E-Book II Ensino de Línguas Materna e Estrangeira

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2015

Copyright 2015 dos Autores


Conselho editorial
Gilson Chicon Alves (UERN)
Isadora Valencise Gregolin (UFSCAR)
Moiss Batista da Silva (UERN)
Regiane Santos Cabral de Paiva (UERN)

Grupo de Pesquisa em Lingustica e Literatura GPELL


Lder: Jos Roberto Alves Barbosa
Vice-lder: Lucimar Bezerra Dantas da Silva
Arte da capa
Jos de Paiva Rebouas
Diagramao
Regiane S. Cabral de Paiva

Catalogao da Publicao na Fonte

Ensino de lnguas materna e estrangeira: um espao para o debate. /


Gilson Chicon Alves, Moises Batista da Silva, Regiane S. Cabral de Paiva (orgs).
Mossor: Queima-bucha, 2015.

E-book
ISBN: 978-85-8112-126-0

1. Lingustica. 2. Linguagem e lnguas. I. Alves, Gilson Chicon. II. Silva,


Moises Batista da. III. Paiva, Regiane S. Cabral de. IV. Ttulo.

CDD 410

Bibliotecria: Elaine Paiva de Assuno Arajo CRB 15 / 492

Agradecimentos
Ao Grupo de pesquisa em Lingustica e Literatura GPELL da
UERN pela II edio do nosso ebook, bem como aos professores,
alunos e apoiadores que colaboraram para este volume, por
compreenderem a necessidade de pesquisar e divulgar aes que
favorecem o ensino de lnguas, seja ela materna ou estrangeira.

"Diga-me e eu esquecerei.
Ensina-me e eu me lembro.
Envolva-me e eu aprendo."
(Benjamin Franklin )

SUMRIO

APRESENTAO .................................................................................................................. 7

Sobre Lngua Materna


I- ANLISE DE NARRATIVAS ESCOLARES: UMA NOVA PROPOSTA ................. 12
Joo Paulo Pereira; Marcos Paulo de Azevedo; Wigna Thalissa Guerra; Lucas Vincio de
Carvalho Maciel

II- A INTERAO LINGUSTICA NAS PRTICAS DE LEITURA E PRODUO


DE TEXTOS .......................................................................................................................... 32
Moises Batista da Silva; Rissia Oscaline Garcia; Ktia Cilene David da Silva

III- CONSIDERAES SOBRE A IMPORTNCIA DO CONHECIMENTO DA


SLABA PARA O ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA ............................................. 43
Gilson Chicon Alves

IV- ENSINO DE PORTUGUS E VARIAO LINGUSTICA:

TRATAMENTO

DIDTICO DE VARIEDADES DIALETAIS NO MBITO ESCOLAR ....................... 55


Josenildo Barbosa Freire

V- O GNERO ANNCIO PUBLICITRIO: CONCEPES E PROPOSTA DE


ENSINO DE LEITURA ........................................................................................................ 69
Rissia Oscaline Garcia; Moises Batista da Silva

Sobre Lngua Estrangeira


VI- ANLISE DE PROPAGANDAS DE APARELHOS CELULARES: UMA
PROPOSTA CRTICO-VISUAL PARA O ENSINO DE LNGUAS ............................... 88
Jos Roberto Alves Barbosa; Myrna Cibelly de Oliveira Silva

VII- ANLISE DE ERROS: ESTUDO DAS ADAPTAES LXICAS PRODUZIDAS


POR ALUNOS BRASILEIROS EM TEXTOS ESCRITOS ......................................... 103
Pedro Adrio da Silva Jnior; Yordanys Gonzlez Luque
VIII- ANLISE DAS DIFICULDADES ORTOGRFICAS DE BRASILEIROS
ESTUDANTES DE ESPANHOL COMO LNGUA ESTRANGEIRA ......................... 114
Maria Solange de Farias

IX- CRENAS DOS PROFESSORES DE ESPANHOL SOBRE O PAPEL DO TEXTO


LITERRIO PARA O ENSINO E APRENDIZAGEM DA LNGUA .......................... 130
Ana Carla de Azevedo Silva; Renata Helvcia Lopes Costa; Regiane S. Cabral de Paiva

X- O GNERO LITERRIO COMO RECURSO DIDTICO NO ENSINO DE


LNGUA ESPANHOLA ...................................................................................................... 151
Yanskara Roberta de Medeiros Chaves; Oscarina Caldas Vieira; Maria Solange de Farias

XI- ANLISIS DEL PROCESO DE ENSEANZA DE E/LE EN BRASIL: LOS


MANUALES DIDCTIVOS ............................................................................................. 160
Beth Francione Fagundes da Silva; Regiane Santos Cabral de Paiva

APRESENTAO
O Grupo de Pesquisa em Lingustica e Literatura (GPELL) da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte (UERN), sobre a liderana do professor Dr. Jos Roberto
Alves Barbosa, compreende trs linhas de concentrao: 1- Discurso, enunciao e
argumentao; 2- Ensino de lnguas e 3- Literatura e sociedade. Visando socializar as
pesquisas desenvolvidas pelos membros que as compem, em 2014 foi lanado o primeiro
ebook, Literatura e sociedade: contemporaneidades, com vistas s investigaes da terceira
linha. Este ano, 2015, juntamente com outros colaboradores, daremos continuidade ao projeto
de publicao lanando o II ebook para atender aos trabalhos desenvolvidos pela linha 2 e ter
como ttulo: Ensino de lnguas materna e estrangeira: um espao para o debate. Como
nesta linha se abrange as trs habilitaes (portugus, ingls e espanhol) do curso de Letras da
nossa universidade, decidimos por um ttulo que abarcasse as trs lnguas. Nesta edio,
tambm contaremos com o apoio da professora Isadora Gregolin (UFSCAR), que nos ajudou
na organizao e do Professor Josenildo Barbosa Freire (UFPB) que contribuiu com um artigo.
No total, teremos onze artigos que trataro de apresentar perspectivas para o ensino
de lngua materna e estrangeira. Por esta razo o ebook estar dividido em duas partes: Sobre
lngua materna e Sobre lngua estrangeira. A primeira parte comea com o artigo de Maciel e
outros, intitulado Anlise de Narrativas Escolares: Uma Nova Proposta que descreve e
analisa as relaes dialgicas contidas em textos narrativos de alunos do Ensino Fundamental
e do Ensino Mdio. A teoria que norteia este estudo a concepo bakhtiniana de linguagem
segundo a qual todo e qualquer enunciado estabelece uma relao dialgica com os
enunciados que o precederam e os que o sucedero. Os autores utilizam um corpus de 117
redaes escolares, sendo 52 do Ensino Fundamental ministrado em uma escola da rede
municipal e 65 do Ensino Mdio de uma escola da rede estadual.
O trabalho de Silva, Garcia e Silva, A interao lingustica nas prticas de leitura
e produo de textos, a partir da abordagem da linguagem com lugar de interao, apresenta
como as prticas de leitura e produo textual se processam no ensino-aprendizagem da
lngua. Para isto, os autores tecem algumas consideraes gerais sobre a linguagem no
contexto do ensino, bem como sobre o modelo scio-histrico de M. Bakhtin sobre a
interao na linguagem.

Por fim, discorrem sobre a linguagem em seu funcionamento

discursivo e as prticas de leitura e produo de textos que levam em conta a interao verbal.
Tal trabalho nos leva a refletir que as prticas de leitura e de produo de textos deveriam ser
constantes na vida do aluno.

O artigo intitulado Consideraes sobre a importncia do conhecimento da slaba


para o ensino de lngua portuguesa, de Alves, tem como objetivo central demonstrar como
esse conhecimento pode ajudar o professor de Lngua Portuguesa, das sries iniciais, a
compreender alguns desvios de grafia, relacionados estrutura silbica. A partir das teorias
fonolgicas modernas, o autor descreve, numa linguagem acessvel, o conceito de slaba e sua
estrutura, como tambm aborda, com maestria, os 13 padres silbicos do portugus. O
trabalho em questo de suma relevncia, pois traz, tona, a escassez das discusses sobre
estudos fonticos e fonolgicos, em centros locais de formao pedaggica e aponta, por meio
de novas contribuies, como os professores podem adquirir os conhecimentos apropriados
para enfrentar os problemas de aquisio da fala e da escrita.
O captulo Ensino de portugus e variao lingustica: tratamento didtico de
variedades dialetais no mbito escolar, de Freire, aponta algumas situaes didticas
fundamentais para a realizao do ensino que incorpora a variao lingustica como contedo
a ser ensinado e aprendido no ambiente escolar. Basicamente, o trabalho est fundamentado
na Teoria da Variao Lingustica de cunho laboviana. Alm disso, trata da viso de alguns
documentos oficiais acerca da relao ensino e variao lingustica e apresenta algumas
estratgias didticas para execuo do ensino que contempla a variao lingustica. Com isso,
quanto ao papel da escola, o autor declara dois pontos importantes: primeiro, cabe escola
compreender, aceitar e incorporar o ensino de variao lingustica como objeto de estudo nas
salas de aula e, consequentemente, a escola pode assegurar ao alunado a vivncia de prticas
reais do uso lingustico, apontando, em quais situaes sociocomunicativas, determinados
usos lingusticos so adequados ou no.
O trabalho O gnero anncio publicitrio: concepes e proposta de ensino de
leitura, de Garcia e Silva, objetiva refletir o ensino de leitura, a partir da perspectiva dos
gneros discursivos. Para isso, toma os anncios publicitrios como objeto de estudo e
propostas de ensino de leitura. Inicialmente, os autores discutem algumas concepes de
linguagem e de leitura, mostrando suas caractersticas e contribuies para as aulas de lngua
materna. Em seguida, com base em Bakhtin (1992), abordam os gneros discursivos. A partir
da anlise da estrutura e da linguagem tpica do gnero anncio publicitrio, so apresentadas
algumas possibilidades de uso desse gnero em aulas de Lngua Portuguesa, como propostas
de atividade em sala de aula, sobretudo, em aulas de leitura.
A segunda parte, Sobre Lngua Estrangeira, comea com o ttulo Anlise de
propagandas de aparelhos celulares: uma proposta crtico-visual para o ensino de lnguas,
de Barbosa, cujo objetivo analisar, criticamente, propagandas de aparelhos celulares, com
8

vistas a sua utilizao no contexto da sala de aula de lngua. Primeiramente, o autor apresenta
os fundamentos tericos da Anlise de Discurso Crtica (ADC) e da Gramtica do Design
Visual (GDV). Em seguida, discute o papel da mdia, no contexto da modernidade tardia e
analisa, de forma clara, duas propagandas de aparelhos celulares, tanto em lngua portuguesa
quanto inglesa. Para o autor, a relevncia desse tipo de anlise, em contextos escolares,
contribui para o letramento crtico de jovens da escola pblica e possibilita o empoderamento
desses aprendizes.
O texto Anlise de erros: estudo das adaptaes lxicas produzidas por alunos
brasileiros em textos escritos de Silva Junior e Luque apresenta resultados de pesquisa
sobre erros presentes em textos escritos em lngua espanhola por universitrios brasileiros.
So descritas e analisadas algumas das adaptaes lxicas que os alunos empregam como
estratgias para a comunicao na lngua estrangeira, que permitem ao leitor uma melhor
compreenso sobre a relao entre a lngua materna e a lngua estrangeira e sobre o prprio
conceito de interlngua (GARGALLO, 1993). Dessa forma, o artigo contribui com resultados
tanto para o campo terico da Lingstica Contrastiva quanto para os propsitos de sala de
aula, pois os dados apresentados auxiliam professores na elaborao de materiais e atividades
em lngua espanhola para alunos brasileiros.
A pesquisa Anlise das dificuldades ortogrficas de brasileiros estudantes de
Espanhol como lngua estrangeira, de Farias, tem como objetivo principal determinar que
erros grficos so mais comuns na interlngua de brasileiros estudantes de espanhol em
diferentes nveis de aprendizagem, quais destes erros se fossilizam e qual a influncia da
lngua materna do aprendiz na aquisio destes elementos lingusticos. Fundamentada na
Lingustica Contrastiva (LC), a autora, inicialmente, expe caractersticas de trs modelos de
anlise lingustica: a Anlise de Erros (AE), A Anlise Contrastiva (AC) e a Teoria da
Interlngua (IL). Este trabalho apresenta uma pesquisa descritiva de natureza quantitativa
relacionada aos erros grficos fossilizados na produo escrita dos sujeitos/informantes que
foram acompanhados em diferentes estgios de aprendizagem. A partir dos dados coletados,
Farias constata que os alunos seguem transferindo muitas estruturas de sua lngua materna
lngua estrangeira que aprende, provocando assim, o que podemos chamar de fossilizaes.
Com este trabalho, a autora pretende ajudar os professores de espanhol a elaborarem
atividades especficas para estudantes brasileiros, como tambm refletir quanto ao
aparecimento do erro no processo de ensino e aprendizagem de lnguas estrangeiras.
O artigo Crenas dos professores de espanhol sobre o papel do texto literrio para
o ensino e aprendizagem da lngua de Silva, Costa e Cabral de Paiva traa um panorama
9

histrico sobre a noo terica de crenas e apresenta resultados de pesquisa que focaliza as
crenas de professores de lngua espanhola sobre o papel do texto literrio em suas prticas
pedaggicas. A discusso proposta pelas autoras leva o leitor a uma melhor compreenso
sobre a relao entre as crenas e o fazer pedaggico de professores de lngua espanhola do
interior do Rio Grande do Norte.
Chaves, Vieira e Farias propem no artigo O gnero literrio como recurso
didtico no ensino de lngua espanhola, a partir de Fillola (2002), uma nova reorientao na
abordagem do gnero literrio em aulas de lngua espanhola para alunos do ensino mdio. Ao
apresentarem atividades desenvolvidas no mbito do PIBID em escolas pblicas do interior
do Rio Grande do Norte, os autores discutem novas possibilidades metodolgicas para o
trabalho com a leitura, com a preocupao de levar os alunos construo de sentidos na
lngua estrangeira. Dessa forma, o texto oferece importante contribuio para professores e
pesquisadores interessados em novas metodologias e didticas de lnguas.
Nosso ebook encerra com o artigo Anlisis del proceso de enseanza de e/le en
brasil: los manuales didcticos fruto da dissertao de nossa ex-aluna Silva. O trabalho
completo aplicou-se ao estudo sobre os documentos oficiais dedicados educao bsica no
Brasil, especialmente os dirigidos ao ensino de lnguas estrangeiras, bem como ao Programa
Nacional do Livro Didtico (PNLDEM). A partir disso, fez-se uma apresentao de dois
manuais tomando como base o Guia de livros didticos do PNDL o outro sofrer uma anlise
mais profunda e qualitativa; tambm se far avaliaes das provas do ENEM e da prtica dos
professores de lngua espanhola. Neste e-book, especificamente, apresenta-se um recorte e
uma releitura, sob orientao de Cabral de Paiva, de uma dessas anlises: apreciao de
manuais didticos a partir do PNLDEM e dos documentos oficiais.
Para finalizar esta apresentao, queremos agradecer a todos os docentes e
pesquisadores que colaboraram com este volume, trazendo-nos importantes reflexes e
experincias acerca do processo de ensino-aprendizagem de lnguas (materna e estrangeira),
no contexto escolar/acadmico. Tais experincias podem ser difundidas e compartilhadas com
todos os protagonistas da educao, professores, diretores, pais, alunos etc, sempre fazendo
do nosso territrio, espao de debates que tenham poder de transformar realidades para
melhor.

Os Organizadores

10

Sobre lngua materna


(parte I)

11

ANLISE DE NARRATIVAS ESCOLARES: UMA NOVA PROPOSTA


Joo Paulo Pereira
Marcos Paulo de Azevedo
Wigna Thalissa Guerra
Lucas Vincio de Carvalho Maciel

JOO PAULO PEREIRA graduado (2014) em Letras, com habilitao em Lngua


Portuguesa e suas respectivas literaturas pela UERN. Na graduao, desenvolveu as pesquisas
de iniciao cientfica Dialogismo em narrativas: uma aproximao literatura de
Dostoievski (PIBIC 2011-2012) e Dialogismo em narrativas escolares (PIBIC 2012-2013).
jp_in91@yahoo.com.br
MARCOS PAULO DE AZEVEDO graduado (2014) em Letras, com habilitao em
Lngua Portuguesa e suas respectivas literaturas pela UERN e mestrando em Letras
(PPGL/UERN). Na graduao, desenvolveu as pesquisas de iniciao cientfica A influncia
da obra dostoievskiana nas discusses sobre dialogismo no Crculo de Bakhtin (Projeto
Institucional 2012-2013) e Relaes dialgicas em redaes escolares (Projeto Institucional
2013-2014).
marcos_h.p@hotmail.com
WIGNA THALISSA GUERRA graduada (2014) em Letras, com habilitao em Lngua
Inglesa e suas respectivas literaturas pela UERN. Na graduao, desenvolveu as pesquisas de
iniciao cientfica A influncia da obra dostoievskiana nas discusses sobre dialogismo no
Crculo de Bakhtin (Projeto Institucional 2012-2013) e Relaes dialgicas em redaes
escolares (Projeto Institucional 2013-2014).
wignatg@yahoo.com.br
LUCAS VINCIO DE CARVALHO MACIEL graduado em Letras (2005), mestre (2008)
e doutor (2014) em Lingustica Aplicada pelo Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da
Unicamp e Professor Adjunto III na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN),
onde coordena o peridico acadmico Revista Colineares. Participa como membro do Grupo
de Pesquisa em Lingustica e Literatura (GPELL), desenvolvendo pesquisas na rea de
ensino-aprendizagem de lngua materna.
lucasvcmaciel@yahoo.com.br

12

Introduo

Neste captulo prope-se observar, a partir da perspectiva bakhtiniana, a relevncia


das vozes na composio de narrativas. A questo das vozes de autor, narrador e personagens
tema comum a muitas anlises literrias, fazendo-se presente tambm em propostas
didticas voltadas ao ensino de narrativas. Ao lado de categorias como enredo, cenrio,
personagens, aparecem frequentemente no exame de textos narrativos categorias como
voz (do autor, narrador ou personagem) ou algum termo equivalente voz como
perspectiva, foco, ponto de vista.
Sendo assim, pode soar desinteressante uma anlise das narrativas, cujo objetivo
discutir esse aspecto, aparentemente, banal, e, por consequncia, parecer inadequado dizer
que essa anlise se prope a algo novo, como sublinhado no ttulo. A inadequao
decorreria no apenas por se tratar de uma caracterstica h muito explorada no exame das
narrativas em vrios mbitos do conhecimento literatura, lingustica, educao , mas
tambm porque o principal aporte terico desse novo olhar so as discusses do Crculo de
Bakhtin 1 , um referencial terico confeccionado h bastante tempo principalmente na
primeira metade do sculo XX e amplamente utilizado em diversas pesquisas acadmicas
nacionais e internacionais2.
Ainda assim, assume-se ser possvel propor algo novo para o exame de narrativas,
atravs de um mergulho nas concepes bakhtinianas3. Tendo por apoio principalmente as
discusses expostas em Problemas da potica de Dostoivski (BAKHTIN, 1929) e na terceira
parte de Marxismo e filosofia da linguagem (BAKHTIN/VOLOCHNOV 4 ), examinam-se
redaes escolares com intuito de vislumbrar a importncia das relaes dialgicas internas
entre autor, narrador e personagens e externas entre as redaes e textos a elas exteriores
para a composio dos textos narrativos. Pretende-se, por essa via, demonstrar a importncia
1

Emprega-se a expresso Crculo de Bakhtin, por ser a mais corrente no contexto brasileiro. Lembra-se,
contudo, que certos pesquisadores discordam dessa denominao em que se destaca a figura de Bakhtin.
Vauthier (2007), por exemplo, prefere a denominao Cercle Bakhtine, Medvedev, Volochinov, abreviada
como Cercle B.M.V., ao entender que, assim, os demais membros do grupo so tambm contemplados.
2
Atesta a projeo de Bakhtin no Brasil o fato de sua teoria figurar at mesmo em documentos oficiais como os
Parmetros Curriculares Nacionais de Lngua Portuguesa (Ver a respeito, GOMES-SANTOS, 2004).
3
Ao utilizar o adjetivo bakhtiniano e suas variaes, refere-se de modo amplo s discusses do Crculo de
Bakhtin.
4
A autoria da obra Marxismo e filosofia da linguagem (1929) objeto de discusso. Mantm-se a dupla entrada
Volochnov/Bakhtin pois por ora no h respaldo suficiente para se decidir a respeito da controversa autoria
desse e de outros ttulos dos integrantes do Crculo de Bakhtin (A respeito, ver GRILLO, 2012).

13

das complexas relaes dialgicas, ainda pouco ou no estudadas, para a composio dos
textos narrativos.

1 A linguagem sob a perspectiva bakhtiniana

Discordando da concepo segundo a qual na comunicao entre indivduos um, o


falante, seria ativo (enquanto fala), e outro, o ouvinte, seria passivo (enquanto ouve), Mikhail
Bakhtin prope que ambos participantes da interao discursiva so agentes ativos. Segundo
Bakhtin ([1952-1953]), mesmo quando no responde imediatamente quele que fala, aquele
que escuta (ou l, ou assiste) j formula respostas ao seu interlocutor, sejam respostas de
concordncia, discordncia, verbalizadas ou no. No momento que escuta o outro, o ouvinte
j vai construindo sua resposta, resposta essa que pode, at mesmo, ser o silncio.
Na concepo bakhtiniana, todo enunciado formulado tendo em vista as possveis
respostas que suscitar. Ao mesmo tempo, esse mesmo enunciado , ele prprio, uma resposta
a enunciados anteriores. Qualquer enunciado se volta a enunciados anteriores que so, de
alguma forma, empregados na enunciao atual. A essa relao entre os enunciados Bakhtin
denomina dialogismo ou relaes dialgicas 5 , pois todo enunciado uma resposta a
enunciados precedentes e, concomitantemente, lana-se s respostas do dilogo futuro.
Se, de modo geral, as relaes dialgicas so os vnculos estabelecidos entre
enunciados, mister observar que vrias so as formas desse dialogismo, uma vez que
vrias e diversas podem ser as formas como os enunciados mantm relaes dialgicas entre
si.
Segundo Bakhtin ([1952-1953], p. 297, grifos do autor):
Cada enunciado pleno de ecos e ressonncias de outros enunciados com os
quais est ligado pela identidade da esfera da comunicao discursiva. Cada
enunciado deve ser visto antes de tudo como uma resposta aos enunciados
precedentes de um determinado campo (aqui concebemos a palavra
resposta no sentido mais amplo): ela os rejeita, confirma, completa,
baseia-se neles, subentende-os como conhecidos, de certo modo os leva em
conta.

Ao se relacionar com enunciados anteriores com os quais dialoga, o escrevente ou


falante pode se apropriar dessas vozes de distintos modos, estabelecendo vnculos de
5

Embora o termo dialogismo seja mais popular e figure mais frequentemente nos estudos que se apropriam
das discusses bakhtinianas, fato que a expresso relaes dialgicas aparece com mais frequncia nas obras

14

concordncia, de discordncia, de complementao, etc. Alm disso, ao se valer de palavras


anteriores, o enunciador poder marcar essas vozes como abertamente alheias, ao usar aspas,
por exemplo, ou fundi-las em sua prpria voz, borrando (at o esquecimento) os limites entre
a palavra prpria e a palavra outra6.
Alm da relao com os enunciados passados, todo enunciado espera uma resposta
futura. Todo enunciado dito ou escrito espera daqueles com que estabelece comunicao uma
resposta. Resposta essa positiva, negativa, discordante (total ou parcialmente). Assim, a
palavra que hoje lanada na cadeia da comunicao poder ser amanh empregada de
diversos modos. Poder-se- concordar com ela, discordar dela, omiti-la7.
Os enunciados fazem, assim, parte de uma cadeia: o pronunciado hoje resposta ao
j dito anteriormente e, ao mesmo tempo, espera uma resposta futura daqueles aos quais se
dirige. Nessas relaes, os enunciados sero empregados de diferentes modos, pois diversas
so as formas pelas quais as vozes anteriores podem ser retomadas. Em termos dos tipos de
discurso, por exemplo, a citao ou representao da palavra alheia pode se dar atravs do
discurso direto, do discurso indireto e do discurso indireto livre8.
Como observam Bakhtin/Volochnov (1929/1963, p.152, grifos do autor),
primordial uma investigao mais profunda das formas usadas na citao do discurso, uma
vez que essas formas refletem tendncias bsicas e constantes da recepo ativa do discurso
de outrem [...]. Isso porque os tipos de discurso direto, indireto, indireto livre e variantes
empregados para veicular a palavra alheia mostram a recepo ativa do discurso de outrem
por quem retoma essas palavras. O modo como se assimila a palavra do outro expe se esse
discurso apreendido com reverncia, com cautela ou sem considerao, sem cuidado com a
indicao da fonte, etc.
Diante desse quadro, o objetivo desta exposio analisar as opes de autores de
redaes escolares em termos dos tipos de discurso empregados para veicular as palavras
anteriores alheias ou suas , o que pode mostrar a recepo ativa do discurso do outro,
revelar como os autores ou narradores se apropriam de mltiplas maneiras da palavra do outro.
do autor, sendo, ao que tudo indica, preferida por tradutores e estudiosos da obra bakhtiniana como Paulo
Bezerra, Sheila Vieira de Camargo Grillo e Ekaterina Vlkova Amrico.
6
Conforme expresso de Miotello et al. (In: BAKHTIN, 1929).
7
Para Bakhtin ([1952-1953]), o silncio uma forma de resposta.
8
Bakhtin/Volochnov (1929) fazem um detalhado estudo desses tipos de discurso, listando vrios subtipos como,
por exemplo: discursos diretos monumental, com sujeito no aparente, retrico, esvaziado, preparado,
substitudo; discurso indireto sem sujeito aparente, analisador do contedo, analisador da expresso e discurso
indireto livre. Pesquisadores como Grillo (2004), Olmpio (2006), Campos & Souza (2012) j assumem, a partir
da proposta bakhtiniana, esses tipos e variante de discurso para anlise de enunciados vrios.

15

Assim, mais do que simplesmente atestar que h vozes de personagens, narrador (e talvez
autor) envolvidas na narrativa, busca-se vislumbrar como textualmente se efetivam as
interaes entre os partcipes da narrativa no que se refere s relaes dialgicas, sejam estas
internas, quando personagens ou narrador retomam vozes de outras personagens, sejam
quando se estabelecem relaes com enunciados exteriores.
A escolha por redaes com predomnio da tipologia textual narrativa 9 se d porque
nesses dados, comumente, as relaes dialgicas so demarcadas de maneira bastante clara e
perceptvel, na medida em que se apresentam nos dilogos entre as personagens, nas relaes
entre as vozes de personagens e narrador, nos vnculos entre os textos escolares analisados e
obras externas s redaes. Alm disso, as narrativas tambm so interessante material para
observao de como relaes dialgicas podem ser concretizadas em termos dos tipos de
discurso (direto, indireto, indireto livre) e dos recursos (aspas, sublinhado) que os alunos, os
autores, tm disposio para marcar os elos entre as vozes que tecem as narrativas10.
anlise desses aspectos dialgicos constitutivos das narrativas que se dedica a
seguir.

2 Anlise de narrativas escolares

Para a realizao dessa investigao, parte-se de um corpus formado por redaes de


alunos do 6 ano do ensino fundamental da Escola Municipal Joaquim Felcio de Moura,
situada na cidade de Mossor/RN, e redaes de alunos do 3 ano do ensino mdio da Escola
Estadual Padre Jos de Anchieta, da cidade de Serra do Mel/RN. Esse corpus composto por
117 redaes, sendo 52 do ensino fundamental e 65 do ensino mdio. Dados os limites desse
captulo, selecionou-se para a presente exposio, a partir da leitura e da comparao de todas
as redaes, um texto do ensino fundamental e outro do ensino mdio.
As redaes confeccionadas pelos alunos do 6 ano partiram de uma atividade do
livro didtico Portugus: Linguagens, 6 Ano de Cereja e Magalhes (2009), que propunha
uma recontagem de contos infantis, como Branca de Neve e os Sete Anes, Joo e Maria,
Cinderela, entre outros, com a insero de fatos inusitados e aes inesperadas das famosas
9

Seguindo a proposta de Marcuschi (2002), entende-se que em um texto pode haver vrias sequncias textuais
(descritivas, narrativas, injuntivas, etc.) com predomnio de alguma(s). No caso das redaes a serem analisadas,
acredita-se que a sequncia narrativa predominante.
10
A partir da perspectiva bakhtiniana, entende-se que qualquer enunciado pode ser objeto de anlise das relaes
dialgicas, constitutivas de toda a linguagem, de qualquer enunciado. Nos gneros narrativos esperado que as

16

personagens dos contos originais. Esses textos foram elaborados durante o 3 bimestre letivo
de 2012 e deram origem a um pequeno livro intitulado Era uma vez..., confeccionado a
partir da proposta da professora Kelli Karina Fernandes Freire11, que vinha desenvolvendo um
Projeto de Leitura 12 . J as redaes dos alunos do ensino mdio tiveram por base uma
proposta do professor, que solicitou aos alunos um texto narrativo, relatando fatos ou
experincias pessoais ou ainda recontando a histria de algum filme ou texto conhecido.
Inicialmente ser examinada uma da narrativa do ensino fundamental, escolhida entre
as redaes produzidas pelos alunos do 6 ano, as quais tiveram por base a seguinte proposta
do livro didtico (CEREJA; MAGALHES, 2009, p. 42-43):

Produo de texto
O CONTO MARAVILHOSO
Os contos que voc produzir a seguir sero publicados num livro de contos que far parte da
mostra Histrias de hoje e sempre, proposta no captulo Intervalo, e ser lido por colegas de
sua classe e de outras, por seus pais e demais convidados para o evento.
1. Escreva um conto maravilhoso, de acordo com as orientaes dadas a seguir.
a) Em cada lista de palavras abaixo, todas, com exceo de uma, sugerem uma histria
conhecida. Tal palavra representa um novo elemento, que quebra, de propsito, a sequncia.
Veja:

menina bosque lobo av helicptero

Cinderela madrasta prncipe sapatinho de cristal chul

Bela Adormecida prncipe encantado conjunto de rock bruxa boa

Joo e Maria uma casinha de doces a bruxa o forno um pernil assado

Pinquio os ladres um extraterrestre a baleia Gepeto

Aladim gnio princesa lmpada maravilhosa Ali Bab e os quarenta ladres

Branca de Neve prncipe sete anes madrasta baile


b) Escolha uma lista e reinvente a histria, incluindo nos acontecimentos o elemento novo
correspondente palavra que destoa das outras. Escolha quem ser o heri e quem far o
papel de vilo. Comece seu conto fazendo o heri ser vtima de uma armadilha planejada pelo
vilo, ou o contrrio. Se quiser, d ao heri (ou ao vilo) poderes mgicos. Procure criar um
final inesperado, se possvel engraado.

relaes dialgicas sejam ainda mais evidentes, pois alm dos elos entre o texto e enunciados alheios, tm-se no
interior do prprio texto encenaes do dialogismo nos dilogos entre as personagens.
11
A professora aceitou sua identificao neste texto.
12
Esse trabalho realizado anualmente pela professora com a colaborao da direo escolar. O projeto sintetiza
uma srie de atividades, entre as quais: palestras com cordelistas, jornais da escola produzidos pelos alunos e,
enfim, a confeco do livro de contos.

17

c) Planeje como vai escrever seu conto maravilhoso: inicie-o pela expresso Era uma vez ou
outra que conduza a um tempo passado e impreciso. O narrador deve ser do tipo observador.
Lembre-se de dizer como so o heri, o vilo e o lugar em que ocorrem os fatos. Empregue a
lngua padro. Ao terminar, d um ttulo sugestivo ao seu conto.
d) Faa um rascunho e s passe seu conto maravilhoso a limpo depois de fazer uma reviso
cuidadosa, seguindo as orientaes do boxe. Avalie seu conto maravilhoso (p. 22) Refaa o
texto quantas vezes forem necessrias.
2. Crie livremente um conto maravilhoso, com personagens de sua preferncia. Siga as
orientaes constantes nos itens c e d.
A proposta do livro didtico solicita que o aluno reinvente uma histria, incluindo
nos acontecimentos elementos novos (CEREJA; MAGALHES, 2009, p. 43). Entre as
sugestes presentes esto, entre outros, a incluso do elemento chul na histria da
Cinderela, de um helicptero na narrativa de Chapeuzinho Vermelho, de um pernil
assado no conto Joo e Maria.
Alm da proposta, a professora rememorava oralmente com os alunos alguns contos
de fadas e lia outras histrias presentes no prprio livro didtico. Assim, mediados pela
proposta do livro didtico, os alunos foram conduzidos a confeccionar textos que recontassem,
com modificaes, famosos contos infantis.
a partir dessa proposta que confeccionada a redao transcrita a seguir:
Joo e Maria no seu castelo13
Era uma vez Joo, um menino bom que ajudava todos que precisavam e que tinha uma
irm m e rancorosa. Esta no gostava dos necessitados e tinha poderes do mal. Quando o
irmo ajudava os necessitados ela lanava um feitio para prejudic-los.
Um dia, no castelo, o seu irmo Joo disse:
Maria, deixe de ser m, voc no pode maltratar os outros. Um dia voc passou por
isso. Ela olhou bem srio para ele e disse:
Voc disse bem, j passei e no sou mais!
Agora moro no castelo e descobri que tenho poderes. Na hora que quiser posso me
tornar mais poderosa.
Poderes para o mal! Voc vai se arrepender de tudo que est fazendo, sua malvada!
Quando ele disse isso, Maria ficou com medo de algo acontecer.
Quando chegou a noite ela se deitou e viu uma luz bem perto e perguntou quem era.
Era, na verdade, uma bruxa do bem e disse que se ela no passasse a gostar do povo iria
perder seus poderes.
Maria disse:
Eu prometo que trato bem os necessitados e disse:
Esto todos convidados para o jantar e ser pernil assado!
13

O nome do aluno autor do texto omitido para preservar sua identidade. Mantm-se a grafia original da
redao, previamente corrigida pela professora.

18

Chegando o dia do jantar, Maria pediu desculpas e no mesmo instante, a bruxa


apareceu dizendo:
Parabns! Agora seus poderes sero para o bem.
Assim todos foram felizes para sempre.
Narrada em terceira pessoa, a histria intitulada Joo e Maria no seu castelo
incorpora elementos que remetem ao conto Joo e Maria. Na mais conhecida verso do
conto relata-se a histria de dois irmos que se perdem14 na floresta e encontram uma casa
feita de doces. A dona da casa uma bruxa, que os prende e pretende engord-los, para depois
com-los. Entretanto o desejo da feiticeira frustrado, pois as crianas conseguem jog-la ao
fogo e salvarem-se.
No conto recontado pelo aluno do 6 ano h algumas diferenas que o separam da
narrativa tradicional: Joo bom, enquanto sua irm Maria malvada; ambos moram em um
castelo e vivem discutindo, at que um dia os dois se entendem e vivem felizes para sempre.
Desse modo, a narrativa diferente da verso mais divulgada, em que tanto Joo quanto
Maria so bons, no vivem discutindo, tampouco moram em um castelo. Desse modo, o aluno
atende solicitao de modificar o conto (supostamente) original.
Porm, em sua recontagem, o aluno no se restringe estritamente proposta do livro
didtico, que em relao ao conto Joo e Maria trazia as seguintes palavras, dentre as quais
um elemento seria diferente:
Joo e Maria uma casinha de doces a bruxa o forno o pernil assado.
O elemento diferente seria o pernil assado, que, de fato, aparece ao final da
narrativa do discente, quando Maria, recm-convertida ao bem, anuncia:
Esto todos convidados para o jantar e ser pernil assado!
Antes disso, contudo, o aluno traz vrios outros elementos para o texto. Alm das
alteraes j mencionadas, o autor introduz a figura de uma bruxa do bem, algo que no
estava prescrito entre as palavras que deveriam norte-lo na confeco de seu texto. Nessa
instruo, aparecia apenas bruxa, que supostamente deveria ser m como no conto original,
pois da lista de palavras que sugerem uma histria a nica exceo (CEREJA;
MAGALHES, 2009, p. 43) seria justamente o pernil.
14

H diferentes verses do conto. Em algumas delas, os pais abandonam as crianas na floresta por no terem
condies de as sustentarem. Em outras, as crianas no se perdem, mas se afastam dos pais, pois Joo e Maria
esto convencidos de que os pais planejam deix-los morrer de fome (BETTELHEIM, p. 172, 1976).

19

Essa pequena subverso que o aluno faz da proposta no parece vir exclusivamente
de sua individualidade como escrevente (ou de sua criatividade como escritor), mas do
dilogo que mantm com a proposta no se limitando apenas lista de palavras propriamente
referente ao conto Joo e Maria. Logo acima dessa lista, esto os termos a serem
empregados pelo aluno que escolhesse recontar a histria da Bela Adormecida:
Bela Adormecida prncipe encantado conjunto de rock bruxa boa (CEREJA;
MAGALHES, 2009, p. 43).
Aparece nessa lista a expresso bruxa boa, levando hiptese de que o discente se
apropria dessa ideia pertencente a outra lista , adaptando-a sob a forma da bruxa do
bem, conforme aparece em seu texto. Assim, na redao se apreende um enunciado anterior
alheio, mas seu emprego j est sob nova diretriz.
Como observa Bakhtin ([1952-1953], p. 294): Nosso discurso, isto , todos os
nossos enunciados [...] pleno de palavras dos outros, de um grau vrio de alteridade ou de
assimilabilidade, de um grau vrio de apercebilidade e de relevncia. Por isso se conjectura
que a referncia bruxa do bem ecoa, de algum modo, a expresso bruxa boa da proposta
do exerccio, atravs de uma assimilao prxima, mas no coincidente. No repete a palavra
do outro, mas a substitui por uma similar. A apercebilidade, nesse caso, pode ser menor
do que a evidenciada em uma repetio, mesmo assim a expresso bruxa do bem expe um
dilogo entre a redao e a proposta e seus termos.
Outro dilogo do aluno com a instruo do exerccio do livro didtico a aluso aos
poderes do mal de Maria. Isso possivelmente provenha do item b da proposta que
sugeria: Se quiser, d ao heri (ou ao vilo) poderes mgicos, frente a que o aluno escolhe
dar vil15 poderes mgicos.
Esses feitios so classificados como poderes para o mal, at que com o desenrolar
da narrativa mude-se essa qualificao, pois Maria prometer que seus poderes sero para o
bem. De todo modo, no aparece no texto do aluno a expresso poderes mgicos.
Conforme j comentado, mesmo que no haja uma repetio ipsis litteris, possvel falar em
dilogo do texto com a proposta do livro didtico. O aluno acata as instrues presentes no
15

Interessante notar que o autor se dirige hiptese menos privilegiada, aquela colocada entre parnteses. Como
bem nota Barros (2003, p. 78), o mais comum considerar as intercalaes como o que figura entre parnteses
como situadas na face negativa de dicotomias como essencial/acessrio, relevante/irrelevante,
central/descentrado. Se o mais relevante, conforme sugerido pelo livro didtico, seria eleger o heri para
destinar os poderes mgicos, contrariamente o aluno opta pelo descentrado, colocado na intercalao.

20

livro, mas as palavras alheias so retomadas com grau vrio de assimilabilidade, de


apercebilidade e de relevncia.
Por esses aspectos, perceptvel que o autor do texto obedeceu proposta e buscou
inserir elementos que compusessem outra histria, propondo um destino diverso s
personagens. Assim, sua redao uma resposta no sentido amplo (BAKHTIN, [19521953], p. 297) s instrues do livro didtico e s solicitaes da professora. atendendo a
essas indicaes, dialogando com elas, que o aluno compe seu texto, sustentado em, pelo
menos, trs relaes dialgicas com enunciados exteriores, pois se reporta (i) ao conto
original, (ii) proposta do livro e (iii) s indicaes da professora.
Alm dessas relaes dialgicas do texto com enunciados exteriores, tambm
possvel observar vnculos dialgicos no interior da narrao. Dentre esses elos dialgicos
destaca-se primeiramente a discusso entre Joo e Maria, no seguinte trecho da redao:
Maria, deixe de ser m, voc no pode maltratar os outros. Um dia voc passou
por isso. Ela olhou bem srio para ele e disse:
Voc disse bem, j passei e no sou mais!.
Nesse fragmento perceptvel uma relao dialgica explcita, com o autor se
utilizando das aspas para marcar no discurso direto a retomada da voz de uma personagem no
interior da voz de outra.
Segundo Bakhtin ([1952-1953], p. 275):
Por sua preciso e simplicidade, o dilogo a forma clssica de comunicao
discursiva. Cada rplica, por mais breve e fragmentria [...] suscita resposta, em relao qual
se pode assumir uma posio responsiva.
Alm disso, Bakhtin ([1952-1953], p. 275) indica que podem existir entre as
rplicas do dilogo as relaes de pergunta-resposta, afirmao-objeo, afirmaoconcordncia, proposta-aceitao ordem-execuo, etc..
A fala de Maria, por exemplo, mostra sua posio responsiva, nesse dilogo marcado
por uma relao de afirmao-negao 16 , especialmente clara pelo destaque conferido s
palavras do outro colocadas entre aspas17. Na ocorrncia, a retomada da palavra outra entre
aspas ilustrativa do estilo linear de citao, quando:

16

Embora Bakhtin no fale em relao de afirmao-negao, essa parece uma relao possvel, dentre
aquelas em aberto pelo etc. Das alternativas listadas por Bakhtin, a mais prxima daquela observada na
redao seria a de afirmao-objeo, que ainda assim no contemplar exatamente a relao entre os
enunciados, pois a irm, mais do que objetar contra o irmo, nega seu enunciado.
17
Em Problemas da potica de Dostoivski, Bakhtin discute o uso das aspas em Dostoivski em vrias
passagens (como, por exemplo, nas pginas 239, 252, 253 da edio consultada).

21

A lngua pode esforar-se por delimitar o discurso citado com fronteiras


ntidas e estveis. Nesse caso, os esquemas lingusticos e suas variantes tm
a funo de isolar mais clara e mais estritamente o discurso citado, de
proteg-lo de infiltrao pelas entoaes prprias do autor [...]
(BAKHTIN/VOLOCHNOV, 1929/1963, p. 155).

