A Miseria Da Historiografia O Revisionis
A Miseria Da Historiografia O Revisionis
A Miseria Da Historiografia O Revisionis
A MISRIA DA HISTORIOGRAFIA
O revisionismo historiogrfico 40 anos depois do golpe de 1964
Rio de Janeiro
2005
ii
A MISRIA DA HISTORIOGRAFIA
O revisionismo historiogrfico 40 anos depois do golpe de 1964
Rio de Janeiro
2005
iii
FOLHA DE APROVAO
A MISRIA DA HISTORIOGRAFIA
O revisionismo historiogrfico 40 anos depois do golpe de 1964
Aprovada por:
________________________
Prof. Doutor Renato Lus do Couto Neto e Lemos (Orientador)
________________________
Prof. Doutor Marcelo Badar Mattos
________________________
Prof. Doutora Virgnia Maria Gomes de Mattos Fontes
Rio de Janeiro
2005
iv
Melo, Demian Bezerra de.
A misria da historiografia: o revisionismo historiogrfico 40 anos
depois do golpe de 1964 / Demian Bezerra de Melo. Rio de
Janeiro, 2005.
vii; 98 p. :
Monografia (Bacharel em Histria) Universidade Federal
do Rio de Janeiro - UFRJ, Instituto de Filosofia e Cincias Sociais
Departamento de Histria, 2005.
Orientador: Renato Lemos
1. Revisionismo. 2. Golpe de 64. 3. Marxismo. 4. Histria
Monografias. I. Lemos, Renato (Orient.). II. Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Instituto de Filosofia e Cincias Sociais.
Departamento de Histria. III. A misria da historiografia: o
revisionismo historiogrfico 40 anos depois do golpe de 1964.
v
RESUMO
O propsito deste trabalho discutir de que forma alguns historiadores tem-se portanto
diante de uma tarefa ontolgica: a reviso historiogrfica. O golpe de 64 o tema escolhido,
devido ao impacto de determinadas interpretaes revisionistas nos eventos comemorativos de
seus quarenta anos. Utiliza-se como hiptese que tal reviso est em consonncia com a
ideologia do fim da histria, segundo a qual a democracia liberal o verdadeiro pice da
civilizao humana. como base nisto que estes revisionistas tem atribudo a esquerda uma
postura golpista em 64.
vi
ABSTRACT
The aim of this work is to discuss the way some historians have benn acting befora a
ontological task: the historiography revision. The military strike of 1964 is the chosen subject,
due to the impact of determined revisionist interpretations in the comemorative events of its
forty years. It is used as hypothesis that such revision is in harmony with the ideology of the end
of the history, according to which the liberal democracy is the true top of the human civilization.
Based in this these revisionists has been attributing to the left a tricky posture in 1964.
vii
SUMRIO
INTRODUO, 01
CAPTULO 1
AT OS TRINTA ANOS: O ESTADO DA ARTE ANTES DO ATAQUE REVISIONISTA?, 10
1.1. OS BRASILIANISTAS, 11
1.2. PARALISIA DECISRIA, 14
1.3. O MARXISMO E A ANLISE DREIFUSSIANA, 16
1.4. TRINTA ANOS DEPOIS..., 36
1.4.1. DEMOCRACIA OU REFORMAS?, 37
1.4.2. AS ILUSES DOS MILITARES, 47
CAPTULO 2
40 ANOS DEPOIS OU A MISRIA DA HISTORIOGRAFIA, 53
2.1. COMO A HISTORIOGRAFIA CHEGOU AOS QUARENTA ANOS DO GOLPE?, 54
2.2. O SEMINRIO DOS 40 ANOS DO GOLPE E A IMPRENSA, 70
2.3. CONTRATENDNCIAS..., 83
CONCLUSO, 88
PALAVRAS FINAIS, 91
BIBLIOGRAFIA, 92
ANEXO 1, 99
INTRODUO
Todos ns, inevitavelmente, escrevemos a histria de nosso prprio tempo
quando olhamos para o passado e, em alguma medida, empreendemos as
batalhas de hoje no figurino do perodo. Mas aqueles que escrevem somente
a histria de seu prprio tempo no podem entender o passado e aquilo que
veio dele. Podem at mesmo falsificar o passado e o presente, mesmo sem
inteno de o fazer.1
Cada poca histrica abre horizontes para a recriao do passado. Ao
interpretar o populismo, muitos tratam de descobri-lo, ou redescobri-lo;
outros desejam apenas resgat-lo. Todos esto exorcizando algo.2
HOBSBAWM, Eric J. Ecos da Marselhesa: dois sculos revem a Revoluo Francesa. So Paulo:
Companhia das Letras, 1996, p. 14.
2
IANNI, Otvio. O Colapso do Populismo. Prefcio 4a Edio. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira. 5.
Edio. 1994. p. 10.
3
LEMOS, Renato. Anistia e crise poltica no Brasil ps-1964. Topoi, Rio de Janeiro, no 5, pp. 287-313,
set.2002, p. 289.
4
A idia deste trabalho me foi sugerida por Renato Lemos, em razo de um mal-estar comum com os rumos
tomados pela historiografia referente ao golpe de 1964 em seus quarenta anos. Entretanto, de minha inteira
responsabilidade as opinies e eventuais erros expressos nesta monografia.
bem caracterizou Florestan Fernandes.5 O golpe de 1964 foi uma resposta violenta das
classes dominantes brasileiras ameaa real representada pela mobilizao crescente das
classes subalternas em torno da bandeira das reformas de base. Este trabalho no diz
respeito propriamente ao golpe. Este j foi alvo de muitos trabalhos de qualidade, que
esmiuaram detalhes extremamente importantes do processo e hoje se tornaram clssicos
da historiografia. O propsito deste trabalho justamente discutir como os historiadores
tm visto o golpe de Estado hoje, passados quarenta anos.
O golpe civil-militar de 1964 destes eventos que geram acaloradas controvrsias, a
comear pela data seria 31 de maro ou 1 de abril? , passando por sua caracterizao
revoluo? anti-revoluo? contra-revoluo? , pela memria dos homens e mulheres de
nosso tempo foi bom ou ruim? para quem? e adentrando o campo das controvrsias
acadmicas. Aps quatro dcadas, um conjunto de interpretaes ditas novas busca
atribuir novo sentido ao evento. Essas abordagens tm como novidade uma refutao
sistemtica de um determinado modelo terico, o marxismo, em suas mais variadas
vertentes. Isto absolutamente relevante quando notrio o fato de que esta tradio
intelectual orientou, mesmo que difusamente, uma parte considervel das hipteses sobre o
evento, como as de Rui Mauro Marini, Fernando Henrique Cardoso, Nelson Werneck
Sodr, Caio Navarro de Toledo, Ren Armand Dreifuss, Joo Quartim de Moraes,
Francisco de Oliveira, Jacob Gorender, Otvio Ianni entre outros. Aquilo que aqui e alhures
foi chamado de crise do marxismo6 estaria na base de algumas destas novas
interpretaes que em geral buscam desconstruir os esquemas economicistas,
teleolgicos e conspiracionistas que supostamente caracterizariam as interpretaes
marxistas.
