O Cuidar Dos Terreiros (Hendrix Silveira) PDF
O Cuidar Dos Terreiros (Hendrix Silveira) PDF
O Cuidar Dos Terreiros (Hendrix Silveira) PDF
licenciada
sob uma Licena Creative Commons.
Tradies de matriz
africana e sade:
o cuidar nos terreiros
Traditions of african
origin and health:
the care in the terreiros
Hendrix Silveira
Mestre em Teologia pelas Faculdades EST.
Educador na Escola de Filosofia e Teologia Afrocentrada (ESTAF).
Coordenador Geral do gb run Ay Associao Afro-Brasileira de Estudos
Teolgicos e Filosficos das Culturas Negras.
Bblr do Il r Wre em Porto Alegre/RS.
Resumo:
Os r so divindades cultuadas nas tradies de matriz africana e tm um importante
papel na manuteno da vida, que se inscreve na perspectiva da sade cuja viso sempre
integral. Este artigo pretende trazer elementos que contribuam para uma compreenso da
questo da sade segundo as tradies de matriz africana a partir de seu componente
teolgico e filosfico luz da exunutica e sistematizados pela afroteologia. Para tanto
apresentamos as tradies de matriz africana conceitualmente, como se d o processo de
acolhimento, as interpretaes sobre a doena e as divindades relacionadas com o
reestabelecimento da sade. Ao concluir passamos a entender que a vida, para estas
tradies, o seu objetivo primordial.
Palavras-chave: Tradies de Matriz Africana. Sade. Afroteologia.
Abstract:
The Orisha are worshiped deities in the traditions of African origin and have an important
role in the maintenance of life, in the perspective of health whose vision is always full. This
paper aims to bring elements that contribute to an understanding of the issue of health
according to the traditions of African origin from their theological and philosophical birth
of eshuneutics and systematized by afrotheology component. For that we present the
traditions of African conceptually matrix, how is the reception process, interpretations
about the disease and the deities associated with the reestablishment of health. At the
conclusion we came to understand that life for these traditions is their primary goal.
Keywords: Traditions of African Origin. Health. Afrotheology.
76
Introduo
A Rede Nacional de Religies Afro-Brasileiras e Sade, a RENAFRO SADE, produziu
em 2013 um vdeo documentrio intitulado O cuidar no terreiro1. Neste documentrio sacerdotes
das tradies de matriz africana de todo o Brasil narram suas experincias de acolhimento e
tratamento de pessoas com a sade comprometida. Ali podemos perceber nuances teolgicas
imbricadas na relao dessas tradies com a sade. No culto do Orix, a gente aprende a ser
cuidado, acima de tudo, e a cuidar do outro, diz Bb Digba de Yemj, Bblr2 na cidade de
Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Houve esse acolhimento principalmente [por parte] de Iemanj.
Quase todos os Orixs que, se voc procurar, Iemanj est em todo esse processo de acolhimento,
complementa y Beata de Yemj, ylr em Nova Iguau, Rio de Janeiro.
De fato os r enquanto divindades cultuadas nas tradies de matriz africana tm um
importante papel na manuteno da vida, que se inscreve na perspectiva da sade cuja viso
sempre integral.
Este artigo pretende trazer elementos que contribuam para uma compreenso da questo da
sade segundo as tradies de matriz africana a partir de seu componente teolgico e filosfico
luz da exunutica e sistematizados pela afroteologia. Sobre a afroteologia j publicamos um
conceito:
A afroteologia ento a teologia prpria das religies de matriz africana. Parte de
princpios prprios da viso de mundo ancestral africana, que lhe confere uma relao
singular entre o significante e o significado; lhe emprega sentidos prprios seguindo a
lgica cultural das observaes desse povo sobre o mundo visvel e o invisvel. 3
CUIDAR no terreiro, O. Direo: Neto Borges. [Rio de Janeiro]: Rede Nacional de Religies Afro-Brasileiras e
Sade, 2013. 1 DVD (28 min), NTSC, son. Color. (tambm disponvel em: <http://youtu.be/VyR5jVYohA8>.
