero. Os autores utilizam um corpus de 117
redaes escolares, sendo 52 do Ensino Fundamental ministrado em uma escola da rede
municipal e 65 do Ensino Mdio de uma escola da rede estadual.
O trabalho de Silva, Garcia e Silva, A interao lingustica nas prticas de leitura
e produo de textos, a partir da abordagem da linguagem com lugar de interao, apresenta
como as prticas de leitura e produo textual se processam no ensino-aprendizagem da
lngua. Para isto, os autores tecem algumas consideraes gerais sobre a linguagem no
contexto do ensino, bem como sobre o modelo scio-histrico de M. Bakhtin sobre a
interao na linguagem.
discursivo e as prticas de leitura e produo de textos que levam em conta a interao verbal.
Tal trabalho nos leva a refletir que as prticas de leitura e de produo de textos deveriam ser
constantes na vida do aluno.
vistas a sua utilizao no contexto da sala de aula de lngua. Primeiramente, o autor apresenta
os fundamentos tericos da Anlise de Discurso Crtica (ADC) e da Gramtica do Design
Visual (GDV). Em seguida, discute o papel da mdia, no contexto da modernidade tardia e
analisa, de forma clara, duas propagandas de aparelhos celulares, tanto em lngua portuguesa
quanto inglesa. Para o autor, a relevncia desse tipo de anlise, em contextos escolares,
contribui para o letramento crtico de jovens da escola pblica e possibilita o empoderamento
desses aprendizes.
O texto Anlise de erros: estudo das adaptaes lxicas produzidas por alunos
brasileiros em textos escritos de Silva Junior e Luque apresenta resultados de pesquisa
sobre erros presentes em textos escritos em lngua espanhola por universitrios brasileiros.
So descritas e analisadas algumas das adaptaes lxicas que os alunos empregam como
estratgias para a comunicao na lngua estrangeira, que permitem ao leitor uma melhor
compreenso sobre a relao entre a lngua materna e a lngua estrangeira e sobre o prprio
conceito de interlngua (GARGALLO, 1993). Dessa forma, o artigo contribui com resultados
tanto para o campo terico da Lingstica Contrastiva quanto para os propsitos de sala de
aula, pois os dados apresentados auxiliam professores na elaborao de materiais e atividades
em lngua espanhola para alunos brasileiros.
A pesquisa Anlise das dificuldades ortogrficas de brasileiros estudantes de
Espanhol como lngua estrangeira, de Farias, tem como objetivo principal determinar que
erros grficos so mais comuns na interlngua de brasileiros estudantes de espanhol em
diferentes nveis de aprendizagem, quais destes erros se fossilizam e qual a influncia da
lngua materna do aprendiz na aquisio destes elementos lingusticos. Fundamentada na
Lingustica Contrastiva (LC), a autora, inicialmente, expe caractersticas de trs modelos de
anlise lingustica: a Anlise de Erros (AE), A Anlise Contrastiva (AC) e a Teoria da
Interlngua (IL). Este trabalho apresenta uma pesquisa descritiva de natureza quantitativa
relacionada aos erros grficos fossilizados na produo escrita dos sujeitos/informantes que
foram acompanhados em diferentes estgios de aprendizagem. A partir dos dados coletados,
Farias constata que os alunos seguem transferindo muitas estruturas de sua lngua materna
lngua estrangeira que aprende, provocando assim, o que podemos chamar de fossilizaes.
Com este trabalho, a autora pretende ajudar os professores de espanhol a elaborarem
atividades especficas para estudantes brasileiros, como tambm refletir quanto ao
aparecimento do erro no processo de ensino e aprendizagem de lnguas estrangeiras.
O artigo Crenas dos professores de espanhol sobre o papel do texto literrio para
o ensino e aprendizagem da lngua de Silva, Costa e Cabral de Paiva traa um panorama
9
histrico sobre a noo terica de crenas e apresenta resultados de pesquisa que focaliza as
crenas de professores de lngua espanhola sobre o papel do texto literrio em suas prticas
pedaggicas. A discusso proposta pelas autoras leva o leitor a uma melhor compreenso
sobre a relao entre as crenas e o fazer pedaggico de professores de lngua espanhola do
interior do Rio Grande do Norte.
Chaves, Vieira e Farias propem no artigo O gnero literrio como recurso
didtico no ensino de lngua espanhola, a partir de Fillola (2002), uma nova reorientao na
abordagem do gnero literrio em aulas de lngua espanhola para alunos do ensino mdio. Ao
apresentarem atividades desenvolvidas no mbito do PIBID em escolas pblicas do interior
do Rio Grande do Norte, os autores discutem novas possibilidades metodolgicas para o
trabalho com a leitura, com a preocupao de levar os alunos construo de sentidos na
lngua estrangeira. Dessa forma, o texto oferece importante contribuio para professores e
pesquisadores interessados em novas metodologias e didticas de lnguas.
Nosso ebook encerra com o artigo Anlisis del proceso de enseanza de e/le en
brasil: los manuales didcticos fruto da dissertao de nossa ex-aluna Silva. O trabalho
completo aplicou-se ao estudo sobre os documentos oficiais dedicados educao bsica no
Brasil, especialmente os dirigidos ao ensino de lnguas estrangeiras, bem como ao Programa
Nacional do Livro Didtico (PNLDEM). A partir disso, fez-se uma apresentao de dois
manuais tomando como base o Guia de livros didticos do PNDL o outro sofrer uma anlise
mais profunda e qualitativa; tambm se far avaliaes das provas do ENEM e da prtica dos
professores de lngua espanhola. Neste e-book, especificamente, apresenta-se um recorte e
uma releitura, sob orientao de Cabral de Paiva, de uma dessas anlises: apreciao de
manuais didticos a partir do PNLDEM e dos documentos oficiais.
Para finalizar esta apresentao, queremos agradecer a todos os docentes e
pesquisadores que colaboraram com este volume, trazendo-nos importantes reflexes e
experincias acerca do processo de ensino-aprendizagem de lnguas (materna e estrangeira),
no contexto escolar/acadmico. Tais experincias podem ser difundidas e compartilhadas com
todos os protagonistas da educao, professores, diretores, pais, alunos etc, sempre fazendo
do nosso territrio, espao de debates que tenham poder de transformar realidades para
melhor.
Os Organizadores
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12
Introduo
Emprega-se a expresso Crculo de Bakhtin, por ser a mais corrente no contexto brasileiro. Lembra-se,
contudo, que certos pesquisadores discordam dessa denominao em que se destaca a figura de Bakhtin.
Vauthier (2007), por exemplo, prefere a denominao Cercle Bakhtine, Medvedev, Volochinov, abreviada
como Cercle B.M.V., ao entender que, assim, os demais membros do grupo so tambm contemplados.
2
Atesta a projeo de Bakhtin no Brasil o fato de sua teoria figurar at mesmo em documentos oficiais como os
Parmetros Curriculares Nacionais de Lngua Portuguesa (Ver a respeito, GOMES-SANTOS, 2004).
3
Ao utilizar o adjetivo bakhtiniano e suas variaes, refere-se de modo amplo s discusses do Crculo de
Bakhtin.
4
A autoria da obra Marxismo e filosofia da linguagem (1929) objeto de discusso. Mantm-se a dupla entrada
Volochnov/Bakhtin pois por ora no h respaldo suficiente para se decidir a respeito da controversa autoria
desse e de outros ttulos dos integrantes do Crculo de Bakhtin (A respeito, ver GRILLO, 2012).
13
das complexas relaes dialgicas, ainda pouco ou no estudadas, para a composio dos
textos narrativos.
Embora o termo dialogismo seja mais popular e figure mais frequentemente nos estudos que se apropriam
das discusses bakhtinianas, fato que a expresso relaes dialgicas aparece com mais frequncia nas obras
14
15
Assim, mais do que simplesmente atestar que h vozes de personagens, narrador (e talvez
autor) envolvidas na narrativa, busca-se vislumbrar como textualmente se efetivam as
interaes entre os partcipes da narrativa no que se refere s relaes dialgicas, sejam estas
internas, quando personagens ou narrador retomam vozes de outras personagens, sejam
quando se estabelecem relaes com enunciados exteriores.
A escolha por redaes com predomnio da tipologia textual narrativa 9 se d porque
nesses dados, comumente, as relaes dialgicas so demarcadas de maneira bastante clara e
perceptvel, na medida em que se apresentam nos dilogos entre as personagens, nas relaes
entre as vozes de personagens e narrador, nos vnculos entre os textos escolares analisados e
obras externas s redaes. Alm disso, as narrativas tambm so interessante material para
observao de como relaes dialgicas podem ser concretizadas em termos dos tipos de
discurso (direto, indireto, indireto livre) e dos recursos (aspas, sublinhado) que os alunos, os
autores, tm disposio para marcar os elos entre as vozes que tecem as narrativas10.
anlise desses aspectos dialgicos constitutivos das narrativas que se dedica a
seguir.
Seguindo a proposta de Marcuschi (2002), entende-se que em um texto pode haver vrias sequncias textuais
(descritivas, narrativas, injuntivas, etc.) com predomnio de alguma(s). No caso das redaes a serem analisadas,
acredita-se que a sequncia narrativa predominante.
10
A partir da perspectiva bakhtiniana, entende-se que qualquer enunciado pode ser objeto de anlise das relaes
dialgicas, constitutivas de toda a linguagem, de qualquer enunciado. Nos gneros narrativos esperado que as
16
personagens dos contos originais. Esses textos foram elaborados durante o 3 bimestre letivo
de 2012 e deram origem a um pequeno livro intitulado Era uma vez..., confeccionado a
partir da proposta da professora Kelli Karina Fernandes Freire11, que vinha desenvolvendo um
Projeto de Leitura 12 . J as redaes dos alunos do ensino mdio tiveram por base uma
proposta do professor, que solicitou aos alunos um texto narrativo, relatando fatos ou
experincias pessoais ou ainda recontando a histria de algum filme ou texto conhecido.
Inicialmente ser examinada uma da narrativa do ensino fundamental, escolhida entre
as redaes produzidas pelos alunos do 6 ano, as quais tiveram por base a seguinte proposta
do livro didtico (CEREJA; MAGALHES, 2009, p. 42-43):
Produo de texto
O CONTO MARAVILHOSO
Os contos que voc produzir a seguir sero publicados num livro de contos que far parte da
mostra Histrias de hoje e sempre, proposta no captulo Intervalo, e ser lido por colegas de
sua classe e de outras, por seus pais e demais convidados para o evento.
1. Escreva um conto maravilhoso, de acordo com as orientaes dadas a seguir.
a) Em cada lista de palavras abaixo, todas, com exceo de uma, sugerem uma histria
conhecida. Tal palavra representa um novo elemento, que quebra, de propsito, a sequncia.
Veja:
relaes dialgicas sejam ainda mais evidentes, pois alm dos elos entre o texto e enunciados alheios, tm-se no
interior do prprio texto encenaes do dialogismo nos dilogos entre as personagens.
11
A professora aceitou sua identificao neste texto.
12
Esse trabalho realizado anualmente pela professora com a colaborao da direo escolar. O projeto sintetiza
uma srie de atividades, entre as quais: palestras com cordelistas, jornais da escola produzidos pelos alunos e,
enfim, a confeco do livro de contos.
17
c) Planeje como vai escrever seu conto maravilhoso: inicie-o pela expresso Era uma vez ou
outra que conduza a um tempo passado e impreciso. O narrador deve ser do tipo observador.
Lembre-se de dizer como so o heri, o vilo e o lugar em que ocorrem os fatos. Empregue a
lngua padro. Ao terminar, d um ttulo sugestivo ao seu conto.
d) Faa um rascunho e s passe seu conto maravilhoso a limpo depois de fazer uma reviso
cuidadosa, seguindo as orientaes do boxe. Avalie seu conto maravilhoso (p. 22) Refaa o
texto quantas vezes forem necessrias.
2. Crie livremente um conto maravilhoso, com personagens de sua preferncia. Siga as
orientaes constantes nos itens c e d.
A proposta do livro didtico solicita que o aluno reinvente uma histria, incluindo
nos acontecimentos elementos novos (CEREJA; MAGALHES, 2009, p. 43). Entre as
sugestes presentes esto, entre outros, a incluso do elemento chul na histria da
Cinderela, de um helicptero na narrativa de Chapeuzinho Vermelho, de um pernil
assado no conto Joo e Maria.
Alm da proposta, a professora rememorava oralmente com os alunos alguns contos
de fadas e lia outras histrias presentes no prprio livro didtico. Assim, mediados pela
proposta do livro didtico, os alunos foram conduzidos a confeccionar textos que recontassem,
com modificaes, famosos contos infantis.
a partir dessa proposta que confeccionada a redao transcrita a seguir:
Joo e Maria no seu castelo13
Era uma vez Joo, um menino bom que ajudava todos que precisavam e que tinha uma
irm m e rancorosa. Esta no gostava dos necessitados e tinha poderes do mal. Quando o
irmo ajudava os necessitados ela lanava um feitio para prejudic-los.
Um dia, no castelo, o seu irmo Joo disse:
Maria, deixe de ser m, voc no pode maltratar os outros. Um dia voc passou por
isso. Ela olhou bem srio para ele e disse:
Voc disse bem, j passei e no sou mais!
Agora moro no castelo e descobri que tenho poderes. Na hora que quiser posso me
tornar mais poderosa.
Poderes para o mal! Voc vai se arrepender de tudo que est fazendo, sua malvada!
Quando ele disse isso, Maria ficou com medo de algo acontecer.
Quando chegou a noite ela se deitou e viu uma luz bem perto e perguntou quem era.
Era, na verdade, uma bruxa do bem e disse que se ela no passasse a gostar do povo iria
perder seus poderes.
Maria disse:
Eu prometo que trato bem os necessitados e disse:
Esto todos convidados para o jantar e ser pernil assado!
13
O nome do aluno autor do texto omitido para preservar sua identidade. Mantm-se a grafia original da
redao, previamente corrigida pela professora.
18
H diferentes verses do conto. Em algumas delas, os pais abandonam as crianas na floresta por no terem
condies de as sustentarem. Em outras, as crianas no se perdem, mas se afastam dos pais, pois Joo e Maria
esto convencidos de que os pais planejam deix-los morrer de fome (BETTELHEIM, p. 172, 1976).
19
Essa pequena subverso que o aluno faz da proposta no parece vir exclusivamente
de sua individualidade como escrevente (ou de sua criatividade como escritor), mas do
dilogo que mantm com a proposta no se limitando apenas lista de palavras propriamente
referente ao conto Joo e Maria. Logo acima dessa lista, esto os termos a serem
empregados pelo aluno que escolhesse recontar a histria da Bela Adormecida:
Bela Adormecida prncipe encantado conjunto de rock bruxa boa (CEREJA;
MAGALHES, 2009, p. 43).
Aparece nessa lista a expresso bruxa boa, levando hiptese de que o discente se
apropria dessa ideia pertencente a outra lista , adaptando-a sob a forma da bruxa do
bem, conforme aparece em seu texto. Assim, na redao se apreende um enunciado anterior
alheio, mas seu emprego j est sob nova diretriz.
Como observa Bakhtin ([1952-1953], p. 294): Nosso discurso, isto , todos os
nossos enunciados [...] pleno de palavras dos outros, de um grau vrio de alteridade ou de
assimilabilidade, de um grau vrio de apercebilidade e de relevncia. Por isso se conjectura
que a referncia bruxa do bem ecoa, de algum modo, a expresso bruxa boa da proposta
do exerccio, atravs de uma assimilao prxima, mas no coincidente. No repete a palavra
do outro, mas a substitui por uma similar. A apercebilidade, nesse caso, pode ser menor
do que a evidenciada em uma repetio, mesmo assim a expresso bruxa do bem expe um
dilogo entre a redao e a proposta e seus termos.
Outro dilogo do aluno com a instruo do exerccio do livro didtico a aluso aos
poderes do mal de Maria. Isso possivelmente provenha do item b da proposta que
sugeria: Se quiser, d ao heri (ou ao vilo) poderes mgicos, frente a que o aluno escolhe
dar vil15 poderes mgicos.
Esses feitios so classificados como poderes para o mal, at que com o desenrolar
da narrativa mude-se essa qualificao, pois Maria prometer que seus poderes sero para o
bem. De todo modo, no aparece no texto do aluno a expresso poderes mgicos.
Conforme j comentado, mesmo que no haja uma repetio ipsis litteris, possvel falar em
dilogo do texto com a proposta do livro didtico. O aluno acata as instrues presentes no
15
Interessante notar que o autor se dirige hiptese menos privilegiada, aquela colocada entre parnteses. Como
bem nota Barros (2003, p. 78), o mais comum considerar as intercalaes como o que figura entre parnteses
como situadas na face negativa de dicotomias como essencial/acessrio, relevante/irrelevante,
central/descentrado. Se o mais relevante, conforme sugerido pelo livro didtico, seria eleger o heri para
destinar os poderes mgicos, contrariamente o aluno opta pelo descentrado, colocado na intercalao.
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16
Embora Bakhtin no fale em relao de afirmao-negao, essa parece uma relao possvel, dentre
aquelas em aberto pelo etc. Das alternativas listadas por Bakhtin, a mais prxima daquela observada na
redao seria a de afirmao-objeo, que ainda assim no contemplar exatamente a relao entre os
enunciados, pois a irm, mais do que objetar contra o irmo, nega seu enunciado.
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Em Problemas da potica de Dostoivski, Bakhtin discute o uso das aspas em Dostoivski em vrias
passagens (como, por exemplo, nas pginas 239, 252, 253 da edio consultada).
21
22
A enunciao de outrem pode ser apreendida como uma tomada de posio com
contedo semntico preciso por parte do falante, e nesse caso, atravs da construo indireta,
transpe-se de maneira analtica sua composio objetiva exata (o que disse o falante).
Outro aspecto dialgico a ser notado a relao da redao com o gnero conto de
fadas, pois o texto do aluno, por exemplo, se inicia pelo clssico Era uma vez e se encerra
com foram felizes para sempre. Uma relao que, inclusive, atesta a observao de Bakhtin
(1929/1963, p.121, grifo do autor):
Por sua natureza mesma, o gnero literrio reflete as tendncias mais estveis,
perenes da evoluo da literatura. O gnero sempre conserva os elementos imorredouros da
archaica. [...] O gnero vive do presente mas sempre recorda seu passado, o seu comeo.
Para realizar a recontagem o aluno se apoia naquilo que julga caracterstico do
gnero. Mesmo que indiretamente, o texto do aluno rememora a archaica do gnero e
atualiza essa tradio.
A propsito, Gomes-Santos (1999, p. 76) observa:
Seja como captao ou como subverso, preciso reiterar que o carter de
imitao do gesto de recontar constitui-se como circulao imaginria de escreventesalunos pelo que supem ser, por exemplo, o gnero em que enunciam.