Como de praxe em datas redondas, eventos acadmicos relacionados aos
quarenta anos do golpe civil-militar invadiram o cenrio das universidades e instituies de
pesquisa em 2004. Foi o caso do seminrio realizado no Rio de Janeiro 40 anos do golpe:
1964-2004, de 22 a 26 de maro, promovido em parceria pelo Arquivo Pblico do Estado
5
entre
outros
oriundos
da Revoluo
Francesa,
so
utilizados
13
amplamente.
Por outro lado, deve ser dito que em o revisionismo em si no uma prtica
condenvel, ao contrrio, est ontologicamente ligado profisso de historiador, que para
sobreviver precisa sempre levantar uma nova hiptese, revelar um documento novo ou
propor uma nova abordagem. Crane Briton aponta que o historiador criativo, como o
artista criativo, obrigado, em nosso tempo, a produzir algo novo na forma de uma
interpretao. Em resumo, obrigado a ser um revisionista.14 a partir da crtica ao
chamado estado da arte que o conhecimento historiogrfico avana em um movimento
dialtico que busca a construo de um conhecimento mais preciso. Contudo, no
necessariamente um trabalho mais recente melhor ou mais sofisticado que aqueles que o
precederam, considerados clssicos. isto que este trabalho visa demonstrar.
10
No que diz respeito ao golpe civil-militar de 1964, o que mais impressiona nestas
novas interpretaes justamente a impreciso com que tratada a historiografia clssica
marxista. Temos a impresso de que os originais no foram lidos pois atribuem-se a eles
hipteses e concluses que no coincidem com o que estes autores defenderam e defendem
em suas obras. o caso da caracterizao de conspiracionismo em relao obra de
Ren Dreifuss por Argelina Figueiredo, em uma tese escrita em fins dos anos 80 e
divulgada no Brasil por volta dos trinta anos do golpe.15 Segundo essa autora, na obra de
Dreifuss os conspiradores so vistos como onipotentes. Conseqentemente a ao
empreendida por eles no analisada em relao a outros grupos, nem vista como sendo
limitada por quaisquer constrangimentos externos.16 Alm do fato curioso de acusaes
deste tipo procurarem minimizar uma conspirao que, afinal, foi vitoriosa, reduzir a
abordagem de Dreifuss conspirao desconsiderar um aspecto crucial de sua anlise,
segundo a qual o Estado populista teria sofrido um ataque bifrontal:17 do bloco do capital
multinacional e associado de um lado, e do campo nacionalista-popular de outro. O cenrio
da crise dos anos 60, segundo o autor, estaria de acordo com aquilo que Antonio Gramsci
denominou de crise orgnica
18
reconhecidos como representantes dos interesses das classes sociais. No nosso caso, a crise
orgnica deu-se:
... quando os efeitos de mudanas econmico-produtoras que ocorriam com
intensidade crescente a partir da dcada de cinqenta foram traduzidos para a
poltica por duas foras scio-econmicas fundamentais [...] Essas mudanas
levaram a uma confrontao ideolgica e poltica de classes, tornando-se a
crise da forma populista de domnio em princpios da dcada de sessenta.19
15
No embate entre estas duas tendncias, nesta luta de classes, o bloco multinacional e
associado saiu-se melhor, pois: conspirou melhor, tinha melhores recursos, armas e o apoio
explcito do imperialismo norte-americano.20 Ao contrrio do que afirma Argelina
Figueiredo, Dreifuss leva sim em considerao a participao de outros atores polticos.
Porm no s de imprecises que vive tal revisionismo. Existe uma natureza
puramente ideolgica que faz de tais anlises um combate sistemtico viso de mundo
anti-sistmica que caracteriza o marxismo. Assim como nas controvrsias sobre a
Revoluo Francesa, o atual debate sobre o golpe orientado ideologicamente, com a
diferena de que ningum baliza este debate por algo como a defesa do golpe. Salvo aquilo
que costuma se chamar de A verso dos militares21, no cenrio acadmico a disputa
interpretativa no apresenta tal verso sobre o golpe como defensvel. Se no defende, uma
tendncia tambm revisionista, localizada por volta dos trinta anos do golpe, expressa na
produo de intelectuais ligados ao CPDOC, buscou contrapor a viso dos militares s
interpretaes elaboradas anteriormente pelos pesquisadores. O exemplo mais eloqente o
do texto O golpe de 64, de autoria do pesquisador Glucio Ary Soares. Como afirmam os
historiadores Renato Lemos e Marcelo Badar Mattos, entre as anlises acadmicas
realizadas at ento e os depoimentos dos militares, o pesquisador do CPDOC fica com os
ltimos.22
O que transparece no atual revisionismo uma necessidade de demonstrar que o
19
33
O psicanalista Slavoj iek aponta que a escolha entre terrorismo e democracia liberal revela a ideologia
em seu estado puro, pois acaba por igualar qualquer oposio radical ordem mundial ao terrorismo, ao
mesmo tempo em que a nica democracia possvel passa a ser a parlamentar-liberal. Ver do autor Bem vindo
ao deserto do real. So Paulo: Boitempo. 2003.
10
CAPTULO 1
AT OS TRINTA ANOS: O ESTADO DA ARTE ANTES DO ATAQUE
REVISIONISTA?
Neste captulo faremos um passeio sobre a literatura mais importante relacionada ao
golpe civil-militar de 1964, organizando-a de forma cronolgica, mas tambm realizando
uma sucinta tipologia das obras que a compem, com o objetivo de construir uma
arqueologia do revisionismo, mostrando que esta reviso deita razes em tendncias antigas.
A algumas obras ser dada uma ateno mais substancial devida importncia estratgica
da pesquisa, como os trabalhos de Ren Dreifuss e o de Argelina Cheibub Figueiredo. As
escolhas das obras levaram em contam o campo da produo acadmica mais amplo, para
alm da historiografia. Assim, alguns comentrios iniciais so necessrios.
j um lugar comum a afirmao de que o golpe foi analisado inicialmente por
cientistas polticos e socilogos, tendo a historiografia propriamente dita demorado muito a
se debruar sobre o evento. Segundo Carlos Fico o fenmeno explica-se no por um
desinteresse dos historiadores, mas pelas dificuldades peculiares chamada histria do
tempo presente e pela carncia de fontes documentais.34 Ainda segundo Fico, citando
Jos Roberto do Amaral Lapa, o cenrio comea a mudar na dcada de 70, quando ocorre
a paulatina perda de preeminncia dos estudos sobre o perodo colonial em favor daqueles
sobre a fase republicana.35 Entretanto, no razovel estabelecer uma diviso entre obras
de historiadores profissionais de um lado e cientistas polticos e socilogos de outro.
Independentemente de seu ttulo profissional, qualquer cientista social analisando o golpe
de 64 pode produzir um trabalho historiogrfico. Portanto, o balano historiogrfico at os
trinta anos do golpe incorporar a produo historiogrfica de socilogos e cientistas
polticos.
Mas h tambm os trabalhos publicados por jornalistas e observadores sagazes da
34
FICO, Carlos. Alm do golpe: verses e controvrsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. Rio de Janeiro &
So Paulo: Record, 2004, p. 20.
35
Idem, Ibidem, p. 21.
