Poesia Toda - Herberto Helder PDF
Poesia Toda - Herberto Helder PDF
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POESIA TODA
Esta obra foi digitalizada e corrigida pelo Servio de Leitura Especial
da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo.
leituraespecial@cm-viana-castelo.pt
DO AUTOR
O Amor em Visita 1958
A Colher na Boca 1961
Poemacto 1961
Lugar 1962
Os Passos em Volta 1963
Electronioolrica (ttulo posterior: A Mquina Lrica) 1964
Hmus 1967
Retrato em Movimento 1967
Ofcio Cantante (antologia, 1953-1963) 1967
O Bebedor Nocturno 1968
Vocao Animal 1971
Poesia Toda, 1.= Vol. (antologia, 1953-1966) 1973
Poesia Toda, 2.= Vol. (antologia, 1963-1971) 1973
Cobra 1977
O Corpo O Luxo A Obra 1978
Photomaton & Vox 1979
FLash 1980
Poesia Toda (antologia, 1953-1980) 1981
A Cabea Entre as Mos 1982
Edoi LeLia Doura / Antologia das Vozes
Comunicantes da Poesia Moderna Portuguesa 1985
As Magias 1987; ed. acresc. 1988
ltima Cincia 1988
Os Seios (in As Escadas No Tm Degraus, n.3, maro de 1990)
HERBERTO HELDER
POESIA TODA
A COLHER NA BOCA
PREFCIO
Falemos de casas, do sagaz exerccio de um poder
to firme e silencioso como s houve
no tempo mais antigo.
Estes so os arquitectos, aqueles que vo morrer,
sorrindo com ironia e doura no fundo
de um alto segredo que os restitui lama.
De doces mos irreprimveis.
Sobre os meses, sonhando nas ltimas chuvas,
as casas encontram seu inocente jeito de durar contra
a boca subtil rodeada em cima pela treva das palavras.
Digamos que descobrimos amoras, a corrente oculta
do gosto, o entusiasmo do mundo.
do amador.
Depois acorda, e vai, e d-se ao amador,
d-lhe o grito dele.
E o amador e a coisa amada so um nico grito
anterior de amor.
E gritam e batem. Ele bate-lhe com o seu esprito
de amador. E ela batida, e bate-lhe
com o seu esprito de amada.
Ento o mundo transforma-se neste rudo spero
do amor. Enquanto em cima
o silncio do amador e da amada alimentam
o imprevisto silncio do mundo
e do amor.
II
No sei como dizer-te que minha voz te procura
e a ateno comea a florir, quando sucede a noite
esplndida e vasta.
No sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
eu no sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.
Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espao
e o corao uma semente inventada
em seu escuro fundo e em seu turbilho de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solido
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
E ento no sei o que dizer
junto taa de pedra do teu to jovem silncio.
Quando as crianas acordam nas luas espantadas
que s vezes se despenham no meio do tempo
no sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.
Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a agua sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espao
e penso que vou dizer algo cheio de razo,
mas quando a sombra cai da curva sfrega
dos meus lbios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave qualquer
coisa extraordinria.
Porque no sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim o sol, o fruto,
a criana, a gua, o deus, o leite, a me,
o amor.
que te procuram.
III
Todas as coisas so mesa para os pensamentos
onde fao minha vida de paz
num peso ntimo de alegria como um existir de mo
fechada puramente sobre o ombro.
Junto a coisas magnnimas de gua
e espritos,
a casas e achas de manso consumindo-se,
ervas e barcos altos meus pensamentos criam-se
com um outrora lento, um sabor
de terra velha e po diurno.
E em cada minuto a criatura
feliz do amor, a nua criatura
da minha histria de desejo,
inteiramente se abre em mim como um tempo,
uma pedra simples,
ou um nascer de bichos num lugar de maio.
Ela explica tudo, e o vir para mim
como se levantam paredes brancas
ou se do festas nos dedos espantados das crianas
a vida ser redonda
com seus ritmos sobressaltados e antigos.
Tudo trigo que se coma e ela
o trigo das coisas,
o ltimo sentido do que acontece pelos dias dentro.
Espero cada momento seu
como se espera o rebentar das amoras
e a suave loucura das uvas sobre o mundo.
E o resto uma altura oculta,
um leite e uma vontade de cantar.
O AMOR EM VISITA
Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.
Cantar? Longamente cantar.
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito martimo
e o po for invadido pelas ondas
seu corpo arder mansamente sob os meus olhos palpitantes.
Ele imagem vertiginosa e alta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arder para mim
sobre um lenol mordido por flores com gua.
Em cada mulher existe uma morte silenciosa.
E enquanto o dorso imagina, sob os dedos,
os bordes da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do corao faminto.
Oh cabra no vento e na urze, mulher nua sob
as mos, mulher de ventre escarlate onde o sal pe o esprito,
mulher de ps no branco, transportadora
da morte e da alegria.
Dai-me uma mulher to nova como a resina
e o cheiro da terra.
Com uma flecha em meu flanco, cantarei.
E enquanto manar de minha carne uma videira de sangue,
cantarei seu sorriso ardendo,
suas mamas de pura substncia,
a curva quente dos cabelos.
Beberei sua boca, para depois cantar a morte
e a alegria da morte.
Dai-me um torso dobrado pela msica, um ligeiro
pescoo de planta,
onde uma chama comece a florir o esprito.
tona da sua face se movero as guas,
dentro da sua face estar a pedra da noite.
Ento cantarei a exaltante alegria da morte.
Nem sempre me incendeiam o acordar das ervas e a estrela
despenhada de sua rbita viva.
Porm, tu sempre me incendeias.
Esqueo o arbusto impregnado de silncio diurno, a noite
imagem pungente
com seu deus esmagado e ascendido.
Porm, no te esquecem meus coraes de sal e de brandura.
Entontece meu hlito com a sombra,
tua boca penetra a minha voz como a espada
se perde no arco.
E quando gela a me em sua distncia amarga, a lua
estiola, a paisagem regressa ao ventre, o tempo
se desfibra invento para ti a msica, a loucura
e o mar.
Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,
a inspirao.
E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa.
Vou para ti com a beleza oculta,
o corpo iluminado pelas luzes longas.
Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu durar. Teus olhos
transfiguram-se, tuas mos descobrem
a sombra da minha face. Agarro tua cabea
spera e luminosa, e digo: ouves, meu amor?, eu sou
aquilo que se espera para as coisas, para o tempo
eu sou a beleza.
Inteira, tua vida o deseja. Para mim se erguem
teus olhos de longe. Tu prpria me duras em minha velada
beleza.
Ento sento-me tua mesa. Porque de ti
que me vem o fogo.
No h gesto ou verdade onde no dormissem
tua noite e loucura,
no h vindima ou gua
em que no estivesses pousando o silncio criador.
Digo: olha, o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu ds-me a tua mesa, descerras na vastido da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.
Minha memria perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, guas cresceram como religio
sobre a vida - e eu nisso demorei
meu frgil instante. Porm
teu silncio de fogo e leite repe a fora
maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor. As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
os instantes comeam da tua oferenda
como as guitarras tiram seu incio da msica nocturna.
Mais inocente que as rvores, mais vasta
que a pedra e a morte,
a carne cresce em seu esprito cego e abstracto,
tinge a aurora pobre,
insiste de violncia a imobilidade aqutica.
E os astros quebram-se em luz sobre
as casas, a cidade arrebata-se,
os bichos erguem seus olhos dementes,
arde a madeira para que tudo cante
pelo teu poder fechado.
Com minha face cheia de teu espanto e beleza,
eu sei quanto s o ntimo pudor
e a gua inicial de outros sentidos.
Comea o tempo onde a mulher comea,
sua carne que do minuto obscuro e morto
se devolve luz.
Na morte referve o vinho, e a promessa tinge as plpebras
com uma imagem.
Espero o tempo com a face espantada junto ao teu peito
de sal e de silncio, concebo para minha serenidade
uma ideia de pedra e de brancura.
s tu que me aceitas em teu sorriso, que ouves,
que te alimentas de desejos puros.
E une-se ao vento o esprito, rarefaz-se a aurola,
a sombra canta baixo.
de um poder obscuro.
A delicada taa partia-se nas mos sangue:
um sinal, um smbolo. E cantar
era conceber uma estrela, um testemunho da mais alta
loucura. Cantar era uma razo
de morte e de alegria.
Desfaziam-se as plpebras na jovem carne, na esfera
da luz, ou na ressonncia e volpia
do tempo. E a mo procurava o punhal,
a boca beijava a laje nua. Do brao divino
sumia-se o fogo e o archote corria sobre as guas
ou no corao da sementeira.
E era ento o fogo aquilo a que o beijo,
em sua graa, firmemente aspirava.
Nenhuma vida tanto se gastou
que no seja visitada, nenhum deus
to grande que se no perca na substncia
da sombra. Uma flor e um grito,
um copo e um breve minuto, ou a aurora
cortando o peito, ou o primeiro respirar
de um pensamento.
Cantar onde a mo nos tocou,
o ombro se acendeu, onde se abriu o desejo.
Cantar na mesa, na rvore
sorvida pelo xtase.
Cantar sobre o corpo da morte, pedra
a pedra, chama a chama erguido,
amado,
aprendido.
III
s vezes estou mesa: e como ou sonho ou estou
somente imvel entre a area
felicidade da noite. O sangue do mundo corre
e brilha. Porque a minha carne se distrai
entre as coisas altas da primavera nocturna.
Ocupo-me nos smbolos, e gostaria
que meu corao
entontecesse lentamente, que meu corao
casse numa espcie de exttica e sagrada loucura.
E enquanto estou s e o cu rodeado de lrios
amarelos, e animais de luz, e fabulosos
rgos de silncio, descansa
sobre os meus ombros
seu doce peso antigo eu penso
que haveria uma palavra vingativa e pura,
uma esfera com espinhos de fogo que me ferisse
primeiro na voz ou na claridade
ou na tenebrosa
fantasia, e que depois me ferisse
V
Existia alguma coisa para denominar no alto desta sombria
masculinidade. Era talvez um cego escorrer
de sangue pelos anis e flores do corpo.
Sei unicamente que era a fora da tristeza, ou a fora
da alegria da minha vida.
Havia tambm outra coisa a que se deveria dar
um nome belo e lento. Algo que se cercava de lgrimas
como uma rvore se vai cercando de folhas
inmeras. Tudo isso comeava
a aparecer nas vozes e inspiraes como uma ardente
confuso. Era primeiro uma virtude.
Depois, este vagaroso acender
da noite. O sangue despenhava-se
nas lagoas e grutas da carne. Hoje eu sabia
que era a tristeza, a tristeza um poder
mais jovem que os demais. Esquecia de novo os nomes,
e todo me circundava de uma torrente
silenciosa, de uma ctara fortemente anunciadora.
Nunca se deve dizer que um rosto perde
as suas brasas quando se inclina sobre a penumbra
de uma fonte, sobre um instrumento rpido.
Porque o rumor ressalta na noite parada, e pode-se
enlouquecer eternamente. Ou porque a colher
pode ligar a terra violncia do esprito.
L estariam sempre as grandes arcadas de fogo,
as portas, a loucura das pontes celestes
aonde a inveno chega como um frio arrebatamento.
Havia essa espcie de vocao implorativa, a doura
do corpo subtilmente preso por crateras e picos
ao tumulto das sombras.
Eu abaixava-me e tomava como nos braos
essa criana ignota.
E pores enchiam-se de gua, eu seria em breve
um afogado. Tudo me inspirava
nessa noite abrupta, entre o comeo e o fim
do mundo. Como pode um corao absorver
tanta matria, tanta inocncia da terra?
Se era uma criana, sua vida circulava
indecisamente; se eram os mortos,
a distncia tornava-se infinita. Apenas
a minha fora se dobrava um pouco, e um novo calor
corria nas palavras adormecidas
e degelava as mos que se cobriam
de um sentido impenetrvel.
Essa forma amparava-se no sexo repleto
de espinhos e espelhos,
e era uma espcie de retrato sem nvoas, um eixo, um grito,
uma louca morte
do meu poema.
Eu acordo e grito, bato com os martelos
dos dias da minha morte
a matria secreta de que feito o poema.
A manh comea a colocar o poema na parte
mais lmpida da vida. E o povo canta-o
enquanto crescem os campos levantados
ao cume das seivas.