Ou seja, uma caracterstica bsica do gesto de recontar (GOMES-SANTOS, 1999)
a relao do escrevente que se baseia em um gnero (captao), mas tambm pode
modific-lo (subverso). Isso mostra a relativa estabilidade do gnero (BAKHTIN, [19521953]), cuja flexibilidade permite alteraes, embora se mantendo as caractersticas bsicas
que o definem. H, assim, uma relao dialgica entre a redao e a tradicional histria de
Joo e Maria no apenas em termos de contedo temtico, mas tambm no mbito dos
aspectos composicionais que singularizam o gnero conto de fadas.
Ao retomar dialogicamente o conto Joo e Maria, o aluno no apenas parafraseia,
de certo modo, a histria, mas apreende as bases do gnero discursivo que procura imitar
em sua recontagem. Nesse sentido, so mantidos personagens Joo e Maria e o carter do
gnero discursivo conto de fadas com, por exemplo, o tradicional incio do Era uma vez e o
esperado final foram felizes para sempre. H, alm disso, como comumente nos contos de
fadas, a presena de elementos mgicos, de poderes sobrenaturais.
Nessa narrativa, portanto, notam-se vnculos dialgicos internos e externos. Entre os
primeiros esto aqueles circunscritos aos dilogos das personagens ou retomada da voz de
uma personagem por outra ou pelo narrador. Ao lado dos elos interiores narrativa,
observam-se relaes dialgicas da redao com enunciados exteriores, pois o aluno atende
23
Um momento divino
Era o fim de uma tarde insolarada, em um ambiente praiano, quando me dei conta
que nunca tinha visto o pr do sol.
Eu e meus amigos estavamos passando alguns dias de frias na praia de Ulpanema.
Era a primeira vez que eu participava de uma viagem desse tipo. Ela havia sido muito
divertida (apesar das noites mal dormidas, por causa dos meus colegas que insistiam em
atrapalhar o sonho alheio), e eu queria aproveitar ao mximo o ltimo dia. Ento depois de
aproveitar bem a tarde na praia com os meus amigos, eu notei que a tarde estava acabando, e
o mundo a minha volta ia ficando mais escuro.
Foi quando a minha ficha caiu, eu nunca havia parado para olhar o pr-do-sol. Era
estranho pois eu j tinha dezessete anos de idade e nunca havia visto o pr-do-sol, durante
minha vida mais de seis mil vezes o sol havia se posto, e eu nunca tinha parado para ver
aquela enorme estrela desaparecer no horizonte.
Ento eu simplesmente me sentei e olhei para o sol, aproveitando que naquele
momento seus raios no feririam meus olhos.
Meus amigos queriam voltar logo para a casa que tinhamos alugado, ento eles
gritavam em onissono Vamos embora, bem alto para que o chamado alcanasse meus
ouvidos distantes. Mas eu os ignorei, no me virava para respond-los. Eu no ousaria desviar
meu olhar do astro rei, no exato momento em que sua beleza era acessivel a olho nu.
Enquanto eu olhava para aquele lindo e dourado pr-do-sol, me veio uma lembrana
na mente. Eu havia lido que os gregos antigos acreditavam que o sol era uma carruagem
dourada guiada pelo deus Apolo. A crena diz que essa carruagem era to linda, brilhante que
s poderia ser contemplada pelos deuses e o mortal que se atrevesse a olhar para a carruagem,
receberia como punio a maldio da cegueira.
Ento depois do ltimo vestgio do sol desaparecer no horizonte, eu me levantei e
acompanhei meus amigos. Foi ai que eu me dei conta que o que eu havia presenciado tinha
sido algo lindo, tinha sido algo divino.
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Fato que o aluno, de uma forma ou de outra, esteve em contato com um desses
mitos e o trouxe para sua redao, dialogando, assim, com uma fonte externa ao texto.
Reproduz-se trecho da redao em que citado o mito de Apolo, deus do Sol:
Enquanto eu olhava para aquele lindo e dourado pr-do-sol, me veio uma
lembrana na mente. Eu havia lido que os gregos antigos acreditavam que o
sol era uma carruagem dourada guiada pelo deus Apolo. A crena diz que
essa carruagem era to linda, brilhante que s poderia ser contemplada pelos
deuses e o mortal que se atrevesse a olhar para a carruagem, receberia como
punio a maldio da cegueira.
Segundo a personagem, o contato com mito teria se dado por meio da leitura: Eu
havia lido que os gregos antigos acreditavam que o sol era uma carruagem dourada guiada
pelo deus Apolo. Embora no seja mencionada qualquer fonte de leitura, observa-se, por
exemplo, nO livro de ouro da mitologia (BULFINCH, 2006), meno ao pedido de Faetonte,
solicitando do deus Apolo que prove ser seu pai. Como garantia do parentesco, Apolo
promete realizar qualquer desejo do filho, mas se arrepende, pois Faetonte almeja guiar o
carro do Sol, tarefa impossvel para um mortal.
Notam-se, assim, aspectos aludidos pelo narrador-personagem, como a suposta
crena grega na existncia do Sol ser uma carruagem guiada por Apolo, a qual era impossvel
ser contemplada diretamente por um homem. o que se nota nesta passagem do mito: O
filho de Climene20 subiu a escadaria de acesso e entrou no palcio de seu pai. Aproximou-se,
mas parou a distncia, pois a luz [do Sol] era mais forte do que podia suportar (BULFINCH,
2006, p. 50). A seu modo, portanto, a personagem da redao dialoga com esse mito, segundo
o qual o mortal que olhasse para a carruagem de fogo, o Sol, ficaria cego.
Na relao entre a redao e o mito pode se ver um elo dialgico. Segundo Bakhtin
([1952-1953], p. 271):
Toda compreenso da fala viva, do enunciado vivo de natureza ativamente
responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso); toda
compreenso prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera
obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante. A compreenso passiva do
discurso ouvido apenas um momento abstrato da compreenso ativamente
responsiva real e plena, que se atualiza na subsequente resposta em voz real
alta.
Ainda segundo Bakhtin ([1952-1953], p. 272), tudo o que aqui dissemos refere-se
igualmente, mutatis mutandis, ao discurso escrito e ao lido. Assim, a aluso da personagem
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ao mito pode ser entendida como a compreenso responsiva do aluno a respeito de mito,
previamente conhecido. Em outras palavras: ao ler ou escutar algo acerca desse mito, o
discente possivelmente se posicionou inicialmente de forma silenciosa, j que no se exigiu
dele qualquer resposta imediata. Porm, como toda compreenso prenhe de resposta, por
meio da redao, o aluno teve a oportunidade de se tornar escritor e responder ativamente,
valendo-se de seu conhecimento prvio, dialogando explicitamente com o mito. A esse
processo Bakhtin ([1952-1953], p. 272) chamou de efeito retardado: cedo ou tarde, o que foi
ouvido e ativamente entendido responde nos discursos subsequentes ou no comportamento do
ouvinte. Por essa via, um discurso exterior ao texto, o discurso acerca do mito, trazido para
a narrativa.
Para Bakhtin fundamental compreender como o discurso do outro retomado, o
que implica conhecer o valor dado pelo enunciador a esse discurso. Ao citar o discurso alheio,
pode-se manter distante para melhor demarcar as fronteiras entre o discurso prprio e o de
outrem ou permitir que os mesmos se confundam.
Na redao analisada predomina a primeira atitude: aquela que delimita nitidamente
as fronteiras entre o discurso do outro e o discurso do narrador ou autor. Segundo
Bakhtin/Volochnov (1929) trata-se do estilo linear, em que o sentido do discurso do outro
seria preservado, sem a pretenso de modific-lo, reacentu-lo ou ironiz-lo. Dentro do
possvel, a voz alheia seria resguardada da infiltrao das entonaes prprias do autor
(BAKHTIN/VOLOCHNOV, 1929, p. 149).
Conforme Bakhtin/Volochnov, uma das verbalizaes do estilo linear o discurso
indireto em sua variante analisadora do contedo, que:
[...] apreende a enunciao de outrem no plano meramente temtico e
permanece surda e indiferente a tudo que no tenha significao temtica. E
[...] abre grandes possibilidades s tendncias rplica e ao comentrio no
contexto narrativo, ao mesmo tempo que conserva uma distncia ntida e
estrita entre as palavras do narrador e as palavras citadas. Graas a isso, ela
constitui um instrumento perfeito de transmisso do discurso de outrem em
estilo linear (BAKHTIN/VOLOCHNOV, 1929, p. 161, grifo do autor).
alheia, mas reproduzir o discurso do outro, mantendo, na medida do possvel, uma distncia
ntida.
Outra relao dialgica se estabelece entre o narrador-personagem e as demais
personagens, a quem ele chama de amigos, cuja nica a orao Vamos embora. Entre
aspas, a frase mostra, tambm, o emprego da palavra do outro em estilo linear, quando o
narrador estabelece uma fronteira clara entre sua palavra e a palavra do outro. Porm, se no
exemplo anterior a palavra do outro aparecia no discurso indireto, neste o discurso direto
que serve para transmitir as palavras das personagens, isoladas pelas aspas.
A propsito, essa fala dos amigos simplesmente ignorada pelo narradorpersonagem, como ele prprio relata. Ainda assim, o fio dialgico no foi rompido pela falta
de uma resposta verbalizada. O silncio entendido pelos amigos, que se afastam, deixando-o
sozinho. Alis, Bakhtin ([1952-1953]) j dissera ser o silncio uma forma de resposta.
Interessante notar a diferena entre essa citao e a referncia ao mito de Faetonte.
Quando o narrador reproduz a voz de seus amigos, as relaes dialgicas permanecem no
mbito da redao, so relaes dialgicas interiores. J na aluso mitologia grega, observase uma relao dialgica externamente orientada para um discurso alm da redao. Vale
distinguir tambm que, se em ambas as ocorrncias a voz do outro reproduzida em estilo
linear, a fbula grega transmitida em discurso indireto, enquanto a voz das personagens
reproduzida em discurso direto. Ou seja, o estilo o mesmo o linear , mas os tipos de
discurso empregados para retomar as vozes alheias so diferentes ora discurso indireto,
ora direto.
Consideraes finais
28
for o caso, como se configuram os dilogos com textos exteriores. Assim, a apreciao dos
textos narrativos pode mostrar novas perspectivas, escondidas por trs de uma aparente
banalidade.
Referncias bibliogrficas
30
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Bakhtine, Valentin Volochinov et Pavel Medvedev dans les contextes europen et russe.
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31
II
Introduo
Ver a linguagem como um lugar de interao humana, significa dizer que com ela o
falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos que no preexistiam fala. Por isso,
a linguagem, com certeza, essencial para o desenvolvimento de todo e qualquer homem,
como tambm condio primordial para apreenso de conceitos que permitem aos sujeitos
compreender o mundo e nele agir.
linguagem como lugar de interao, como tambm apresentar, a partir dessa concepo de
linguagem, como as prticas de leitura e produo textual se processam no ensinoaprendizagem da lngua.
Primeiramente, apresentaremos algumas consideraes gerais sobre a linguagem no
contexto do ensino. Nesse momento, de forma mais aprofundada, tambm apresentaremos
algumas consideraes sobre o modelo scio-histrico de M. Bakhtin sobre a interao na
linguagem. Depois, discorremos sobre a linguagem em seu funcionamento discursivo e as
prticas de leitura e produo de textos que levam em conta a interao verbal. E, justamente,
por compreendemos que a produo de um discurso no acontece no vazio, julgamos
necessrio tambm refletir, ainda nesse ponto, sobre as condies de produo da atividade
interativa de escrever textos. Essas reflexes sero fundamentadas com base, principalmente,
nas orientaes de Geraldi (2013) e Bronckart (1999), para que possamos entender melhor a
relao entre autor/texto/leitor.
1 Consideraes sobre a linguagem no ensino
interao. por isso que Geraldi (2013, p. 5) afirma: crucial dar linguagem o relevo que
de fato tem: no se trata evidentemente de confinar a questo do ensino de lngua portuguesa
linguagem, mas trata-se da necessidade de pens-lo luz da linguagem.
E isso se d na interlocuo, que o espao de produo de linguagem de
constituio de sujeitos. Focalizar, ento, a interao verbal como o lugar da produo da
linguagem e dos sujeitos que se constituem pela linguagem, significa admitir:
a) que a lngua (no sentido sociolingustico do termo) no est de antemo
pronta, dada como um sistema de que o sujeito se apropria para us-la
segundo suas necessidades especficas do momento de interao, mas que o
prprio processo interlocutivo, na atividade de linguagem, a cada vez a
(re)constri;
b) que os sujeitos se constituem como tais medida que interagem, com os
outros, sua conscincia e seu conhecimento de mundo resultam como
produto deste mesmo processo. Neste sentido, o sujeito social j que a
linguagem no o trabalho de um arteso, mas trabalho social e histrico
seu e dos outros e para os outros e com os outros que esta se constitui.
Tambm no h um sujeito dado, pronto, que entra na interao, mas um
sujeito se completando e se construindo nas suas falas;
c) que as interaes no se do fora de um contexto social e histrico mais
amplo; na verdade, elas se tornam possveis enquanto acontecimentos
singulares, no interior e nos limites de uma determinada formao social,
sofrendo as interferncias, os controles e as selees impostas por esta.
(GERALDI, 2013, p. 28).
Na obra Esttica da Criao Verbal, Bakhtin diz que existe uma alternncia dos
sujeitos falantes e que esta alternncia observada de forma clara e direta no dilogo; nele, os
enunciados dos interlocutores alternam-se regularmente. O dilogo (interao) alm de ser o
objeto de estudo do modelo terico de Bakhtin, tambm a forma clssica da comunicao
verbal. O dilogo possui um acabamento especfico que expressa a posio do locutor, sendo
possvel tomar, com relao a esta posio, um posicionamento responsivo. Este acabamento
um dos traos fundamentais do enunciado. Para Bakhtin (2011) o enunciado a unidade real
da comunicao verbal. E continua dizendo:
E quando se fala que em Bakhtin a linguagem era vista como atividade interativa, isso
quer dizer que ele tinha uma concepo dialgica da linguagem. Por isso mesmo, que, em
torno do seu conceito de signo, vai ser elaborado o conceito de dialogia. Sobre o signo, em
sua obra Marxismo e Filosofia da linguagem, Bakhtin (1986) diz que
Resumindo, para Bakhtin, os signos apenas surgem numa situao e num grupo
social. Neles, a interao se realiza atravs dos enunciados que permeados pelas vozes dos
outros. dessa forma que entendemos que a polifonia o coro de vozes que se manifesta
35
Tudo isso, como mesmo diz a autora, converge para um ponto: reconhecer a
dimenso pragmtica da lngua implica reconhecer tambm o discurso, que a unidade
comunicativa bsica, como objeto por excelncia do estudo da lngua.
O que isso quer dizer? Quer dizer que se o professor e a escola comearem a ver a
linguagem por esse lado, acontecer uma grande mudana: o objeto no ser apenas o cdigo
lingustico, mas tambm os processos de produo de textos, por meio dos quais os usurios
da lngua exercitam no processo de aquisio e desenvolvimento da escrita e,
consequentemente, da leitura.
De acordo com os estudos da autora citada acima, podemos dizer que os sentidos so
constitudos no ato da leitura e, por isso, so distintos de leitor para leitor. Nesse espao, os
interlocutores se deparam e se definem no que diz respeito s suas prprias condies de
produo, sendo que o ato de ler configurando a partir delas.
Desse modo, podemos constatar que a leitura no apenas um ato de decodificao
da palavra escrita. Trata-se de uma ao dotada de sentido social, reflexivo, crtico e
construtivo. A leitura funciona como processo de interao do indivduo com a sociedade. A
leitura se constitui, assim, num caminho de acesso a todos que desejam a obteno da
interao. A mesma s se fortalece quando praticada constantemente e numa perspectiva
crtica, atravs da qual o leitor se posiciona no apenas diante do qu, mas perante o mundo e
a sociedade que ele traduz. Ou seja, o leitor, no s recebe, mas tambm constri um
significado global para o texto. Isto quer dizer que ele busca pistas formais, antecipa essas
pistas, formula e reformula hipteses, aceita ou rejeita concluses. J o autor procura
basicamente a adeso do leitor. Por isso, o autor apresenta, da forma melhor possvel, os
37
argumentos que ele acha convincentes atravs das pistas formais para facilitar o alcance dos
seus objetivos.
Sobre esta relao entre o leitor e o autor por meio da leitura, Kleiman (2013, p. 65)
afirma: Mediante a leitura, estabelece-se uma relao ente o leitor e o autor que tem sido
definida como de responsabilidade mtua, pois ambos tm a zelar para que os pontos de
contato sejam mantidos, apesar das divergncias possveis em opinies e objetivos.
Isto implica dizer que, na leitura, a atuao tanto do autor quanto do leitor so
importantssimas. Nela, o autor deve deixar suficientes pistas no seu texto para permitir ao
leitor a reconstruo do caminho que ele percorreu. Por outro lado, o leitor deve acreditar que
o autor tem alguma coisa importante a dizer atravs do texto, de forma coerente. E se esse
leitor no entende algo, ele procura solucionar, ativando o seu conhecimento prvio
lingustico, textual e de mundo.
38
Dessa maneira, sem dvida nenhuma, a produo de textos sempre ser uma
atividade muito importante no ensino de uma lngua. Sobre isso, Geraldi (2013, p.135)
afirma:
Considero a produo de textos (orais e escritos) como ponto de partida (e
ponto de chegada) de todo o processo de ensino/aprendizagem da
lngua...Sobretudo, porque no texto que a lngua - objeto de estudo se
revela em sua totalidade, quer enquanto conjunto de formas e de seu
reaparecimento, quer enquanto discurso que remete a uma relao
intersubjetiva constituda no prprio processo de enunciao marcada pela
temporalidade e suas dimenses.
Um outro ponto relevante que Geraldi tambm ressalta que na redao, produzemse textos para a escola. J na produo de textos, produzem-se textos na escola. Discutindo a
questo sobre a redao na escola, Geraldi declara que o aluno vive a contradio de escrever
para quem lhe ensina a escrever, que ler o texto no para saber o que o texto diz, mas para
ver se o aluno sabe ou est aprendendo a escrever.
Para Geraldi, a presena do professor como interlocutor com essa imagem to forte,
a ponto de destruir o prprio locutor, pois influenciado por essa imagem, seu texto no
representa o produto de uma reflexo ou uma tentativa de, usando a modalidade escrita,
estabelecer uma interlocuo com o leitor professor.
39
a) se tenha o que dizer; b) se tenha uma razo para dizer o que se tem a
dizer; c) se tenha para quem dizer o que se tem a dizer; d) o locutor se
constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz (ou, na
imagem wittgensteiniana, seja um jogador no jogo); e) se escolham as
estratgias para realizar (a), (b), (c) e (d).