Trata-se de um estilo de apreenso da palavra alheia que a mantm distncia, com


uma evidente separao entre a voz citante e a citada. As aspas que isolam as palavras
supostamente pronunciadas por Joo mostram justamente essa distncia em relao ao
discurso alheio.
Outro exemplo de relaes dialgicas a interpretao dada por Joo ao seguinte
enunciado de Maria: Na hora que quiser posso me tornar mais poderosa. Contestando a
colocao da irm, Joo observa: Poderes para o mal!. Para Bakhtin ([1952-1953], p. 275),
o falante termina o seu enunciado para passar a palavra ao outro ou dar lugar sua
compreenso ativamente responsiva. O pensador russo atribui importncia relao entre
um enunciado proferido e sua possvel rplica, a sua compreenso ativamente responsiva.
No caso, Joo retoma a voz de Maria, mas atribui s palavras dela uma nova orientao.
Conforme lembra Bakhtin ([1952-1953], p. 295), assimilamos, reelaboramos, e
reacentuamos as palavras dos outros empregadas nos enunciados prprios. Por isso o que
fora positivamente caracterizado por Maria que se considera muito poderosa
reacentuado no enunciado de Joo de uma perspectiva depreciativa, ao considerar que tais
poderes so para o mal.
Outro exemplo de relaes dialgicas circunscritas ao interior da narrativa a
passagem:
Era, na verdade, uma bruxa do bem e disse que se ela no passasse a gostar do povo
iria perder seus poderes.
Tem-se, nesse caso, um exemplo do estilo linear de citao, j que as fronteiras que
separam o discurso citado do resto da enunciao so ntidas e inviolveis
(BAKHTIN/VOLOCHNOV, 1929, p. 156).
No discurso do narrador, as palavras da bruxa so reportadas a partir de disse que.
O verbo dicendi e a conjuno introduzem a voz reportada da personagem, atravs de um
discurso indireto analisador do contedo, em que objetivo principal reproduzir o qu se
disse no como isso fora dito (BAKHTIN/VOLOCHNOV, 1929).
Segundo Bakhtin/Volochnov (1929, p. 166, grifo do autor), no discurso indireto
analisador do contedo:

22

A enunciao de outrem pode ser apreendida como uma tomada de posio com
contedo semntico preciso por parte do falante, e nesse caso, atravs da construo indireta,
transpe-se de maneira analtica sua composio objetiva exata (o que disse o falante).
Outro aspecto dialgico a ser notado a relao da redao com o gnero conto de
fadas, pois o texto do aluno, por exemplo, se inicia pelo clssico Era uma vez e se encerra
com foram felizes para sempre. Uma relao que, inclusive, atesta a observao de Bakhtin
(1929/1963, p.121, grifo do autor):
Por sua natureza mesma, o gnero literrio reflete as tendncias mais estveis,
perenes da evoluo da literatura. O gnero sempre conserva os elementos imorredouros da
archaica. [...] O gnero vive do presente mas sempre recorda seu passado, o seu comeo.
Para realizar a recontagem o aluno se apoia naquilo que julga caracterstico do
gnero. Mesmo que indiretamente, o texto do aluno rememora a archaica do gnero e
atualiza essa tradio.
A propsito, Gomes-Santos (1999, p. 76) observa:
Seja como captao ou como subverso, preciso reiterar que o carter de
imitao do gesto de recontar constitui-se como circulao imaginria de escreventesalunos pelo que supem ser, por exemplo, o gnero em que enunciam.
Ou seja, uma caracterstica bsica do gesto de recontar (GOMES-SANTOS, 1999)
a relao do escrevente que se baseia em um gnero (captao), mas tambm pode
modific-lo (subverso). Isso mostra a relativa estabilidade do gnero (BAKHTIN, [19521953]), cuja flexibilidade permite alteraes, embora se mantendo as caractersticas bsicas
que o definem. H, assim, uma relao dialgica entre a redao e a tradicional histria de
Joo e Maria no apenas em termos de contedo temtico, mas tambm no mbito dos
aspectos composicionais que singularizam o gnero conto de fadas.
Ao retomar dialogicamente o conto Joo e Maria, o aluno no apenas parafraseia,
de certo modo, a histria, mas apreende as bases do gnero discursivo que procura imitar
em sua recontagem. Nesse sentido, so mantidos personagens Joo e Maria e o carter do
gnero discursivo conto de fadas com, por exemplo, o tradicional incio do Era uma vez e o
esperado final foram felizes para sempre. H, alm disso, como comumente nos contos de
fadas, a presena de elementos mgicos, de poderes sobrenaturais.
Nessa narrativa, portanto, notam-se vnculos dialgicos internos e externos. Entre os
primeiros esto aqueles circunscritos aos dilogos das personagens ou retomada da voz de
uma personagem por outra ou pelo narrador. Ao lado dos elos interiores narrativa,
observam-se relaes dialgicas da redao com enunciados exteriores, pois o aluno atende
23

solicitao da professora, s instrues do livro didtico, alm de manter vnculos dialgicos


com o conto tradicional a ser recontado. Em sntese, essa redao apresenta elos dialgicos,
sejam ligando a redao a vozes exteriores, sejam materializando relaes dialgicas internas
ao texto.
Seguindo a anlise, examina-se uma narrativa composta por aluno de 3 srie do
ensino mdio. Diferentemente da primeira redao, esta no parte de proposta de livro
didtico, mas exclusivamente de instrues dadas pelo professor18, que solicitou aos alunos
produzir uma redao na qual: (i) narrassem uma experincia prpria ou vivida por algum
que conhecessem, (ii) recontassem o enredo de um conto, romance ou filme, ou (iii) criassem
um enredo indito a partir de seus conhecimentos.
A seguir transcreve-se a redao19:

Um momento divino
Era o fim de uma tarde insolarada, em um ambiente praiano, quando me dei conta
que nunca tinha visto o pr do sol.
Eu e meus amigos estavamos passando alguns dias de frias na praia de Ulpanema.
Era a primeira vez que eu participava de uma viagem desse tipo. Ela havia sido muito
divertida (apesar das noites mal dormidas, por causa dos meus colegas que insistiam em
atrapalhar o sonho alheio), e eu queria aproveitar ao mximo o ltimo dia. Ento depois de
aproveitar bem a tarde na praia com os meus amigos, eu notei que a tarde estava acabando, e
o mundo a minha volta ia ficando mais escuro.
Foi quando a minha ficha caiu, eu nunca havia parado para olhar o pr-do-sol. Era
estranho pois eu j tinha dezessete anos de idade e nunca havia visto o pr-do-sol, durante
minha vida mais de seis mil vezes o sol havia se posto, e eu nunca tinha parado para ver
aquela enorme estrela desaparecer no horizonte.
Ento eu simplesmente me sentei e olhei para o sol, aproveitando que naquele
momento seus raios no feririam meus olhos.
Meus amigos queriam voltar logo para a casa que tinhamos alugado, ento eles
gritavam em onissono Vamos embora, bem alto para que o chamado alcanasse meus
ouvidos distantes. Mas eu os ignorei, no me virava para respond-los. Eu no ousaria desviar
meu olhar do astro rei, no exato momento em que sua beleza era acessivel a olho nu.
Enquanto eu olhava para aquele lindo e dourado pr-do-sol, me veio uma lembrana
na mente. Eu havia lido que os gregos antigos acreditavam que o sol era uma carruagem
dourada guiada pelo deus Apolo. A crena diz que essa carruagem era to linda, brilhante que
s poderia ser contemplada pelos deuses e o mortal que se atrevesse a olhar para a carruagem,
receberia como punio a maldio da cegueira.
Ento depois do ltimo vestgio do sol desaparecer no horizonte, eu me levantei e
acompanhei meus amigos. Foi ai que eu me dei conta que o que eu havia presenciado tinha
sido algo lindo, tinha sido algo divino.

18
19

O professor Marcos Paulo de Azevedo, um dos autores deste texto.


A fim de preservar a identidade do aluno, omite-se seu nome. A grafia original do texto preservada.

24

Como no exemplo anterior, essa redao uma resposta solicitao do professor,


atendendo sugesto de compor o enredo a partir de experincias pessoais. Escrita em
primeira pessoa e tendo o narrador-personagem como heri, a narrativa descreve um episdio
realmente vivido pelo autor, que o adaptou para a narrativa, conforme atesta a passagem: Eu
e meus amigos estavamos passando alguns dias de frias na praia de Ulpanema. Era a
primeira vez que eu participava de uma viagem desse tipo.
Ao narrar esse episdio vivido por ele, o aluno atende proposta do professor, o que
j esperado, dado o objetivo das indicaes do docente ser exatamente o de nortear a
produo do discente. Caso este no seguisse as instrues haveria alguma inadequao, seu
texto no estaria atendendo s exigncias do contexto de produo.
Veja-se que para Bakhtin/Volochnov (1929, p. 117, grifo do autor):
A situao social mais imediata e o meio social mais amplo determinam
completamente e, por assim dizer, a partir de seu prprio interior, a estrutura da
enunciao.
No caso, a situao social mais imediata envolve a tarefa proposta ao aluno, dentro
do contexto social mais amplo da educao formal, representada pela instituio escolar.
Assim, o aluno busca atender s instrues do professor, para participar (adequadamente)
daquilo que lhe sugerido ou imposto pela situao social imediata e pelo meio social mais
amplo. Nesse contexto de comunicao de fundamental importncia o enunciado do
professor, instruo qual o aluno dialogicamente procura responder ativamente em sentido
amplo (BAKHTIN, [1952-1953]).
Alm disso, tratando-se de narrativas, possvel vislumbrar relaes dialgicas entre
as vozes das personagens, entre as vozes do narrador e das personagens e, tambm, entre a
redao e referncias externas narrativa. Com relao a esse ltimo aspecto, v-se que o
enredo gira em torno de uma aluso que o narrador-personagem faz mitologia grega.
Na sociedade ocidental esto presentes no imaginrio coletivo mitos herdados da
cultura greco-romana, cujos valores foram e so amplamente difundidos. Bastaria citar o mito
da esfinge que engolia quem no conseguisse decifrar seu enigma, ou da lenda de Hrcules, o
semideus que derrotou Medusa com um espelho, ou ainda a grandeza de Zeus, deus do cu e
da terra, e de Posidon, deus dos mares. Esses e outros mitos foram repassados (muitas vezes,
com modificaes e adaptaes) de gerao em gerao oralmente ou por meio de livros.
Como se isso no bastasse, o cinema atual no raramente exibe em suas telas filmes com essa
temtica.

25

Fato que o aluno, de uma forma ou de outra, esteve em contato com um desses
mitos e o trouxe para sua redao, dialogando, assim, com uma fonte externa ao texto.
Reproduz-se trecho da redao em que citado o mito de Apolo, deus do Sol:
Enquanto eu olhava para aquele lindo e dourado pr-do-sol, me veio uma
lembrana na mente. Eu havia lido que os gregos antigos acreditavam que o
sol era uma carruagem dourada guiada pelo deus Apolo. A crena diz que
essa carruagem era to linda, brilhante que s poderia ser contemplada pelos
deuses e o mortal que se atrevesse a olhar para a carruagem, receberia como
punio a maldio da cegueira.

Segundo a personagem, o contato com mito teria se dado por meio da leitura: Eu
havia lido que os gregos antigos acreditavam que o sol era uma carruagem dourada guiada
pelo deus Apolo. Embora no seja mencionada qualquer fonte de leitura, observa-se, por
exemplo, nO livro de ouro da mitologia (BULFINCH, 2006), meno ao pedido de Faetonte,
solicitando do deus Apolo que prove ser seu pai. Como garantia do parentesco, Apolo
promete realizar qualquer desejo do filho, mas se arrepende, pois Faetonte almeja guiar o
carro do Sol, tarefa impossvel para um mortal.
Notam-se, assim, aspectos aludidos pelo narrador-personagem, como a suposta
crena grega na existncia do Sol ser uma carruagem guiada por Apolo, a qual era impossvel
ser contemplada diretamente por um homem. o que se nota nesta passagem do mito: O
filho de Climene20 subiu a escadaria de acesso e entrou no palcio de seu pai. Aproximou-se,
mas parou a distncia, pois a luz [do Sol] era mais forte do que podia suportar (BULFINCH,
2006, p. 50). A seu modo, portanto, a personagem da redao dialoga com esse mito, segundo
o qual o mortal que olhasse para a carruagem de fogo, o Sol, ficaria cego.
Na relao entre a redao e o mito pode se ver um elo dialgico. Segundo Bakhtin
([1952-1953], p. 271):
Toda compreenso da fala viva, do enunciado vivo de natureza ativamente
responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso); toda
compreenso prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera
obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante. A compreenso passiva do
discurso ouvido apenas um momento abstrato da compreenso ativamente
responsiva real e plena, que se atualiza na subsequente resposta em voz real
alta.

Ainda segundo Bakhtin ([1952-1953], p. 272), tudo o que aqui dissemos refere-se
igualmente, mutatis mutandis, ao discurso escrito e ao lido. Assim, a aluso da personagem
20

Faetonte filho de Climene.

26

ao mito pode ser entendida como a compreenso responsiva do aluno a respeito de mito,
previamente conhecido. Em outras palavras: ao ler ou escutar algo acerca desse mito, o
discente possivelmente se posicionou inicialmente de forma silenciosa, j que no se exigiu
dele qualquer resposta imediata. Porm, como toda compreenso prenhe de resposta, por
meio da redao, o aluno teve a oportunidade de se tornar escritor e responder ativamente,
valendo-se de seu conhecimento prvio, dialogando explicitamente com o mito. A esse
processo Bakhtin ([1952-1953], p. 272) chamou de efeito retardado: cedo ou tarde, o que foi
ouvido e ativamente entendido responde nos discursos subsequentes ou no comportamento do
ouvinte. Por essa via, um discurso exterior ao texto, o discurso acerca do mito, trazido para
a narrativa.
Para Bakhtin fundamental compreender como o discurso do outro retomado, o
que implica conhecer o valor dado pelo enunciador a esse discurso. Ao citar o discurso alheio,
pode-se manter distante para melhor demarcar as fronteiras entre o discurso prprio e o de
outrem ou permitir que os mesmos se confundam.
Na redao analisada predomina a primeira atitude: aquela que delimita nitidamente
as fronteiras entre o discurso do outro e o discurso do narrador ou autor. Segundo
Bakhtin/Volochnov (1929) trata-se do estilo linear, em que o sentido do discurso do outro
seria preservado, sem a pretenso de modific-lo, reacentu-lo ou ironiz-lo. Dentro do
possvel, a voz alheia seria resguardada da infiltrao das entonaes prprias do autor
(BAKHTIN/VOLOCHNOV, 1929, p. 149).
Conforme Bakhtin/Volochnov, uma das verbalizaes do estilo linear o discurso
indireto em sua variante analisadora do contedo, que:
[...] apreende a enunciao de outrem no plano meramente temtico e
permanece surda e indiferente a tudo que no tenha significao temtica. E
[...] abre grandes possibilidades s tendncias rplica e ao comentrio no
contexto narrativo, ao mesmo tempo que conserva uma distncia ntida e
estrita entre as palavras do narrador e as palavras citadas. Graas a isso, ela
constitui um instrumento perfeito de transmisso do discurso de outrem em
estilo linear (BAKHTIN/VOLOCHNOV, 1929, p. 161, grifo do autor).

Tal variao do discurso indireto se faz presente no seguinte trecho da redao: A


crena diz que essa carruagem era to linda, brilhante que s poderia ser contemplada pelos
deuses e o mortal que se atrevesse a olhar para a carruagem, receberia como punio a
maldio da cegueira. O interesse do narrador-personagem ao fazer essa citao , sobretudo,
transmitir de forma clara a mensagem, no plano meramente temtico, do discurso do outro.
No se procura, por exemplo, realizar juzos de valor ou interferncias no sentido da voz
27

alheia, mas reproduzir o discurso do outro, mantendo, na medida do possvel, uma distncia
ntida.
Outra relao dialgica se estabelece entre o narrador-personagem e as demais
personagens, a quem ele chama de amigos, cuja nica a orao Vamos embora. Entre
aspas, a frase mostra, tambm, o emprego da palavra do outro em estilo linear, quando o
narrador estabelece uma fronteira clara entre sua palavra e a palavra do outro. Porm, se no
exemplo anterior a palavra do outro aparecia no discurso indireto, neste o discurso direto
que serve para transmitir as palavras das personagens, isoladas pelas aspas.
A propsito, essa fala dos amigos simplesmente ignorada pelo narradorpersonagem, como ele prprio relata. Ainda assim, o fio dialgico no foi rompido pela falta
de uma resposta verbalizada. O silncio entendido pelos amigos, que se afastam, deixando-o
sozinho. Alis, Bakhtin ([1952-1953]) j dissera ser o silncio uma forma de resposta.
Interessante notar a diferena entre essa citao e a referncia ao mito de Faetonte.
Quando o narrador reproduz a voz de seus amigos, as relaes dialgicas permanecem no
mbito da redao, so relaes dialgicas interiores. J na aluso mitologia grega, observase uma relao dialgica externamente orientada para um discurso alm da redao. Vale
distinguir tambm que, se em ambas as ocorrncias a voz do outro reproduzida em estilo
linear, a fbula grega transmitida em discurso indireto, enquanto a voz das personagens
reproduzida em discurso direto. Ou seja, o estilo o mesmo o linear , mas os tipos de
discurso empregados para retomar as vozes alheias so diferentes ora discurso indireto,
ora direto.

Consideraes finais

Do desenvolvimento deste estudo, em que se discorreu sobre a forma como os elos


dialgicos se apresentam nas narrativas examinadas, destacam-se alguns pontos.
No primeiro texto, Joo e Maria no seu castelo, destacaram-se na anlise os
dilogos entre as personagens e referncias verso mais conhecida do conto Joo e Maria.
Quanto ao primeiro ponto, notou-se a utilizao tanto de discurso direto quanto de indireto,
bem como a demarcao da fala de uma das personagens com o uso das aspas. Acerca do
segundo ponto, indicou-se a preservao de elementos pertencentes ao conto tradicional, com
a manuteno de personagens, de seu grau de parentesco, certos elementos fantsticos e
caractersticas prprias dos contos de fadas. Ao lado disso, destacou-se tambm a insero de

28

novos elementos no texto, que respondiam s indicaes da professora e proposta do livro


didtico.
Na segunda narrativa, Um momento divino, indicaram-se os elos dialgicos que
marcavam o texto como uma resposta proposta do professor, alm de se destacarem as
relaes dialgicas entre as personagens e o dilogo da narrativa com referncias externas.
Como apontado, h um forte elo entre o texto do aluno e a proposta do qual se origina, pois,
como solicitara o professor, o escrevente procura narrar um fato de sua vida, uma viagem
supostamente feita por ele a uma praia, oportunidade em que se detm a observar com
especial ateno o crepsculo. Ainda nessa redao, observa-se a presena de um narradorpersonagem que, em estilo linear, refere-se a um fato exterior narrativa: o mito grego da
carruagem do Sol. Na redao observa-se tambm uma relao dialgica no dilogo entre o
narrador-personagem e seus amigos.
Nas narrativas analisadas h algumas semelhanas quanto s relaes dialgicas.
Tanto em Joo e Maria no seu castelo como em Um momento divino: (i) discurso direto e
indireto constituem a narrativa; (ii) h delimitao de vozes das personagens por meio de
aspas; (iii) so encontrados elementos externos s narrativas, (iv) os textos nascem do dilogo
com as propostas dos professores e do livro didtico.
Um ponto de distino entre as redaes o modo como as referncias externas so
inseridas. Em Joo e Maria no seu castelo, alguns aspectos so mantidos na recontagem do
conto infantil, porm o autor traz tambm elementos distintos daqueles presentes na obra
original, a exemplo da maldade de Maria e de seus poderes mgicos. J em Um momento
divino, a introduo de um fato externo (o mito do carro do Sol) acontece praticamente sem
nenhuma alterao. O autor cita o mito sem fazer grandes modificaes, at mesmo porque
parece interessar ao narrador (e ao autor) empregar o mito de modo prximo ao original, de
modo prximo ao que conhecia.
Na anlise dessas duas redaes vislumbram-se alguns traos dos elos dialgicos nas relaes
entre as personagens, entre essas e o narrador e entre os textos e referncias externas. Alm
disso, importante notar que essas relaes dialgicas se textualizam de diversos modos:
atravs de discurso direto ou indireto, pelo emprego ou no de aspas, procurando-se manter a
integridade da voz alheia citada ou nela intervindo incisivamente. Todos esses pontos atestam
a concepo dialgica de linguagem proposta pelo Crculo de Bakhtin. E, mais do que isso,
indicam a necessidade de se ir alm de noes primrias que apenas atestam, afirmam ou
supem a existncia de vozes (de autor, narrador e personagens) nas narrativas. Para alm da
bvia presena dessas vozes, interessa ver como elas dialogam no interior do texto e, quando
29

for o caso, como se configuram os dilogos com textos exteriores. Assim, a apreciao dos
textos narrativos pode mostrar novas perspectivas, escondidas por trs de uma aparente
banalidade.

Referncias bibliogrficas

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31

II

A INTERAO LINGUSTICA NAS PRTICAS DE LEITURA E


PRODUO DE TEXTOS
Moises Batista da Silva
Rissia Oscaline Garcia
Ktia Cilene David da Silva

MOISES BATISTA DA SILVA doutor em Lingustica pela Universidade Federal do


Cear. Professor Adjunto IV, da Faculdade de Letras e Artes, da Universidade do Estado do
Rio
Grande
do
Norte
e
do
Mestrado
Profissional
em
Letras
(PROFLETRAS/UERN/Mossor/RN). Atua, principalmente, nas seguintes linhas de
pesquisa: Descrio e Anlise Lingustica, com nfase em Dialetologia, Sociolingustica e
Lexicografia; Lingustica Aplicada, com nfase em Ensino e Aprendizagem de lngua
materna; Lingustica Textual, com nfase nos estudos sobre gneros textuais, prticas de
leitura e produo de textos. Tambm membro do Grupo de Pesquisa em Estudos Lingusticos
e Literrios (GPELL/UERN).
falamoises@gmail.com
RISSIA OSCALINE GARCIA possui graduao em Letras (2005), com habilitao em
Lngua Portuguesa, e Especializao em Leitura e Produo Textual (2009), pela
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Atualmente, atua como professora de
Lngua Portuguesa da Rede Estadual de Ensino (Mossor-RN). Tambm estudante do
Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS/UERN/Mossor/RN). Tem experincia na
rea de Letras, com nfase em Lngua Portuguesa, Anlise do Discurso e Gneros Textuais. :
rissiaoscaline@yahoo.com.br
KATIA CILENE DAVID DA SILVA possui graduao em Licenciatura em Lngua
Portugus e Lngua Espanhola e respectivas literaturas pela Universidade Estadual do Cear;
Tem mestrado e doutorado em Lingustica pela Universidade Federal do Cear. Foi
professora da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e, atualmente, professora do
Curso de Letras (Espanhol) da Universidade Federal do Cear. Atua nas linhas de pesquisa:
Descrio e Anlise Lingustica, com nfase em Sociolingustica e Lingustica Aplicada, com
nfase em Ensino e Aprendizagem de lngua materna e espanhola. E-mail:
katiacilenedavid@yahoo.com.br
32

Introduo
Ver a linguagem como um lugar de interao humana, significa dizer que com ela o
falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos que no preexistiam fala. Por isso,
a linguagem, com certeza, essencial para o desenvolvimento de todo e qualquer homem,
como tambm condio primordial para apreenso de conceitos que permitem aos sujeitos
compreender o mundo e nele agir.

Este artigo tem como objetivo principal abordar a

linguagem como lugar de interao, como tambm apresentar, a partir dessa concepo de
linguagem, como as prticas de leitura e produo textual se processam no ensinoaprendizagem da lngua.
Primeiramente, apresentaremos algumas consideraes gerais sobre a linguagem no
contexto do ensino. Nesse momento, de forma mais aprofundada, tambm apresentaremos
algumas consideraes sobre o modelo scio-histrico de M. Bakhtin sobre a interao na
linguagem. Depois, discorremos sobre a linguagem em seu funcionamento discursivo e as
prticas de leitura e produo de textos que levam em conta a interao verbal. E, justamente,
por compreendemos que a produo de um discurso no acontece no vazio, julgamos
necessrio tambm refletir, ainda nesse ponto, sobre as condies de produo da atividade
interativa de escrever textos. Essas reflexes sero fundamentadas com base, principalmente,
nas orientaes de Geraldi (2013) e Bronckart (1999), para que possamos entender melhor a
relao entre autor/texto/leitor.
1 Consideraes sobre a linguagem no ensino

Na concepo que v a linguagem como forma de interao, o usurio da lngua


realiza aes e atua sobre o interlocutor. Para Travaglia (2003, p. 23):
A linguagem pois um lugar de interao humana, de interao
comunicativa pela produo de efeitos de sentido entre interlocutores, em
uma dada situao de comunicao e em uma contexto scio-histrico e
ideolgico. Os usurios da lngua ou os interlocutores interagem enquanto
sujeitos que ocupam lugares sociais e falam e ouvem desses lugares de
acordo com informaes imaginrias (imagens) que a sociedade estabeleceu
para tais lugares sociais.

A lngua s tem existncia no jogo que se articula na interlocuo. Portanto, estudar


a lngua tentar detectar compromissos que se criam atravs da fala e as condies que
devem ser preenchidas por um falante para falar de certa forma em certa situao concreta de
33

interao. por isso que Geraldi (2013, p. 5) afirma: crucial dar linguagem o relevo que
de fato tem: no se trata evidentemente de confinar a questo do ensino de lngua portuguesa
linguagem, mas trata-se da necessidade de pens-lo luz da linguagem.
E isso se d na interlocuo, que o espao de produo de linguagem de
constituio de sujeitos. Focalizar, ento, a interao verbal como o lugar da produo da
linguagem e dos sujeitos que se constituem pela linguagem, significa admitir:
a) que a lngua (no sentido sociolingustico do termo) no est de antemo
pronta, dada como um sistema de que o sujeito se apropria para us-la
segundo suas necessidades especficas do momento de interao, mas que o
prprio processo interlocutivo, na atividade de linguagem, a cada vez a
(re)constri;
b) que os sujeitos se constituem como tais medida que interagem, com os
outros, sua conscincia e seu conhecimento de mundo resultam como
produto deste mesmo processo. Neste sentido, o sujeito social j que a
linguagem no o trabalho de um arteso, mas trabalho social e histrico
seu e dos outros e para os outros e com os outros que esta se constitui.
Tambm no h um sujeito dado, pronto, que entra na interao, mas um
sujeito se completando e se construindo nas suas falas;
c) que as interaes no se do fora de um contexto social e histrico mais
amplo; na verdade, elas se tornam possveis enquanto acontecimentos
singulares, no interior e nos limites de uma determinada formao social,
sofrendo as interferncias, os controles e as selees impostas por esta.
(GERALDI, 2013, p. 28).

Assim, constatamos que, quando falamos, dependemos no s de um saber prvio de


recursos expressivos disponveis, mas de operaes de construo de sentidos destas
expresses no prprio momento de interlocuo. E construir sentidos no processo
interlocutivo, demanda o uso de recursos expressivos. Mas o ato de falar no s apropriar-se
de um sistema de expresses pronto. Se fosse assim, no haveria construo de sentidos.
1.1 A viso scio-histrica de M. Bakhtin sobre a linguagem

Por falar de interao na linguagem, vejamos agora algumas consideraes sobre o


modelo lingustico scio-histrico de Bakhtin que nos ajudar a entender melhor a questo da
interao na linguagem. Isto porque, para Bakhtin, a linguagem vista como atividade
interativa, marcada pelo dilogo face a face. O seu objeto de estudo este dilogo verbal e a
sua unidade de anlise o enunciado. Em sua teoria, podemos perceber que uns dos conceitos
bsicos mais trabalhados so: o signo ideolgico, os gneros do discurso, a alteridade, a
heterogeneidade discursiva e a polifonia.
34

Na obra Esttica da Criao Verbal, Bakhtin diz que existe uma alternncia dos
sujeitos falantes e que esta alternncia observada de forma clara e direta no dilogo; nele, os
enunciados dos interlocutores alternam-se regularmente. O dilogo (interao) alm de ser o
objeto de estudo do modelo terico de Bakhtin, tambm a forma clssica da comunicao
verbal. O dilogo possui um acabamento especfico que expressa a posio do locutor, sendo
possvel tomar, com relao a esta posio, um posicionamento responsivo. Este acabamento
um dos traos fundamentais do enunciado. Para Bakhtin (2011) o enunciado a unidade real
da comunicao verbal. E continua dizendo:

A fala s existe, na realidade, na forma concreta dos enunciados de um


indivduo: do sujeito de um discurso-fala. O discurso se molda sempre
forma do enunciado que pertence a um sujeito falante e no pode existir fora
dessa forma. Quaisquer que sejam o volume, o contedo, a composio, os
enunciados sempre possuem, como unidades da comunicao verbal,
caractersticas estruturais que lhes so comuns, e, acima de tudo, fronteiras
claramente delimitadas. (p. 293).

E quando se fala que em Bakhtin a linguagem era vista como atividade interativa, isso
quer dizer que ele tinha uma concepo dialgica da linguagem. Por isso mesmo, que, em
torno do seu conceito de signo, vai ser elaborado o conceito de dialogia. Sobre o signo, em
sua obra Marxismo e Filosofia da linguagem, Bakhtin (1986) diz que

o produto ideolgico faz parte de uma realidade(natural ou social) como


todo corpo fsico, um instrumento de produo ou produto de consumo; mas,
ao contrrio destes, ele tambm reflete e refrata uma outra realidade, que lhe
exterior. Tudo que ideolgico possui um significado e remete e algo
situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que ideolgico um
signo. Sem signos no existe ideologia [...] E mais adiante fala: Os signos
s podem aparecer em um terreno interindividual. Ainda assim, trata-se de
um terreno que no pode ser chamado da natural no sentido usual da
palavra: no basta colocar face a face dois homo sapiens quaisquer para que
os signos se constituam. fundamental que esses dois indivduos estejam
socialmente organizados, que formem um grupo (uma unidade social): s
assim um sistema de signos pode constituir-se. A conscincia individual no
s nada pode explicar, mas, ao contrrio, deve ela prpria ser explicada a
partir do meio ideolgico e social (Op. Cit., p. 31-35).

Resumindo, para Bakhtin, os signos apenas surgem numa situao e num grupo
social. Neles, a interao se realiza atravs dos enunciados que permeados pelas vozes dos
outros. dessa forma que entendemos que a polifonia o coro de vozes que se manifesta

35

normalmente no discurso, j que o pensamento do outro constitutivo do nosso, no sendo


possvel separ-los radicalmente. (KOCH,2011).

2 A linguagem e as prticas de leitura e produo de textos

Tratar a linguagem em funcionamento discursivo ver a linguagem como


efetivamente a usamos. Neste funcionamento, podemos perceber alguns os objetivos dos
interlocutores, as imagens recprocas que eles fazem um do outro e o conhecimento de mundo
que so portadores. A respeito desse assunto, Costa Val (1992, p.1), diz:

Reconhecer esses elementos como integrantes do processo de significao


que se constitui na/pela atividade implica conceber a linguagem como forma
de interao cujo funcionamento prev sua relao com as circunstncias da
enunciao. O cdigo lingustico a estrutura fonolgica, morfolgica e
sinttica da lngua, aspecto privilegiado pela escola uma das dimenses
desse fenmeno. Alm dessa dimenso formal, preciso considerar a
dimenso semntica a relao da lngua com os sistemas de representao
da realidade e a dimenso pragmtica a relao da lngua com seus
usurios.

Tudo isso, como mesmo diz a autora, converge para um ponto: reconhecer a
dimenso pragmtica da lngua implica reconhecer tambm o discurso, que a unidade
comunicativa bsica, como objeto por excelncia do estudo da lngua.
O que isso quer dizer? Quer dizer que se o professor e a escola comearem a ver a
linguagem por esse lado, acontecer uma grande mudana: o objeto no ser apenas o cdigo
lingustico, mas tambm os processos de produo de textos, por meio dos quais os usurios
da lngua exercitam no processo de aquisio e desenvolvimento da escrita e,
consequentemente, da leitura.

2.1 A inteirao atravs da leitura

Primeiramente, ressaltamos algumas observaes sobre as prticas de leitura


realizadas, no geral, dentro da sala de aula. Tais observaes so: a) a escola no tem dado
leitura o espao que lhe devido; b) a leitura na escola tem sido mero pretexto para outras
atividades e pouco produtivas para o aprendizado da lngua; c) a leitura na escola se limita
quase sempre aos textos veiculados pelos livros didticos; d) a monotonia e a mesmice na
36

metodologia dos professores no motivam os alunos para a leitura; e) praticamente no h


uma verdadeira interao lingustica entre escritor/professor/aluno, porque a leitura que feita
na maioria das vezes uma leitura j autorizada e veiculada nos livros didticos.
Mas, as teorias lingusticas contemporneas tm lutado para mudar essas prticas,
como tambm contribudo de forma significativa para que tenhamos uma nova concepo de
texto e de leitura com uma nova postura metodolgica.
Por isso que Orlandi (2012, p.41) destaca alguns componentes das condies de
produo da leitura: para um mesmo texto, leituras possveis em certas pocas no o foram
em outras, e leituras que no so possveis hoje sero futuramente; H diferentes tipos de
discurso. Por exemplo, antigos textos snscritos sagrados so lidos hoje como textos
literrios; Existe um modo de leitura que pode ser remetido s distines de classes sociais;
H leituras previstas para um texto, mesmo que essa previso no seja total, j que sempre so
possveis novas leituras dele; Todo leitor tem sua histria. Sobre isso, Orlandi (Op. Cit., p. 43)
comenta que:
Leituras j feitas configuram dirigem, isto , podem alargar ou restringir
a compreenso de texto de um dado leitor. O que coloca, tambm para a
histria do leitor, tanto a sedimentao de sentidos como a intertextualidade,
como fatores constitutivos da sua produo. Em suma, as leituras j feitas de
um texto e as leituras j feitas por um leitor compem a histria da leitura
em seu aspecto previsvel.

De acordo com os estudos da autora citada acima, podemos dizer que os sentidos so
constitudos no ato da leitura e, por isso, so distintos de leitor para leitor. Nesse espao, os
interlocutores se deparam e se definem no que diz respeito s suas prprias condies de
produo, sendo que o ato de ler configurando a partir delas.
Desse modo, podemos constatar que a leitura no apenas um ato de decodificao
da palavra escrita. Trata-se de uma ao dotada de sentido social, reflexivo, crtico e
construtivo. A leitura funciona como processo de interao do indivduo com a sociedade. A
leitura se constitui, assim, num caminho de acesso a todos que desejam a obteno da
interao. A mesma s se fortalece quando praticada constantemente e numa perspectiva
crtica, atravs da qual o leitor se posiciona no apenas diante do qu, mas perante o mundo e
a sociedade que ele traduz. Ou seja, o leitor, no s recebe, mas tambm constri um
significado global para o texto. Isto quer dizer que ele busca pistas formais, antecipa essas
pistas, formula e reformula hipteses, aceita ou rejeita concluses. J o autor procura
basicamente a adeso do leitor. Por isso, o autor apresenta, da forma melhor possvel, os

37

argumentos que ele acha convincentes atravs das pistas formais para facilitar o alcance dos
seus objetivos.
Sobre esta relao entre o leitor e o autor por meio da leitura, Kleiman (2013, p. 65)
afirma: Mediante a leitura, estabelece-se uma relao ente o leitor e o autor que tem sido
definida como de responsabilidade mtua, pois ambos tm a zelar para que os pontos de
contato sejam mantidos, apesar das divergncias possveis em opinies e objetivos.
Isto implica dizer que, na leitura, a atuao tanto do autor quanto do leitor so
importantssimas. Nela, o autor deve deixar suficientes pistas no seu texto para permitir ao
leitor a reconstruo do caminho que ele percorreu. Por outro lado, o leitor deve acreditar que
o autor tem alguma coisa importante a dizer atravs do texto, de forma coerente. E se esse
leitor no entende algo, ele procura solucionar, ativando o seu conhecimento prvio
lingustico, textual e de mundo.

2.2 A interao atravs da escrita

Todos ns sabemos que os usurios da lngua j tm um conhecimento intuitivo que


os possibilita a interagir, socialmente, no uso da linguagem de forma eficiente e eficaz. Por
isso, se vemos a linguagem como fenmeno pluridimensional, devemos conceber tambm o
conhecimento desses falantes como multifacetado. Aqui, percebemos duas dimenses desse
conhecimento lingustico: a dimenso pragmtica, relacionada com a enunciao e a
dimenso gramatical, relacionada como enunciado.
O conhecimento pragmtico diz respeito enunciao. A enunciao o conjunto
das circunstncias que cercam a produo da linguagem (CASTILHO, 1988, p.113). Os
elementos de enunciao que fazem partes das condies de produo da linguagem so: O
contexto histrico-cultural em que vivem e atuam os interlocutores e que determina sua teoria
do mundo (inclusive seu conhecimento de outros textos) e seus conhecimentos lingusticospragmticos e gramaticais; Os interlocutores, com seus objetivos, as imagens recprocas que
fazem um do outro (e, claro, seus conhecimentos enciclopdicos e lingusticos); A situao
imediata de comunicao, que inclui a modalidade de lngua utilizada (oral ou escrita) e,
portanto, o canal/suporte da fala ou da escrita. Todos estes elementos so importantssimos na
constituio da forma e da significao dos textos.
Quanto ao conhecimento gramatical, segundo Costa Val (1992), o autor opera uma
srie de decises, em reas e nveis diferentes, tendo por objetivo sua inteno comunicativa,

38

a imagem emprica ou virtual de seu leitor, os conhecimentos enciclopdicos que supe


partilhados com seu interlocutor, e o veculo e o gnero de seu texto.
Diante de tudo isso que vimos, percebemos que se a linguagem for vista como uma
atividade que vai alm dos fatores gramaticais, onde interferem tambm os fatores cognitivos
e pragmticos, teremos, ento uma mudana radical na maneira como o objeto e as estratgias
do ensino de lngua so concebidos. Se pensarmos assim, com certeza, as aulas de portugus
no sero mais limitadas a uma viso mecanicista da lngua. A esse respeito, eis que Costa
Val (1992, p. 13) constata:

Quando se tomam como objeto de trabalho em sala os processos de


produo e leitura de textos, numa viso integrada dos mecanismos de
criao da linguagem, no h mais lugar para o ensino centrado na descrio
e prescrio de regras do enunciado, ensino em que s cabe ao aluno o
reconhecimento passivo e inconsequente de categorias estantes. Pelo
contrrio, o ensino ter como foco a enunciao, os processos de
significao resultantes das relaes entre o texto e suas condies de
produo, e a caber ao aluno o uso produtivo dos recursos e possibilidades
do sistema lingustico e a reflexo sobre eles.

Dessa maneira, sem dvida nenhuma, a produo de textos sempre ser uma
atividade muito importante no ensino de uma lngua. Sobre isso, Geraldi (2013, p.135)
afirma:
Considero a produo de textos (orais e escritos) como ponto de partida (e
ponto de chegada) de todo o processo de ensino/aprendizagem da
lngua...Sobretudo, porque no texto que a lngua - objeto de estudo se
revela em sua totalidade, quer enquanto conjunto de formas e de seu
reaparecimento, quer enquanto discurso que remete a uma relao
intersubjetiva constituda no prprio processo de enunciao marcada pela
temporalidade e suas dimenses.

Um outro ponto relevante que Geraldi tambm ressalta que na redao, produzemse textos para a escola. J na produo de textos, produzem-se textos na escola. Discutindo a
questo sobre a redao na escola, Geraldi declara que o aluno vive a contradio de escrever
para quem lhe ensina a escrever, que ler o texto no para saber o que o texto diz, mas para
ver se o aluno sabe ou est aprendendo a escrever.
Para Geraldi, a presena do professor como interlocutor com essa imagem to forte,
a ponto de destruir o prprio locutor, pois influenciado por essa imagem, seu texto no
representa o produto de uma reflexo ou uma tentativa de, usando a modalidade escrita,
estabelecer uma interlocuo com o leitor professor.
39

2.2.1 As condies de produo de textos


Aqui, para tanto, seguindo as orientaes de Geraldi (2013) e Bronckart (1999),
apresentamos as condies de produo fundamentais para que o aluno possa efetivar um
trabalho significativo com a linguagem, ou seja, algumas condies para se produzir um bom
texto. Segundo Geraldi (2006, p. 137), para produzir um texto preciso que:

a) se tenha o que dizer; b) se tenha uma razo para dizer o que se tem a
dizer; c) se tenha para quem dizer o que se tem a dizer; d) o locutor se
constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz (ou, na
imagem wittgensteiniana, seja um jogador no jogo); e) se escolham as
estratgias para realizar (a), (b), (c) e (d).

J para Bronckart (1999), as condies de produo podem exercer influncia


fundamental na forma como o texto organizado. Para o autor, essas condies esto
reagrupadas em dois conjuntos: o primeiro, refere-se ao mundo fsico e o segundo, ao mundo
social e ao subjetivo.
No contexto fsico esto presentes quatro parmetros, assim caracterizados pelo
autor: o lugar de produo (lugar fsico onde o texto produzido); o momento de produo
(tempo em que o texto produzido); o emissor (pessoa que produz o texto, seja na
modalidade oral ou escrita); o receptor (pessoa que pode receber concretamente o texto).
No segundo plano, em que a produo de todo texto decorre da interao
comunicativa, esto o mundo social (normas, valores, regras), e o mundo subjetivo (imagem
que o agente expe de si). um contexto que Bronckart (1999) apresenta dividido em quatro
parmetros principais:
- o lugar social: onde e em que modo de interao o texto produzido: escola,
famlia, mdia, interao comercial, interao informal etc.
- a posio social do emissor: o papel social que o emissor desempenha na
interao, no momento de produo: papel de professor, de pai, de amigo, de superior etc.?
- a posio social do receptor: qual o seu papel? De aluno, de criana, de colega, de
pai, de subordinado etc.?
- o objetivo(s) da interao: que efeitos o texto pode produzir no seu destinatrio, do
ponto de vista do enunciador?
Bronckart faz uma importante distino entre estatuto de emissor e receptor
(organismo que produz ou recebe um texto), do estatuto de enunciador e de destinatrio

40

(papel social assumido, respectivamente pelo emissor e pelo receptor). Veja que um mesmo
emissor pode produzir um texto exercendo deferentes funes sociais: de pai, ou de aluno, ou
de professor, ou de colega, etc. Ao desempenhar um determinado papel social, o emissor
adquire o estatuto de enunciador, e para o autor,
[...] a noo de enunciador designa as propriedades sciosubjetivas do autor,
do modo como podem ser apreendidas por uma anlise externa de sua
situao de ao. Entretanto, h uma outra acepo do mesmo termo (cf.
Ducrot, 1984), que provm de uma anlise das propriedades, no da situao
de ao, mas do texto efetivamente produzido, e que se relaciona com as
diferentes vozes que neles so postas em cena (Quem fala no texto? Quem
o responsvel pelo que expresso?) (1999, p. 95)

Num texto podem estar presentes uma multiplicidade de vozes, a polifonia. E para
explic-la, Ducrot introduziu o conceito de enunciador, esclarece Bronckart. Assim, tem-se
outra acepo de noo de enunciador que designa na verdade, um construto terico, uma
instncia puramente formal, a partir da qual so distribudas as vozes que se expressam em
um texto (BRONCKART, 1999, p.95). Todo esse conjunto de parmetros que constitui o
contexto de produo, postulado por Bronckart, deve ser considerado pelo professor ao
desenvolver o trabalho de produo de textos em sala de aula.

Consideraes Finais
A partir do que foi exposto aqui, podemos constatar que de suma importncia para
o indivduo o reconhecimento da leitura como fator de desenvolvimento pessoal e cultural.
atravs da leitura que o homem consegue interagir com o autor do texto para melhor
compreender o mundo e a sociedade. Ou seja, a leitura no pode ser considerada como uma
prtica separada da realidade educativa do aluno, mas como um processo de interao no
cotidiano do aluno/leitor.
O professor, antes de tudo, deve se conscientizar de que as prticas de leitura e
produo de textos devem ser constantes na vida do aluno. Para isso, faz-se necessrio
introduzir nas aulas vrios tipos recursos bem como vrios tipos de gneros textuais,
priorizando a leitura polissmica como forma de levar o aluno a produzir mltiplas
interpretaes de um texto, possibilitando dessa maneira a aquisio de novos conhecimentos.
Portanto, o que podemos dizer sobre a interao lingustica que ela precisa ser
desenvolvida com todo vigor, porque este o melhor caminho para um verdadeiro processo

41

ensino/aprendizagem atravs da leitura e da produo de textos, no s dentro, mas tambm


fora da sala de aula.
Concluindo, de forma alguma, este trabalho tem a pretenso de esgotar a discusso
em relao interao lingustica na sala de aula, mas sim tem a finalidade de encaminhar
algumas reflexes que ajudaro os pesquisadores e interessados da rea nas prximas
discusses acerca do assunto proposto aqui.

Referncias bibliogrficas
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 16 ed. So Paulo: Hucitec, 2009.
_____. Esttica da criao verbal. So Paulo: Martins Fontes, 2011.
BRONCKART, J.P. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo
sciodiscursivo. So Paulo: EDUC, 1999.
CASTILHO, Ataliba T. de. Anlise da conversao e ensino da gramtica. In: Uma proposta
para o ensino de gramtica no 1 e 2 graus. Campinas: IEL - UNICAMP, 1988.
COSTA VAL. Interao lingustica como objeto de ensino/aprendizagem da lngua
portuguesa. Jornal da Alfabetizadora, So Paulo: 1992. Ano VI, N 32.
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ensinar com textos de alunos. So Paulo: Cortez, 1997.
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(Org). Parmetros de cooperao. Santa Maria: UFSM, 1997.
TRAVAGLIA, L.C. Gramtica e interao.

42

2 ed. So Paulo: Cortez, 2003.

III

CONSIDERAES SOBRE A IMPORTNCIA DO CONHECIMENTO


DA SLABA PARA O ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA
Gilson Chicon Alves

GILSON CHICON ALVES possui mestrado em Letras pela Universidade Federal da


Paraba (2001) e doutorado em Lingustica pela Universidade Federal da Paraba (2012).
Atualmente professor adjunto 4 da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Tem
experincia na rea de Letras, com nfase em Letras, atuando principalmente nos seguintes
temas: lingustica, fonologia, portugus, descrio e lingustica textual coerncia coeso.
gcario65@hotmail.com

43

Introduo

Este trabalho tem como objetivo central demonstrar a relevncia do conhecimento da


estrutura silbica para o ensino de Lngua Portuguesa. Nossa ateno se volta especialmente
aos professores que abraaram a difcil misso de alfabetizar, prover o iniciante no mundo da
escrita de um suporte que lhe facilite a entrada e participao em uma comunidade
globalizada cada vez mais letrada, competitiva e exigente. A ideia de dissertar sobre os
problemas que envolvem a slaba surgiu da observao de que, nos centros de formao
pedaggica em torno da cidade de Mossor, no h oferta da disciplina Fontica e Fonologia
e, assim sendo, os professores em formao da fase inicial do Ensino Fundamental deixam de
adquirir um conhecimento que essencial para o seu trabalho. A fim de facilitar a
compreenso e diminuir o desconforto que por ventura uma pessoa menos prxima da rea de
Fonologia possa ter, optamos por fazer uso de uma linguagem acessvel, sempre tomando o
devido cuidado de traduzir jarges prprios dessa rea.

1. Um Pouco de Teoria

O conceito de slaba aqui adotado o proposto por Selkirk (1982), o qual apregoa que
a slaba a menor categoria prosdica dentre as 6 que compem os constituintes prosdicos,
constituda por ataque (A) e rima (R). O ataque sempre ser preenchido por uma consoante, o
ncleo sempre ser uma vogal e a coda, em portugus brasileiro, s pode ser constituda por
uma ou mais consoantes que sero especificadas mais adiante ou uma semivogal i, u.
De acordo com a afirmao acima, podemos representar uma slaba () da seguinte
maneira:

(A)

(R)

(Nu)

(Co)
44

Como podemos ver, a slaba formada por uma estrutura interna, dividida em duas
partes: o ataque (A), que no obrigatrio; e a rima (R), que se bifurca em ncleo (Nu), o
pico da sonoridade o nico elemento obrigatrio; e a coda (Co), tambm opcional.
Utilizando o diagrama acima, a ttulo de exemplo, representaremos a palavra casa:

(A)

(R)
(A)

(R)

(Nu)
S

(Nu)

A
A

Essa a representao da ordem consoante vogal (CV), considerada o padro


silbico mais simples do portugus logo depois do padro que consiste unicamente em
um ncleo no qual podemos ver a presena do ataque (c na primeira slaba e s na
segunda), que ocupa a margem esquerda da slaba e se caracteriza por possuir um valor
de sonoridade mais baixo, por isso recebendo o status de descendente; e do ncleo (a na
primeira slaba e a na segunda) que representa o pico silbico, o segmento que possui o
valor mais alto de sonoridade, por isso recebendo o status de ascendente.
Na lngua portuguesa, podemos encontrar 13 padres silbicos, conforme
podemos ver abaixo os exemplos foram retirados de Collischonn (2005, p. 117):

VC

ar

VCC

instante

CV

CVC

lar

CVCC monstro
CCV

tri

CCVC

trs
45

CCVCC transporte
VV

aula

CVV

lei

CCVV

grau

CCVVC claustro

O elemento V corresponde a uma vogal e o C, a uma consoante. Como


podemos ver acima, em portugus, o padro mais simples formado por apenas 1
elemento, que o ncleo, e o mais complexo pode conter at 6 elementos. Nessa lngua,
toda e qualquer slaba precisa conter obrigatoriamente uma vogal que ocupe o lugar de
ncleo, pois, como j dissemos, o ncleo sempre formado por uma vogal, que ocupa o
lugar mais alto na escala de sonoridade dos segmentos que formam uma slaba.
Quando a slaba termina em uma nica vogal, dizemos que ela aberta e leve.
Acima, temos dois exemplos de slabas abertas: ca e sa. Por ser muito simples, esse
padro no costuma apresentar dificuldades de aprendizado para as crianas. Podemos
dizer juntamente com Lucena (2007) que h uma conspirao histrica na lngua
portuguesa a fim de garantir a manuteno da slaba aberta.