A manh comea a dispersar o poema na luz incontida
do mundo.
FONTE
I
Ela a fonte. Eu posso saber que
a grande fonte
em que todos pensaram. Quando no campo
se procurava o trevo, ou em silncio
se esperava a noite,
ou se ouvia algures na paz da terra
o urdir do tempo
cada um pensava na fonte. Era um manar
secreto e pacfico.
Uma coisa milagrosa que acontecia
ocultamente.
Ningum falava dela, porque
era imensa. Mas todos a sabiam
como a teta. Como o odre.
Algo sorria dentro de ns.
Minhas irms faziam-se mulheres
suavemente. Meu pai lia.
Sorria dentro de mim uma aceitao
do trevo, uma descoberta muito casta.
Era a fonte.
Eu amava-a dolorosa e tranquilamente.
A lua formava-se
com uma ponta subtil de ferocidade,
e a ma tomava um princpio
de esplendor.
Hoje o sexo desenhou-se. O pensamento
perdeu-se e renasceu.
Hoje sei permanentemente que ela
a fonte.
II
No sorriso louco das mes batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
V
Apenas te digo o ouro de uma palavra no meio da nvoa,
formosura inclinada sobre a cinza descerrada
e o frio dos retratos.
Espero que a seiva ascenda a um puro gosto
de reaver tua grave cabea de me
com platina entre a aragem. Que se inspire na seiva
o vermelho de uma face
adormecendo no vinho, acordando
para o incio das primaveras.
Peo que os dedos no esqueam o po e a tristeza
e a boca vibre como um pensamento
na substncia de um instante
carnal, irremovvel.
E se morrer a alta vocao das manhs marcadas pelas uvas
peo, me um dia
composta sobre a veemente confuso das foras
e dos nmeros, que resguardes
entre as descuidadas dobras de pedra
o fulgor de onde pltanos e aves recebiam
a doce e dolorosa vida
da beleza.
Rente ao tempo que nos cobria
de previso e silncio,
arrefecem os sentidos sobre o teu rosto selado.
Pequena e imensa coisa no alto das guas,
no fundo de sementes desmemoriadas me
engolfada no leite renascente,
para ti se elevam os lbios tocados pelo sumo
incompleto, o sono da prxima
incontida primavera.
a delicadeza misteriosa.
Existem rvores cercando os animais sonhadores, o grande
arco das eras com os fogos rpidos
presos como campnulas, e a fixa vontade
do homem ardendo e gelando
no tempo. beira dos rios canta-se ou deixa-se
que as mos corram, deslumbradas
da sua grande luz
nas guas. Existe um nome suspenso
sobre as estaes do ano. Essa cabea
dos mortos a tua cabea antiga como o verde
nas pedras ou o movimento
das corolas frias,
essa cabea sumptuosa rodeada de estreitas
vboras
sobe do meu corao at que a minha cabea
seja a possessiva, doce cabea
dos mortos.
II
Sobre o meu corao ainda vibram seus ps: a alta
formosura do ouro. E se acordo e me agito,
minha mo entreabre o subtil arbusto
de fogo e eu estou imensamente vivo.
Se com a neve e o mosto dei ao tempo
a medida secreta, na minha vida tumultuam
os rostos mais antigos. No sei
o que a morte. Enchia com meu desejo
o vestbulo da primavera, eu prprio me tornava uma rvore
abismada e cantante. E a beleza uma chama
solitria, um dardo que atravessa
o sono doloroso. Nada sei dos mortos.
Deixaram em mim os ps sombrios, um sbito
fulgor de ausncia. De mim, vivo e ofegante,
sei uma flor de coral: delicada, vermelha.
Porque morrem assim no interior do vinho quando
se extasiam e cantam? Porque escurecem os ombros onde
as videiras se derramavam e subiam as escadas?
Um a um vo nascendo meus pensamentos
nocturnos, e eu digo: porque morrem
os que tinham a carne com seu peso e milagre e sorriam
sobre a mesa
como seres imortais?
E agora a minha vida que assombrada se fecha.
A vida funda e selvagem. Porque um dia,
como se apaga a labareda de um cacho.
o brilho se apagar onde estava a minha letra.
Danarei uma s vez em redor da taa,
festejando a ltima estao. Hoje
nada sei. Correm em mim os mortos, como gua
com o murmrio gelado da sua incalculvel ausncia.
E digo: no refulgia a carne quando
Se toco (e apaixonante)
a mulher, toco a pedra. Toco o gato e a pedra.
Toco a luz, ou a casa, ou o peixe, ou a palavra.
Toco a palavra apaixonante, se toco a mulher
com seu gato, pedra, peixe, luz e casa.
A mulher da palavra. A Palavra.
Deito-me e amo a mulher. E amo
o amor na mulher. E na palavra, o amor.
Amo, com o amor do amor,
no s a palavra mas
cada coisa que invade cada coisa
que invade a palavra.
E penso que sou total no minuto
em que a mulher eternamente
passa a mo da mulher no gato
dentro da casa.
No mundo to concreto.
V
Esta linguagem pura. No meio est uma fogueira
e a eternidade das mos.
Esta linguagem colocada e extrema e cobre, com suas
lmpadas, todas as coisas.
As coisas que so uma s no plural dos nomes.
E ns estamos dentro, subtis, e tensos
na msica.
Esta linguagem era o disposto vero das musas,
o meu nico vero.
A profundidade das guas onde uma mulher
mergulha os dedos, e morre.
Onde ela ressuscita indefinidamente.
Porque uma mulher toma-me
em suas mos livres e faz de mim
um dardo que atira. Sou amado,
multiplicado, difundido. Estou secreto, secreto
e doado s coisas mnimas.
Na treva de uma carne batida como um bzio
pelas ctaras, sou uma onda.
Escorre minha vida imemorial pelos meandros
cegos. Sou esperado contra essas veias soturnas, no meio
dos ossos quentes. Dizem o meu nome: Torre.
E de repente eu sou uma torre queimada
pelos relmpagos. Dizem: ele uma palavra.
E chega o vero, e eu sou exactamente uma Palavra.
Porque me amam at se despedaarem todas as portas,
e por detrs de tudo, num lugar muito puro,
todas as coisas se unirem numa espcie de forte silncio.
Essa mulher cercou-me com as duas mos.
Vou entrando no seu tempo com essa cor de sangue,
acendo-lhe as falangetas,
fao um rudo tombado na harmonia das vsceras.
Seu rosto indica que vou brilhar perpetuamente.
Sou eterno, amado, anlogo.
Destruo as coisas.
Toda a gua descendo fria, fria.
Os veios que escorrem so a imensa lembrana. Os velozes
sis que se quebram entre os dedos,
as pedras cadas sobre as partes mais trmulas
da carne,
tudo o que hmido, e quente, e fecundo,
e terrivelmente belo
no nada que se diga com um nome.
Sou eu, uma ardente confuso de estrela e musgo.
E eu, que levo uma cegueira completa e perfeita, acendo
lrio a lrio todo o sangue interior,
e a vida que se toca de uma escoada
recordao.
Toda a juventude vingativa.
Deita-se, adormece, sonha alto as coisas da loucura.
Um dia acorda com toda a cincia, e canta
ou o ms antigo dos mitos, ou a cor que sobe
pelos frutos,
ou a lenta iluminao da morte como esprito
nas paisagens de uma inspirao.
A mulher pega nessa pedra to jovem,
e atira-a para o espao.
Sou amado. E uma pedra celeste.
H gente assim, to pura. Recolhe-se com a candeia
de uma pessoa. Pensa, esgota-se, nutre-se
desse quente silncio.
H gente que se apossa da loucura, e morre, e vive.
Depois levanta-se com os olhos imensos
e incendeia as casas, grita abertamente as giestas,
aniquila o mundo com o seu silncio apaixonado.
Amam-me, multiplicam-me.
S assim eu sou eterno.
VI
preciso falar baixo no stio da primavera, junto
terra nocturna. Junto terra transfigurada.
Tudo ouve as minhas palavras talvez irremediveis.
Infatigvel perfume se acrescenta nos jacintos, fogo
sem fim circunda suas razes leves.
preciso no acordar do seu ofcio a luz que inclina
os meus espinhos frios,
a lua que inclina meu sangue ligado e o sangue
da terra nocturna.
Agora a primavera trabalha nas galerias mais antigas,
em lugares inacessveis,
sem nomes nem janelas por onde surja a cabea
coroada de violinos.
um violento ofcio, e no fundo desse ofcio
violento e puro,
a boca est coberta de um perturbado sangue
masculino.
NARRAO DE UM HOMEM EM MAIO
Estou deitado no nome: maio, e sou uma pessoa
que saiu
violenta e violentamente para o campo.
Um homem deitado entre os malmequeres
rotativos do ms atravessado pelo movimento.
a noite aproximada com o livro
dentro. Deitado sobre bocados
de estrelas no pensamento.
Era a casa absorvida na manh
embatente.
Livro da poesia arrebatada. Poesia
da mulher emparedada no amor
e o homem emparedado na destruio
do amor.
agora o leitor com a ateno corrupta
sobre o livro.
O livro que arde nos ossos
do leitor afogado no poema arrebatado.
Estou estendido como autor na ligeira
palavra que a noite molha
e os ventos sopram como se sopra
uma brasa.
Um homem que saiu de casa, com toda
a magnfica violncia do amor.
o tempo revelador.
Agora inteligente deste lado,
contra o lado exemplar de maio aglomerado
Espcie de primavera comburente.
A dor total. O livro.
O pensamento do amor. A
experincia.
E a vida ardente do autor.
Deitei-me tambm no campo
de outras coisas. Com discurso. Com
rigoroso segredo.
Vi o caador levantar o arco-ris
e atirar, fechada, a morte
ao cabrito primaveril.
E tudo calei como experincia
de um sono inspirado.
Vi a ressurreio, maio
infestado. Ouvi
passar o ciclista da primavera
sobre o rudo da ressurreio.
No mexo no arrependimento.
Pois o corpo interno e eterno
do seu corpo.
No tenho inocncia, mas o dom
de toda uma inocncia.
E lentido ou harmonia.
Poesia sem perdo ou esquecimento.
Idade de poesia.
POEMACTO
I
Deito-me, levanto-me, penso que enorme cantar.
Uma vara canta branco.
Uma cidade canta luzes.
Penso agora que profundo encontrar as mos.
Encontrar instrumentos dentro da angstia:
clavicrdios e liras ou alades
intencionados.
Cantar rosceas de pedra no nevoeiro.
Cantar o sangrento nevoeiro.
O amor atravessado por um dardo
que estremece o homem at s bases.
Cantar o nosso prprio dardo atirado
ao bicho que atravessa o mundo.
Ao nome que sangra.
Que vai sangrando e deixando um rastro
pela culminante noite fora.
Isso o nome do amor que o nome
do canto. Canto na solido.
Q amor obsessivo.
A obsessiva solido cantante.
Deito-me, e enorme. enorme levantar-se,
cegar, cantar.
Ter as mos como o nevoeiro a arder.
As casas so fabulosas, quando digo:
casas. So fabulosas
as mulheres, se comovido digo:
as mulheres.
As cortinas ao cimo nas janelas
fascam como relmpagos. Eu vivo
cantando as mulheres incendirias
e a imensa solido
verdica como um copo.
Porque um copo canta na minha boca.
Canta a bebida em mim.
Veridicamente, eu canto no mundo.
Que falem depressa. Estendam-se
no meu pensamento.
Mergulhem a voz na minha
treva como uma garganta.
Porque eu tanto desejaria acordar
Sou fechado
como uma pedra pedrssima. Perdidssima
da boca transacta. Fechado
como uma. Pedra sem orelhas. Pedra una
reduzida a. Pedra.
Pedra sem vlvulas. Com a cor reduzida
a. Um dia de louvor. Proferida lenta.
Escutada lenta.
Todo o leitor de safira,
de. Turquesa.
E a vida executada. Devagar.
Torna-se a infiltrada cor da. Pedra
do leitor.
Volto para essa pedra absoluta. Relativa
minha pedra.
Minha pedra pensada com a forma
de. Uma lenta vida elementar.
Leitor acentuado, redobrado leitor moroso.
Que entende o relato sem poros,
o ms atroz dealbado sobre a pedra
sem orelhas, pedra sem boca. E que desce os dedos
sobre. Meus dedos pelo ar. E toca e passa.