40
(papel social assumido, respectivamente pelo emissor e pelo receptor). Veja que um mesmo
emissor pode produzir um texto exercendo deferentes funes sociais: de pai, ou de aluno, ou
de professor, ou de colega, etc. Ao desempenhar um determinado papel social, o emissor
adquire o estatuto de enunciador, e para o autor,
[...] a noo de enunciador designa as propriedades sciosubjetivas do autor,
do modo como podem ser apreendidas por uma anlise externa de sua
situao de ao. Entretanto, h uma outra acepo do mesmo termo (cf.
Ducrot, 1984), que provm de uma anlise das propriedades, no da situao
de ao, mas do texto efetivamente produzido, e que se relaciona com as
diferentes vozes que neles so postas em cena (Quem fala no texto? Quem
o responsvel pelo que expresso?) (1999, p. 95)
Num texto podem estar presentes uma multiplicidade de vozes, a polifonia. E para
explic-la, Ducrot introduziu o conceito de enunciador, esclarece Bronckart. Assim, tem-se
outra acepo de noo de enunciador que designa na verdade, um construto terico, uma
instncia puramente formal, a partir da qual so distribudas as vozes que se expressam em
um texto (BRONCKART, 1999, p.95). Todo esse conjunto de parmetros que constitui o
contexto de produo, postulado por Bronckart, deve ser considerado pelo professor ao
desenvolver o trabalho de produo de textos em sala de aula.
Consideraes Finais
A partir do que foi exposto aqui, podemos constatar que de suma importncia para
o indivduo o reconhecimento da leitura como fator de desenvolvimento pessoal e cultural.
atravs da leitura que o homem consegue interagir com o autor do texto para melhor
compreender o mundo e a sociedade. Ou seja, a leitura no pode ser considerada como uma
prtica separada da realidade educativa do aluno, mas como um processo de interao no
cotidiano do aluno/leitor.
O professor, antes de tudo, deve se conscientizar de que as prticas de leitura e
produo de textos devem ser constantes na vida do aluno. Para isso, faz-se necessrio
introduzir nas aulas vrios tipos recursos bem como vrios tipos de gneros textuais,
priorizando a leitura polissmica como forma de levar o aluno a produzir mltiplas
interpretaes de um texto, possibilitando dessa maneira a aquisio de novos conhecimentos.
Portanto, o que podemos dizer sobre a interao lingustica que ela precisa ser
desenvolvida com todo vigor, porque este o melhor caminho para um verdadeiro processo
41
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TRAVAGLIA, L.C. Gramtica e interao.
42
III
43
Introduo
1. Um Pouco de Teoria
O conceito de slaba aqui adotado o proposto por Selkirk (1982), o qual apregoa que
a slaba a menor categoria prosdica dentre as 6 que compem os constituintes prosdicos,
constituda por ataque (A) e rima (R). O ataque sempre ser preenchido por uma consoante, o
ncleo sempre ser uma vogal e a coda, em portugus brasileiro, s pode ser constituda por
uma ou mais consoantes que sero especificadas mais adiante ou uma semivogal i, u.
De acordo com a afirmao acima, podemos representar uma slaba () da seguinte
maneira:
(A)
(R)
(Nu)
(Co)
44
Como podemos ver, a slaba formada por uma estrutura interna, dividida em duas
partes: o ataque (A), que no obrigatrio; e a rima (R), que se bifurca em ncleo (Nu), o
pico da sonoridade o nico elemento obrigatrio; e a coda (Co), tambm opcional.
Utilizando o diagrama acima, a ttulo de exemplo, representaremos a palavra casa:
(A)
(R)
(A)
(R)
(Nu)
S
(Nu)
A
A
VC
ar
VCC
instante
CV
CVC
lar
CVCC monstro
CCV
tri
CCVC
trs
45
CCVCC transporte
VV
aula
CVV
lei
CCVV
grau
CCVVC claustro
2. O Ataque
46
Fonema
Slaba inicial
Slaba medial
/b/
bo.ta
ca.be.lo
/bta/
/kabelo/
ca.lo
e.co
/kalo/
/ko/
da.ta
tu.do
/data/
/tudo/
fa.ca
ri.fa
/faka/
/rifa/
ga.ta
jo.go
/gata/
/ogo/
jo.go
ti.ju.ca
/ogo/
/tiuka/
la.ta
te.la
/lata/
/tla/
ma.ta
ti.me
/mata/
/time/
na.ta
fo.ne
/nata/
/fone/
pa.to
a.pi.to
/pato/
/apito/
ha.to
ca.ho
/hato/
/kaho/
so.no
ca.ssa
/sono/
/kasa/
ti.me
la.ta
/time/
/lata/
nho.que
so.nho
/ke/
/soo/
lha.ma
pa.lha
/ama/
/paa/
chu.chu
li.xo
/k/
/d/
/f/
/g/
//
/l/
/m/
/n/
/p/
/h/
/s/
/t/
//
//
//
47
/uu/
/lio/
va.ca
lu.va
/vaka/
/luva/
ze.bra
on.ze
/zebra/
/onze/
/v/
/z/
Alm do ataque simples, que descrevemos acima, tambm temos o ataque complexo,
que se caracteriza por possuir mais de um segmento. Seu inventrio no to extenso quanto
o do ataque simples. Observe o seguinte diagrama:
(R)
(A)
(Nu)
(Co)
Escala de sonoridade
Obstruinte
Nasal
Lquida
Vogal
Sobre essa escala, temos que a classe das obstruintes abrange consoantes como /p, k, t,
g, b, d, f/; por ocuparem o lugar mais baixo, estas sempre precisaro ficaro esquerda de um
segmento mais sonoro em um ataque complexo. As nasais so /m, n e /. As lquidas so uma
classe natural21 formada pelas laterais /l e / e pelos rticos (ou seja, os sons de r, como em
rato ou caro, por exemplo). Passemos ento a um exemplo:
(A)
(R)
(Nu)
(Co)
Temos aqui a primeira slaba da palavra prato, por exemplo. Observe que, no ataque, a
parte mais esquerda preenchida por uma obstruinte (/p/) por ser esse elemento o menos
sonoro na escala de sonoridade (valor 0); em seguida, temos uma lquida, o /r/, que, por ser
21
Segundo Matzenauer (2005, p. 30), (...) Diz-se que dois ou mais segmentos constituem uma classe natural
quando necessrio, para especificar a classe, um nmero de traos menor do que o nmero necessrio para
caracterizar cada membro isoladamente.
49
mais sonoro, se situa direita da obstruinte, mas ainda assim fica esquerda do ncleo,
preenchido sempre pelo elemento mais sonoro, que a vogal.
Observe que os segmentos esto dispostos em uma escala crescente. Por isso mesmo, a
lngua portuguesa probe um encontro consonantal do tipo rpato, por exemplo, porque essa
inverso implicaria o incio da slaba com um segmento de valor sonoro relativamente alto
seguido de um que ocupa a parte mais baixa da escala para depois subir novamente e alcanar
o pico, que representado pela vogal.
Ao invs de uma formao como rpato, a lngua portuguesa opta por uma como prato,
visando manuteno da lei do menor esforo, segundo a qual o indivduo produz o som e
comunica com o menor esforo possvel, e tambm visando harmonia, em que os segmentos
so postos hierarquicamente em uma escala, do menor ao maior. H ainda uma outra
observao que pode ajudar muito o professor de Lngua Portuguesa. Observe:
(A)
(R)
(A)
(Nu) (Co)
B
(R)
(Nu) (Co)
que j mostramos acima. Diante desse conhecimento, o professor precisa ter sensibilidade
para entender que, apesar dessa forma estar em desacordo com a norma padro, ela tem uma
razo de ser, ela pode ser explicada do ponto de vista fonolgico; portanto, no fruto de uma
cabea vazia e ignorante, mas sim de uma gramtica adquirida pelo falante/aluno em sua
comunidade de fala de origem.
Dessa maneira, o professor deve estar atento ao elaborar um procedimento
metodolgico que ajude o aluno a adquirir tambm a forma desejada pela norma padro
(blusa), aquela que lhe vai possibilitar mais condies de ascenso social.
Observe ainda mais este exemplo, extrado de uma redao de um aluno da 6 srie do
Ensino Fundamental da rede pblica de Mossor. Ele escreveu a seguinte orao: E ns
pescamos tanto que deu cansera mais quando agente vio o pineo do carro furol e teve desse
(...) (Autora: K. G.) a grafia original foi mantida. A forma destacada pineo , apesar de se
encontrar em desacordo com a norma, apresenta uma razo de ser: a aluna, ao pronunciar a
palavra, percebe que h uma vogal separando o encontro consonantal pn, motivo que a leva a
escrever essa vogal.
Do ponto de vista fonolgico, podemos dizer que um ataque complexo do tipo pn, por
exemplo, proibido na lngua portuguesa por no possuir licenciamento prosdico, uma vez
que a consoante /n/ na posio de segundo segmento de um ataque complexo no pode ser
associada a um n silbico; o curioso que, na escala de sonoridade, a consoante /n/ se
encontra acima de uma obstruinte, portanto, deveria receber esse licenciamento, mas a lngua
portuguesa s permite que as lquidas ocupem o segundo lugar de um ataque complexo.
Numa situao como essa, podemos perguntar qual a soluo. Ns, falantes da grande
maioria das comunidades de fala do portugus brasileiro, tendemos a solucionar o problema
com a insero de uma vogal epenttica, da mesma forma que a aluna acima fez. Aps a
entrada de uma epntese, o /n/ deixa de fazer parte do ataque complexo e passa a formar um
ataque simples de uma nova slaba. Veja: pneo >
pi-neo
/r/
/r/
/r/
/l/
/l/
/l/
Segmento
Posio
Posio
Segmento
Posio
Posio
inicial
medial
inicial
medial
51
/b/
/d/
/f/
/g/
/k/
/p/
/t/
/v/
bra.do
a.bra.o
/brado/
/abraso/
dre.no
ma.dre
/dreno/
/madre/
fri.o
re.fres.co
/frio/
/refresco/
gri.to
a.gro
/grito/
/agro/
cre.me
a.cro.ba.ta
/kreme/
/akrobata/
pra.to
ca.pri.cho
/prato/
/kaprio/
tr.fe.go
la.tri.na
/trafgo/
/latrina/
22
vi.dro
/b/
blo.co
ta.bla.do
/bloco/
/tablado/
/d/
xxxxxxxx
xxxxxxxx
/f/
fla.men.go
a.fli.to
/flamengo/
/aflito/
gla.ci.al
si.gla
/glacial/
/sigla/
cli.en.te
ca.ta.clis.ma
/kliente/
/kataklisma/
ple.beu
com.ple.xo
/plebeu/
/komplekso/
xxxxxxxxx
a.tle.ta.
/g/
/k/
/p/
/t/
/atleta/
/v/
23
xxxxxxxx
/vidro/
3. A Coda
De acordo com Cmara Jnior (1997), apenas as consoantes /l, r, S, N 24/ e mais as
semivogais /j, w/ esto aptas a travar slabas em portugus. J dissemos que h uma srie de
fatores que contribuem para que a slaba pesada/fechada se torne leve/aberta o que postula
a Teoria da Conspirao. Consideremos alguns exemplos:
22
Note, leitor, que a norma padro no admite um ataque complexo formado por vr em posio inicial,
entretanto, nos falares no padro, podemos facilmente encontrar uma palavra como vrido (vidro), por exemplo,
em que a lquida sofre uma hiprtese e se desloca para a primeira slaba.
23
Podemos lembrar do nome prprio Vladimir, mas que por ser um nico exemplar no suficiente para
atestarmos esse tipo de encontro consonantal em portugus.
24
Os fonemas /S, N/ aparecem em maiscula porque o referido autor os trata como arquifonemas, ou seja, um
fonema que tem diversas possibilidades de realizao. Nas palavras de Cmara Jnior (1997, p. 58), o
arquifonema /N/, por exemplo, se realiza como /m/ diante de consoante labial na slaba seguinte, como /n/
diante de consoante anterior nas mesmas condies e como um alofone [] posterior diante de vogal posterior:
campo, lenda, sangue. (...)
52
a. Maria sempre ficava calada, mas nesse dia ela falou sem parar.
b. Maria sempre ficava calada, mas nesse dia ela fal sem par.
O exemplo contido em a. est escrito de acordo com a norma padro, como fcil de
constatar. Quanto a b., apresenta problemas passveis de explicao tanto de natureza
ortogrfica, quanto tambm fonolgica. Em b., o ditongo /ow/ sofre uma reduo que ns
tambm podemos chamar de monotongao o falante/aluno muito provavelmente realiza
esse apagamento da coda na lngua oral e faz o mesmo ao escrever. De acordo com Alvarenga
e outros (1989, p. 24), a grafia do ditongo [ow] parece resolver-se na 4 srie (...)
Ainda em b., vemos o apagamento da lquida /r/, que muito produtivo em nossa
lngua. Na lngua falada, o cancelamento desse segmento no se d apenas em classes sociais
de menor prestgio e entre pessoas com baixo grau de escolarizao. Callou, Moraes e Leite
(2002, p. 468) demonstraram que o apagamento do /r/ em posio de coda ocorre tambm
entre pessoas escolarizadas portadoras de curso superior. Esses autores analisaram 4.334
ocorrncias de rticos em lngua falada distribudos pelas 5 capitais que compem a rea
pesquisada pelo Projeto Norma Urbana Culta NURC , que so as cidades de So Paulo,
Rio de Janeiro, Porto Alegre, Salvador e Recife.
Se considerarmos os dados das 5 reas somadas, teremos o apagamento desse fonema
como a segunda variante que mais se realiza: 26%. Se pensarmos na realidade dos falares
nordestinos, temos os dados de Recife (50%) e Salvador (62%), que atestam o quanto a
prtica do cancelamento faz parte da nossa comunidade de fala.
Assim sendo, o professor deve estar ciente de que, nos primeiros anos de escolarizao,
o falante/aluno que ainda no domina totalmente as regras de ortografia do nosso sistema
poder transferir para a escrita aquilo que ele realiza foneticamente, como o caso do
apagamento.
Cabe ainda dizer que esse fenmeno ocorre na coda localizada no meio de palavra
como em marcha > ma0cha, por exemplo e tambm na coda localizada no fim da palavra, o
que mais frequente como no infinitivo dos verbos (parar > para0, amar > ama0 etc.) e nos
nomes (pomar > poma0, Lucimar > Lucima0, por exemplo).
53
Consideraes finais
Neste estudo, descrevemos a estrutura silbica tal como concebida pelas teorias
fonolgicas modernas: a slaba entendida como a menor unidade fonolgica, composta por
um ataque e uma rima. Nosso objetivo foi demonstrar que esse conhecimento pode ajudar o
professor de Lngua Portuguesa das sries iniciais a compreender alguns desvios de grafia que
seus alunos por ventura venham a ter, pelo menos aqueles desvios relacionados estrutura
silbica.
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54
IV
ENSINO
DE
PORTUGUS
E
VARIAO
LINGUSTICA:
TRATAMENTO DIDTICO DE VARIEDADES DIALETAIS NO
MBITO ESCOLAR
Josenildo Barbosa Freire
JOSENILDO BARBOSA FREIRE possui graduao em Letras pela UEPB (2004) e psgraduao, em nvel de especializao, em ensino-aprendizagem de Lngua Portuguesa pela
UFRN (2006). Atualmente professor de lngua portuguesa da Escola Estadual Carlos Gomes
(Montanhas/RN) e da Escola Municipal Jos Targino (Pedro Velho/RN). Em 2011, concluiu o
Mestrado no Proling/UFPB na rea da Sociolingustica Quantitativa. Atualmente
doutorando de Lingustica pela UFPB.
josenildo.bfreire@hotmail.com
55
Introduo
56
2. Viso dos PCN de Lngua Portuguesa e outras orientaes oficiais sobre variao
lingustica
A questo no falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar,
considerando as caractersticas do contexto de comunicao, ou seja, saber
adequar o registro s diferentes situaes comunicativas. saber coordenar
satisfatoriamente o que falar e como faz-lo, considerando a quem e por que
58
O foco dos PCNs reside: nas prticas sociais, ou seja, nas situaes reais de
interao, como condio para que d o ensino de lngua; em uma concepo
de lngua heterognea; em um trabalho pedaggico que contemple usos
lingusticos e reflexo sobre a lngua; no uso da lngua adequado aos
propsitos comunicativos e demandas sociais; e no combate ao preconceito
lingustico.
59
variao do [haver ~ ter], dos pronomes [ ns ~ a gente, tu ~ voc], dentre outros processos,
que so bastantes produtivos na fala do portugus do Brasil. Fenmenos lingusticos que
esto vinculados a diferentes fatores (sociais, geogrficos, estruturais), e constituindo-se
realidades da lngua e devem receber tratamento adequado na escola, para que, assim, o aluno
tenha a habilidade de usar as diferentes variantes que o sistema lingustico o possibilita.
Neste sentido, nos associamos a Faraco (2007) que prope uma pedagogia da
variao lingustica. Faraco ao discutir alguns avanos na rea do ensino de portugus,
constata certo avano da leitura e da produo de diferentes gneros discursivos, mas afirma:
temos de reconhecer que estamos muito atrasados na construo de uma pedagogia da
variao lingustica. (op. cit., p. 42).
3. Fundamentao Terica
60
Fernndez (1998) aponta o ano de 1964 como uma data especial para o
desenvolvimento das investigaes sociolingusticas com a realizao de diversas reunies,
conferncias e simpsios dando impulso Teoria da Variao.
A Teoria da Variao implementa-se como terico-metodolgico de estudos
lingusticos a partir dos trabalhos do pesquisador norte-americano W. Labov (1966,
[2008]1972), sobretudo, ao demonstrar que o uso da lngua varivel e est condicionado por
restries de ordem lingusticas (internas) e sociais (externas), apontando que lngua e
sociedade so instncias inseparveis.
Ainda segundo Fernndez (1998, p.296), o nascimento da Sociolingustica25 esteve
envolvido de um aspecto multidisciplinar, confluindo aportes de diferentes reas de estudo:
lingustica, antropologia e da sociologia. E incorporou a noo de linguagem como
comportamento social.
Em 1974, Cedergren e Sankoff apresentam um modelo terico-metodolgico de
anlise lingustica baseado em dados estatsticos e probabilsticos para d suporte ao conceito
de regra varivel introduzida pelos trabalhos labovianos.
De acordo com Fernndez (1998, p.299), a Sociolingustica se consolidou como:
Una corriente de estudio capaz de explicar multitud de aspectos
anteriormente mal tratados y aponta nuevos principios tericos y nuevas
possibilidades metodolgicas, la discipllina se h ido consolidando, a la vez
que h aumentado el nmero de investigadores que le dedican toda su
atencin.
Ainda, segundo Fernndez (1998, p. 85), a Teoria da Variao focaliza uma parte
importante de sua anlise e discusso da variao e das variedades lingusticas existentes em
uma comunidade de fala.