Acesso em: 29 set. 2014.)
As palavras em lngua yorb que figuram neste trabalho esto escritos segundo a obra Uma abordagem moderna
ao yorb (Edio do Autor, 2011), do linguista nigeriano Gideon Baball dw. Utilizamos essa ortografia a fim
de tornar mais compreensvel a rica tradio oral preservada nas Tradies de Matriz Africana. A lngua yorb
tonal e seu alfabeto constitudo por 25 letras: A B D E F G GB H I J K L M N O P R S T U W Y. Consoantes
e vogais tm o mesmo valor que em portugus, porm a vogal E pronuncia-se sempre fechada, como em ema, a
sempre aberta como em Eva. G tem som gutural como em gado, e nunca como J. GB explosivo. H sempre
pronunciado e tem som aspirado como em hell (ingls). A vogal O fechado, como em ovo e aberto como
em p. R tem um som brando como em rest (ingls), nunca como RR. A consoante S sibilante como em
sistema e chiada como em xcara ou chimarro. W tem som de U e Y tem som de I. No existem as
consoantes C, Q, V, X e Z. A indicao do tom das slabas feita pela acentuao: grave indica tom baixo (d), sem
acento tom mdio (r) e agudo indica tom alto (mi).
SILVEIRA, Hendrix. Afroteologia: elementos epistemolgicos para se pensar numa teologia das religies de matriz
africana. In: CONGRESSO DA SOTER , 26., 2013, Belo Horizonte. Anais do congresso da SOTER / Sociedade de
Teologia e Cincias da Religio: Deus na sociedade plural: f, smbolos, narrativas. Belo Horizonte: PUC Minas,
2013. p. 1143.
Identidade! | So Leopoldo | v. 19 n. 2 | p. 75-88 | jul.-dez. 2014 | ISSN 2178-0437X
Disponvel em: <http://periodicos.est.edu.br/identidade>
77
GROSS, Eduardo. Consideraes sobre teologia entre os estudos da religio. In: TEIXEIRA, Faustino (org.). A(s)
cincia(s) da religio no Brasil: afirmao de uma rea acadmica. 2. ed. So Paulo: Paulinas, 2008. p. 344.
SILVEIRA, Hendrix. No somos filhos sem pais: histria e teologia do Batuque do Rio Grande do Sul. So
Leopoldo: Faculdades EST, 2014. 134 f. Dissertao (Mestrado em Teologia rea de concentrao Teologia e
Histria) Programa de Ps-Graduao em Teologia, Faculdades EST, So Leopoldo, 2014. p. 124.
ASANTE, Molefi Kete. Afrocentricidade: notas sobre uma produo disciplinar. In: NASCIMENTO, Elisa Larkin
(Org.). Afrocentricidade: uma abordagem epistemolgica inovadora. So Paulo: Selo Negro, 2009. p. 93-110.
ALVES, Mriam Cristiane. Desde dentro: processos de produo de sade em uma comunidade tradicional de
terreiro de matriz africana. Porto Alegre: PUC/RS, 2012. 306 f. Tese (Doutorado em Psicologia Social) Faculdade
de Psicologia, Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012. p. 56.
B, A. Hampat. A tradio viva. In: KI-ZERBO, J. (ed.). Histria geral da frica I: metodologia e pr-histria da
frica. Braslia, DF: UNESCO, 2010. p. 169.