Pelas plpebras paradas. Pelos
cerrados lbios at s razes.
E cai com seus dedos em meus dedos.
E espera devagar.
Leitor que espera uma flor atravancada,
balouando baixa
sobre. Mergulhados
filamentos no terror
devagar.
Mas que espera. Doce. Contra o hermtico
movimento do mundo.
E que o mundo movimenta contra.
As ondas de Deus auxiliado
auxiliar. E que Deus movimenta contra. Suas ondas
muito lentas, amargas ondas muito.
Antigas, ignoradas, corridas. Sobre
a primitiva face do poema. Leitor
que saber o que sabe dentro. Do que sabe
de mais selado. E esperar
dias e anos dobrado, leitor. Varrido
pelo movimento dos dias.
Contra o movimento nocturno do. Poema devagar.
E que espera.
E para quem volto. Muitas coisas sobre
uma coisa. Volto
uma exaltante morte de Deus. Auxiliado
auxiliar. O esprito, a pedra.
Do poema.
Leitor minha frente. Vindo
do mais difcil lado
II
H sempre uma noite terrvel para quem se despede
do esquecimento. Para quem sai,
ainda louco de sono, do meio
de silncio. Uma noite
ingnua para quem canta.
Deslocada e abandonada noite onde o fogo se instalou
que varre as pedras da cabea.
Que mexe na lngua a cinza desprendida.
E algum me pede: canta.
Algum diz, tocando-me com seu livre delrio:
canta at te mudares em azul,
ou estrela electrocutada, ou em homem
nocturno. Eu penso
tambm que cantaria para alm das portas at
razes de chuva onde peixes
cor de vinho se alimentam
de raios, raios lmpidos.
At manha orando
pednculos e gotas ou teias que balanam
contra o hlito.
At noite que retumba sobre as pedreiras.
Canta dizem em mim at ficares
como um dia rfo contornado
por todos os estremecimentos.
E eu cantarei transformando-me em campo
de cinza transtornada.
Em dedicatria sangrenta.
H em cada instante uma noite sacrificada
ao pavor e alegria.
Embatente com suas morosas trevas.
Desde o princpio, uma onda que se abre
no corpo, degraus e degraus de uma onda.
E alaga as mos que brilham e brilham.
no gosto, na audio.
Barulho de passos, profundidade,
devotamento misterioso.
o girassol do talento materno
amando o movimento por cima brilhante.
Ao longo de sons sempre passaram
mulheres apaixonadas,
separando os ps sobre frgidas gotas.
Mulheres partindo, chegando, voltando
o corpo na luz suspensa
e inteligente. Mulheres cheias de uma
atenta suspeita.
Vergadas para o fundo de uma existncia
dura e pura.
Cidades que se envolvem de ecos e em cuja
solido extraordinria
as mulheres batem seus dedos cndidos.
Sua sinistra fantasia.
Tiradas dos limbos segundo um ardente
princpio de iluso.
Amadas por Deus e entrando
na corrupo de Deus.
So quentes e frias, colocadas sobre moventes
comoes antigas.
Metidas pelo espanto dentro, enterradas
at ao livre esprito e ao terror.
Fabulas de comrcio.
Imagens delicadas de uma suave indstria.
Cidades dotadas de uma inteira falta de inteno.
Abertas a ligeiras canes tenebrosas e,
sobre as graves canes, fechadas
como pedras frias.
Na noite impressa nos dois lados e,
pelo mais escuro lado antigo,
a revelao. Cada cidade uma vingana
anterior onde a beleza passa
vestida de mulher.
Beleza lembrada e relembrada em seu
circuito ardente.
Escoada, esquecida.
E logo ressurrecta.
To prxima.
Cidades vazias de ccoras contra a noite,
ao lado de uma enorme ressurreio.
E os arquitectos deslocam-se, unindo
nos dedos a pedra encurvada.
Ouvindo o som contra o som.
Imaginando uma paixo espantosa
no sono.
E agarrando-se s vozes, como as vozes brilhantes
se agarram lngua para fora.
envolta
pelo frio, quando j no sei pensar.
Irrespiravelmente como ento.
Quando j nada sei menos ser o mais puro
dos cantores que pararam diante dos montes direitos
abrasados. Dos que se calaram. Dos
cantores.
O mais puro dos cantores fulminados.
Quando j no sei falar, e acabo.
Quando ento Irrespiravelmente puro
por este lado, por aquele, por outro mais novo
lado. Quando digo: no sei.
E os montes compridos ento para cima e eu
em baixo irrespiravelmente digo: no sei como:
pensar, respirar, dizer, saber.
Ento irrespiravelmente quando puro e no
sei. E acabo.
V
Muitas canes comeam no fim, em cidades
estranhas. Sei
que a felicidade dos meses ao meio e a fora
de um homem ao meio
da vida pura. Mas so muitas
as canes que comeam no fim.
no fim que secamente falam do ardor
ao meio
da cidade e da existncia que se volta
para si, de rosto tremente
e verde de sua iluso. Canes cada vez
mais no seu fim, to secas voltadas
imenso para trs. Para onde
todo o poder. Conheo
horrveis canes cor de coisas transtornadas.
Canes ainda repletas de peixes, flechas, dedos
agudos abertos em torno do sexo.
Comeam no fim do seu pensamento.
So para morrer na vspera, com um lento
pavor no corao e o povo
atnito por todos os lados. Porque o povo
no sabe que um homem morre antes da sua
ltima cano.
VI
a colina na colina, colina
das colinas frias.
Colina devagar por ela acima, brotando
sobre a raiz da colina. Oh fria raiz deitada
na pedra sinistra fria da raiz
da colina. Na hmida
treva pedra vazia, na alegria
abstracta dos fogos, das guas oh sombrias.
Colina profunda, colina de
colina muda. Mexendo nos fogos,
com
E a
E a
E o
TERCEIRO POEMA
Quem que sobe do deserto como uma coluna de fumo,
vapor de mirra e de incenso,
vapor de todos os perfumes exticos?
Eis a liteira de Salomo, rodeada
por sessenta guerreiros de estirpe,
nata dos guerreiros de Israel.
Todos valentes na guerra, trazem cinta
as espadas,
por causa das ciladas nocturnas.
o rei Salomo mandou construir um trono para si
em madeira do Lbano.
Fez-lhe de prata as colunas, de ouro o dossel,
e o assento de prpura.
O fundo uma marchetaria de bano.
Vinde ver, raparigas de Sio, o meu amado
trazendo o diadema que lhe ps sua me
no dia dos esponsais,
no dia da alegria do seu corao.
Como s bela bela, minha amada, como
s bela.
Teus olhos so duas pombas, atrs do vu.
Tua cabeleira um rebanho de cabras,
descendo pelas vertentes de Galaad.
Teus dentes, rebanho de ovelhas tosquiadas
que sobem do bebedouro,
duas a duas, sempre juntas.
Teus lbios, um fio de escarlata;
e mansas, as palavras que dizes.
Os pomos do teu rosto so como roms cortadas.
No meio das tranas, levanta-se teu pescoo,
semelhante torre de David,
edificada para pendurar os broquis
e os escudos redondos dos guerreiros.
Teus seios so como duas corazinhas gmeas
pastando por entre os lrios.
Antes que se levante a brisa da manh
e se rasgue a noite.
irei montanha da mirra,
colina do incenso.
Como s bela bela, minha amada, e pura.
Vem comigo do Lbano, meu amor,
comigo do Lbano.
Abaixa teus olhos dos cimos do Amana,
dos cimos do Samir e do Hermon,
covil de lees,
montanhas de leopardos.
Arrebataste meu corao, minha irm, minha amada,
arrebataste meu corao,
com um s dos teus olhares,
com uma nica prola do teu colar.
Magnfico o teu amor, minha irm, minha amada.
E o cheiro dos teus perfumes, melhor
que todos os blsamos.
Teus lbios, minha amada, destilam mel virgem.
Leite e mel na tua lngua.
O cheiro dos teus vestidos como o cheiro do Lbano.
Horto fechado s tu, minha irm, minha amada,
horto fechado, fonte secreta.
Floresces como um pomar de romzeiras,
no meio dos aromas raros:
o nardo, e o aafro, e o cinamomo, e a cana,
e as rvores do incenso, e a mirra, e o alos
com os perfumes mais finos.
fonte que fecundas os jardins,
poo de guas vivas, ribeira descendo do Lbano.
Levanta-te, vento norte; corre, vento sul.
Batei no meu jardim, e que os aromas se espalhem.
Entre o meu amacio no seu jardim e prove
seus frutos pesados.
Eu entro no meu jardim, minha irm, minha amada,
eu colho a minha mirra e o meu blsamo.
Eu entro no meu jardim, eu como o mel e o favo,
eu bebo o vinho e o leite.
Comei, amigos. Bebei,
embriagai-vos, amados.
QUARTO POEMA
Eu durmo, mas o meu corao vela.
Ouo baterem porta.
Abre, minha irm, minha amada,
minha pomba, minha eleita.
Que a minha cabea est coberta de orvalho,
meus cabelos esto cheios das gotas da noite.
J despi minha tnica, como a tornarei a vestir?
J meus ps lavei, como os sujarei de novo?
J o meu amado passa a mo pelo postigo:
e de sbito estremecem-me as entranhas.
Levantei-me da cama para abrir ao meu amado,
e de minhas mos se desprendia o perfume da mirra,
de meus dedos se desprendia o perfume da mirra virgem
QUINTO POEMA
Tu s bela, minha amiga, como Tira,
esplndida como Jerusalm.
Terrvel como um exrcito debaixo dos estandartes.
Afasta de mim teus olhos, que me fascinam.
Tua cabeleira um rebanho de cabras
deitado nas encostas de Galaad.
Teus dentes, rebanho de ovelhas tosquiadas
que sobem do bebedouro,
duas a duas, sempre juntas.
Os pomos do teu rosto so como roms cortadas.
So sessenta as rainhas e oitenta as concubinas,
e sem nmero o nmero das raparigas virgens.
nica porm a minha amada,
a minha eleita.
E a nica de sua me, a amada filha
de sua me.
Viram-na as raparigas, e chamaram-na bem-aventurada,
e celebraram-na rainhas e concubinas.
Coro das raparigas de Jerusalm
Quem que aparece como a aurora,
grande como a lua,
branca como o sol,
terrvel como um exrcito debaixo dos estandartes?
Desci ao jardim das nogueiras para ver os rebentos do vaie,
para ver se a vinha rebentara,
se as romzeiras estavam em flor.
No sei, mas transportou-me o desejo
para a cabea dos carros do meu povo.
Coro das raparigas de Jerusalm
Volta, volta, Sulamite,
volta, volta, para que ns te contemplemos.
Porque olhais para a Sulamite, como se danasse
ao som de um coro duplo?
Que soberbos so teus ps nas sandlias,
filha de prncipe.
A curva das tuas coxas como um colar,
obra das mos de um artista.
Abre-se teu umbigo como uma taa redonda,
em teu ventre, montculo de trigo
cercado de lrios.
Teus seios parecem duas gazelinhas gmeas;
frente
plumas
vermelhas,
OS JARROS
Pesados eram os jarros, mas quando os encheram de vinho puro,
tornaram-se leves, e quase levantaram voo com sua carga preciosa, do
mesmo modo que os corpos se aligeiram com os espritos.
CAVALO BRANCO
Alvo como luz quando o sol se levanta orgulhoso avanava, ajaezado com
a sela de ouro.
Vendo-o caminhar atrs de mim para a guerra, disse algum:
Quem ps bridas aurora com as Pliades e selou o relmpago com o
crescente lunar?
BOLHAS
Quando o encheram de vinho, inflamou-se o jarro, vestindo-se com uma
tnica de chamas.
E maravilharam-se os olhos, quando ao de cima vieram as bolhas:
Granizo sobre vivas chamas, granizo que nascia do prprio corao das
brasas.
A BARCA
L vem a barca como um nadador de pernas rgidas, rpida como um falco
que se abate sobre um peixe-voador.
Parece tambm uma pupila que contempla o ar, as plpebras cercadas pelas
pestanas dos remos.
ROSAS
Desfolharam-se as rosas sobre o rio e, passando, espalharam-nas os
ventos.
como se o rio fosse a couraa de um guerreiro rasgada pelas lanas, por
onde corresse o sangue das feridas.