A comunidade de fala constitui-se no lugar em que pode-se encontrar a variao e a
demonstrao de uso varivel de um fenmeno lingustico pode est associada ao prprio
comportamento heterogneo existente nessa comunidade que tambm est estratificada
socialmente.
Neste sentido, objeto de anlise da Sociolingustica fala natural produzida pelos
falantes de uma comunidade. O uso dessa fala est condicionado por fatores e aponta que
essas restries constituem-se um dos objetivos de uma anlise sociolingustica, utilizando-se
25
Ressalta-se que neste trabalho tomam-se os termos Sociolingustica e Teoria da Variao como sinnimos.
61
Los sociolinguistas tambin dan uma gran importancia al peso que pueden
tener las caractersticas sociales de los hablantes, desde la edad hasta su nivel
sociocultural, los contextos em que se establecen las interacciones y los
rasgos sociales e individuales de los interlocutores.
62
Sendo a ao pedaggica uma prtica que no se acomoda (XAVIER & ZEN, 1998,
p. 07) e a Sociolingustica um campo especfico da Lingustica que evidencia a relao
existente entre lngua e sociedade, diversas podem ser as estratgias utilizadas para
desenvolver o ensino que contemple a variao lingustica como objeto, sobretudo, nas reas
de leitura e de escrita.
Com relao ao trabalho com leitura, Moura (2007, p. 15) sugere que se comece com
materiais cultural e dialetalmente neutros e, paulatinamente, se efetue a transio para a
variante aceita como padro; quanto escrita, o primeiro passo identificar quais so suas
funes naturais nas diferentes etapas do desenvolvimento da criana.
Para viabilizar o ensino de variao lingustica em sala de aula, Moura (2007, p. 20)
indica as seguintes prticas:
a) Uma atitude no preconceituosa, por parte do professor, com relao aos usos da
lngua, pelos alunos, renunciando aos julgamentos de valor sobre os fenmenos
variveis da lngua, detectados tanto na fala quanto na escrita de seus alunos.
b) Um estudo cuidadoso entre as vrias modalidades de textos da fala e da escrita,
procurando identificar e analisar marcas ou ausncias de traos e diferenas entre
os vrios textos (forma, de estilo e gramtica).
c) Realizar comparaes entre as variantes padro e no padro 26, a fim de que o
aluno domine tambm a variante padro da lngua.
d) Privilegiar o uso da lngua e no apenas o uso da terminologia gramatical
normativa.
26
Ressalta-se que com essa atividade prope-se a identificao dos traos fontico-fonolgicos, morfolgicos e
sintticos que caracterizam cada variedade estudada, e no a realizao de atividades relacionadas emisso de
juzos de valor.
63
e no padro da lngua, evidenciando que cada variedade dialetal tem seus contextos
determinados socialmente.
Ainda de acordo com Santos & Cavalcante (2001, p. 65-66), para se trabalhar a
variao lingustica tanto com a lngua falada como com a escrita, podem-se utilizar algumas
estratgias relacionadas abaixo:
a)
b)
Durante o exerccio de escrita, o professor pode pedir aos alunos que escrevam,
da forma que ouvem, algumas palavras do texto gravado, e que, em seguida,
comparem o registro de tais palavras com a grafia padro.
c)
A etapa seguinte consiste em pedir aos alunos que faam pequenas entrevistas
em casa, gravando-as em fitas cassete. O professor juntamente com os alunos
deve organizar os roteiros das entrevistas. Tambm importante pedir a cada
aluno que anote numa ficha a idade aproximada do entrevistado, o local onde
ele mora, o sexo e o grau de escolaridade, bem como as dificuldades ocorridas
durante a realizao de tal tarefa.
d)
64
e)
f)
Consideraes finais
(LABOV, 2008 [1972]) e apontaram-se sugestes didticas que podem dar um tratamento
adequado das variedades lingusticas que avaliadas negativamente.
Todavia, tambm, se reconhece a problemtica que giram em torno do ensino de
variedades lingusticas que no gozam de prestgio e status social, sobretudo, em uma
sociedade que privilegia o ensino das formas variantes consideradas padro em detrimento
das que so consideradas no padro, feias, de pessoas pobres, de nordestinos etc. Assim,
admite-se que ainda um desafio para os professores, tanto os que esto em formao e/ou
aqueles que j esto na formao continuada, o ensino que contemple dialetos que histrica e
culturalmente so deixados em um segundo plano por no se enquadrarem no modelo
preestabelecido socialmente por diferentes segmentos da sociedade. Porm, entende-se que se
abriu um caminho que lenta e persistentemente pode ser percorrido e tornar o ensino de lngua
materna mais produtivo em nossas salas de aula.
O espao escolar como unidade de formao de cidadania pode-se constituir um
agente transformador de realidades sociais que esto consolidadas no interior da sociedade. E
desse modo, possibilitar que o processo de ensino-aprendizagem alcance metas satisfatrias
no que diz respeitos ao desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita. Sobretudo,
porque sendo a nossa sociedade predominantemente escriturstica, ler e escrever com
autonomia, constituem habilidades essenciais para se exercer a cidadania.
Outrossim, reconhecem-se que existem outras alternativas pedagogicamente
adequadas que tambm favorecem o ensino de lngua materna nos estabelecimentos de ensino
espalhados pelas diferentes regies do pas que aqui no resenhadas ou apontadas. Remete-se
o leitor mais cuidadoso ao vasto material bibliogrfico que h nos sites dos diversos
programas de ps-graduao espalhados pelos centros acadmicos do Brasil e/ou fora dele.
Especificamente, aos programas de Letras/Lingustica e Educao que tm disponibilizado
material de alta qualidade, como s editoras que cada vez mais tm se dedicado a essa linha
de pesquisa, publicando srie de livros que tratam exaustivamente das temticas aqui
analisadas.
Todavia, mesmo reconhecendo a imensa quantidade de material bibliogrfico j
produzido no Brasil, basta consultar alguns manuais (MARTINS & TAVARES, 2013;
MARTINS et al, 2014, dente outros) ou apresentaes em congressos da rea de
Letras/Lingustica, ainda se verifica um fosso entre eles e as escolas, locus de efetivao de
toda a discusso. Neste sentido, urge criar um espao permanente de dilogo entre a produo
acadmica e a escola. Entende-se que o se produz na universidade pode verticalizado para o
ensino
no
ambiente
escolar.
Assim,
algumas
66
prticas
tradicionais
podero
ser
Referncias bibliogrficas
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Linguagem aplicadas ao Ensino). Natal, RN: EDUFRN, 2013.
68
69
Introduo
monolgico, individual, que no afetado pelo outro nem pelas circunstncias que constituem
a situao social em que a enunciao acontece (TRAVAGLIA, 2001, p. 21).
Como se observa, essa concepo da linguagem localiza a mesma no interior do
indivduo, ou seja, h uma predominncia do aspecto da individualidade do locutor. Nesse
sentido, a linguagem vista apenas como representao do pensamento e do mundo. Essa
concepo est centrada no locutor e no no receptor ou mesmo nas circunstncias da
enunciao. Para Geraldi (1997), essa concepo corresponde corrente da Gramtica
Tradicional. Quem v a linguagem dessa forma, acha que as pessoas que no conseguem se
expressar bem porque no sabem pensar bem.
Quanto segunda concepo, Travaglia diz que a linguagem vista como
instrumento de comunicao, como meio objetivo para comunicao, sendo, portanto, a
transmisso de informaes a principal funo da linguagem. De acordo com essa concepo,
a lngua encarada como um cdigo que precisa ser dominado pelos indivduos falantes para
que ocorra a comunicao. Portanto, essa concepo est ligada Teoria da Comunicao e
v a lngua como cdigo capaz de transmitir ao receptor certa mensagem. Nessa concepo, a
lngua vista como um conjunto de signos que se combinam segundo regras, e que capaz
de transmitir uma mensagem, informaes de um emissor a um receptor. Esse cdigo deve,
portanto, ser dominado pelos falantes para que a comunicao possa ser efetivada
(TRAVAGLIA, 2001, p. 22). Percebe-se que, nessa concepo, a linguagem estudada sob
uma viso formalista, limitando-se s estruturas internas da lngua, definindo a comunicao
como uma atividade de decodificao. Conforme, ainda o Travaglia, essa concepo:
71
inevitavelmente habitado pelo j-dito e se abre sempre para uma pluralidade de sentidos, que,
por no se produzirem jamais nas mesmas circunstncias, so, ao mesmo tempo, sempre e
inevitavelmente novos.
Vale salientar que disseminao no deve ser confundida com polissemia: a
primeira corresponde s possibilidades de construo de sentido feita com base em inferncias
do leitor, inserido no contexto scio-histrico-cultural. J a segunda, que se ope a
monossemia (sentido nico do texto), corresponde pluralidade de sentidos presente no texto,
sem levar em considerao as inferncias do leitor. Essa concepo discursiva da leitura ser
retomada e discutida no decorrer desta seo, juntamente com outras concepes.
Tomando como verdade a afirmao de que leitura a capacidade de entender o
texto, as aulas de leitura poderiam priorizar as atividades de compreenso em detrimento s
atividades de decodificao. As prticas de leitura na escola devem possibilitar a compreenso
de sentido por meio da interao com os textos e estes devem tratar de assuntos significativos
para os alunos. Porm, muitas atividades de leitura realizadas nas escolas no fazem sentido
para os alunos, no despertam o interesse deles. O foco da leitura voltado para o texto e o
leitor (aluno) visto apenas como um agente passivo de decodificao da lngua escrita, isso
quando os textos trabalhados em sala de aula no so tidos apenas como meros depsitos de
regras gramaticais, a serem esclarecidas de forma desconexa e descontextualizada.
Inferimos com isso que os problemas do ensino de leitura so decorrentes de base
terica fundamentada em concepes ultrapassadas sobre a natureza e a aquisio da
linguagem. Portanto, o presente trabalho pretende discutir essas concepes e chegar a uma
proposta significativa para o ensino de leitura.
73
A que se acrescentar tambm que, ainda segundo Braggio (2005, p.8), para os
estruturalistas, o homem e a sociedade so idealstica e abstratamente concebidos. O homem
entendido como um ser isolado da sociedade, passivo, acrtico, incapaz de experimentar
contradies internas e de mudar a si mesmo e a sociedade na qual est inserido. J a
sociedade tida como esttica, homognea e vazia de valores antagnicos.
Nessa concepo, a leitura vista como uma atividade que prioriza a decodificao
em detrimento compreenso do significado que, para ser efetuada, no necessita de
nenhuma contribuio do leitor, uma vez que o texto o nico detentor do significado e este
unvoco, permitindo apenas uma interpretao.
Os prejuzos ao ensino de leitura que se baseiam no estruturalismo no so poucos e
suas consequncias ainda so muito frequentes na realidade das escolas brasileiras. Braggio
cita muitos desses prejuzos, dentre eles destacamos:
Mesmo com tantos prejuzos comprovados, ainda tem muitos educadores que
insistem em utilizar tais mtodos. Muitos alunos chegam ao ensino superior, sem prticas de
leitura, no gostam de ler e apresentam dificuldades de compreenso leitora. So leitores
malformados que aprenderam apenas a decodificar o texto, ao invs de entend-lo.
74
Com a ateno voltada para a psicologia cognitiva, que comeou a ganhar espao
entre os pesquisadores em meados dos anos 50, a teoria estruturalista passou a ser sucedida
pela teoria gerativo-transformacional de Chomsky. Para os estruturalistas, a descrio
lingustica concebida com base no empirismo e a aquisio da linguagem com base na
concepo Behaviorista. J a teoria gerativo-transformacional descreve os dados lingusticos
com base numa concepo racionalista e concebem a aquisio da linguagem como um
processo inato e especfico da espcie humana.
A mudana de foco nos estudos lingusticos do estruturalismo americano para o
transformacionalismo resultou nos modelos psicolingusticos de leitura que foram muito
significativos para a formao da compreenso leitora. Conforme afirma Braggio (2005, p.21)
a influncia da teoria chomskyana no mtodo psicolingustico de leitura pode ser claramente
identificada nas propostas de Goodman para a aquisio da linguagem escrita. Para Goodman,
a leitura um jogo de adivinhaes psicolingusticas.
A leitura um processo seletivo. Ela envolve o uso parcial de deixas
lingsticas mnimas disponveis, selecionadas do input perceptual com base
na expectativa do leitor. medida que esta informao parcial processada
so feitas decises tentativas a serem confirmadas, rejeitadas, ou refinadas
medida que a leitura progride... A leitura um jogo de predio
psicolingstica. Ela envolve uma interao entre pensamento e linguagem...
A habilidade para antecipar [predizer] aquilo que no visto, certamente,
vital na leitura, assim como a habilidade para antecipar o que no ouvido
vital na audio." (GOODMAM, citado por BRAGGIO, 2005, p.22).
75
76
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79
uma sociedade capitalista e tambm muito utilizado para induzir a populao a aderir a
determinadas posies polticas e ideolgicas.
Esse gnero discursivo, que tem como objetivo divulgar e vender produtos e ideias
(VESTERGAARD; SCHRDER, 2000), vem se fortalecendo e se desenvolvendo juntamente
com o desenvolvimento do sistema capitalista. Podemos dizer at que um se alimenta do
outro, pois se, por um lado, a publicidade induz as pessoas a consumirem os diversos produtos
oferecidos no mercado, por outro, so as exigncias do mercado que sustentam e incentivam a
produo de textos publicitrios.
Antes da revoluo industrial, os textos publicitrios apresentavam uma linguagem
simples, direta, denotativa e seus enunciados limitavam-se apenas a informar as caractersticas
reais dos produtos, como a marca, o preo, os locais de venda etc. sem usar artifcios de
convencimento. Atualmente, com a transio de uma sociedade de produo para uma
sociedade de consumo, esse gnero passou a utilizar uma linguagem mais persuasiva e
sedutora. A esse respeito, Martins nos diz que:
Como o aumento da produo industrial teve por consequncia a necessidade
de ampliar o consumo, a linguagem foi se adaptando ao sistema publicitrio
criado nas ltimas dcadas, visando convencer a sociedade a consumir mais,
tanto os produtos necessrios, como at os inteis, para gerar lucros e fazer
crescer a produo. (MARTINS, 2001, p.33).
80
Para atingir os seus objetivos, os anncios vm utilizando uma linguagem cada vez
mais apelativa e rica em recursos lingusticos e semiticos.
3.3 A linguagem publicitria
Sobre a linguagem publicitria, Martins nos diz que:
[...] em sua essncia, objetiva construir imagem favorvel que possibilite
maior consumo, pela utilizao de arqutipos ou smbolos subjetivos,
apresentando hbitos de consumo, capazes de identificar as aspiraes e os
desejos do receptor com a imagem do produto. Dessa forma, chega a construir
o produto como smbolo e fim de uma necessidade social. (MARTINS, 2001,
p.20).
81
enunciado principal (manchete), pelo corpo do texto, pela assinatura do anunciante e pelo
logotipo ou marca.
3.4 Proposta de atividades com anncio publicitrio em sala de aula
A partir das teorias discutidas aqui, das anlises de livros didticos realizadas em
trabalhos anteriores e da nossa prpria experincia em sala de aula, destacamos agora algumas
das possibilidades de estratgias de aula com o anncio publicitrio em aulas de lngua
portuguesa: a) emprego de variaes lingusticas; b) observao do uso das vozes verbais na
linguagem publicitria; c) desenvolvimento da habilidade de leitura de textos no-verbais; d)
reconhecimento das relaes de intertextualidade; e) produo de textos publicitrios pelos
prprios alunos; f) discusses em sala a partir dos valores mais pregados nos anncios
direcionados ao jovens e adolescentes, como: beleza, seduo, consumismo, eterna juventude,
esteretipos de pessoas felizes; g) desenvolvimento das habilidades de argumentao oral e
escrita; entre outras possibilidades.
Enfatizaremos, agora, o uso desse gnero especificamente em aulas de leitura e
mais detalhadamente relacionando-o com os conceitos das teorias supracitadas. Para isso,
apresentamos sugestes a partir de quatro anncios da campanha Conto de Fadas, de O
Boticrio, veiculados em revistas, outdoors e internet.
Anncio 1: Branca de Neve
Na verso para revista, o texto ficou assim: Era uma vez uma garota branca como
a neve, que causava muita inveja no por ter conhecido sete anes. Mas vrios morenos de
1,80 m.
82
Na verso para revista, o texto ficou assim: A histria sempre se repete. Todo
Chapeuzinho Vermelho que se preze, um belo dia, coloca o lobo mau na coleira.
Anncio 3: Cinderela
Na verso para revista, o texto ficou assim: Gabriela vivia sonhando com seu prncipe
encantado. Mas, depois que ela passou a usar O Boticrio, foram os prncipes que perderam o
sono.
Anncio 4: Cavaleiros e drages
83
Na verso para revista, o texto ficou assim: Um belo dia, uma linda donzela usou
O Boticrio. Depois disso, o drago que ela tanto temia ficou mansinho, mansinho e nunca
mais saiu de perto dela.
Para trabalhar com esses anncios, de acordo com a teoria dos gneros, seria
interessante, primeiramente, explicar, ou se for o caso, relembrar aos alunos o que so e como
se definem os gneros. Depois de esclarecer o conceito de gnero, pedir aos alunos que,
sozinhos ou em grupos, definam a que gnero pertencem os textos lidos. Esse primeiro
momento vivel que seja feito oralmente. Aps identificarem os textos como gnero
anncio publicitrio, o professor pode orientar os alunos a analisarem os textos observando
sua estrutura composicional, os tipos de linguagem utilizadas, a quem se destina e com que
finalidade. Essa orientao pode ser feita por meio de questes do tipo: a) Qual a finalidade
dos anncios publicitrios?; b) Qual a finalidade especfica dos anncios em questo?; c) Os
anncios lidos promovem ideias ou produtos?; d) Qual o pblico-alvo desses anncios? e) A
quem podemos atribuir a responsabilidade pelo que esta sendo dito no anncio?; f) Com que
tipo de linguagem ele trabalha?; g) Voc considera importante o papel da linguagem noverbal nesses textos?; g) Como a linguagem verbal e no-verbal se relacionam nos textos
lidos?; h) Que argumentos o autor dos anncios utilizou para atingir seu pblico-alvo?