2. O Ataque

2.1 O Ataque Simples

Conforme podemos constatar, na palavra casa h um segmento ocupando o lugar


de ataque na slaba inicial c e um ocupando o lugar de ataque na slaba medial s.
Dizemos que o ataque simples quando ele composto apenas por um elemento, como
o exemplo dado.
A lngua portuguesa permite que qualquer das consoantes constitua um ataque
simples, independentemente da localizao da slaba. Abaixo, mostramos um inventrio
com cada um dos segmentos em posio de ataque:

46

Fonema

Slaba inicial

Slaba medial

/b/

bo.ta

ca.be.lo

/bta/

/kabelo/

ca.lo

e.co

/kalo/

/ko/

da.ta

tu.do

/data/

/tudo/

fa.ca

ri.fa

/faka/

/rifa/

ga.ta

jo.go

/gata/

/ogo/

jo.go

ti.ju.ca

/ogo/

/tiuka/

la.ta

te.la

/lata/

/tla/

ma.ta

ti.me

/mata/

/time/

na.ta

fo.ne

/nata/

/fone/

pa.to

a.pi.to

/pato/

/apito/

ha.to

ca.ho

/hato/

/kaho/

so.no

ca.ssa

/sono/

/kasa/

ti.me

la.ta

/time/

/lata/

nho.que

so.nho

/ke/

/soo/

lha.ma

pa.lha

/ama/

/paa/

chu.chu

li.xo

/k/

/d/

/f/

/g/

//

/l/

/m/

/n/

/p/

/h/

/s/

/t/

//

//

//

47

/uu/

/lio/

va.ca

lu.va

/vaka/

/luva/

ze.bra

on.ze

/zebra/

/onze/

/v/

/z/

No inventrio acima, levamos em considerao apenas a pronncia da regio de


Mossor-RN, por isso representamos, por exemplo, a palavra rato com o fonema /h/, que
levemente aspirado. Seguindo esse raciocnio, representamos a palavra time com um /t/
porque esse fonema aqui se realiza como uma dental e no como uma africada. E assim por
diante.

2.2 O Ataque Complexo

Alm do ataque simples, que descrevemos acima, tambm temos o ataque complexo,
que se caracteriza por possuir mais de um segmento. Seu inventrio no to extenso quanto
o do ataque simples. Observe o seguinte diagrama:

(R)
(A)

(Nu)

(Co)

Na figura acima, podemos ver a representao de um ataque complexo assinalado por


uma bifurcao. Para que os segmentos preencham esses lugares, entretanto, h uma restrio
segundo a qual os segmentos devem obedecer a uma escala de sonoridade que se inicia com o
segmento menos sonoro e prossegue at o mais sonoro. Observe a escala:
48

Escala de sonoridade
Obstruinte

Nasal

Lquida

Vogal

Fonte: Jespersen (citado por MATZENAUER, 2005, p. 53)

Sobre essa escala, temos que a classe das obstruintes abrange consoantes como /p, k, t,
g, b, d, f/; por ocuparem o lugar mais baixo, estas sempre precisaro ficaro esquerda de um
segmento mais sonoro em um ataque complexo. As nasais so /m, n e /. As lquidas so uma
classe natural21 formada pelas laterais /l e / e pelos rticos (ou seja, os sons de r, como em
rato ou caro, por exemplo). Passemos ento a um exemplo:

(A)

(R)

(Nu)

(Co)

Temos aqui a primeira slaba da palavra prato, por exemplo. Observe que, no ataque, a
parte mais esquerda preenchida por uma obstruinte (/p/) por ser esse elemento o menos
sonoro na escala de sonoridade (valor 0); em seguida, temos uma lquida, o /r/, que, por ser

21

Segundo Matzenauer (2005, p. 30), (...) Diz-se que dois ou mais segmentos constituem uma classe natural
quando necessrio, para especificar a classe, um nmero de traos menor do que o nmero necessrio para
caracterizar cada membro isoladamente.

49

mais sonoro, se situa direita da obstruinte, mas ainda assim fica esquerda do ncleo,
preenchido sempre pelo elemento mais sonoro, que a vogal.
Observe que os segmentos esto dispostos em uma escala crescente. Por isso mesmo, a
lngua portuguesa probe um encontro consonantal do tipo rpato, por exemplo, porque essa
inverso implicaria o incio da slaba com um segmento de valor sonoro relativamente alto
seguido de um que ocupa a parte mais baixa da escala para depois subir novamente e alcanar
o pico, que representado pela vogal.
Ao invs de uma formao como rpato, a lngua portuguesa opta por uma como prato,
visando manuteno da lei do menor esforo, segundo a qual o indivduo produz o som e
comunica com o menor esforo possvel, e tambm visando harmonia, em que os segmentos
so postos hierarquicamente em uma escala, do menor ao maior. H ainda uma outra
observao que pode ajudar muito o professor de Lngua Portuguesa. Observe:

(A)

(R)

(A)

(Nu) (Co)
B

(R)

(Nu) (Co)

Na representao da palavra blusa, temos um ataque complexo composto por uma


obstruinte mais uma lquida, s que desta vez uma lateral ao invs de um rtico.
Fonologicamente falando, apenas a lquidas esto aptas a figurar na posio mais direita
do ataque complexo.
Historicamente, essa alternncia tem se mostrado muito produtiva na lngua
portuguesa, tanto que podemos encontrar em Os Lusadas alguns versos em que a palavra flor
ora se realiza com a lquida, ora com o rtico (fror).
Essa prtica, ao longo da histria da lngua, tem uma razo de ser, pois os dois
segmentos /l, r/, como j vimos, pertencem mesma classe natural (as lquidas), possuem o
mesmo valor sonoro, portanto, ambas esto aptas a ocupar o lado direito do ataque complexo.
Sabemos que h segmentos da sociedade potiguar que fazem uso da forma brusa, por
exemplo. Esse uso nada tem a ver com o grau de inteligncia do falante/aluno pelas razes
50

que j mostramos acima. Diante desse conhecimento, o professor precisa ter sensibilidade
para entender que, apesar dessa forma estar em desacordo com a norma padro, ela tem uma
razo de ser, ela pode ser explicada do ponto de vista fonolgico; portanto, no fruto de uma
cabea vazia e ignorante, mas sim de uma gramtica adquirida pelo falante/aluno em sua
comunidade de fala de origem.
Dessa maneira, o professor deve estar atento ao elaborar um procedimento
metodolgico que ajude o aluno a adquirir tambm a forma desejada pela norma padro
(blusa), aquela que lhe vai possibilitar mais condies de ascenso social.
Observe ainda mais este exemplo, extrado de uma redao de um aluno da 6 srie do
Ensino Fundamental da rede pblica de Mossor. Ele escreveu a seguinte orao: E ns
pescamos tanto que deu cansera mais quando agente vio o pineo do carro furol e teve desse
(...) (Autora: K. G.) a grafia original foi mantida. A forma destacada pineo , apesar de se
encontrar em desacordo com a norma, apresenta uma razo de ser: a aluna, ao pronunciar a
palavra, percebe que h uma vogal separando o encontro consonantal pn, motivo que a leva a
escrever essa vogal.
Do ponto de vista fonolgico, podemos dizer que um ataque complexo do tipo pn, por
exemplo, proibido na lngua portuguesa por no possuir licenciamento prosdico, uma vez
que a consoante /n/ na posio de segundo segmento de um ataque complexo no pode ser
associada a um n silbico; o curioso que, na escala de sonoridade, a consoante /n/ se
encontra acima de uma obstruinte, portanto, deveria receber esse licenciamento, mas a lngua
portuguesa s permite que as lquidas ocupem o segundo lugar de um ataque complexo.
Numa situao como essa, podemos perguntar qual a soluo. Ns, falantes da grande
maioria das comunidades de fala do portugus brasileiro, tendemos a solucionar o problema
com a insero de uma vogal epenttica, da mesma forma que a aluna acima fez. Aps a
entrada de uma epntese, o /n/ deixa de fazer parte do ataque complexo e passa a formar um
ataque simples de uma nova slaba. Veja: pneo >

pi-neo

Feitas essas consideraes, passemos ento para o inventrio do ataque complexo, em


que as lquidas figuram como segundo segmento desse tipo de ataque em posio inicial de
uma slaba ou em posio medial:

/r/

/r/

/r/

/l/

/l/

/l/

Segmento

Posio

Posio

Segmento

Posio

Posio

inicial

medial

inicial

medial

51

/b/

/d/

/f/

/g/

/k/

/p/

/t/

/v/

bra.do

a.bra.o

/brado/

/abraso/

dre.no

ma.dre

/dreno/

/madre/

fri.o

re.fres.co

/frio/

/refresco/

gri.to

a.gro

/grito/

/agro/

cre.me

a.cro.ba.ta

/kreme/

/akrobata/

pra.to

ca.pri.cho

/prato/

/kaprio/

tr.fe.go

la.tri.na

/trafgo/

/latrina/

22

vi.dro

/b/

blo.co

ta.bla.do

/bloco/

/tablado/

/d/

xxxxxxxx

xxxxxxxx

/f/

fla.men.go

a.fli.to

/flamengo/

/aflito/

gla.ci.al

si.gla

/glacial/

/sigla/

cli.en.te

ca.ta.clis.ma

/kliente/

/kataklisma/

ple.beu

com.ple.xo

/plebeu/

/komplekso/

xxxxxxxxx

a.tle.ta.

/g/

/k/

/p/

/t/

/atleta/
/v/

23

xxxxxxxx

/vidro/

Feitas as consideraes sobre o ataque, passemos ento para a coda.

3. A Coda
De acordo com Cmara Jnior (1997), apenas as consoantes /l, r, S, N 24/ e mais as
semivogais /j, w/ esto aptas a travar slabas em portugus. J dissemos que h uma srie de
fatores que contribuem para que a slaba pesada/fechada se torne leve/aberta o que postula
a Teoria da Conspirao. Consideremos alguns exemplos:

22

Note, leitor, que a norma padro no admite um ataque complexo formado por vr em posio inicial,
entretanto, nos falares no padro, podemos facilmente encontrar uma palavra como vrido (vidro), por exemplo,
em que a lquida sofre uma hiprtese e se desloca para a primeira slaba.
23
Podemos lembrar do nome prprio Vladimir, mas que por ser um nico exemplar no suficiente para
atestarmos esse tipo de encontro consonantal em portugus.
24
Os fonemas /S, N/ aparecem em maiscula porque o referido autor os trata como arquifonemas, ou seja, um
fonema que tem diversas possibilidades de realizao. Nas palavras de Cmara Jnior (1997, p. 58), o
arquifonema /N/, por exemplo, se realiza como /m/ diante de consoante labial na slaba seguinte, como /n/
diante de consoante anterior nas mesmas condies e como um alofone [] posterior diante de vogal posterior:
campo, lenda, sangue. (...)

52

a. Maria sempre ficava calada, mas nesse dia ela falou sem parar.
b. Maria sempre ficava calada, mas nesse dia ela fal sem par.

O exemplo contido em a. est escrito de acordo com a norma padro, como fcil de
constatar. Quanto a b., apresenta problemas passveis de explicao tanto de natureza
ortogrfica, quanto tambm fonolgica. Em b., o ditongo /ow/ sofre uma reduo que ns
tambm podemos chamar de monotongao o falante/aluno muito provavelmente realiza
esse apagamento da coda na lngua oral e faz o mesmo ao escrever. De acordo com Alvarenga
e outros (1989, p. 24), a grafia do ditongo [ow] parece resolver-se na 4 srie (...)
Ainda em b., vemos o apagamento da lquida /r/, que muito produtivo em nossa
lngua. Na lngua falada, o cancelamento desse segmento no se d apenas em classes sociais
de menor prestgio e entre pessoas com baixo grau de escolarizao. Callou, Moraes e Leite
(2002, p. 468) demonstraram que o apagamento do /r/ em posio de coda ocorre tambm
entre pessoas escolarizadas portadoras de curso superior. Esses autores analisaram 4.334
ocorrncias de rticos em lngua falada distribudos pelas 5 capitais que compem a rea
pesquisada pelo Projeto Norma Urbana Culta NURC , que so as cidades de So Paulo,
Rio de Janeiro, Porto Alegre, Salvador e Recife.
Se considerarmos os dados das 5 reas somadas, teremos o apagamento desse fonema
como a segunda variante que mais se realiza: 26%. Se pensarmos na realidade dos falares
nordestinos, temos os dados de Recife (50%) e Salvador (62%), que atestam o quanto a
prtica do cancelamento faz parte da nossa comunidade de fala.
Assim sendo, o professor deve estar ciente de que, nos primeiros anos de escolarizao,
o falante/aluno que ainda no domina totalmente as regras de ortografia do nosso sistema
poder transferir para a escrita aquilo que ele realiza foneticamente, como o caso do
apagamento.
Cabe ainda dizer que esse fenmeno ocorre na coda localizada no meio de palavra
como em marcha > ma0cha, por exemplo e tambm na coda localizada no fim da palavra, o
que mais frequente como no infinitivo dos verbos (parar > para0, amar > ama0 etc.) e nos
nomes (pomar > poma0, Lucimar > Lucima0, por exemplo).

53

Consideraes finais

Neste estudo, descrevemos a estrutura silbica tal como concebida pelas teorias
fonolgicas modernas: a slaba entendida como a menor unidade fonolgica, composta por
um ataque e uma rima. Nosso objetivo foi demonstrar que esse conhecimento pode ajudar o
professor de Lngua Portuguesa das sries iniciais a compreender alguns desvios de grafia que
seus alunos por ventura venham a ter, pelo menos aqueles desvios relacionados estrutura
silbica.

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Anlise Lingustica do Processo de Alfabetizao. In: Cadernos de Estudos Lingusticos.
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MATZENAUER, Carmem Lcia. Introduo Teoria Fonolgica. In: BISOL, Leda.
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SILVA, Thas Cristfaro. Fontica e Fonologia do Portugus: roteiro de estudos e guia de
exerccios. 9. ed. So Paulo: Contexto, 2007.
54

IV

ENSINO
DE
PORTUGUS
E
VARIAO
LINGUSTICA:
TRATAMENTO DIDTICO DE VARIEDADES DIALETAIS NO
MBITO ESCOLAR
Josenildo Barbosa Freire

JOSENILDO BARBOSA FREIRE possui graduao em Letras pela UEPB (2004) e psgraduao, em nvel de especializao, em ensino-aprendizagem de Lngua Portuguesa pela
UFRN (2006). Atualmente professor de lngua portuguesa da Escola Estadual Carlos Gomes
(Montanhas/RN) e da Escola Municipal Jos Targino (Pedro Velho/RN). Em 2011, concluiu o
Mestrado no Proling/UFPB na rea da Sociolingustica Quantitativa. Atualmente
doutorando de Lingustica pela UFPB.
josenildo.bfreire@hotmail.com

55

Introduo

A variao lingustica um fenmeno recorrente nas lnguas naturais. Diversos


estudos e projetos tm apontando a existncia de diferenas dialetais nos usos lingusticos
feitos por uma comunidade de fala (HORA, 1993: VALPB Projeto Variao Lingustica na
Paraba), por exemplo.
Pesquisas na rea da Sociolingustica e/ou Dialetologia demonstram que a variedade
lingustica perpassa os diferentes nveis estruturais da gramtica: aspectos fonticofonolgicos, morfossintticos, discursivo-pragmticos e lexicais. Desse modo, entende-se que
a lngua portuguesa falada sofre a realizao de uma srie de processos lingusticos que esto
condicionados por diversos fatores, sejam eles, internos (estruturais), ou externos (sociais),
operando sobre o uso lingustico que se faz. Neste sentido, a lngua varia em funo dos seus
usos sociais.
Ento, uma questo surge: se a variao lingustica uma realidade constitutiva das
lnguas, como a escola pode tratar desses fenmenos dialetais no processo ensinoaprendizagem? Digo: que tratamento didtico dispensar s variedades dialetais existentes nos
diferentes falares regionais das escolas brasileiras? Como o professor deve encarar a
heterogeneidade lingustica presente na fala de seus alunos?
Inicialmente, entende-se que ao assumir a realidade lingustica como inerentemente
varivel e que seu uso est associado restries de natureza interna e externa ou, ainda,
estilsticas, e sendo a escola uma instituio de ensino como objetivos e metas definidos
socialmente, cabe, ento, ela, compreender, aceitar e incorporar o ensino de variao
lingustica como objeto de estudo nas salas de aulas.
O tringulo didtico composto por professor, aluno e os saberes j sinaliza que o
conhecimento tem lugar fundamental no ambiente escolar. Neste sentido, a escola pode
assegurar ao alunado a vivncia de prticas reais do uso lingustico apontando em quais
situaes scio-comunicativas determinados usos lingusticos so adequados ou no.
Neste trabalho, procura-se analisar como o ensino pode incorporar a noo de
variedades lingusticas e trata-las didaticamente no mbito da escolar, sobretudo, na
organizao do trabalho pedaggico. Visa-se, tambm, apontar algumas situaes didticas
fundamentais para a realizao do ensino que incorpora a variao lingustica como contedo
a ser ensinado e aprendido no ambiente escolar.

56

O aporte terico deste trabalho est fundamentado na Teoria da Variao Lingustica


de cunho laboviana (LABOV, 1963a; LABOV, 1966b; LABOV, 2008c; LABOV, 1972d),
Brasil (1997a; 1998b; 2011c), dentre outros, que tm apontado que a realidade lingustica
fundamentalmente varivel.
Para o desenvolvimento deste trabalho, adota-se a seguinte estrutura: na seo 1,
define-se o que so variedades lingusticas; na seo 2, apresenta-se a viso de alguns
documentos oficiais acerca da relao ensino e variao lingustica; na seo 3, discutem-se,
brevemente, os pressupostos tericos adotados para o estudo aqui descrito; na seo 4,
enumeram-se algumas estratgias didticas para execuo do ensino que contempla a variao
lingustica, e na seo 5, apontam-se as consideraes finais.

1. Definindo variedades lingusticas

As definies envolvendo a definio de lngua, de dialeto e de variedades


lingusticas so antigas e com diferentes mritos aos estudos. Conquanto, neste trabalho,
adota-se a conceituao de variedade lingustica cunhada por Chambers e Trudgill (1994, p.
22):
El trmino lengua es, por tanto, desde um punto de vista lingustico, um
trmino relativamente poco tcnico. Si queremos, pues ms rigorosos em
nuestro uso de etiquetas descriptivas emplear outra terminologa. Um
trmino que usaremos[...] es variedade. Emplearemos variedade com
trmino neutro que aplicaremos a cualquer classe particular de lengua que
deseemos considerar, por algn motivo, como uma entidade individual.

Assim, entende-se que o termo variedade lingustica capaz de capturar diferentes


usos lingusticos feitos pelos falantes de uma determinada comunidade de fala, atrelando-a a
realizao de diversos processos fontico-fonolgicos, lexicais, etc., que esto explcitos ao se
usar o sistema lingustico.
Ferndez (1998) afirma que a Sociolingustica focaliza parte de seu interesse nos
estudos das variedades lingusticas, e que para ela as variedades lingusticas so tipos de
variedades relativamente heterogneas que envolvem lnguas, dialetos, fala, socioletos, estilos
ou registros.
Neste sentido, corroboram at aqui as ideias ventiladas por Viera (2013, p. 87) que
estabelece o que existe, em matria de usos lingusticos, uma pluralidade de variedades e
normas normas populares, normas cultas, no plural, no to desejvel plural. (Grifo da
autora). Reconhecer essa realidade sociolingustica constitui um dos passos que reformularam
57

as prticas tradicionais de ensino de lnguas nas escolas brasileiras. Todavia, j se reconhecem


avanos, ainda tmidos, porm seguros e que desdobraram novas iniciativas no cenrio
educacional.
Por exemplo, tem-se constatado que a prtica educativa dos professores tem sido
redimensionada, sobretudo a partir do final da dcada de 1990, no cenrio brasileiro, com o
lanamento do Parmetro Curricular de Lngua Portuguesa (BRASIL, 1997). Na sesso
seguinte, discutem-se aspectos relacionados publicao desse documento oficial no que se
referem ao tratamento da variao lingustica. De forma pratica, percebe-se que o texto
enquanto gnero textual tem ganhado um maior espao e se tornado a unidade bsica de
ensino em detrimentos de um ensino frasal ou to somente apoiado no trabalho com as
categorias gramaticais. Embora, se admita que o ensino das partes da gramtica necessrio e
tem seu valor na formao e no desenvolvimento da cidadania dos estudantes.
Desse modo, percebe-se que o universo de trabalho e anlise da escola ao aceitar as
variedades lingusticas como objetos pedaggicos amplo, e ao mesmo tempo, complexo,
pois ir lidar com conceitos abstratos e que se manifestam diferentemente dependendo da
teoria adotada e de outros fatos socioculturais e histricos, mas, tambm, ter a oportunidade
de trabalhar fenmenos reais que se manifestam nos mais diversos contextos comunicativos.

2. Viso dos PCN de Lngua Portuguesa e outras orientaes oficiais sobre variao
lingustica

O Parmetro Curricular de Lngua Portuguesa (BRASIL, 1997a) j contempla o


ensino de variao lingustica em sala de aula. Segundo esse documento oficial (op. cit., p.
28), espera-se que durante o perodo do Ensino fundamental os alunos sejam capazes de
conhecer e respeitar as diferentes variedades lingusticas do portugus falado. Assim,
reconhece-se que o documento de origem oficial (Ministrio da Educao) aponta na direo
de trabalho pedagogicamente a variao dialetal, visto que, uma das metas propostas esperar
que o aluno exiba o conhecimento acerca desse contedo.
Ainda segundo o PCN, quando se pergunta que fala cabe escola ensinar, afirma:

A questo no falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar,
considerando as caractersticas do contexto de comunicao, ou seja, saber
adequar o registro s diferentes situaes comunicativas. saber coordenar
satisfatoriamente o que falar e como faz-lo, considerando a quem e por que

58

se diz determinada coisa. saber, portanto, quais variedades e registros da


lngua oral so pertinentes em funo da inteno comunicativa, do contexto
e dos interlocutores a quem o texto se dirige. A questo no de correo da
forma, mas de sua adequao s circunstncias de uso, ou seja, de utilizao
eficaz da linguagem: falar bem falar adequadamente, produzir o efeito
pretendido. (op. cit., p. 26).

Desse modo, ento, cabe escola d tratamento didtico adequado s variedades


lingusticas utilizadas pelos alunos, e ao mesmo tempo, criar condies para exibio
harmoniosa e consciente dos diferentes usos da lngua que so manifestados no ambiente
escolar, possibilitando ao aluno o domnio da lngua em diferentes modalidades (orais e/ou
escritas) e sem o receio de provocar constrangimentos, preconceitos ou descriminao social.
Essa viso oficial tambm compartilhada por outros documentos oficiais de
Governo. Dentre eles, podem ser citados o Parmetro Curricular de Lngua Portuguesa do
Ensino Mdio (BRASIL, 1998c) e o Programa Nacional do Livro didtico (PNLD, 2011).
Assim, verifica-se que h um respaldo oficial para se trabalhar didaticamente fenmenos
variveis da lngua no ambiente escolar, possibilitando a reorganizao de tradicionais
prticas d ensino nas aulas de Lngua Portuguesa.
Nesta direo, o PCN de Lngua Portuguesa para os anos iniciais do Ensino
Fundamental aponta que a atividade do professor seja ancorada em dois eixos: uso da lngua
oral e escrita, e reflexo sobre a lngua e a linguagem. Assim, percebe-se que o foco de
trabalho pedaggico no se deve centralizar nas atividades de memorizao de nomenclaturas
de aspectos da gramtica tradicional, mas incorporar novas dimenses, trazendo para sala de
aula prticas lingusticas relacionadas analise lingustica, o uso dos mais diversos gneros
textuais (orais e escritos), dentre outras.
Por sua vez, o PCN destinado ao Ensino Mdio prope que o ensino seja realizando
visando o desenvolvimento de trs competncias: interativa, textual e gramatical (BRASIL,
1998c, p. 75-76). Mais uma vez percebem-se avanos no foco do trabalho pedaggico do
professor de Lngua Portuguesa.
Assim, nos associamos com Grski & Freitag (2013, p. 49) que afirmam:

O foco dos PCNs reside: nas prticas sociais, ou seja, nas situaes reais de
interao, como condio para que d o ensino de lngua; em uma concepo
de lngua heterognea; em um trabalho pedaggico que contemple usos
lingusticos e reflexo sobre a lngua; no uso da lngua adequado aos
propsitos comunicativos e demandas sociais; e no combate ao preconceito
lingustico.

59

Ao se consultar o edital do PNLD (BRASIL 2011), pode-se reconhecer


explicitamente que os livros a serem produzidos para serem usados devem contemplar o
ensino de normas urbanas de prestgio e que se voltem para aspectos da variao lingustica e
da convivncia democrtica de variedades dialetais.
Todavia, reconhecem que esses documentos oficiais utilizam nomenclaturas que
podem causar certas dvidas, como norma urbana de prestgio ou norma padro, ou ainda
norma culta. Mesmo assim, pode-se ver que no tnel do ensino de lngua abriu-se mais uma
luz, que ancorada nos princpios da Sociolingustica pode tornar o ensino mais produtivo,
possibilitando o desenvolvimento da leitura e da escrita que constituem habilidades centrais
do ensino de Lngua Portuguesa em todos os nveis da Educao Bsica.
Assim, esses documentos oficiais abriram uma porta que provavelmente no ser
mais fechada. A prtica pedaggica paulatinamente vai incorporando as novas contribuies
oriundas das teorizaes da Sociolingustica, que nos termos de Bortoni-Ricardo (2014)
constitui uma macrorea interdisciplinar dos estudos sociais da linguagem, e, que ao ancorarse em dois pressupostos centrais: o relativismo cultural e a heterogeneidade lingustica,
inerente e ordenada, tem contribudo tanto para a teoria social da lngua quanto para o ensino
de lngua materna.
Entende-se que torna-se um procedimento mais eficaz o acolhimento s diferenas
lingusticas, manifestadas nas realizaes de diferentes fenmenos lingusticos ( reduo de
ditongos [caixa ~ caxa], apagamento do r final de verbos [ cantar ~ cant], reduo das
proparoxtonas [xcara ~

xicra], apagamento da oclusiva dental [ cantando ~ cantano],

variao do [haver ~ ter], dos pronomes [ ns ~ a gente, tu ~ voc], dentre outros processos,
que so bastantes produtivos na fala do portugus do Brasil. Fenmenos lingusticos que
esto vinculados a diferentes fatores (sociais, geogrficos, estruturais), e constituindo-se
realidades da lngua e devem receber tratamento adequado na escola, para que, assim, o aluno
tenha a habilidade de usar as diferentes variantes que o sistema lingustico o possibilita.
Neste sentido, nos associamos a Faraco (2007) que prope uma pedagogia da
variao lingustica. Faraco ao discutir alguns avanos na rea do ensino de portugus,
constata certo avano da leitura e da produo de diferentes gneros discursivos, mas afirma:
temos de reconhecer que estamos muito atrasados na construo de uma pedagogia da
variao lingustica. (op. cit., p. 42).

3. Fundamentao Terica

60

Fernndez (1998) aponta o ano de 1964 como uma data especial para o
desenvolvimento das investigaes sociolingusticas com a realizao de diversas reunies,
conferncias e simpsios dando impulso Teoria da Variao.
A Teoria da Variao implementa-se como terico-metodolgico de estudos
lingusticos a partir dos trabalhos do pesquisador norte-americano W. Labov (1966,
[2008]1972), sobretudo, ao demonstrar que o uso da lngua varivel e est condicionado por
restries de ordem lingusticas (internas) e sociais (externas), apontando que lngua e
sociedade so instncias inseparveis.
Ainda segundo Fernndez (1998, p.296), o nascimento da Sociolingustica25 esteve
envolvido de um aspecto multidisciplinar, confluindo aportes de diferentes reas de estudo:
lingustica, antropologia e da sociologia. E incorporou a noo de linguagem como
comportamento social.
Em 1974, Cedergren e Sankoff apresentam um modelo terico-metodolgico de
anlise lingustica baseado em dados estatsticos e probabilsticos para d suporte ao conceito
de regra varivel introduzida pelos trabalhos labovianos.
De acordo com Fernndez (1998, p.299), a Sociolingustica se consolidou como:
Una corriente de estudio capaz de explicar multitud de aspectos
anteriormente mal tratados y aponta nuevos principios tericos y nuevas
possibilidades metodolgicas, la discipllina se h ido consolidando, a la vez
que h aumentado el nmero de investigadores que le dedican toda su
atencin.

Ainda, segundo Fernndez (1998, p. 85), a Teoria da Variao focaliza uma parte
importante de sua anlise e discusso da variao e das variedades lingusticas existentes em
uma comunidade de fala.
A comunidade de fala constitui-se no lugar em que pode-se encontrar a variao e a
demonstrao de uso varivel de um fenmeno lingustico pode est associada ao prprio
comportamento heterogneo existente nessa comunidade que tambm est estratificada
socialmente.
Neste sentido, objeto de anlise da Sociolingustica fala natural produzida pelos
falantes de uma comunidade. O uso dessa fala est condicionado por fatores e aponta que
essas restries constituem-se um dos objetivos de uma anlise sociolingustica, utilizando-se

25

Ressalta-se que neste trabalho tomam-se os termos Sociolingustica e Teoria da Variao como sinnimos.

61

de um modelo matemtico formulado para explicar o efeito de frequncia de uma determinada


regra varivel (CEDERGREN & SANKOFF, 1974).
Para tanto, segundo Hora (2004, p. 19):
A pesquisa sociolingustica implica levantamento cuidadoso dos registros de
lngua falada, descrevendo a varivel (conjunto de variantes) e traando o
perfil das variantes (diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um
mesmo contexto, e com o mesmo valor de verdade; anlise dos fatores
estruturais e sociais condicionantes; encaixamento da varivel no sistema
lingustico e social da comunidade; avaliao da varivel, para a
confirmao dos casos de variao ou mudana.

Deste modo, entende-se que necessrio empreender estudos sociolingusticos que


visem descrio da lngua e seus determinantes sociais.
Ainda segundo Fernndez (1998, 87), uma vez que o falante tenha conscincia de sua
pertena a uma comunidade de fala, tambm possvel que reconhea, dentro das variantes
lingusticas existentes nela, quais as que os identifica com essa comunidade, e ao mesmo
tempo, reconhecendo as que gozam de prestgio social ou no.
Entende-se que as duas cidades investigadas, neste estudo, apresentam estruturas
sociais diferentes, e sendo assim, exibem comportamento lingustico diferenciado tambm
com relao ao uso do fonema lateral palatal //. E uma investigao sociolingustica pode
revelar a frequncia de uso das variantes desse segmento fonolgico, ao mesmo tempo,
apontando que variantes gozam de maior aceitao social e qual a funo comunicativa que
cada uma variante tem dentro dessas comunidades.
Neste sentido afirma Fernndez (1998, p. 273-274):

Los sociolinguistas tambin dan uma gran importancia al peso que pueden
tener las caractersticas sociales de los hablantes, desde la edad hasta su nivel
sociocultural, los contextos em que se establecen las interacciones y los
rasgos sociales e individuales de los interlocutores.

Desse modo, a investigao sociolingustica capaz de evidenciar que o fator social


condicionador da aplicao de uma regra varivel utilizada por falantes de uma dada lngua
natural.
Entende-se que as anlises sociolingusticas descrevem a variao em seu contexto
social e no apenas na descrio de elementos internos lngua (fatores estruturais),
evidenciando a relao dinmica existente entre restries internas e externas que
condicionam a realizao de fenmenos variveis.

62

4. Estratgias didticas para o ensino de variao lingustica

Sendo a ao pedaggica uma prtica que no se acomoda (XAVIER & ZEN, 1998,
p. 07) e a Sociolingustica um campo especfico da Lingustica que evidencia a relao
existente entre lngua e sociedade, diversas podem ser as estratgias utilizadas para
desenvolver o ensino que contemple a variao lingustica como objeto, sobretudo, nas reas
de leitura e de escrita.
Com relao ao trabalho com leitura, Moura (2007, p. 15) sugere que se comece com
materiais cultural e dialetalmente neutros e, paulatinamente, se efetue a transio para a
variante aceita como padro; quanto escrita, o primeiro passo identificar quais so suas
funes naturais nas diferentes etapas do desenvolvimento da criana.
Para viabilizar o ensino de variao lingustica em sala de aula, Moura (2007, p. 20)
indica as seguintes prticas:
a) Uma atitude no preconceituosa, por parte do professor, com relao aos usos da
lngua, pelos alunos, renunciando aos julgamentos de valor sobre os fenmenos
variveis da lngua, detectados tanto na fala quanto na escrita de seus alunos.
b) Um estudo cuidadoso entre as vrias modalidades de textos da fala e da escrita,
procurando identificar e analisar marcas ou ausncias de traos e diferenas entre
os vrios textos (forma, de estilo e gramtica).
c) Realizar comparaes entre as variantes padro e no padro 26, a fim de que o
aluno domine tambm a variante padro da lngua.
d) Privilegiar o uso da lngua e no apenas o uso da terminologia gramatical
normativa.

Percebe-se que essas estratgias possibilitam ao aluno o direito de usar as duas


normas (padro e no padro) da lngua, associando-as aos contextos socialmente adequados
para us-las.
Outra sugesto para o ensino da variao lingustica vem de Santos & Cavalcante
(2001, p. 51). As autoras propem que os textos dos prprios alunos (orais e/ou escritos)
sejam objeto de estudo da prtica de ensino-aprendizagem, que o ensino esteja baseado nos
princpios da Sociolingustica e que, a partir deles, seja trabalhado o uso de variedades padro

26

Ressalta-se que com essa atividade prope-se a identificao dos traos fontico-fonolgicos, morfolgicos e
sintticos que caracterizam cada variedade estudada, e no a realizao de atividades relacionadas emisso de
juzos de valor.

63

e no padro da lngua, evidenciando que cada variedade dialetal tem seus contextos
determinados socialmente.
Ainda de acordo com Santos & Cavalcante (2001, p. 65-66), para se trabalhar a
variao lingustica tanto com a lngua falada como com a escrita, podem-se utilizar algumas
estratgias relacionadas abaixo:
a)

Apresentar aos alunos gravaes de textos produzidos oralmente, podendo ser


tanto os textos dos prprios alunos como textos de outras pessoas. importante
que constatem que existe diferena entre os sons que so produzidos oralmente
e a escrita padro desses sons.

b)

Durante o exerccio de escrita, o professor pode pedir aos alunos que escrevam,
da forma que ouvem, algumas palavras do texto gravado, e que, em seguida,
comparem o registro de tais palavras com a grafia padro.

c)

A etapa seguinte consiste em pedir aos alunos que faam pequenas entrevistas
em casa, gravando-as em fitas cassete. O professor juntamente com os alunos
deve organizar os roteiros das entrevistas. Tambm importante pedir a cada
aluno que anote numa ficha a idade aproximada do entrevistado, o local onde
ele mora, o sexo e o grau de escolaridade, bem como as dificuldades ocorridas
durante a realizao de tal tarefa.

d)

Aps a discusso a respeito dos fatos ocorridos durante a gravao, o professor


pode pedir aos alunos que faam o levantamento de alguns recursos
lingusticos que so prprios da lngua falada, como bom, ah-ah, viu, n?, pois
, oxi, nossa, que coisa!, mesmo?, etc.

Essa proposta de ensino, associadas s estratgias antes mencionadas, pode-se


tambm possibilitar ao aprendente:
a)

Levantar algumas variedades regionais existentes em sua rea de localizao.

b) Reconstruir textos, chamando a ateno para a reescrita de sentena, melhorando


diferentes aspectos do texto produzido.
c)

Usar diversas mdias digitais para demonstrar a ocorrncia de processos


variveis.

d) Realizar gravaes de amostras de falas tanto de alunos quanto de professores


para identificao das marcas dialetais que caracterizam cada uma dessas
variedades.

64

e)

Analisar amostras de fala da comunidade onde a escola est inserida e investigar


quais os contextos de uso das variantes utilizadas pelos informantes, apontando
qual a funo comunicativa que cada variante tem dentro dessa comunidade.

f)

Estudar algumas variveis sociais (sexo, idade, nvel de escolarizao, etc.) em


amostras de fala, destacando as diferenas entre a fala de informantes do sexo
masculino e informantes do sexo feminino, ou identificando traos que so
prprios da idade de certos falantes ou no, e reconhecendo-se que determinados
fenmenos variveis esto vinculados ao nvel de escolaridade do informante
(CHAMBERS, 1995).

importante que a escola reconhea que a diversidade lingustica dos falantes do


portugus do Brasil est estritamente vinculada heterogeneidade social desses falantes, uma
vez que a [lngua]... expressa a diversidade dos grupos sociais que a falam. (SANTOS &
CAVALCANTE, 2001, p. 57). Neste sentido, a incluso do ensino da variao lingustica nas
salas de aula brasileiras est justificada, pois o Brasil um pas heterogneo em seus mais
diversos setores.
Diversos so os fenmenos lingusticos que ocorrem na lngua e esto condicionados
por diferentes variveis sociais e que podem ser estudados e discutidos em sala de aula. Por
exemplo, o comportamento do segmento lateral palatal // (FREIRE, 2011).
No que se refere ao uso varivel desse fonema, Quednau (1993, p. 18) afirma que a
realizao fontica desse segmento causa confuso e alunos em perodo escolar
constantemente trocam a grafia // por [l] e vice-versa, e escrevem, por exemplo, familha e
batlia em vez de famlia e batalha. Entende-se que essa situao pode ser atenuada medida
que o aluno aumenta seu contato com o texto escrito, uma vez que esse tipo de texto ,
geralmente, menos insensvel variao, e tambm quando o professor passa a ter mais
conhecimento acerca do modo de articulao dos segmentos laterais no portugus do Brasil,
bem como quando entende a distribuio e o comportamento desse segmento nos ambientes
fonolgicos que esses fonemas so possveis de serem produzidos.

Consideraes finais

Neste artigo procurou-se discutir como o ensino pode incorporar a noo de


variedades lingusticas e trat-las didaticamente no mbito escolar, sobretudo, na organizao
do trabalho pedaggico. Para tanto, discutiram-se aspectos tericos da Teoria da Variao
65

(LABOV, 2008 [1972]) e apontaram-se sugestes didticas que podem dar um tratamento
adequado das variedades lingusticas que avaliadas negativamente.
Todavia, tambm, se reconhece a problemtica que giram em torno do ensino de
variedades lingusticas que no gozam de prestgio e status social, sobretudo, em uma
sociedade que privilegia o ensino das formas variantes consideradas padro em detrimento
das que so consideradas no padro, feias, de pessoas pobres, de nordestinos etc. Assim,
admite-se que ainda um desafio para os professores, tanto os que esto em formao e/ou
aqueles que j esto na formao continuada, o ensino que contemple dialetos que histrica e
culturalmente so deixados em um segundo plano por no se enquadrarem no modelo
preestabelecido socialmente por diferentes segmentos da sociedade. Porm, entende-se que se
abriu um caminho que lenta e persistentemente pode ser percorrido e tornar o ensino de lngua
materna mais produtivo em nossas salas de aula.
O espao escolar como unidade de formao de cidadania pode-se constituir um
agente transformador de realidades sociais que esto consolidadas no interior da sociedade. E
desse modo, possibilitar que o processo de ensino-aprendizagem alcance metas satisfatrias
no que diz respeitos ao desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita. Sobretudo,
porque sendo a nossa sociedade predominantemente escriturstica, ler e escrever com
autonomia, constituem habilidades essenciais para se exercer a cidadania.
Outrossim, reconhecem-se que existem outras alternativas pedagogicamente
adequadas que tambm favorecem o ensino de lngua materna nos estabelecimentos de ensino
espalhados pelas diferentes regies do pas que aqui no resenhadas ou apontadas. Remete-se
o leitor mais cuidadoso ao vasto material bibliogrfico que h nos sites dos diversos
programas de ps-graduao espalhados pelos centros acadmicos do Brasil e/ou fora dele.
Especificamente, aos programas de Letras/Lingustica e Educao que tm disponibilizado
material de alta qualidade, como s editoras que cada vez mais tm se dedicado a essa linha
de pesquisa, publicando srie de livros que tratam exaustivamente das temticas aqui
analisadas.
Todavia, mesmo reconhecendo a imensa quantidade de material bibliogrfico j
produzido no Brasil, basta consultar alguns manuais (MARTINS & TAVARES, 2013;
MARTINS et al, 2014, dente outros) ou apresentaes em congressos da rea de
Letras/Lingustica, ainda se verifica um fosso entre eles e as escolas, locus de efetivao de
toda a discusso. Neste sentido, urge criar um espao permanente de dilogo entre a produo
acadmica e a escola. Entende-se que o se produz na universidade pode verticalizado para o
ensino

no

ambiente

escolar.

Assim,

algumas
66

prticas

tradicionais

podero

ser

redimensionadas e ganhar novos status e significado para o trabalho voltado para a


diversidade lingustica que ocorre nas mais diversas comunidades de fala espalhadas pelo
pas-continente, Brasil.

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67

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da Lingustica Histrica para o Ensino de Lngua Portuguesa. (Coleo Cincias da
Linguagem aplicadas ao Ensino). Natal, RN: EDUFRN, 2013.

68

O GNERO ANNCIO PUBLICITRIO: CONCEPES E PROPOSTA


DE ENSINO DE LEITURA
Rissia Oscaline Garcia
Moises Batista da Silva

RISSIA OSCALINE GARCIA: Possui graduao em Letras (2005), com habilitao em


Lngua Portuguesa, e Especializao em Leitura e Produo Textual (2009), pela
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Atualmente, atua como professora de
Lngua Portuguesa da Rede Estadual de Ensino (Mossor-RN). Tambm estudante do
Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS/UERN/Mossor/RN). Tem experincia na
rea de Letras, com nfase em Lngua Portuguesa, Anlise do Discurso e Gneros Textuais.
rissiaoscaline@yahoo.com.br
MOISES BATISTA DA SILVA: Doutor em Lingustica pela Universidade Federal do Cear.
Professor Adjunto IV, da Faculdade de Letras e Artes, da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte e do Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS/UERN/Mossor/RN).
Atua, principalmente, nas seguintes linhas de pesquisa: Descrio e Anlise Lingustica, com
nfase em Dialetologia, Sociolingustica e Lexicografia; Lingustica Aplicada, com nfase em
Ensino e Aprendizagem de lngua materna; Lingustica Textual, com nfase nos estudos sobre
gneros textuais, prticas de leitura e produo de textos. Tambm membro do Grupo de
Pesquisa
em
Estudos
Lingusticos
e
Literrios
(GPELL/UERN).
E-mail:
falamoises@gmail.com

69

Introduo

Nos ltimos anos, surgiram muitos trabalhos de orientaes terico-metodolgicas


para o ensino de Lngua Portuguesa, inclusive documentos oficiais como os Parmetros
Curriculares Nacionais que sugerem que o ensino da lngua seja feito, sobretudo, com base
nos gneros discursivos (BAKHTIN, 1992), sejam eles orais ou escritos.
Tentando contribuir com o mesmo direcionamento, neste trabalho, o nosso objetivo
apresentar uma proposta de um ensino significativo de leitura, no qual o aluno sinta-se
motivado a interagir com o texto e possa compreend-lo de forma autnoma e eficiente.
Para tanto, abordamos uma perspectiva textual-discursiva que proporciona
reflexes produtivas a professores que trabalham com leitura e produo de textos. Podemos
afirmar que uma das principais contribuies dessa perspectiva, para o ensino de lngua, a
compreenso de que a linguagem realiza-se

entre sujeitos socialmente determinados e

situados num contexto scio-histrico e cultural.


Todas as reflexes so feitas a partir do gnero discursivo anncio publicitrio. A
escolha desse gnero se deu, entre outros motivos, pelo fato de ser um gnero de ampla
circulao social, portanto, muito presente no cotidiano dos alunos.
Basicamente, o presente artigo discute algumas das principais concepes de
linguagem e de leitura mostrando suas caractersticas, seus problemas e suas contribuies
para as aulas de lngua materna. Em seguida, apresenta reflexes acerca de gneros
discursivos, de acordo com Bakhtin (1992), e do gnero anncio publicitrio. A partir da
anlise da estrutura e da linguagem tpicas desse gnero, apresentamos algumas possibilidades
de uso do referido gnero em aulas de Lngua Portuguesa, como propostas de atividade de
leitura e produo textual.