11
realidade nacional, que de alguma forma produziram uma literatura crtica importante sobre
a temtica. Algumas destas primeiras anlises datam dos primeiros anos do regime militar.
A influncia dos EUA na campanha de desestabilizao que levou ao golpe era to clara,
que uma das primeiras obras dedicadas ao tema levou o sugestivo nome O golpe comeou
em Washington36, de autoria de Edmar Morel. Apesar de um certo simplismo, a obra
publicada um ano aps o golpe tem a virtude evidente de apontar o envolvimento da
embaixada norte-americana, na figura de Lincoln Gordon, na campanha contra Goulart.
Anos mais tarde, em 1977, o jornalista Marcos S Corra publicaria o livro 1964: visto e
comentado da Casa Branca,37 com farta documentao confirmando algumas linhas de
fora presentes na obra de Morel, apesar de se constituir num trabalho muito mais
cuidadoso. No ano seguinte, o jornalista Moniz Bandeira publicou O governo Joo
Goulart: as lutas sociais no Brasil, 1961-1964.38 O livro, que se tornou um clssico,
apontava o envolvimento do empresariado nacional aliado ao imperialismo norteamericano na campanha que culminou no golpe de 1964.
Em todas estas obras a nfase no carcter pr-imperialista do regime militar uma
constante, marcando o que seria o tom de toda a anlise crtica posterior. Uma perspectiva
certamente esquerda alimentou anlises deste tipo. Mas no se pode esquecer dos livros
publicados por eminentes conspiradores, que participaram do golpe, mesmo que muitas
vezes numa posio subalterna em relao ao ncleo da conspirao, como so os casos dos
livros de Olympio Mouro Filho, Memrias: a verdade de um revolucionrio e de Odylio
Denys, Ciclo revolucionrio brasileiro.39 Apesar da importncia destas obras, optou-se por
no trat-las neste estudo, concentrando-se na produo especificamente acadmica.
Comearemos com os observadores estrangeiros.
1.1. OS BRASILIANISTAS
Os historiadores estrangeiros, em especial os norte-americanos, chamados
36
MOREL, Edmar. O golpe comeou em Washington. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira. 1965.
CORRA, Marcos S. 1964: visto e comentado da Casa Branca. Porto Alegre: L&PM. 1977.
38
BANDEIRA, Moniz. O governo Joo Goulart: as lutas sociais no Brasil, 1961-1964. Rio de Janeiro:
Civilizao Brasileira. 1978.
39
MOURO FILHO, Olympio. Memrias: a verdade de um revolucionrio. Porto Alegre: L&PM Editores,
37
12
13
O cientista poltico brazilianist Alfred Stepan figurar com sua obra, Os militares
na poltica: as mudanas de padres na vida brasileira,44 entre os principais anlistas sobre
o perodo. O livro, originalmente publicado em 1971 com o ttulo The military in politics,
resultado de sua tese de doutoramento defendida na Universidade de Columbia em 1969.
Certamente representou um grande marco. Inserindo-se tambm na tradio da cincia
poltica norte-americana, Stepan entende as FFAA como um subsistema que reage a
mudanas no conjunto do sistema poltico.45
Segundo o autor, teria havido uma mudana do padro de comportamento dos
militares em relao a sua tradicional posio ao longo da histria do Brasil. At 1964 essa
relao teria se caracterizado por intervenes moderadoras obedecendo ao chamado
padro moderador.46 Toda vez que o sistema poltico encontrava-se em crise, os militares
intervinham no jogo poltico; logo em seguida, devolviam o poder aos civis. Em 1964
houve uma alterao deste padro. A crise que levou a essa interveno singular dos
militares teria sido causada pela ao de Goulart em tentar alterar o equilbrio de foras
polticas em seu favor, utilizando para isto a radicalizao do ms de maro de 64, com o
comcio na Central do Brasil e seu apoio revolta dos marinheiros. Esta radicalizao
colocou, segundo Stepan, os setores legalistas das Foras Armadas (que a poca eram
maioria) em sintonia com a minoria que j conspirava desde 1961 contra Goulart. Setores
da imprensa passam a pedir a interveno das Foras Armadas para defender a
constituio e derrubar o governo. Ocorre o isolamento do governo e consolida-se a
oposio a este. A crise na hierarquia militar, com a rebelio dos marinheiros em fins do
ms de maro, teria se combinado a este cenrio favorecendo a revoluo.47 Tambm
44
STEPAN, Alfred C. Os militares na poltica: mudanas de padres na vida brasileira. Rio de Janeiro:
Artenova, 1975.
45
Idem, Ibidem, p. 9.
46
A idia de poder moderador foi elaborada originalmente pelo pensador liberal francs Benjamin
Constant. Em princpios do sculo XIX, Constant propugnou a necessidade, no sistema poltico liberal, alm
da diviso em trs poderes defendida por Montesquieu, da instituio de um poder moderador, que
regulasse e garantisse o equilbrio entre os trs poderes, garantindo a governabilidade. Tal concepo
terica influenciou na poca a configurao do sistema poltico brasileiro durante o Imprio. Neste, o monarca
exercia teoricamente o poder moderador.
47
Em nota, Stepan esclarece que os militares do ao golpe de 1964 a caracterstica de revoluo, e usei
algumas vezes o termo para distinguir este golpe dos anteriores, porque do movimento de 1964 resultou uma
mudana radical. claro, porm, que o movimento militar de 1964 no apresentou uma revoluo social.
Idem., nota 1, p. 10.
14
O termo intimidade palaciana foi usado por Francisco Weffort para descrever as relaes ntimas entre o
movimento sindical, incluindo os sindicatos paralelos, com o governo Joo Goulart.
49
O termo foi cunhado apropriadamente por Jos Honrio RODRIGUES. Os estudos brasileiros e os
brazilianists. Revista de Histria. vol. LIV, n. 107, ano XXVIII, jul./set. 1976. pp. 182-219.
50
FICO, Carlos. Op. cit. p. 29.
51
Por exemplo, o papel da Fundao John M. Olin tambm ligada ao departamento de Estado norteameriacano no financiamento de pesquisadores como Franois Furet, Samuel Huntington e Francis
Fukuyama, desvendado por Josep FONTANA em Histria depois do fim da histria. Bauru: EDUSC. 1998.
Entender a obra destes pesquisadores desconsiderando sua fonte espria de financiamento , no mnimo,
ingenuidade.
15
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. O clculo do conflito: estabilidade e crise na poltica brasileira.
Belo Horizonte; Rio de Janeiro: Editora UFMG; Iuperj, 2003.
53
The calculus of conflitct: impasse in Brazilian politics and crisis of 1964.
54
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Sessenta e quatro: anatomia da crise. So Paulo: Vrtice. 1986.
55
Idem, Ibidem, p. 202.
56
Idem, Ibidem., p. 19.