Identidade! | So Leopoldo | v. 19 n. 2 | p. 75-88 | jul.-dez. 2014 | ISSN 2178-0437X
Disponvel em: <http://periodicos.est.edu.br/identidade>
78
Deve-se ter em mente que, de maneira geral, todas as tradies postulam uma viso
religiosa do mundo. O universo visvel concebido e sentido como o sinal, a concretizao
ou o envoltrio de um universo invisvel e vivo, constitudo de foras em perptuo
movimento. No interior dessa vasta unidade csmica, tudo se liga, tudo solidrio, e o
comportamento do homem em relao a si mesmo e em relao ao mundo que o cerca
(mundo mineral, vegetal, animal e a sociedade humana) ser objeto de uma regulamentao
ritual muito precisa cuja forma pode variar segundo as etnias ou regies. A violao das leis
sagradas causaria uma perturbao no equilbrio das foras que se manifestaria em
distrbios de diversos tipos.9
9
10
B, 2010, p. 173.
SILVEIRA, Hendrix. Gbobo ohun ti a b se ni ay l'a o kunl r ni run: processo escatolgico no Batuque do Rio
Grande do Sul. Identidade!. Vol. 17, n 02, 2012. p. 247-258. Disponvel em:
<http://periodicos.est.edu.br/index.php/identidade/article/viewFile/424/471>. Acesso em: 22 out. 2014
Identidade! | So Leopoldo | v. 19 n. 2 | p. 75-88 | jul.-dez. 2014 | ISSN 2178-0437X
Disponvel em: <http://periodicos.est.edu.br/identidade>
79
Cada indivduo interpretado como pessoa nica e exclusiva. Ela tem sua orixalidade e
sua ancestralidade que a singulariza diante deste coletivo. Assim, todos os Or (ritos), indicaes,
b (oferendas propiciatrias), cnticos, aconselhamentos e procedimentos de sade so sempre
diretamente vinculados ao prprio indivduo.
11
12
13
No Batuque tambm comum o uso das expresses correspondentes Pai ou Me de Santo, Pronto com Axs,
Pronto de Cabea ou simplesmente Pronto. Abaixo destes nveis indica-se a iniciao dovivenciador (Omier,
Oribib ou Bori).
ELIADE, Mircea. O mito do eterno retorno. So Paulo: Mercuryo, 1992. p. 55-120.
ALVES, Miriam Cristiane; SEMINOTTI, Nedio. Ateno sade em uma comunidade tradicional de terreiro.
Revista de Sade Pblica. v. 43 (supl.1). So Paulo, ago. 2009. p. 86. Disponvel em:
<http://www.scielo.br/pdf/rsp/v43s1/754.pdf>. Acesso em: 22 out. 2014.
Identidade! | So Leopoldo | v. 19 n. 2 | p. 75-88 | jul.-dez. 2014 | ISSN 2178-0437X
Disponvel em: <http://periodicos.est.edu.br/identidade>
80
Cada pessoa precisa ser estudada individualmente para ter-se um diagnstico preciso e
assim harmoniz-la com o cosmo. A primeira ao o acolhimento. Quando y Beata se refere
Yemj como a divindade que est presente nos processos de acolhimento porque, em seus tn,
Histrias Sagradas, Ela sempre aparece como a grande Me do Universo, que acolhe seus filhos e
os filhos de outras divindades. Os acolhe e cuida. Cura seus males, assim como curou as feridas de
npnn. Por isso mesmo entendida como a Me da humanidade; de todas as criaturas.
O terreiro uma casa acolhedora, de irmos, onde aqui a gente perde os ttulos l fora. So
todos aqui meu pai, minha me, meu irmo. uma famlia unida. Essa casa, esse
terreira, como queira denominar, um grande tero onde cabe todos os seus filhos e todos
encontram aconchego, respeito, carinho e, quando necessrio, o apoio. 14
14
15
16
CUIDAR, 2013.
ADKY, Olmyiw Anthony. Yorb: tradio oral e histria. So Paulo: Terceira Imagem, 1999. p. 67-68.
KNAUTH, Daniela Riva. A doena e a cura nas religies afro-brasileiras do Rio Grande do Sul. In: ORO, Ari Pedro
(Org.). As religies afro-brasileiras do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1994. p. 96.
