A Guerra Dos Deuses
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Esta obra integra a iniciativa editorial do Conselho Latino-Americano de Cincias Sociais Clasco,1 que, em conjunto com o Laboratrio de
Polticas Pblicas da UERJ,2 visa publicao de obras que abordam diferentes problemticas referentes s transformaes sociais, polticas, econmicas e culturais contemporneas.
Michael Lwy3 reconhece a existncia de um nmero significativo
de estudos de telogos, de jornalistas e de obras acadmicas, focalizando a
relao entre religio e poltica na Amrica Latina.4 Entretanto, aponta que a
maioria se restringe a estudos de casos em um nico pas ou ainda a um
nico aspecto, desta rea vasta e problemtica, como as novas Igrejas Protestantes, as comunidades eclesiais de base, entre outros. Por isso, buscou
introduzir uma anlise dos novos acontecimentos no campo poltico-religi-
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5 Entendido como um corpo de textos produzidos a partir de 1970, com destaque para Gustavo
Gutirrez (Peru), Rubem Alves, Hugo Assmann, Leonardo e Clodovis Boff, Frei Betto (Brasil), Jon Sobrino,
Igncio Ellacura (El Salvador), Segundo Galilea (Chile), Ruben Dri (Argentina), Enrique Dussel (Mxico), entre outros.
6 Seus representantes, bispos ou cardeais mais conhecidos foram: Mendez Arceo e Samuel Ruiz
(Mxico), Pedro Casaldliga e Paulo Arns (Brasil), Lenidas Proan (Equador), Oscar Romero (El Salvador), entre outros.
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Para entender a gnese desse cristianismo da libertao que rompeu com uma longa tradio conservadora e regressiva, Michael Lwy analisou as referncias apontadas pelo brasilianista norte-americano Thomas
C. Bruneau,7 que advoga que a Igreja Catlica comeou a inovar porque
desejava preservar sua influncia. A concorrncia religiosa das Igrejas Protestantes, a concorrncia poltica dos movimentos de esquerda, a queda no
recrutamento de padres e uma crise financeira teriam levado a elite da Igreja
a pensar em um novo caminho, mais prximo dos pobres. Nessa perspectiva, o que estava em jogo, em ltima anlise, eram os interesses institucionais
da Igreja, entendidos no como mero oportunismo, mas como orientaes
normativas mutantes.
Para Lwy, esses fatores no eram suficientes para justificar por
que a Igreja no concebia mais sua influncia da maneira tradicional, atravs
de suas relaes com as elites sociais e com o poder poltico. Por isso,
tambm descartou as explicaes unilaterais de alguns socilogos ligados
Esquerda Crist de que a Igreja teria mudado porque o povo tomou conta
das instituies, convertendo-a e fazendo com que ela agisse de acordo
com seus interesses. Ele reconhece que esse aspecto interessante, sobretudo para o caso brasileiro, mas ainda assim deixa lacunas por no explicar
como foi possvel, em um dado momento, as classes trabalhadoras converterem a Igreja para sua causa. Pensando nesta questo, o autor indica os
argumentos defendidos por Leonardo Boff em Igreja, carisma e poder, de
que houve uma autonomia relativa do campo eclesistico-religioso, isto ,
determinaes culturais e sociais especficas Igreja sem as quais sua
abertura para o povo, a partir de 1960, no pode ser compreendida.
A estas explicaes, Lwy acrescenta mais: uma, segundo ele, seria a combinao ou convergncia de mudanas internas e externas Igreja
que ocorreram nos anos de 1950 e que se desenvolveram da periferia em
direo ao centro da instituio. No plano interno, aponta para o aparecimento de novas correntes teolgicas, a partir da II Guerra Mundial, especialmente na Alemanha e na Frana; novas formas de cristianismo social (os
padres operrios e a economia humanista de padre Lebret), alm de uma
7 BRUNEAU, T. C. Church and politics in Brazil: the gnesis of change. Journal of Latin
American Studies, Cambridge, n. 17, p. 286-289, nov. 1985.
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No contexto de renovao ps-Vaticano II, a Igreja comeou a estremecer em todo o continente. Em Medelln (1968) foram denunciadas as
estruturas existentes, acusadas de terem como base a injustia, a violao
dos direitos fundamentais da populao, alm de amar violncia
institucionalizada. Tambm se afirmou naquela ocasio a solidariedade da
Igreja com a aspirao do povo libertao de toda a servido. Este
fenmeno foi sentido em outras regies do Terceiro Mundo, como nas Filipinas, e em escala muito menor nos EUA e na Europa. Mas a AL representava
o elo mais frgil na cadeia do catolicismo, num contexto de dependncia
econmica crescente e pobreza cada vez maior.
Os telogos latino-americanos mais progressistas, em oposio
teologia do desenvolvimento, comeam a pregar o tema da libertao,
como, por exemplo, Hugo Assmann, telogo brasileiro, pioneiro na
elaborao dos primeiros elementos de uma crtica crist e da libertao ao
desenvolvimentismo.10 Mas foi em 1974, com a publicao de Teologia da
Libertao perspectivas, de Gustavo Gutirrez, jesuta peruano, que a TL
nasceu verdadeiramente, resultado de mais de dez anos de prxis por parte
de cristos compromissados com o social e anos de discusso com outros
telogos progressistas da AL. Suas idias pouco convencionais tiveram um
impacto significativo na cultura catlica latino-americana: propunham o
rompimento do dualismo entre a realidade temporal e a espiritual, assim
como negavam a existncia de uma histria sagrada separada de outra
profana, porque para Gutirrez, afirma Lwy, s existe uma histria, humana
e temporal, em que o reino de Deus deve ser realizado. Assim, os pobres j
no deveriam ser objeto de piedade ou caridade, mas agentes de sua prpria
emancipao. Rejeitando a ideologia do desenvolvimento considerado como
sinnimo de reformismo e de modernizao, com suas medidas ineficazes,
ele acreditava que s uma destruio radical da situao, uma transformao
profunda do sistema de propriedade e a chegada ao poder das classes
exploradas, poriam fim a essa dependncia.
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Referncias
BRUNEAU, T. C. Church and politics in Brazil: the gnesis of change. Journal of
Latin American Studies, Cambridge, n. 17, p. 286-289, nov. 1985.
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