16
proposto por Santos uma viso marcadamente institucional da poltica: a crise do sistema
poltico culpa da impossibilidade de se fazer acordos. Poltica deixa de ser disputa de
projetos antitticos e passa a ser a capacidade de se fazer acordos. Ademais, os resultados a
que se chega com a utilizao deste modelo so extremamente problemticos. Sobre isto, a
concluso de Wanderley Guilherme dos Santos traz a seguinte inferncia normativa:
A radicalizao doutrinria, creio, um mau caminho para se atingir a meta
do desenvolvimento social. Conduz, muitas vezes a curto prazo, a sistemas
autoritrios sem compromisso com o progresso civilizatrio.57
Assim, a radicalizao da esquerda e dos movimentos populares a responsvel pela
ascenso do autoritarismo. Uma concluso absolutamente absurda. O que se pode concluir
que a inferncia normativa o imperativo categrico atravs do qual Wanderley
Guilherme dos Santos constri suas anlises. Deve-se atentar o fato de que a tese da
paralisia decisria, a despeito de muitas crticas feitas por historiadores e cientistas
sociais, figurar como um marco importante da tendncia revisionista, em especial no que
diz respeito responsabilizao do golpe dirigida tambm esquerda.58
Idem., p. 337.
Argelina Figueiredo, por exemplo, qualifica a anlise de WGS como estruturalismo poltico e fatalista,
ligada inevitabilidade do golpe. Questionando a validade do modelo proposto por WGS, exemplifica que a
Itlia dos anos 70 um caso de sistema poltico polarizado que no entra em colapso. Por sua vez, Argelina
no consegue se livrar do formalismo e da viso essencialmente institucional do processo poltico, como se
ver a seguir.
59
Foge ao escopo deste trabalho discutir o processo de penetrao do marxismo no cenrio acadmico e sua
influncia decisiva em algumas das interpretaes clssicas da historiografia brasileira. Entretanto cabe
localizar historicamente esta influncia destacando-se o trabalho pioneiro de Caio Prado Jnior, o grupo de
estudos de O Capital organizado por Jos Arthur Giannotti em fins dos anos 50 e do prprio marxismo
oficial do PCB, expresso na produo de Alberto Passos Guimares e Nelson Werneck Sodr.
58
17
defende a idia de que antes de 1964 as intervenes militares teriam tido em geral carter
progressista, a exemplo da proclamao da Repblica, do tenentismo, do contra-golpe do
general Henrique Lott para garantir a posse de JK etc. O seu livro divido em trs partes,
que correspondem a trs fases da histria militar, a saber: a fase colonial, a fase autnoma e
a fase nacional. O golpe de 64 tratado ao fim da obra. Nessa parte, Sodr defende que o
papel das Foras Armadas consiste em assegurar ao pas as condies para realizar-se
como nao, assegurar as instituies democrticas e a livre expanso econmica
nacional, enfim, as Foras Armadas ajudaro a cumprir o processo da Revoluo
Brasileira, entretanto elas no sero a sua vanguarda.60
Em 1961, militares da cpula inconformados com a posse de Joo Goulart aps a
renncia de Jnio Quadros em agosto, resolveram conspirar para a derrubada do governo
democrtico e a instalar uma ditadura militar. O sentido dessa interveno militar seria
claramente reacionrio e portanto contrria a sua misso histrica. O texto termina com
uma previso de que haver uma democratizao da estrutura militar, que acabar por
remover a cpula traidora da misso histrica. Este movimento seria impulsionado pela
base, que Sodr chama de massa, que j estaria dominada pelo desejo de
democratizao.61 Haveria, ento, uma contradio entre a base massa democrtica e a
cpula da Foras Armadas.
Deve-se levar em conta que nesse perodo Sodr era um dos principais intelectuais
do PCB, com uma vinculao estreita com o ISEB, e portanto sua viso das Foras
Armadas no processo poltico brasileiro conflua com as vises hegemnicas no partido e
no instituto.62 Nunca demais lembrar a crena comum dos comunistas do perodo no
carter democrtico das Foras Armadas, que se soma estratgia da revoluo
democrtico-burguesa a partir da aliana dos operrios, camponeses e setores da chamada
burguesia nacionalista e progressista. dentro desta perspectiva poltico-terica que se
insere o trabalho de Nelson Werneck Sodr.
60
SODR, Nelson Werneck. Histria militar do Brasil. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira. 1 edio,
1965. pp. 405, 406 e 408, respectivamente.
61
Idem., Ibidem., p. 410.
62
O ISEB uma instituio bem mais complexa. Nas palavras de Caio Navarro de Toledo, era uma fbrica
de ideologias. Conferir a obra ISEB: fbrica de ideologias deste autor, fruto de sua tese de doutorado. So
Paulo: tica, 1977.
18
Outro aspecto importante na obra de Sodr a forma como ele trata a questo da
quebra da disciplina das FFAA, apontando que, a despeito dos movimentos dos
subalternos (dos sargentos em setembro de 1963 e dos marinheiros em maro de 1964), a
disciplina vinha sendo ferida anteriormente pelos oficiais mais graduados das foras
armadas, que conspiravam abertamente contra o governo Goulart.63 Este um aspecto em
geral negligenciado pela anlise posterior que enfatiza a questo da quebra da hierarquia
como motivao causal do golpe, como o caso da interpretao de Edmundo Campos
Coelho.64 A idia do carter predominantemente democrtico das Foras Armadas na
histria do Brasil ser extremamente criticada pela anlise marxista posterior, em especial
daquela tambm crtica poltica do PCB, nos perodos anterior e posterior a 1964. Outro
aspecto criticvel na obra de Sodr, que expressa tambm a viso pecebista, a idia de
que existiria uma burguesia nacional com fortes contradies com o imperialismo e
interessada em conformar uma frente com os setores progressistas em favor de um
desenvolvimento capitalista autnomo. 1964 significa um daqueles eventos histricos em
que as teorias so derrubadas pelas fatos, embora os tericos insistam em querer adaptar a
realidade teoria. Se havia uma burguesia nacional no Brasil, o golpe de Estado
demonstrou cabalmente que esta, entretanto, no era nacionalista.
O livro clssico de Otvio Ianni, o Colapso do populismo, escrito em fins de 1967,
s vsperas das grandes mobilizaes de 1968, atenta para o carter capitalista, associado e
dependente do regime instaurado em 1964. O regime calcado no pacto de classes e na
incorporao subalterna das massas no processo poltico, o chamado Estado de
Compromisso, que vigorou no Brasil de 1930 at 1964, classificado por diversos analistas
sob o nome de populismo, teria entrado em colapso em fins do governo JK.65 Ao longo
63
19
20
Uma das crticas que se pode fazer a esse livro refere-se concordncia de Ianni
com a caracterizao de Hlio Jaguaribe sobre o regime. O socilogo paulista afirma que
em 1964 inaugurou-se um regime colonial-fascista no Brasil.69 O problema que
segundo a definio de Jaguaribe, o colonial-fascismo um modelo em que a economia
desprovida de dinamismo, tendo como resultado a estagnao econmica. Quem far
uma crtica razovel caracterizao de Jaguaribe ser Fernando Henrique Cardoso em seu
artigo O modelo poltico brasileiro. Partindo da discusso da teoria da dependncia,
Cardoso entende que o desenvolvimento associado ao capital externo , ao contrrio,
altamente dinmico, porm tem como contrapartida o aumento exponencial da dependncia
externa.70 Alis, segundo Guido Mantega, Cardoso seria o primeiro intelectual brasileiro
que percebeu o equvoco do estagnacionismo,71 exposto em 1967 em colaborao com
Enzo Faletto na obra Dependncia e desenvolvimento na Amrica Latina.72 O importante
que por trs da viso estagnacionista de Ianni, est uma sintonia com uma importante
corrente de interpretao econmica da dcada de 1960, denominada por Guido Mantega
de modelo de subdesenvolvimento capitalista, cujos principais expoentes foram Andr
Gunder Frank e Rui Mauro Marini.73 O estagnacionismo do regime, sua caracterstica
fascista e o socialismo como nica sada possvel sintetizado na frase que fecha a obra:
no limite da ditadura de vocao fascista pode estar a sociedade socialista.74 O que v-se
tambm uma difusa influncia de um certo marxismo traduzido no slogan
luxemburguista, socialismo ou barbrie, em sua traduo trotsquista, socialismo ou
fascismo. Ou seja, o que anima esta interpretao um marxismo distinto da linha oficial
69
Idem. Ibidem. p. 181. A tese de Hlio Jaguaribe foi apresentada em JAGUARIBE, Hlio. Estabilidade pelo
colonial-fascismo?. In FURTADO, Celso. Brasil: Tempos modernos. Op. cit., pp. 25-47.