1 Linguagem: importncia e concepes

A questo da linguagem fundamental no desenvolvimento de todos os homens e


condio primordial na apreenso de conceitos que permitem aos sujeitos compreender o
mundo e nele agir. Ela ainda a mais usual forma de encontros, desencontros e confrontos de
posies, porque por ela que estas posies se tornam pblicas. A linguagem humana, no
decorrer da histria dos seus estudos, foi concebida de diversas maneiras. Conforme
Travaglia, essas concepes podem ser sintetizadas em trs. A primeira concepo de
linguagem recebe a denominao expresso do pensamento. Nesta, a enunciao um ato
70

monolgico, individual, que no afetado pelo outro nem pelas circunstncias que constituem
a situao social em que a enunciao acontece (TRAVAGLIA, 2001, p. 21).
Como se observa, essa concepo da linguagem localiza a mesma no interior do
indivduo, ou seja, h uma predominncia do aspecto da individualidade do locutor. Nesse
sentido, a linguagem vista apenas como representao do pensamento e do mundo. Essa
concepo est centrada no locutor e no no receptor ou mesmo nas circunstncias da
enunciao. Para Geraldi (1997), essa concepo corresponde corrente da Gramtica
Tradicional. Quem v a linguagem dessa forma, acha que as pessoas que no conseguem se
expressar bem porque no sabem pensar bem.
Quanto segunda concepo, Travaglia diz que a linguagem vista como
instrumento de comunicao, como meio objetivo para comunicao, sendo, portanto, a
transmisso de informaes a principal funo da linguagem. De acordo com essa concepo,
a lngua encarada como um cdigo que precisa ser dominado pelos indivduos falantes para
que ocorra a comunicao. Portanto, essa concepo est ligada Teoria da Comunicao e
v a lngua como cdigo capaz de transmitir ao receptor certa mensagem. Nessa concepo, a
lngua vista como um conjunto de signos que se combinam segundo regras, e que capaz
de transmitir uma mensagem, informaes de um emissor a um receptor. Esse cdigo deve,
portanto, ser dominado pelos falantes para que a comunicao possa ser efetivada
(TRAVAGLIA, 2001, p. 22). Percebe-se que, nessa concepo, a linguagem estudada sob
uma viso formalista, limitando-se s estruturas internas da lngua, definindo a comunicao
como uma atividade de decodificao. Conforme, ainda o Travaglia, essa concepo:

[...] fez com que a lingustica no considerasse os interlocutores e a situao


de uso como determinantes das unidades e regras que constituem a lngua,
isto , afastou o indivduo falante do processo de produo, do que social e
histrico na lngua. (TRAVAGLIA, 2001, p. 22).

Nestes termos, o que se v uma linguagem submetida a uma viso monolgica,


desvinculada do contexto social, em que no entra, nesse espao terico, o sujeito, o histrico,
o social, o ideolgico e as circunstncias que pertencem ao tempo e ao espao. Essa
concepo corresponde s teorias do Estruturalismo e do Transformacionalismo.
J na terceira concepo, a linguagem percebida como forma ou processo de
interao. Essa concepo passa a encarar a lngua como atividade de interao humana em

71

que os interlocutores produzem enunciados dotados de intencionalidade, de questionamentos,


de promessas, ameaas, pedidos, ordem etc. A linguagem , pois, um lugar de interao
humana, de interao comunicativa pela produo de efeitos de sentido entre interlocutores,
em uma dada situao de comunicao e em um contexto scio-histrico e ideolgico.
(TRAVAGLIA, 2001, p. 23). Podemos observar, nesta citao, que a linguagem estudada
levando-se em conta tanto o interlocutor como a situao de produo dos enunciados. Neste
caso, ela no segue mais uma viso monolgica, desvinculada do contexto social, e a
produo de efeitos de sentido s possvel atravs da interao humana. Ou seja, no espao
onde os homens se manifestam no momento em que os mesmos se encontram na vida social,
visando produo dos bens materiais e imateriais. justamente, nesse instante, que se
efetiva a interao verbal entre os homens envolvidos na produo de bens.
Nessa concepo, a linguagem se constitui marcada pela histria de um fazer
contnuo que est sempre se constituindo. Assim, o movimento constitutivo da linguagem se
d na histria pelo trabalho de sujeitos (GERALDI,1993, p. 34). Essa terceira concepo
representada por todas as correntes de estudo da lngua reunidas na Lingustica da
Enunciao, como, por exemplo, a Lingustica Textual, a Pragmtica, a Teoria do Discurso, a
Teoria dos Gneros Textuais, a Anlise da Conversao, a Anlise do Discurso.
Diante do que foi exposto, agora, abordaremos algumas reflexes sobre
concepes de leitura.
2 Concepes de leitura
Nesta seo, discutiremos algumas concepes de leitura, mostrando suas
caractersticas, seus problemas e suas contribuies para as aulas de leitura e produo textual.
Entretanto, daremos mais nfase concepo discursiva, por ser esta a concepo proposta
neste trabalho como a mais adequada para o ensino de leitura e produo textual. Para isso,
retomaremos em parte as concepes de linguagem apresentadas no incio deste artigo.
Partindo do conceito proposto por Adam e Starr, citados por (Colomber, 2002, p.30),
a leitura a capacidade de entender um texto escrito. Pode-se dizer, ento, que o ato de ler
no se detm apenas s atividades de decodificao da linguagem escrita. Ler uma atividade
de compreenso de sentidos do texto. O uso da palavra sentidos (no plural) foi feita com
base na concepo discursiva de leitura, na qual o texto no possui apenas uma possibilidade
de interpretao, um sentido nico, mas que h uma pluralidade de sentidos, uma
disseminao. Segundo Foucault (1971), citado por Coracini (2002, p. 16), O dizer
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inevitavelmente habitado pelo j-dito e se abre sempre para uma pluralidade de sentidos, que,
por no se produzirem jamais nas mesmas circunstncias, so, ao mesmo tempo, sempre e
inevitavelmente novos.
Vale salientar que disseminao no deve ser confundida com polissemia: a
primeira corresponde s possibilidades de construo de sentido feita com base em inferncias
do leitor, inserido no contexto scio-histrico-cultural. J a segunda, que se ope a
monossemia (sentido nico do texto), corresponde pluralidade de sentidos presente no texto,
sem levar em considerao as inferncias do leitor. Essa concepo discursiva da leitura ser
retomada e discutida no decorrer desta seo, juntamente com outras concepes.
Tomando como verdade a afirmao de que leitura a capacidade de entender o
texto, as aulas de leitura poderiam priorizar as atividades de compreenso em detrimento s
atividades de decodificao. As prticas de leitura na escola devem possibilitar a compreenso
de sentido por meio da interao com os textos e estes devem tratar de assuntos significativos
para os alunos. Porm, muitas atividades de leitura realizadas nas escolas no fazem sentido
para os alunos, no despertam o interesse deles. O foco da leitura voltado para o texto e o
leitor (aluno) visto apenas como um agente passivo de decodificao da lngua escrita, isso
quando os textos trabalhados em sala de aula no so tidos apenas como meros depsitos de
regras gramaticais, a serem esclarecidas de forma desconexa e descontextualizada.
Inferimos com isso que os problemas do ensino de leitura so decorrentes de base
terica fundamentada em concepes ultrapassadas sobre a natureza e a aquisio da
linguagem. Portanto, o presente trabalho pretende discutir essas concepes e chegar a uma
proposta significativa para o ensino de leitura.

2.1 Concepo estruturalista

Entre as concepes de linguagem est a dos lingistas estruturalistas, para os quais


a linguagem vista quanto a sua natureza como:

Como um sistema fechado, autnomo, constitudo de componentes no


relacionados entre si, onde sintaxe, morfologia, fonologia (gramtica) e a
semntica so tomados parte umas das outras; como se um de seus
componentes tivesse precedncia sobre os demais, geralmente o da gramtica
sobre a semntica, sobre o significado, tomado este, por sua vez, como
unilateral, unvoco, cristalizado; como fragmentvel nos seus componentes
constitutivos mnimos, fonemas e morfemas, "quebrando-a" e isolando-a da
totalidade do fenmeno lingstico e como desvinculada do contexto sciohistrico-cultural que lhe d origem. (BRAGGIO, 2005, p.7)

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A que se acrescentar tambm que, ainda segundo Braggio (2005, p.8), para os
estruturalistas, o homem e a sociedade so idealstica e abstratamente concebidos. O homem
entendido como um ser isolado da sociedade, passivo, acrtico, incapaz de experimentar
contradies internas e de mudar a si mesmo e a sociedade na qual est inserido. J a
sociedade tida como esttica, homognea e vazia de valores antagnicos.
Nessa concepo, a leitura vista como uma atividade que prioriza a decodificao
em detrimento compreenso do significado que, para ser efetuada, no necessita de
nenhuma contribuio do leitor, uma vez que o texto o nico detentor do significado e este
unvoco, permitindo apenas uma interpretao.
Os prejuzos ao ensino de leitura que se baseiam no estruturalismo no so poucos e
suas consequncias ainda so muito frequentes na realidade das escolas brasileiras. Braggio
cita muitos desses prejuzos, dentre eles destacamos:

- Existe um controle da aprendizagem, isto , decide-se quando a criana deve


aprender e como deve aprender;
- Enfatiza-se a gramtica e deixa-se de lado o componente semntico/
pragmtico, o significado, o significado no contexto, o discurso (ensina-se
desde o incio diviso silbica, feminino e plural de nomes, etc.);
- Espera-se que ela fale, leia e escreva "corretamente" a despeito da variedade
lingstica que domina;
- Cerceia-se a interao verbal e no-verbal entre criana/criana e
criana/professor, alm de muitos outros aspectos que vm principalmente
embutidos nos materiais didticos. (BRAGGIO, 2005, p.11-12).

Especificamente para o professor, o autor afirma que:

Retira-se o controle e responsabilidade do que ocorre na sala de aula de suas


mos, j que os programas de leitura vm "empacotados", prontos para serem
utilizados em forma de mtodos ou receitas que devem ser seguidos ipsis
literis. (BRAGGIO, 2005, p.12)

Mesmo com tantos prejuzos comprovados, ainda tem muitos educadores que
insistem em utilizar tais mtodos. Muitos alunos chegam ao ensino superior, sem prticas de
leitura, no gostam de ler e apresentam dificuldades de compreenso leitora. So leitores
malformados que aprenderam apenas a decodificar o texto, ao invs de entend-lo.

2.2 Concepo Psicolingustica

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Com a ateno voltada para a psicologia cognitiva, que comeou a ganhar espao
entre os pesquisadores em meados dos anos 50, a teoria estruturalista passou a ser sucedida
pela teoria gerativo-transformacional de Chomsky. Para os estruturalistas, a descrio
lingustica concebida com base no empirismo e a aquisio da linguagem com base na
concepo Behaviorista. J a teoria gerativo-transformacional descreve os dados lingusticos
com base numa concepo racionalista e concebem a aquisio da linguagem como um
processo inato e especfico da espcie humana.
A mudana de foco nos estudos lingusticos do estruturalismo americano para o
transformacionalismo resultou nos modelos psicolingusticos de leitura que foram muito
significativos para a formao da compreenso leitora. Conforme afirma Braggio (2005, p.21)
a influncia da teoria chomskyana no mtodo psicolingustico de leitura pode ser claramente
identificada nas propostas de Goodman para a aquisio da linguagem escrita. Para Goodman,
a leitura um jogo de adivinhaes psicolingusticas.
A leitura um processo seletivo. Ela envolve o uso parcial de deixas
lingsticas mnimas disponveis, selecionadas do input perceptual com base
na expectativa do leitor. medida que esta informao parcial processada
so feitas decises tentativas a serem confirmadas, rejeitadas, ou refinadas
medida que a leitura progride... A leitura um jogo de predio
psicolingstica. Ela envolve uma interao entre pensamento e linguagem...
A habilidade para antecipar [predizer] aquilo que no visto, certamente,
vital na leitura, assim como a habilidade para antecipar o que no ouvido
vital na audio." (GOODMAM, citado por BRAGGIO, 2005, p.22).

Segundo Goodman, a leitura uma atividade de compreenso de sentido que se


realiza de acordo com as expectativas do leitor, expectativas essas que durante a leitura
podero ser rejeitadas, confirmadas ou refinadas. Para esse autor, o leitor um sujeito ativo na
construo do significado, e o significado obtido por meio da interao entre os
conhecimentos lingusticos do leitor e as informaes extradas do texto. Goodman frisa,
como vital na leitura, a habilidade de antecipar as informaes no lidas, de formular
adivinhaes psicolingusticas.
A mudana de foco do texto para o leitor, proposto por Goodman, foi muito
relevante para as atividades de compreenso leitora, mas, apesar de conceber o leitor como
um sujeito ativo na construo do significado, o modelo goodmaniano no leva em
considerao o contexto de produo. A leitura um processo unidirecional entre o sujeito e o
objeto (o texto).

75

O contexto histrico-social de produo ser discutido na concepo discursiva de


leitura, abordada a seguir.

2.3 Concepo discursiva

Assim como na concepo psicolingustica, na concepo discursiva, o leitor


tambm visto como um sujeito ativo na construo do significado, porm nesta o leitor o
ponto de partida na produo do sentido, enquanto que na outra o texto que considerado
como ponto de partida do sentido. O papel do leitor apenas o de extrair os sentidos presentes
no texto e predeterminados pelo autor. As interpretaes so inferidas pelo leitor, mas
limitadas pelo texto, sem levar em considerao o contexto scio-histrico-cultural de
produo e de enunciao.
Na concepo discursiva, o autor e o leitor so vistos como produtores de sentidos,
mas eles so concebidos como sujeitos constitudos e determinados pelo contexto sciohistrico-cultural. Nas palavras de Coracini essa concepo descrita como:

Um processo discursivo no qual se inserem os sujeitos produtores de sentidos


o autor e o leitor -, ambos scio-historicamente determinados e
ideologicamente constitudos. o momento histrico-social que determina o
comportamento, as atitudes, a linguagem de um e de outro e a prpria
configurao do sentido. (CORACINI, 2002, p. 15).

Se o momento histrico-social que determina o comportamento, as atitudes e a


linguagem dos sujeitos e tambm a configurao do sentido, nesta concepo, no pode ser o
texto o receptculo fiel do sentido. Este no pode ser controlado, a no ser pelos sujeitos
submersos num determinado contexto scio-histrico (ideolgico), responsvel pelas
condies de produo. (CORACINI, 2002 p. 16). Essa concepo alm de descartar o texto
como o nico detentor do sentido, ela tambm prega que o autor no interfere na interpretao
do leitor, o leitor apenas vai tentar deduzir as intenes do autor. A esse respeito Coracini nos
diz:
Quanto ao autor, princpio de agrupamento do discurso como unidade e origem
de suas significaes, lugar de sua coerncia (Foucault, 1971), entidade
jurdica que responde pelo documento escrito, no pode interferir no processo
interpretativo: l ele s existe enquanto imagem, no sentido de Pcheux (1969),
de forma semelhante presena do leitor (enunciatrio) no momento da escrita.
Assim, o leitor poder imaginar, a partir da prpria interpretao, quais teriam
sido as intenes do autor, mas nada mais do que isso. (CORACINI, 2002, p.
17).

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Para essa concepo, o sentido de um texto depende da interpretao do leitor, mas


vale salientar que, na perspectiva discursiva, os dizeres de um sujeito so determinados pela
sua formao discursiva. Do mesmo modo, a interpretao que ele faz de um texto, tambm
vai ser determinada pela sua formao discursiva. O sentido no est preso no texto, uma vez
que este no passa de um conjunto de sinais grficos que, isolados do contexto scio-cultural
da enunciao, no produzir efeitos de sentidos para o leitor.

Nessa perspectiva, no o texto que determina as leituras, como pretendem as


demais vises tericas acima abordadas, mas o sujeito, no na acepo
idealista de indivduo, uno, coerente, porque dotado de razo, como queria
Descartes, graas qual lhe possvel controlar conscientemente a linguagem
e o sentido, mas enquanto participante de uma determinada formao
discursiva, sujeito clivado, heterogneo, perpassado pelo inconsciente, no qual
se inscreve o discurso. E essa inscrio, esse efeito discursivo, resulta no
apagamento do sujeito (Orlandi, 1988). s nesta viso de sujeito que se
pode dizer que o leitor o ponto de partida da produo do sentido.
(CORACINI, 2002, p.17-18)

Em suma, nesta concepo de leitura, a compreenso leitora consiste numa


interao entre texto e leitor, inseridos numa dada formao discursiva, e um texto pode
permitir diferentes interpretaes, de acordo com a formao discursiva de quem o l. Pode,
tambm, ser interpretado de diferentes formas pelo mesmo leitor, dependendo das
circunstncias da leitura (o momento, as intenes, os conhecimentos prvios etc.)
Das concepes de leitura abordadas neste trabalho, a concepo discursiva parece
ser a mais adequada para ser adotada nas aulas de lngua materna. uma concepo em que o
aluno visto como um sujeito participante de uma comunidade discursiva e tem, portanto,
suas experincias como usurio da lngua respeitadas e aproveitadas na sua formao leitora.
Nessa concepo, nem o professor, nem o livro didtico so vistos como os
detentores absolutos dos sentidos dos textos. Portanto, quando essa concepo adotada pelos
professores de lngua portuguesa, os alunos se sentem motivados a interagir com os textos,
pois esses alunos podem ser responsveis pela produo do sentido.
As aulas de leitura tambm so mais ricas, uma vez que no permitida apenas a
interpretao do professor ou do autor do livro didtico. H mais espao para a interao entre
o aluno e o texto, entre o aluno e o professor e entre os prprios alunos. O texto tambm no
usado s como pretexto para se estudar regras gramaticais e a leitura , realmente, uma
atividade prazerosa e uma porta para o conhecimento e para a cidadania.

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3 O anncio publicitrio em sala de aula: uma proposta de ensino

Pretendemos, com este trabalho, apresentar algumas propostas de uso do anncio


publicitrio em aulas de lngua portuguesa, sobretudo nas aulas de leitura, a partir da
perspectiva da teoria dos gneros (Bakhtin (1986,1992).
O ensino de lngua com base nos gneros discursivos, uma prtica didtica
sugerida pelos PCN's (1998) e vem sendo intensamente discutida e adotada nas escolas
brasileiras. Porm, ainda um assunto novo para muitos professores. Portanto, passvel de
discusses e esclarecimentos.
O trabalho com leitura e produo textual, sob a perspectiva dos gneros, redefine
o papel do professor de profissional distante da realidade e da prtica textual do aluno para
um especialista nas diferentes modalidades textuais, orais e escritas de uso social. Essa
perspectiva de trabalho textual importante tambm porque oportuniza ao aluno conhecer e
refletir a lngua em situaes concretas de interao verbal.
H uma infinidade de gneros discursivos adequados e relevantes para o ensinoaprendizagem da lngua e seria interessante uma abordagem mais ampla sobre a diversidade
de gneros que podem ser trabalhados em sala de aula. Porm, este trabalho aborda apenas o
uso do anncio publicitrio e a escolha desse gnero foi feita com base na riqueza de recursos
lingusticos e discursivos presentes nele como: figuras de linguagem, construes sintticas,
variedades lingusticas, entre outros e tambm pelo fato de ser um gnero de ampla circulao
social. Portanto, muito presente no cotidiano dos alunos. A respeito desse gnero, iniciaremos
a prxima fala com uma indagao pertinente.

3.1 O que so gneros discursivos?


Segundo Bakhtin (1992, p.261) todos os diversos campos da atividade humana
esto ligados ao uso da linguagem e as formas desse uso so to multiformes quanto os
campos da referida atividade. Esse autor tambm nos diz que o emprego da lngua se efetua
em forma de enunciados orais ou escritos, proferidos por um determinado campo da atividade
humana e que as condies especficas e as finalidades de cada campo so refletidas pelos
enunciados por meio do contedo temtico, do estilo da linguagem e da construo
composicional.
Todos esses trs elementos o contedo temtico, o estilo, a construo
composicional esto indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e so

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igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da


comunicao. Evidentemente, cada enunciado particular individual, mas
cada campo de utilizao da lngua elabora seus tipos relativamente estveis
de enunciados, os quais denominamos gneros do discurso. (BAKHTIN,
1992, p.261-262).

Como foi dito, os gneros do discurso so enunciados formados por caractersticas


especficas de uma determinada esfera de comunicao, mas essas caractersticas so
relativamente estveis. Sendo assim, existe uma imensa variedade de gneros discursivos que
dependendo da situao de comunicao pode sofrer alterao em um dos seus elementos
bsicos (o contedo temtico, o estilo, a construo composicional), dando origem a novos
gneros.
A diversidade e a heterogeneidade dos gneros dificultam um pouco o estudo de
definio. Definir um gnero algo complexo, porque eles no possuem uma estrutura fixa.
Eles se configuram no momento da enunciao e so determinados por um conjunto de
coeres como: quem fala, o que fala, com quem fala, com que finalidade. Para Bakhtin, so
as prticas sociais que determinam os diferentes gneros discursivos. Sendo assim, todos os
gneros discursivos pertencem a esferas distintas de atividade humana ou domnios
discursivos:
Em cada campo existem e so empregados gneros que correspondem s
condies especficas de dado campo; a esses gneros que correspondem
determinados estilos. Uma determinada funo (cientfica, tcnica, publicstica,
oficial, cotidiana) e determinadas condies de comunicao discursiva,
especficas de cada campo, geram determinados gneros, isto , determinados
tipos de enunciados estilsticos, temticos e composicionais relativamente
estveis. (BAKHTIN, 1992, p. 266).

O referido autor nos diz tambm que os campos discursivos so diversos e


heterogneos. Vale salientar, no entanto, que um gnero discursivo que pertencente a um
determinado domnio, pode passar a pertencer a outro, dependendo do contexto de enunciao.
J em relao ao anncio publicitrio, ele um gnero que pertence ao domnio publicitrio.
Esse domnio abrange gneros como: o anncio, o panfleto e a vinheta etc.
3.2 O gnero anncio publicitrio
O anncio publicitrio um texto amplamente utilizado pelos meios de
comunicao de massa em virtude do seu alto poder de comunicao, persuaso e
manipulao. Ele funciona como uma espcie de fora propulsora das prticas de consumo de

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uma sociedade capitalista e tambm muito utilizado para induzir a populao a aderir a
determinadas posies polticas e ideolgicas.
Esse gnero discursivo, que tem como objetivo divulgar e vender produtos e ideias
(VESTERGAARD; SCHRDER, 2000), vem se fortalecendo e se desenvolvendo juntamente
com o desenvolvimento do sistema capitalista. Podemos dizer at que um se alimenta do
outro, pois se, por um lado, a publicidade induz as pessoas a consumirem os diversos produtos
oferecidos no mercado, por outro, so as exigncias do mercado que sustentam e incentivam a
produo de textos publicitrios.
Antes da revoluo industrial, os textos publicitrios apresentavam uma linguagem
simples, direta, denotativa e seus enunciados limitavam-se apenas a informar as caractersticas
reais dos produtos, como a marca, o preo, os locais de venda etc. sem usar artifcios de
convencimento. Atualmente, com a transio de uma sociedade de produo para uma
sociedade de consumo, esse gnero passou a utilizar uma linguagem mais persuasiva e
sedutora. A esse respeito, Martins nos diz que:
Como o aumento da produo industrial teve por consequncia a necessidade
de ampliar o consumo, a linguagem foi se adaptando ao sistema publicitrio
criado nas ltimas dcadas, visando convencer a sociedade a consumir mais,
tanto os produtos necessrios, como at os inteis, para gerar lucros e fazer
crescer a produo. (MARTINS, 2001, p.33).

Diante do exposto, fica claro que a finalidade do anncio publicitrio no s de


informar, mas principalmente de persuadir o leitor/ouvinte ou telespectador a consumir um
produto ou aderir a uma idia. Essa funo fortalecida e concretizada pela sociedade de
consumo. proporo que cresce o espao publicitrio no mercado, crescem tambm os
desafios para seduzir e convencer os consumidores.
A primeira tarefa do publicitrio, por tanto, conseguir que o anncio seja
notado. Uma vez captada a ateno do leitor, o anncio deve mant-la e
convenc-lo de que o tema daquele anncio especfico do interesse dele.
Alm disso, o anncio tem de convencer o leitor de que o produto vai
satisfazer alguma necessidade ou criar uma necessidade que at ento no
fora sentida. Por fim, no basta que o cliente em potencial chegue a sentir
necessidade do produto: o anncio deve convenc-lo de que aquela marca
anunciada tem certas qualidades que o tornam superior s similares. Por outro
lado, o anncio ideal deve ser montado de tal forma que a maior parte possvel
da mensagem atinja aquele leitor que o v, mas resolve no ler.
(VESTERGAARD; SCHRDER, 2000, p. 47)

80

Para atingir os seus objetivos, os anncios vm utilizando uma linguagem cada vez
mais apelativa e rica em recursos lingusticos e semiticos.
3.3 A linguagem publicitria
Sobre a linguagem publicitria, Martins nos diz que:
[...] em sua essncia, objetiva construir imagem favorvel que possibilite
maior consumo, pela utilizao de arqutipos ou smbolos subjetivos,
apresentando hbitos de consumo, capazes de identificar as aspiraes e os
desejos do receptor com a imagem do produto. Dessa forma, chega a construir
o produto como smbolo e fim de uma necessidade social. (MARTINS, 2001,
p.20).

De fato, o anncio publicitrio consegue levar as pessoas a acreditarem que certos


produtos, considerados por alguns como totalmente desnecessrios, so essenciais para
garantir uma boa qualidade de vida. A linguagem dos anncios publicitrios tem um alto
poder informativo e persuasivo em virtude dos recursos argumentativos racionais e
emocionais e recursos retricos estilsticos ou estticos (MARTINS, 2001, p.154). uma
linguagem que significa mais do que diz.
Os anncios publicitrios utilizam nas suas mensagens tanto a linguagem verbal,
como a no-verbal e tambm constante a presena de recursos lingusticos como
neologismos, ambiguidades, variaes lingusticas, conotaes, assim como recursos
semiticos como smbolos, cores, sons e imagens. uma linguagem criativa e expressiva que
envolve o leitor numa linha de raciocnio preestabelecido.
Para seduzir os leitores, a linguagem dos anncios se adequa aos produtos e ao
pblico alvo, nem que para isso, seja preciso infringir as normas da lngua padro ou passar
por cima de convenes da gramtica normativa tradicional. A adequao da linguagem
publicitria ao pblico alvo se encaixa na concepo de Bakhtin acerca do papel do outro na
produo dos enunciados. A escolha de todos os recursos lingusticos feita pelo falante sob
maior ou menor influncia do destinatrio e da sua resposta antecipada. (BAKHTIN, 1992,
p. 306).
A estrutura do anncio publicitrio tambm muda de acordo com o produto
anunciado, com as intenes do anunciante (divulgar um produto, enfatizar uma
caracterstica, orientar uma campanha, etc.), com o tema do anncio, com o veculo de
transmisso TV, rdio, jornais, revistas e com o pblico alvo. No entanto, apesar de
varivel, possvel descrever a estrutura do anncio como uma estrutura composta por

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enunciado principal (manchete), pelo corpo do texto, pela assinatura do anunciante e pelo
logotipo ou marca.
3.4 Proposta de atividades com anncio publicitrio em sala de aula

A partir das teorias discutidas aqui, das anlises de livros didticos realizadas em
trabalhos anteriores e da nossa prpria experincia em sala de aula, destacamos agora algumas
das possibilidades de estratgias de aula com o anncio publicitrio em aulas de lngua
portuguesa: a) emprego de variaes lingusticas; b) observao do uso das vozes verbais na
linguagem publicitria; c) desenvolvimento da habilidade de leitura de textos no-verbais; d)
reconhecimento das relaes de intertextualidade; e) produo de textos publicitrios pelos
prprios alunos; f) discusses em sala a partir dos valores mais pregados nos anncios
direcionados ao jovens e adolescentes, como: beleza, seduo, consumismo, eterna juventude,
esteretipos de pessoas felizes; g) desenvolvimento das habilidades de argumentao oral e
escrita; entre outras possibilidades.
Enfatizaremos, agora, o uso desse gnero especificamente em aulas de leitura e
mais detalhadamente relacionando-o com os conceitos das teorias supracitadas. Para isso,
apresentamos sugestes a partir de quatro anncios da campanha Conto de Fadas, de O
Boticrio, veiculados em revistas, outdoors e internet.
Anncio 1: Branca de Neve

Na verso para revista, o texto ficou assim: Era uma vez uma garota branca como
a neve, que causava muita inveja no por ter conhecido sete anes. Mas vrios morenos de
1,80 m.

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Anncio 2: Chapeuzinho Vermelho

Na verso para revista, o texto ficou assim: A histria sempre se repete. Todo
Chapeuzinho Vermelho que se preze, um belo dia, coloca o lobo mau na coleira.
Anncio 3: Cinderela

Na verso para revista, o texto ficou assim: Gabriela vivia sonhando com seu prncipe
encantado. Mas, depois que ela passou a usar O Boticrio, foram os prncipes que perderam o
sono.
Anncio 4: Cavaleiros e drages

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Na verso para revista, o texto ficou assim: Um belo dia, uma linda donzela usou
O Boticrio. Depois disso, o drago que ela tanto temia ficou mansinho, mansinho e nunca
mais saiu de perto dela.
Para trabalhar com esses anncios, de acordo com a teoria dos gneros, seria
interessante, primeiramente, explicar, ou se for o caso, relembrar aos alunos o que so e como
se definem os gneros. Depois de esclarecer o conceito de gnero, pedir aos alunos que,
sozinhos ou em grupos, definam a que gnero pertencem os textos lidos. Esse primeiro
momento vivel que seja feito oralmente. Aps identificarem os textos como gnero
anncio publicitrio, o professor pode orientar os alunos a analisarem os textos observando
sua estrutura composicional, os tipos de linguagem utilizadas, a quem se destina e com que
finalidade. Essa orientao pode ser feita por meio de questes do tipo: a) Qual a finalidade
dos anncios publicitrios?; b) Qual a finalidade especfica dos anncios em questo?; c) Os
anncios lidos promovem ideias ou produtos?; d) Qual o pblico-alvo desses anncios? e) A
quem podemos atribuir a responsabilidade pelo que esta sendo dito no anncio?; f) Com que
tipo de linguagem ele trabalha?; g) Voc considera importante o papel da linguagem noverbal nesses textos?; g) Como a linguagem verbal e no-verbal se relacionam nos textos
lidos?; h) Que argumentos o autor dos anncios utilizou para atingir seu pblico-alvo?
As discusses podem ajudar na interpretao dos anncios, orientando a leitura por
meio de outros questionamentos do tipo: a) Quais e como os aspectos discursivos desses
anncios retratam a mulher conforme seu modo de ser e viver na sociedade de hoje?; b) O
papel da mulher mudou muito nas ltimas dcadas. Quais dessas mudanas podemos perceber
nos anncios lidos?; c) Por que o autor do anncio retratou a mulher dessa forma?; d) Qual o
pblico-alvo desse anncio e o que o autor pensa do seu pblico-alvo?; e) Com que outros
textos esses anncios dialogam?; f) Qual a relao dos argumentos usados por esses anncios
com os tipos de produtos oferecidos pelo O Boticrio?; g) De acordo com os anncios,
como so as mulheres que usam os produtos oferecidos?; h) Quais os aspectos no verbais
dos anncios nos faz lembrar das histrias da Branca de Neve e os Sete Anes, A Bela e a
Fera, A Chapeuzinho Vermelho e Cinderela?; i) Quanto ao texto verbal dos anncios, em que
difere do textos dos contos citados?; j) H informaes implcitas nesses textos? Quais? k)
Voc acha que os argumentos utilizados por esses anncios so bons para convencer seu
pblico-alvo a adquirir os produtos oferecidos?
As possibilidades de questes no se esgotam por aqui. Mesmo assim, possvel
levar os alunos a refletirem os gneros lidos, nesse caso, os anncios publicitrios, de acordo
com uma perspectiva discursiva da prtica de leitura. A nossa inteno pensar estratgias
84

que tornem a leitura mais significativa para os alunos. Por isso, vale salientar, que as
atividades sugeridas aqui, encaixam-se. de modo geral, em aulas ministradas para turmas do
ensino fundamental maior e para turmas do ensino mdio, devendo claro, serem adaptadas
ao nvel da turma, idade dos alunos, aos contedos ministrados e aos objetivos do professor.
Consideraes finais

Diante do exposto, inferimos que muito importante trabalhar o ensino de lngua


materna numa abordagem interacional, pois ela possibilita ao professor fundamentar-se,
terico e metodologicamente, j que uma das principais contribuies dessa perspectiva nas
aulas de leitura a compreenso de que a linguagem se realiza entre interlocutores
socialmente situados e no pode ser considerada fora do seu contexto de produo.
Dessa forma, as atividades de leitura e interpretao proporcionam aos alunos
slidas reflexes dos textos lidos, levando em considerao de onde o sujeito do discurso
enuncia, qual a sua funo e a sua inteno no ato da enunciao e em que condies esse
discurso foi produzido.
Em relao importncia da teoria dos gneros, compreendemos que o ensino de
leitura redefine o papel do professor de profissional distante da realidade e da prtica textual
do aluno para um especialista em diferentes modalidades discursivas, orais ou escritas, de uso
social. uma perspectiva de trabalho que oportuniza ao aluno conhecer e refletir a lngua em
situaes concretas de interao verbal.
Para se trabalhar o ensino de lngua materna de acordo com a perspectiva dos
gneros, poderamos ter proposto aqui o uso de outros gneros, mas optamos pelo anncio
publicitrio, porque ele apresenta uma riqueza de recursos lingusticos e retricos, sendo
composto por linguagem verbal e no-verbal. Alm disso, o anncio publicitrio um gnero
de ampla circulao social. Portanto, muito presente no cotidiano dos alunos com uma
linguagem de alto poder informativo e persuasivo que envolvem o leitor tanto com
argumentos racionais como emocionais. Em suma, um gnero que significa mais do que o
que diz e, por isso, oferece diversas possibilidades de uso na sala de aula, inclusive nas aulas
de leitura.
Queremos enfatizar que o nosso objetivo no foi s o de mostrar as possibilidades
de trabalhos com o anncio publicitrio em aulas de leitura, mas, principalmente, mostrar a
importncia de se trabalhar a leitura de acordo com a teoria dos gneros, pois acreditamos
que essa teoria podem contribuir muito para a formao de leitores autnomos, eficientes,

85

criativos e crticos, capazes de interagir com os textos, identificando nestes a presena de


posies ideolgicas em forma de j-ditos, relacionando esses dizeres com a realidade sciohistrico-cultural em que estao inseridos.
Referncias bibliogrficas
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VESTERGAARD & SCHRDER, T. & K. A linguagem da propaganda. So Paulo: Martins
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86

Sobre lngua estrangeira


(parte II)

87

VI

ANLISE DE PROPAGANDAS DE APARELHOS CELULARES: UMA


PROPOSTA CRTICO-VISUAL PARA O ENSINO DE LNGUAS
Jos Roberto Alves Barbosa
Myrna Cibelly de Oliveira Silva

JOS ROBERTO ALVES BARBOSA doutor em Lingustica (UFC) e mestre em


Lingustica Aplicada (UFRN). professor da Faculdade de Letras e Artes (FALA/UERN) e
do Mestrado Profissional em Letras (ProfLetras). Lder do Grupo de Pesquisa em
Lingustica e Literatura (GPELL), certificado por essa mesma IES. Atua nas reas de Teorias
Lingusticas, Anlise de Discurso Crtica (ADC), e Letramento Crtico.
joseroberto@uern.br e jotaroberto@uol.com.br
MYRNA CIBELLY DE OLIVEIRA SILVA graduada (2015) em Letras, com habilitao
em Lngua Inglesa e suas respectivas literaturas pela UERN. Na graduao, desenvolveu as
pesquisas de iniciao cientfica LETRAMENTO MULTIMODAL CRTICO NA AULA
DE LNGUAS: ANLISE DO GNERO PROPAGANDA MIDITICA DE APARELHOS
CELULARES (Projeto Institucional 2013-2014).
myrnacibelly@live.com

88

Consideraes iniciais

A propaganda exerce papel fundamental na formao de consumidores. Atravs


desta os sujeitos so posicionados pela capacidade que tm de adquirir produtos
(MAGALHES, 2005). Dentre esses, os aparelhos celulares esto entre os mais desejados,
inclusive pelos jovens. Diante dessa realidade, objetivamos, neste trabalho, analisar
criticamente as propagandas de aparelhos celulares, veiculadas pela mdia internacional, com
vistas a sua utilizao no contexto da sala de aula de lngua. Na primeira parte do artigo
apresentaremos os fundamentos tericos da Anlise de Discurso Crtica (ADC), alicerada
nas contribuies de Fairclough (2001; 2003). Em seguida, destacaremos os pressupostos
tericos para anlise de imagens, a partir da Gramtica do Design Visual (GDV), de acordo
com Kress e van Leeuwen (2006). Na segunda parte, a ps apresentar algumas discusses
tericas sobre os aparelhos celulares em uma sociedade tecnolgica, analisaremos algumas
propagandas veiculadas pela mdia, tanto em lngua portuguesa quanto inglesa.

1 Anlise de Discurso Crtica (ADC)

Para realizar esse tipo de anlise, recorremos proposta de Fairclough (2001), um


dos proponentes da Anlise de Discurso Crtica (ADC), que atrela, ao mesmo tempo, as
dimenses sociais s anlises textuais. Para tanto, ele parte das contribuies de vrios
tericos, dentre eles, Bourdieu e Foucault. Para dar conta dos aspectos textuais, nos
fundamentaremos na Gramtica Sistmico-Funcional, de Halliday (1985). Por causa dessa
nfase nos estudos discursivos atravs do texto, a Anlise do Discurso Crtica tambm
denominada de Anlise do Discurso Textualmente Orientada (ADTO). Fairclough (2001, p.
99,100) explica que

A prtica discursiva manifesta-se em forma lingustica, na forma do que


referirei como textos, usando texto no sentido amplo de Halliday,
linguagem falada e escrita (Halliday, 1978). A prtica social (poltica,
ideolgica, etc.) uma dimenso do evento discursivo, da mesma forma que
o texto [...] A anlise de um discurso particular como exemplo de prtica
discursiva focaliza os processo de produo, distribuio e consumo textual.
[...] A prtica social como alguma coisa que as pessoas produzem
ativamente e entendem com base em procedimentos de senso comum
partilhados (...) as prticas dos membros so moldadas, de forma
inconsciente, por estruturas sociais, relaes de poder e pela natureza da
prtica social em que esto envolvidos, cujos delimitadores vo sempre
alm da produo de sentidos.

89

Para explicitar a relao entre essas trs dimenses, Fairclough (2001), destaca que o
procedimento que trata da anlise textual pode ser denominada de descrio, e as partes que
tratam da anlise da prtica discursiva e da anlise da prtica social da qual o discurso faz
parte de interpretao. Na anlise da prtica social dois conceitos so bastante caros: 1)
ideologia baseado em Thompson (1995), inerentemente negativo, pois essa , por natureza,
hegemnica, j que se encontra a servio do estabelecimento e da sustentao das relaes de
poder (dominao), com vistas reproduo da ordem social e o favorecimento de grupos
dominantes; e 2) hegemonia baseado em Gramsci (1988) como domnio exercido pelo
poder de um grupo sobre os demais, baseado no consenso.
Na anlise textual, a ADC assume que os textos so feitos de formas s quais a
prtica discursiva perpassada, condensada em convenes, dotada de significado potencial
(FAIRCLOUGH, 2001: 103). Para tanto os itens considerados nessa anlise so: vocabulrio,
gramtica, coeso e estrutura textual. O vocabulrio analisado atravs da lexicalizao, isto
, dos processos de significao das palavras no mundo. O sentido da palavra entra na disputa
dentro de embates mais amplos. No que tange gramtica, os elementos principais da orao
(sintagmas) esto relacionados transitividade. Os falantes/escritores fazem escolhas quanto
ao modelo estrutural das oraes.
Fairclough (2003) amplia os postulados tericos da ADC, propondo uma articulao
entre trs aspectos: gneros, discurso e estilo. Os gneros constituem o aspecto
especificamente discursivo de maneiras de ao e interao no decorrer dos eventos sociais
(p. 65). Eles funcionam como mecanismo articulatrio que controla o que pode ser dito a fim
de regular o discurso. O discurso a representao dos atores sociais nos textos atravs de
posicionamentos ideolgicos em relao a eles e suas atividades. O estilo identifica os atores
sociais nos textos atravs dos pressupostos, modalidades (objetivas e subjetivas), as metforas
(conceituais, orientacionais e ontolgicas).
A integrao desses trs significados: acional (gneros), representacional (discursivo)
e estilstico (identificacional) dialtica. Eles somente podem ser subdivididos para efeito
explicativo. Os discursos so realizados em gneros e consolidados atravs de estilos. As
aes e identidades, por sua vez, so discursivamente representadas. A fim de orientar as
anlises discursivas em uma perspectiva crtica, Fairclough (2003) sugere as seguintes
perguntas: 1) gnero o texto est situado em que cadeia de gnero? Existe uma mesclagem
de gneros? Quais so as caractersticas dos gneros apresentados?; 2) discurso quais traos
caracterizam o discurso (relaes semnticas entre as palavras, colocaes, metforas,
90

pressuposies, traos gramaticais); e 3) estilo como os autores se envolvem em relao


verdade (modalidades epstmicas), obrigaes e necessidades (modalidades denticas).
No Brasil, os estudos da ADC tm contribudo significativamente para a interpretao
de prticas sociais desempoderadoras. As publicaes desses ltimos anos tm favorecido a
difuso de pesquisas em vrias universidades do Pas. Entre os estudos da ADC destacamos
os de Magalhes (1986; 2000), que nortearam vrias pesquisas acadmicas, principalmente no
contexto da Universidade de Braslia (UNB). Artigos e livros de divulgao esto sendo
publicados, somente nesses ltimos anos, resultantes de investigaes de tese de doutorado,
foram lanados: Resende & Ramalho (2006), Resende (2009) e Ramalho e Resende (2011). A
traduo de Fairclough (2001) para o portugus tem auxiliado queles que desejam conhecer
os fundamentos da ADC, mas que ainda no tm proficincia na leitura em lngua inglesa.

2. Gramtica do Design Visual (GDV)

Visando repensar a constituio do texto imagtico no concernente ao seu significado


e s suas implicaes na sociedade, Kress e van Leeuwen (2006) elaboraram a Gramtica do
Design Visual (doravante GDV) que gira em torno das trs metafunes lingusticas sugeridas
pelas premissas tericas propostas por Halliday (1994), ao considerar as funes e o contexto
no qual as imagens so produzidas, pois acreditam que assim como as estruturas lingusticas,
as estruturas visuais apontam para interpretaes de experincias particulares e formas de
interao social (KRESS; VAN LEEUWEN, 2006, p. 02). Desta forma, os significados
expressos na lngua por meio da escolha entre classes de palavras e estruturas gramaticais
podem ser expressos na imagem por meio da diferenciao de cores, tonalidade, foco, dentre
outros, e tais diferenas podem afetar e modificar o sentido proposto por tal.
No entanto, enquanto a LSF se organiza em torno das Metafunes Ideacional,
Interpessoal e Textual, a GDV as assume como Representacional, Interativa e Composicional,
respectivamente, uma vez que cada meio semitico possui suas prprias regras e estrutura,
apesar de uma estar ancorada na outra e ambas possurem um foco nas metafunes da
linguagem (verbal e no verbal). A Lingustica Sistmico-Funcional de Halliday (1994)
enfatiza um cdigo semitica da linguagem, enquanto que a Gramtica do Design Visual
ressalta o cdigo semitico da imagem.
A Metafuno Representacional responsvel pelas estruturas que constroem
visualmente a natureza dos eventos, objetos e participantes envolvidos, e as circunstncias em
que ocorrem. A Metafuno Interativa nos permite representar uma relao social particular
91

entre o produtor da imagem, seu receptor e o prprio objeto representado. Por fim, a
Metafuno Composicional nos d a habilidade de criar representaes coerentes, ao
distribuir seu valor entre os elementos da imagem de forma contextualizada. Almeida (2006)
explica que os significados visuais representacionais (as relaes entre participantes
representados em uma estrutura visual) correspondem metafuno ideacional; os
significados visuais interativos (a relao entre imagem e espectador) correspondem
metafuno interpessoal; os significados composicionais (relao entre os elementos da
imagem) correspondem metafuno textual.
Enquanto Halliday (2004) prope em sua lingustica a existncia de seis tipos
diferentes de processos os quais englobariam todas as atividades humanas concretas e
abstratas, Kress e van Leeuwen (2006) postulam a existncia de Representaes Narrativas,
subdivididos em processos de Ao no transacional, transacional unidirecional e
bidirecional, Reacional no transacional e transacional, Mental e Verbal, e Representaes
Conceituais, subdivididas em Classificatrios, Analticos e Simblicos.
As Representaes Narrativas apresentam aes que esto se desenvolvendo, ou seja,
aes em movimento, e so assinaladas pela presena de um vetor que pode ser formado por
meio de linhas imaginrias, oblquas, ou diagonais transmitindo a ideia de movimento. Na
imagem, eles se apresentam de forma saliente em contraste com o resto da composio. Os
participantes dessas representaes tm a possibilidade de estabelecer relaes entre si e se
engajar em aes e eventos por meio dos vetores que emanam de seu corpo, ou na ausncia
desses, formado pelo prprio corpo do participante representado.
Alm de representaes narrativas, h aquelas que no apresentam vetor nem
executam aes, haja vista seu objetivo ser procurar na imagem a essncia da informao em
termos de classe, estrutura e significado. Essas so as Representaes Conceituais que
classificam, analisam e significam/definem pessoas, lugares e coisas, e que podem ser
caracterizadas como Processos Classificacionais, Analticos e Simblicos, respectivamente.
Fazendo-se distinta da Metafuno Representacional, a Metafuno Interacional lida
com os participantes representados e sua relao com os interativos, ou seja, seu observador
do mundo real. Os participantes interativos so pessoas do mundo real as quais produzem ou
consomem a imagem, ditando como deva ser representada e interpretada, que mensagem ela
deva passar, como ela o far, etc. Assim, ela estabelece uma relao tanto entre os elementos
que compem a imagem quanto entre quem a produz e quem a observa, exigindo deste ltimo
uma atitude. Essas interaes se do por meio do Contato, da Distncia Social, da Perspectiva
e da Modalidade, categorias que sero abordadas na anlise do corpus desta pesquisa.
92

Atentando para a Metafuno Composicional, os autores afirmam que a posio que


os elementos ocupam na composio visual lhes atribui valores especficos, mais
especificamente Valores de Informao, uma vez que sua disposio afeta os outros
elementos que esto a interagir no mesmo espao. Esta categoria lida com a disposio dos
elementos na imagem e como essas posies sinalizam significados (ideolgicos) diferentes.
A Salincia definida como o grau para o qual um elemento chama ateno para si
mesmo, devido a seu tamanho, seu lugar no primeiro plano ou sua sobreposio a outros
elementos, sua cor, seus valores tonais, sua agudeza ou definio, e outras caractersticas.
(KRESS; VAN LEEUWEN, 2006, p. 210), referindo-se, portanto, importncia hierrquica
que os elementos adquirem na imagem que levam a sobreposio de um elemento sobre os
demais. Finalmente, e no menos importante, o Enquadramento, ou moldura, diz respeito
presena ou ausncia de uma linha divisria que marcar a diviso ou a ligao dos
participantes da composio, indicando que os elementos possuem identidades que se
relacionam ou que se separam.