RIO AZUL
Murmuro, um rio de prolas corre transparentemente.
Grandes rvores o cobrem de sombra ao meio-dia, e a flor das guas cor
de ferrugem.
Guerreiro com loriga, envolto em sua tnica de brocado, estendido
sombra da bandeira.
CENA DE AMOR
Enquanto a noite arrastava a cauda negra, dei a beber minha amada vinho
sombrio como p de almscar.
E estreitei-a contra mim como um guerreiro estreita a espada, e
semelhantes a talins as suas tranas pendiam dos meus ombros.
E, quando levemente adormeceu, afastei-a de mim.
Afastei-a do meu peito, para que no adormecesse sobre uma almofada
palpitante.
A CEGONHA
Emigrante de outras terras, que anuncia o tempo,
que desdobra as asas de bano, e despe o corpo de marfim, e ri claro com
bico de sndalo.
BOLHAS
Troca-me a prata peio oiro do vinho digo eu ao copeiro. D-me vinho
novo.
Vinho para a minha dor. E logo ao cimo sobrenadam, como espuma, as
bolhas:
brancos dedos de um bebedor petrificado, na mo retendo eternamente a sua
taa.
VISITA DA MULHER AMADA
Vieste um pouco antes de soarem os sinos cristos, quando o crescente
lunar se abria no cu.
como a branca sobrancelha de um velho ou a curva delicada de um p.
E, apesar da noite, o arco-ris brilhou no horizonte, o arco de mltiplas
cores, cauda enorme de pavo.
CANES DE CAMPONESES DO JAPO
ARROZAL DE MADRUGADA
s quatro da manh, arranco
ervas daninhas do arrozal.
Mas que isto: orvalho do campo,
ou lgrimas de dor?
LRIO
O corpo deitado do meu amante,
vi-o eu esta manh:
na plancie do quinto ms,
um lrio aberto!
AS TRS CLARIDADES
A Lua a leste,
a oeste as Pliades,
o meu amado
ao meio.
AMOR MUDO
Ardendo de amor, as cigarras
cantam: mais belos porm so
os pirilampos, cujo mudo amor
lhes queima o corpo!
QUINZE HAIKUS JAPONESES
Ervas do estio:
lugar onde os guerreiros
sonham.
Um cuco
foge ao longe e ao longe,
uma ilha.
Primeira neve:
bastante para vergar as folhas
dos junquilhos.
Liblula vermelha.
Tira-lhe as asas:
um pimento.
Pimento vermelho.
Pe-lhe umas asas:
Liblula.
Pelo meio do arrozal
vou at ameixoeira
para ver o seu perfume.
Pirilampos
sobre o espelho da ribeira.
Dupla barragem de luz
Festa das flores.
Acompanhando a me,
uma criana cega.
Se at vs subir o
querereis um com o
E se at vs subir
querereis um com o
CANO DA CABLIA
Leve, aparece na dana
e ningum lhe sabe o nome.
Vai e vem entre os seus peitos
um amuleto de prata.
Mergulha fundo na dana.
Tilintam em seus artelhos
muitas argolas de prata.
Foi por ela que vendi
um pomar de macieiras.
Ela cai dentro da dana,
e abrem-se ao meio os cabelos.
Foi por ela que vendi
o meu olival antigo.
Vai at ao centro da dana.
Cintila, vivo, um colar.
Foi por ela que vendi
o meu campo de figueiras.
E no corao da dana
todo um sorriso a enflora.
Foi por ela que vendi
um milho de laranjeiras
CANES MALGAXES
A terra um palcio que olha para cima,
o cu um palcio que olha para baixo.
Passarei por cima de todas as guas,
em busca da mulher sete vezes to bela.
E se o rei se diverte com as suas terras todas,
eu divirto-me feliz com as filhas dos homens.
Tem o irmo primognito um odor vivo de fruta,
e o mais novo tem um fresco aroma de folhas,
e h na casa talvez como que um cheiro de Rei?
No, o amor que tenho pelo meu amado
que espalha pela casa como que um cheiro de Rei.
s uma fruta dourada, uma banana madura.
Se uma borboleta te roa,
eu no me afasto de ti.
Todo aquele que morre por amor da sua amada
um pequeno caimo que a prpria me devora,
e que regressa ao ventre de que tem toda a cincia.
Rescende a colina salva,
cheira a cebola ao limo.
Sinto o perfume da amada:
por ele daria o mundo.
Toda a palavra de amor
como um grande repasto.
Se para ti,
sou o ovo de cotovia beira do caminho.
Se para outro qualquer,
sou o pequeno pssaro que dorme numa ilha longnqua.
No h raiz da vida,
mas o amado que raiz da vida.
Quando soube que tu vinhas, o meu ventre
rasgou-se.
No o esfreguei com leo,
nem sei como receber-te.
Serei o arrozal perto da fonte,
que nem o vento dobra quando passa,
nem queima o sol que se despenha em cima.
Subiu a rapariga para cima da amoreira,
e ao cimo do limoeiro subiu o homem tambm.
Uma aranha os enlaou, e tudo aquilo que belo
no deixa que se separem.
Tu eras na floresta um cardeal vermelho,
a tua cor aqui a cor da cotovia.
As mulheres dos outros homens so corais
espalhados sobre a esteira.
Gostam os olhos de v-los.
As mos no os podem tocar.
Rapariga sozinha na ilha, rapariga
suave durante o estio, brilhante
e macia rapariga durante toda a primavera.
No estrago minhas mos com os trabalhos pesados,
no saio rua pelo sol violento,
no saio rua
enquanto o dia se no curva, doce.
E no me banho com a gua parada da bilha.
Banho-me nas mveis e secretas guas
das minhas prprias lgrimas.
CANO TRTARA
O rosto da minha amada cobriu-se de sangue.
A cabea do falco cobriu-se de sangue.
Soprou o vento e desatou-se uma madeixa de cabelo
caadores
de um urso.
de tempo
o no caassem.
A MQUINA LRICA
EM MARTE APARECE A TUA CABEA
Em marte aparece a tua cabea
eu queria dizer. No lugar onde
desapareceu a janela,
a cabea de vaca de fogo, aparece
a cabea. Onde era a cortina fria,
de pssaro escutando.
Em marte, como a roupa bate no vento
e na terra as ferraduras batem
no meu cabelo.
Como o fogo dentro da pedra turquesa,
em marte aparece a tua
cabea de vaca. Por detrs da fria cortina
eu queria dizer.
Agora sei que devo saber, s.
As letras da chuva loucas nas costas
escrevendo, escrevendo.
S, eu sei a dormir. Com um ramo
de peixes e um violino
no meio dos II, dos mm, dos ii
da chuva.
Com meu ramo de violinos, s eu
no meio da chuva. Agora
sei que devo escrever os meus peixes.
A tua cabea
aparece na janela de marte em fogo.
O fogo que anda em ti que andas como uma
pedra turquesa,
ao lado da fria cortina. Olhando, escutando
como um pssaro, onde chove.
figos na neve.
Algum falava: mas. E era o tempo.
O sangue escorria dos pescoos de granito,
a criana abatia a boca negra
sobre a neve nos figos e elas gritavam
na sombra da casa.
Algum falava: sangue, tempo.
As figueiras sopravam no ar que
corria, as mquinas amavam. E um peixe
percorrendo, como uma antiga palavra
sensvel, a pgina desse amor.
E algum falava: a neve.
As raparigas riam dentro da menstruao,
comendo neve. As cabeas das
esttuas estavam cheias de cravos,
e as crianas abatiam a boca negra sobre
os gritos. A noite vinha pelo ar,
na sombra resvalavam as mas.
E era o tempo.
E elas riam no ar, comendo
a noite,
alimentando-se de figos e de neve.
E algum falava: crianas.
E a menstruao escorria em silncio
na noite, na neve
espremida das esponjas brancas, l na noite
das raparigas
que riam na sombra da casa, resvalando,
comendo cravos. E algum falava:
um peixe percorrendo a pgina de um amor
antigo. E as raparigas
gritavam.
As vacas ento espreitando,
e nos focinhos consumia-se o lume em silncio.
Pelas janelas os violinos
passavam pelo ar. E a menstruao nas raparigas
escorria pela sombra, e elas
gritavam e comiam areia. Algum falava:
fogo. E as vacas passavam pelos violinos.
E as janelas em silncio escorriam
o seu fogo. E as admirveis
raparigas cantavam a sua cano, como
uma palavra antiga escorrendo
numa pgina pela neve,
coroada de figos. E no fogo as crianas
eram tocadas pelo tempo da menstruao.
Alimentavam-se apenas de figos e de areia.
E pelo tempo fora,
riam e a neve cobria a sua pgina de tempo,
e as vacas resvalavam na sombra.
Em silncio o seu lume escorria das esponjas.
Partiam-se as cabeas dos violinos.
As raparigas, cantando as suas crianas,
comiam figos.
A noite comia
E eram cravos
Menstruao
e pela noite,
areia.
nas cavernas brancas.
falava algum. O ar passava
em silncio.
os gritos.
O sol negro.
Lepra.
As canduras.
S a gua fala nos buracos.
Estamos como sons, peixes
repercutidos. O homem ri dentro do homem,
criam-se
olhos que vem na obscuridade.
Deitamos flor pelo lado de dentro.
Os tmulos
esto gastos de um lado pelos passos
dos vivos, e do outro
pelo esforo dos mortos.
Moram de um lado o espanto, a lentido, a pacincia,
a ferocidade.
Aqui agora a escurido viva.
De p, de ferro, olhos brancos, verde.
Irrompe para o lado de fora.
Est viva.
Ouo o rudo calamitoso das guas.
So muitas vozes.
Os mortos estonteados
tm medo de nascerem belos.
A noite
de aparato.
Atrs disto andam enxurradas
de sis e de pedras, e outras figuras tremendas
atrs das palavras. Fica de p
o espanto, e os mortos mais vivos
do que quando estavam vivos.
Sob o fluido
elctrico, todo o ano as rvores se desentranham
em flor. Pegou-lhes sonho tambm, um
desbarato, uma
profuso que as devora. A alma
exterior, envolve
e impregna o corpo. Na pedra recalcada
e concentrada, os grandes fluidos
desgrenhados. Na rvore, a alma da rvore.
Na pedra, a alma da pedra.
Ouves o grito dos mortos?
preciso
abalar os tmulos, desenterrar os mortos.
Atravs da pedra destas fisionomias, transparecem
outras fisionomias.
Os mortos, os mortos.
Usam a cabea como quem usa um resplendor.
De p na voragem,
pergunto,
perguntas,
perguntam.
E nesse momento de paixo, todas
as foras se concentram, e ponho o p
no mistrio.
Estalaram os botes dos salgueiros.
Um bafo hmido-lils turba e perturba.
A primavera toca mais fundo na loucura, revolve
os vivos e os mortos.
Todos deitam flor.
Cai o inverno dentro da primavera,
engrandece-a: tudo se entreabre em vertigem
azul.
Os mortos andam.
Vagueia a floresta apodrecida e avana
desenraizada
para mim.
Uma inocncia atroz,
uma tristeza irreflectida
pe a mo e molha, deforma tudo, destinge sonho.
O que estava por baixo est agora por cima.
A flor esbraseada das noites sobre noites
de concentrao, com o stio
imvel, as labaredas do stio imvel.
Tudo est ligado e conduzido
por uma mo enorme.
As bocas falam
por muitas bocas.
Ouves o grito dos mortos?
A um grito em baixo corresponde logo
um grito em cima.
Os seres
extraordinrios
que ainda no tinham entrado no mundo.
Um arranco na profundidade, pe-se a
caminho outro panorama.
Esta luta
entre o inferno e o sonho revestiu-se
de cimento e de grandeza.
Sustentada num nico pilar, a noite
poa azul, ouro gelado
tem os cabelos em p.
O pavor entrou em plena primavera.
Cachorros, agachados de terror, sustentam
uma arcatura de luz intolervel.
o sonho em marcha, a que no ouo
os passos, uma gota de tinta como uma gota
de leite.
brancos. Colinas
amedrontadas chuva.
Pennsulas ligadas por cravinho e canela.
Toca-os com uma chama leve na crista negra.