70
CARDOSO, Fernando Henrique. O modelo poltico brasileiro. In _____________. O modelo poltico
brasileiro e outros ensaios. 5 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993, pp. 60-71.
71
Ainda segundo Mantega, nesse trabalho Cardoso fazia uma feliz aplicao do materialismo dialtico que
ele praticara no grupo de O Capital. MANTEGA, Guido. O marxismo na economia brasileira. In
MORAES, Joo Quartim de (org.). Historia do Marxismo no Brasil. Vol. II. Campinas: Editora da Unicamp.
1995, p. 116.
72
CARDOSO, F. H.; FALETTO, Enzo. Dependncia e desenvolvimento na Amrica Latina. Rio de Janeiro:
Zahar. 1970. Foi publicado originalmente em espanhol, em 1967.
73
Por sua vez estes pensadores esto sintonizados com a chamada nova esquerda norte-americana, composta
por nomes como Paul Baran, Paul Sweezy e Leo Huberman. Ainda se pode ver uma grande influncia das
anlises e prognsticos de Rosa Luxemburgo e Leon Trtsky nas formulaes de Gunder Frank e Marini. Ver
MANTEGA, Guido. A Economia Poltica Brasileira. Polis/Vozes. 1987. Captulo 5.
74
IANNI, O. Op. cit. p. 183.
21
75
GORENDER, Jacob. O Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das iluses perdidas luta armada.
So Paulo: tica, 1987, pp. 66/67.
76
FERNADES, Florestan. Revoluo ou contra-revoluo? In FERNADES, F. Brasil: em compasso de
espera. So Paulo: HUCITEC. 1980. O conceito de Estado autocrtico-burgus desenvolvido por
Florestan Fernandes em A Revoluo burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar. 1975.
22
Neste ano fundada a ESG, que ter um papel decisivo no golpe e na conformao do primeiro governo
ditatorial. Castelo Branco e Golbery so exemplo de militares ligados aquela escola, chamada pelos
conspiradores de Sorbonne.
78
DREIFUSS, Op. cit., p. 106.
23
Idem., p. 145.
24
muito impacto na opinio pblica da poca.80 Dreifuss ainda levanta o papel desempenhado
pela Aliana para o Progresso (ALPRO) nas atividades conspiratrias. Um ponto crucial da
campanha ideolgica era a identificao entre democracia e empresa privada,
extremamente condizente com a agenda da ALPRO, sendo o modelo liberal anglo-saxo a
prova de que estas coisas possuiriam uma identidade necessria.81 No menor o papel
desempenhado por setores da Igreja Catlica na campanha de desestabilizao, embalados
pela encclica papal Mater et Magistra, segunda a qual o comunismo intrinsecamente
mau.82 Organizaes como a Opus Dei, com forte presena na Amrica Latina e Espanha,
tendo inclusive surgido ao longo da guerra civil espanhola para apoiar o franquismo, esto
envolvidas na conspirao; defendendo uma plataforma liberal e tecnocrtica. Organizaes
aparentemente inofensivas como a Unio dos Escoteiros e a Associao Crist de Moos,
integram a rede da conspirao.83 Em meio ao debate impulsionado pelo executivo
nacional-reformista e os movimentos populares em favor das Reformas de Base, o IPES
organiza uma contra-ofensiva com a promoo do Congresso das Reformas de Base em
meados de 1963.84 Trata-se da elaborao de um programa contraposto do ponto de vista
social s reformas pretendidas pelo bloco de foras populares, caracterizando estas ltimas
como demaggicas, ineficientes e anti-econmicas e apresentado as reformas
ipesianas como progressistas e economicamente viveis, com uma aura eminentemente
tcnica. Para o IPES, era necessrio espantar qualquer viso retrgrada sobre si e
aparentar uma entidade comprometida com a reforma social. A idia de uma plataforma
tcnica em oposio a politizao das propostas nacional-reformistas o grande mote
da campanha da elite orgnica, afinal para eles os destinos da nao no podem mais ser
deixados nas mos dos polticos.85 Para Dreifuss, no se deve subestimar o evento do
80
Idem. p. 233.
Idem., p. 310.
82
Idem. pp. 235-236.
83
Idem. pp. 256-257.
84
Idem. Ibidem., p. 243.
85
Pode-se inclusive verificar que esta uma tendncia das democracias liberais contemporneas. Uma
democracia que busca colocar grandes reas da institucionalidade fora do alcance da regulao poltica,
atribuindo a estas reas um carter eminentemente tcnico. Esta tendncia despolitizadora da poltica
extremamente presente no regime brasileiro em iniciativas como a proposta da autonomia do Banco Central
e nas sucessivas propostas de blindagem da rea econmica do governo. Sobre a tendncia despolitizadora
do liberalismo ver LOSURDO, Domenico. Democracia ou Bonapartismo. Rio de Janeiro: UFRJ/UNESP.
81
25
26
esquerdas e chapas direitistas financiadas pelo IPES. Nessas disputas estudantis, figuras de
proa da ditadura militar, como Marco Maciel, aparecem como ligados ao IPES.
Impressionante a histria da conhecida dedo-duro da Faculdade Nacional de Filosofia, a
estudante direitista Snia Seganfredo que liga-se ao IPES atravs do tenente Heitor de
Aquino Ferreira, e redige uma brochura intitulada UNE: instrumento de subverso,
distribuda sob o financiamento do IPES.90 Os esforos do IPES, afinal, se mostraram
inteis pois a esquerda unificada, atravs da aliana entre a AP e o PCB, continuou a gozar
de hegemonia na UNE e nas principais entidades estudantis do perodo. No que diz respeito
ao movimento campons, a disputa travava-se fundamentalmente contra as Ligas
Camponesas de Francisco Julio no Nordeste. O papel dos setores conservadores da Igreja
catlica fundamental nesta disputa, sendo esta instituio fortemente apoiada pelos
intelectuais orgnicos que, entre outras coisas buscam formular um outro projeto de
reforma agrria; uma reforma agrria orientada por preceitos da produtividade capitalista.