3 O texto miditico e a propaganda de aparelhos celulares

O gnero discursivo publicitrio desenvolvido, reproduzido e transformado nas


prticas sociais da mdia. Para Thompson (1998) a mdia, no contexto da modernidade tardia,
assume um papel preponderante nas relaes sociais. Diante dessa realidade, a anlise
miditica dos gneros publicitrios constitui-se em uma necessidade premente na vida
cotidiana, em mbito institucional e organizacional (MAGALHAES, 2005). Isso porque,
conforme defende Thompson (1998, p. 19-21), o desenvolvimento da mdia transformou a
natureza da produo e do intercmbio simblicos no mundo moderno.
Thompson (1998) argumenta ainda que a mdia privilegia a comunicao como
parte integral (...) de contextos mais amplos da vida social, que feita por indivduos que
perseguem fins e objetivos os mais variados. Assim fazendo, eles sempre agem dentro de um
conjunto de circunstncias previamente dadas que proporcionam a diferentes indivduos
diferentes inclinaes e oportunidades. Thompson denomina como esses conjuntos de
circunstncias campos de interao, que so subdivididos nas seguintes categorias: interao face a face, interao mediada e quase interao mediada.
O texto publicitrio, conforme aponta Key (1996), objetiva, atravs da doutrinao,
do controle cultural e das construes ideolgicas da percepo que o texto publicitrio
alcana seu objetivo, seduzindo os consumidores em potencial. Para Key (1996), a percepo
93

que se tem da realidade objetiva produto de um "condicionamento scio-polticoeconmico". Isso acontece porque as pessoas mais vulnerveis doutrinao so as que
vivem em sociedades tecnolgicas manipuladas pela mdia. (p.108). De modo que os leitores
a quem se destinam os textos publicitrios perdem a capacidade de distino entre a realidade
objetiva e as fantasias perceptivas da realidade.
Na disputa por consumidores, a propaganda busca manipular os consumidores dos
produtos que so comercializados, recorrendo s prticas hegemnicas (GRAMSCI, 1988;
1995), induzindo ao consenso; e ideolgicas (THOMPSON, 1995), favorecendo a sustentao
do poder por meio do discurso publicitrio (MAGALHAES, 2005). Diante dessa realidade,
propomos, atravs desta pesquisa, fazer uma anlise da propaganda de aparelhos celulares,
tendo em vista que esse produto, nesses ltimos anos, se tornou um smbolo do consumo.
Isso porque o aparelho celular no apenas um objeto material, uma mercadoria
circulando na aldeia global. Alm de um recurso para a comunicao, conforme destaca
McGuigan (2005, p. 46), carrega um significado social, tendo em vista que para alguns
usurios o valor de signo desse objeto pode atualmente exceder seu valor de uso; funcionando
como um fetiche mgico, que certamente a mensagem de muita propaganda. O telefone
celular um smbolo dele prprio, um obscuro objeto de desejo e um signo dos tempos.
A mobilidade atribuda ao uso de um aparelho celular, principalmente queles mais
modernos e com mltiplas funes, constri no sujeito, segunda as palavras de Benasyag e
Del Rey (2006. p. 8), a identidade de um ser autnomo, nmade, senhor de si, que evolui
conforme caminhos novos e imprevistos, como o capito de um navio explorador. O fascnio
do uso de aparelhos celulares to grande que uma pesquisa realizada em 2009, pelo Instituto
Synovate, mostrou que o consumo de aparelhos celulares entre os jovens no Brasil bastante
elevado.
O pas possui o maior consumo por troca de aparelho, com 24% das pessoas
pretendendo comprar um celular novo em trs meses e 12% que vo comprar com mp3. A
insero de novas funes tecnolgicas nesses aparelhos tem contribudo significativamente
para o consumo. Diante de tamanha demanda, a oferta sempre crescente. A competitividade
tambm, por isso, as grandes marcas de aparelhos de celular investe massiamente na
propaganda, a fim de garantir uma maior fonte de lucros, principalmente entre os
consumidores mais jovens.

4 Metodologia

94

Essa uma pesquisa qualitativa, que no busca fazer grandes generalizaes, dentro
do paradigma da Lingustica Aplicada, que se justifica na sua relevncia social (MOITA
LOPES, 1996). A anlise aqui empreendida levar em considerao a disposio das
estruturas imagsticas nas propagandas de aparelhos celulares, veiculadas pelas principais
empresas, dentre elas destacamos: Sony, Samsung, Nokia, LG e Motorola. Essas empresas
so as mais poderosas do mercado, suas propagandas tendem a ser mais recorrentes, e esto
presentes nos principais veculos miditicos do pas. Em virtude das limitaes inerentes ao
gnero artigo cientfico, nos limitaremos, para essa anlise, a duas propagandas, uma da
NOKIA (Imagem 1) e outra da LG (Imagem 2).

5 Propostas
IMAGEM (1)

5.1 Significados Representacionais da imagem

O anncio da Imagem (1) diz respeito a uma propaganda de um aparelho celular da


marca NOKIA. Este apresenta a imagem de quatro pessoas, sendo que trs delas esto sendo
fotografadas por outro participante que no aparece na imagem.

Atravs do gnero

propaganda, as imagens so intercaladas ao texto verbal, a de reproduzir determinados


discursos estruturados na sociedade (FAIRCLOUGH, 2003). A expresso em ingls There
are things that when you tell about them, no one believes visa aquisio do produto, que
dever acompanhar o usurio a todo o momento. H uma construo identitria na imagem, a
95

de um homem que foge aos padres de beleza, e que precisar provar, atravs da foto retirada
pelo celular, que esteve cercado por mulheres bonitas.
A partir da categoria representacional, a imagem pode ser analisada tanto como uma
estrutura conceitual analtica quanto narrativa transacional. Os participantes que esto na foto
da imagem no esto em ao, no h um vetor, esto posicionados estticos, em pose de
fotografia. Mas no podemos deixar de atentar para o fato de que existe uma foto dentro de
outra foto. O fotgrafo, que no aparece, est com sua mo direcionada como vetor, para
fotografar. Nesse caso temos uma estrutura narrativa transacional, j que os fotografados
esto reagindo ao foco.
Um celular no apenas um aparelho para fazer ligaes para pessoas, tambm
uma mquina para fotografar, e no caso da imagem, a cmera fotogrfica proveniente do
celular serve como uma prova de que o participante do sexo masculino na foto (cuja aparncia
fsica no apreciada de acordo com os padres de beleza impostos pela sociedade) est, de
fato, ao lado de trs participantes do sexo feminino (cujas aparncias fsicas seguem o modelo
imposto pela sociedade, alm de serem considerados smbolo de desejo sexual) em uma praia,
e esta fotografia servir como prova para aquele que questionar/duvidar do momento vivido
pelo participante homem.

5.2 Significados Interativos da imagem

O anncio apresenta o contato de demanda, uma vez que, os participantes olham


diretamente para o leitor/observador. A distncia social o plano social do tipo plano mdio
de acordo com a imagem de trs participantes. O ponto de vista (perspectiva) representa o
ngulo frontal, porque prope uma aproximao entre o observador e os participantes. A
modalidade da imagem naturalista, pois retrata a imagem de forma natural.
O participante masculino, na Imagem (1) interage no apenas com aquele que
fotografa, mas tambm com quem o observa. Ele quer ser percebido como algum que, apesar
dos seus poucos dotes fsicos, pode ser apreciado por mulheres bonitas. Essa uma
identificao que a imagem pretende construir no imaginrio do observador. A propaganda
no vende apenas produtos, mas tambm estilos, modos de pensar e de ser. Adquirir
determinados produtos, tal como um celular, pode fazer com que o comprador se torne aceito.
A aceitabilidade tem a ver com os estilos, na medida em que se pretende causar
identificao dos sujeitos. Os potenciais consumidores do aparelho celular no adquiriro
apenas um produto, mas uma condio de ser, dentro dos repertrios sociais. Os rapazes
96

jovens, mais notadamente os adolescentes, tm razes para adquirem um celular de ltima


gerao. Eles so beneficiados no apenas com a compra, mas tambm com a maneira que
sero percebidos pelos outros. Portar um aparelho celular de ltima gerao demarca, na
sociedade tecnolgica, um modo de se apresentar, de ser reconhecido.

5.3 Significados Composicionais da imagem

Com relao ao valor da informao, a imagem das pessoas na foto o elemento


dado, e o celular, posicionado no lado direito, o elemento novo. A nfase dada ao celular
tanto em seu posicionamento, tamanho e cores na imagem aumentam seu grau de salincia. E
na estruturao, h linhas divisoras que unem os elementos da propaganda. O primeiro plano
(imagem do celular) forte, pois o objetivo destacar a tecnologia do celular, sua mais nova
funo, que a cmera, e o segundo plano (a imagem dos participantes sendo fotografados)
fraco, pois no o objetivo da propagando destac-lo.
O rapaz da imagem foi colocado entre as mulheres, essa posio central na foto tem
valor informacional. Estar cercado por jovens bonitas alimenta o imaginrio masculino,
instiga ao consumo. As moas da foto, que mais parecem modelos de desfile de modas, se
encontram em trajes de banho, no contexto de uma praia. O interesse dessas jovens pelo rapaz
ocorre, de acordo com a propaganda, por uma peripcia do destino, e precisa ser registrado.
Situaes como essas no podem ser provadas, pois as pessoas no acreditaro quando forem
ditas. A mo que fotografa o jovem feliz entre as moas bonitas est um pouco mais adiante
na foto, chamado a ateno para o detalhe.
IMAGEM (2)

97

5.4 Significados Representacionais da imagem

Nesta propaganda vemos apenas um participante em uma ao narrativa notransacional, na qual no possvel identificar a meta nem de onde sai o vetor. O participante
realiza uma ao irreal pulando para dentro do celular, ressaltando, assim, a informao no
balo rosa: a mais nova caracterstica do aparelho (um celular com tela maior e imagem
melhor) e a frase em ingls : Now its all possible (Agora tudo possvel). Esta informao
uma forma de apelar para a aquisio de um celular com caractersticas muito melhores. As
empresas de celular vivem buscando isso: superar as outras em termos de tecnologia para
consequentemente atrair mais consumidores.
A ao da criana se lanar dentro do lago, que se confunde com a tela de cristal
lquido do aparelho celular, um convite a se lanar em um universo paralelo, repleto de
possiblidades infinitas. O discurso consumista interpela a possibilidades nem sempre
garantidas pelos sujeitos que so posicionados de forma diferente do real nas imagens da
propagadas. Por outro lado esse um ato de violncia simblica, na medida em que oferece
aos supostos consumidores, um produto que no lhes garantida a possibilidade de adquiri-lo.
A aula de lnguas, conforme assume Rajagopalan (2003), possibilita um ambiente no qual no
apenas o idioma ensinado, mas tambm as condies sociais que aliceram as decises e
(im)possibilidades dos observadores.

5.5 Significados Interativos da imagem

A propaganda apresenta um contato de oferta. bastante evidente que o participante


no est olhando diretamente para o observador. H um plano de intimidade entre leitor e
participante ao apresent-lo em plano aberto, ou seja, de corpo inteiro. Referente ao ponto de
vista, o participante apresentado em ngulo vertical, passando uma idia de poder do
observador em relao a ele (o participante), sendo apresentado, assim, em cmara alta. A
modalidade da imagem sensorial, devido ao realizada pelo participante com o celular.
Essa modalidade no foi escolhida de modo aleatrio. Por meio da ao do
participante saltando para dentro do celular, a propaganda quer mostrar o excelente efeito de
imagem que o objeto produz e que o consumidor se coloque no lugar do participante. Ela
pretende ressaltar, assim, que o celular opera coisas que at ento seria impossvel e que o
consumidor, a partir do momento que o possuir, vai ter acesso ao mais novo mundo da

98

tecnologia. Enquanto observamos o anuncio, somos influenciados a consumir o aparelho


celular, fascinados pelas aparentes possibilidades que promete.
Um dos objetivos da propaganda causar identificao, nem sempre garantida pelos
recursos imagsticos. O ngulo da imagem posiciona os observadores a se colocarem em
movimento, na direo do lago, a entrarem nesse mundo de faz de conta. O apelo ao
universo infantil no casual, trata-se de uma estratgia argumentativa, a fim de inserir o
observador nesse mundo. Isso porque os aparelhos celulares cada vez mais trazem jogos
eletrnicos, eles se tornaram brinquedos para adultos, que servem at para se comunicarem,
casos as operadoras permitam, considerando que essas lucram, em alguns casos
desrespeitando os consumidores.

5.6 Significados Composicionais da imagem

Com relao ao valor da informao, vemos posicionado no centro da imagem o


prprio celular funcionando como ncleo da imagem e tendo os outros elementos
subordinados a ele. Esse elemento central tambm o elemento de maior salincia na
imagem servindo para reforar o valor central. No h linhas divisrias que separam os
elementos, sendo ento uma imagem com estruturao fraca.
A informao dada ao lado direito da imagem (no balo rosa) est servindo apenas
para comprovar a informao nuclear: o timo design do aparelho que, talvez, para muitos
seria impossvel de ser alcanado. H uma extenso, a partir do tamanho do celular, com o
prprio rio no qual esse se encontra. A transparncia da gua remete a tela de cristal lquido,
apresentadas como um feito tecnolgico. A frase em ingls, esquerda e acima: Live in
greatness (Viva com grandeza) visa produzir um efeito de empoderamento naquele que
adquire o produto.
A mania de grandeza predomina no discurso liberal neocapitalista, essa uma
linguagem decorrente da globalizao, que exclui aqueles que so considerados
incompetentes (FAIRCLOUGH, 2006). As propagandas de aparelhos celulares mostram
artefatos em tamanhos que chamem a ateno, e identifica seus usurios a partir dessa
salincia. Possuir um celular de tamanho maior reala a posio social do seu proprietrio,
posicionado-o em condio superior aqueles que no so capazes de ter um aparelho de igual
tamanho. A cultura da segregao pelo consumo fomentada, na medida em se mensura a
potencialidade da pessoa pela sua possibilidade de apropriao.

99

Consideraes finais

As anlises das Imagens 01 e 02 demonstram as mltiplas estruturas utilizadas pela


linguagem da propaganda, a fim de posicionar as pessoas como consumidoras de produtos
tecnolgicos. Em relao Imagem 01 h duas imagens, uma dentro da outra, a supostamente
real, na qual os participantes so conceituados, especialmente um homem, entre mulheres
bonitas, posa para uma foto, retirado por uma celular, por meio da qual uma mo em posio
de vetor, capta aquela imagem. Esse participante interage com o observador a fim de invoclo a fazer parte dessa realidade, e por isso, mesmo que esteja em posio inferior, pode
partilhar de uma situao semelhante. Mesmo no satisfazendo os padres de beleza
assumidos pela sociedade, poder ser admirado, mas para isso precisa adquirir um celular
com qualidade, principalmente com a possibilidade de registrar esses momentos.
Em relao Imagem 02, destacamos a salincia do aparelho apresentado, e sua
extenso com um rio. O participante representado age em direo gua, que espelha na tela
de cristal lquido, como um rio. A tecnologia promete prazer, de tal modo que possa ser
comparado quele da natureza. Possuir um celular to grande, e com tamanhas possibilidades,
coloca o observador diante do infinito, de uma experincia vista de cima, por isso
transcendental. No a natureza que grande diante do homem, mas a tecnologia, o celular
enorme, posicionado no centro da imagem, codifica o valor de uma informao em
detrimento de outras, at mesmo do ser humano, diminudo diante da imensido do aparelho.
Consoante ao exposto, destacamos a relevncia desse tipo de anlise a fim de
identificar estruturas representacionais, interativas e composicionais em textos da propaganda.
No caso daquelas veiculadas na mdia, a fim de incentivar a aquisio de aparelhos celulares,
favorecendo um suposto engrandecimento do observador, interpelando-o aquisio do
produto. Esses aspectos visuais remetem a uma realidade pautada em uma ideologia que
favorece o consumo, e que sustenta a hegemonia da indstria de aparelhos celulares.
Atentaremos posteriormente para essa abordagem ao fazer uma anlise crtica das imagens
anteriormente apresentadas.
Esse tipo de anlise, na aula de lnguas, tanto de primeira (L1) quanto segunda lngua
(L2) possilita o empoderamento dos aprendizes. Essa uma responsabilidade social dos
professores de lnguas, considerando que as propagandas de aparelhos celulares so
direcionadas principalmente para os jovens. A utilizao desses textos em contextos escolares
favorece o letramento crtico, tendncia de pesquisa cada vez mais constante em ambientes
acadmicos (FLORES-KOULISH, 2005). Os professores de lnguas podero, conforme
100

sugerem Schawtz e Brown (2005), inserir essa abordagem no currculo escolar. Esse tipo de
letramento, de acordo com Grygorian e King (2008, p. 1), favorece discusses a respeito de
como a mdia conceitualiza raa, classe e gnero e como essa promove determinados valores
sociais (...) e analisa como os estudantes acessam, analisam e avaliam os textos em termos em
termos de suas ramificaes socioeconmicas, ideolgicas e polticas.
Com essa proposta esperamos contribuir para o letramento miditico crtico de jovens
da escola pblica, que se tornam vtimas, em potencial, de uma violncia simblica
(BOURDIEU, 1998). Ao mesmo tempo, possibilitar uma formao crtica, dentro de uma
perspectiva educacional que os conscientize, com vistas mudana social (FAIRCLOUGH,
2001). Atravs dessa conscientizao crtica, partilhamos, com Freire (2011, p. 139), o anseio
por um ensino de lnguas que seja capaz de colaborar na indispensvel organizao reflexiva
dos estudantes, que ponha disposio meios pelos quais seja capaz de superar a captao
mgica e ingnua de sua realidade, por uma dominantemente crtica.

Referncias bibliogrficas

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investigation of you advertisements. Tese (Doutorado) Universidade Federal de Santa
Catarina: Florianpolis, 2006.
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THOMPSON, John. A mdia e a modernidade. Uma teoria social da mdia. Trad. de Wagner
O. Brando e reviso Leonardo Avritzer. 3. ed. Petrpolis: Vozes, 1998.

102

VII

ANLISE DE ERROS: ESTUDO DAS ADAPTAES LXICAS


PRODUZIDAS POR ALUNOS BRASILEIROS EM TEXTOS ESCRITOS
Pedro Adrio da Silva Jnior
Yordanys Gonzlez Luque

PEDRO ADRIO DA SILVA JNIOR professor da Licenciatura em Letras com


Habilitao em Lngua Espanhola e suas respectivas Literaturas e do Curso de Especializao
em Ensino-Aprendizagem de Lnguas Estrangeiras da Universidade do Estado do Rio Grande
do Norte (UERN). Coordenador do subprojeto em Lngua Espanhola do Programa
Institucional de Bolsa de Iniciao Docncia - PIBID. Licenciado em Letras pela
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Doutor em Lngua Espanhola pela
Universidad de Salamanca (USAL). Membro do Grupo de Pesquisa em Lingstica e
Literatura (GPELL) da UERN. Atualmente realiza pesquisas concernentes ao ensino do
espanhol como lngua estrangeira, nas reas da Pragmtica, da Lingustica Contrastiva e da
Anlise do Discurso, especificamente no uso dos Marcadores do Discurso. Coordena projeto
do Programa Institucional de Bolsas de Iniciao Cientfica Utilizao de filmes como recurso
audiovisual nas aulas de espanhol como lngua estrangeira: elaborao de atividades didticas
Parte II, da FALA/UERN, RN.
pedrolatino9@hotmail.com

YORDANYS GONZLEZ LUQUE aluno do programa de Doutorado em Educao da


Universidad de Salamanca e professor do curso de ps-graduao em da Universidade
Interamericana. Licenciado em Educao na Especialidade de Historia pelo Instituto Superior
Pedaggico Enrique Jos Varona (2000), e Licenciado em Filologia pela Universidade da
Havana (2000). Atualmente realiza pesquisas nas reas de lngua espanhola, ensino e novas
tecnologias e educao, alm de formao de professores em novas tecnologias e letramento
digital. Membro do grupo de pesquisa em educao inclusiva da faculdade de educao da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
yordanysgonzalezluque@gmail.com

103

Introduo

O presente artigo pretende descrever e reflexionar sobre os erros que encontramos em


uma pesquisa, realizada a partir de textos escritos por alunos da Universidade do Estado do
Rio Grande do Norte (UERN), do quinto e sexto semestres da Licenciatura em Lngua
Espanhola, na qual analisamos as principais adaptaes lxicas que realizam os alunos
brasileiros quando pretendem se expressar na lngua espanhola.
Em nossa prtica docente, observamos, com muita frequncia, em textos escritos e
orais, frases como: Yo toco violn, Fue un viaje inesquecible ou Vivo en el cientro de la
ciudad. As adaptaes que sofrem os vocbulos anteriores so constantes entre os alunos
luso-falantes ao tentar se expressar em espanhol, por desconhecer o lxico correspondente na
lngua espanhola, principalmente nos nveis iniciais. O aluno emprega, indistintamente, o
sufixo -n do espanhol s palavras do portugus cujo sufixo o. Tambm comum trocar
a letra -o por, ue e o e por ie, como se tratassem de formas ditongadas.
Estas construes so, para muitos brasileiros, a marca da lngua espanhola e ao
acrescentar ie ou ue s palavras, ou trocar o sufixo o do portugus por n do espanhol,
j se consideram falantes do idioma espanhol. Por tanto, as anlises que pretendemos
mostrar a continuao, deixam evidente que os alunos utilizam estratgias para comunicar-se
na nova lngua, por desconhecimento ou insegurana no que concerne ao lxico da lngua
estrangeira, neste caso especfico, a lngua espanhola.
Procuraremos, atravs desta anlise, conseguir os objetivos propostos com a
finalidade de conhecer melhor as caractersticas que compem a interlngua dos alunos
brasileiros, pois acreditamos que estes dados pem ser teis para auxiliar aos professores a
planejar suas aulas, seu material pedaggico de acordo com as necessidades do grupo.
Evidentemente, conhecendo a interlngua dos alunos e suas dificuldades, podemos
trabalhar diretamente estas dificuldades baseando nos erros especficos e consequentemente
melhorar os resultados no ensino da lngua espanhola, propsito final desta pesquisa.

1 Fundamentao terica

Anteriormente, a pesquisa acerca da aquisio de uma segunda lngua se realizava


atravs da anlise contrastiva, pois se pensava que os erros que cometiam os alunos de uma
lngua estrangeira procediam da lngua materna. No final dos anos sessenta e princpio dos
anos setenta, aparece um novo modelo para pesquisar a aquisio de uma lngua estrangeira, a
104

Anlise de erros (AE), uma ponte entre a Anlise Contrastiva e a Interlngua (IL), que surge
com as declaraes de alguns pesquisadores de que um grande nmero de erros no podia ser
explicado pela interferncia com a lngua nativa, do qual se inferia que havia outras fontes
que ocasionavam o erro, sendo necessrio, por tanto, ampliar o conceito de interferncia
(GARGALLO, 1992, p. 140-141).
Com a publicao do artigo de Corder (1967) intitulado The significance of learners
errors pe-se em evidncia o estudo sistemtico dos erros que cometem os alunos de uma
lngua no nativa (DURO, 2004, p. 46).
Segundo Corder (1967), os erros so inevitveis e importantes no processo de
aquisio, pois so fontes de informao sobre a natureza do conhecimento de quem aprende.
Tambm mostram e caracterizam um sistema de lngua novo que utilizam os alunos para se
comunicar, o qual no o mesmo da lngua nativa nem tampouco da que se est aprendendo
(GARGALLO, 1993, p. 85). A esta nova lngua a consideram um dialeto idiossincrsico,
interlngua, sistema aproximativo e que possui suas peculiaridades.
Posteriormente, depois de ter sido evidenciado que a maioria dos erros nem sempre
se devia interferncia da lngua materna, pde-se fazer a diferena entre os chamados erros
de interlngua (os que realmente so produzidos pela influncia da lngua materna) e os erros
de intralngua (produzidos por outras razes, tais como: hipercorreo, simplificao,
sobregeneralizao, etc.).
Corder (1967) tambm estabelece a diferena entre erro e falta. Segundo este
pesquisador, a falta est relacionada com a atuao. Trata-se de um fato pontual e pode ser
provocado por fatores como o cansao, a distrao, o nervosismo, etc. Por outro lado, o erro
se produz no nvel da competncia e mostra um determinado estado de aprendizagem.
Norrish (1983, apud GARGALLO, 1992, p. 73) conceitualiza o error como uma
desviao sistemtica e falta como uma desviao inconsciente e eventual. Alm destes
conceitos, este pesquisador tambm prope o conceito de lapsus, sendo uma desviao
decorrente de fatores extralingusticos, como falta de concentrao, memria curta, etc.
Com as mudanas que sofre a AE em seus pressupostos tericos, nasce a anlise de
interlngua (IL), a qual considerada a continuao entre a anlise contrastiva e a anlise de
erros, processo pelo qual atravessam os aprendizes durante a aprendizagem de uma lngua no
nativa e que, por tanto, diferente da lngua materna e da lngua que se est aprendendo. Este
novo campo de pesquisa foi batizado por Selinker em 1969 e reelaborado em 1972. Utiliza-se
o termo interlngua para fazer referncia ao sistema no nativo do aprendiz de uma segunda

105

lngua ou lngua estrangeira, com a afirmao de que este sistema constitui uma linguagem
autnoma (GARGALLO, 1993, p. 125).
Gargallo (1993, p. 128-129) aponta as seguintes caractersticas da interlngua:
Sistema lingstico diferente de L1 e L2;
Sistema internamente estruturado;
Sistema constituido por etapas que se sucedem;
Sistema dinmico e contnuo que muda atravs de um processo criativo;
Sistema configurado por um conjunto de processos internos;
Sistema correto em sua prpria idiossincrasia.

Por outro lado, Adjmian (1982, apud GARGALLO, 1993, p. 133) caracteriza, de
forma geral, a interlngua da seguinte maneira:
Fossilizao: fenmeno lingustico que mantm, de maneira inconsciente e
persistente, caractersticas da gramtica da lngua materna na interlngua;
Regresso voluntria: fenmeno lingustico que se manifesta quando se descobrem
na IL regras ou vocbulos que se desviam da norma da lngua meta, desviaes que pareciam
ter sido superadas em etapas anteriores em benefcio de outras estruturas mais prximas
desde um ponto de vista normativo e pragmtico s que produziriam um falante nativo em
circunstncias similares;
Permeabilidade: fenmeno lingustico que permite s regras da L1 introduzirem no
sistema interlingustico, ou que possibilita sobregeneralizaes das mesmas regras.

Para este pesquisador, a interlngua uma lngua natural, pois:


Uma comunidade de aprendizes a comparte;
Possui um sistema de regras;
Desenvolve-se ao longo de um processo de evoluo.

Para concluir, podemos dizer que a interlngua um cdigo lingustico que utiliza o
aprendiz ao comunicar-se na lngua meta para conseguir seus objetivos comunicativos e que
durante este processo, alm das estruturas corretas, o aluno tambm produz erros, os quais so
vistos como um sinal de que a aprendizagem est ocorrendo, e ao reconhec-los, trabalhar
106

diretamente nestes erros para que no se repitam, garantindo, desta maneira, uma melhor
aprendizagem da lngua meta.
Os critrios empregados para as pesquisas de anlise de erros so utilizados para
reconhecer e classificar os erros que cometem os alunos. Com o objetivo de lograr nossos
objetivos, elegemos o critrio gramatical, o lingustico, o etiolgico e o pedaggico.

2 Aspectos metodolgicos

Este artculo baseia-se na anlise de erros da interlngua de estudantes brasileiros


aprendizes de espanhol. Caracteriza-se por ser uma pesquisa quali-quantitativa e descritiva.
Para esta finalidade, analisamos 25 textos escritos por alunos da Licenciatura em
Lngua Espanhola, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, com o intuito de
contrastar as estruturas das duas lnguas, o portugus (lngua materna) e o espanhol (lngua
objeto), apontar, descrever e justificar os erros especficos deste corpus, precisar as estratgias
que costumam utilizar os alunos para comunicar-se na lngua estrangeira, neste caso, a
espanhola.
A escolha por um texto escrito nos aprece fundamental por algumas razes:
1. Nosso propsito analisar os erros de interlngua que cometem os alunos,
especificamente ao escrever e esta atividade baseia-se mais no contedo;
2. Ao escrever, o aluno se sente mais livre, tem mais tempo para pensar, expressar-se
e mostrar seu conhecimento na lngua meta;
3. Na escrita, pode-se saber com mais claridade o que conhece o aluno da lngua
estrangeira, como pensa nesta lngua, o que domina nesta nova lngua e que
interferncia produz.

Utilizamos a lingustica contrastiva prtica e seus trs modelos tericos: a anlise


contrastiva, a anlise de erros e a interlngua.

3 Estudo das adaptaes lxicas

Em nosso corpus encontramos um total de 130 erros. No mbito das adaptaes


lxicas consideramos os seguintes erros:

107

a) Emprstimos literais: compreende o emprego de lxicos do portugus cuja forma


no possui significado em espanhol (emprstimos literais), produzindo a transferncia de um
significante (forma) do portugus para um significado j existente em espanhol (BENEDETTI,
2001, p. 11); Em nosso estudo, analisaremos as formas contradas (preposies + artigos).
b) Emprstimos adaptados: consistem na adaptao grfica de lxicos complexos do
portugus, grias, expresses idiomticas geralmente de uso coloquial, cujo significado em
espanhol duvidoso ou no se encaixa no contexto. O sujeito traduz literalmente elemento
por elemento, desde a sua lngua materna ao idioma que est estudando (BENEDETTI, 2001,
p. 11).
Todas estas estratgias so comumente utilizadas por alunos que estudam uma lngua
estrangeira e diante de suas carncias, recorre a outras fontes para sanar essas carncias
lingusticas. Em nossa pesquisa, descreveremos os emprstimos adaptados de palavras que
so formadas a partir da mescla de prefixos e sufixos das duas lnguas em estudo e tambm do
emprego de emprstimos adaptados de expresses idiomticas que provm do portugus.
Iniciaremos as descries dos erros das adaptaes lxicas produzidas pelos
emprstimos literais, os quais correspondem transferncia lxica da lngua portuguesa usada
pelos alunos com a finalidade de transmitir uma mensagem na lngua estrangeira.

3.1 Emprstimos literais

Capuz (1998, p. 18-19) estabelece algumas definies acerca do termo emprstimo.


Uma das primeiras definies, segundo este autor, a do linguista italiano Pisani (1946), que
define emprstimo como uma forma de expresso que uma comunidade lingustica recebe de
outra. Outras definies que encontramos em Capuz a que prope Tagliavini (1973):

Entende-se por emprstimo ou voz emprestada uma palavra de uma lngua


que provm de outra lngua, distinta da que constitui a base principal do
idioma que recebe, ou que, se procede de dita lngua base, no por
transmisso regular, contnua e popular, seno por ter sido tomada
posteriormente.

Tambm encontramos em Capuz (1998) o conceito que estabelece Cannon (1992), o


qual que define o emprstimo como a transferncia de uma linguagem a outra de elementos
lingusticos (formas, sons e inclusive estruturas gramaticais), geralmente em uma forma
alterada e s vezes total ou parcialmente traduzida.

108

Os seguintes exemplos de emprstimos literais se referem aos artigos e s formas


contradas do portugus: presena das preposies por, de y en + artigos:

Escrita dos alunos

Formas corretas

Um certo dia, caminando pela playa...

por la

... como la mas bela das estrelas...

de las

... parecia uma escultura, um debujo, que


o artista...
... Trabajando todos os dias, pela por la,
manhana e pela tarde...

por la

Llegamos temprano de lo viaje

del

Nos exemplos acima vemos que os alunos escrevem literalmente as contraes, unio
das proposies e os artigos da sua lngua materna e inclusive tenta utilizar a estrutura da
lngua espanhola, a preposio separada do artigo, mas infelizmente emprega o artigo
equivocado por desconhecer o gnero da palavra viaje em espanhol.

3.2 Emprstimos adaptados

Os emprstimos adaptados, segundo Benedetti (2001, p. 20), so resultados da


adaptao grfica ao espanhol de lexias complexas do portugus, grias e expresses
idiomticas geralmente de uso coloquial, cujo significado em espanhol duvidoso. O sujeito
traduz literalmente elemento por elemento, desde a sua lngua materna ao idioma que est
aprendendo. Analisaremos cada erro produzido pelos alunos quanto aos emprstimos
adaptados,
Os seguintes exemplos de emprstimos adaptados que encontramos no corpus
mostram adaptaes, fonmicas e/ou grficas, ao sistema da lngua espanhola. Estes exemplos
mostram que o aluno utiliza a estratgia da hipergeneralizao:
a) ...un nio tocaba violn y los dems cantaban.

Em portugus, o vocbulo violo corresponde guitarra em espanhol. Geralmente,


o sufixo o do portugus equivale a n do espanhol. No exemplo, o aluno faz uma
109

adaptao lxica por desconhecer o lxico na lngua objeto, mudando o sufixo da sua lngua
materna a um correspondente lngua espanhola, utilizando a estratgia de hipergeneralizao.
b) nosotros tenemos ms de diez lbuns fuera las fotos de mis tios.

Nesta frase, o aluno emprega o lxico fuera do espanhol, como se tratasse de uma
adaptao da palavra fora do portugus, equivalente a adems em espanhol.

c) Nos exemplos abaixo, o aluno troca o sufixo da sua lngua materna a um equivalente
lngua espanhola para poder se expressar nesta lngua:

Escritura dos alunos

Formas corretas

...fue una viaj inesquecible...

inolvidable

...estaba lleno de gente, haba un calor


insuportable...

insoportable

A palavra inolvidable do espanhol equivale a inesquecvel em portugus. O aluno, por


hipergeneralizao, troca o sufixo vel do portugus por seu equivalente ble em espanhol. A
mesma estratgia utiliza o aluno no segundo exemplo, em que muda o sufixo da palavra
insuportvel do portugus por seu equivalente espanhol, -ble.

d) Nos prximos exemplos, os alunos tambm utilizam a estratgia da hipergeneralizao:

Escritura de los alumnos

Formas correctas

...que tienen la misma seguridad de los


pisos y el confuerto de una casa...

Confort

...en una tienda muy elegante en el


cientro de Madrid...

Centro

As adaptaes que sofrem os vocbulos anteriores so muito frequentes entre os


alunos luso-falantes ao tentar se expressar em espanhol, por desconhecer as lexias

110

correspondentes na lngua espanhola, principalmente nos primeiros nveis. O aluno troca o o


por ue, e o -e por ie, como se tratasse de formas ditongadas.
Nos exemplos a continuao, os alunos realizam adaptaes das lexias, utilizando
sufixos da lngua espanhola ou adaptando alguns vocbulos a outros existentes nesta lngua. A
estratgia que utiliza o aluno a derivao errnea, o uso generalizado de regras morfolgicas
da lngua meta, produzindo derivaes errneas. Esta estratgia mostra o desconhecimento e a
insegurana do aluno quanto escrita das lexias na nova lngua.
Nos exemplos a seguir, mostraremos o uso de expresses idiomticas tipicamente
brasileiras, em que os alunos tentam adapt-las, traduzindo elemento por elemento do
portugus:
e) Yo tengo certeza que un da ser una cantante de xito!
O aluno emprega a estrutura tengo certeza27 (tenho certeza, do portugus) em vez de
estoy seguro, forma usual na lngua espanhola.
f) La color eres blanca solo con alguns detalhes de otra cor para dar un diferencial28.
O emprego de para dar un diferencial, utilizado no sentido de de destacar,
diferenciar, sobresair uma cor da.
g) pero tuvo muchas cosas que llevava a la dar todo errado

O aluno emprega llevava a la dar todo errado, traduo literal da expresso


portuguesa informal dar tudo errado, para indicar que as coisas no iam sair bem, como se
esperava.
h) entonces la recepcionista dij que hiciramos otra reserva que estava sobrando dos
habitaciones

O emprego de estava sobrando, forma coloquial muito usada no Brasil para referirse a desocupadas, livres.
27
28

Esta expresso aproxima-se mais de tengo la certeza de.


Em espanhol se diz: para marcar un diferencial.

111

i) ...y el hombre del hotel dijo que mirramos derecho

O emprego de mirramos derecho, adaptao do portugus de olhssemos direito,


significando, em espanhol a mirsemos bien.
j) Al final todo qued cierto y la viaje fu muy buena.

O emprego de al final todo qued cierto, traduo literal da expresso coloquial


portuguesa a a final tudo ficou certo, que em espanhol significa al final todo qued claro/
resuelto.
l) e despues quedaron todos unidos
O aluno utiliza quedar unido, uma adaptao do portugus ficar unido, que em
espanhol significa unirse.
Como se observa neste corpus de nvel inicial grande o nmero de emprstimos
literais, porm, em nveis mis avanados, segundo Benedetti (2001, p. 12), estes emprstimos
so menos frequentes e quando ocorrem costumam ser por duas razes: a) o aluno desconhece
a correspondente formal do significado que quer emitir na lngua estrangeira; b) o aluno
simplesmente no recorda, no momento da elocuo, a forma que corresponde ao significado
que pretende enunciar.

Concluses

O estudo sobre as adaptaes lxicas produzidas por alunos brasileiros em textos


escritos pretendia, como frisamos no incio deste artigo, estudar e analisar os erros que
cometem estes alunos, contrastar as estruturas das duas lnguas em estudo, descrever e
justificar os erros especficos deste corpus e precisar as estratgias que utilizam os alunos para
se comunicar na lngua espanhola.
No que concerne aos erros no campo lxico, podemos dizer que os equvocos que
encontramos nas anlises so causados por interferncia da lngua materna. Segundo Ulsh
(1971, apud ALMEIDA FILHO, 1995, p. 14), mais de 85% do vocabulrio do portugus
112

possui cognatos em Espanhol. Obviamente, com esta cifra se supe que as semelhanas entre
as duas lnguas no campo lxico faz com que os alunos brasileiros tenham maior facilidade
em aprender espanhol, porm, possivelmente haja tambm falsas semelhanas que podem
provocar interferncias e inclusive mudana de significado na comunicao.
Em nosso corpus, os erros analisados no campo lxico-semntico, precisamente
quanto ao uso dos emprstimos literais e as adaptaes lxicas, os alunos brasileiros
empregaram um total de 114 palavras do portugus e realizaram adaptaes de algumas
palavras das duas lnguas estudadas, acrescentando sufixos e/ou prefixos. Esta estratgia
experimentada pelos alunos possui como objetivo formar palavras na lngua espanhola, na
tentativa de elaborar um texto genuinamente espanhol.
Todos os objetivos propostos tinham, como finalidade principal, conhecer as
dificuldades que experimentam os alunos. Esperamos, pois, ter contribudo na rea da
lingustica contrastiva e que a partir dos dados encontrados, os professores possam selecionar
e elaborar materiais adequados de acordo com as deficincias que possuem os alunos e que
foram detalhadas ao longo deste estudo.

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GARGALLO, Isabel Santos. Anlisis Contrastivo, Anlisis de Errores e Interlengua en el
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113

VIII

ANLISE DAS DIFICULDADES ORTOGRFICAS DE BRASILEIROS


ESTUDANTES DE ESPANHOL COMO LNGUA ESTRANGEIRA
Maria Solange de Farias

MARIA SOLANGE DE FARIAS graduada em Letras - Portugus/Espanhol e Literaturas


pela Universidade do Estado do Cear UECE (2000). Especialista em ensino de Lngua
Portuguesa pela UECE (2005). Mestra em Lingustica Aplicada pela UECE (2007).
Atualmente Doutoranda em Lngua Espanhola pela Universidade de Salamanca e Professora
Adjunta de Lngua e Literatura de Lngua espanhola do Departamento de Letras Estrangeiras
da Faculdade de Letras e Artes da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, onde
participa como membro do Grupo de Pesquisa em Lingustica e Literatura GPELL
desenvolvendo pesquisas na rea de ensino-aprendizagem de lngua espanhola.
solange_espanha@yahoo.com.br

114

Introduo

A Lingustica Aplicada uma disciplina cientfica orientada pelos conhecimentos que


oferece a lingustica terica sobre a linguagem. Seu objetivo principal a soluo dos problemas
lingusticos originrios do uso da linguagem em determinada comunidade lingustica
(GARGALLO, 2005). A Lingustica Contrastiva (LC), subdisciplina da Lingustica Aplicada,
entra neste universo com seu interesse pelos efeitos que as diferenas entre as estruturas da
lngua materna (LM) e da lngua estrangeira (LE) estudada produzem no processo de ensino
aprendizagem de LE. Seu objetivo principal estabelecer uma gramtica contrastiva onde
estejam reunidas as gramticas descritivas de duas lnguas que possibilite predizer que partes da
estrutura fontica, morfolgica ou sinttica podem representar dificuldades para os aprendizes ao
estudar uma lngua estrangeira.
De acordo com Gargallo ( 2005, p. 37), Quase todos os pesquisadores parecem estar de
acordo em utilizar o termo Lingustica Contrastiva para se referir ao tipo de pesquisa baseada na
comparao de duas ou mais lnguas, geralmente a lngua nativa do estudante e a lngua
estrangeira.
Em seu desenvolvimento, a LC sofreu reformulaes e vrios modelos de teorias
lingusticas surgiram normalmente relacionados aos erros cometidos pelos alunos no processo de
ensino e aprendizagem. A partir destes erros, muitos tericos buscaram explicaes, objetivando
entender a natureza destes. Desta forma, os pesquisadores da LC desenvolveram alguns modelos
de anlise lingustica: A Anlise de Erros (AE), A Anlise Contrastiva (AC) e a Teoria da
Interlngua (IL). Estes modelos de anlise apresentam diferenas quanto aos princpios
metodolgicos utilizados, ao corpus de dados que empregam, aos resultados e s consequncias
didticas que obtm.
O desejo de formar alunos mais proficientes, a necessidade e o desejo de conhecer mais
sobre o processo de ensino e aprendizagem de lnguas estrangeiras e o crescente interesse dos
Este um estudo descritivo, pois nele s observamos, analisamos e descrevemos um
fenmeno j existente sem fazer qualquer interveno. O corpus que serviu de base para este
estudo foi uma produo escrita dos informantes. Acompanhamos um nico grupo em trs
diferentes estgios de interlngua e analisamos um total de 42 produes. O motivo de escolher
diferentes estgios de interlngua observar a fossilizao dos erros grficos mais comuns nestes
diferentes estgios de aprendizagem.

115

Nosso trabalho est organizado em trs captulos. Nos trs primeiros expomos as
caractersticas dos trs modelos de anlise lingustica da Lingustica Contrastiva e no ltimo
analisamos e discutimos os resultados prticos da nossa pesquisa.

1 Anlise contrastiva: a aprendizagem sobre a influncia da lngua materna do aprendiz


A Anlise Contrastiva trabalha com a comparao das caractersticas de duas ou mais
lnguas estudadas. Seu objetivo mostrar as possveis interferncias na aprendizagem de uma LE
em funo do conhecimento lingustico que tem o aprendiz de sua lngua materna (DURO,
2004b).
Na AC afirma-se que um estudante de LE ter mais facilidade em aprender as formas
lingusticas que na lngua alvo so semelhantes ao de sua lngua materna; no entanto, enfrentar
grandes dificuldades na aprendizagem das formas que entre as duas lnguas no tenham nenhuma
semelhana. Diz-se que h uma transferncia positiva quando os elementos da LM ajudam de
forma positiva na aprendizagem da LE e h uma transferncia negativa/interferncia quando os
elementos tomados do sistema da LM para os da LE dificultam a aprendizagem do aluno e no o
deixa prosperar.
Do ponto de vista psicolingustico, a AC se fundamenta numa teoria que previa o
aprendizado dos comportamentos lingusticos e no lingusticos por meio de estmulos,
reforos e privaes.
Um estmulo externo provoca uma resposta externa. Se esta resposta for
reforada positivamente, a tendncia que o comportamento se mantenha.
Se for reforada negativamente, o comportamento eliminado. Se no h
reforo, o comportamento tambm tende a desaparecer (SANTOS, 2006, p.
217).