Respira sobre laranjas que escaldam,
se as abres
com teus dedos gota a gota aplicando
a soldadura. Saber que leno
lhes pertence, que feixe
de linhas taciturnas urdiu sua cara
largada no ar. Ou quem vem desse
sensvel bordado, ou
que fora condensa sua cor de madeira enxuta.
Saber que alcanam tua voz
com sua pausa: uma flor
nos meios, sobre si mesma.
No.
Oh, no leves os mortos como crianas passadas
a limpo, em tua morosa
vocao, at carnvora gentileza
das vises. Como em redes
enxameadas, o mel fermenta em suas
cabeas um delrio
docemente animal. E se a paisagem quadrpede
se encosta janela,
este ms olhado pelo espao todo.
No os conduzas aos smbolos nocturnos, dentre
mel e velocidade e dentre
madeira e ar. No te sentes atrs
de um leno parado. Enquanto os mortos
culminam como jacintos
a pulsar direitos o teu corao pende
crivado de pinhes respirando. E a tua idade suspira
como um animal louco.
Quando.
OS BRANCOS AROUIPLAGOS
o texto assim coagulado, alusivas braadas
de luz no ar fotografadas respirando,
a escrita, pavorosa delicadeza a progredir,
enxuta, imvel gravidade,
o territrio todo devastado pelos brancos
tumultos do estio,
nem o discurso mortal trespassado de ludano,
nem a vertigem de um odor de permanganato,
caligrafia a escaldar, Cassiopeia fina,
largura afogada por uma velocidade,
enquanto a acentuar-se em vltios de magnsio,
e essa crispada lentido, acetilene que subia,
apurando o pesponto feroz,
a sintaxe como idade,
chegava em frio meandro o lcool memria,
perfurando as cabeas,
e depois
som ferve
e forte da matria se transvia
jorro de lminas,
e a morosa manh renascente, compreendida,
rarefeita
de folhas, tumulto branco,
cancro, precipitao em brasa,
uma abertura interior latente,
barcos levam todo o lcool
lvido
sobre guas fotografadas explodindo,
a lentido consome a carne, formigas incrustadas,
uma gota de veneno na cabea
transparente, antenas de ouro, o doce povoamento
carnvoro, bruscamente o sono
exalta
as apuradas linhas do esquecimento, ao fundo,
batem, pulsam paisagens de uma cano
irregular, clara, onde
se treme, levemente alto, crivado
de imagens implacveis, os ps tocando a folhagem
negra, a cabea degolada por um esplendor obsessivo
tudo se espalha num impulso curvamente
branco, a crista aberta com silncio
fulgurante, a imagem que agoniza,
e logo o tempo cado
num espao sem tempo, freme
a fonte algures simultnea, e a voz
num sulco de sangue criminal,
sobre os pulmes o rtmico decalque carbonizado,
nervos queimando
a lentido da cabea pululante
em toda a parte, animal,
sonolncia vibrante, uma aurola selvagem
sobre a febre, e pinhas
de ouro incrustadas,
inocentes, o perpassar atroz
de antigas noites saindo para as luzes
frias, de alto a baixo os rgos doces
fendidos pela faca milagrosa, a loucura,
gota a gota se destila a droga nesta coisa viva,
a dor de ter um rosto a tremer
no mundo, entre planos de noite e planos
de luz parados sobre a agonia,
guas de Deus correm numa paisagem
geral e obsessiva, e no terror de uma brancura explosiva,
a morte ao alto, fixa
ANTROPOFAGIAS
TEXTO 1
Todo o discurso apenas o smbolo de uma inflexo
da voz
a insinuao de um gesto uma temperatura
sua extraordinria desordem preside um pensamento
melhor diria um esforo no coordenador (de modo algum)
uma criatura
podemos confundir isto com acertar?
o jogo apenas acerta consigo mesmo e este acerto o prprio
jogo
nele ressaltam s qualidades de aco fora delicadeza
envolvimento em si mesmo
e o prazer de maquinar o universo numa restrita
organizao de linhas vividas em iminncia
de imagem em imagem se transfere o corpo
sempre beira de ser e parando e continuando
e ainda apagando e recomeando como se continuamente
bebesse de si e tivesse o ar pequeno para demonstrar
a grandeza de si a si mesmo
referido a qu seno ao absurdo de um espelho?
a enviar-se cerradamente entre os seus limites
zona frequentada pela ausncia viva
destreza porque sim forma porque sim aplicao porque sim
de tudo em tudo
de nada em nada pelo gozo bsico de estar a ser
TEXTO 7
Tenho uma pequena coisa africana para dizer aos senhores
um velho negro num mercado indgena
a entranar tabaco o odor hmido e palpitante sobe dos dedos
a subtileza rtmica dos dedos chega a ser uma dor
fere na cabea o pensamento da sua devotao
extrema quase intctil sobre algo
-algo tabaco
o que comea a tornar-se como uma loucura comovida
cor cima dessa massa viva de tabaco
como ele aflora Deus digitalmente debruado!
de repente v-se a inocente diligncia
o sim sem nada mais
o medo como se fosse mel a escorrer do crnio
por tudo ser de novo to concentrado e leve
a dor em ns de uma to forte ignorncia activa
a fazer-se uma prova
de elegncia na razo do tempo
nenhuma dvida apenas a lisura branda de um estilo
transcorrendo
apetece no ter mais do que a interminvel escrita
prestes a sufocar e dedo a dedo salva
nas suas pautas gravada a direito como uma implacvel
pormenorizao oracular
como se pode tornar to veemente uma doura humana
to pertinaz a graa e terrfica
a digitalidade do silncio
e a candura quase a corromper-se fora de candura
e ento o puro toque no tabaco cria
uma fria ocorrncia de pavor pois tudo ambguo
nesta rima obsessiva a pertincia ganha formas insuportveis
dedos na nuca ligamentos invisveis de tendes
centros nervosos irradiando impulsos cruis
imveis animalidades fremindo ocultamente debaixo da luz
e percebe-se ento o sangue a ir e vir
se debruam na atmosfera,
e as colinas irradiam com os astros
cravados e desorientam
os olhos. A minha idade escapa-se de um lado
para o outro, sob os dedos, como um nervo
fulgurante.
Vou morrer.
O ouro est perto.
A fora do medo verga a constelao do sexo.
Pelos canais nocturnos entra o mel, sai
o veneno branco.
O sono estrangula as chamas da cabea nos veios atados.
As costas crepitam numa linha lunar
de clarabias. Rutila
a flor do alimento, talhada: o nus.
E brilha rebrilha, uma luva puxada pelo avesso,
o corpo
puxado pelo avesso
com as estrelas desfechadas.
As casas ateiam-se.
Com linha negra a tecedeira lavra a sua flor,
com os martelos
os canteiros trazem do fundo do granito
um meteoro de prpura afogado.
A paixo pura maneira de inteligncia.
Deus recompensa o crime com a voracidade e a energia, a cegueira
inspira o crebro
violento no plexo solar do espelho.
Uma criana abisma-se no gnio analfabeto: o pavor
que a arranca de tudo. Qualquer doura lhe alimenta os esplendores
da alucinao:
pelas altas guas descontnuas, as vozes,
as frutas tecidas, movimentos, labaredas
parietais, a profundidade dos quartos como pomares
atmosfricos.
- Oh crianas de negros rostos ressurrectos.
Elas adivinham. E tombadas as luas,
No cmulo dos dias, nuvens de mrmore sobem
dos vulces dos parques. H crianas paradas nas cavidades
como os olhos das casas.
Os lenis brilham como se eu tivesse tomado veneno.
Passo por jardins zodiacais, entre
flores cermicas e rostos zoolgicos
que fosforescem. Lavra-me uma doena fixa.
Ilumina polarmente os quartos.
Todos os dias fao uma idade
bubnica. Quem vem por fora v
camisas apoiadas luz, a doura, partes
vidradas do corpo. Perto, deslumbra-se com o pnis como um chifre
de coral intacto. s vezes no sei gritar com a boca
toda luzindo.
E queima-se em mim nervo a nervo
a flor do diamante.
Fulgura o oxignio na sua caixa de vidro e a cerveja gelada
como uma estrela num copo. No
falo com ningum quando o sangue
arrancado pelas
luas, porta, o ar sibilante cheio de paisagens.
As vboras sonham no ninho,
turquesas, pedras, mas eu estou
com um brao de ouro sobre a cama.
E vou deixar a terra elctrica na sua renda concavamente
leve. O mundo este arrepio concntrico:
olho fixo por onde toda a matria contempla o espao
descentrado. E um jorro desencadeia-se pela coluna
com uma rosa mental arrastada
para o alto. Nenhum lugar
ouvido nos silncios que tem
de dentro para fora. Posso
atar um lao em volta de cada coisa, com um sussurro
estreito. Os meus ps resplandecem sepultados nos sapatos.
Fala-se de um tigre, talvez, um tigre profundo,
sem sonhos,
movendo-se nos aros do seu prprio corpo, um feixe
de chamas de cada lado.
Mudo a floresta, vejo os planetas passar, os cavalos.
E vou deixar o mundo, eu, cometa expulso
dos buracos da pedra. De dedo
para dedo
os anis luzem, terrveis, de ouro forte, fechados como serpentes
fio a fio.
Pela fora dessa ressaca, a limalha salta
entre a boca e o sexo. Abisma-se o mistrio
animal at ao centro da caa. Atraio Deus.
Leo vermelho
a brilhar nas clareiras frente das incessantes
mos do caador. Porque eu nunca falo,
de noite,
com ningum. A minha arte de ser venenosa, quieta
e aterrada. Mexem no leite, as salas
recuam pela casa, nos alvolos do corpo desatam-se
os pequenos astros. E o silncio torrencial da atmosfera
televisionada
irrompe pelos quartos amontoados.
A parede contempla a minha brancura no fundo:
paisagem
resvalada. E com o olhar redondo
de ouro rspido, da parede me fita
o cometa, entre
as omoplatas,
onde comea o nervo da flor toda unida ao cimo
da labareda. E rola noite a luz
sobre os lenis, e os ns
do rosto absorvem
todos os tomos. Porque sobe um soluo dos centros
gravitacionais
de um bicho. Um soluo, um ttano.
A gua escoa-se pelas esponjas dos rgos e dos fatos.
So corpos celestes nos recantos
dos sales engolfados, ressumando
luz prpria
e dos intensos poros da madeira exalam-se
os bosques completos. Ou so estrelas
negras, os corpos, se a noite se chega para diante,
assim depressa, pedra que se desloca
varada pelos astros. E as flores nunca baixam as plpebras
sobre os olhos.
O umbigo brilha, cego. O pbis brilha,
alto
como talha.
Todo o corpo um espelho torrencial com as fibras
dentro das grutas. Cobra
que acorda no fundo
de si mesma, o halo
ovovivparo
levantado anulo a anulo;
ou grande raiz fria sustentando o seu ovo soprado;
ou as guelras de uma rosa ferozmente
em arco.
Pela cincia e a paixo do medo, arranco parede
esse n cristalogrfico com a luz
estrangulada.
Corpo celeste antpoda.
Os chifres de ouro afloram na treva.
Deus caa-me com uma lana
radiosa. Na selva dos meus quartos hmidos, orbitais, volumosos,
com uma flecha sonora.
As folhas ressumam da luz, os cometas escoam-se
pelos orifcios
vivos das casas. E fundem-se as ramas de ouro
nos msculos vorazes, os dedos
nas massas dos espelhos.
E vibra a bolha expelida da carne curva, um rosto
a que ceifaram o caule.
No ames roupas, azleas, gua cortada, loua
a leveza. Ama digo
o que carregado: as frutas, ou a noite
e o calor, e os negros laos atados
dos animais.
E gravava-se o ouro nos centros
vidos
e o ar no espao e a seda
no tacto. O sexo brilhava sobre as mos
no fundo expansivo dos quartos,
So opacos, vulcnicos.
De anel para anel, a garganta por onde o corpo
Se arranca de dentro.
Rosas expiram pelo intenso orifcio no meio. As massas de cristal dos
quartos
planetrios
Ele queria coar na cabea da mulher aprofundada
uma labareda,
a luz fundida nas clareiras.
Tocava-lhe abismadamente o rosto directo, o sexo
de ouro bivalve, a jia do nus aberto
negra garganta de uma camlia baixando.
Queria que ela absorvesse a radiao dos astros centrais,
o oxignio a entrelaar-se no interior das constelaes da carne.