Mas tambm na formao e disputa da CONTAG, Confederao do Trabalhadores na
Agricultura, a elite orgnica intervm: da mesma forma que no movimento estudantil, a
direita derrotada pelos nacional-reformistas, em especial devido ao forte trabalho do PCB.
Incapaz de hegemonizar o movimento campons, a elite orgnica vai procurar outros meios
de det-lo.91
No movimento dos trabalhadores urbanos, o processo foi marcado pela perda de
controle dos mecanismo estatais corporativistas oriundos do Estado Novo. A proliferao
de entidades paralelas como o PUA, CGT e o Frum Sindical de Debates de Santos, por
fora da estrutura estadonovista, preocupava extremamente o empresariado, em especial o
capital multinacional e associado. Diante deste cenrio, o complexo IPES/IBAD lana uma
ofensiva para dividir o movimento sindical e conter a incipiente conscientizao da classe
trabalhadora.92 Os Crculos Operrios, organizaes da direita catlica, so utilizadas para
89
Idem., p. 281.
O Tenente Heitor Aquino Ferreira ser posteriormente secretrio particular de Golbery e Ernesto Geisel.
Elio Gaspari o considera co-autor de sua obra sobre a ditadura, demonstrando no mnimo que tipo de viso
partilha, como fica demonstrado na sua Ditadura envergonhada. So Paulo: Companhia das Letras. 2002.
Sobre a sinistra histria de Snia Seganfredo, ver DREIFUSS, R. Op. cit. pp. 289-290.
91
Idem., p. 305.
92
Idem., p. 307.
90
27
dividir o movimento operrio.93 A elite orgnica procura estabelecer uma ponte entre os
interesses operrios e a propriedade privada/democracia. O complexo IPES/IBAD cria o
MSD, Movimento Sindical Democrtico, que por sua vez recebe o apoio internacional da
ORIT, Organizacin Regional Interamericana de Trabajadores, rgo ligado CIA, que
atua para promover um sindicalismo condizente com o imperialismo. O modelo a AFLCIO.94 Dreifuss ainda levanta o papel de outra organizao ligada ao capital internacional, a
AIFLD, American Institute for Free Labor Development, tambm ligada CIA cujo
objetivo era penetrar no sindicalismo latino-americano.95 Os trs princpios da AIFLD so:
1) dividir a classe trabalhadora; 2) fazer oposio militncia; 3) negar a luta de classes e
propor o consenso. A AIFLD conseguiu opor-se influncia do CGT e impedir que este
unificasse o movimento trabalhista em 1962.96 Dreifuss ainda analisa o movimento sindical
de direita e o seu papel na derrubada de Jango, especialmente no fracasso da greve geral em
1964.97 Apesar do relativo xito do complexo IPES/IBAD, a esquerda continua a avanar
no movimento sindical. S o golpe alterou esta tendncia.98
Este captulo termina com a discusso sobre a interveno da elite orgnica no
processo partidrio. A frente de partidos e polticos conservadores no Congresso Nacional,
a Ao Democrtica Parlamentar (ADP), constitui-se na expresso parlamentar do
complexo IPES/IBAD.99 Esta frente foi formada anteriormente criao do IPES, ainda
sob o governo JK, porm rapidamente os ipesianos conseguem transform-la em sua
caixa de ressonncia no Congresso Nacional. As propostas formuladas pelos ipesianos
so apresentadas no congresso nacional pelos membros da ADP, em contraposio a Frente
Parlamentar Nacionalista (FPN), que abrigava as foras nacional-reformistas. A prpria
existncia destas frentes extra-partidrias100 constitui para Dreifuss o indcio eloqente da
crise orgnica do regime populista. Para se entender o cenrio de crise, o autor trata da
interveno espetacular do complexo IPES/IBAD nas eleies de 1962, j referida acima. O
93
Idem., p. 309.
Idem., p. 313.
95
Idem., p. 315.
96
Idem., p. 317.
97
Idem., p. 318.
98
Idem., p. 319.
99
Idem., p. 320.
94
28
balano final o de que, apesar de a elite orgnica ter sido capaz de eleger uma srie de
parlamentares e governadores de estados importantes que para conseguir o apoio material
do IBAD juravam maior fidelidade a este instituto do que a seu prprio partido a esquerda
obteve importantes vitrias, como a eleio de Brizola com uma votao espetacular para
deputado federal, o lder das Ligas Camponesas Francisco Julio tambm para deputado
federal e Miguel Arraes para governador do estado de Pernambuco. A elite orgnica
percebe uma ascenso irresistvel da esquerda, a despeito dos seus esforos. Apesar de
no conseguir a maioria na cmara, as foras nacional-reformistas ampliam
consideravelmente sua presena no congresso, o que leva os setores conservadores a jogar
na crise do regime, utilizando-se de expedientes de toda sorte para inviabilizar que as
reformas de base, ou que as medidas mais corriqueiras do executivo de Goulart fossem
aprovadas no Congresso Nacional. Amadurecia a idia da necessidade de uma interveno
militar para pr termo ao processo de avano da esquerda e dos movimentos das classes
subalternas.
Entretanto, o balano das eleies de 1962 foi o seguinte: a caixinha do
IPES/IBAD conseguiu arrecadar atravs do sistema bancrio cerca de um bilho de
cruzeiros, contando para isso com a ajuda inestimvel da CIA e da ao do embaixador
norte-americano Lincoln Gordon; consegui eleger 110 deputados representando um
quinto da cmara poca estreitamente ligados elite orgnica.101 O complexo
IPES/IBAD jogava no desgaste do executivo frente opinio pblica; Joo Goulart
procurando apoio extra-parlamentar no movimento popular era a imagem trabalhada pelo
bloco conservador.102 Uma das aes empreendidas pela ADP, ainda sob o regime
parlamentarista em 1962, foi no intuito de impedir a indicao de Santiago Dantas para
primeiro-ministro e sua eleio para o legislativo. Santiago Dantas era o tipo de poltico
com um perfil que incomodava estrategicamente a elite orgnica: era ligado a empresrios,
o que tornava-se um entrave hegemonizao do conjunto da burguesia pela elite orgnica;
era identificado como defensor de uma poltica externa independente, o que conformava
uma simpatia nos setores de nacionalistas de centro-esquerda e a ira do imperialismo
100
101
29
30
Este grupo, que afinal conseguir hegemonizar a conspirao, cria um virtual EstadoMaior, chefiado pelo General Castello Branco. Os extremistas de direita, por sua vez, no
estavam isolados da sociedade, ao contrrio contavam com uma rede considervel de civis,
com forte presena na imprensa. Este grupo contava com o golpista histrico Brigadeiro
Joo Paulo Moreira Burnier que liderou a malfadada rebelio de Aragaras contra o
governo JK , o Brigadeiro Eduardo Gomes, o jornalista e homem de TV Flvio Cavalcanti
e o diretor do jornal conservador O Estado de So Paulo, o tambm membro do IPES-So
Paulo, Jlio de Mesquita Filho, alm de diversos empresrios. Por ltimo, o grupo dos
chamados tradicionalistas era composto essencialmente por militares que no tinha
recebido treinamento na ESG e no possua qualquer relao com o IPES. Este grupo
caracterizava-se pelo anticomunismo, como os demais grupos, mas tambm por uma
postura anti-modernizante, dai o seu tradicionalismo. Tinham atuao destacada no
Nordeste, regio chave para a conspirao, em especial pela necessidade de deter as Ligas
Camponesas e os sindicatos rurais. Os tradicionalistas sero importantes na cooptao do
vice-governador de Arraes, Paulo Guerra, no estado-chave de Pernambuco.106
Um oficial tradicionalista alvo de grande controvrsia foi o General Amaury Kruel,
que chegou a ser Ministro da Guerra de Joo Goulart, e chefe do II Exrcito, localizado no
estado chave de So Paulo. Praticamente todos os observadores do perodo desconhecem as
ligaes de Kruel com a conspirao golpista. Existe uma interpretao consagrada que v
Kruel como uma adeso de ltima hora, aps o incio das movimentaes do General