As discusses podem ajudar na interpretao dos anncios, orientando a leitura por
meio de outros questionamentos do tipo: a) Quais e como os aspectos discursivos desses
anncios retratam a mulher conforme seu modo de ser e viver na sociedade de hoje?; b) O
papel da mulher mudou muito nas ltimas dcadas. Quais dessas mudanas podemos perceber
nos anncios lidos?; c) Por que o autor do anncio retratou a mulher dessa forma?; d) Qual o
pblico-alvo desse anncio e o que o autor pensa do seu pblico-alvo?; e) Com que outros
textos esses anncios dialogam?; f) Qual a relao dos argumentos usados por esses anncios
com os tipos de produtos oferecidos pelo O Boticrio?; g) De acordo com os anncios,
como so as mulheres que usam os produtos oferecidos?; h) Quais os aspectos no verbais
dos anncios nos faz lembrar das histrias da Branca de Neve e os Sete Anes, A Bela e a
Fera, A Chapeuzinho Vermelho e Cinderela?; i) Quanto ao texto verbal dos anncios, em que
difere do textos dos contos citados?; j) H informaes implcitas nesses textos? Quais? k)
Voc acha que os argumentos utilizados por esses anncios so bons para convencer seu
pblico-alvo a adquirir os produtos oferecidos?
As possibilidades de questes no se esgotam por aqui. Mesmo assim, possvel
levar os alunos a refletirem os gneros lidos, nesse caso, os anncios publicitrios, de acordo
com uma perspectiva discursiva da prtica de leitura. A nossa inteno pensar estratgias
84
que tornem a leitura mais significativa para os alunos. Por isso, vale salientar, que as
atividades sugeridas aqui, encaixam-se. de modo geral, em aulas ministradas para turmas do
ensino fundamental maior e para turmas do ensino mdio, devendo claro, serem adaptadas
ao nvel da turma, idade dos alunos, aos contedos ministrados e aos objetivos do professor.
Consideraes finais
85
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87
VI
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Consideraes iniciais
89
Para explicitar a relao entre essas trs dimenses, Fairclough (2001), destaca que o
procedimento que trata da anlise textual pode ser denominada de descrio, e as partes que
tratam da anlise da prtica discursiva e da anlise da prtica social da qual o discurso faz
parte de interpretao. Na anlise da prtica social dois conceitos so bastante caros: 1)
ideologia baseado em Thompson (1995), inerentemente negativo, pois essa , por natureza,
hegemnica, j que se encontra a servio do estabelecimento e da sustentao das relaes de
poder (dominao), com vistas reproduo da ordem social e o favorecimento de grupos
dominantes; e 2) hegemonia baseado em Gramsci (1988) como domnio exercido pelo
poder de um grupo sobre os demais, baseado no consenso.
Na anlise textual, a ADC assume que os textos so feitos de formas s quais a
prtica discursiva perpassada, condensada em convenes, dotada de significado potencial
(FAIRCLOUGH, 2001: 103). Para tanto os itens considerados nessa anlise so: vocabulrio,
gramtica, coeso e estrutura textual. O vocabulrio analisado atravs da lexicalizao, isto
, dos processos de significao das palavras no mundo. O sentido da palavra entra na disputa
dentro de embates mais amplos. No que tange gramtica, os elementos principais da orao
(sintagmas) esto relacionados transitividade. Os falantes/escritores fazem escolhas quanto
ao modelo estrutural das oraes.
Fairclough (2003) amplia os postulados tericos da ADC, propondo uma articulao
entre trs aspectos: gneros, discurso e estilo. Os gneros constituem o aspecto
especificamente discursivo de maneiras de ao e interao no decorrer dos eventos sociais
(p. 65). Eles funcionam como mecanismo articulatrio que controla o que pode ser dito a fim
de regular o discurso. O discurso a representao dos atores sociais nos textos atravs de
posicionamentos ideolgicos em relao a eles e suas atividades. O estilo identifica os atores
sociais nos textos atravs dos pressupostos, modalidades (objetivas e subjetivas), as metforas
(conceituais, orientacionais e ontolgicas).
A integrao desses trs significados: acional (gneros), representacional (discursivo)
e estilstico (identificacional) dialtica. Eles somente podem ser subdivididos para efeito
explicativo. Os discursos so realizados em gneros e consolidados atravs de estilos. As
aes e identidades, por sua vez, so discursivamente representadas. A fim de orientar as
anlises discursivas em uma perspectiva crtica, Fairclough (2003) sugere as seguintes
perguntas: 1) gnero o texto est situado em que cadeia de gnero? Existe uma mesclagem
de gneros? Quais so as caractersticas dos gneros apresentados?; 2) discurso quais traos
caracterizam o discurso (relaes semnticas entre as palavras, colocaes, metforas,
90
entre o produtor da imagem, seu receptor e o prprio objeto representado. Por fim, a
Metafuno Composicional nos d a habilidade de criar representaes coerentes, ao
distribuir seu valor entre os elementos da imagem de forma contextualizada. Almeida (2006)
explica que os significados visuais representacionais (as relaes entre participantes
representados em uma estrutura visual) correspondem metafuno ideacional; os
significados visuais interativos (a relao entre imagem e espectador) correspondem
metafuno interpessoal; os significados composicionais (relao entre os elementos da
imagem) correspondem metafuno textual.
Enquanto Halliday (2004) prope em sua lingustica a existncia de seis tipos
diferentes de processos os quais englobariam todas as atividades humanas concretas e
abstratas, Kress e van Leeuwen (2006) postulam a existncia de Representaes Narrativas,
subdivididos em processos de Ao no transacional, transacional unidirecional e
bidirecional, Reacional no transacional e transacional, Mental e Verbal, e Representaes
Conceituais, subdivididas em Classificatrios, Analticos e Simblicos.
As Representaes Narrativas apresentam aes que esto se desenvolvendo, ou seja,
aes em movimento, e so assinaladas pela presena de um vetor que pode ser formado por
meio de linhas imaginrias, oblquas, ou diagonais transmitindo a ideia de movimento. Na
imagem, eles se apresentam de forma saliente em contraste com o resto da composio. Os
participantes dessas representaes tm a possibilidade de estabelecer relaes entre si e se
engajar em aes e eventos por meio dos vetores que emanam de seu corpo, ou na ausncia
desses, formado pelo prprio corpo do participante representado.
Alm de representaes narrativas, h aquelas que no apresentam vetor nem
executam aes, haja vista seu objetivo ser procurar na imagem a essncia da informao em
termos de classe, estrutura e significado. Essas so as Representaes Conceituais que
classificam, analisam e significam/definem pessoas, lugares e coisas, e que podem ser
caracterizadas como Processos Classificacionais, Analticos e Simblicos, respectivamente.
Fazendo-se distinta da Metafuno Representacional, a Metafuno Interacional lida
com os participantes representados e sua relao com os interativos, ou seja, seu observador
do mundo real. Os participantes interativos so pessoas do mundo real as quais produzem ou
consomem a imagem, ditando como deva ser representada e interpretada, que mensagem ela
deva passar, como ela o far, etc. Assim, ela estabelece uma relao tanto entre os elementos
que compem a imagem quanto entre quem a produz e quem a observa, exigindo deste ltimo
uma atitude. Essas interaes se do por meio do Contato, da Distncia Social, da Perspectiva
e da Modalidade, categorias que sero abordadas na anlise do corpus desta pesquisa.
92
que se tem da realidade objetiva produto de um "condicionamento scio-polticoeconmico". Isso acontece porque as pessoas mais vulnerveis doutrinao so as que
vivem em sociedades tecnolgicas manipuladas pela mdia. (p.108). De modo que os leitores
a quem se destinam os textos publicitrios perdem a capacidade de distino entre a realidade
objetiva e as fantasias perceptivas da realidade.
Na disputa por consumidores, a propaganda busca manipular os consumidores dos
produtos que so comercializados, recorrendo s prticas hegemnicas (GRAMSCI, 1988;
1995), induzindo ao consenso; e ideolgicas (THOMPSON, 1995), favorecendo a sustentao
do poder por meio do discurso publicitrio (MAGALHAES, 2005). Diante dessa realidade,
propomos, atravs desta pesquisa, fazer uma anlise da propaganda de aparelhos celulares,
tendo em vista que esse produto, nesses ltimos anos, se tornou um smbolo do consumo.
Isso porque o aparelho celular no apenas um objeto material, uma mercadoria
circulando na aldeia global. Alm de um recurso para a comunicao, conforme destaca
McGuigan (2005, p. 46), carrega um significado social, tendo em vista que para alguns
usurios o valor de signo desse objeto pode atualmente exceder seu valor de uso; funcionando
como um fetiche mgico, que certamente a mensagem de muita propaganda. O telefone
celular um smbolo dele prprio, um obscuro objeto de desejo e um signo dos tempos.
A mobilidade atribuda ao uso de um aparelho celular, principalmente queles mais
modernos e com mltiplas funes, constri no sujeito, segunda as palavras de Benasyag e
Del Rey (2006. p. 8), a identidade de um ser autnomo, nmade, senhor de si, que evolui
conforme caminhos novos e imprevistos, como o capito de um navio explorador. O fascnio
do uso de aparelhos celulares to grande que uma pesquisa realizada em 2009, pelo Instituto
Synovate, mostrou que o consumo de aparelhos celulares entre os jovens no Brasil bastante
elevado.
O pas possui o maior consumo por troca de aparelho, com 24% das pessoas
pretendendo comprar um celular novo em trs meses e 12% que vo comprar com mp3. A
insero de novas funes tecnolgicas nesses aparelhos tem contribudo significativamente
para o consumo. Diante de tamanha demanda, a oferta sempre crescente. A competitividade
tambm, por isso, as grandes marcas de aparelhos de celular investe massiamente na
propaganda, a fim de garantir uma maior fonte de lucros, principalmente entre os
consumidores mais jovens.
4 Metodologia
94
Essa uma pesquisa qualitativa, que no busca fazer grandes generalizaes, dentro
do paradigma da Lingustica Aplicada, que se justifica na sua relevncia social (MOITA
LOPES, 1996). A anlise aqui empreendida levar em considerao a disposio das
estruturas imagsticas nas propagandas de aparelhos celulares, veiculadas pelas principais
empresas, dentre elas destacamos: Sony, Samsung, Nokia, LG e Motorola. Essas empresas
so as mais poderosas do mercado, suas propagandas tendem a ser mais recorrentes, e esto
presentes nos principais veculos miditicos do pas. Em virtude das limitaes inerentes ao
gnero artigo cientfico, nos limitaremos, para essa anlise, a duas propagandas, uma da
NOKIA (Imagem 1) e outra da LG (Imagem 2).
5 Propostas
IMAGEM (1)
Atravs do gnero
de um homem que foge aos padres de beleza, e que precisar provar, atravs da foto retirada
pelo celular, que esteve cercado por mulheres bonitas.
A partir da categoria representacional, a imagem pode ser analisada tanto como uma
estrutura conceitual analtica quanto narrativa transacional. Os participantes que esto na foto
da imagem no esto em ao, no h um vetor, esto posicionados estticos, em pose de
fotografia. Mas no podemos deixar de atentar para o fato de que existe uma foto dentro de
outra foto. O fotgrafo, que no aparece, est com sua mo direcionada como vetor, para
fotografar. Nesse caso temos uma estrutura narrativa transacional, j que os fotografados
esto reagindo ao foco.
Um celular no apenas um aparelho para fazer ligaes para pessoas, tambm
uma mquina para fotografar, e no caso da imagem, a cmera fotogrfica proveniente do
celular serve como uma prova de que o participante do sexo masculino na foto (cuja aparncia
fsica no apreciada de acordo com os padres de beleza impostos pela sociedade) est, de
fato, ao lado de trs participantes do sexo feminino (cujas aparncias fsicas seguem o modelo
imposto pela sociedade, alm de serem considerados smbolo de desejo sexual) em uma praia,
e esta fotografia servir como prova para aquele que questionar/duvidar do momento vivido
pelo participante homem.
97
Nesta propaganda vemos apenas um participante em uma ao narrativa notransacional, na qual no possvel identificar a meta nem de onde sai o vetor. O participante
realiza uma ao irreal pulando para dentro do celular, ressaltando, assim, a informao no
balo rosa: a mais nova caracterstica do aparelho (um celular com tela maior e imagem
melhor) e a frase em ingls : Now its all possible (Agora tudo possvel). Esta informao
uma forma de apelar para a aquisio de um celular com caractersticas muito melhores. As
empresas de celular vivem buscando isso: superar as outras em termos de tecnologia para
consequentemente atrair mais consumidores.
A ao da criana se lanar dentro do lago, que se confunde com a tela de cristal
lquido do aparelho celular, um convite a se lanar em um universo paralelo, repleto de
possiblidades infinitas. O discurso consumista interpela a possibilidades nem sempre
garantidas pelos sujeitos que so posicionados de forma diferente do real nas imagens da
propagadas. Por outro lado esse um ato de violncia simblica, na medida em que oferece
aos supostos consumidores, um produto que no lhes garantida a possibilidade de adquiri-lo.
A aula de lnguas, conforme assume Rajagopalan (2003), possibilita um ambiente no qual no
apenas o idioma ensinado, mas tambm as condies sociais que aliceram as decises e
(im)possibilidades dos observadores.
98
99
Consideraes finais
sugerem Schawtz e Brown (2005), inserir essa abordagem no currculo escolar. Esse tipo de
letramento, de acordo com Grygorian e King (2008, p. 1), favorece discusses a respeito de
como a mdia conceitualiza raa, classe e gnero e como essa promove determinados valores
sociais (...) e analisa como os estudantes acessam, analisam e avaliam os textos em termos em
termos de suas ramificaes socioeconmicas, ideolgicas e polticas.
Com essa proposta esperamos contribuir para o letramento miditico crtico de jovens
da escola pblica, que se tornam vtimas, em potencial, de uma violncia simblica
(BOURDIEU, 1998). Ao mesmo tempo, possibilitar uma formao crtica, dentro de uma
perspectiva educacional que os conscientize, com vistas mudana social (FAIRCLOUGH,
2001). Atravs dessa conscientizao crtica, partilhamos, com Freire (2011, p. 139), o anseio
por um ensino de lnguas que seja capaz de colaborar na indispensvel organizao reflexiva
dos estudantes, que ponha disposio meios pelos quais seja capaz de superar a captao
mgica e ingnua de sua realidade, por uma dominantemente crtica.
Referncias bibliogrficas
101
102
VII
103
Introduo
1 Fundamentao terica
Anlise de erros (AE), uma ponte entre a Anlise Contrastiva e a Interlngua (IL), que surge
com as declaraes de alguns pesquisadores de que um grande nmero de erros no podia ser
explicado pela interferncia com a lngua nativa, do qual se inferia que havia outras fontes
que ocasionavam o erro, sendo necessrio, por tanto, ampliar o conceito de interferncia
(GARGALLO, 1992, p. 140-141).
Com a publicao do artigo de Corder (1967) intitulado The significance of learners
errors pe-se em evidncia o estudo sistemtico dos erros que cometem os alunos de uma
lngua no nativa (DURO, 2004, p. 46).
Segundo Corder (1967), os erros so inevitveis e importantes no processo de
aquisio, pois so fontes de informao sobre a natureza do conhecimento de quem aprende.
Tambm mostram e caracterizam um sistema de lngua novo que utilizam os alunos para se
comunicar, o qual no o mesmo da lngua nativa nem tampouco da que se est aprendendo
(GARGALLO, 1993, p. 85). A esta nova lngua a consideram um dialeto idiossincrsico,
interlngua, sistema aproximativo e que possui suas peculiaridades.
Posteriormente, depois de ter sido evidenciado que a maioria dos erros nem sempre
se devia interferncia da lngua materna, pde-se fazer a diferena entre os chamados erros
de interlngua (os que realmente so produzidos pela influncia da lngua materna) e os erros
de intralngua (produzidos por outras razes, tais como: hipercorreo, simplificao,
sobregeneralizao, etc.).
Corder (1967) tambm estabelece a diferena entre erro e falta. Segundo este
pesquisador, a falta est relacionada com a atuao. Trata-se de um fato pontual e pode ser
provocado por fatores como o cansao, a distrao, o nervosismo, etc. Por outro lado, o erro
se produz no nvel da competncia e mostra um determinado estado de aprendizagem.
Norrish (1983, apud GARGALLO, 1992, p. 73) conceitualiza o error como uma
desviao sistemtica e falta como uma desviao inconsciente e eventual. Alm destes
conceitos, este pesquisador tambm prope o conceito de lapsus, sendo uma desviao
decorrente de fatores extralingusticos, como falta de concentrao, memria curta, etc.
Com as mudanas que sofre a AE em seus pressupostos tericos, nasce a anlise de
interlngua (IL), a qual considerada a continuao entre a anlise contrastiva e a anlise de
erros, processo pelo qual atravessam os aprendizes durante a aprendizagem de uma lngua no
nativa e que, por tanto, diferente da lngua materna e da lngua que se est aprendendo. Este
novo campo de pesquisa foi batizado por Selinker em 1969 e reelaborado em 1972. Utiliza-se
o termo interlngua para fazer referncia ao sistema no nativo do aprendiz de uma segunda
105
lngua ou lngua estrangeira, com a afirmao de que este sistema constitui uma linguagem
autnoma (GARGALLO, 1993, p. 125).
Gargallo (1993, p. 128-129) aponta as seguintes caractersticas da interlngua:
Sistema lingstico diferente de L1 e L2;
Sistema internamente estruturado;
Sistema constituido por etapas que se sucedem;
Sistema dinmico e contnuo que muda atravs de um processo criativo;
Sistema configurado por um conjunto de processos internos;
Sistema correto em sua prpria idiossincrasia.
Por outro lado, Adjmian (1982, apud GARGALLO, 1993, p. 133) caracteriza, de
forma geral, a interlngua da seguinte maneira:
Fossilizao: fenmeno lingustico que mantm, de maneira inconsciente e
persistente, caractersticas da gramtica da lngua materna na interlngua;
Regresso voluntria: fenmeno lingustico que se manifesta quando se descobrem
na IL regras ou vocbulos que se desviam da norma da lngua meta, desviaes que pareciam
ter sido superadas em etapas anteriores em benefcio de outras estruturas mais prximas
desde um ponto de vista normativo e pragmtico s que produziriam um falante nativo em
circunstncias similares;
Permeabilidade: fenmeno lingustico que permite s regras da L1 introduzirem no
sistema interlingustico, ou que possibilita sobregeneralizaes das mesmas regras.
Para concluir, podemos dizer que a interlngua um cdigo lingustico que utiliza o
aprendiz ao comunicar-se na lngua meta para conseguir seus objetivos comunicativos e que
durante este processo, alm das estruturas corretas, o aluno tambm produz erros, os quais so
vistos como um sinal de que a aprendizagem est ocorrendo, e ao reconhec-los, trabalhar
106
diretamente nestes erros para que no se repitam, garantindo, desta maneira, uma melhor
aprendizagem da lngua meta.
Os critrios empregados para as pesquisas de anlise de erros so utilizados para
reconhecer e classificar os erros que cometem os alunos. Com o objetivo de lograr nossos
objetivos, elegemos o critrio gramatical, o lingustico, o etiolgico e o pedaggico.