E que o membro do corpo inteiro se embrenhasse
no sangue
que a ligava dentro de estrela a estrela
por grandes fibras
vibrantes.
Os sexos fechados pelas bocas claras, que tudo
luzisse anelarmente
e o poder corresse neles, incessante, num insondvel
quarto,
as imagens alinhando-se
num incndio:
grgulas, mquinas redondas, os rostos giratrios.
E que em noites soldadas pela respirao n a n,
sobre lenis brilhando no seu arrepio de ouro,
num stio de toda a idade com seus animais
enredados, estremecessem
as roseiras de onde as rosas sorvem o suspiro
subterrneo, o intrnseco movimento
atnito.
E ento a antiga criana estelar pulsava nele com o oxignio
No extremo dos cordes maternos, soprada interiormente
pela claridade dos rgos
afinados
na dor e na paixo
suas casas astrolgicas movidas pelo fogo baixo
e em cima
pelo ar muito alto.
A doura, a febre e o medo sombriamente agravam
um forte jardim nos limites
da luz olhada. O mel di, o sangue
assalta, o espelho recua at s costas. Tambm no interior
do mundo pesa e palpita um punhado
de prolas. Que a infncia estranha, uma doena imvel.
Tem um man no meio.
No doce usar a paixo do medo, esta
maneira de tocar no ouro escurece as mos.
as estrelas pontiagudas
das mos.
Assim se reserva nos apartamentos agachados,
entre roupas deitadas, o tesouro de um rosto
soberano.
E a claridade evapora-se do crebro, ao alto
do candelabro:
o olho activo de uma flor sonhada.
Ascendem dos abismos da elegncia os mamferos
arrebatados pela violncia
astrolgica. Ficam de bruos, entre presses,
rotativos, poderosos:
fotografias cheias de ar e fogo. E usa-se a morte,
uma lembrana genial ou um absoluto
inquilinato.
- O movimento das casas com os castiais contnuos como artrias,
Como terrveis ceptros.
Amo este vero negro com as furnas de onde se arrancam
as constelaes, um jardim espasmdico
quando
se atravessam as membranas dos quartos.
Resplandeo como um cristal talhado estelarmente
na voragem entre a boca e o nus, como os arcos de um espelho.
Toco
o n dos favos e ferve o mel ao cimo da haste
vertebral. Eu amo o tremor das veias que enxameiam
as tbuas, amo as colinas de ao nas paisagens.
A gua sopra nas esponjas que luzem no frio caudal
secreto.
Vibra a roupa aberta ao longo das cavernas
das casas. Com seus passos de pantera
a noite avana e bate as plpebras.
Toda a dana atrai a fora, toda a caa atrai
os bichos. Deus atrado pelas canes venosas
com os diamantes inteiros.
Amo as cabeas, esses laos de pedra.
Respira no vero largo a flor com um feixe
de artrias.
Que eu atinja a minha loucura na sua estrela expelida
pela fora dos ventrculos
por uma crua boca
animal. Nas salas reflectindo os jardins
a reluzir
com as cadeiras e as mesas sobre as patas de madeira,
nos precipcios das casas.
E atrs, a queimadura do rosto
repentinamente
selado.
Eu brilho nos corredores,
entre os renques das folhagens e a fogueira de bestas
terrestres. Encandeia-me a fundura dos armrios
que se ateiam
pela tenso das roupas encurvadas. Eu amo
o ouro baixo nas chamas do danarino aberto
entre a boca e o nus.
As pedras fizeram agora os seus laos.
E as luvas vermelhas do escafandrista explodem nas cmaras.
Um bicho em lgrimas, a casa atravessada pelas correntes
da paisagem de gua, a criana
aurfera
direita nos recantos dos quartos com um olho radial,
um espinho de mrmore implantado
na testa sumptuosa.
E sobe a estrela terrestre
com a placenta assente
nos feixes desde o umbigo at aos cornos.
Eu trouxe serpentes de onde a luz mais ferve,
arranquei-as ao mel, eu, criana
de boca truculenta, alumiada, bivalve. Nunca vi gua
que no varasse as casas
de lado a lado. Pulsam em mim os fulcros
do sal, os cactos.
Quando a paisagem sopra pelas janelas, durmo
olhando
os centros memoriais. Deu-me a inteligncia
aquilo que toquei: o pnis que vem desde os astros das costas,
os ovos no fundo dos alvolos, as plpebras
negras. Somente o mundo
uma coisa sonora. E eu estou soldado por cada lao da carne
aos laos
das constelaes. E das cavernas, onde
suas garras se prendem como plipos,
e atravs da minha roupa,
fitam
o espelho: sangue e ouro
e clcio e mel
brilhando. Porque o corpo uma gruta de onde saltam
os sis, uma insnia que liga
o dia ao dia,
pelos jardins trespassando os estdios
ainda imveis, dentro das portas fechadas pelos prprios
astros brancos.
Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos
Detidos: hei-de de partir quando as flores chegarem
a sua imagem. Este vero concentrado
em cada espelho. O prprio
de noites
largas.
O brao enxuto plantado.
Na lmpida teia das mos,
a colher que se arqueia
desde
a traa alimentar costura cirrgica
da garganta
onde a voz rebenta
num buraco de sangue. Mas as cabeas, que olham
pelos lados
novos
de grgulas jorrando toda a fora
da luz interna,
vivem da energia
da nossa graa, da ferida
da elegncia. A violncia envenena-me.
As aberturas
que os braos fazem na gua, aquilo
que eu fecho quando
o sono me corrompe ou quando
incito ou afugento as paisagens,
o que alimenta
as musas abismadas
tudo quanto me cega.
Tambm as mulheres se alumiam
pela abundncia, pela
boca at ao fundo, o plo que salta,
omoplatas,
mos redondas, os borbotes
da seda
escoada.
Tm
caras ascensionais, magnticas. Inspira-as
o movimento dos quartos, a matriz
secreta
do ouro afundada entre
a vulva e o corao,
a rbita
das laranjas volta
estuante
da estaca.
A estrela voltaica queimando
a minha obra
morosa afina sombriamente cada cara
soldada
ponto a ponto,
sobre as vlvulas, sobre
a luz que se abre e se fecha
na carne
lunar, implacvel.
Tudo fasca: a fruta
que se apanha, o feixe
brilhando.
FLASH
Nenhum corpo como esse, mergulhador, coroado
de puros volumes de gua.
Nenhuma busca to funda, a tal presso,
como pesa na gua uma ilha fria,
a raiz de uma ilha.
Uns procuram ramas de ouro.
Outros, files de prpura unindo
sono a sono. H quem estenda os dedos para tocar
as queimaduras no escuro. H quem seja
terrestre.
Tu esbracejas entre sal agudo.
No falas, mal respiras, moves-te apenas
e fulguras
como uma estrela cheia de bolhas.
Feroz, paciente, arremetido, mortal, centrfugo.
Com todo o peso do corao no centro.
Aberto por uma bala
de fora para dentro. Como um olhar de Deus,
ou da paisagem,
at raiz do nervo de que vivo todo.
Aberto, descoberto.
Ou fechado inteiro para sempre.
E ao furo imaginrio queimado
reflui o sangue do mundo.
O n mais duro, o puro n da carne
o centro.
Furioso fulcro do esprito.
a que penso.
Por onde falo ainda to depressa
que ressuscito, ardido.
Sei s vezes que o corpo uma severa
massa oca, com dois orifcios
nos extremos:
a boca, e aos ps a dana com a coroa de labaredas
a cratera de uma estrela.
E que me atravessa um protoplasma
primitivo,
uma electricidade do universo,
uma fora.
E por esse canal calcinado sai
um rudo rtmico, uma fremente
desarrumao do ar, o verbo sibilante,
vento:
o som onde comea tudo o som.
Completamente vivo.
Boca.
Entra um astro
por mim dentro:
faz-me potncia e dana.
Que toda a noite do mundo te torne humana:
obra
TODOS OS DEDOS DA MO
As cabeas de mrmore: um raio
as fenda, E fiquem
queimadas de dentro at boca,
Ou uma faca lhes corte
as cartidas:
que as deslumbre
o sangue deslumbrante A garganta: se a faca
as encharca. Anis de mrmore
rude o plo
a aurola.
Tudo alagado desde os recessos.
Brilhando tudo,
Que a ferida elementar assome
como ao espelho: como maneira de
cicatriz de imagem,
A fora das janelas, O odor do leite
opulento
na lembrana,
E a lcera da boca no centro da mquina
circulatria: os braos tudo
crispado como um sistema de astros,
A esttua um pulmo dos ps cara.
Devora
o ar levantado, A beleza operatria.
Uma coroa da carne da cabea como
se a juba lhe ardesse, De mrmore.
Brecha anatmica para o soluo dessa
massa salgada o medo: o temerrio movimento
da dana:
a riqueza: o sono:
as voragens.
Ests cheio de esperma.
Transpiras na raiz da cabeleira.
A lngua treme dentro de ti que s
uma fala,
Respiradouro assombrado,
A mulher a cada dedo que apontavas:
a cada poro dela:
a cada choque lunar na levedura: ao teu
bafo: a leveza que
te
contemplava: o flego
dela:
estremecendo fincada no cho como uma estaca
de fruta. Tu s o raio dela: a rapidez: ela
o teu sopro.
Estala,
O suspiro da lenha suada gota a gota.
em massa. Um feixe
desenfeixa-se no avesso estala
fora. Com que vozes se encontra a gente
quando
o pavor se faz msica
ordem
exerccio nominal?,
Arrancamo-nos a tudo como
se arranca a unha
a um dedo: ou o dedo mo: ou a mo
ao gesto
amansando a terra como se penteia.
Pente que reabre a chaga e a alastra.
Que a aprofunda
como o sangue aprofunda a claridade
pequena
de um leno, Se o leno
se molha na costura que sangra
perpetuamente, A coroa irrompe da cabea
pelo mpeto
da realeza animal, O choque de um astro
calcinaria tudo
o ceptro que nos crava no mundo
o manto
o escudo
os anis como ns de dedos,
Morre-se de alta tenso,
o relmpago de um troo avistado.
As voragens fora de janelas.
Ou Deus que nos olha em cheio: dentro
ONDE NO PODE A MO
Como se uma estrela hidrulica arrebatada das poas,
Tu sim deslumbras, Por coroao:
por regies activas de levantamento:
por azougue da cabea.
Brilhas pela testa acima.
Ceptro: potncia ah sempre que o cho crepita
dos charcos de ouro,
E no corpo trancado a veias
e nervos: o sangue que se afunda e faz tremer
tudo, Tocas
com um arrepio de unha a unha
o mundo. Pontada
que te abre e aumenta
ou
onde se um troo dessa massa
intestina: e como respirada: s queimaduras
primitivas Boca:
sexo: viveza
das tripas: uma glndula que te move
ao centro. Amadureces como um ovo.
Na traa carnal: todo
com um golpe com muita fora para dentro
ferramenta de msica
DEMO
Retorna escurido
o rosto: entre centelhas, Ficasse to maduro quando
de te tragar
estremecesses, Que o animassem
os elementos: um interior: um limite do mundo,
E se afinasse como
um galho de marfim
cheio de lume, Que fosse um instrumento
de crescer na terra: um golpe
nela, A brao.
Com a mo coroada.
At bolsa com a lua dentro,
No ovo est o astro. Se pelos dedos
nesse rosto
te plantasses todo na riqueza do sono.
Soldado a nervos: osso:
feixes de fibras:
tmpanos, E as fascas saltando pelas unhas
as deixassem gneas,
E uma veia arpoasse igneamente a massa
muscular, Ou
a aorta sorvesse a matria
tremenda
ao seu abismo, E te encharcasse at s plpebras,
Essa prpura por vlvulas
contra os dentes. Nos fundamentos h
vezes
em que s ligeiro ao movimento da gua,
Ou nas paredes onde os canos se cruzam
como um corpo onde se cruzam
rgos
tubos. Um alento das coisas: dos tecidos
do mundo, E por exemplo se a loua e o inox
brilhados de dentro: mesa,
E a madeira respira mais rpida,
E uma grande massa orgnica magnfica
cercada de membros
como um homem.
Essas pinas na cabea entre as meninges
extraindo
uma estrela. Os canais luminosos da cabea
iluminam-te todo. Iluminas-te
quando se arranca a lngua e h um soluo da fala.