Olympio Mouro Filho no dia 31 de maro de 1964. Dreifuss demonstra atravs da farta
documentao que, desde a poca em que ocupava o Ministrio da Guerra de Goulart,
Kruel participava das reunies dos conspiradores, como a realizada em Petrpolis em
maro de 1963, ao lado do Marechal Denys, o Marechal Dutra e o Almirante Heck,
conforme consta no relatrio da CIA de maro de 1963.107 As ligaes familiares de
Goulart com Kruel est por trs da interpretao da adeso de ltima hora, repetida at
hoje, aps mais de duas dcadas de publicao de 1964: a conquista do Estado. Segundo
Dreifuss, reunies como estas eram supervisionadas pelo General Golbery, e possuam o
106
107
31
32
estudantes de classe mdia alta e alta, com o intuito de combater a influncia da esquerda
no movimento estudantil, foi submetida investigao federal depois que sua sede foi
estourada e foram descobertas armas e provas da existncia de uma organizao
paramilitar. Foi instaurado um Inqurito Policial Militar, por iniciativa do Ministrio da
Guerra. A tarefa foi designada ao General Idlio Sardenberg. Na verdade colocava-se a
raposa para tomar conta do galinheiro, j que o encarregado da investigao procurou
deixar os conspiradores tranqilizados: no seriam importunados.109 O fornecimento de
armas para essas organizaes paramilitares envolvia importantes representantes da direita
civil e da CIA, como o coronel Vernon Walters, alm do patrocnio da Aliana para o
Progresso.
Dreifuss ainda assinala o envolvimento das estruturas partidrias oficiais na
conspirao. A existncia dos comits de bairro facilitava a instalao de uma importante
rede da conspirao, fundamental para se criar uma clima propcio interveno golpista.
As chamadas reunies pblicas, patrocinadas pela elite orgnica com o intuito de
levantar a moral da tropa golpista e estimular a ao dos militares na derrubada de
Goulart, contava com a ajuda inestimvel das estruturas dos partidos conservadores. O
grupo dos manicos de So Paulo e at os mais importantes clubes de futebol de So
Paulo tiveram suas estrutura mobilizadas para a conspirao. Aos poucos o complexo
IPES/IBAD foi conseguindo estabelecer uma razovel coordenao entre as diversas
conspiraes, anteriormente completamente desarticuladas. No entanto, Mouro continuava
a considerar-se o centro da grande conspirao. Em muitos momentos a elite orgnica
desenvolve uma ao para conter suas excentricidades, inclusive como forma de garantir a
centralizao da conspirao. Os maiores problemas para a elite orgnica surgiram quando
da transferncia de Mouro para Juiz de Fora. De uma s vez, o complexo IPES/IBAD
perdia o relevante elemento diversionista em So Paulo, e via Mouro frente de tropas e
fortalecendo o governador de Minas Magalhes Pinto e o General Costa e Silva, que no
eram alinhados com o grupo IPES/ESG. Isso explica em parte a ao precipitada de
Mouro em 31 de maro de 1964. Mas deve-se notar que, a despeito do protagonismo de
Mouro e suas ligaes quando da execuo do golpe ao grupo de Costa e Silva, o
109
Idem., p. 383.
33
complexo IPES/IBAD era o nico que possua um projeto coerente de poder, e por isto
mesmo ser este que ir conquistar o Estado, como Dreifuss demonstra no captulo IX. A
elite orgnica , ainda, o setor que consegue unificar a oposio direitista e a conspirao
dentro e fora das Foras Armadas.
No captulo IX, Dreifuss realiza a comprovao emprica de sua hiptese.
Demonstra, de forma inequvoca, que o complexo IPES/IBAD ocupa os postos-chave da
administrao ditatorial castelista. As formulaes ipesianas e ibadianas orientaram todas
as polticas implementadas por Castelo Branco, tendo destaque as propostas concebidas no
Congresso das Reformas de Base em 1963, j referido acima. Assim, numa crtica dirigida
diretamente a Alfred Stepan e seus epgonos, Dreifuss demonstra que o regime instaurado
em abril de 1964 no era militar, mas civil-militar. Precisamente burgus-militar. A
reforma administrativa, como por exemplo a criao do Banco Central, faz parte do iderio
formulado pelos ipesianos. Figuras-chave da conspirao, como Roberto Campos, ocupam
postos da maior relevncia na burocracia do Estado. Na verdade, todos os cargos da
burocracia ligados poltica econmica castelista so ocupados por ipesianos. Outro rgo
que se tornou uma marca do regime, o Servio Nacional de Informaes, fundado por
ningum menos que o General Golbery, torna-se no s uma agncia de informaes, mas
uma importante assessoria para a formulao de diretrizes polticas nacionais.110 Ter
como base uma lista organizada pelo prprio Golbery ao longo de sua militncia no IPES,
no Grupo de Levantamento de Conjuntura, com a compilao de dados sobre cerca de 400
mil brasileiros.
Dentre as mudanas significativas na configurao do regime brasileiro ps-64,
constitui marco importante a criao do FGTS, que acabou com a estabilidade que o
trabalhador possua aps dez anos de servio, pois alterou profundamente as relaes
vigentes entre capital e trabalho. A instabilidade no emprego passou a ser uma realidade
para a classe trabalhadora. Entretanto, ao mesmo tempo que ocorreram modificaes deste
tipo, por outro lado, as prerrogativas repressivas da legislao sindical varguista sero
oportunamente utilizadas pelo regime militar, demonstrando sua vitalidade sobre ele. As
mudanas operadas no regime poltico brasileiro s podem ser entendidas se seu carter de
34
classe for devidamente esclarecido. nesse sentido que Dreifuss polemiza com aqueles que
vem um regime ocupado por tecnocratas, afirmando que so os tecno-empresrios,
industriais e banqueiros, que ocuparam as posies-chave de ditadura brasileira. Alis, o
tecnocratismo constitui-se na verdade numa das grandes ideologias no sentido marxiano
do termo deste regime, num mecanismo acobertador das grandes restries impostas
sobre a vida poltica pelo novo bloco de poder dominante, utilizada como argumento
neutro para encobrir os desgnios classistas do regime.111 Como sintetiza o autor: O golpe
de abril de 1964 desdobrou-se numa transformao do Estado; o programa do IPES trazia
em seu bojo uma regenerao capitalista.112
Em sua concluso, Dreifuss localiza alguns erros interpretativos da anlise social da
histria brasileira, como resultado de uma viso do empresariado brasileiro como ser
apoltico, s interessado em seus negcios. O autor, atravs desta pesquisa, demonstra
justamente o contrrio, e o que se pode denotar que para a burguesia a poltica continua
sendo uma parte intrnseca de seus negcios. Se a anlise dreifussiana considerou as
mudanas operadas no mundo da produo, com a entrada no pas do capital multinacional
e associado, a conquista do Estado pelo bloco de poder ligado a este no constitui um
mero reflexo da supremacia econmica, mas um resultado de uma luta poltica
empreendida pela vanguarda destes novos interesses.113 neste sentido que Dreifuss
criticaria ainda os autores que vem a instaurao de um regime bonapartista em 1964. No
bonapartismo uma parte da burocracia do Estado se eleva acima da sociedade como
resultado de uma crise orgnica. Durante o perodo iniciado com a revoluo de 1848 at o
golpe de Estado de 2 de dezembro de 1851 na Frana, Marx analisou o fenmeno como
resultado da impossibilidade de alguma das classes fundamentais do capitalismo exercer o
domnio poltico diretamente no Estado. A burguesia no podia mais e o proletariado no
podia ainda. Neste cenrio, o golpe de Lus Bonaparte, com a autonomizao de uma parte
do aparelho de Estado frente a sociedade, significou a instaurao de um regime
bonapartista. Entretanto, o bonapartismo no significa que o Estado paire acima das
110
Idem., p. 421.