2 Aspectos metodolgicos
107
108
Formas corretas
por la
de las
por la
del
Nos exemplos acima vemos que os alunos escrevem literalmente as contraes, unio
das proposies e os artigos da sua lngua materna e inclusive tenta utilizar a estrutura da
lngua espanhola, a preposio separada do artigo, mas infelizmente emprega o artigo
equivocado por desconhecer o gnero da palavra viaje em espanhol.
adaptao lxica por desconhecer o lxico na lngua objeto, mudando o sufixo da sua lngua
materna a um correspondente lngua espanhola, utilizando a estratgia de hipergeneralizao.
b) nosotros tenemos ms de diez lbuns fuera las fotos de mis tios.
Nesta frase, o aluno emprega o lxico fuera do espanhol, como se tratasse de uma
adaptao da palavra fora do portugus, equivalente a adems em espanhol.
c) Nos exemplos abaixo, o aluno troca o sufixo da sua lngua materna a um equivalente
lngua espanhola para poder se expressar nesta lngua:
Formas corretas
inolvidable
insoportable
Formas correctas
Confort
Centro
110
O emprego de estava sobrando, forma coloquial muito usada no Brasil para referirse a desocupadas, livres.
27
28
111
Concluses
possui cognatos em Espanhol. Obviamente, com esta cifra se supe que as semelhanas entre
as duas lnguas no campo lxico faz com que os alunos brasileiros tenham maior facilidade
em aprender espanhol, porm, possivelmente haja tambm falsas semelhanas que podem
provocar interferncias e inclusive mudana de significado na comunicao.
Em nosso corpus, os erros analisados no campo lxico-semntico, precisamente
quanto ao uso dos emprstimos literais e as adaptaes lxicas, os alunos brasileiros
empregaram um total de 114 palavras do portugus e realizaram adaptaes de algumas
palavras das duas lnguas estudadas, acrescentando sufixos e/ou prefixos. Esta estratgia
experimentada pelos alunos possui como objetivo formar palavras na lngua espanhola, na
tentativa de elaborar um texto genuinamente espanhol.
Todos os objetivos propostos tinham, como finalidade principal, conhecer as
dificuldades que experimentam os alunos. Esperamos, pois, ter contribudo na rea da
lingustica contrastiva e que a partir dos dados encontrados, os professores possam selecionar
e elaborar materiais adequados de acordo com as deficincias que possuem os alunos e que
foram detalhadas ao longo deste estudo.
Referncias bibliogrficas
ALMEIDA FILHO, Jos Carlos Paes de. (org.) Portugus para estrangeiros interface com o
espanhol. 2 ed. Campinas: Pontes, 1995.
BENEDETTI, Ana Mariza. Interferencias semnticas del portugus en el aprendizaje del
espaol. Forma, Formacin de Formadores. Madrid: 2001.
CAPUZ, Juan Gmez. El prstamo lingstico. Conceptos, problemas y mtodos. Valencia:
Universitt de Valncia, 1998.
DURO, Adja Balbino de Amorim Barbieri. Anlisis de errores en la interlengua de
brasileos aprendices de espaol y de espaoles aprendices de portugus. Londrina: Eduel,
2004.
GARGALLO, Isabel Santos. La enseanza de segundas lenguas. Anlisis de errores en la
expresin escrita de estudiantes de espaol cuya lengua nativa es el serbo-croata. Madrid:
Editorial de la Universidad Complutense de Madrid, 1992.
GARGALLO, Isabel Santos. Anlisis Contrastivo, Anlisis de Errores e Interlengua en el
marco de la Lingstica Contrastiva. Madrid: Sntesis, 1993.
113
VIII
114
Introduo
115
Nosso trabalho est organizado em trs captulos. Nos trs primeiros expomos as
caractersticas dos trs modelos de anlise lingustica da Lingustica Contrastiva e no ltimo
analisamos e discutimos os resultados prticos da nossa pesquisa.
Baseado neste princpio, toda criana era uma tabula rasa, no tinha nenhum
conhecimento para contribuir com o processo; ela aprendia a partir dos estmulos que recebia
do exterior. O sucesso em sua aprendizagem dependia da quantidade e qualidade das amostras
de lnguas (input) a que estava exposto e da fora do reforo que recebia dos adultos. A
aquisio da LM, ento, realizava-se atravs da imitao das estruturas que escutavam dos
adultos e do reforo das respostas positivas; estas estruturas, quando repetidas,
transformavam-se em hbito. Seguindo o mesmo raciocnio, a aprendizagem de uma LE
consistia em criar hbitos prprios dessa nova lngua, baseados nos hbitos que o aprendiz j
possua de sua LM; consequentemente, a aprendizagem de LE, segundo essa concepo,
116
desenvolvia-se pela imitao da fala do professor, que era tomado como modelo a ser seguido.
Na sala de aula, o professor apresentava fragmentos de lngua selecionados que seriam
praticados durante um perodo intensivo pelo aluno (ESPINET, 1997). Neste processo, o
acerto trazia respostas positivas que eram reforadas e a repetio do processo formava o
hbito. Afirmava-se que um velho hbito (o da lngua nativa) facilita a formao de novos
hbitos (os da lngua meta) dependendo das semelhanas e diferenas entre os velhos hbitos
e os novos (GARGALLO, 2005, p. 35).
A Anlise Contrastiva nasceu a partir da preocupao didtica com o erro; foi
idealizada como uma corrente lingustica revolucionria porque pensavam que se estava
criando um mtodo que evitaria todos os erros cometidos pelos alunos ao estudarem uma
lngua estrangeira; bastando, para isso, conhecer, atravs da comparao do sistema das duas
lnguas, as diferenas entre a Lngua Materna do aprendiz e a LE que estava aprendendo e
posteriormente lev-las s salas de aula.
No entanto, nos anos setenta, este modelo foi criticado por muitas razes tericas,
prticas e empricas; como exemplo destas crticas pode-se citar: a) resultados muito evidentes,
b) o modelo era de difcil aplicabilidade no ensino, c) no se identificava bem as dificuldades
existentes no processo de aprendizagem; e) ausncia de uma teoria forte para se utilizar, f)
prediziam-se erros que no ocorriam na prtica e g) considerava-se a lngua materna do aprendiz
como nica fonte de erros no processo de ensino aprendizagem de uma lngua estrangeira.
Apesar das fortes crticas, no se pode negar a contribuio dada pela Anlise
Contrastiva ao ensino de lnguas estrangeiras. De acordo com Duro (2004a, p. 16) esse
modelo de anlise:
Contribuiu de forma inegvel para o desenvolvimento das pesquisas sobre os
universais da linguagem, para o estudo das variaes diacrnicas e dialetais,
para o estudo da aquisio da linguagem, bem como para o campo da
traduo, alm de propiciar uma base para o desenvolvimento de materiais
eficazes para o ensino de lnguas, motivo pelo qual reaparece, mesmo que
modificado, no modelo de Anlise de Erros e, posteriormente, no modelo de
Interlngua.
117
118
Apesar das crticas, a AE tem um importante papel dentro das pesquisas referentes ao
processo de ensino e aprendizagem de lnguas, pois, ao analisar e classificar os erros se avalia
o processo e os mtodos aplicados dentro do ensino de lnguas. Atualmente, a AE tambm
vem sendo aplicada a outros mbitos das cincias da linguagem, como o ensino e
aprendizagem da LM, as patologias no desenvolvimento e uso da linguagem e na lingustica
forense (GARGALLO, 2005).
3 A teoria da interlngua
A partir da anlise das produes daqueles que estudavam uma lngua estrangeira,
descobriu-se que estas possuam caractersticas peculiares, idiossincrsicas, que no eram
encontradas nem na lngua nativa do estudante, nem na lngua estrangeira estudada; assim
sendo, descobriu-se que o aprendiz, ao tentar se comunicar em uma LE, utilizava um sistema
lingustico autnomo. Selinker (1972) props, ento, o termo interlngua para se referir a este
sistema lingustico particular do falante no nativo.
Para a definio de interlngua, Selinker (Ibib.) menciona a existncia, na mente do
aprendiz, de uma estrutura latente da linguagem que permite a aquisio da LM; junto desta
estrutura existe outra denominada estrutura psicolgica latente que se ativa no momento da
aprendizagem de uma LE.
Por este motivo, Selinker (1972), ao descrever o processo pelo qual o estudante
aprende e ao mesmo tempo tentar propor princpios para elaborar uma teoria psicolingustica
da aprendizagem de segundas lnguas, parte do pressuposto de que existe na mente do
aprendiz uma estrutura psicolgica latente que ativada quando o adulto tenta produzir ou
entender oraes na LE. Segundo ele (Ibid.), a diferena entre a estrutura psicolgica e a
estrutura latente da linguagem que a primeira no tem um programa gentico como o da
Gramtica Universal; tambm no se garante que ela v se ativar em uma determinada
lngua, j que muitos adultos no chegam a aprender uma lngua estrangeira.
As principais caractersticas da IL, para Gargallo (2005), so a sistematizao, a
permeabilidade, a variabilidade e a fossilizao. sistemtica porque nela se encontra um
conjunto de caractersticas lingusticas e sociolingusticas prprias; portanto, a IL no pode
ser considerada como uma mistura da LE com a LM, j que tem regras prprias e cada
aprendiz ou grupo de aprendizes possui um sistema especfico em determinado estgio de
aprendizagem. permevel porque permite a entrada, no seu sistema, de regras da LM e a
sobregeneralizao das regras da LE (ADJMIAN, 1982). Alguns pesquisadores afirmam que
119
120
Corder (1967), como a identificao do erro em seu contexto e sua classificao a partir da
tipologia de erros proposta por Fernndez (1997, p. 44-47).
Os erros grficos encontrados na produo escrita dos nossos informantes foram 308;
122 no primeiro estgio de aprendizagem (1C); 102 no segundo estgio (2 C) e 84 no
terceiro (3 C). A quantidade especfica de erros visualizada na tabela abaixo:
ERROS GRFICOS
Total
1.C - 21
2.C - 3
3.C - 9
33
Acentuao grfica
1.C 54
160
2.C -
61
3.C 45
Separao e unio de palavras
1.C - 2
04
3.C -2
No houve nenhum
caso
1.C 16
34
2.C 11
3.C 7
1.C 15
37
2.C 12
3.C 10
1.C 14
39
2.C 14
3.C 11
01
2.C 1
Uso de maisculas
308
Tabela 1 : Erros grficos
121
1. Cuando llegamos la primera cosas que hicimos fue organizar los cuartos de bao las
habitaciones(, ,) (I1, 1 C)
2. Todos los das por las trs o cuatro de la tarde hbamos a una duna de arena(, ,)(I11
C)
3. eran cuando yo viajaba para la ciudad de Sousa en el estado de la Paraiba.(,) (I3 1C)
4. Pero lo que ms eran los paseos a una ciudad vecina era muy emocinante(.) (I4,1 C)
5. En diciembre de 2003 hice un viaje maravilloso (,)(I6 1 C)
6. Adems de la belleza del lugar se puede aprender mucho sobre las costumbres(,) (I6 1
C)
7. Para mi el viaje inolvidable sera...(,) (I7 1 C)
8. Un da fuimos a un cierta sierra y all (I7 1 C)
9. Toda mi famlia reunida primos, tios (:)(I8 1 C)
10. Para me alegra mi madre resolvi dejarme ir (,) (I9 1 C)
11. Mi antiguo novio, yo y dos casales amigos de l fumos a conocer (,) (I12 1 C)
12. Despus de esa viaje contino a visitar la sierra, porque es un lugar fantstico (I12, 1
C)
13. Mi mejor vacaione ocurri en julio de 2002 yo y mi familia salmos...(.) (I13, 1 C)
14. Cuando llegamos en Madri cogemos un taxi en el taxi ocurri (,)(I13, 1 C)
15. Visitamos varios museles el estadio (,) (I13, 1 C)
16. despus de mucho trabajo, estudio y crescimiento personal vienen las vacacione(,) (I14,
1 C)
17. fueron en el mar en una viaje de quince das haciendo pesquisas ambientales (,) (I14, 1
C)
18. y la diversificada vida maria que encontrbamos todos los das desde siete de la
maana hasta las ocho de la noches(,) (I14, 1 C)
19. que es bastante diferente de la capital de Cear una ciudad litoranea (,)(I5, 2 C)
20. En diciembre de 2003 yo y ms diez personas hicimos tal viaje (,) (I6, 2 C)
21. En un da especial fuimos cenar en una barraca (,) (I7, 3 C)
22. llegamos en el puerto de Mucuripe en la ciudad de Fortaleza (,)(I4, 3 C)
23. Para mi el viaje inolvidable seria con certidumbre para Espaa (,) (I4, 3 C)
24. Es sin duda un sueo que puede ser realizado(, ,) (I4, 3 C)
25. Siempre que me pregunto cul sitio debera visitar la respuesta es siempre la misma (I6,
3 C)
26. Fuimos presentados al los puntos tursticos,de la regin ( )(I8, 3 C)
27. Cuando pequea me gustaba mucho visitar (,)(I9, 3 C)
28. de las calles de mi ciudad y de la estabilidad de la tierra tuve sentimientos increbles(,)
(I14, 3 C)
29. No s lo que fue mejor si el balanzo del mar, las noches sin iluminacin(,) (I14, 3 C)
Entre os erros de pontuao, o mais comum foi a omisso da vrgula,
principalmente na separao de complementos oracionais (ex.: 1, 2, 3, 8, 12, 14, 20, 21, 22).
Estes tipos de erros no so considerados graves porque no impedem a comunicao. Eles
no so de fcil identificao, portanto, consideramos como erros somente os casos mais
evidentes.
122
123
124
A maior parte dos erros relativos troca de fonemas, relaciona-se ao uso da . Muitos
utilizaram gaaban, marias, diero, probablemente por influncia de sua lngua materna, j
que no portugus se diz: ganhavam, marinhas e dinheiro. H tambm o uso da palavra tudo y
surpresa no lugar de todo e sorpresa.
125
126
Dentre os erros encontrados, esse foi o menos significativo. Somente um erro para o
uso das maisculas, talvez porque as regras de uso de maisculas sejam praticamente iguais
em portugus e espanhol.
Aqui apresentamos erros grficos totais em valores percentuais, como tambm os
percentuais desses erros, por coleta, com o objetivo de comprovarmos como esses erros
diminuram da primeira para a terceira coleta.
Pontuao e outros
signos
Acentuao grfica
13%
0%
11%
Separao e unio de
palavras
12%
11%
confuso de fonemas
52%
0%
Omisso de letras ou
letras que sobram
1%
Confuso de grafemas
para o mesmo fonema
Uso de maisculas
2a C
3a C
127
Concluses
Depois da nossa anlise, conclumos que se por uma parte, a proximidade tipolgica
entre portugus e espanhol ajuda nos estgios iniciais de aprendizagem, por outra, nos
estgios mais avanados, esta proximidade funciona como um desafio a se superar, pois esta
pesquisa mostra que o aluno segue transferindo muitas estruturas de sua lngua materna
lngua estrangeira que aprende; isso provoca as fossilizaes; ou seja, quando se trata de
lnguas prximas, a LM do estudante interfere de maneira ativa na aprendizagem de uma
lngua estrangeira tambm nos estgios de interlngua mais avanados, pois o aprendiz faz
uso do conhecimento lingustico que tem de sua lngua materna para solucionar dificuldades
que encontra na aprendizagem da LE.
Dos 308 erros grficos encontrados na nossa anlise, os mais numerosos foram os de
acentuao grfica (160 erros), a troca de letras para o mesmo fonema no interior da palavra
(39) e a omisso de letras ou letras que sobram (37).
Muitos dos erros encontrados nas produes dos aprendizes fossilizam-se, como por
exemplo, muitos de acentuao grfica, uso da letra v no lugar de b e o uso de z e c.
Temos conscincia que os erros encontrados neste estudo no causam dificuldades na
comunicao, no entanto, preocupante o nmero de erros encontrados no estgio avanada
de aprendizagem. Parece-nos importante desenvolver adequadamente nos aprendizes a
capacidade de por em prtica cada uma das habilidades que compe o sistema lingustico do
espanhol, e entre elas se encontra a escrita. Uma possvel terapia para os erros grficos a
leitura de obras literrias e produes escritas que podem ocorrer atravs de atividades
motivadoras que venham a ajudar o aluno a desenvolver a competncia comunicativa do
estudante. Estamos de acordo que o texto e o discurso literrio so excelentes fontes de
materiais que proporcionam ao aprendiz, a travs da leitura, um amplo, variado e
enriquecedor input lingustico e cultural essenciais para uma aprendizagem eficiente.
Esperamos que as informaes desta pesquisa possam ajudar os professores de
espanhol a elaborar atividades especficas para estudantes brasileiros e que tambm provoque
128
Referncias bibliogrficas
129
IX
130
Consideraes iniciais
Ao estudarmos sobre o tema crenas percebemos que o ensino e a aprendizagem da
lngua (nesse caso, sem especificar nenhuma delas) est to relacionado s estruturas
gramaticais, semnticas e lxicas da lngua quanto motivao e a afetividade empregadas
nesse estudo. Aquilo que o professor acredita pode influenciar diretamente em sua maneira de
ensinar e no contedo que o aluno vai aprender, pois o crer em algo o que direciona os
pensamentos e as aes, tanto do professor quanto do aluno. Nesta pesquisa investigamos
como essas convices interferem, por exemplo, no trabalho do professor com o Texto
Literrio (TL) em aulas de lngua espanhola do ensino mdio.
Assim sendo, nossa pesquisa foi realizada, em 2013, com 5 professores de espanhol da
rede estadual de ensino da cidade de Mossor (RN) e teve como objetivo detectar e investigar
as crenas desses professores quanto ao uso do TL em aulas de espanhol do ensino mdio. A
concluso da pesquisa poder lev-los a refletir sobre o seu ensino e poder ajud-los a
aprimorar a qualidade do mesmo.
Iniciamos, ento, discutindo um pouco sobre o significado do termo Crenas para os
principais especialistas no assunto: Barcelos (2001, 2004, 2006, 2007), Almeida Filho (2008)
e lvarez (2007) dentre outros. Tambm, abordamos a natureza das crenas que de
fundamental importncia para entendermos que elas mudam de acordo com o contexto
(histrico, social); de acordo com os sujeitos envolvidos (professores, alunos) e com o tema
abordado. Depois, mencionamos os trs perodos identificados por Barcelos (2004) nos quais
se tratou o assunto sobre crenas traando um pequeno panorama histrico sobre as
pesquisas nessa rea.
No segundo momento, refletimos sobre a importncia do material literrio em sala de
aula, para o ensino e aprendizagem de lngua estrangeira, apresentando-o como um material
didtico e autntico, j que ele abarca no s componentes lingusticos, como tambm
histricos, sociais e culturais. A partir dos documentos legais, evidenciamos sua funo
legitimada pela escola, porm no to esclarecida para o docente. Finalmente, apresentamos o
resultado e a anlise dos dados coletados a partir dos questionrios aplicados com os
professores de espanhol do ensino mdio da rede pblica de Mossor.