Levantas-te soberbamente
ao rosto. Como a vara
do vedor fica acesa
pelas ramas de gua, Como que salga
o aparelho
do corpo: e o torna substncia
alta: giratria. Ou se fulgura a trama
cristalogrfica
terrfica da msica. Se levanta
vento
Anani Iniji
An Anima Iniji
Orrenani Iniji e
Iniji inanimada
Sai meio corpo
meio corpo morto
Ananej Iniji
Anajet Iniji
Anamajet Iniji
A bilha no entorna a cincia
O fogo no derrama o leite
A chave,
onde est a chave?
Os insectos passam-na uns aos outros
As vassouras varrem-na
Tu sim, tu; mas eu no tem
Eva sou eu
rf da Ideia
sada, portas fechadas
J no agarra, Iniji
iniji faia com paiavras
que no so as suas palavras
Dj
Dj Dj
Dj d d
que tornam Iniji innime
sem regresso nos carris de Irritiliii
Quantos vespes no vero da sua cabea
No te detenhas nele, Iniji
Se tu vais Njeu
Nj v d
Se tu no nj
njarr r vais
Reboques
que a rebocam
que ela reboca
Aonde regressar?
Foi-se o corao do quarto
Espelhos recolhem-nos
Espelhos trocam-nos
a perdida deste mundo, a morte do outro mundo
Deixai-nos
Rorra Ro Roarr Rorr
Hoarre ho
Tornou-se depois tudo to duro
to detestvel
velha mo nodosa
sobre um rosto de tmporas raiadas de veias
Outrora,
outrora
o rio de jbilo no tinha o leito ressequido
Iniji no vivia ainda atrs das portas de chumbo
No acontecera ainda.
Vida, extremidade de um galho...
Ah o terrvel, o trmulo que to fcil dissipa o universo inteiro
Estes esgares minha roda
sempre sempre
que desejam eles?
Papis sempre sempre redistribudos
perdizes, folhas, loucas
Vapor
apenas vapor
pode acaso o vapor voltar a ser migrao?
o fio passa
repassa
fio sem fim a fiar-se
casulo que me enclausura
Ah! O Juzo
sofrida sentena semelhante sncope
vagas fustigantes
dedos aduncos
tudo so tormentos para a rf
Iniji hospeda efmera das covas, pais,
pinas, palavras
Coro:
O rio do repouso grande.
Solo:
Espritos da noite, sombrios
espritos guardadores.
Coro: Guardadores.
Solo:
Filho meu, guardado sejas,
guardado,
sempre, para sempre sejas guardado.
Coro:
l-i, para sempre sejas guardado.
Noutra margem do inferno
(Robert Duncan)
mortos interditos, tambm eu vou deriva.
Ouo-vos junto ribeira.
Mortas vozes alimentadas
pelo meu sangue, o amor no cura,
no me conforta estar a vosso lado.
Eis-me tambm h quatro meses como vs
sem amor, levado pela raiva ou pela chuva
ou pelos tormentos do frio, levado.
verdade que os cristos,
fila a fila, ficam
imortais no seu amor ou
no amor de um Deus? cantando?
mortos sagrados, os vivos
no o Divino
quem invejo. Como vs,
por juntar-me aos vivos eu anseio.
Canto das cerimnias canibais
(Huitotos, Coimbia Britnica)
Esto em baixo, atrs dos filhos dos homens,
diante da minha paisagem sangrenta onde o sol se levanta,
os meus filhos esto em baixo,
esto em baixo no meio do teatro sangrento,
ao p da minha rvore sangrenta, esto em baixo.
Esmagam os crnios dos prisioneiros,
queimam plumas de pssaros.
No rio de sangue junto ao cu, esto as rochas do meu voto de guerreiro.
E em baixo, no centro da aldeia, os homens trabalham ferozmente,
despedaam os prisioneiros.
Cozem-nos, l em baixo.
Diante da minha paisagem sangrenta onde o sol se levanta.
o corao
(Stephen Crane)
No deserto,
vi uma criatura nua, brutal,
que de ccoras na terra
tinha o seu prprio corao
nas mos, e comia...
Disse-lhe: bom, amigo?
amargo respondeu ,
amargo, mas gosto
porque amargo
e porque o meu corao.
Serpente Celeste, contra as mordeduras
(Pigmeus, frica Equatorial)
Quando noite o p tropea
algures,
em algo
que se contracta e ergue e morde,
Serpente Pai da tribo,
concede aos filhos teus
que seja um galho que se levanta e bate
no uma das tuas criaturas de boca aguda,
a ns, Pai da tribo,
teus filhos breves.
Mulher cobra negra
(Gondos, ndia Central)
Vens to devagarosa, mulher cobra negra,
Porque vens to devagar?
Trago-te argolas medida dos artelhos,
Porque vens devagar, mulher cobra negra?
Trago-te um sari medida do teu corpo.
Porque vens devagar, mulher cobra negra?
Trago pulseiras medida dos teus pulsos.
Porque vens devagar, mulher cobra negra?
Porque vens to devagar?
Serpente e leno
(Jos Lezama Lima)
A serpente
pegou num leno
e assentou um quadrado
dju nib u
nib i dju nib u
dju nib i n n n
i na ni n
nib u
nib i dju nib u
dju nib i dj n n
mulheres
mulheres
mulheres
mulheres
mulheres
mulheres
mulheres
mulheres
mulheres
mulheres
mulheres
mulheres
mulheres
mulheres
mulheres
mulheres
mulheres
Cai no cho
As mulheres
As mulheres
As mulheres
cabeas das
(Austrlia)
Ondas que se levantam, grandes ondas que se levantam
contra as rochas
rebentando, ru, ru.
Com a lua alta a alumiar as guas.
Na primavera.
E as guas avanam pela erva,
rebentando, ru, ru.
Na praia brava as raparigas banham-se.
Escuta o marulho delas batendo as mos,
levantando-as!
Os grandes feitios
(Biaise Cendrars)
I
Um tosco troo de pau
Dois braos embrionrios
O homem rasga-lhe o ventre
E adora seu membro erecto
II
Quem ameaas
Tu que andas
Punhos fechados nas ancas
Vacilante
Mal liberta da prenhez?
III
N de madeira
Cabea em forma de bolota
Duro e refractrio
Rosto glabro
Jovem deus assexuado e cinicamente hlare
IV
A inveja devora-te o queixo
Atormenta-te a avidez
Levantas-te
Aquilo que falta ao teu rosto
Torna-te geomtrico
Arborescente
Adolescente
V
Ei-los ao homem e mulher
Ambos feios ambos nus
Ele menos gordo e mais forte
Mos na barriga boca em ranhura de mealheiro
VI
O po do sexo que ela coze trs vezes ao dia
E o odre cheio do ventre
Vergam-lhe
O pescoo e as espduas
VII
Sou feio!
Na solido fora de aspirar o odor das raparigas
Incha-me a cabea e h-de cair-me o nariz
VIII
Quis fugir s mulheres do chefe
A pedra do sol fendeu-me a cabea
Na areia
Ficou apenas a minha boca aberta
Como a vagina de minha me
Gritando
IX
Ele
Calvo
Nada mais que uma boca
Um pnis longo at aos joelhos
Os ps cortados
X
Ei-la mulher que mais amo
Duas rugas agudas em volta da boca em funil
Testa azul
Tmporas pintadas de branco
O olhar brunido como uma pea de cobre
Figos
(D.H. Lawrence)
A maneira correcta de comer um figo mesa
parti-lo em quatro, pegando no pednculo,
E abri-lo para dele fazer uma flor de mel, brilhante, rsea, hmida,
desabrochada em quatro espessas ptalas
carregados
de tormentos e de lgrimas.
pai
dos quatro sopros ardentes,
em ti hei-de eu pensar
antes de mim,
antes da minha alegria.
Antes de em mim pensar,
na minha prpria alegria,
consagro-te o sangue forte,
o perfume a sangue forte,
do animal cativo.
Consagro-te
o corao
e a cabea
do cervo das sete rosas
na terra que te pertence.
Canto em honra dos ferreiros
(Monglia)
nove brancos ferreiros de algures,
vs a quem se vergam a falha que voa,
as ferramentas sonoras,
a firme bigorna de ao,
a lima que range range
vs, descidos ao mundo baixo,
um molde de prata ao peito,
na mo esquerda as tenazes!
a magia da forja,
maravilha
de foles poderosos
nove brancos ferreiros de algures montados
em nove cavalos brancos.
O lampejo da chama soberano!
Os ferreiros
(Marie L de Weich)
J no tero carne e sangue.
O ferro nos olhos duros, nas mos potentes o ferro.
Crepita nos coraes grandes,
invade as suas entranhas.
A fora, o pensamento, a vida toda passam
para o ferro rduo e frio
que no carne nem sangue.
As coisas feitas em ferro
(D.H. Lawrence)
As coisas feitas em ao e trabalhadas em ferro
nascem mortas, como sudrios, devoram a nossa vida.
E um dia, quando j deitaram velhas razes na nossa vida,
LTIMA CINCIA
No sendo citaes necessariamente fiis extradas de quadras populares,
nelas contudo se inspiram, ou as tomam como seus modelos directos ou
indirectos, as seguintes expresses utilizadas neste poema: Abaixa-te,
vara alta, (...) pe-te os dedos, deita um brao de fora, serve de
estrela, onde a laranja recebe soberania, o canteiro (pedreiro)
Transmutavam-se.
Que transparncia no sono, que cincia.
Algum as encontrou, no falam, queimam-nas
o combustvel astral, a nutrio
violenta. A sua arte monstruosa
a ateno nos dedos:
separar pelas fendas os planetas,
torso mais torso, membros altos, o crebro selado de todos
os mortos. Mostram
isto: que a arte que d a vida
mata.
Ininterruptas. Assombrosas. Contempladas.
Correm com braos e cabelo, com a luz que espancam,
com ar e ouro.
Correm como se movessem gua.
Que inspirao e obra nos laboratrios do mundo.
Todas metidas no vento.
To leves que metem medo.
E esplendem os ramais da gua apoiada noite,
esplendem, invadem
a casa. E as crianas pensam de sala para sala envoltas nela.
At que as embebeda o sono
encharcado nessa gua
poderosa. E ento a gua fica de olhos fechados,
negra negra
negra.
Cada stio tem um mapa de luas. H uma criana radial vista
pelas paisagens, crispada atravs
dos diamantes.
Em cada stio h uma rvore de diamantes, uma constelao
na fornalha. Abaixa-te,
vara alta, que essa criana de cabea habituada aos meteoros
delira, pe-te os dedos,
deita um brao de fora, serve
de estrela. Por acto
de sumptuosidade. H uma palavra com uma rosa
reluzente. Poros frios, ns de bronze:
a madeira est cheia
de respirao. A pedra arrancada ao mundo est cheia
de respirao. E as luas secam pedra
e madeira. uma imagem da ateno de tudo.
Quando algum escreve, arde o papel por onde
passa a imagem. E na criana assim escrita dentro
de um saco radioso, a noite contempla-se
a si prpria. Trabalha-se nas partes
doces e ocultas
da morte, engrandecendo a mo voltaica
que a escreve em nome essa ltima cincia:
unnime,
fundamental,
urea.
2
Os animais vermelhos, ou de ouro pea a pea:
de grandeza principal,
quando se olhava da terra.
3
H uma rvore de gotas em todos os parasos.
Com o rosto molhado,
eu posso ficar com o rosto molhado,
com os olhos grandes.
Neste lugar absoluto pelo sopro,
fervem as vboras de ouro aos ns
sobre as pedras enterradas. Leopardos
lambem-me as mos giratrias.
E eu abro a pedra para ver a gua estremecendo.
A gua embebeda-me.
Como nos corredores de uma casa brilha o ar,
brilha como entre os dedos.
A minha vida incalculvel.
O dia, esse bojo de linfa, uma vertigem de hlio arcaicamente
como pretexto para luzirem
cortejos: animais, brbaros crnios de ouro;
um branco suspiro extenua as gargantas dos runs;
plpebras no granito despedem-se do mundo. Quando
comeam os stios
ngremes. Porque a treva aproveita
a madurez para onde
se debrua a paisagem. E fique a prpura
nos dedos, s
por deslizarem. O objecto ao meio o vaso
em que trabalham. A noite coloca um degrau,
at que do invisvel
reservatrios de linfa e gs entenebream.