Identidade! | So Leopoldo | v. 19 n. 2 | p. 75-88 | jul.-dez. 2014 | ISSN 2178-0437X
Disponvel em: <http://periodicos.est.edu.br/identidade>
81
rnml est diretamente vinculado a If que, segundo Lijadu e Epg, citados por
Adky, so todas as palavras emitidas por rnml.17 Fgbm jnk, tambm citado por
Adky, complementa afirmando que no existe nada no mundo que a palavra de Deus no
abranja, por isso, chamado de If18 Entendemos que If se inscreve na perspectiva de texto oral
sagrado, tal qual o Tor o foi antes de ser escrito, e como tal figura como o grande orientador do
mundo. consultando If, atravs do jogo de bzios, que os Bblr e as ylr identificam a
origem da doena e qual terapia de cura deve ser aplicada.
Os motivos para a doena
So muitos os motivos que levam uma pessoa a procurar uma comunidade tradicional de
matriz africana para solucionar seus problemas com relao sade. Knauth aponta para vrios
aspectos tanto oriundos do prprio indivduo (por exemplo, tabagismo, alcoolismo, m conduta
alimentar, pensamentos negativos, ansiedade, etc.) quanto de agentes externos ao indivduo.
Abmbl nos fala do bom carter como sendo por si s um grande agente contra os infortnios e
contra a doena:
Todo indivduo deve empenhar-se para ter wpl [o bom carter], com o objetivo se ser
capaz de ter uma boa vida num sistema dominado por muitos poderes sobrenaturais e numa
sociedade controlada pela hierarquia nas autoridades. O homem que possui wpl no
colidir com nenhum dos poderes, sejam humanos ou sobrenaturais e, desta forma, viver
em completa harmonia com as foras que governam tal universo. 19
Isso porque para as Tradies de Matriz Africana a doena uma fora e por isso um
ser . rn, um dos ajogun, os guerreiros contra o homem21 que surgem no mundo com a
inteno de destruir os seres humanos. Por isso a doena um problema da comunidade e no
apenas do indivduo.
20
Nas sociedades africanas a doena [...] no ressentida apenas como fenmeno que vem
abater a dimenso fsica do indivduo em particular mas, ela tambm vivenciada em,
alguns casos, como uma desordem espiritual do prprio homem nas suas relaes com a
sua famlia espiritual, dimenso da ancestralidade. E consequentemente, a doena perturba
as relaes sociais. Por conseguinte, as sociedades africanas geralmente concebem a doena
17
18
19
20
21
82
Este o motivo mais comum da busca por cura nas comunidades tradicionais de matriz
africana. Contudo, no so os nicos. H problemas considerados exclusivamente de ordem
espiritual. A doena pode, inclusive, ser fator indicativo da necessidade de uma pessoa ser iniciada
no culto.
A doena e a cura aparecem como os principais fatores responsveis pelo grande nmero de
fiis que as religies afro-brasileiras congregam. A cura, alm de ser a demanda mais
frequente, tambm um dos motivos principais de converso dos fiis. [...] A religio, por
estabelecer a mediao entre a ordem natural, a ordem social e a ordem sobrenatural,
capaz de fornecer doena um sentido. Sentido que vai ao encontro, primeiro, busca de
explicao por parte dos fiis para este acontecimento especfico e, segundo, a uma
concepo de mundo em que essas ordens se encontram sempre entrelaadas. 24
Ento mais do que oferecer uma soluo pragmtica para a doena, as Tradies de Matriz
Africana oferecem um sentido para a sua existncia. Este fator tipicamente africano. Rabelo,
citado por Barbosa, diz que o sucesso das terapias religiosas est em sua capacidade de mudar a
maneira como os doentes compreendem e se posicionam frente s suas aflies 25. Uma doena que
aparece sem explicao ou mesmo comportamentos considerados anormais como o nervosismo, a
irritao, agressividade, etc., so elementos considerados indicativos de problemas espirituais. Estes
problemas podem ter origem numa terceira pessoa. As crenas africanas incluem a existncia da
feitiaria e a possibilidade de que a doena seja provocada por feiticeiros ou feiticeiras so uma
constante nas culturas africanas e afrodiaspricas.