Baseado neste princpio, toda criana era uma tabula rasa, no tinha nenhum
conhecimento para contribuir com o processo; ela aprendia a partir dos estmulos que recebia
do exterior. O sucesso em sua aprendizagem dependia da quantidade e qualidade das amostras
de lnguas (input) a que estava exposto e da fora do reforo que recebia dos adultos. A
aquisio da LM, ento, realizava-se atravs da imitao das estruturas que escutavam dos
adultos e do reforo das respostas positivas; estas estruturas, quando repetidas,
transformavam-se em hbito. Seguindo o mesmo raciocnio, a aprendizagem de uma LE
consistia em criar hbitos prprios dessa nova lngua, baseados nos hbitos que o aprendiz j
possua de sua LM; consequentemente, a aprendizagem de LE, segundo essa concepo,

116

desenvolvia-se pela imitao da fala do professor, que era tomado como modelo a ser seguido.
Na sala de aula, o professor apresentava fragmentos de lngua selecionados que seriam
praticados durante um perodo intensivo pelo aluno (ESPINET, 1997). Neste processo, o
acerto trazia respostas positivas que eram reforadas e a repetio do processo formava o
hbito. Afirmava-se que um velho hbito (o da lngua nativa) facilita a formao de novos
hbitos (os da lngua meta) dependendo das semelhanas e diferenas entre os velhos hbitos
e os novos (GARGALLO, 2005, p. 35).
A Anlise Contrastiva nasceu a partir da preocupao didtica com o erro; foi
idealizada como uma corrente lingustica revolucionria porque pensavam que se estava
criando um mtodo que evitaria todos os erros cometidos pelos alunos ao estudarem uma
lngua estrangeira; bastando, para isso, conhecer, atravs da comparao do sistema das duas
lnguas, as diferenas entre a Lngua Materna do aprendiz e a LE que estava aprendendo e
posteriormente lev-las s salas de aula.
No entanto, nos anos setenta, este modelo foi criticado por muitas razes tericas,
prticas e empricas; como exemplo destas crticas pode-se citar: a) resultados muito evidentes,
b) o modelo era de difcil aplicabilidade no ensino, c) no se identificava bem as dificuldades
existentes no processo de aprendizagem; e) ausncia de uma teoria forte para se utilizar, f)
prediziam-se erros que no ocorriam na prtica e g) considerava-se a lngua materna do aprendiz
como nica fonte de erros no processo de ensino aprendizagem de uma lngua estrangeira.
Apesar das fortes crticas, no se pode negar a contribuio dada pela Anlise
Contrastiva ao ensino de lnguas estrangeiras. De acordo com Duro (2004a, p. 16) esse
modelo de anlise:
Contribuiu de forma inegvel para o desenvolvimento das pesquisas sobre os
universais da linguagem, para o estudo das variaes diacrnicas e dialetais,
para o estudo da aquisio da linguagem, bem como para o campo da
traduo, alm de propiciar uma base para o desenvolvimento de materiais
eficazes para o ensino de lnguas, motivo pelo qual reaparece, mesmo que
modificado, no modelo de Anlise de Erros e, posteriormente, no modelo de
Interlngua.

O modelo de AC se mantm vivo e em desenvolvimento s que agora com inteno


explicativa, pragmtica e textual. Ele foi a base fundamental para o aparecimento da Anlise de
Erros e dos atuais estudos da Interlngua.

2 Anlise de erros: novas perspectivas para o ensino de lnguas

117

Um dos objetivos fundamentais da AE estabelecer um inventrio dos erros mais


frequentes valorizando a importncia e a gravidade dos mesmos com o objetivo de apontar as
reas de dificuldades na aprendizagem de uma lngua estrangeira para um grupo de estudantes da
mesma lngua materna. Analisar e classificar erros uma maneira de avaliar o processo de
aprendizagem e os mtodos de ensino aplicados.
Este modelo de anlise nasceu com o objetivo de superar as deficincias do modelo de
AC. Tem como ponto de partida a publicao do artigo de Corder (1967) The significance of
learners errors (O significado dos erros dos aprendizes de lnguas). A partir deste artigo, passase a analisar a produo oral e escrita do estudante e no mais o contraste dos sistemas
lingusticos de duas ou mais lnguas.
Para Farias (2007, p. 270)

Corder foi um dos primeiros linguistas desta nova linha de investigao a


observar os erros desde uma perspectiva mais tolerante. A partir de ento, o
estudo sistemtico dos erros dos estudantes de uma lngua estrangeira tem sido o
centro de investigao deste modelo de anlise lingustica.

De acordo com Corder (1967), os estudantes cometem erros porque elaboram um


sistema que possui regras prprias, que no so iguais nem ao de sua lngua materna nem ao da
LE que est aprendendo; Corder (Ibid.) denomina este sistema de competncia transitria. Para
ele (1967), os erros so importantes no s para os professores, mas tambm para alunos e
pesquisadores; para o professor porque diz o quanto evolui o aluno na aprendizagem; para o
aluno pelo fato de que pode considerar que cometer erros uma estratgia que se utiliza para
aprender e para o pesquisador porque os erros mostram evidncias de como se aprende ou se
adquire uma lngua.
A AE no parte da comparao de duas lnguas, mas sim das produes reais dos alunos.
Segundo Fernndez (1997), para analisar estas produes, deve-se seguir alguns passos como a)
identificao dos erros no seu contexto, b) classificao, descrio e explicao dos erros,
buscando sua origem, d) se a anlise tem objetivos didticos, deve-se avaliar sua gravidade e
buscar uma possvel terapia.
Duro (2004a) afirma que a AE representa uma evoluo incontestvel que trouxe
inegveis contribuies ao ensino de lnguas; no entanto, tambm apresenta limitaes por
basear-se unicamente no estudo dos erros, sem considerar os xitos na aprendizagem. Sobre
esta crtica, lembra-se que Corder (1981) em sua reformulao da Anlise de Erros corrigiu
esta falha ao tambm considerar as instncias corretas na produo do falante no nativo.

118

Apesar das crticas, a AE tem um importante papel dentro das pesquisas referentes ao
processo de ensino e aprendizagem de lnguas, pois, ao analisar e classificar os erros se avalia
o processo e os mtodos aplicados dentro do ensino de lnguas. Atualmente, a AE tambm
vem sendo aplicada a outros mbitos das cincias da linguagem, como o ensino e
aprendizagem da LM, as patologias no desenvolvimento e uso da linguagem e na lingustica
forense (GARGALLO, 2005).

3 A teoria da interlngua

A partir da anlise das produes daqueles que estudavam uma lngua estrangeira,
descobriu-se que estas possuam caractersticas peculiares, idiossincrsicas, que no eram
encontradas nem na lngua nativa do estudante, nem na lngua estrangeira estudada; assim
sendo, descobriu-se que o aprendiz, ao tentar se comunicar em uma LE, utilizava um sistema
lingustico autnomo. Selinker (1972) props, ento, o termo interlngua para se referir a este
sistema lingustico particular do falante no nativo.
Para a definio de interlngua, Selinker (Ibib.) menciona a existncia, na mente do
aprendiz, de uma estrutura latente da linguagem que permite a aquisio da LM; junto desta
estrutura existe outra denominada estrutura psicolgica latente que se ativa no momento da
aprendizagem de uma LE.
Por este motivo, Selinker (1972), ao descrever o processo pelo qual o estudante
aprende e ao mesmo tempo tentar propor princpios para elaborar uma teoria psicolingustica
da aprendizagem de segundas lnguas, parte do pressuposto de que existe na mente do
aprendiz uma estrutura psicolgica latente que ativada quando o adulto tenta produzir ou
entender oraes na LE. Segundo ele (Ibid.), a diferena entre a estrutura psicolgica e a
estrutura latente da linguagem que a primeira no tem um programa gentico como o da
Gramtica Universal; tambm no se garante que ela v se ativar em uma determinada
lngua, j que muitos adultos no chegam a aprender uma lngua estrangeira.
As principais caractersticas da IL, para Gargallo (2005), so a sistematizao, a
permeabilidade, a variabilidade e a fossilizao. sistemtica porque nela se encontra um
conjunto de caractersticas lingusticas e sociolingusticas prprias; portanto, a IL no pode
ser considerada como uma mistura da LE com a LM, j que tem regras prprias e cada
aprendiz ou grupo de aprendizes possui um sistema especfico em determinado estgio de
aprendizagem. permevel porque permite a entrada, no seu sistema, de regras da LM e a
sobregeneralizao das regras da LE (ADJMIAN, 1982). Alguns pesquisadores afirmam que
119

a permeabilidade no uma caracterstica especfica da IL j que nela tambm se podem


encontrar caractersticas da LM. A IL varivel porque os estudantes desenvolvem, de acordo
com a aprendizagem de novos contedos, diferentes etapas de aquisio, portanto, passam por
etapas sucessivas de aproximao lngua meta e cada uma delas revela particularidades que
especificam a IL em cada momento de aprendizagem (DURO, 2004a).
Selinker (1972, p. 84-85) afirma que o fenmeno mais caracterstico da IL de
aprendizes de LE a fossilizao.

Chamamos fenmenos lingusticos fossilizveis queles itens, regras e


subsistemas lingusticos que os falantes de uma lngua materna particular
tendem a conservar na sua interlngua em relao com uma lngua objeto
dada, sem importar qual seja a idade do aluno ou quanto treino tenha
recebido na lngua objeto. importantssimo observar que as estruturas
fossilizadas tendem a permanecer como atuao potencial, ressurgindo na
produo de uma interlngua, inclusive quando j pareciam erradicadas.

A fossilizao , ento, um mecanismo inconsciente e persistente, presente na


estrutura psicolgica latente, pelo qual o falante tende a conservar itens, regras e subsistemas
lingusticos da LM na produo de segundas lnguas, mesmo aps correes, explicaes ou
qualquer outro tipo de ensino.
Selinker (1972) argumenta que a fossilizao de erros acontece: a) quando a ateno
do estudante se volta para um tema novo ou difcil; b) quando o aprendiz est ansioso ou
agitado por algum motivo; e c) quando est muito relaxado ou quando passa muito tempo sem
falar a lngua.

4 Anlise e discusso dos resultados

Esta uma pesquisa descritiva de natureza quantitativa, pois nela s observamos,


analisamos e descrevemos um fenmeno j existente sem fazer qualquer interveno, cujos
resultados so apresentados em nmeros e percentuais. O corpus que serviu de base para nosso
estudo foram 42 produes escritas de um grupo de estudantes. Os informantes tm entre 21 e 27
anos e est formado por seis mulheres e sete homens. Acompanhamos um mesmo grupo em
diferentes estgios de aprendizagem para observar os erros grficos que se fossilizam ao longo
do processo de aprendizagem. Para a anlise das produes seguimos os passos propostos por

120

Corder (1967), como a identificao do erro em seu contexto e sua classificao a partir da
tipologia de erros proposta por Fernndez (1997, p. 44-47).
Os erros grficos encontrados na produo escrita dos nossos informantes foram 308;
122 no primeiro estgio de aprendizagem (1C); 102 no segundo estgio (2 C) e 84 no
terceiro (3 C). A quantidade especfica de erros visualizada na tabela abaixo:

ERROS GRFICOS

Total

Pontuao e outros signos

1.C - 21
2.C - 3
3.C - 9

33

Acentuao grfica

1.C 54
160

2.C -

61
3.C 45
Separao e unio de palavras

1.C - 2
04
3.C -2
No houve nenhum
caso
1.C 16
34
2.C 11
3.C 7
1.C 15
37
2.C 12
3.C 10
1.C 14
39
2.C 14
3.C 11
01
2.C 1

Alterao na ordem das letras


Troca de fonemas

Omisso de letras ou letras que sobram

Troca de letras para o mesmo fonema

Uso de maisculas

308
Tabela 1 : Erros grficos
121

4.1 Pontuao e outros signos

1. Cuando llegamos la primera cosas que hicimos fue organizar los cuartos de bao las
habitaciones(, ,) (I1, 1 C)
2. Todos los das por las trs o cuatro de la tarde hbamos a una duna de arena(, ,)(I11
C)
3. eran cuando yo viajaba para la ciudad de Sousa en el estado de la Paraiba.(,) (I3 1C)
4. Pero lo que ms eran los paseos a una ciudad vecina era muy emocinante(.) (I4,1 C)
5. En diciembre de 2003 hice un viaje maravilloso (,)(I6 1 C)
6. Adems de la belleza del lugar se puede aprender mucho sobre las costumbres(,) (I6 1
C)
7. Para mi el viaje inolvidable sera...(,) (I7 1 C)
8. Un da fuimos a un cierta sierra y all (I7 1 C)
9. Toda mi famlia reunida primos, tios (:)(I8 1 C)
10. Para me alegra mi madre resolvi dejarme ir (,) (I9 1 C)
11. Mi antiguo novio, yo y dos casales amigos de l fumos a conocer (,) (I12 1 C)
12. Despus de esa viaje contino a visitar la sierra, porque es un lugar fantstico (I12, 1
C)
13. Mi mejor vacaione ocurri en julio de 2002 yo y mi familia salmos...(.) (I13, 1 C)
14. Cuando llegamos en Madri cogemos un taxi en el taxi ocurri (,)(I13, 1 C)
15. Visitamos varios museles el estadio (,) (I13, 1 C)
16. despus de mucho trabajo, estudio y crescimiento personal vienen las vacacione(,) (I14,
1 C)
17. fueron en el mar en una viaje de quince das haciendo pesquisas ambientales (,) (I14, 1
C)
18. y la diversificada vida maria que encontrbamos todos los das desde siete de la
maana hasta las ocho de la noches(,) (I14, 1 C)
19. que es bastante diferente de la capital de Cear una ciudad litoranea (,)(I5, 2 C)
20. En diciembre de 2003 yo y ms diez personas hicimos tal viaje (,) (I6, 2 C)
21. En un da especial fuimos cenar en una barraca (,) (I7, 3 C)
22. llegamos en el puerto de Mucuripe en la ciudad de Fortaleza (,)(I4, 3 C)
23. Para mi el viaje inolvidable seria con certidumbre para Espaa (,) (I4, 3 C)
24. Es sin duda un sueo que puede ser realizado(, ,) (I4, 3 C)
25. Siempre que me pregunto cul sitio debera visitar la respuesta es siempre la misma (I6,
3 C)
26. Fuimos presentados al los puntos tursticos,de la regin ( )(I8, 3 C)
27. Cuando pequea me gustaba mucho visitar (,)(I9, 3 C)
28. de las calles de mi ciudad y de la estabilidad de la tierra tuve sentimientos increbles(,)
(I14, 3 C)
29. No s lo que fue mejor si el balanzo del mar, las noches sin iluminacin(,) (I14, 3 C)
Entre os erros de pontuao, o mais comum foi a omisso da vrgula,
principalmente na separao de complementos oracionais (ex.: 1, 2, 3, 8, 12, 14, 20, 21, 22).
Estes tipos de erros no so considerados graves porque no impedem a comunicao. Eles
no so de fcil identificao, portanto, consideramos como erros somente os casos mais
evidentes.
122

4.2 Acentuao grfica

1. Fumos, rio, dias, habia, reido (I1, 1 C)


2. dias, mi, jugban, cas (I2, 2 C)
3. cmo, practicamente,de dnde (I3, 1 C)
4.tia, vivian, dia, epoca (I4, 1 C)
5. stio (I5, 1C)
6. frio, como (I6, 1 C)
7. podiamos, caminabamos, andabamos (I7, 1 C)
8. mas, hacia, teniamos, el, stio, mi, famlia (I8, 1 C)
9. divertimos, vijamos (I10, 1 C)
10. mi (I11, 1 C)
11. antguo, fumos, conocia, s, dnde, continuo ( I12, 1 C)
12. tio, fumos, jovenes, dias, despues, mas, conocmos, stios (I13, 1 C)
13. s, cincias, vrios, stios, mayoria (I14, 1 C)
14. princpio, Dis, el (I1 2 C)
15.mi, pus, autobus, conseguian, aproveche, saque, vrias (I2, 2 C)
16. Ms, tios, dnde, conoci (I3,2 C)
17. hacia, jugabamos, cruzabamos, rio, cogiamos, visitabamos, turisticos (I4, 2 C)
18. litoranea, frio ( I6 2 C)
19. quede, gusto, vrios (I7, 2 C)
20. tia, d, notcia, dia, volvi, famlia, tambien, economia (I8, 2 C)
21. pedi, cuantos, tenia, vrios, stil, estas (I9, 2 C) 22. mi (I10, 2 C) 23. mi (I11, 2 C)
24. dnde, aqul, stio, mi (I12, 2 C)
25. tio, dia, stios, s, ocurro, salmos, autobus, quedo, l, sabia, fumos,cafe, hacia(I13, 2 C)
26. l, mirmos (I14, 2 C)
27. mas, antguos, mi (I1, 3 C)
28. pus, sta, estdio, marchandome, como, f, mi (I2, 3 C)
29. mi, seria, visitaria, turisticos, arquitectonico (I4, 3 C)
30. stios, pajaros (I5, 3 C)
31. famlia, fuern, encantaria, dias, mas (I8, 3 C)
32. sla, senti, mi (I9, 3 C)
33. conoci (I10, 3 C)
34. dnde, tenia, venia, vivia, mi, preferia, stios, infncia, v (I12, 3 C)
35. tio, famlia, conocmos, s, ingls, maga, fumos (I13 3 C)
36. vivi, algun, l mar (I14, 3 C)
Os resultados mostram que as regras de acentuao so de difcil aprendizagem. Os
alunos desconhecem principalmente as regras de acentuao dos hiatos (tia, dia, hacia, tenia,
sabia, etc.), tm dificuldade em usar o acento diferencial (l pronome, el (artigo), mi
possessivo, m pronome etc.) e em muitos momentos desconhecem as regras gerais de
acentuao, pois acentuam palavras que no recebem acento ( stio, infncia, estdio, famlia,
fumos, antguos, salmos, pu, f, Dis etc); deixam de acentuar palavras que so acentuadas

123

(marchandome, turistico, autobus, pajaros, arquitetonico, caf, etc.) e em alguns momentos


confundem a slaba tnica da palavra (cas, hacia, divertimos, vijamos, stil, maga).
Est evidente que nos encontramos diante de um caso claro de fossilizao, pois os
aprendizes, ao longo do processo de aprendizagem do espanhol como LE, seguem
cometendo os mesmos erros.

4.3 Separao e unio de palavras

1. al largo ( a lo largo) ( I13, 1 C)


2. veinte y uno (veintiuno) (I14, 1 C)
3. a el mar ( al mar) (I14, 3 C)
4. en frente( enfrente) (I7, 3 C)
Houve a separao das palavras veinte y uno, en frente, a el. A separao de A el. O
nico caso de unio de palavra foi al largo, que se deu, provavelmente, por uma dificuldade
do estudante em usar o artigo neutro lo.

4.4 Troca de fonemas

1. banho (bao), llevantvamos (levantbamos) (I1, 1 C)


2. moseos (museos), anoranza (aoranza) (I4, 1 C)
3. galina (gallina), cascatas (cascadas) (I6, 1 C)
4. tudo (todo) (I7, 1 C)
5. surpresa (sorpresa) (I8, 1 C)
6. surpresa (sorpresa), gaaba (ganaba) (I9, 1 C)
7. anoranza (aoranza) (I13, 1 C)
8. dormiendo (durmiendo), mori (muri), tudo (I12, 1 C)
9. marias (marinas), deciembre (diciembre) (I14, 1 C)
10. brilhavan (brillaban), mi (me) ( I1, 2 C)
11. caminadas (caminatas), sofrimiento (sufrimiento) (I 5, 2 C)
12. ocurieron (ocurrieron) (I7, 2 C)
13. mi (me) ( I8, 2 C)
14. mi (me) (I9, 2 C)
15. pisces (peces) (I10, 2 C)
16. eligir (elegir) (I11, 2 C)
17. diero (dinero) (I1, 3 C)
18. castellos (castillos) (I2, 3 C)
19. aprobechar (provechar) (I8, 3 C)
20. pano (pao) (I9, 3 C)
21. deferentes (diferentes) (I9, 3 C)
22. Inglatera (Inglaterra), case (casi) (I13 3 C).

124

A maior parte dos erros relativos troca de fonemas, relaciona-se ao uso da . Muitos
utilizaram gaaban, marias, diero, probablemente por influncia de sua lngua materna, j
que no portugus se diz: ganhavam, marinhas e dinheiro. H tambm o uso da palavra tudo y
surpresa no lugar de todo e sorpresa.

4.5 Omisso de letras ou letras que sobram

1. passe (pas), hbamos(bamos) (I1, 1 C)


2. cuatorce (catorce) (I 3 1 C)
3.atravessa(atraviesa),
compreendian
(comprendan),
atividad(actividad),
assistamos(asitamos) (I4,1 C)
4. satisfacin (satisfaccin) (I5, 1 C)
5. comemorar (conmemorar), almuezo (almuerzo) (I1, 1 C)
6. cumpleao (cumpleaos) (I8, 1 C)
7. Madri (madrid), alberge (albergue) (I13, 1 C)
8. aquilamos (alquilamos) (I12, 1 C)
9. crescimiento (crecimiento) (I 14, 1 C)
10. viagen (viaje) (I3, 2 C)
11. picinas (piscinas), comemorar(conmemorar) (I7, 2 C)
12. comemor (conmemor), comemoramos (conmemoramos), vacacione (vacaciones) (I8,
2 C)
13. pisces (peces) (I19, 2 C)
14. comemoramos (conmemoramos), vales (valles) (I12, 2 C)
15. vacacione (vacaciones), Madri (Madrid), supermecado (supermercado), distribuicin
(distribucin) (I13, 2 C)
16. espetculo (espectculo) (I1, 3 C)
17. puentos (puntos), arquitetnico (arquitectnico), huelas (huellas), repassar (repasar) (I4 3
C)
18. almuezo(almuerzo), comemoramos (conmemoramos) (I7, 3 C)
19. nascer (nacer) ( I8, 3 C)
20. pneumtico (neumtico) (I10 3 C)
21. hostel (hotel) (I13, 3 C).
Estamos diante de uma confuso muito frequente (36 casos). A maior parte desses
erros decorre do desconhecimento que o aluno tem das regras ortogrficas do Espanhol. Nas
trs coletas, encontramos vrios erros causados pela interferncia interlingustica, ou seja,
resultante da interferncia da lngua materna do aprendiz: passe (no existe nenhuma palavra
escrita com ss em espanhol), atravessa, compreendian, atividad, assistamos, comemorar,
Madri, crescimiento, viagen, distribuicin, nascer, etc.
Em muitos momentos, o aluno mostra dificuldade na identificao dos verbos que
ditongam e muitas vezes, por hipercorreo ditongam verbos que no devem ser ditongados e
chegam a ditongar at substantivo (puento).

125

4.6 Troca de letras para o mesmo fonema

1. quando(cuando), llevantvamos (levantbamos), desayunvamos (desayunbamos),


jugvamos (jugbamos) (I1, 1 C)
2. quedava (quedaba), estvamos (estbamos) (I2, 1 C)
3. acojedor (acogedor) (I6, 1 C)
4. nuves (nubes), esquizita (exquisita) (I7, 1 C)
5. estava (estaba) (I8, 1 C)
6. bavamos (babamos) (I10, 1 C)
7. avuela(abuela), tubo (tuvo) (12, 1 C)
8. quinze (quince) (I14, 1 C)
9. hava (haba) (I1, 2 C)
10. pasageros (pasajeros), quice (quise) (I2, 2 C)
11. viagen (viaje) (I3, 2 C)
12. com (con), formavan (formaban), imprecion (impresion) (I7, 2 C)
13. estava (estaba), aprovada(aprobada), com (con) (I8, 2 C)
14. havia (haba) (I12, 2 C)
15. bajava (bajaba), estava (I13, 2 C)
16. Andaluzia (Andaluca), sobrevibientes (sobrevivientes) (I2 3 C)
17. empez (empece) (I3, 3 C)
18. com (con) (I5 3 C)
19. quatro (cuatro) (I9, 3 C)
20. quinze, paisage (paisaje), pasevamos (pasebamos), tomvamos (tombamos),
gustava(gustaba) (I12, 3 C)
21. estranjera (extranjera) (I 13, 3 C).
Como se pode observar nas frases anteriores, so muitos os casos de confuso das
consoantes b e v (levantvamos, desayunvamos, jugvamos, quedava, estvamos, estava,
bavamos, havia etc.). A grande maioria usa v no lugar de b em verbos conjugados que
requerem esta consoante em portugus. O mesmo acontece com alguns substantivos (nuves,
avuela).
Diante da dvida entre o c e o z os alunos parecem recorrer ao portugus, ainda que
esta regra no espanhol seja muito clara, pois no se usa z diante de e e de i (quinze,
andaluzia, empez). Quanto ao uso de g/j o aprendiz parece fazer uso das estratgias
interlinguais (pasagero, viagen, pasage).
Parece que estamos, mais uma vez, diante de um caso de fossilizao tanto em
relao ao uso de v/b quanto ao uso de z/c.

4.7 Uso de maisculas

1. europa (Europa) (I13, 2 C)

126

Dentre os erros encontrados, esse foi o menos significativo. Somente um erro para o
uso das maisculas, talvez porque as regras de uso de maisculas sejam praticamente iguais
em portugus e espanhol.
Aqui apresentamos erros grficos totais em valores percentuais, como tambm os
percentuais desses erros, por coleta, com o objetivo de comprovarmos como esses erros
diminuram da primeira para a terceira coleta.
Pontuao e outros
signos
Acentuao grfica

13%

0%

11%
Separao e unio de
palavras

12%

Alterao da ordem das


letras

11%

confuso de fonemas

52%

0%

Omisso de letras ou
letras que sobram

1%

Confuso de grafemas
para o mesmo fonema
Uso de maisculas

Grfico 1: Erros grficos


140
120
100
80
60
40
20
0
1a C

2a C

3a C

Grfico 2: Quantidade de erros grficos, nos trs estgios de aprendizagem

127

Percebemos uma evoluo expressiva na aprendizagem desses estudantes nas trs


coletas (122 erros, 102 erros, 84 erros, respectivamente). No entanto, surpreende-nos,
novamente, os erros da terceira coleta, pois bastante numeroso para quem est na iminncia
de terminar o curso.

Concluses

Depois da nossa anlise, conclumos que se por uma parte, a proximidade tipolgica
entre portugus e espanhol ajuda nos estgios iniciais de aprendizagem, por outra, nos
estgios mais avanados, esta proximidade funciona como um desafio a se superar, pois esta
pesquisa mostra que o aluno segue transferindo muitas estruturas de sua lngua materna
lngua estrangeira que aprende; isso provoca as fossilizaes; ou seja, quando se trata de
lnguas prximas, a LM do estudante interfere de maneira ativa na aprendizagem de uma
lngua estrangeira tambm nos estgios de interlngua mais avanados, pois o aprendiz faz
uso do conhecimento lingustico que tem de sua lngua materna para solucionar dificuldades
que encontra na aprendizagem da LE.
Dos 308 erros grficos encontrados na nossa anlise, os mais numerosos foram os de
acentuao grfica (160 erros), a troca de letras para o mesmo fonema no interior da palavra
(39) e a omisso de letras ou letras que sobram (37).
Muitos dos erros encontrados nas produes dos aprendizes fossilizam-se, como por
exemplo, muitos de acentuao grfica, uso da letra v no lugar de b e o uso de z e c.
Temos conscincia que os erros encontrados neste estudo no causam dificuldades na
comunicao, no entanto, preocupante o nmero de erros encontrados no estgio avanada
de aprendizagem. Parece-nos importante desenvolver adequadamente nos aprendizes a
capacidade de por em prtica cada uma das habilidades que compe o sistema lingustico do
espanhol, e entre elas se encontra a escrita. Uma possvel terapia para os erros grficos a
leitura de obras literrias e produes escritas que podem ocorrer atravs de atividades
motivadoras que venham a ajudar o aluno a desenvolver a competncia comunicativa do
estudante. Estamos de acordo que o texto e o discurso literrio so excelentes fontes de
materiais que proporcionam ao aprendiz, a travs da leitura, um amplo, variado e
enriquecedor input lingustico e cultural essenciais para uma aprendizagem eficiente.
Esperamos que as informaes desta pesquisa possam ajudar os professores de
espanhol a elaborar atividades especficas para estudantes brasileiros e que tambm provoque

128

uma reflexo quanto ao aparecimento do erro no processo de ensino e aprendizagem de


lnguas estrangeiras, pois como vimos, estes so elementos inevitveis que fazem parte do
processo e revelam o estgio de aprendizagem que se encontra o aluno.

Referncias bibliogrficas

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SELINKER, L. Interlengua. In: LICERAS, J. M. La adquisicin de las lenguas extranjeras.
Madrid: Visor, 1972.

129

IX

CRENAS DOS PROFESSORES DE ESPANHOL SOBRE O PAPEL DO


TEXTO LITERRIO PARA O ENSINO E APRENDIZAGEM DA
LNGUA
Ana Carla de Azevedo Silva
Renata Helvcia Lopes Costa
Regiane S. Cabral de Paiva*

ANA CARLA DE AZEVEDO SILVA especialista em Leitura e Literatura pela FAL/Natal


em 2013. Professora da rede estadual de ensino desde 2012 na disciplina de Lngua
Portuguesa. Graduanda em Letras/Espanhol pela UERN e Mestranda em Letras pelo
PROFLETRAS Mestrado Profissionalizante em Letras. Atriz com DRT n 0001691RN
desde 2013, j participou de espetculos como A Padaria (2007), Chuva de Balas no Pas de
Mossor (2009), ShakespAriano (2012), o Auto da Liberdade (2013), O Oratrio de Santa
Luzia (2014,2015) dentre outros.
angel_dylan19@hotmail.com
RENATA HELVECIA LOPES COSTA foi bolsista PIBID e Bolsista voluntria PIBIC pela
Universidade do Rio Grande do Norte (UERN). Licenciada em Letras com habilitao em
Lngua Espanhola pela UERN no ano de 2014.2.
renatahelvecia@gmail.com
REGIANE SANTOS CABRAL DE PAIVA professora de lngua e literatura hispanfonas
do curso de Letras (habilitao em lngua espanhola) na Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte (UERN). Obteve seu ttulo de graduao em Letras com habilitao em
Lngua portuguesa e espanhola pela Universidade Estadual do Cear no ano de 2000. Em
2003, concluiu o curso de especializao em Ensino de Lngua Portuguesa pela UECE, tendo
como ttulo da monografia: Abordagem funcional-discursiva do nome no ensino fundamental.
Em 2012, logrou o ttulo de Mestra em Letras pela UERN. Sua rea de concentrao de
pesquisa se concentra em Crenas e no Texto literrio como ferramenta de ensino.
Atualmente coordenada o projeto de extenso: A utilizao do Texto Literrio como material
didtico para aulas de espanhol no ensino mdio das escolas pblicas de Mossor.
* Neste trabalho, foi orientadora do projeto e do artigo.
regianeuern@yahoo.com.br

130

Consideraes iniciais
Ao estudarmos sobre o tema crenas percebemos que o ensino e a aprendizagem da
lngua (nesse caso, sem especificar nenhuma delas) est to relacionado s estruturas
gramaticais, semnticas e lxicas da lngua quanto motivao e a afetividade empregadas
nesse estudo. Aquilo que o professor acredita pode influenciar diretamente em sua maneira de
ensinar e no contedo que o aluno vai aprender, pois o crer em algo o que direciona os
pensamentos e as aes, tanto do professor quanto do aluno. Nesta pesquisa investigamos
como essas convices interferem, por exemplo, no trabalho do professor com o Texto
Literrio (TL) em aulas de lngua espanhola do ensino mdio.
Assim sendo, nossa pesquisa foi realizada, em 2013, com 5 professores de espanhol da
rede estadual de ensino da cidade de Mossor (RN) e teve como objetivo detectar e investigar
as crenas desses professores quanto ao uso do TL em aulas de espanhol do ensino mdio. A
concluso da pesquisa poder lev-los a refletir sobre o seu ensino e poder ajud-los a
aprimorar a qualidade do mesmo.
Iniciamos, ento, discutindo um pouco sobre o significado do termo Crenas para os
principais especialistas no assunto: Barcelos (2001, 2004, 2006, 2007), Almeida Filho (2008)
e lvarez (2007) dentre outros. Tambm, abordamos a natureza das crenas que de
fundamental importncia para entendermos que elas mudam de acordo com o contexto
(histrico, social); de acordo com os sujeitos envolvidos (professores, alunos) e com o tema
abordado. Depois, mencionamos os trs perodos identificados por Barcelos (2004) nos quais
se tratou o assunto sobre crenas traando um pequeno panorama histrico sobre as
pesquisas nessa rea.
No segundo momento, refletimos sobre a importncia do material literrio em sala de
aula, para o ensino e aprendizagem de lngua estrangeira, apresentando-o como um material
didtico e autntico, j que ele abarca no s componentes lingusticos, como tambm
histricos, sociais e culturais. A partir dos documentos legais, evidenciamos sua funo
legitimada pela escola, porm no to esclarecida para o docente. Finalmente, apresentamos o
resultado e a anlise dos dados coletados a partir dos questionrios aplicados com os
professores de espanhol do ensino mdio da rede pblica de Mossor.

1. E por que no falar de crenas?

131

Quando pensamos no termo crenas de forma isolada, sem fazer correlao com o
tema aprendizagem e ensino de lnguas, talvez suscite em ns uma expectativa outra, de
imediato, que faa aluso somente a um aspecto religioso. Segundo o dicionrio Aulete
Digital29, o termo se configura em 4 acepes a saber: Ao ou resultado de crer (com ou sem
razes, motivos, confirmao objetiva etc.); f religiosa; aquilo que uma pessoa ou grupo
considera como verdadeiro; profunda e ntima convico; certeza; confiana. Essa mesma
palavra, segundo o prof. Dr. Luiz Machado (2012)30 tem sua origem no lxico credentia do
latim, do verbo credere crer, que significa aderir pela f, ter a firme convico, no ter a
menor sombra de dvida. A crena indica a persuaso que se tem da verdade de algo. Como
tambm significa uma manifestao pela f e esse ltimo est intrinsecamente relacionado
religio, nada mais natural do que associarmos nica e exclusivamente uma expresso outra.
De acordo com Doron e Parot (1998 apud SILVA, 2007, p.237) a crena pode
apresentar-se como uma opinio [...] como uma crena propriamente dita [...] ou como um
saber. Podemos ver crenas como um pensamento, uma opinio, uma convico sobre algo;
outro fator que se deve levar em conta, se de fato tem-se conscincia ou no dela, pois as
crenas podem surgir inconscientemente em cada pessoa, deixando transparecer em
determinados comportamentos e mudados de acordo com a relao social.
Segundo Pajares, (1992 apud BARCELOS, 2001) crenas so um conceito complexo.
Parte dessa complexidade deve-se existncia de diferentes termos usados para se referir s
crenas. Almeida Filho (2008, p.13) postula que crena ou:

[...] abordagem (ou cultura) de aprender caracterizada pelas maneiras de


estudar, de se preparar para o uso real da lngua-alvo que o aluno tem como
normais. [...] Essas culturas (abordagens) de aprender evoluem no tempo
em forma de tradies. Uma tradio informa normalmente de maneira
naturalizada, subconsciente e implcita, as maneiras pelas quais uma nova
lngua deve ser aprendida.

Parafraseando Barcelos (1995, p. 42) a cultura de aprender seria uma reunio de


saberes subtendidos ou no, que os aprendizes j tm de vivncias anteriores com pessoas e
leituras de seu meio, definidos como crenas, mitos, pressupostos culturais e ideais sobre
29

AULETE Digital. Dicionrio Contemporneo da Lngua Portuguesa. Verso digital. So Paulo (SP), Brasil:
Lexicon, 2008.
30
MACHADO,
Luiz.
Emotologia,
Crena
e
F.
2012.
Disponvel
em:
<http://www.cidadedocerebro.com.br/artigo/0000112/Emotologia-Cren%C3%A7a-e-F%C3%A9>. Acesso em
06 de agosto de 2013.

132

como aprender lnguas. Todo esse conjunto de saberes deve estar de acordo com a idade,
com o nvel social, econmico e intelectual desse aprendiz. Ainda segundo Barcelos (1995,
p.38) diversos autores utilizam variados termos para esclarecer essa cultura de aprender,
Wenden (1986) chama de crenas e abordagens de aprender lnguas dos
alunos; Rivers(1987), de maneiras de aprender culturalmente bsonas;
Richards (1990), de abordagens de aprender; Almeida Filho usa tecnologia
informal de aprender (1988), abordagens de aprender e cultura de aprender
lnguas (1993) e Erickson (1984) utiliza cultura do aluno.

Percebemos, ento, que a definio de crenas (cultura de aprender e/ou ensinar)


algo que varia de acordo com as circunstncias e eventos que envolvem o aprendiz de lngua
estrangeira. Esses eventos alteram, acrescentam, modificam o sistema de pressupostos
inconscientes manipulados por esse aprendiz em busca de um melhor desempenho em todo o
processo de ensino aprendizagem.

1.1

Natureza das Crenas


De 1995 pra c, o termo tem passado por vrias transformaes e adaptaes. Um

ponto que merece destaque o que explicita a natureza das crenas. A partir disso, tivemos
uma preocupao em saber como essa natureza disposta. Barcelos e Kalaja (2003 apud
BARCELOS, 2006) reforam as crenas como sendo dinmicas, emergentes, experienciais,
mediadas, paradoxais e contraditrias, as relacionadas ao de maneira indireta e complexa
e as no to facilmente distintas do conhecimento.
Enquanto natureza dinmica, as crenas mudam com o tempo, ou seja, elas no so
geradas imediatamente. Inclusive, Barcelos (2006, p. 19), por meio de leituras de Dufva,
corrobora que crenas so sempre ancoradas a algo incidentes do passado, pessoas que
foram significativas, assuntos que lemos ou ouvimos na mdia ou opinies de nossos
professores na escola. As crenas emergentes so construdas a partir de experincias que se
desenvolvem no contexto e relao social. Barcelos (2006, p. 19) diz que: [...] crenas no
esto dentro de nossas mentes como uma estrutura mental pronta e fixa, mas mudam e se
desenvolvem medida que interagimos e modificamos nossas experincias e somos, ao
mesmo tempo modificados por elas [...].
No caso das crenas experienciais, se desenvolvem a partir de relaes entre pessoa e
ambiente; Kalaja e Barcelos (2000 apud BARCELOS, 2006, p.19) afirmam que as crenas
dos aprendizes so parte das construes e reconstrues de suas experincias. No caso das

133

crenas mediadas, so vistas como ferramentas para regular a aprendizagem e solucionar


alguns problemas; as paradoxais e contraditrias salientam que crenas est relacionada
questo social e tambm individual; as relacionadas a ao de maneira indireta e complexa
no essencialmente influenciam aes; e por ltimo, as no to facilmente distintas do
conhecimento, que, segundo Woods (2003 apud BARCELOS, 2006, p. 20) crenas no se
separam facilmente de outros aspectos como conhecimento, motivao e estratgias de
aprendizagem, ou seja, se existir um tipo de crena, essa pode influenciar na aquisio do
conhecimento, na motivao a ser utilizada e nos mtodos a serem usados para uma boa
aprendizagem.

1.2

Perodos de desenvolvimento e pesquisas sobre crenas


"O homem no cr no que , cr no que ele deseja que seja.
Anatole France

O termo Crenas j completa mais de trs dcadas de estudos e investigaes dentro


e fora do contexto brasileiro, inserido em (LA) ou em disciplinas como antropologia,
sociologia, psicologia, educao. Os estudos nessa rea, inicialmente, partiram da perspectiva
do aprendiz, das suposies, opinies, conjunto de representaes expectativas que os alunos
nutriam sobre o ensino e aprendizagem de lnguas. Barcelos (2004) distingue trs perodos
(primeiro, segundo e terceiro momentos) traando um pequeno panorama histrico sobre as
pesquisas nessa rea. Vejamos o perfil do 1 momento.
De acordo com Silva (2007, p. 238) Hosenfeld, foi um dos precursores no estudo
sobre crenas na aprendizagem utilizando o termo mini-theories (mini teorias) para conceituar
o conhecimento que o aprendiz j traz para um determinado contexto. Iniciou as pesquisas no
tema em 1978 em seu artigo Students mini-theories of second language. Nesse primeiro
momento, as crenas so caracterizadas como afirmaes abstratas, convices inerentes a um
processo individual/social do aprendiz. Apesar de o foco ser as perspectivas dos aprendizes,
os mesmos so criticados por possurem determinadas crenas (BARCELOS, 2004, p. 134)
Num segundo momento, as crenas j so vistas como um conhecimento estratgico,
como parte ativa na mente dos alunos, que aporta um conhecimento metacognitivo mais
estvel e abstrato. Apesar disso, so embutidas em um modelo pr-definido do que
representaria uma estratgia positiva e/ou negativa. Como aponta Barcelos (2004, p. 136) o
aprendiz tambm construdo ideologicamente, moldado atravs de uma sugesto implcita
de que eles deveriam adotar crenas mais saudveis, mais produtivas, pois [...] crenas
errneas levam a estratgias ineficazes. Um terceiro momento vem aliar os pressupostos s
134

prticas, a crena ao contexto, o abstrato e ao. As metodologias so diversas e as


pesquisas feitas de modo mais abrangente considerando as experincias do interlocutor e o
meio em que tudo acontece.
Vrias so as pesquisas que se tm desenvolvido at hoje. Inmeras dissertaes,
ensaios, palestras, livros etc. No exterior, nomes como Woods, Pajares, Ellis e no Brasil,
Leffa, Barcelos e Almeida Filho encabeam a ao. Silva (2007, p. 239) comenta que s no
Congresso da Associao Brasileira de Lingustica Aplicada de 1998 que so encontradas as
primeiras referncias a estudos a respeito de crenas de professores de lnguas. Antes disso,
em 1991, Leffa publicava o primeiro livro a respeito de crenas que utilizou o termo
concepes para identificar que os alunos possuam crenas em relao aprendizagem de
lnguas. Na poca dos estudos iniciais no Brasil sobre as crenas, eram dados nomes como
mitos, representaes ou concepes aos trabalhos ou pesquisas feitas.
Sobre o estudo de crenas relativos ao ensino de lngua espanhola, podemos
mencionar a pesquisa de Marques (2001) que fez um estudo associado a crenas de
professores de espanhol, que tem como foco a influncia das crenas na abordagem de ensinar
de duas professoras de espanhol; Nonemacher (2002), em que ela procurou detectar as
crenas, as suas origens e a relao com a prtica de professoras que estavam em formao;
Alvarez (2007) realizou uma pesquisa na Universidade pblica do Distrito Federal com
alunos de Letras/espanhol de diferentes nveis, para detectar crenas, pensamentos,
convices, expectativas e motivaes dos alunos referentes sua formao superior. Silva
(2011) em sua pesquisa (dissertao de mestrado) investigou as crenas e prticas de
professores egressos da Universidade Estadual do Cear (UECE) no ensino mdio de escolas
pblicas de Fortaleza, com relao ao uso do Texto Literrio(TL) como ferramenta de ensino
do Espanhol como lngua estrangeira. Cabral de Paiva (2012) por meio de uma pesquisa
qualitativa-descritiva investigou os Programas de Disciplinas (PGD) de Metodologia I e II do
curso de Espanhol da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) para saber
qual o espao do TL nestas disciplinas de formao em Letras- espanhol.
Ainda na rea de lngua espanhola vrios artigos tm sido publicados com relao
aos estudos das crenas, logo, percebemos que o campo vasto, recente e de suma
importncia para uma melhor compreenso do processo de ensino aprendizagem em Lngua
Estrangeira (no caso, o espanhol).

2. A importncia da literatura e do TL em sala de aula

135

Toda obra literria antes de mais nada uma espcie de objeto, de


objeto construdo; e grande o poder humanizador desta construo, enquanto construo.
Antnio Candido31

A Literatura, em qualquer tempo e em qualquer sociedade, um bem to


imprescindvel quanto comida, quanto o ar, quanto gua. Comparado com a comida,
porque alimenta a alma, elucida o esprito, sossega o paladar. Quanto ao ar, no sentido de
troca, da informao que vai e que volta num processo de (re) absoro daquilo que
realmente importante pra ns enquanto conjunto de dados distribudos no Universo e, por fim,
quanto gua, como componente que preenche mais de 75% do nosso organismo e no qual
somos gestados, necessitamos ser ressignificados atravs desse bem chamado Literatura.
um instrumento de construo humanstica, como enuncia na epgafre e merece, inclusive,
lugar de destaque na sala de aula. Antnio Cndido em seu ensaio O direito literatura
(1998, p. 175) afirma que:

[...] cada sociedade cria as suas manifestaes ficcionais, poticas e


dramticas de acordo com os seus impulsos, as suas crenas, os seus
sentimentos, as suas normas, a fim de fortalecer em cada um a presena e
atuao deles. Por isso que nas nossas sociedades a literatura tem sido um
instrumento poderoso de instruo e educao entrando nos currculos,
sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo.

Tomando como ponto de partida essas manifestaes ficcionais, poticas e dramticas,


precisamos lembrar que elas se materializam por meio do gnero literrio. Neste sentido o
termo gnero literrio significa classificar textos em categorias de acordo com suas qualidades
formais, assim, podemos dizer que um texto pertence a determinado gnero quando apresenta
caractersticas comuns quele gnero. Os textos literrios fazem parte da literatura possuindo
caractersticas especiais, pois so considerados como obras de arte.
Assim sendo, concebemos o TL como um dos materiais mais eficientes no que diz
respeito apreenso de componentes tanto lingusticos como culturais e vem passando por
um momento de redefinio quanto a sua forma de uso em sala de aula. Novos aportes e
novas metodologias vm sendo empregadas para que o TL atue como elemento
ressignificador do processo de ensino-aprendizagem, agindo como um catalisador atravs do
qual alunos e professores alteram de maneira efetiva seus contextos. Segundo Mendoza
(2007, p. 56-57):

31

Direito Literatura in Vrios Escritos.(1998, p. 177)

136

el texto literario, como recurso y material didctico, activa un doble tipo de


interaccin formativa: la interaccin propia de la lectura y la interaccin que
conduce al aprendizaje que resulta de la cooperacin/interaccin entre los
conocimientos previos del aprendiz-lector y los referentes del texto.