Os longos mesteres da argila: rgo macio e baixo.
O espasmo que o faz rodar, a beleza
que o transforma num crnio
astral; Vaso
dolorosamente fechado sobre a fulgurao da massa
de tomos. Embriaga-se volta
do buraco exasperado. O papel redemoinhando s lunaes
das unhas. Brilha, escurece. Depois cor de sangue: o sorvo,
e o sfrego
movimento externo.
Lees de pedra porta de jardins alerta
blocos zoolgicos, laterais, devorados
por lquenes. Vem-lhes de gotas, botnicas
vidradas, insectos,
o vento que os embriaga, as coisas plurais
da terra esse
fluxo e refluxo de potncia cega.
Se lhes toco nos flancos, ou nas jubas, ou entre
as patas dianteiras,
sinto dos dedos ao corao a tenebrosa
pancada do sangue.
Guardo no meu segredo aquele segredo
central,
inseparvel.
Uma golfada de ar que me acorda numa imagem larga.
Os braos apertam os pulmes da estrela.
E o golpe freme a toda a altura negra. Tremo
na linha ssmica que atravessa o sono.
De ferro em brasa na cabea.
medo e delrio,
o sombrio trabalho da beleza com as unhas fincadas
na matria atenta
olaria.
E sbito, apenas pelo uso elementar das coisas,
esse jbilo terrvel.
Laranjas instantneas, defronte e as ris ficam amarelas.
A viso da terra uma obra cega. Mas as laranjas
atrs das costas, as mais
pesadas, as mais
lentamente maduras, as laranjas que mais tempo demoram
a unir o dia noite, que tm uma fora maior em cima
das mesas, essas.
Operatrias. So laranjas ininterruptas trabalhando em imagens
as regies ofuscantes da cabea.
Enriquecem o ofcio sentado com um incndio
quarto a quarto da alma. Enriquecem, devastam.
Constelao ao vento avassalando a casa.
Insectos nucleares, cor de prpura, mortais, sados reluzindo
de sob uma pedra onde
de que alucinao. Entrando no sono. Devoram uma zona rude e
incandescente
no sei se da cabea.
Uma razo da melancolia, louca
de sangue. Devoram misteriosamente artrias, neurnios, clulas
deste aparelho de terror e pensamento
onde se apoia a estrela
talhada. E ficam sulfurosos
da substncia do sonho. Leves quando arrancam
uma rosa de entre as meninges. Mas as molculas das imagens
fazem-nos ferozes,
radioactivos.
Minam-me o pesadelo, saem ruivos, brios de um ouro
insalubre. E o mundo inteiro cede
ao peso que trazem membrana entre as coisas
simples e o pavor das coisas
que crepitam.
Esttuas irrompendo da terra, que tumulto absorvem?
Os cabelos resplandecem.
Os smbolos que celebram do pedra uma tenso, um
desenvolvimento, uma aura.
Em cada uma delas eu abrao uma estrela.
Abrao-a ponta a ponta das mos
numa s massa transpirada.
Arrebata-me, calcina-me.
O cho a potncia astronmica.
que escreves
entre os meteoros. Cose-te: brilhas
nas cicatrizes. S essa mo que mexes
ao alto e a outra mo que brancamente
trabalha
nas superfcies centrfugas. Amargo, amargo. Em sangue e exerccio
de elegncia brbara. At que sentado ao meio
negro da obra morras
de luz compacta.
Numa radiao de hlio rebentes pela sombria
violncia
dos ncleos loucos da alma.
Mergulhador na radiografia de brancura escarpada.
Arboreamente explosiva.
Busca na constelao salina a flor
que traga na boca
de bailarino. Uma bolha rdua, estelar, tona
do corpo e da onda.
A morte confundida fora e dentro.
Quando no h palavra que se diga e apenas uma imagem
mostre em cima
os trabalhos e os dias submarinos.
Levanto as mos e o vento levanta-se nelas.
Rosas ascendem do corao tranado
das madeiras.
As caudas dos paves como uma obra astronmica.
E o quarto alagado pelos espelhos
dentro. Ou um espao cereal que se exalta.
Escondo a cara. A voz fica cheia de artrias.
E eu levanto as mos defendendo a leveza do talento
contra o terror que o arrebata. Os olhos contra
as artes do fogo.
Defendendo a minha morte contra o xtase das imagens.
Se olhas a serpente nos olhos, sentes como a inocncia
insondvel e o terror um arrepio
lrico. Sabes tudo.
A constelao de corolas est madura contra o granito alto
nas voragens. Rosaceamente.
A tua vida entra em si mesma at ao centro.
Podes fechar os olhos, podes ouvir o que disseste
atrs das vozes
do poema.
Dlias cerebrais de repente. Artesianas, irrigadas
pela infiltrao
alimentar do sono. lcoois,
minrios, drogas. Curvam a luz onde se apoiam.
Autnomas
polpas de jias quando a treva as cerca.
Irrompem do fundo das pginas, continuam se as penso
em alumiao no espao que as exalta.
Malvola beleza acentuando uma poca
fosfrica. Os dedos
o sangue
e ento: como se transborda na frase! Rodam as atmosferas,
caem sobre o cabelo coruscante. Como se transborda
de coisa a coisa escrita africanamente!
paus negros enflorados a rosa, lees pelos corredores, v-se a juba
ao dobrar a esquina do espelho,
a rapariga dana, potes monstruosos de barro ocre.
E ento a luz revoluteada se algum arranca uma banana do peso
cor do ouro; sbito: a ruptura da frase, membros
por toda a parte. Esta a carne despedaada, aqui.
Isto so as colunas de ar.
Levo a mscara, disse eu. Quando pus os dedos
na frase, a frase
sangrava. Tinha aquele lanho, algum cosera tudo com agrafes de marfim
palavras a marfim e sangue. Disse: levo-a comigo.
O continente arqueja pela espinha de ouro.
Talvez eu volte, quem sabe? talvez
eu ressuscite a frase ocre africana, quem sabe quantos nomes
faltam, volte
coroado, mos negras com as iluminaes girando, eu:
devagar a debruar-me sobre a furiosa rede dos diamantes
So estes leopardo e leo: carne turva e
atravessadamente
rtmica a sonhar nas noites de gua aos buracos.
Montanhas das fricas,
montanhas das rvores que sangram.
H tanto ar rodeando as rvores nas montanhas: na sua
animalidade
dourada, lees e leopardos compactos aligeiram-se
com o ar onde crescem as montanhas. Carne
violenta, e amargo o sangue que lhes alimenta a elegncia
e ento eles
aproximam-se, leves em seus arcos elctricos,
ao canto e ao movimento dos dedos no giro de uma rosa.
Leopardos vivos debaixo das coroas, e os lees que algum
soprou na boca. Como descem o ar
e a gua das montanhas, como
se embrenham pelas rvores sangrando no escuro e saem
ao reluzir dos dedos e aos cantos
roucos, nas fricas. Penso
que os no posso aflorar a descarga queimaria tudo:
mo, e a veia at garganta e mgica
das palavras unidas. Mas se viessem decifrar as chagas
das palmas viradas para a lua. E as coisas
mentais
da sua loucura negra se abalassem corola doada nos dedos.
Se na volta das cabeas abertas entre os nervos de um brilhante
distinguissem a largura da minha noite,
e me enchessem do seu bafo,
e danassem. O caos encontrava o equilbrio
dos algarismos. Talvez cantassem, leo e leopardo
comigo: garras e unhas lunadas,
gargantas, as mesmas
pupilas bruscas, a mesma seiva, o mesmo furor
dourado na escurido. Que sono esse de onde saio quando os fao
morosamente sair
o flego unindo
pelas ramagens as cicatrizes do trax.
E avanar fundidos num s corpo de canto.
Porque do ouro extrado s cavernas apuro um fio
fecho-te o rosto no fio puro.
Com uma trama pode urdir-se a mscara
moldar o tronco de duas pessoas numa estrela nica
podem-se fazer com ouro do abismo
os membros que tem uma estrela para andar at porta. Um n de dois
laado mo, abrasadora.
Toda a enxameao de nadadores profundos
meu amor do reino animal amor
o inferno
Podem mexer dentro da cabea com a msica porque um acerbo clamor
porque
do a volta ao lenol em sangue:
torcem-me. Mas
eu digo amo-te para erguer de ti a tua msica para
entoar-te. Beleza, a fora, oh
a enflorada, a primitiva, chaga entre, risca
dolorosa, o cabelo.
E se passam pelos lados duas, arvoradas: uma
lua maior que o teu espelho outra
claro em que te queimavas selada viva,
pedraria.
De repente o superlativo, o visvel pelas falhas porque:
eras a convidada do espao, eras uma rvore
de prolas se dormias. E eu vergastava-te:
branqueava o cho com tuas frutas pequenas, branqueava as mos,
branqueava-me das mos voz para acordar de mim
a ti com torso
fundido. Torso e canto
armado. A oblqua visita das coisas, aquela
murmurao de mundo quando se toca
com um brao a parte dos fogos, com o outro brao a parte
dos sopros que desarrumam a frase das coisas
e arrumam
coisa a coisa o estilo onde ests escrita.
Ouvir no escuro a entoao, ficar rodeada
por sangue e nome, pelo abalo
da pessoa que outra teia de sangue tece com seu fervor cantando.
O seu furor. O medo de que os dedos se no afinem na ferida do sono
mas se afundem pelas unhas
at leveza. E a descerrem. E a desentranhem nas suas floraes
vermelhas, nos orifcios de cal
que fervem. Onde h um emprstimo de luzes movo pelas redes
sombrias as respiraes de um canto aluado a duas
vozes convulsas
uma arrebatada aos precipcios e outra
nos quartos bruxuleando entre cadeira e mesa com a mo de ouro
calcinado em cima.
Lenol de sangue, diz. Diz: torem-me. E eu aumento na operao
de sono e som em que ela
me transtorna. Pulmes aos ns, gangrenado na boca,
a tmpera do canto
macio. To caldeado o canto que nos transmuda em mundo
ureo
Doces criaturas de mos levantadas, ferozes cabeleiras, centrfugas pelos olhos para
se deslumbrarem com
a iluminao, entretecidas, membros
com membros, nos confins. Se lhes do voz, se uma
fala nos crculos. Mestres,. Mas pode algum ser mestre
aqui, de onde
se ofuscam, cndidos animais transmudando-se?
Eu sou o manancial nos hortos inocentes.
Nenhum mestre, porque se eles
se tocam
um ao outro desabrocham: a pancada no amarelo
ou no branco enflora o mundo. Mas eu no me conheo
sem a fora que me passa, toda
em imagem
destravada ao jubileu das memrias; batem-lhe no rosto
os galhos de sal, e ele toca-me e
abre e
tranca. Tranca-me numa pedraria
vibrante. Para que eu me revele em mim. E me sele nas palavras com
veias.
Alvoroo a madeira sonora com a fria loucura da msica.
s dedadas amasso o bloco a dois reluzindo pela cicatriz que o cose
do cccix ao occpite. Chamo
at aos extremos do nome, ele o nome nas respiraes
cantadas. Mestres,.
Os mestres viram como estremecera ao afundar-se na gua
negra, quando ela
era gua metida pela noite dentro. E viram-nos
depois sob as varas
salgadas: lavradas
armas que se encostam ao mundo,
altas armas abrasadas contra o mundo nocturno.
Tornei mortal o cantor na sua cana cantora.
Deus olha-o na cara, e ele sonha-me; Deus enlaa-o, rutila; Deus
e os seus mamferos, em mim, canto,
biografia rtmica. Mestres,.
Que no h mestres, esses eram donos dos latifndios bravios onde se
planta
o sal. Mas estes, no seu canto pequeno,
crispavam-se
entre braos e umbigos, entre sexos
e bocas. Tinham a sua coroa talhada na polpa
de um diamante. Uma coroa
cravada na carne da cabea. Quem o arco ou a flecha,
quem se retesa, quem
mata? Porque tanto a flauta como a sua melodia. Tanto
a mo como a sua escrita. Tanto uma
onda de escarlate
cruel
no espelho devassado para baixo e para cima. Arrebata-os
o demonaco. So os indgenas do ouro.
Um a cana, outro o som.
O som destroa a cana.
Mestres,.