Por sua vez, o castigo que a sociedade africana impe ao feiticeiro corresponde concepo
de vida e escala de valores que lhe so prprias. Sendo a vida, sua propagao e
conservao o valor mximo, aquele que com toda a fora vital entregou-se destruio
desse valor, recebe tambm a punio mxima, isto , a eliminao total da vida, assim,
contrariamente a todos os outros homens, o feiticeiro, aps a morte, no enterrado, mas
22
23
24
25
DOMINGOS, Luz Toms. A dimenso religiosa da medicina africana tradicional. In: CONGRESSO DA SOTER ,
26., 2013, Belo Horizonte. Anais do congresso da SOTER / Sociedade de Teologia e Cincias da Religio: Deus na
sociedade plural: f, smbolos, narrativas. Belo Horizonte: PUC Minas, 2013. p. 1150.
KNAUTH, 1994, p. 97-98.
KNAUTH, 1994, p. 91.
RABELO apud BARBOSA, Daniela dos Santos. Rituais e prticas cotidianas para a manuteno da sade em uma
comunidade de matriz africana. In: CONGRESSO DA SOTER , 26., 2013, Belo Horizonte. Anais do congresso da
SOTER / Sociedade de Teologia e Cincias da Religio: Deus na sociedade plural: f, smbolos, narrativas. Belo
Horizonte: PUC Minas, 2013. p. 1099.
Identidade! | So Leopoldo | v. 19 n. 2 | p. 75-88 | jul.-dez. 2014 | ISSN 2178-0437X
Disponvel em: <http://periodicos.est.edu.br/identidade>
83
84
O smbolo de snyn uma aste de metal com sete pontas sendo que na do centro est
pousado um pssaro, smbolo do poder de vida das y-mi rng, as poderosas Mes ancestrais
das mulheres e detentoras do poder de gerao de vida. No Batuque, esta aste foi simbolicamente
substituda pela representao de uma coqueiro ou palmeira. Tambm representado por um totem
de madeira onde figura um homem com uma perna s. Esta nica perna no representativa de um
defeito fsico, mas sim de seu vnculo como divindade que d fora imaterial s plantas.
Para Beniste30, snyn representa o poder e o encanto das ervas litrgicas e medicinais
e que a juno das folhas para produzir os efeitos desejados um de seus grandes , como
tambm conhecer seus f, as rezas de encantamento [...] quando decantado o poder de cada
folha e por isso que essa divindade interfere em diversos rituais. Berkenbrock complementa
afirmando que snyn o Orix da vegetao, das folhas, das ervas e especialmente do Ax por
elas contidas. [...] As ervas podem liberar diversos Axs na vida de um iniciado.31
No Oriki (louvao) abaixo podemos evidenciar a importncia de snyn para a
sociedade como divindade-mdico. Este r se apresenta na perspectiva da sade integral como a
divindade que conhece a doena e a sua cura. Conhece as propriedades curativas das plantas no
apenas como elementos qumico-farmacolgicos, mas, sobretudo, como elemento espiritual que
cura o corpo e o esprito ao invocar o poder imaterial nelas contido:
Ew gbogbo kk
m awo ni e ogun
ls kan ju ls mji l
A k p ngba r k sunwn
Al ew
Aquele que transforma todas as folhas em remdios
As crianas do culto que fazem remdio
Com uma perna s, Ele mais poderoso do que quem tem duas pernas
Aquele que chamado quando nada vai bem
O dono do poder das folhas32
Outra divindade importante npnn. Diz-se que Ele conhece os segredos da vida e da
morte. No candombl chamado de mlu ou balwy. a divindade das pestes, da varola, das
doenas de pele. Tem o poder sobre as doenas, tanto para afastar quanto para traz-las. No
29
30
31
32
CORRA, Norton F. O batuque do Rio Grande do Sul: antropologia de uma religio afro-rio-grandense. 2. ed. So
Lus: Cultura & Arte, 2006. p.189.