131
Quando pensamos no termo crenas de forma isolada, sem fazer correlao com o
tema aprendizagem e ensino de lnguas, talvez suscite em ns uma expectativa outra, de
imediato, que faa aluso somente a um aspecto religioso. Segundo o dicionrio Aulete
Digital29, o termo se configura em 4 acepes a saber: Ao ou resultado de crer (com ou sem
razes, motivos, confirmao objetiva etc.); f religiosa; aquilo que uma pessoa ou grupo
considera como verdadeiro; profunda e ntima convico; certeza; confiana. Essa mesma
palavra, segundo o prof. Dr. Luiz Machado (2012)30 tem sua origem no lxico credentia do
latim, do verbo credere crer, que significa aderir pela f, ter a firme convico, no ter a
menor sombra de dvida. A crena indica a persuaso que se tem da verdade de algo. Como
tambm significa uma manifestao pela f e esse ltimo est intrinsecamente relacionado
religio, nada mais natural do que associarmos nica e exclusivamente uma expresso outra.
De acordo com Doron e Parot (1998 apud SILVA, 2007, p.237) a crena pode
apresentar-se como uma opinio [...] como uma crena propriamente dita [...] ou como um
saber. Podemos ver crenas como um pensamento, uma opinio, uma convico sobre algo;
outro fator que se deve levar em conta, se de fato tem-se conscincia ou no dela, pois as
crenas podem surgir inconscientemente em cada pessoa, deixando transparecer em
determinados comportamentos e mudados de acordo com a relao social.
Segundo Pajares, (1992 apud BARCELOS, 2001) crenas so um conceito complexo.
Parte dessa complexidade deve-se existncia de diferentes termos usados para se referir s
crenas. Almeida Filho (2008, p.13) postula que crena ou:
AULETE Digital. Dicionrio Contemporneo da Lngua Portuguesa. Verso digital. So Paulo (SP), Brasil:
Lexicon, 2008.
30
MACHADO,
Luiz.
Emotologia,
Crena
e
F.
2012.
Disponvel
em:
<http://www.cidadedocerebro.com.br/artigo/0000112/Emotologia-Cren%C3%A7a-e-F%C3%A9>. Acesso em
06 de agosto de 2013.
132
como aprender lnguas. Todo esse conjunto de saberes deve estar de acordo com a idade,
com o nvel social, econmico e intelectual desse aprendiz. Ainda segundo Barcelos (1995,
p.38) diversos autores utilizam variados termos para esclarecer essa cultura de aprender,
Wenden (1986) chama de crenas e abordagens de aprender lnguas dos
alunos; Rivers(1987), de maneiras de aprender culturalmente bsonas;
Richards (1990), de abordagens de aprender; Almeida Filho usa tecnologia
informal de aprender (1988), abordagens de aprender e cultura de aprender
lnguas (1993) e Erickson (1984) utiliza cultura do aluno.
1.1
ponto que merece destaque o que explicita a natureza das crenas. A partir disso, tivemos
uma preocupao em saber como essa natureza disposta. Barcelos e Kalaja (2003 apud
BARCELOS, 2006) reforam as crenas como sendo dinmicas, emergentes, experienciais,
mediadas, paradoxais e contraditrias, as relacionadas ao de maneira indireta e complexa
e as no to facilmente distintas do conhecimento.
Enquanto natureza dinmica, as crenas mudam com o tempo, ou seja, elas no so
geradas imediatamente. Inclusive, Barcelos (2006, p. 19), por meio de leituras de Dufva,
corrobora que crenas so sempre ancoradas a algo incidentes do passado, pessoas que
foram significativas, assuntos que lemos ou ouvimos na mdia ou opinies de nossos
professores na escola. As crenas emergentes so construdas a partir de experincias que se
desenvolvem no contexto e relao social. Barcelos (2006, p. 19) diz que: [...] crenas no
esto dentro de nossas mentes como uma estrutura mental pronta e fixa, mas mudam e se
desenvolvem medida que interagimos e modificamos nossas experincias e somos, ao
mesmo tempo modificados por elas [...].
No caso das crenas experienciais, se desenvolvem a partir de relaes entre pessoa e
ambiente; Kalaja e Barcelos (2000 apud BARCELOS, 2006, p.19) afirmam que as crenas
dos aprendizes so parte das construes e reconstrues de suas experincias. No caso das
133
1.2
135
31
136
137
Entende-se material autntico o texto que por encima de sus rasgos estilsticos, asuma perspectivas y
posibilidades de formacin tanto de valor cultural, como de orden pragmtico y sociolingstico. (MENDOZA,
2007, p.67 e 68)
138
Desta forma, o professor que utiliza o material literrio em sala de aula contribui para
que o aluno se torne um ser autnomo, autntico, crtico e responsvel por todo o contedo
comunicativo que lhe chega ou que dele parte, e que constri os intricados lingusticos
necessrios a sua insero em sociedade.
Neste momento trazemos todas as questes exploradas nos questionrios, bem como
nossas consideraes e anlises sobre os resultados observados, por meio das respostas dos
sujeitos investigados, que so identificadas como (R). Ressaltamos que as questes do conta
de investigar tambm a formao desse professor, sobre os manuais didticos utilizados, o
aprecio dado s questes de gramtica, lxico, leitura no ensino do espanhol durante suas
139
aulas, para ento adentrarmos especificamente do nosso foco que o TL a partir da questo
10.
4- Qual a carga horria (definir por minutos) semanal destinada a esta disciplina por
turma?
R - As aulas so de 50min para turmas em turno diurno; de 35 a 40 min. para o turno noturno
no ensino mdio regular. No que diz respeito ao ensino inovador33, temos 100 min. semanais.
6- Que manual didtico adotado para esta disciplina? O professor participa desta
escolha? Como? No caso de utilizar material complementar, especifique.
R Todos os professores adotam o livro didtico: trs (3) deles adotam o Sntesis e dois (2), o
Enlaces. Dos professores participantes, apenas um (1) no mencionou se participa ou no da
33
Nas escolas pblicas, o ensino da lngua espanhola acontece unicamente no Ensino Mdio, com apenas 1 aula
por semana (que resulta, em efetivo, menos de 40 minutos h/a por semana). Isso no Ensino Mdio Regular, pois
nas escolas que adotam o Ensino Mdio Inovador, implantado em 10 escolas estaduais de Mossor, o ensino
da lngua espanhola dividido em mdulos de 6 meses cada, por exemplo: a turma 1 A estuda a referida lngua
no 1 semestre. No 2 semestre a vez do 1 B.
140
escolha do livro. Em relao ao uso de material complementar, dois (2) responderam que
utilizam o livro Enlaces, tambm textos e materiais da internet.
8- A escola oferece recursos, alm dos didticos, para as aulas de lngua espanhola?
Quais?
R - Dos cinco (5) professores, quatro (4) responderam que sim, que a escola oferece outros
recursos e um (1) respondeu que a escola no oferece.
9 - Voc considera o Texto Literrio (TL) como um tipo de material didtico? Justifique.
R - Os professores P1, P3, P4 e P5 consideram o TL como um tipo de material didtico. P1
respondeu que se pode trabalhar o TL como material paradidtico, aproveitando os textos
presentes no livro didtico e tornando a aula mais prazerosa. P2 no respondeu, porm
afirmou que com os textos literrios se pode trabalhar aspectos culturais dos latinos atravs
dos vrios gneros literrios, como poesia, crnica e etc. P3 disse que uma excelente forma
de explorar a lngua, a cultura. J P4, no justifica o porqu de o texto literrio ser
considerado um material didtico, s menciona que bom e que os textos so do gosto dos
alunos. Por fim, P5 afirma que sim, que a partir do texto h sempre a possibilidade de o aluno
desenvolver suas habilidades de leitura e escrita.
Constatamos assim, que duas professoras consideram o TL como material didtico por
se aproximar dos aspectos culturais da lngua, dois o considera por desenvolver habilidades de
leitura e escrita e a outra por fazer da aula um espao mais prazeroso. No entanto, notamos em
Mendoza (2007) que o TL enquanto material didtico se aproxima no s dos aspectos
culturais da lngua como tambm reflete aspectos pragmticos culturais dos atos de fala e
peculiaridades poticas. MENDOZA (2007) complementa dizendo que o texto literrio como
recurso e material didtico ativa tanto o processo de interao prprio da leitura quanto da
cooperao/interao entre os conhecimentos prvios do leitor-aprendiz estimulando
141
competncias e habilidades lingusticas. Posto isso, notamos que a maioria dos professores
ainda no tm uma noo da dimenso que o TL ocupa enquanto material didtico, pois o
condicionam em apenas uma categoria de aprendizagem: para adquirir aspectos culturais ou
como mecanismo para explorar a leitura ou a escrita.
10 - Voc acredita que importante o uso do TL nas aulas de Espanhol como Lngua
Estrangeira (E/LE)? Por qu?
R - Os 5 professores investigados responderam que consideram importante o uso do TL nas
aulas de Espanhol. P1 e P2 justificaram que, por meio do TL, trabalham com aspectos
culturais da lngua e do aos alunos a oportunidade de outras leituras. P3 acredita ser
importante o uso do TL em sala, alm de acreditar tambm na modificao do universo que
rodeia o aluno, ou seja, a partir do TL o aluno pode encontrar uma sada para desfazer a
imagem de uma sociedade carente de cultura e que, a partir deste, se pode trabalhar tambm
os aspectos orais, escritos e auditivos, contextualizando com a vivncia dos alunos. P4 e P5
respondem que o uso do TL importante nas aulas de E/LE, porm no justificam, apenas
mencionam que a resposta est na questo anterior, ou seja, sua importncia incide sobre os
aspectos de leitura e escrita.
Dois consideram ser importante o uso do TL como meio de aquisio de
conhecimentos culturais; um deles menciona que o trabalho com o TL contribui para o
desenvolvimento das habilidades (oral, auditiva, escrita), e outros dois, apesar de terem
contemplado essa resposta na questo anterior, relacionam sua importncia aos aspectos
inerentes leitura e escrita em lngua espanhola. Conforme vimos em Mendoza (2007), os
textos literrios so materiais muito ricos, pois no se limitam a aspectos estruturais da lngua
e ainda difundem a cultura de um povo. Alm disso, atravs dos textos literrios, que o
aprendiz de LE se enfrenta, sempre mediante a leitura, a uma complexa atividade cognitiva de
construo de significados e de atribuio de interpretaes. (MENDOZA, 2002, p.121)
11 - Voc consideraria o TL como um material autntico (um documento real para
atividade de aula)? Por qu?
R - A professora P1 no considera o TL como material autntico referindo-se aos textos
encontrados no livro didtico, que muitas vezes, so adaptados. P2 respondeu que em alguns
casos encontra textos literrios autnticos como uma poesia ou letra de msica. P3 menciona
no ter a certeza em considerar o TL como material autntico, mas diz que por meio dele
capaz de inserir o aluno na cultura do outro. P4 respondeu que sim, mas mostrou no saber o
142
que seria um material autntico. E P5 relacionou o texto literrio, enquanto material autntico
aquisio do conhecimento.
Diante dessas respostas notamos que os professores investigados no se sentem
seguros ao afirmar se o TL um material autntico. No entanto, quando lemos Mendoza
(2007) entendemos que o texto literrio um documento real em si mesmo, sendo trabalhado
e adaptado segundo as perspectivas e objetivos concretos de aprendizagem dos agentes
envolvidos (aluno e professor). Esses mesmos objetivos aportam distintos tipos de input
lingusticos to vlidos quanto aqueles encontrados nos textos periodsticos e anncios
comerciais que circulam cotidianamente. (MENDOZA, 2007, p. 62 )
12 - Alguma vez j trabalhou com o TL nas aulas de E/LE? O que o motivou? Que
gneros literrios foram utilizados? Como foram abordados (descreva o passo a passo de
uma das atividades desenvolvidas a partir do TL)? De onde foram retirados estes
textos?
R- A professora P1 nunca trabalhou com o texto literrio em sala de aula, no respondendo,
portanto, os demais questionamentos. J as professoras P2, P3 e P4 j desenvolveram algum
trabalho com o TL em aulas de E/LE. Apenas a professora P4 respondeu que o que a motiva
a leitura compartilhada ao trabalhar o TL em sala.
13 - Se emprega o TL nas aulas, com que frequncia o faz (uma vez por ms, quase sempre, s
vezes, nunca)?
R- Trs dos professores investigados no empregam com tanta frequncia o texto literrio
nas aulas de E/LE. A professora P1 o faz por indicao do manual didtico, no entanto,
notamos uma contradio desta sua resposta com a anterior, onde afirma nunca empregar TL
em sala. Podemos dizer, ento, que P1 no reconhece um TL? A P2 no responde a questo,
menciona apenas que retira o texto de algum livro. A P3 utiliza de acordo com sua
preferncia, pois o TL raro no livro didtico e a escola no faz nenhuma exigncia. A P4
respondeu que sempre utiliza o TL fazendo-o para sair um pouco do livro didtico e
proporcionar outras leituras para o aluno. J P5, afirma que o emprega uma vez por bimestre.
Desta forma, notamos que duas das professoras empregam o TL de acordo com sua
preferncia, uma por indicao do manual didtico, outro emprega uma vez por bimestre, mas
no menciona a motivao. Assim sendo, percebemos que no h um espao efetivo dedicado
ao trabalho com o TL em sala de aula, de certa maneira, h um descaso com esse tipo de
144
texto. No fosse pela sua presena espordica no manual didtico, possivelmente, no haveria
a possibilidade de pensar nesse tipo de texto enquanto instrumento de ensino aprendizagem.
Temos, ento, enquanto professores, que pensar no TL como ferramenta
emancipatria, pois o texto literrio forma parte de uma categoria de tipologia e muitas vezes
utiliza outra tipologia especfica para reescrev-la conforme sua subjetividade. Essa prtica
permite ao aluno perceber que dentro de uma sociedade se utilizam os textos para diferentes
objetivos e contribui tanto para o incremento de seu conhecimento intertextual como de sua
competncia comunicativa [...] (SANTOS, 2007 apud CABRAL DE PAIVA, 2012, p.81)
145
uma lngua estrangeira no deveria ser ensinada do mesmo modo que as demais disciplinas,
deveria ser uma disciplina ofertada em forma de curso.
Essa questo elucida dois dos fatores contextuais que afligem os professores em sala
de aula: a falta de tempo e o programa da disciplina. Corroborando com esse pensamento,
Borg (2003 apud BARCELOS, 2006, p.30), cita como fatores contextuais: exigncias dos
pais, diretores, escola e sociedade; arranjo da sala de aula; polticas pblicas escolares;
colegas, testes, disponibilidade de recursos; condies difceis de trabalho (excesso de carga
horria, pouco tempo para preparao). Tambm alunos desmotivados ou resistentes para
aprender, programa fixo dentre outros motivos que influenciaro a realidade e as habilidades
dos professores fazendo-os adotar prticas que reflitam suas crenas.
Consideraes finais
O tema das crenas no espao escolar suscita inumerveis abordagens (sobre o espao
do texto literrio (TL), sobre a prtica docente, sobre produo de materiais didticos, sobre a
aquisio de uma lngua e diversos outros); suscita tambm os vrios atores envolvidos no
processo de ensino aprendizagem: os professores, os alunos, os gestores, todos aqueles que
direta ou indiretamente contribuem para a prtica pedaggica. Nossa investigao sobre o
espao do texto literrio em aulas de lngua estrangeira levou em considerao apenas as
convices e o fazer pedaggico dos professores. Tratamos de investigar as crenas que os
professores de espanhol do ensino mdio, que atuam em escolas pblicas, tm em relao ao
uso do texto literrio para o ensino-aprendizagem dessa lngua e como essas convices se
refletem em sua prtica de ensino. Percebemos que, por vezes, o professor nem sabe o que
classificar como literrio e atribui esse desconhecimento a uma formao insuficiente e que
deixou a desejar. Notamos tambm que os docentes ainda enfrentam muitas problemticas
como: alunos desmotivados, salas lotadas, material didtico que no atende ao pblico,
muitos dos professores ainda fora de sua rea de atuao (apenas 2 dos 5 professores
investigados so formados na rea de lngua espanhola), pouco tempo de aula por semana (em
mdia 50 minutos por semana) dentre outros. Outro ponto discutido foi a forma de abordagem
do TL e consideramos que ainda continuam com uma tcnica de ensino um tanto
tradicionalista que trata o texto literrio como mero pretexto para atividades de lxico e de
gramtica. Percebemos tambm que os professores ainda no se sentem seguros em
considerar o TL como material autntico e didtico o que nos motivou a pensar numa
147
pesquisa futura, objetivando auxiliar diretamente esses profissionais por meio de minicursos e
oficinas. Apesar disso, notamos professores conscientes do seu papel transformador perante
os seus alunos e perante o sistema educacional e principalmente (em relao essa pesquisa),
consciente da importncia da utilizao do TL em sala de aula como componente completo e
complexo para uma efetiva aprendizagem. Desta forma, notamos uma contradio entre
crena e ao, pois apesar de grande parte desses professores considerar que o TL um lugar
de possibilidades para se explorar a lngua e a cultura, no se sentem seguros, ou porque no
dizer motivados, para este fim tendo em vista a pouca discusso sobre o tema durante a sua
formao superior.
Essa pesquisa, alm de ser uma das primeiras no tema em nosso municpio (e em nvel
nacional tambm, tendo em vista que a maioria das pesquisas nessa rea tendem para a lngua
inglesa) pde contribuir para a reflexo dos professores em relao ao ensino do espanhol
como lngua estrangeira partindo do TL. Assim, a partir dos embasamentos tericos e da
possibilidade de transformar/aperfeioar sua prtica, os docentes tm a capacidade de
dinamizar os mtodos utilizados para o ensinamento, reconhecendo que o TL pode ser usado
para tantos fins quantos forem propostos e observar que este texto abrange os conhecimentos
da lngua, seja cultural ou gramatical, histrico ou social, e que tambm proporciona aos
alunos uma motivao para a aprendizagem.
A ns, autoras desta pesquisa, observamos a grande importncia do uso do TL
enquanto ferramenta de ensino, as possibilidades que ele proporciona para a aprendizagem
dos alunos e a partir disso refletir sobre a aplicao dos conhecimentos adquiridos na pesquisa
em nossa futura prtica docente.