Por ser um documento autntico e multimodal, o texto literrio reproduz


particularidades pragmtico-culturais bem como elementos intrinsecamente relacionados
comunicao, j que individual, mas tambm social, j que discursivo, mas tambm
potico, o indivduo age sobre ele e esses inmeros elementos discursivos so refletidos no
indivduo. um material que coloca o aprendiz diretamente em contato com sua prpria
histria, com sua prpria cultura, com seu prprio eu, j que tambm o retrata dentro de um
contexto bem maior, partilhado entre todos os membros que compem a sua comunidade, e
alm, que compartem o mundo.

2.1 O texto literrio e suas implicaes para o ensino de lnguas

O texto literrio enquanto ferramenta autntica para o ensino de lnguas na sala de


aula vem afirmar sua importncia frente ao sistema educacional que o legitima. Alguns
documentos legais validam a importncia desse material literrio (entendemos aqui gnero
literrio como material literrio) em sala de aula. Os Parmetros Curriculares Nacionais do
Ensino Mdio (2000, p.8), por exemplo, enunciam que o estudo dos gneros discursivos e
dos modos como se articulam proporciona uma viso ampla das possibilidades de uso da
linguagem, incluindo-se a o texto literrio. Esse uso da linguagem a partir do TL est
relacionado tanto lngua materna quanto lngua estrangeira e no teria apenas uma
inteno puramente lingustica, mas tambm social. Sobre isso Cabral de Paiva (2012, p.55)
ainda elucida que os PCNEM propem que o ensino de LE esteja voltado para o
desenvolvimento de uma competncia lingustica capaz de contribuir para a formao do aluno
enquanto cidado. Outro documento que valida esse pensamento so as Orientaes
Curriculares para o Ensino Mdio, 2008 afirmando que a escolha dos textos de leitura deve, por
exemplo, partir de temas de interesse dos alunos e que possibilitem reexo sobre sua sociedade e
ampliao da viso de mundo, conforme a proposta educativa focalizada neste documento.
(OCEM, 2008, p. 114).

Apesar disso, percebemos, a partir das nossas observaes e da prpria experincia em


sala de aula, que o ensino do componente literrio ainda trabalhado com certa dificuldade na
escola. Mesmo sabendo que a literatura de suma importncia no s para o desenvolvimento

137

cognitivo e intelectual do ser, como tambm componente de transformao humana, ainda


perdura no professor um medo in (consciente) de abordar esse tipo de material em sala de
aula. Acreditamos que o contato do aluno, desde cedo, com o material literrio lhe
possibilitar um melhor entendimento do mundo que o cerca e do seu prprio ser como
instrumento de mudana.
Ao nosso ver, a importncia do TL em sala de aula vai alm das prticas discursivas
e lingusticas. Ao utilizar esse material em sala, o professor acaba proporcionando ao aluno o
contato com sua prpria histria desenhada em histrias de outros, reais ou imaginrias,
fazendo-o parte de um todo. A isso, podemos acrescentar o que dizem os Parmetros
Curriculares Nacionais do Ensino Mdio (2000, p.25): as Lnguas Estrangeiras Modernas
assumem a condio de serem parte indissolvel do conjunto de conhecimentos essenciais
que permitem ao estudante aproximar-se de vrias culturas e, consequentemente, propiciam
sua integrao no mundo globalizado.
O professor de lnguas estrangeiras tem uma misso nada fcil no ensino dos
componentes lingusticos e tambm culturais, pois a ele cabe desmistificar o entendimento
simplista de material literrio como aporte nico e exclusivo de estruturas gramaticais ou
exerccios de traduo. De acordo com Crcamo (2007, p.29) uno de los objetivos de la
utilizacin del texto literario es ampliar el mundo real y limitado que los rodea [se refiere al
mundo de alumno].
Para Mendoza (2007) o texto literrio abarca varias funes, desde um material real,
didtico e autntico32 para o ensino de uma LE em sala de aula, at um componente central e
expoente lingustico de determinadas sequencias do contexto curricular. Como fonte de
inmeros inputs, esse material seria um recurso motivador do fenmeno da variedade
lingustica e um expoente cultural. O trabalho com o TL em lngua estrangeira sugere tantas
possibilidades quanto maior for o interesse e a criatividade do professor em proporcionar aos
seus alunos campos de descobrimento pessoal e interacional. Atravs desse material temos
um aperfeioamento da associao cognitiva e uma manuteno programada do continuo
lingustico do aprendiz imprescindveis para o manejo das prticas comunicativas.
Consideramos que aquele aluno que est permanentemente em contato com o material
literrio matiza sua prpria vivncia em comunidade, ou seja, permite que sua interao
verbal delimite at onde pode ir sua competncia comunicativa e vice-versa.
32

Entende-se material autntico o texto que por encima de sus rasgos estilsticos, asuma perspectivas y
posibilidades de formacin tanto de valor cultural, como de orden pragmtico y sociolingstico. (MENDOZA,
2007, p.67 e 68)

138

Desta forma, o professor que utiliza o material literrio em sala de aula contribui para
que o aluno se torne um ser autnomo, autntico, crtico e responsvel por todo o contedo
comunicativo que lhe chega ou que dele parte, e que constri os intricados lingusticos
necessrios a sua insero em sociedade.

3. E quais crenas permeiam a ao do professor de espanhol do ensino mdio quanto ao


papel do TL em sala de aula?

3.1 Procedimentos metodolgicos da pesquisa

A partir do objetivo da nossa pesquisa, que detectar e investigar as crenas de


professores de espanhol como lngua estrangeira quanto ao uso do TL em aulas de espanhol
do ensino mdio, nosso trabalho se adqua ao perfil da pesquisa quali-quantitativa, ou seja,
envolve ambos os aspectos, mas d nfase aos qualitativos.
Para a consecuo deste trabalho, tomamos como contexto da pesquisa 4 escolas
estaduais de ensino mdio do municpio de Mossor/RN, dentre as 31 que oferecem esse
ensino. Vale ressaltar que somente as escolas de nvel mdio oferecem o ensino de lngua
espanhola, mas at 2013 atendiam somente as duas primeiras sries, a 1 e a 2, deixando a
ltima srie, a 3, excluda da aprendizagem dessa lngua.
Os participantes da pesquisa foram os 5 professores de espanhol do ensino mdio
dessas escolas com tempo de docncia da disciplina entre 2 e 6 anos. Os docentes
investigados so nomeados por P1, P2, P3, P4 e P5, respectivamente: professor 1, professor 2,
professor 3, professor 4 e professor 5. O instrumento de investigao utilizado foi o
questionrio do tipo fechado, com 17 questes previamente formuladas pelas pesquisadoras,
para que os participantes tivessem a oportunidade de expressar suas ideias e crenas
(inconscientemente).

3.2. Anlise dos dados

Neste momento trazemos todas as questes exploradas nos questionrios, bem como
nossas consideraes e anlises sobre os resultados observados, por meio das respostas dos
sujeitos investigados, que so identificadas como (R). Ressaltamos que as questes do conta
de investigar tambm a formao desse professor, sobre os manuais didticos utilizados, o
aprecio dado s questes de gramtica, lxico, leitura no ensino do espanhol durante suas

139

aulas, para ento adentrarmos especificamente do nosso foco que o TL a partir da questo
10.

1. Qual a sua formao superior? Qual a instituio em que se graduou?


R- Dois (2) so formados em letras/espanhol; dois (2) em letras/portugus e um (1) tem um
curso de idiomas:
2- Tem se dedicado formao continuada destinada ao ensino de lngua espanhola? Se
sim, especifique.
R - Dois (2) tm especializao em lnguas estrangeiras; um (1) est fazendo curso de
capacitao; dois (2) participaram da capacitao promovida pela SEEC;

3- H quanto tempo ministra aulas de lngua espanhola?


R - Os professores tm entre dois (2) e seis (6) anos ministrando aulas de lngua espanhola.

4- Qual a carga horria (definir por minutos) semanal destinada a esta disciplina por
turma?
R - As aulas so de 50min para turmas em turno diurno; de 35 a 40 min. para o turno noturno
no ensino mdio regular. No que diz respeito ao ensino inovador33, temos 100 min. semanais.

5- Em quantas turmas e em quantas escolas ministra aulas de lngua espanhola?


R - Cada professor tem entre trs (3) e vinte e duas (22) turmas: dois (2) com vinte e duas
(22) turmas entre trs (3) e quatro (4) escolas; dois (2) com trs (3) e quatro (4) turmas
distribudas em uma nica escola.

6- Que manual didtico adotado para esta disciplina? O professor participa desta
escolha? Como? No caso de utilizar material complementar, especifique.
R Todos os professores adotam o livro didtico: trs (3) deles adotam o Sntesis e dois (2), o
Enlaces. Dos professores participantes, apenas um (1) no mencionou se participa ou no da

33

Nas escolas pblicas, o ensino da lngua espanhola acontece unicamente no Ensino Mdio, com apenas 1 aula
por semana (que resulta, em efetivo, menos de 40 minutos h/a por semana). Isso no Ensino Mdio Regular, pois
nas escolas que adotam o Ensino Mdio Inovador, implantado em 10 escolas estaduais de Mossor, o ensino
da lngua espanhola dividido em mdulos de 6 meses cada, por exemplo: a turma 1 A estuda a referida lngua
no 1 semestre. No 2 semestre a vez do 1 B.

140

escolha do livro. Em relao ao uso de material complementar, dois (2) responderam que
utilizam o livro Enlaces, tambm textos e materiais da internet.

7- Nas aulas de lngua espanhola h espaos dedicados ao ensino de gramtica, de


leitura e de lxico? Como cada uma dessas questes so trabalhadas,
individualmente ou em conjunto?
R Dos cinco (5) professores, trs (3) trabalham com os 3 mbitos, mas no mencionaram se
era de forma individual ou em grupo; um (1) trabalha os trs aspectos tanto de forma
individual como em grupo e (1) uma especifica que trabalha os trs aspectos de forma
integrada.

8- A escola oferece recursos, alm dos didticos, para as aulas de lngua espanhola?
Quais?
R - Dos cinco (5) professores, quatro (4) responderam que sim, que a escola oferece outros
recursos e um (1) respondeu que a escola no oferece.

9 - Voc considera o Texto Literrio (TL) como um tipo de material didtico? Justifique.
R - Os professores P1, P3, P4 e P5 consideram o TL como um tipo de material didtico. P1
respondeu que se pode trabalhar o TL como material paradidtico, aproveitando os textos
presentes no livro didtico e tornando a aula mais prazerosa. P2 no respondeu, porm
afirmou que com os textos literrios se pode trabalhar aspectos culturais dos latinos atravs
dos vrios gneros literrios, como poesia, crnica e etc. P3 disse que uma excelente forma
de explorar a lngua, a cultura. J P4, no justifica o porqu de o texto literrio ser
considerado um material didtico, s menciona que bom e que os textos so do gosto dos
alunos. Por fim, P5 afirma que sim, que a partir do texto h sempre a possibilidade de o aluno
desenvolver suas habilidades de leitura e escrita.
Constatamos assim, que duas professoras consideram o TL como material didtico por
se aproximar dos aspectos culturais da lngua, dois o considera por desenvolver habilidades de
leitura e escrita e a outra por fazer da aula um espao mais prazeroso. No entanto, notamos em
Mendoza (2007) que o TL enquanto material didtico se aproxima no s dos aspectos
culturais da lngua como tambm reflete aspectos pragmticos culturais dos atos de fala e
peculiaridades poticas. MENDOZA (2007) complementa dizendo que o texto literrio como
recurso e material didtico ativa tanto o processo de interao prprio da leitura quanto da
cooperao/interao entre os conhecimentos prvios do leitor-aprendiz estimulando
141

competncias e habilidades lingusticas. Posto isso, notamos que a maioria dos professores
ainda no tm uma noo da dimenso que o TL ocupa enquanto material didtico, pois o
condicionam em apenas uma categoria de aprendizagem: para adquirir aspectos culturais ou
como mecanismo para explorar a leitura ou a escrita.
10 - Voc acredita que importante o uso do TL nas aulas de Espanhol como Lngua
Estrangeira (E/LE)? Por qu?
R - Os 5 professores investigados responderam que consideram importante o uso do TL nas
aulas de Espanhol. P1 e P2 justificaram que, por meio do TL, trabalham com aspectos
culturais da lngua e do aos alunos a oportunidade de outras leituras. P3 acredita ser
importante o uso do TL em sala, alm de acreditar tambm na modificao do universo que
rodeia o aluno, ou seja, a partir do TL o aluno pode encontrar uma sada para desfazer a
imagem de uma sociedade carente de cultura e que, a partir deste, se pode trabalhar tambm
os aspectos orais, escritos e auditivos, contextualizando com a vivncia dos alunos. P4 e P5
respondem que o uso do TL importante nas aulas de E/LE, porm no justificam, apenas
mencionam que a resposta est na questo anterior, ou seja, sua importncia incide sobre os
aspectos de leitura e escrita.
Dois consideram ser importante o uso do TL como meio de aquisio de
conhecimentos culturais; um deles menciona que o trabalho com o TL contribui para o
desenvolvimento das habilidades (oral, auditiva, escrita), e outros dois, apesar de terem
contemplado essa resposta na questo anterior, relacionam sua importncia aos aspectos
inerentes leitura e escrita em lngua espanhola. Conforme vimos em Mendoza (2007), os
textos literrios so materiais muito ricos, pois no se limitam a aspectos estruturais da lngua
e ainda difundem a cultura de um povo. Alm disso, atravs dos textos literrios, que o
aprendiz de LE se enfrenta, sempre mediante a leitura, a uma complexa atividade cognitiva de
construo de significados e de atribuio de interpretaes. (MENDOZA, 2002, p.121)
11 - Voc consideraria o TL como um material autntico (um documento real para
atividade de aula)? Por qu?
R - A professora P1 no considera o TL como material autntico referindo-se aos textos
encontrados no livro didtico, que muitas vezes, so adaptados. P2 respondeu que em alguns
casos encontra textos literrios autnticos como uma poesia ou letra de msica. P3 menciona
no ter a certeza em considerar o TL como material autntico, mas diz que por meio dele
capaz de inserir o aluno na cultura do outro. P4 respondeu que sim, mas mostrou no saber o

142

que seria um material autntico. E P5 relacionou o texto literrio, enquanto material autntico
aquisio do conhecimento.
Diante dessas respostas notamos que os professores investigados no se sentem
seguros ao afirmar se o TL um material autntico. No entanto, quando lemos Mendoza
(2007) entendemos que o texto literrio um documento real em si mesmo, sendo trabalhado
e adaptado segundo as perspectivas e objetivos concretos de aprendizagem dos agentes
envolvidos (aluno e professor). Esses mesmos objetivos aportam distintos tipos de input
lingusticos to vlidos quanto aqueles encontrados nos textos periodsticos e anncios
comerciais que circulam cotidianamente. (MENDOZA, 2007, p. 62 )

12 - Alguma vez j trabalhou com o TL nas aulas de E/LE? O que o motivou? Que
gneros literrios foram utilizados? Como foram abordados (descreva o passo a passo de
uma das atividades desenvolvidas a partir do TL)? De onde foram retirados estes
textos?
R- A professora P1 nunca trabalhou com o texto literrio em sala de aula, no respondendo,
portanto, os demais questionamentos. J as professoras P2, P3 e P4 j desenvolveram algum
trabalho com o TL em aulas de E/LE. Apenas a professora P4 respondeu que o que a motiva
a leitura compartilhada ao trabalhar o TL em sala.

Os gneros mais utilizados pelas

professoras de P2, P3 e P4 foram o conto, a crnica e a poesia, e uma delas considerou a


entrevista como sendo um TL e P5 considerou a histria em quadrinho como sendo um TL.
Sobre como foi trabalhado o TL em sala, a P2 respondeu que utilizou uma poesia que foi lida
em conjunto, depois ouvida em uma verso musicada e lida de forma sequenciada. Aps isso,
foi feita uma atividade sobre esse texto. A P3 utilizou um poema que les queda a los
jvenes?, por ser considerado um texto curto, e trabalhou a interpretao, instigando os
alunos a falarem a partir de debate sobre o tema. Outra atividade foi passada para casa em que
os alunos deveriam trazer um poema para ser debatido em sala. A inteno da professora P3
trabalhar o conhecimento crtico, cultural e lingustico do aluno sem utilizar uma motivao
que contextualize esse alunado.
Neste sentido, a maioria, 3 de 4 professores, j trabalhou com o TL em sala, mas
nenhum especifica a motivao, apesar de um dos investigados mencionar que a leitura
compartilhada seria uma espcie de motivao. Dos gneros literrios mencionados como TL
usados em sala, o trabalho com a poesia predominante e constatou-se o uso dos contos e das
crnicas. Percebemos, por meio de trs respostas, que o trabalho com o TL est voltado para o
trato da leitura e como input para a expresso oral. Por fim, notamos que no h uma
143

preocupao em fazer uma pr-leitura ou explorar o conhecimento de mundo do aluno antes


de propor o trabalho com o TL. De acordo com Freire (2008, p.20) a compreenso do texto a
ser alcanada por sua leitura crtica implica a percepo das relaes entre o texto e o
contexto. Esse mesmo autor complementa seu pensamento dizendo que uma compreenso
crtica do ato de ler que no se esgota na decodificao pura da palavra escrita ou da
linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligncia do mundo Corroborando
com essa perspectiva, Cosson (2009, p. 27) afirma que ler implica troca de sentidos no s
entre o escritor e o leitor, mas tambm com a sociedade onde ambos esto localizados, pois os
sentidos so resultado de compartilhamento de vises do mundo entre os homens no tempo e
no espao. Por essa razo, pensamos que o trabalho com o texto literrio d ao aluno
possibilidades de recriar, de reinventar as percepes do mundo real quando agrega valores
indispensveis ao desenvolvimento intelectual, cognitivo, social do aluno levando em
considerao seu horizonte de expectativas construdo no mago de suas prprias vivncias.
Elucidamos ainda, por meio das respostas dos prprios professores que, alguns deles
desconhecem os gneros literrios, pois consideraram letra de msica, entrevista e histria em
quadrinho como sendo um TL. Como j vimos no cap. 2, em temos gerais, os gneros
literrios so apenas: o narrativo ou pico, lrico e dramtico.

13 - Se emprega o TL nas aulas, com que frequncia o faz (uma vez por ms, quase sempre, s
vezes, nunca)?

Quando o utiliza, o faz por qu? (indicao do material didtico, exigncia da

escola; segundo sua preferncia).

R- Trs dos professores investigados no empregam com tanta frequncia o texto literrio
nas aulas de E/LE. A professora P1 o faz por indicao do manual didtico, no entanto,
notamos uma contradio desta sua resposta com a anterior, onde afirma nunca empregar TL
em sala. Podemos dizer, ento, que P1 no reconhece um TL? A P2 no responde a questo,
menciona apenas que retira o texto de algum livro. A P3 utiliza de acordo com sua
preferncia, pois o TL raro no livro didtico e a escola no faz nenhuma exigncia. A P4
respondeu que sempre utiliza o TL fazendo-o para sair um pouco do livro didtico e
proporcionar outras leituras para o aluno. J P5, afirma que o emprega uma vez por bimestre.
Desta forma, notamos que duas das professoras empregam o TL de acordo com sua
preferncia, uma por indicao do manual didtico, outro emprega uma vez por bimestre, mas
no menciona a motivao. Assim sendo, percebemos que no h um espao efetivo dedicado
ao trabalho com o TL em sala de aula, de certa maneira, h um descaso com esse tipo de

144

texto. No fosse pela sua presena espordica no manual didtico, possivelmente, no haveria
a possibilidade de pensar nesse tipo de texto enquanto instrumento de ensino aprendizagem.
Temos, ento, enquanto professores, que pensar no TL como ferramenta
emancipatria, pois o texto literrio forma parte de uma categoria de tipologia e muitas vezes
utiliza outra tipologia especfica para reescrev-la conforme sua subjetividade. Essa prtica
permite ao aluno perceber que dentro de uma sociedade se utilizam os textos para diferentes
objetivos e contribui tanto para o incremento de seu conhecimento intertextual como de sua
competncia comunicativa [...] (SANTOS, 2007 apud CABRAL DE PAIVA, 2012, p.81)

14 - No caso de empregar o TL nas aulas de espanhol, voc o direciona para trabalhar


com que aspectos: a leitura, a gramtica e o vocabulrio, outros? Explique como
desenvolve estes aspectos (leitura, gramtica e vocabulrio) partindo do TL.
R - Os 5 professores desenvolvem a partir do TL os trs aspectos: leitura, gramtica e
vocabulrio. So propostas atividades de leitura, compreenso e pronncia, bem como
abordados aspectos gramaticais. Nenhuma delas explicou como desenvolve esses aspectos a
partir do TL. Atravs destas respostas confirmamos os resultados das pesquisas de Santos
(2007, p.376) quando a autora menciona que os textos literrios quando esto presentes nos
livros didticos so apenas um pretexto para ensinar um ponto gramatical, uma destreza
comunicativa especfica, algo sobre a cultura da lngua estudada ou ainda, para que o aluno
simplesmente leia [...] Parafraseando Mendoza (2007, p. 74) o professor ainda no tem
conscincia de que a seleo de textos um processo minucioso, pois esse tipo de material
servir, em sua funo mais essencial, para ampliar a competncia comunicativa do aprendiz
de LE.
15 Se no o emprega em sala de aula, explique o por qu? Voc acredita que ele de
difcil utilizao em sala de aula?
R - Apenas a professora P1 afirmou no trabalhar com o TL em sala devido a curta durao
das aulas e por falta de material para os alunos; enquanto os outros 4, por meio das respostas
anteriores, o empregam com pouca frequncia. No obstante, houve uma contradio da
resposta da P1 com as suas respostas das questes de n 13 onde afirma que trabalha s vezes
com o texto literrio e com a questo de n 14 quando afirma que trabalha esse material com
uma leitura silenciosa ou em voz alta, dando prioridade ao vocabulrio para que os alunos
compreendam o texto e em seguida a gramtica.

145

16 - Durante a sua formao superior, houve uma preocupao em estudar o TL


enquanto ferramenta de ensino? Se sim, em que disciplina essa questo foi discutida e se
isso o motivou a trabalhar com este texto em sala de aula. Se no, voc acredita que isso
influenciou na no adoo deste texto em sua prtica docente?
R - As professoras P1, P2 e P3 responderam que no houve uma preocupao em estudar o
TL enquanto ferramenta de ensino durante a sua formao superior, mas P4 e P5 dizem ter
aprendido a utiliz-lo na habilitao de lngua portuguesa durante sua formao superior. A
professora P1 respondeu, inclusive, que esse foi o motivo que contribuiu para a no adoo
desse tipo de texto em suas prticas docentes. Verificando a resposta de P2, ela diz utilizar o
texto literrio de acordo com sua criatividade apesar de no ter uma formao superior
especfica. A docente P3 adquiriu o conhecimento sobre textos literrios e como trabalh-los
em sala atravs de conversas informais com professores e pelo prprio interesse pessoal.
Por meio dessas respostas somos levados a crer que, pela ausncia da discusso a
respeito do TL enquanto ferramenta de ensino no trajeto de formao superior, tenha sido
gerada uma certa dificuldade no momento de se refletir e se posicionar frente as contribuies
que o TL traz para o ensino de uma lngua estrangeira. De acordo com Santos (2007), a
ausncia do texto literrio no passa s pelas metodologias, manuais ou professores, passa
tambm pela formao de tais profissionais, pois o professor orientador de sua prtica de
ensino na Universidade geralmente no costuma trabalhar com o texto literrio. Diante dessas
respostas, tambm notamos que existe uma crena em relao ao no uso no TL em sala de
aula: como na formao superior no houve espao para discutir o TL enquanto ferramenta de
ensino e aprendizagem da lngua, o professor da educao bsica no se habilita a empreg-lo
com tanta segurana. Essa crena atua de forma conjunta com o processo de reflexo, pois a
maioria das informaes que o docente incorporar no curso de formao ele possivelmente
trar pra a sua prtica de sala de aula.

17 - No caso de voc no usar o TL nas aulas de lngua espanhola, que motivaes o


levaram para no adotar este texto nas aulas: experincia pessoal; experincia
profissional; convivncia com outros colegas; a falta de tempo, de material; o contedo
previsto no programa da disciplina; outros.
R Apenas P1 respondeu essa questo afirmando que a no utilizao do TL em sala de aula
devido falta de tempo, e o contedo previsto no programa da disciplina, pois como s h
uma aula por semana em cada turma, tem que correr contra o tempo para que os alunos
tenham um contedo para a prova. Infelizmente, essa a realidade. Menciona tambm que
146

uma lngua estrangeira no deveria ser ensinada do mesmo modo que as demais disciplinas,
deveria ser uma disciplina ofertada em forma de curso.
Essa questo elucida dois dos fatores contextuais que afligem os professores em sala
de aula: a falta de tempo e o programa da disciplina. Corroborando com esse pensamento,
Borg (2003 apud BARCELOS, 2006, p.30), cita como fatores contextuais: exigncias dos
pais, diretores, escola e sociedade; arranjo da sala de aula; polticas pblicas escolares;
colegas, testes, disponibilidade de recursos; condies difceis de trabalho (excesso de carga
horria, pouco tempo para preparao). Tambm alunos desmotivados ou resistentes para
aprender, programa fixo dentre outros motivos que influenciaro a realidade e as habilidades
dos professores fazendo-os adotar prticas que reflitam suas crenas.

Consideraes finais

O tema das crenas no espao escolar suscita inumerveis abordagens (sobre o espao
do texto literrio (TL), sobre a prtica docente, sobre produo de materiais didticos, sobre a
aquisio de uma lngua e diversos outros); suscita tambm os vrios atores envolvidos no
processo de ensino aprendizagem: os professores, os alunos, os gestores, todos aqueles que
direta ou indiretamente contribuem para a prtica pedaggica. Nossa investigao sobre o
espao do texto literrio em aulas de lngua estrangeira levou em considerao apenas as
convices e o fazer pedaggico dos professores. Tratamos de investigar as crenas que os
professores de espanhol do ensino mdio, que atuam em escolas pblicas, tm em relao ao
uso do texto literrio para o ensino-aprendizagem dessa lngua e como essas convices se
refletem em sua prtica de ensino. Percebemos que, por vezes, o professor nem sabe o que
classificar como literrio e atribui esse desconhecimento a uma formao insuficiente e que
deixou a desejar. Notamos tambm que os docentes ainda enfrentam muitas problemticas
como: alunos desmotivados, salas lotadas, material didtico que no atende ao pblico,
muitos dos professores ainda fora de sua rea de atuao (apenas 2 dos 5 professores
investigados so formados na rea de lngua espanhola), pouco tempo de aula por semana (em
mdia 50 minutos por semana) dentre outros. Outro ponto discutido foi a forma de abordagem
do TL e consideramos que ainda continuam com uma tcnica de ensino um tanto
tradicionalista que trata o texto literrio como mero pretexto para atividades de lxico e de
gramtica. Percebemos tambm que os professores ainda no se sentem seguros em
considerar o TL como material autntico e didtico o que nos motivou a pensar numa

147

pesquisa futura, objetivando auxiliar diretamente esses profissionais por meio de minicursos e
oficinas. Apesar disso, notamos professores conscientes do seu papel transformador perante
os seus alunos e perante o sistema educacional e principalmente (em relao essa pesquisa),
consciente da importncia da utilizao do TL em sala de aula como componente completo e
complexo para uma efetiva aprendizagem. Desta forma, notamos uma contradio entre
crena e ao, pois apesar de grande parte desses professores considerar que o TL um lugar
de possibilidades para se explorar a lngua e a cultura, no se sentem seguros, ou porque no
dizer motivados, para este fim tendo em vista a pouca discusso sobre o tema durante a sua
formao superior.
Essa pesquisa, alm de ser uma das primeiras no tema em nosso municpio (e em nvel
nacional tambm, tendo em vista que a maioria das pesquisas nessa rea tendem para a lngua
inglesa) pde contribuir para a reflexo dos professores em relao ao ensino do espanhol
como lngua estrangeira partindo do TL. Assim, a partir dos embasamentos tericos e da
possibilidade de transformar/aperfeioar sua prtica, os docentes tm a capacidade de
dinamizar os mtodos utilizados para o ensinamento, reconhecendo que o TL pode ser usado
para tantos fins quantos forem propostos e observar que este texto abrange os conhecimentos
da lngua, seja cultural ou gramatical, histrico ou social, e que tambm proporciona aos
alunos uma motivao para a aprendizagem.
A ns, autoras desta pesquisa, observamos a grande importncia do uso do TL
enquanto ferramenta de ensino, as possibilidades que ele proporciona para a aprendizagem
dos alunos e a partir disso refletir sobre a aplicao dos conhecimentos adquiridos na pesquisa
em nossa futura prtica docente.
Consideramos ainda que a pesquisa pode ser estendida para todos os sujeitos
envolvidos, no s os professores, como tambm os alunos, os gestores, os pais, todos que
estejam engajados no processo de ensino-aprendizagem atravs da transformao de si e do
outro, pois como diria Paulo Freire, Educao no transforma o mundo. Educao muda
pessoas. Pessoas transformam o mundo.34

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150

O GNERO LITERRIO COMO RECURSO DIDTICO NO ENSINO


DE LNGUA ESPANHOLA
Yanskara Roberta de Medeiros Chaves
Oscarina Caldas Vieira
Maria Solange de Farias

YANSKARA ROBERTA DE MEDEIROS CHAVES foi bolsista PIBID e bolsista


voluntria PIBIC. Licenciada en Letras - Lngua espanhola (UERN). Ps-graduanda em
ensino de lnguas (UERN). Professora substituta no Departamento de lnguas estrangeira da
Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN).
yrmc24@gmail.com
OSCARINA CALDAS VIEIRA acadmica em Letras com habilitao em Lngua
portuguesa e suas respectivas literaturas na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte UERN. Possui licenciatura plena em Letras Lngua espanhola e suas respectivas literaturas
pela UERN em 2014. Fez parte do Programa Institucional de Bolsa de Iniciao Docncia
(PIBID/ UERN) no perodo de 2012-2013. Tem experincia na rea de Letras e Artes,
lingusticas e literatura espanhola e brasileira.
oscarina_cvieira@hotmail.com
MARIA SOLANGE DE FARIAS graduada em Letras - Portugus/Espanhol e Literaturas
pela Universidade do Estado do Cear UECE (2000). Especialista em ensino de Lngua
Portuguesa pela UECE (2005). Mestra em Lingustica Aplicada pela UECE (2007).
Atualmente Doutoranda em Lngua Espanhola pela Universidade de Salamanca e Professora
Adjunta de Lngua e Literatura de Lngua espanhola do Departamento de Letras Estrangeiras
da Faculdade de Letras e Artes da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, onde
participa como membro do Grupo de Pesquisa em Lingustica e Literatura GPELL
desenvolvendo pesquisas na rea de ensino-aprendizagem de lngua espanhola.
solange_espanha@yahoo.com.br

151

Introduo

A utilizao do gnero literrio no ensino de uma lngua estrangeira um tema que


vem ganhando espao dentro das discusses sobre as metodologias de ensino de uma lngua
estrangeira, j que a literatura proporciona materiais riqussimos que auxiliam no
desenvolvimento das habilidades lingusticas necessrias para se aprender um idioma. O
gnero literrio proporciona ao aluno conhecer tanto dilogos coloquiais como a linguagem
culta ou padro. Outro ponto positivo deste gnero a interculturalidade que promove; ele
permite uma viso do mundo e das culturas de outros povos alm de contedos histricos e
sociais que permitem a formao de uma conscincia de respeito cultura dos outros.
Os resultados que podemos extrair do uso da literatura sempre enriquecedor tanto
para o aluno como para o professor. Para o aluno porque passa a conhecer as diferentes
formas de se expressar, com seus diferentes lxicos e ambientes; para o professor porque ele
tem em suas mos uma infinidade de material que pode ser utilizado em suas aulas.
Esse trabalho um relato e uma anlise sobre a utilizao do gnero literrio em aulas
de espanhol em escolas pblicas. Ele parte de reflexes feitas a partir do uso de gneros
literrios nas aulas de espanhol no ensino mdio das escolas pblicas de Mossor, como
recurso para o desenvolvimento de habilidades e competncia necessrias para que o
estudante aprenda de modo satisfatrio esta lngua estrangeira.
Organizamos este trabalho em dois captulos; no primeiro, fazemos um breve
histrico sobre o uso do gnero literrio nas aulas de Lnguas Estrangeiras (doravante LE) e
discutimos sobre as contribuies que traz o gnero literrio ao ser utilizado nas aulas de LE;
na terceira, relatamos nossa experincia ao desenvolver atividades com o gnero literrio nas
aulas de espanhol de uma escola pblica de Mossor onde desenvolvemos o projeto PIBID de
espanhol.

1 Breve histrico sobre a utilizao do gnero literrio nas aulas de espanhol como
lngua estrangeira
Quando observamos o discurso humano, percebemos que a utilizao de gneros
textuais tem se tornado cada vez mais usual, isso por que os gneros oferecem uma gama de
valores que possibilitam o processo da comunicao humana e surgem da necessidade e das
atividades scio-culturais. Segundo Costa (2008, p.20) os gneros textuais, orais e escritos,
so produtos histrico-sociais de grande heterogeneidade, em funo dos interesses e das
condies de funcionamento das formaes sociais.
152

Schneuwly e Dolz (2004), em seus estudos sobre as interaes humanas, levam-nos


reflexo sobre a importncia de se trabalhar os gneros, considerando-os como um
megainstrumento de referncia para a aprendizagem capaz de desenvolver as habilidades
lingusticas e consequentemente a competncia comunicativa do indivduo.
Entre os gneros textuais existentes, destacamos o literrio; numa perspectiva
histrica, seu uso inicial nas aulas de lnguas, antes da consolidao de mtodos com
orientaes mais pragmticas, foi considerado pouco motivador, pouco comunicativo e,
portanto, no atendia aos interesses dos aprendizes; no entanto, na didtica atual das lnguas,
sua utilizao se tornou imprescindvel para o ensino e aprendizagem no somente de uma
lngua estrangeira, mas tambm em todo o processo de formao do aprendiz; desta forma,
atualmente, o gnero literrio atua como um recurso legtimo, estimulando o indivduo
inserido nesse processo a compreender as oportunidades de aprendizagem, j que o mesmo
oferece uma gama de inputs lingusticos e culturais e a amostra mais rica de produes
lingusticas (FILLOLA, 2007). Portanto, inicialmente, quando este gnero passou a ser usado
nas aulas de Lnguas Estrangeiras, sua utilizao se prendia a uma metodologia que no
estimulava o aluno, pois, na maioria das vezes, o texto s embasava teorias gramaticais e era
utilizado como o modelo de lngua ideal. Em seus estudos, Fillola (2002, p. 118) nos chama a
ateno de como se dava tal utilizao:

Os textos literrios estiveram no centro de uma metodologia que enfoca


traduo e estudo da gramtica. Foi pouco motivador metodologicamente,
pois, no correspondeu aos interesses dos alunos nem aos critrios de
funcionalidade, se tornando sem importncia. Possivelmente, isso se deve h
alguma reao negativa em relao a essa metodologia manifestada nas aulas
de LE, pois a presena de materiais literrios para alguns professores acabam
em abordagens muito tradicionais. 35

Segundo Souza e Souza (2010), na histria da didtica das lnguas, existiu um difcil
dilogo entre os gneros literrios e a aprendizagem de lngua estrangeira como herana da
viso que se tinha do texto literrio no mtodo de gramtica e traduo; neste mtodo, ele era
usado, nas aulas, como modelo quase sagrado a ser seguido pelos alunos, ou seja, era a
mxima amostra de lngua e de cultura dos povos. No entanto, o tempo passou e os estudos a
cerca de sua utilizao foram aprimorados; diante disso, percebeu-se que o gnero literrio
vivo e por mais que alguns sejam complexos de se trabalhar em alguns nveis de
aprendizagem, seu uso nas aulas de LE, tem se tornado cada vez mais eficaz, devido a sua
35

Todas as tradues realizadas neste trabalho so de responsabilidade de suas autoras.

153

estreita relao com a pragmtica. Nesta nova viso, o professor deve estimular o aluno a
interagir com o texto e a fazer relaes com o mundo.
Fillola (2002, p. 119) nos chama a refletir, em seus estudos, sobre a importncia de se
trabalhar o texto ou discurso literrio nas aulas de Espanhol como Lngua estrangeira (E/LE),

a) em primeiro lugar, a combinao e o contraste utilizando literatura padro


e o uso da lngua explicito em muitos textos, de modo que se ligam em
usos diversos; b) o continuum da utilizao de cdigos e expressividade que
funcionam como input para a formao e c) a leitura como uma base para as
atividades de aprendizagem. Por meio do acesso a leitura compreensvel o
discurso literrio e, especialmente a observao favorece a continuidade dos
usos lingusticos que aparecem nele.

Como j percebemos, utilizar os gneros literrios no processo de aprendizagem de


LE de grande importncia, pois ativa os saberes que aluno deve aprender e cria uma forma
pessoal de observar e interpretar o mundo que o rodeia. Diante das novas possibilidades do
uso do texto literrio nas aulas de LE, faz-se necessrio uma reorientao nas atividades de
leitura do aprendiz para que atravs dele o aluno interprete e construa sentidos e,
consequentemente, possa entrar no mundo do outro.
A literatura o reflexo das manifestaes culturais de um povo, portanto, abrange
tantos aspectos, que podemos tom-la como base em nossas interaes comunicativas e
mostrar ao aluno que sim, possvel aprender uma nova lngua utilizando o gnero literrio.
Lembrando que nesse processo de aprendizagem, o professor ganha destaque, pois a ele est
incumbida a misso de trabalhar de maneira diversificada para que assim, o aluno possa
desenvolver sua nova linguagem.

1.1 O Texto literrio como recurso didtico no ensino de E/LE

O gnero literrio proporciona diferentes matizes a serem trabalhados. Como j se


afirmou, seu uso para trabalhar a leitura em lngua estrangeira fundamental, j que nela o
aprendiz faz uso de seu conhecimento prvio para poder contribuir com o sentido do texto e
ter xito neste intento. Segundo Fillola (2002), justifica-se o uso do gnero literrio no ensino
de LE por este proporcionar uma formao lingustica e comunicativa; afirma que Atravs
dos textos literrios, o aprendiz de LE se enfrenta, sempre mediante a leitura, a uma complexa
atividade cognitiva de construo de significados e de atribuio de interpretaes, de
reconhecimento de elementos, de formas, de relaes (Ibid., p. 121).

154

Outros elementos importantes presentes neste gnero so os componentes culturais e


pragmticos; sem eles, segundo Fillola (2002), a aprendizagem de LE seria limitada. A
literatura aporta esses componentes com grande riqueza, dando um grande aporte ao
desenvolvimento das habilidades lingusticas do aprendiz.
O que se busca ao se aprender E/LE alcanar competncia comunicativa, e Filolla
(2002) nos diz que os recursos e usos criativos do discurso literrio criam um espao didtico
no qual o aprendiz desenvolve diferentes saberes que intervm para o acrscimo dessa
competncia; No aprendiz de LE, a compreenso do texto pode constituir uma atividade
ldica e gratificante quando o leitor-aprendiz percebe que capaz de compreender produes
literrias na lngua estrangeira que est aprendendo (FILLOLA, 2002, p.123).
necessrio reconhecer que a importncia do uso didtico de materiais literrios se
d pela relao existente entre:

A funo dos reconhecimentos de usos e convencionalismos para a


comunicao;
A observao das peculiaridades da lngua escrita e da lngua falada;
As atividades que se podem desenvolver em cima do texto para chegar a
construo de novos conhecimentos significativos (FILLOLA, 2002, p
137).

Garca (2007) traz uma reflexo relacionada aos critrios para selecionar o gnero
literrio mais adequado para as aulas de espanhol como LE; segunda ela, estes critrio devem
estar relacionados aos objetivos propostos pela abordagem comunicativa. Estes textos
primeiramente devem ser acessveis, ou seja, adequados ao nvel de conhecimento do
aprendiz; em segundo lugar, devem ser significativos e motivadores; em sua escolha ento,
deve-se levar em conta o interesse dos estudantes e se o texto divertido e prximo da
realidade dos aprendizes; em terceiro lugar, os textos devem ser integradores para que assim
se possa trabalhar diferentes habilidades lingusticas e, finalmente, devem oferecer muitas
formas de explorao, ou seja, permitir a criao de diferentes atividades que facilitem a
aprendizagem da nova lngua.

2 Uma experincia com o texto literrio

A utilizao do gnero literrio nas aulas de espanhol o objeto de estudo do projeto


que desenvolvemos com o apoio do PIBID. Nossas aulas so planejadas e elaboradas em
funo e com base em um gnero literrio. a partir do gnero literrio que trabalhamos as

155

habilidades lingusticas (leitora, oral, escrita e auditiva) que buscamos desenvolver ao


lecionar este idioma.
Utilizar textos literrios em aulas de espanhol fundamental para se fazer a anlise do
nosso objeto de estudo e assim poder avaliar se o uso do gnero literrio usado como base
para se desenvolver as habilidades lingusticas nos aprendizes de LE vivel, eficiente e
producente. Assim, tambm podemos desenvolver estratgias para a aplicao desses textos
de modo a encontrar e desenvolver o meio mais eficiente de se trabalhar com eles,
encontrando a maneira de atrair a ateno dos alunos e poder aperfeioar os resultados.
Esse relato uma mostra do resultado que se pode alcanar a partir do trabalho com o
gnero textual. uma anlise das estratgias utilizadas e da eficcia destas estratgias nas
dinmicas aplicadas. Podemos fazer tambm uma anlise do gnero literrio, procurando
observar se a aplicao deste influencia no resultado que buscamos alcanar, neste caso,
desenvolver as habilidades lingusticas, interpretar o contedo e as estruturas lingusticas e
estilsticas, em uma aula de espanhol nas escolas de ensino pblico de Mossor.
Foram aplicados dois gneros literrios em duas aulas diferentes com alunos do
ensino mdio da mesma faixa etria. Os textos aplicados eram: Cenicienta, no escarmienta,
uma poesia de Guillermo Saavedra; e um trecho de Crepsculo de Stephanie Mayer. Em
ambos, possvel diferenciar os tipos de linguagem utilizados. Trazendo para sala de aula
mais uma das contribuies que oferece esse gnero textual ao ensino de lnguas estrangeiras:
proporcionar ao aluno o reconhecimento e o fazer uso tanto a linguagem coloquial como da
linguagem padro.
Em uma anlise geral da aplicao do texto literrio na aula de espanhol, observamos
que a utilizao do gnero vivel, eficaz e promissora. Podemos trabalhar as habilidades
lingusticas, a construo de significados e a interpretao textual e dos contedos
lingusticos, estilsticos e pragmticos do idioma. Esses conhecimentos devem ser trabalhados
tambm de forma ldica e dinmica e nada melhor que utilizar este gnero que por sua
natureza j motivador porque estimula e desenvolve a imaginao e a criatividade. De
maneira particular, percebemos que cada texto um mundo de opes a serem exploradas;
cada texto tem suas caractersticas e estilos prprios e at mesmo temas gramaticais
especficos e devem ser abordadas para levar o aluno a produzirem ou analisarem os diversos
eventos lingusticos proporcionados por esse gnero; e claro, podem ser trabalhados e
reformulados de acordo com o objetivo e interesse de cada grupo.
No texto cenicienta, no escarmienta, trabalhamos as quatro habilidades lingusticas, a
interpretao textual atravs das estratgias de leitura, o lxico especfico do texto e os
156

contedos lingusticos determinados pelo manual utilizado na escola. Observamos e


buscamos desenvolver a participao ativa e voluntria do aluno na aula atravs de perguntas
diretas, para que assim se expressassem, buscando avaliar o que entenderam do texto e o que
opinam sobre ele.
Com o texto de Saavedra, que tem como base o conto infantil Cinderela, observamos
que os alunos entenderam bem o texto, encontraram dificuldade apenas em algumas palavras
apresentadas e atravs da inferncia e do conhecimento prvio dos alunos sanamos algumas
dvidas de vocabulrio. Para os estudantes, foi uma surpresa encontrar um texto em espanhol
baseado em um conto de fadas to conhecido por eles. O trabalho com os elementos
gramaticais da aula se deu de maneira mais sutil e eficiente. Os alunos puderam identificar no
texto os verbos e o tempo verbal proposto e consequentemente refletir sobre o uso e forma
destes, de modo contextualizado.
Com a poesia tivemos um bom resultado no processo ensino/aprendizagem. Apesar
de que, no referente participao voluntria para a interpretao e expresso da opinio, os
alunos tiveram que ser bastante estimulados para poderem se encorajar e participar. Vale
ressaltar que o conhecimento prvio do aluno sobre o texto foi fundamental para sua
interpretao, este facilitou inclusive as inferncias de significado das palavras desconhecidas.
Com o texto Crepsculo, como no anterior, trabalhamos tambm as habilidades
lingusticas, a interpretao textual, o lxico, o conhecimento prvio, o contedo gramatical.
O texto cumpriu efetivamente com a funo proposta a ele. Os alunos participaram de
maneira muito ativa e voluntria no momento da construo dos significados, da interpretao
e construo de opinio, sem a necessidade de tanto estmulo como ocorreu com a poesia. Os
discentes procuraram retirar suas dvidas de maneira espontnea no que tange ao lxico
desconhecido da obra e para isso mais uma vez nos utilizamos da inferncia e do
conhecimento prvio do aluno na tentativa de torn-los leitores e escritores mais autnomos.
Trabalhar a gramtica a partir do texto mostrou um resultado melhor que se trabalhado fora de
contexto porque permitiu ao aluno refletir sobre o uso e forma dos elementos gramaticais
estudados na unidade.
A obra de Stephanie Mayer, por ser j conhecida pelos educandos, proporcionou um
melhor resultado no que concerne a atrair a ateno e a participao dos alunos. Eles
demonstraram um grande interesse, pois j conheciam a obra. Constatamos que o
conhecimento prvio do aluno sobre os contextos a serem abordados desempenham grande
influncia no despertar do interesse desse aprendiz na aula e que o texto realmente tem que
ser prximo da realidade dos aprendizes.
157

O gnero literrio demonstrou ser um aliado poderoso no ensino de espanhol na


Escola Pblica. As aulas de espanhol se enriquecem e ficam mais dinmicas com a utilizao
desse material e os estudantes encontram um novo mundo cheio de opes e oportunidades de
conhecimento. O professor disponibiliza um processo de ensino/aprendizagem mais gil, onde
o aluno aporta sempre com seu conhecimento prvio, facilitando a transmisso e a recepo
do saber.