BENISTE, Jos. As guas de Oxal: (won omi l). 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 113.
BERKENBROCK, Volney J. A experincia dos orixs: um estudo sobre a experincia religiosa no candombl. 3. ed.
Petrpolis: Vozes, 2007. p. 244.
BENISTE, 2005, p. 114.
Identidade! | So Leopoldo | v. 19 n. 2 | p. 75-88 | jul.-dez. 2014 | ISSN 2178-0437X
Disponvel em: <http://periodicos.est.edu.br/identidade>
85
candombl Ele representado como um homem coberto por um manto de palha da cabea aos ps.
A inteno esconder a pele que coberta de chagas e feridas. Carrega consigo um cetro,
semelhante a uma vassoura que se chama r, feito de palitos de dendezeiro. No Batuque esta
vassoura feita de piaava cujas serdas so pintadas de lils ou preto e vermelho, cores consagradas
a este r. O vnculo de seu nome com as doenas o faz protetor da sade daqueles que o cultuam
garantindo com que seja constantemente procurado para resolver problemas ligados a esta rea.
Era muito cultuado entre os daomeanos, mas teve seu culto expandido por toda a
iorubalndia33. No Benin, pas onde antigamente se localizava o reino do Daom, chamado de
Sakpat. Um de seus tn (Histrias Sagradas) nos revela seu poder de trazer e de afastar doenas:
Um dia Obalua saiu com seus guerreiros.
Ia na direo terra dos mahis, no Daom.
Obalua era conhecido como um guerreiro sanguinrio, atingindo a todos com as pestes,
quando estes se opunham a seus desejos.
Os habitantes do lugar, quando souberam de sua chegada, foram em busca de ajuda de um
adivinho.
Ele recomendou que fizessem oferendas, com muita pipoca, inhame pilado, dend e todas
as comidas de que o guerreiro gostasse.
Pipocas acalmam Obalua.
Obalua, satisfeito com a sujeio daquele povo, o poupou.
Declarou que a partir daquele dia viveria naquele reino.
Assim o fez e em pouco tempo o pas tornou-se prspero e rico.34
Este tn deixa claro do por que do culto a esta divindade. npnn um r perigoso,
o dono das doenas infectocontagiosas. Uma epidemia a demonstrao de Sua fria. Mas Ele
pode ser acalmado se forem feitas as oferendas propiciatrias. Com isso npnn no s afasta as
doenas como ainda traz paz e prosperidade ao mundo. Por isso seu culto permaneceu no Brasil
escravocrata e manteve-se at os dias de hoje. O culto a npnn uma tentativa de ter controle
sobre o mal da doena. Corra diz o seguinte:
Orix dono da varola e das doenas em geral. Considerado velho, impertinente, ranzinza e
vingativo, o Xapan muito respeitado pelo pessoal da Nao: bastam os primeiros sons do
cntico do orix, para que todos os que acaso estejam sentados, inclusive os tamboreiros,
levantem-se ligeiramente em sinal de respeito, pois ningum quer arriscar-se a ser vtima de
sua vingana.35
33
34
35
O territrio compreendido entre o sudoeste do rio Nger, na Nigria, e o centro-sul do Benin chamado de
iorubalndia devido s etnias que se estabeleceram nesta regio serem do complexo cultural e lingustico iorub.
Iorub no um grupo tnico mas sim um grupo mais ou menos homogneo em termos de cultura e lngua, mas no
so politicamente unidos. Pierre Verger chega a dizer que eles preferem ser chamados de ijexs, oys ou egbs a
iorubs.
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos orixs. So Paulo: Companhia das letras, 2001. p. 207-208.
CORRA, 2006, p. 190.