Consideramos ainda que a pesquisa pode ser estendida para todos os sujeitos
envolvidos, no s os professores, como tambm os alunos, os gestores, os pais, todos que
estejam engajados no processo de ensino-aprendizagem atravs da transformao de si e do
outro, pois como diria Paulo Freire, Educao no transforma o mundo. Educao muda
pessoas. Pessoas transformam o mundo.34
Referncias bibliogrficas
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148
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150
151
Introduo
1 Breve histrico sobre a utilizao do gnero literrio nas aulas de espanhol como
lngua estrangeira
Quando observamos o discurso humano, percebemos que a utilizao de gneros
textuais tem se tornado cada vez mais usual, isso por que os gneros oferecem uma gama de
valores que possibilitam o processo da comunicao humana e surgem da necessidade e das
atividades scio-culturais. Segundo Costa (2008, p.20) os gneros textuais, orais e escritos,
so produtos histrico-sociais de grande heterogeneidade, em funo dos interesses e das
condies de funcionamento das formaes sociais.
152
Segundo Souza e Souza (2010), na histria da didtica das lnguas, existiu um difcil
dilogo entre os gneros literrios e a aprendizagem de lngua estrangeira como herana da
viso que se tinha do texto literrio no mtodo de gramtica e traduo; neste mtodo, ele era
usado, nas aulas, como modelo quase sagrado a ser seguido pelos alunos, ou seja, era a
mxima amostra de lngua e de cultura dos povos. No entanto, o tempo passou e os estudos a
cerca de sua utilizao foram aprimorados; diante disso, percebeu-se que o gnero literrio
vivo e por mais que alguns sejam complexos de se trabalhar em alguns nveis de
aprendizagem, seu uso nas aulas de LE, tem se tornado cada vez mais eficaz, devido a sua
35
153
estreita relao com a pragmtica. Nesta nova viso, o professor deve estimular o aluno a
interagir com o texto e a fazer relaes com o mundo.
Fillola (2002, p. 119) nos chama a refletir, em seus estudos, sobre a importncia de se
trabalhar o texto ou discurso literrio nas aulas de Espanhol como Lngua estrangeira (E/LE),
154
Garca (2007) traz uma reflexo relacionada aos critrios para selecionar o gnero
literrio mais adequado para as aulas de espanhol como LE; segunda ela, estes critrio devem
estar relacionados aos objetivos propostos pela abordagem comunicativa. Estes textos
primeiramente devem ser acessveis, ou seja, adequados ao nvel de conhecimento do
aprendiz; em segundo lugar, devem ser significativos e motivadores; em sua escolha ento,
deve-se levar em conta o interesse dos estudantes e se o texto divertido e prximo da
realidade dos aprendizes; em terceiro lugar, os textos devem ser integradores para que assim
se possa trabalhar diferentes habilidades lingusticas e, finalmente, devem oferecer muitas
formas de explorao, ou seja, permitir a criao de diferentes atividades que facilitem a
aprendizagem da nova lngua.
155
Concluses
158
Referncias bibliogrficas
COSTA, S. R. Dicionrio de Gneros textuais. Belo Horizonte: Autntica Editora, 2008.
GARCA, M. D. A. Cmo llevar la literatura al aula de E/LE: de la teora a la prctica. In:
Marco ELE, Revista de Didctica ELE, n 5, 2007.
FILLOLA, A. M. Materiales literarios en el aprendizaje de lengua extranjera. Universidad
de Barcelona: ICE Horsori, 2007.
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GUILLN. C. (Org.). Lenguas para abrir camino. Madrid: Ministerio de Educacin, Ciencia
y Deporte, 2002.
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ensino-aprendizagem de E/LE. In: Gomes, A. T. (Org.). Estudos de Lingustica Aplicadas ao
Ensino de Espanhol como Lngua Estrangeira. Braslia: cone grfica e editora, 2010.
159
XI
160
Introduccin36
El desarrollo de la lengua espaola en Brasil cont con el apoyo de herramientas
creadas por el gobierno para orientar, auxiliar y medir la enseanza- aprendizaje de la lengua,
como los Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Medio (PCNEM, 2000) y las
Orientaes Curriculares Nacionais para o Ensino Medio (OCNEM, 2000), documentos que
orientan sobre la metodologa y la didctica en las clases de E/LE en este contexto.
Paralelamente, el gobierno federal desarroll el Programa Nacional do Livro Didtico
(PNLDEM), por el cual los alumnos de las escuelas pblicas de nivel medio reciben
gratuitamente, durante los tres aos de curso, manuales de espaol elegidos previamente por
sus profesores a partir de una serie de opciones ofertadas por el Ministrio da Educao
Brasileiro (MEC). Por fin, en el ao 2010 se introdujo en el Examen Nacional do Ensino
Mdio (ENEM), una selectividad de carcter nacional, la prueba de lengua espaola, con el
objetivo de medir los conocimientos del discente en el idioma.
A la vista de este conjunto de acciones para poner en marcha la enseanza del
espaol en territorio brasileo y, despus de algunos aos de adecuacin, nos pareci
interesante investigar (durante el Mster oficial en enseanza de lenguas extranjeras: espaol
como lengua extranjera por la Universidad de Roriva- Tarragona/ Catalua) este contexto,
tanto por la creciente importancia del aprendizaje del espaol en Brasil como por el hecho de
que, en un futuro prximo, nos gustara desempear como profesora en este contexto. En esta
investigacin, nos dedicamos a analizar el seguimiento o no de las directrices de los
currculos brasileos para la enseanza del E/LE en el proceso de enseanza-aprendizaje del
idioma: manuales, exmenes y dinmica del aula. Sin embargo, para este e-book nos
limitaremos a presentar solamente los resultados de anlisis en los manuales a partir del
PNLDEM.
1.
(2013) relata que en 1937, durante la gestin del ministro Gustavo Capanema, se cre el
Instituto Nacional do Livro (INL), que dio lugar al nacimiento de comisiones para legislar las
polticas de produccin y circulacin de libros de texto en todo el territorio nacional. En 1938
36
O presente artigo se encontra em lngua espanhola para respeitar o texto original retirado, aps releitura, da
dissertao de Beth Francione realizada pela Universidade Rovira i Virgili - Tarragona/ Catalua (Espanha).
161
surgi la Comisso Nacional do Livro Didtico (CNLD), que inici una etapa de promocin
y acceso a los libros en todo Brasil. Casi cincuenta aos despus, el 19 de agosto de 1985
naci el Programa Nacional do Livro Didtico (PNLD) que, ejecutado por el gobierno federal,
planifica, evala, compra y distribuye, gratuitamente, los manuales a los alumnos de la
educacin bsica pblica del pas.
El PNLD, pues, pasa a preocuparse por la calidad y durabilidad de los libros
distribuidos y tambin transfiere a los docentes la eleccin de los libros utilizados en las
escuelas. Segn Oliveira (2013), este programa se hizo extensivo en 2003 a la enseanza
media de las escuelas pblicas brasileas, siendo nombrado en este mbito Programa
Nacional do Livro para o Ensino Mdio (PNLEM). Tras la adopcin del PNLEM, se pasa a
distribuir, gratuitamente, manuales de Portugus, Geografa, Historia, Matemticas, Qumica,
Fsica, Biologa y Lengua Extranjera (Espaol e Ingls). Asimismo, lleva a las escuelas
diccionarios, publicaciones en braille y diccionarios ilustrados trilinges en LIBRAS
(Lenguaje Brasileo de Signos).
Cassiano (2007, en Oliveira, 2013) define las etapas por las cuales han pasado el
PNLD y el PNLEM:
a) publicacin del edicto para que las editoriales presenten sus manuales; b)
seleccin previa de los manuales observando los criterios establecidos por el
MEC; c) evaluacin pedaggica de los libros; d) produccin y distribucin
de las guas de los libros a las escuelas; e) eleccin de los libros (por los
profesores); f) procesamiento de las demandas; f) habilitacin de los
detentores de derechos de autor; g) compra de libros; h) produccin de los
libros; i) control de la distribucin en los estados; j) campaas de
conservacin y devolucin de los libros (Cassiano, 2007: 50; en Oliveira,
2013: 107).
Oliveira (2013) aade que cada alumno recibe un manual elegido por los docentes
para cada asignatura presente en el currculo, y los devuelve a final de cada ao para que sean
repuestos. Cada tres aos, el proceso se inicia otra vez con la eleccin y distribucin de
nuevos manuales; sin embargo, es posible que se repita la eleccin de uno o ms libros.
El autor tambin presenta el decreto de n. 7.084, de 27 de enero de 2010, que expone
los objetivos generales de los programas:
Art. 2 [...]
I- melhoria do processo de ensino e aprendizagem nas escolas pblicas,
com a consequente melhoria da qualidade da educao;
II - garantia de padro de qualidade do material de apoio prtica
educativa utilizado nas escolas pblicas;
III - democratizao do acesso s fontes de informao e cultura;
IV - fomento leitura e o estmulo atitude investigativa dos alunos; e
V - apoio atualizao e ao desenvolvimento profissional do professor
(Oliveira, 2013, p. 108).
162
El decreto tambin fija las directrices que deben seguir los programas en el pas:
Art.3:
I - respeito ao pluralismo de ideias e concepes pedaggicas;
II - respeito s diversidades sociais, culturais e regionais;
III - respeito autonomia pedaggica dos estabelecimentos de ensino;
IV - respeito liberdade e o apreo tolerncia; e
V - garantia de isonomia, transparncia e publicidade nos processos de
avaliao, seleo e aquisio das obras (Oliveira, 2013, p. 108).
163
haya sido mayor el nmero de rechazos que el de aprobaciones, se espera que en las prximas
convocatorias del programa haya ms obras seleccionadas, ya que esta ha sido la primera
convocatoria de este mbito del programa y, consecuentemente, los autores y editoriales
todava se estn adecuando a las directrices y objetivos establecidos por el PNLEM. En 2012,
entonces, las obras fueron llevadas a las escuelas, a partir de la eleccin previa de cada
docente.
Para el autor, la inclusin del ingls y del espaol en el PNLD (2011) y en el PNLEM
(2012) es muy destacada en la poltica de la enseanza de lenguas en Brasil. Sin embargo,
existen discrepancias entre las orientaciones educativas brasileas para la enseanza de LEM
(Lengua Extranjera Moderna) y lo que de verdad ponen en prctica los manuales inscriptos en
el programa. Gonzlez (2010b, en Oliveira, 2013) apunta algunos de los problemas que
fueron decisivos para la exclusin de algunas colecciones del PNLD y del PNLEM:
Falta de coherencia entre el discurso y la prctica: muchas de las colecciones
afirmaban que seguan las orientaciones de los documentos oficiales para la enseanza de
E/LE en el pas (PCN y OCNEM); no obstante, en las unidades didcticas de estos
manuales no se identificaba as.
Gran cantidad de errores en las colecciones: errores de ortografa, de revisin,
de aspectos culturales, de sintaxis, de concordancia, de traduccin y de conceptualizacin.
Imprecisiones en las orientaciones destinadas a los docentes sobre las
actividades propuestas.
Escasez en la presentacin de textos de tipos y gneros distintos.
Predominio de actividades escritas de redaccin escolar, donde se valora ms
el producto que el proceso de su construccin;
Falta de atencin en la exposicin de la variacin lingstica.
164
37 <http://www.fnde.gov.br/arquivos/category/125-guias?download=5510:pnld-2012-lingua-estrangeira>.
Fecha de consulta: 10 de junio de 2014.
165
didctica aade que la coleccin incluye actividades para la produccin escrita (apartado
Dale!) y oral (apartado Dale!) y para la comprensin oral (apartado Para escuchar). En los
libros tambin se trata de los elementos lingsticos (en el apartado Ojo!). Dichos elementos
todava son practicados (apartado Ahora t) y sistematizados (apartado Para consultar)
La gua tambin afirma que hay un apartado titulado Para curiosear que incluye
curiosidades y aadidos sobre los elementos tratados en las diversas unidades.
El anlisis de la coleccin que ofrece la gua muestra que los manuales presentan una
gran variedad de textos de distintos tipos y variedades del espaol, contribuyendo as para la
eliminacin de los estereotipos. Adems, la diversidad de los textos presenta una gradacin
respetando el nivel de los alumnos. Hay tambin una explotacin de la cultura brasilea e
hispnica respetando as la interculturalidad.
Segn la gua, la comprensin escrita es el foco de trabajo de los manuales, y en
algunas lecturas se expone su contexto de produccin. El alumno tambin se considera un
lector crtico. Se indica asimismo que en la coleccin el trato dado a la comprensin y
produccin oral no es el mismo que recibe la comprensin escrita.
166
167
que estas
metalingsticas y que muchas veces son bastante sencillas. Hay tambin en este apartado
fallos de revisin que segn la gua, el profesor debe poner atencin.
El manual del profesor, adems del solucionario del manual del alumno y de las
transcripciones de los audios utilizados en el libro, contiene sugerencias tericas y
metodolgicas para su uso en clase.
El manual 2 de la coleccin presenta la siguiente organizacin:
Contenidos temticos: profesiones y proyectos de vida: dictadura en
Sudamrica; tipos de ocio; trastornos alimenticios y culto al cuerpo;
conceptos y tipos de familia; objetivos del milenio; hbitos alimenticios;
cambios climticos. Comprensin escrita: en el apartado Y no solo esto, son
incluidos tipos y gneros de texto variados relacionado al tema de la unidad.
Produccin escrita: anuncio de clasificado de empleo; biografa; gua de
entretenimiento; comentario en un blog; lbum de familia; entrevistas; gua
de salud; artigo de divulgacin cientfica. Comprensin oral: dilogos;
biografa, relatos; consejos y entrevistas. Produccin oral: reproducir frases
controladas. Elementos lingsticos: perfrasis de futuro; verbos
querer/pensar + infinitivo; conjunciones de causa y efecto; verbos regulares
e irregulares en el pretrito indefinido; acentuacin grfica (agudas y
graves); verbos en pretrito perfecto compuesto; acentuacin (esdrjulas y
sobresdrjulas); verbos regulares e irregulares en pretrito imperfecto de
indicativo; contraste entre el pretrito imperfecto y el pretrito indefinido;
posesivos tonos y tnicos; artigo neutro lo; verbos regulares e irregulares en
futuro de subjuntivo; perfrasis verbal (estar + gerundio); oraciones
condicionales. Lxico relacionado a las profesiones; expresiones temporales
para expresar pasado y presente; familia; expresiones de deseo y
probabilidad; alimentos; naturaleza y ecologa. Fontica: c, s, z (Gua de
Livros Didticos PNLD 2012, p. 25).
1.1.3 Sntesis
169
I)
Los tres manuales de la coleccin presentan 184 pginas, cada uno, con tipos de letras
variados, empleo de color en imgenes y letras, diferentes fotografas e ilustraciones y
CD/MP3 para las actividades de comprensin auditiva. Las grabaciones son claras y la
diccin de los locutores tambin, presentan todava, distintos tipos de acento y no hay ruidos
exteriores a la grabacin.
a)
Objetivos generales
comunicativas y del contacto con las culturas de otros pueblos, con otros modos de pensar, de
vivir y de expresarse;
b)
Metodologa
c)
d)
reaccionar con textos para leer e interpretar, en algunas unidades, antes de este
apartado, hay otro llamado Para charlar y escribir donde encontramos actividades
para trabajar la expresin oral y escrita;
171
Al fin de cada unidad hay una parte nombrada: evalate! Donde los
estudiantes son llevados a practicar una vez ms los contenidos lxicos y/o gramaticales
gramaticales estudiados;
Por fin, hay una pgina con cuestiones de lengua espaola de exmenes de
II)
a)
Presencia o ausencia de la L1
b)
Contextualizacin de la lengua
objetivo: presentarse y conocer a nuevas personas, el contenido lxico tratado son los datos
personales, el gramatical verbos como: ser, llamarse, vivir y tener (Sntesis 1). Sin embargo,
podra la coleccin explotar ms la expresin e interaccin oral de los alumnos y las
situaciones reales donde uno pudiera necesitar estos contenidos, y no fijarse prioritariamente
en ejercicios estructurales escritos y de comprensin lectora.
c)
Algunas de las actividades buscan involucrar temas motivadores para los adolescentes,
como por ejemplo la saga Harry Potter (Sntesis 1); los deportes, las fiestas (Sntesis 2); el uso
de los foros en internet (Sntesis 3), etc. Sobre la inclusin de habilidades propias de los
alumnos en los contextos en los que se desenvuelven, algunas de las actividades podran
realmente suceder en la vida real del estudiante, principalmente las comunicativas, pero
muchas otras no, como las estructurales de completar huecos en textos y frases
descontextualizadas, que en el momento de la comunicacin en el idioma no serviran de
mucho.
d)
e)
Hay pocas actividades en la coleccin que necesitan la interaccin entre los alumnos.
Pero, en el apartado Para charlar y escribir, el autor pone en una tabla los modelos de lengua
que van a usar los alumnos en la interaccin oral y sus objetivos, como si ello fuera lo nico
que necesitarn los alumnos para desarrollarse en la interaccin. Todava, no se contextualiza
muy bien la situacin comunicativa para la realizacin de las actividades. Generalmente no se
presentan el espacio y el contexto lingstico real de la funcin estudiada. La actividad es
sentida como un mero instrumento para que los estudiantes hablen las estructuras que estn
aprendiendo y no como una situacin que de verdad pudiera suceder en la vida al usar la
lengua extranjera.
f)
g)
inductiva)
h)
i)
175
j)
Ejercitacin formal
k)
La coleccin aunque explote las cuatro destrezas, prioriza dos: comprensin lectora y
expresin escrita, pero la expresin escrita es ms ejercitada en ejercicios gramaticales y de
comprensin lectora que en actividades con fines comunicativos y de interaccin escrita; son
muchas las actividades para que los alumnos lean y escriban, aunque la ltima ni siempre est
contextualizada y conlleve sentido. Las actividades de comprensin auditiva, expresin e
interaccin oral se dan en menor medida, posiblemente debido al objetivo que tienen los
alumnos brasileos al terminar la enseanza secundaria: aprobar la selectividad nacional
(ENEM) e ingresar en una universidad. El examen de espaol como LE de esta selectividad
est basado en lectura e interpretacin de textos, explicando as, la centralidad del manual en
estas dos destrezas. Trataremos detalladamente de este examen en un apartado futuro.
l)
m)
comunicacin e informacin;
saberes discutibles;
Conclusiones
La coleccin que nos dispusimos a analizar, Sntesis, aunque presente diversidad de muestras
de lengua y actividades y trate las destrezas expresadas en los documentos, se caracteriza en
general como un manual de planteamiento estructuralista que da ms importancia a la
compresin lectora y la exposicin deductiva de la gramtica, sin tratar muchas veces al
alumno como agente crtico en el proceso. En consecuencia, no sigue, entre otros, algunos de
los principales objetivos para la enseanza de E/LE del pas: que el alumno se comunique
eficazmente en el idioma y que reciba las informaciones considerando sus conocimientos
previos y su capacidad de opinar y razonar sobre lo que se le expone. As, nuestra hiptesis,
178
Referncias bibliogrficas
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Espaol: volumes1, 2 y 3. Curitiba: Base Editora, 2010.
179