Concluses

Atualmente, ao aprendermos uma nova lngua, temos como objetivo a comunicao;


podemos observar que desde a abordagem comunicativa, os estudos feitos sobre o uso do
gnero literrio nas aulas de espanhol tm a preocupao com o desenvolvimento da
competncia comunicativa dos aprendizes.
Ao se utilizar o gnero literrio, temos a possibilidade de desenvolver as habilidades
lingusticas do aprendiz: a escrita, a leitura, a oralidade e a escrita, porque o discurso literrio
nos proporciona material para trabalharmos essas habilidades de maneira singular e plural ao
mesmo tempo. Singular porque um material autntico, que proporciona cultura, lxicos e
discursos prprios de um contexto, um ambiente e um tempo. E plural porque facilita de
forma ampla o desenvolvimento de atividades que abrangem todas as habilidades necessrias
para chegarmos a uma verdadeira competncia comunicativa.
Aplicar o gnero literrio nos fez comprovar que possvel desenvolver diferentes
atividades com base no texto, e assim aprimorar as habilidades lingusticas e formar alunos
mais autnomos e responsveis pela construo de seu prprio conhecimento. Podemos
comprovar, aps nossa experincia, que o trabalho com textos literrios prximos da realidade
do aluno e adequados a seu conhecimento do idioma, os faz participar das aulas de maneira
voluntria, o que contribui para a construo dos sentidos, para a atribuio de significados,
para o reconhecimento e uso dos elementos gramaticais etc.
Cada gnero textual possui caractersticas prprias e isso deve ser levado em
considerao ao planejarmos a aula que pretendemos ministrar. O texto usado deve ser um
texto adequado faixa etria dos alunos e ao nvel de conhecimento destes, e com temas que
despertem o interesse do estudante e que abordem o contedo gramatical que devemos
apresentar.

158

A experincia de trazer a literatura para o ensino de espanhol engrandece o processo


de ensino/aprendizagem, pois desperta no aprendiz os saberes que ele j possui e isso
corrobora a atingir o conhecimento necessrio para uma competncia comunicativa adequada
na lngua meta.

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159

XI

ANLISIS DEL PROCESO DE ENSEANZA DE E/LE EN BRASIL:


LOS MANUALES DIDCTIVOS
Beth Francione Fagundes da Silva
Regiane Santos Cabral de Paiva*

BETH FRANCIONE FAGUNDES DA SILVA graduou-se em 2011 pela Universidade do


Estado do Rio Grande do Norte - UERN no curso de Letras com habilitao em Lngua
Espanhola e suas Respectivas Literaturas. especialista em Ensino/Aprendizagem de Lnguas
Estrangeiras - Espanhol como LE pela mesma instituio de ensino. Foi professora de
Espanhol como ELE em escolas de Ensino Mdio, Curso Pr-Vestibular, Curso de Lnguas e
Cursos Tcnicos. Em 2014, conclui o mestrado em Ensino de Lnguas Estrangeiras Espanhol como LE, na Universidade Rovira i Virgili em Tarragona - Espanha. Atualmente,
professora de Lngua Espanhola da educao bsica (Ensino Mdio) do estado do Rio Grande
do Norte.
bethfrancione_sej@hotmail.com

REGIANE SANTOS CABRAL DE PAIVA professora de lngua e literatura hispanfonas


do curso de Letras (habilitao em lngua espanhola) na Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte (UERN). Tem experincia na rea de Letras, com nfase no ensino de
Lngua espanhola e Literatura Hispano-americana. Obteve seu ttulo de graduao em Letras
com habilitao em Lngua portuguesa e espanhola pela Universidade Estadual do Cear no
ano de 2000. Em 2003, concluiu o curso de especializao em Ensino de Lngua Portuguesa
pela UECE, tendo como ttulo da monografia: Abordagem funcional-discursiva do nome no
ensino fundamental. Em 2012, logrou o ttulo de Mestra em Letras pela UERN. Sua rea de
concentrao de pesquisa se concentra em Crenas e no Texto literrio como ferramenta de
ensino.
*Responsvel pela orientao da releitura da dissertao para a confeco deste artigo.
regianeuern@yahoo.com.br

160

Introduccin36
El desarrollo de la lengua espaola en Brasil cont con el apoyo de herramientas
creadas por el gobierno para orientar, auxiliar y medir la enseanza- aprendizaje de la lengua,
como los Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Medio (PCNEM, 2000) y las
Orientaes Curriculares Nacionais para o Ensino Medio (OCNEM, 2000), documentos que
orientan sobre la metodologa y la didctica en las clases de E/LE en este contexto.
Paralelamente, el gobierno federal desarroll el Programa Nacional do Livro Didtico
(PNLDEM), por el cual los alumnos de las escuelas pblicas de nivel medio reciben
gratuitamente, durante los tres aos de curso, manuales de espaol elegidos previamente por
sus profesores a partir de una serie de opciones ofertadas por el Ministrio da Educao
Brasileiro (MEC). Por fin, en el ao 2010 se introdujo en el Examen Nacional do Ensino
Mdio (ENEM), una selectividad de carcter nacional, la prueba de lengua espaola, con el
objetivo de medir los conocimientos del discente en el idioma.
A la vista de este conjunto de acciones para poner en marcha la enseanza del
espaol en territorio brasileo y, despus de algunos aos de adecuacin, nos pareci
interesante investigar (durante el Mster oficial en enseanza de lenguas extranjeras: espaol
como lengua extranjera por la Universidad de Roriva- Tarragona/ Catalua) este contexto,
tanto por la creciente importancia del aprendizaje del espaol en Brasil como por el hecho de
que, en un futuro prximo, nos gustara desempear como profesora en este contexto. En esta
investigacin, nos dedicamos a analizar el seguimiento o no de las directrices de los
currculos brasileos para la enseanza del E/LE en el proceso de enseanza-aprendizaje del
idioma: manuales, exmenes y dinmica del aula. Sin embargo, para este e-book nos
limitaremos a presentar solamente los resultados de anlisis en los manuales a partir del
PNLDEM.
1.

Acerca de los manuales


Desde 1929, Brasil distribuye manuales gratuitamente para sus alumnos. Oliveira

(2013) relata que en 1937, durante la gestin del ministro Gustavo Capanema, se cre el
Instituto Nacional do Livro (INL), que dio lugar al nacimiento de comisiones para legislar las
polticas de produccin y circulacin de libros de texto en todo el territorio nacional. En 1938
36

O presente artigo se encontra em lngua espanhola para respeitar o texto original retirado, aps releitura, da
dissertao de Beth Francione realizada pela Universidade Rovira i Virgili - Tarragona/ Catalua (Espanha).

161

surgi la Comisso Nacional do Livro Didtico (CNLD), que inici una etapa de promocin
y acceso a los libros en todo Brasil. Casi cincuenta aos despus, el 19 de agosto de 1985
naci el Programa Nacional do Livro Didtico (PNLD) que, ejecutado por el gobierno federal,
planifica, evala, compra y distribuye, gratuitamente, los manuales a los alumnos de la
educacin bsica pblica del pas.
El PNLD, pues, pasa a preocuparse por la calidad y durabilidad de los libros
distribuidos y tambin transfiere a los docentes la eleccin de los libros utilizados en las
escuelas. Segn Oliveira (2013), este programa se hizo extensivo en 2003 a la enseanza
media de las escuelas pblicas brasileas, siendo nombrado en este mbito Programa
Nacional do Livro para o Ensino Mdio (PNLEM). Tras la adopcin del PNLEM, se pasa a
distribuir, gratuitamente, manuales de Portugus, Geografa, Historia, Matemticas, Qumica,
Fsica, Biologa y Lengua Extranjera (Espaol e Ingls). Asimismo, lleva a las escuelas
diccionarios, publicaciones en braille y diccionarios ilustrados trilinges en LIBRAS
(Lenguaje Brasileo de Signos).
Cassiano (2007, en Oliveira, 2013) define las etapas por las cuales han pasado el
PNLD y el PNLEM:
a) publicacin del edicto para que las editoriales presenten sus manuales; b)
seleccin previa de los manuales observando los criterios establecidos por el
MEC; c) evaluacin pedaggica de los libros; d) produccin y distribucin
de las guas de los libros a las escuelas; e) eleccin de los libros (por los
profesores); f) procesamiento de las demandas; f) habilitacin de los
detentores de derechos de autor; g) compra de libros; h) produccin de los
libros; i) control de la distribucin en los estados; j) campaas de
conservacin y devolucin de los libros (Cassiano, 2007: 50; en Oliveira,
2013: 107).

Oliveira (2013) aade que cada alumno recibe un manual elegido por los docentes
para cada asignatura presente en el currculo, y los devuelve a final de cada ao para que sean
repuestos. Cada tres aos, el proceso se inicia otra vez con la eleccin y distribucin de
nuevos manuales; sin embargo, es posible que se repita la eleccin de uno o ms libros.
El autor tambin presenta el decreto de n. 7.084, de 27 de enero de 2010, que expone
los objetivos generales de los programas:
Art. 2 [...]
I- melhoria do processo de ensino e aprendizagem nas escolas pblicas,
com a consequente melhoria da qualidade da educao;
II - garantia de padro de qualidade do material de apoio prtica
educativa utilizado nas escolas pblicas;
III - democratizao do acesso s fontes de informao e cultura;
IV - fomento leitura e o estmulo atitude investigativa dos alunos; e
V - apoio atualizao e ao desenvolvimento profissional do professor
(Oliveira, 2013, p. 108).

162

El decreto tambin fija las directrices que deben seguir los programas en el pas:
Art.3:
I - respeito ao pluralismo de ideias e concepes pedaggicas;
II - respeito s diversidades sociais, culturais e regionais;
III - respeito autonomia pedaggica dos estabelecimentos de ensino;
IV - respeito liberdade e o apreo tolerncia; e
V - garantia de isonomia, transparncia e publicidade nos processos de
avaliao, seleo e aquisio das obras (Oliveira, 2013, p. 108).

El PNLD y el PNLEM se basan, tambin, en la LDB, en los PCN y en las OCEM y en


investigaciones actuales sobre la lengua y cultura, as como sobre la enseanza y el
aprendizaje (Gonzlez, 2010; en Oliveira, 2013).

1.1 Los manuales de E/LE en el PNLEM

Segn Oliveira (2013), la Ley del Espaol fue la razn de la introduccin de


materiales de lengua espaola en el PNLEM; con este propsito, el Programa analiz y
seleccion manuales, gramticas y diccionarios monolinges y bilinges, que a partir de 2006
fueron distribuidos entre los docentes de E/LE de la red pblica brasilea. De acuerdo con el
autor (2013), el MEC invit a siete expertos para evaluar las obras producidas por autores y
editoriales. Se eligieron trece obras: cuatro manuales, cinco diccionarios monolinges, dos
bilinges y dos gramticas.
A partir de 2010, Oliveira (2013) relata que se incluyeron en el PNLD manuales de
espaol para la enseanza fundamental (del 6. al 9. ao); cabe recordar que, en esta etapa
de la educacin nacional, la enseanza de la lengua tiene carcter opcional. La comisin de
expertos invitados por el MEC evalu once colecciones de manuales del idioma, nueve de las
cuales fueron rechazadas. Luego, se elabor una gua que contena reseas sobre las
colecciones aprobadas y se remiti a las escuelas para que los profesores pudieran elegir la
coleccin que adoptaran en cada escuela a partir del ao acadmico 2011-2012.
El autor (2013) seala que el significativo rechazo de las colecciones presentadas por
las editoriales nacionales y extranjeras se deba a la no adaptacin de sus manuales a las
orientaciones del MEC para la enseanza del espaol en Brasil.
La ltima convocatoria del PNLEM fue en 2011. De las doce obras que se presentaron
para la enseanza de E/LE, solamente tres fueron aprobadas. Para Oliveira (2013), aunque

163

haya sido mayor el nmero de rechazos que el de aprobaciones, se espera que en las prximas
convocatorias del programa haya ms obras seleccionadas, ya que esta ha sido la primera
convocatoria de este mbito del programa y, consecuentemente, los autores y editoriales
todava se estn adecuando a las directrices y objetivos establecidos por el PNLEM. En 2012,
entonces, las obras fueron llevadas a las escuelas, a partir de la eleccin previa de cada
docente.
Para el autor, la inclusin del ingls y del espaol en el PNLD (2011) y en el PNLEM
(2012) es muy destacada en la poltica de la enseanza de lenguas en Brasil. Sin embargo,
existen discrepancias entre las orientaciones educativas brasileas para la enseanza de LEM
(Lengua Extranjera Moderna) y lo que de verdad ponen en prctica los manuales inscriptos en
el programa. Gonzlez (2010b, en Oliveira, 2013) apunta algunos de los problemas que
fueron decisivos para la exclusin de algunas colecciones del PNLD y del PNLEM:
Falta de coherencia entre el discurso y la prctica: muchas de las colecciones
afirmaban que seguan las orientaciones de los documentos oficiales para la enseanza de
E/LE en el pas (PCN y OCNEM); no obstante, en las unidades didcticas de estos
manuales no se identificaba as.
Gran cantidad de errores en las colecciones: errores de ortografa, de revisin,
de aspectos culturales, de sintaxis, de concordancia, de traduccin y de conceptualizacin.
Imprecisiones en las orientaciones destinadas a los docentes sobre las
actividades propuestas.
Escasez en la presentacin de textos de tipos y gneros distintos.
Predominio de actividades escritas de redaccin escolar, donde se valora ms
el producto que el proceso de su construccin;
Falta de atencin en la exposicin de la variacin lingstica.

El autor concluye que, a pesar de la importancia de la inclusin del espaol en estos


programas
la ley por s sola no es suficiente para que la enseanza del espaol
efectivamente sea una realidad en las escuelas brasileas. Con eso tampoco
estamos defendiendo la idea de que solamente el PNLD pueda garantizar
este xito (Oliveira, 2013: 111)

A continuacin, presentamos brevemente las tres colecciones ofrecidas por el PNLEM


(2012) para la enseanza de E/LE en las escuelas pblicas de nivel medio en el pas.

164

Utilizaremos la Gua de Libros Didcticos PNLD 2012 para la presentacin y el anlisis de


las colecciones El arte de leer en espaol y Enlaces: espaol para jvenes brasileos. En
cambio, para la coleccin Sntesis, realizaremos nuestro propio anlisis. Hemos elegido esta y
no otra de las colecciones para un anlisis en profundidad, porque, a partir de nuestra
experiencia como profesores de E/LE en el estado brasileo del Rio Grande do Norte, hemos
percibido que es una de las ms utilizadas por los docentes de este entorno.

1.1.1 El arte de leer en espaol

Autores: Terumi Koto Bonnet Villalba Deisi Cristina de Lima Picano


Editorial: Base Editorial
En la resea de la coleccin contenida en la gua37 del PNLEM (2012) se dice que esta
coleccin busca auxiliar en el proceso de formacin de lectores crticos, y para ello dispone de
textos verbales y no verbales de distintos gneros y variedades en el idioma. Adems, se dice
que incluye temas de inters para los alumnos de la enseanza media, as como orientaciones
terico-metodolgicas eficaces para la formacin y actuacin de los docentes.
La coleccin se divide en tres volmenes, cada de los cuales est compuesto de cuatro
unidades didcticas. En ellas encontramos los siguientes apartados: Mira!, con actividades de
prelectura; Acrcate!, que trata de la lectura; y Dale!, que trabaja la poslectura. La gua

37 <http://www.fnde.gov.br/arquivos/category/125-guias?download=5510:pnld-2012-lingua-estrangeira>.
Fecha de consulta: 10 de junio de 2014.

165

didctica aade que la coleccin incluye actividades para la produccin escrita (apartado
Dale!) y oral (apartado Dale!) y para la comprensin oral (apartado Para escuchar). En los
libros tambin se trata de los elementos lingsticos (en el apartado Ojo!). Dichos elementos
todava son practicados (apartado Ahora t) y sistematizados (apartado Para consultar)
La gua tambin afirma que hay un apartado titulado Para curiosear que incluye
curiosidades y aadidos sobre los elementos tratados en las diversas unidades.
El anlisis de la coleccin que ofrece la gua muestra que los manuales presentan una
gran variedad de textos de distintos tipos y variedades del espaol, contribuyendo as para la
eliminacin de los estereotipos. Adems, la diversidad de los textos presenta una gradacin
respetando el nivel de los alumnos. Hay tambin una explotacin de la cultura brasilea e
hispnica respetando as la interculturalidad.
Segn la gua, la comprensin escrita es el foco de trabajo de los manuales, y en
algunas lecturas se expone su contexto de produccin. El alumno tambin se considera un
lector crtico. Se indica asimismo que en la coleccin el trato dado a la comprensin y
produccin oral no es el mismo que recibe la comprensin escrita.

Las actividades relacionadas a la produccin oral, en general, son tareas que


buscan la discusin en grupos o la expresin de la opinin de los alumnos
sobre determinado tema tratado en los textos. Son previstas algunas
situaciones comunicativas que posibilitan que el alumno desarrolle la
destreza oral en distintos contextos comunicativos y con diferentes registros
(Gua de Livros Didticos PNLD 2012: 22).

Los elementos lingsticos son tratados de modo breve y contextualizado, segn la


gua sealada. Respecto al lxico, no hay un apartado especfico para su trabajo; sin embargo,
en el apartado Acrcate! se trabajan cuestiones como la sinonimia y homonimia y la
bsqueda de significados de las palabras en el diccionario.
Un punto positivo de la coleccin son las explicaciones metodolgicas del manual
para los docentes, as como sugerencias para su trabajo en clase; adems, en el manual del
profesor se presenta un solucionario completo del manual del alumno.
La gua todava presenta los temas tratados en los tres manuales que forman la
coleccin. A continuacin ofrecemos los temas del manual 1:

Contenidos temticos: identidad; la lengua es til para la comunicacin; la


escuela de la vida; el cuerpo y la calidad de la vida. Comprensin escrita: en
las secciones Mira!, Acrcate! y Dale! son incluidos tipos y gneros de
textos variados y relacionados al tema de la unidad. Produccin escrita/

166

produccin oral: a partir de la lectura de textos y/o discusin con los


compaeros, contestar a preguntas en modo de apuntes y luego exponerlas
oralmente; elaborar textos breves sobre el perfil de una persona; organizar
mapa con variaciones de hablas; crear carteles; preparar entrevista; exponer
opinin; dibujar pirmides de frecuencia de ejercicios fsicos de adultos y
ancianos. Comprensin auditiva: reproduccin oral de textos incluidos en el
manual del alumno, sin ejercicios especficos de oralidad. Elementos
lingsticos: pronombres posesivos; conectivos; trato formal e informal;
cuadro fontico/fonolgico de la lengua espaola; que/ el que; artigo neutro
lo; apenas; verbos en presente; pronombres complementos; uno; todava;
futuro; verbo haber, tener, imperativo afirmativo (Gua de Livros Didticos
PNLD 2012, p. 20).

1.1.2 Enlaces. Espaol para jvenes brasileos

La segunda coleccin de manuales de E/LE seleccionados por el PNLEM para las


escuelas pblicas brasileas es autora de Soraia Adel Osman, Neide Elias, Sonia Izquierdo
Merinero, Priscila Maria Reis y Jenny Valverde, y fue publicada por la editorial MacMillan
do Brasil.
La gua PNLD 2012 afirma que esta coleccin trae textos que ilustran la diversidad
cultural hispnica y brasilea y que llevan al estudiante a desarrollar su capacidad de lector
crtico. La coleccin consta tambin de tres volmenes y cada uno de ellos presenta ocho
unidades didcticas. Los apartados de las unidades son definidos como: Competencias y
habilidades, Funciones comunicativas, Contenidos lingsticos y Gnero discursivo. Al
trmino de cada unidad, hay una autoevaluacin (As me veo). Por otra parte, en cada volumen
se incluyen otros apartados (Un poco ms de todo, Vestibular e Te digo y me dices) con
actividades complementarias al tema de cada unidad. Sin embargo, en el manual 3, el

167

apartado Te digo y me dices es reemplazado por pruebas para el Examen Nacional de la


Enseanza Media brasilea (ENEM). Cada manual incluye tambin glosario y tablas de
verbos.
La compresin oral es ejercitada en el apartado Hablemos; la produccin oral, en el
apartado Como te deca; la comprensin escrita, en el apartado Y no solo esto!, en el que
tambin se encuentran actividades de prelectura y lectura; la produccin escrita es explotada
en el apartado En otras palabras, y en Manos a la obra se trabajan los elementos lingsticos.
Los manuales tambin incluyen CD de audio.
La gua didctica 2012 afirma que esta coleccin presenta una gran exposicin de la
heterogeneidad lingstica y cultural del espaol de los distintos pases que hablan el idioma.
Sin embargo, en su representacin textual, hay un considerable nmero de textos de la
variedad peninsular.
En las actividades de comprensin escrita, ubicadas en el apartado Y no solo esto! se
involucran estrategias para el desarrollo del conocimiento de mundo del discente y para la
realizacin de inferencias. Los textos literarios son utilizados con nfasis en su contenido y no
respecto a su importancia en la literatura en s misma.
Respecto a las actividades de produccin escrita, en el apartado En otras palabras se
ejercita la escritura de determinado tipo de texto estudiado en la unidad didctica. La
produccin textual no siempre est relacionada con el tema de la unidad didctica.
En relacin con las actividades de comprensin oral, la gua PNLD 2012 expone que
la coleccin Enlaces. Espaol para jvenes brasileos las ubica en el apartado Hablemos. Los
audios utilizados en las actividades no siempre son fielmente representativos de los gneros
orales; a veces tampoco se percibe ntidamente las variedades lingsticas de los hablantes de
estos audios. Tambin se incluyen en los CD de audio actividades de pronunciacin para que
los alumnos observen las diferencias entre su idioma y el espaol.
La expresin oral se trabaja en el apartado Como te deca, que expone estructuras
lingsticas y luego una propuesta de actividad. La gua PNLD 2012 aade

que estas

actividades estn centradas mayormente en simulacros de situaciones que en la interaccin


significativa de los estudiantes en la lengua meta. Sin embargo, en el manual 3 hay una
libertad mayor en las respuestas de los estudiantes en las cuales se necesita un dominio ms
grande de los contenidos para que se lleven a cabo eficazmente.
Las actividades para la explotacin de los elementos lingsticos contenidos en el
apartado Manos a la obra son consideradas estructuralistas por la gua PNLD 2012, y dichos
elementos son expuestos en este apartado a partir de frases que acompaan informaciones
168

metalingsticas y que muchas veces son bastante sencillas. Hay tambin en este apartado
fallos de revisin que segn la gua, el profesor debe poner atencin.
El manual del profesor, adems del solucionario del manual del alumno y de las
transcripciones de los audios utilizados en el libro, contiene sugerencias tericas y
metodolgicas para su uso en clase.
El manual 2 de la coleccin presenta la siguiente organizacin:
Contenidos temticos: profesiones y proyectos de vida: dictadura en
Sudamrica; tipos de ocio; trastornos alimenticios y culto al cuerpo;
conceptos y tipos de familia; objetivos del milenio; hbitos alimenticios;
cambios climticos. Comprensin escrita: en el apartado Y no solo esto, son
incluidos tipos y gneros de texto variados relacionado al tema de la unidad.
Produccin escrita: anuncio de clasificado de empleo; biografa; gua de
entretenimiento; comentario en un blog; lbum de familia; entrevistas; gua
de salud; artigo de divulgacin cientfica. Comprensin oral: dilogos;
biografa, relatos; consejos y entrevistas. Produccin oral: reproducir frases
controladas. Elementos lingsticos: perfrasis de futuro; verbos
querer/pensar + infinitivo; conjunciones de causa y efecto; verbos regulares
e irregulares en el pretrito indefinido; acentuacin grfica (agudas y
graves); verbos en pretrito perfecto compuesto; acentuacin (esdrjulas y
sobresdrjulas); verbos regulares e irregulares en pretrito imperfecto de
indicativo; contraste entre el pretrito imperfecto y el pretrito indefinido;
posesivos tonos y tnicos; artigo neutro lo; verbos regulares e irregulares en
futuro de subjuntivo; perfrasis verbal (estar + gerundio); oraciones
condicionales. Lxico relacionado a las profesiones; expresiones temporales
para expresar pasado y presente; familia; expresiones de deseo y
probabilidad; alimentos; naturaleza y ecologa. Fontica: c, s, z (Gua de
Livros Didticos PNLD 2012, p. 25).

1.1.3 Sntesis

169

El autor de la tercera y ltima opcin de coleccin de manuales ofertadas por el MEC


es Ivan Rodrigues Martin y la coleccin fue publicada por el editorial brasileo tica. Esta es
la coleccin que hemos elegido para hacer el anlisis y as comprobar si realmente la
coleccin es comunicativa y est acorde con las orientaciones de los PCN y de las OCNEM
referentes a la enseanza de E/LE en Brasil. Trataremos a continuacin de varios aspectos
relacionados a la presentacin de la lengua en el manual y tambin respecto a su forma de
enseanza del idioma en la coleccin Sntesis, al final del anlisis comentaremos sobre su
relacin con la enseanza comunicativa y con las orientaciones y objetivos de los PCNS y de
las OCNEM para la enseanza de E/LE en Brasil.

I)

Diseo y estructura del mtodo

Los tres manuales de la coleccin presentan 184 pginas, cada uno, con tipos de letras
variados, empleo de color en imgenes y letras, diferentes fotografas e ilustraciones y
CD/MP3 para las actividades de comprensin auditiva. Las grabaciones son claras y la
diccin de los locutores tambin, presentan todava, distintos tipos de acento y no hay ruidos
exteriores a la grabacin.

a)

Objetivos generales

Los objetivos de la coleccin son:

Servir de apoyo a profesores y alumnos en el estudio del espaol como LE;

Llevrselos a conocer la otra lengua a travs de sus estructuras gramaticales y

comunicativas y del contacto con las culturas de otros pueblos, con otros modos de pensar, de
vivir y de expresarse;

Despertar el inters por el mundo hispnico y sus ricas y variadas

manifestaciones culturales, independientemente de la importancia econmica del pas del que


se trate;

b)

Metodologa

La coleccin Sntesis no define explcitamente el enfoque adoptado, solamente


defiende que su visin de aprendizaje de la lengua involucra sus estructuras gramaticales,
comunicativas y su cultura.
170

c)

Estructuracin de los contenidos: syllabus (temtico, situacional,

funcional, por tareas)

Los contenidos son estructurados de lo ms sencillo a lo ms complejo, el


ndice separa los contenidos en tres

apartados: lxico/contenidos comunicativos;

elementos lingsticos y comprensin lectora. Los contenidos estn relacionados a un


tema concreto, por ejemplo: Unidad 7: Cmo es tu familia? Lxico: familia y
expresiones idiomticas/ gramtica: los posesivos/ textos para la interpretacin: Ah,
los hijos; y En la playa con el hijo del novio de mi madre (Sntesis 1). As, podemos
considerar que el manual presenta un syllabus temtico.

d)

Organizacin de cada unidad didctica:

Cada unidad tiene un promedio de 16 pginas.

Cada unidad contiene (en el orden en el cual aparecen):

una foto o un texto sobre algn aspecto de la lengua o cultura hispana;

texto que generalmente no tiene relacin con el anterior, y este puede

ser escrito o auditivo;

actividades sobre el texto ledo o escuchado;

apartado de vocabulario que suele ser acompaado por actividades;

apartado dedicado a la gramtica que sigue un enfoque estructural con

muchas actividades para la ejercitacin del contenido gramatical estudiado;

Apartados denominado: Para leer y reflexionar y Para leer y

reaccionar con textos para leer e interpretar, en algunas unidades, antes de este
apartado, hay otro llamado Para charlar y escribir donde encontramos actividades
para trabajar la expresin oral y escrita;

apartado denominado Aprende un poco ms que aade otros temas

lingsticos como expresiones idiomticas, expansin del tema gramatical, ortogrfico


o lxico estudiado o actividades para el desarrollo de una funcin comunicativa, como
escribir una carta formal (Sntesis 3);

171

Al fin de cada unidad hay una parte nombrada: evalate! Donde los

estudiantes son llevados a practicar una vez ms los contenidos lxicos y/o gramaticales
gramaticales estudiados;

Por fin, hay una pgina con cuestiones de lengua espaola de exmenes de

selectividad de las universidades brasileas para contestar;

II)

a)

Diseo de las actividades

Presencia o ausencia de la L1

El manual Sntesis 1 presenta 6 actividades que recurren a la L1 de los alumnos, y


todas son de traduccin del espaol al portugus o al revs, algunas de ellas piden la
traduccin sin el contexto donde aparece la unidad lxica. En una de las traducciones de los
falsos amigos (actividad 1 p. 71) el autor no aade ninguna explicacin y entiende que el
hecho de que los alumnos traduzcan las palabras del espaol al portugus sin
contextualizacin les har entender que dichas unidades son falsos amigos.
El manual Sntesis 2 tambin involucra la L1 de los alumnos, sobre todo en
actividades de traduccin libre, donde en su mayora, los alumnos son llevados a traducir
expresiones del espaol al portugus, contenidas en textos anteriormente ledos. Una de las
actividades de traduccin que ms nos llam la atencin es la de la pgina 35 del manual, en
la que se pide a los alumnos que traduzcan al portugus expresiones y frases sacadas del
Diccionario de dichos y frases hechas (Alberto Buitagro) como: i. Esta tarde ha llovido de lo
lindo. El manual no se preocupa en aadir ninguna informacin extra sobre las expresiones,
tampoco explica sus contextos de usos y encima no es sensible a su relacin con expresiones
de la lengua materna de los estudiantes, es decir, a veces no existe expresiones que tienen el
mismo sentido en la lengua meta que en la L1.
El Sntesis 3 tambin explota la traduccin de expresiones y palabras del espaol al
portugus tras ser vistas en los textos, este manual an, aade actividades con relacin a las
diferencias de gneros, tonicidad y significados entre palabras del espaol y del portugus que
poseen grafas semejantes, p. 96 y 97.

b)

Contextualizacin de la lengua

A pesar de muy formal en su trato gramatical, la coleccin a veces intenta


contextualizar los contenidos en sus unidades didcticas, es decir, si la unidad tiene por
172

objetivo: presentarse y conocer a nuevas personas, el contenido lxico tratado son los datos
personales, el gramatical verbos como: ser, llamarse, vivir y tener (Sntesis 1). Sin embargo,
podra la coleccin explotar ms la expresin e interaccin oral de los alumnos y las
situaciones reales donde uno pudiera necesitar estos contenidos, y no fijarse prioritariamente
en ejercicios estructurales escritos y de comprensin lectora.

c)

Inclusin de habilidades propias de los destinatarios a los que va dirigido

Algunas de las actividades buscan involucrar temas motivadores para los adolescentes,
como por ejemplo la saga Harry Potter (Sntesis 1); los deportes, las fiestas (Sntesis 2); el uso
de los foros en internet (Sntesis 3), etc. Sobre la inclusin de habilidades propias de los
alumnos en los contextos en los que se desenvuelven, algunas de las actividades podran
realmente suceder en la vida real del estudiante, principalmente las comunicativas, pero
muchas otras no, como las estructurales de completar huecos en textos y frases
descontextualizadas, que en el momento de la comunicacin en el idioma no serviran de
mucho.

d)

Presencia de actividades que eliciten conocimientos de los estudiantes y

que permitan la personalizacin

Se busca valorar en determinadas actividades los conocimientos previos de los


alumnos sobre todo de la lengua portuguesa y la cultura brasilea, al contrastar aspectos
lingsticos y culturales de la L1 y L2 (como los pronombres de tratamiento en los dos
idiomas- Sntesis 1). Aunque no ocurra en todas las actividades, los alumnos tambin son
llevados a contestar ejercicios con sus propias informaciones personales y con las de sus de
compaeros de clase. Como ya hemos dicho, la coleccin debera frecuentemente explotar
estas actividades de modo oral y no casi solamente escrito. Debera an, aumentar el nmero
de actividades que involucren los gustos, informaciones y opiniones de los alumnos,
principalmente en la comprensin lectora, que en la mayora de los casos el alumno debe
solamente copiar del texto y pegar y no es llevado a involucrase en lo que est leyendo y
tampoco ejercitar sus conocimientos previos en el tema ledo.

e)

Integracin de modelos de lengua (reales, autnticos), para que el

estudiantes pueda realizar cmodamente y de manera "rentable" una actividad


173

Hay pocas actividades en la coleccin que necesitan la interaccin entre los alumnos.
Pero, en el apartado Para charlar y escribir, el autor pone en una tabla los modelos de lengua
que van a usar los alumnos en la interaccin oral y sus objetivos, como si ello fuera lo nico
que necesitarn los alumnos para desarrollarse en la interaccin. Todava, no se contextualiza
muy bien la situacin comunicativa para la realizacin de las actividades. Generalmente no se
presentan el espacio y el contexto lingstico real de la funcin estudiada. La actividad es
sentida como un mero instrumento para que los estudiantes hablen las estructuras que estn
aprendiendo y no como una situacin que de verdad pudiera suceder en la vida al usar la
lengua extranjera.

f)

Presencia/ausencia de modelos de lengua que recojan diferentes

variedades de lengua (registro formal e informal, variantes de Hispanoamrica, etc.)


En las actividades auditivas se busca que los alumnos escuchen distintos acentos del
idioma y los textos presentes en la coleccin tambin presentan distintos gneros aunque no
haya un trabajo tan especfico en las caractersticas de los gneros textuales adoptados en los
manuales. No obstante, en los modelos de lengua para las actividades de expresin oral y
escrita observamos un patrn de lengua estndar, sin muchas variaciones. Son escasas las
expresiones coloquiales y vulgares en las actividades. Adems, casi siempre en las actividades
escritas y orales, la forma, mostrada por los manuales, para referirse personalmente a ms de
una persona en un contexto informal es ustedes y no vosotros(as) como en Espaa, siendo
preferible, aqu, la variedad Hispanoamericana.
En algunos textos se presentan modelos de lengua relacionados al contexto informal y
de distintas variedades hispanoamericanas, como en los cmics de Mafalda o los de Condorito,
pero los manuales no trabajan explcitamente estos elementos, prefiriendo el uso de los textos
para la explotacin gramatical o para que los alumnos copien y peguen informaciones
contenidas all.
En la parte de produccin oral y escrita, los manuales presentan modelos de lenguas
generalmente creados y algo artificiales, permitiendo as que los alumnos no conozcan,
principalmente el lenguaje informal realmente utilizado por los hispanohablantes. Muchas
veces en las actividades de produccin oral lo que espera el manual es que el discente
solamente conteste a preguntas sin lgica comunicativa pero utilizando los elementos
lingsticos estudiados anteriormente, como el caso de la pg. 114 del manual Sntesis 2 que
trata explcitamente de la ejercitacin artificial del pretrito perfecto compuesto.
174

g)

Proporcin y tratamiento de la gramtica (orientacin deductiva/

inductiva)

El tratamiento gramatical presente en la coleccin es totalmente deductivo, aunque, a


veces el tema gramatical est relacionado con el mbito de las unidades didcticas, su
tratamiento est basado en la explicitacin de la regla a partir de definiciones lingsticas
especficas y en la ejercitacin formal del contenido, como rellenar huecos con la estructura
aprendida en textos o frases descontextualizadas, es decir, en el trato de la gramtica en los
ejercicios de la coleccin el alumno no encuentra relacin de ste con el uso real y efectivo de
la lengua y solamente es necesario que memorice las reglas para contestar las cuestiones
pedidas. Adems el apartado destinado al aprendizaje gramatical ocupa mucho ms espacio en
los manuales respecto a los otros aspectos del idioma.

h)

Proporcin y tratamiento del lxico

Hay un apartado en cada unidad didctica nombrado: Algo de vocabulario, donde se


practica explcitamente el lxico relacionado al tema de cada unidad. Este tratamiento es dado
de distintas maneras, a partir de relaciones de imgenes con unidades lxicas; de definiciones
con palabras; juegos (crucigramas, sopa de letras); etc. El autor tambin suele poner tras cada
actividad lexical una tabla con ejemplos de variaciones de las unidades lxicas enseadas
segn los pases de habla hispana.

i)

Tratamiento de la fontica y ortologa

El tratamiento de la fontica y de la ortologa en la coleccin es prcticamente


inexistente. En las actividades de comprensin auditiva, aunque los audios presenten una
importante variedad acentual del espaol, el libro no trabaja estas caractersticas, las deja, a
cargo del profesor, si ese tiene la sensibilidad, el tiempo y el conocimiento adecuado para
trabajar los contenidos segmentales y suprasegmentales del idioma. No hay actividades donde
los alumnos son llevados a aprender y a reflexionar sobre los sonidos de la lengua y tampoco
sobre su pronunciacin. Sin embargo, hay un apartado (Para charlar y escribir) donde los
alumnos son solicitados a hablar como si lo supiera.

175

j)

Ejercitacin formal

La prctica y la fijacin de la lengua en el manual presentan distintos empleos,


generalmente las encontramos, realmente, en el apartado Para charlar y escribir que
corresponde a una pgina de cada unidad didctica de los manuales. En este apartado, en la
mayora de las veces, las actividades estn contextualizadas y pueden tener significacin para
los alumnos (hacer una lista de compra o una hoja de vida: Sntesis 1; Pedir informaciones en
hoteles, estaciones de trenes y sobre determinados sitios: Sntesis 2; Ensear una receta:
Sntesis 3; etc.). No obstante, a veces en este apartado y en muchos otros encontramos
diversas actividades descontextualizadas y mecnicas, que no consideran la experiencia del
aprendiz, que presentan muestras de lenguas falsas (creadas) y que carecen de claridad,
permitiendo as, que el alumno no encuentre un real significado en lo que hace, como las de
rellenar huecos con temas gramaticales o practicar la expresin oral sin contextos
comunicativos vlidos, solamente para expresar el tema gramatical aprendido, como es el
caso de la actividad de la pgina 148 del Sntesis 3 donde el alumno tiene que utilizar los
verbos de cambio para hacer cualquier clase de preguntas a sus compaeros sin que exista
ninguna situacin comunicativa concreta.

k)

Equilibrio de las cuatro destrezas

La coleccin aunque explote las cuatro destrezas, prioriza dos: comprensin lectora y
expresin escrita, pero la expresin escrita es ms ejercitada en ejercicios gramaticales y de
comprensin lectora que en actividades con fines comunicativos y de interaccin escrita; son
muchas las actividades para que los alumnos lean y escriban, aunque la ltima ni siempre est
contextualizada y conlleve sentido. Las actividades de comprensin auditiva, expresin e
interaccin oral se dan en menor medida, posiblemente debido al objetivo que tienen los
alumnos brasileos al terminar la enseanza secundaria: aprobar la selectividad nacional
(ENEM) e ingresar en una universidad. El examen de espaol como LE de esta selectividad
est basado en lectura e interpretacin de textos, explicando as, la centralidad del manual en
estas dos destrezas. Trataremos detalladamente de este examen en un apartado futuro.

l)

Inclusin de materiales autnticos y su relevancia

La coleccin Sntesis incluye muchos materiales autnticos, adaptados o no,


176

principalmente en la comprensin textual. En la comprensin auditiva, los audios son casi


todos creados y en la expresin escrita, casi nunca aparecen textos como muestras de lengua,
lo que suele poner el libro son muestras de lengua con las estructuras que se va a necesitar
para la escrita. Por ejemplo en la pgina 148 del Sntesis 1 se pide que los alumnos creen un
anuncio para alquilar una casa de playa, sin embargo, no se pone ningn anuncio anterior (real
o creado) para que los alumnos sigan el modelo. Sobre la relevancia de los materiales
autnticos usados en la comprensin lectora es casi nula, ya que los manuales suelen
preguntar a los alumnos principalmente sobre aspectos que se pueden copiar directamente de
lo explicitado en los textos, no llevando el alumno a pensar, tampoco a descubrir a partir de
las especificidades inherentes al material autntico.

m)

Integracin de cuestiones socio-culturales

La coleccin presenta sobre todo la Cultura en mayscula, a travs de las temticas de


los textos para la comprensin lectora, y en la mayora de las veces no presenta aclaraciones
explcitas extras sobre el tema cultural presente en estos textos. La cultura en minscula es
raramente trabajada, y tampoco hay muchas actividades con contrastes culturales entre la
cultura brasilea y la de los pases de habla hispana. Observamos que al trabajar el mbito de
la comida, el autor no se interesa, por ejemplo, en exponer los horarios de la comida en
Espaa o en hablar sobre los hbitos alimenticios de los mexicanos, etc. Lo que a l le
importa es que los alumnos aprendan estructuras gramaticales que pueden ser usadas en este
mbito (como el verbo gustar) y el lxico (Sntesis 1). El trato de la cultura es prcticamente
marginado en los libros, aunque haya muchos textos autnticos de diferentes pases que
hablan el espaol.
Por todo lo analizado, detectamos que la coleccin Sntesis no sigue una metodologa
comunicativa, aunque presente algunos de sus aspectos, como la presentacin de diferentes
destrezas; variedad de actividades y de muestras de lengua, principalmente de textos
autnticos y algunas actividades representativas de la comunicacin real.
Los manuales abusan de la explotacin y de los elementos gramaticales, usando el
metalenguaje en su explicacin. An presenta una comprensin textual que en mayor medida
no lleva el alumno a percibir lo que dice las entrelineas del texto, ni a razonar crticamente
sobre lo que se lee, lo que se le pide, generalmente, es que busque informaciones explcitas en
el texto y las pegue en sus respuestas sin que sea necesario, muchas veces, hacer ninguna
alteracin.
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As, a partir de estos manuales no se puede atender a algunos de los principales


objetivos de la enseanza de LE expuestas en los PCNEM y en las OCNEM, como:

comprender y usar el lenguaje y que a travs de los significados, expresin,

comunicacin e informacin;

ser capaz de organizar cognitivamente la realidad; confrontar opiniones y

puntos de vista sobre los diferentes lenguajes y sus especificas manifestaciones;

el alumno no puede ser considerado un simple reproductor o espectador de

saberes discutibles;

utilizar el lenguaje como medio de expresin, informacin y comunicacin;

saber desenvolverse como protagonistas al producir o recibir el lenguaje;

conocer y utilizar lenguas extranjeras para acceder a informaciones y a

diferentes culturas y grupos sociales;

los alumnos deben dominar eficazmente la competencia gramatical, la

competencia sociolingstica; la competencia discursiva y la competencia estratgica.


Todos estos objetivos para la enseanza de LE en Brasil presentados en los
documentos orientativos oficiales no se cumplen eficazmente en la coleccin analizada, como
ya dicho anteriormente, los manuales se preocupan ms con el preparo de los alumnos para la
selectividad nacional y para adquirir tradicionalmente las reglas y conceptos gramaticales de
la lengua meta que en preparar los discentes para una actuacin lingstica adecuada en los
diversos mbitos del idioma.

Como tambin apuntan los documentos y no realiza los

manuales, la coleccin tampoco prepara el alumno para comunicarse de modo eficaz en


distintas situaciones de la vida cotidiana.

Conclusiones

La coleccin que nos dispusimos a analizar, Sntesis, aunque presente diversidad de muestras
de lengua y actividades y trate las destrezas expresadas en los documentos, se caracteriza en
general como un manual de planteamiento estructuralista que da ms importancia a la
compresin lectora y la exposicin deductiva de la gramtica, sin tratar muchas veces al
alumno como agente crtico en el proceso. En consecuencia, no sigue, entre otros, algunos de
los principales objetivos para la enseanza de E/LE del pas: que el alumno se comunique
eficazmente en el idioma y que reciba las informaciones considerando sus conocimientos
previos y su capacidad de opinar y razonar sobre lo que se le expone. As, nuestra hiptesis,

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de que los manuales utilizados para la enseanza de E/LE en Brasil no responden


adecuadamente a los objetivos comunicativos de los currculos analizados, no hace sino
confirmarse.

Referncias bibliogrficas
MARTIN, I. Sntesis- curso de lengua espaola. Ensino mdio. So Paulo: tica, 2010.
Ministrio da Educao e Cultura Guia de Livros Didticos - PNLD 2012.
<http://www.fnde.gov.br/arquivos/category/125-guias?download=5510:pnld-2012-linguaestrangeira> (fecha de consulta en 10 de junio de 2014).
OLIVEIRA, R. S. Los parmetros y orientaciones curriculares para la enseanza de e/le en
Brasil: anlisis comparativo con el MCER y significado para la formacin del profesorado.
Directoras, Dra. Isabel Garca Parejo; Dra. Mrcia Paraquett Fernandes. (Tesis Doctoral).
Universidad Complutense de Madrid. (2012).
OSMAN, Soraia Adel; ELIAS, Neide; MERINERO, Sonia Izquierdo; REIS, Priscila Maria y
VALVERDE , Jenny. Enlaces. Espaol para jvenes brasileos.So Paulo: MacMillan, 2010
VILLALBA, Teresa Koto Bonnet; PICANO, Deise Cristina de Lima. El arte de leer
Espaol: volumes1, 2 y 3. Curitiba: Base Editora, 2010.

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