Identidade! | So Leopoldo | v. 19 n. 2 | p. 75-88 | jul.-dez. 2014 | ISSN 2178-0437X
Disponvel em: <http://periodicos.est.edu.br/identidade>
86
Referncias
ABMBL, Wnd. A concepo iorub da personalidade humana. Trad. Luiz L. Marins.
Maro/2012. Disponvel em: <http://culturayoruba.files.wordpress.com/2012/ 11/a-concepcaoioruba-da-personalidade-humana-abimbola.pdf>. Acesso em: 27 out. 2014.
______. wpl: O conceito de bom carter no corpo literrio de If. In: Tradio Oral Ioruba:
seleo de artigos apresentados no seminatio sobre tradio oral iorub: poesia, musica, dana e
drama. Departamento de Lnguas e Literaturas Africanas, Universidade de Ile If. Trad. Rodrigo
36
SANTOS, Juana Elbein dos. Os nag e a morte: pd, e o culto gn na Bahia. Petrpolis: Vozes, 1986. p.
131.
Identidade! | So Leopoldo | v. 19 n. 2 | p. 75-88 | jul.-dez. 2014 | ISSN 2178-0437X
Disponvel em: <http://periodicos.est.edu.br/identidade>
87
88
GROSS, Eduardo. Consideraes sobre teologia entre os estudos da religio. In: TEIXEIRA,
Faustino (org.). A(s) cincia(s) da religio no Brasil: afirmao de uma rea acadmica. 2. ed. So
Paulo: Paulinas, 2008. p. 323-346.
DW, Gideon Baball. Uma abordagem moderna ao yorb (nag): gramtica, exerccios,
minidicionrio. 2. ed. Porto Alegre: do Autor, 2011.
KNAUTH, Daniela Riva. A doena e a cura nas religies afro-brasileiras do Rio Grande do Sul. In:
ORO, Ari Pedro (Org.). As religies afro-brasileiras do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ed.
Universidade/UFRGS, 1994. p. 89-103.
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos orixs. So Paulo: Companhia das letras, 2001. 592p.
REHBEIN, Franziska C. Candombl e salvao. So Paulo: Loyola, 1985. 312 p.
SANTOS, Juana Elbein dos. Os nag e a morte: pd, e o culto gn na Bahia. Petrpolis:
Vozes, 1986. 263 p.
SILVEIRA, Hendrix. Gbobo ohun ti a b se ni ay l'a o kunl r ni run: processo escatolgico no
Batuque do Rio Grande do Sul. Identidade!. Vol. 17, n 02, 2012. p. 247-258. Disponvel em:
<http://periodicos.est.edu.br/index.php/identidade/article/ viewFile/424/471>. Acesso em: 22 out.
2014
______. Afroteologia: elementos epistemolgicos para se pensar numa teologia das religies de
matriz africana. In: CONGRESSO DA SOTER , 26., 2013, Belo Horizonte. Anais do congresso da
SOTER / Sociedade de Teologia e Cincias da Religio: Deus na sociedade plural: f, smbolos,
narrativas. Belo Horizonte: PUC Minas, 2013. p. 1133-1143.
______. No somos filhos sem pais: histria e teologia do Batuque do Rio Grande do Sul. So
Leopoldo: Faculdades EST, 2014. 134 f. Dissertao (Mestrado em Teologia rea de concentrao
Teologia e Histria) Programa de Ps-Graduao em Teologia, Faculdades EST, So Leopoldo,
2014.
TORRES, Adelino. Filosofia Africana e desenvolvimento (Sntese de algumas reflexes
preliminares apresentadas na Academia das Cincias de Lisboa em 8 de Janeiro de 2013).
Disponvel em: <http://cis-edu.org/pdf/Adelino_Torres_Filosofia_ Africana_desenvolvimento.pdf>.
Acesso em 27 out. 2014.
VERGER, Pierre Fatumbi. Orixs: deuses iorubas na frica e Novo Mundo. Salvador: Corrupio,
1997.