DREIFUSS, R. Op. cit., pp. 485-486.
112
Idem., p. 455.
113
Idem., p. 482.
111
35
36
37
38
39
caracterizando-a como uma vitria do movimento popular, teria animado a crena deste
de que era possvel um movimento pela volta do presidencialismo e que sob esse regime
haveria mais condies de implementao das reformas de base. Assim, segundo Argelina,
Goulart teria propositadamente inviabilizado o regime parlamentarista, formando gabinetes
inviveis, levando a um desgaste do regime parlamentarista. Para as foras de esquerda, a
soluo parlamentarista foi apontada como golpe branco. Segundo a prpria autora, numa
pesquisa de opinio da poca o parlamentarismo foi tido como extremamente impopular;125
ainda assim, para Argelina este regime se constituiu numa oportunidade perdida. Goulart
deveria ter tentado consolidar institucionalmente o parlamentarismo e encaminhar um
conjunto de reformas moderadas. Ao contrrio disto, Goulart e a esquerda teriam agido de
modo distinto, por exemplo em relao reforma agrria. As esquerdas, em especial aquela
caracterizada pela autora como coalizo radical pr-reformas, ignorava completamente
o poder de veto dos conservadores no Congresso Nacional, e assim insistia em um
programa radical, excluindo concesses e compromissos com estes setores
conservadores.126 A confluncia de todos estes fatores levou ao fracasso do compromisso
conseguido com o parlamentarismo, acabando com a primeira possibilidade de se combinar
reformas com democracia, segundo Argelina Figueiredo.
A segunda possibilidade teria sido j no presidencialismo, durante a tentativa de
implementao do Plano Trienal do ento ministro Celso Furtado e na tentativa de passar
uma proposta de reforma agrria pela Cmara. O Plano Trienal combinaria estabilizao
financeira com um programa de reformas moderadas. Tratava-se de uma conjugao,
segundo a autora, de uma poltica econmica que combinaria desenvolvimentismo com
algum grau de monetarismo. O controle da inflao seria conseguido com a restrio do
crdito, aos gastos governamentais e, principalmente, dos aumentos salariais.127 Alis,
como a prpria autora admite, a parte das reformas de base ocupava um lugar ambguo e
secundrio no programa de Furtado. Seu sentido maior era a necessidade de ganhar a
como na neoclssica.
125
FIGUEIREDO, A. C. Op. cit., p. 59.
126
Idem. Ibidem., p. 73.
127
Idem. Ibidem., p. 92. O carter recessivo deste plano e sua semelhana com o PAEG o Plano de Ao
Econmica de Governo do primeiro governo ditatorial militar foi apontado por Francisco de Oliveira em
sua obra Crtica razo dualista, de 1972, reeditada em 2003, So Paulo: Boitempo. p. 93.
40
confiana dos grupos conservadores e dos credores internacionais, com vistas a conseguir
uma renegociao da dvida externa e a liberao de um novo emprstimo. O apoio inicial
ao plano veio de um setor da burguesia, localizado principalmente na FIESP. As
associaes comerciais, em sua grande maioria, rejeitavam o plano. Depois de analis-lo, o
movimento sindical e a esquerda rejeitaram o plano, segundo Argelina porque esses
sentiam-se fortalecidos o suficiente para procurar aumentar seus ganhos alm das previses
do plano. Dentro das metas do plano, estava previsto um aumento salarial para o
funcionalismo pblico de no mximo 40%; o movimento sindical lutou e conseguiu um
aumento de 70%. Assim, o fracasso do plano visto como resultado da ao dos setores
organizados das classes trabalhadoras, que no se dispuseram a colaborar com o plano e
abrir mo momentaneamente de suas reivindicaes salariais. O que este tipo de anlise
revela uma caracterizao de que os interesses nacionais deveriam se sobrepor aos
interesses das classes sociais, como se o prprio interesse nacional no fosse um interesse
essencialmente de classe. O Estado tambm visto como lugar do pacto social, e no como
um aparelho de dominao classista; nesta dmarche o Estado neutro, podendo ou no
assumir um contedo social. Afinal de contas, o governo deveria desempenhar um papel
central em prover as garantias [...] institucionais execuo do plano.128 O fracasso do
plano tambm culpa do governo federal em no estabelecer estes mecanismos
institucionais. A autora chega mesmo sugerir que, caso tivesse triunfado, o Plano Trienal
poderia produzir benefcios a longo prazo para todas as fraes e classes, ainda que
implicasse em sacrifcios imediatos.129 Ora, dentro dos marcos da sociedade capitalista,
principalmente em uma sociedade perifrica, um desenvolvimento econmico que
beneficie a todos absolutamente contra a natureza das sociedades produtoras de
mercadorias e mais-valia. S concebvel para quem ideologicamente desconsidera em sua
anlise esta base material.
Isto fica mais evidente quando Argelina analisa a tramitao da proposta de reforma
agrria no Congresso Nacional. Para realiz-la, a proposta inclua uma emenda
Constituio, que possibilitaria ao governo pagar com ttulos da dvida pblica as terras
128
129
41
Como j foi apontado acima na crtica obra de Wanderley Guilherme dos Santos, a agenda neoliberal foi
e promovida com base nas chamadas reformas do Estado, sendo desnecessrio esclarecer que se tratam de
reformas reacionrias ou contra-reformas.
131
Idem. Ibidem., p. 115.
132
Idem. Ibidem., p. 194.
133
Idem. Ibidem., p. 119.
134
Este tipo de olhar acrtico ao ordenamento poltico daquele regime parece um tipo de positivismo
jurdico, de que vale o que est na lei, desconsiderando o carter excludente da Carta de 1946 para amplas
parcelas da populao brasileira. Cabe lembrar que as esquerdas em suas aes extraparlamentares buscavam,
entre outras coisas, a ampliao da participao popular naquele regime, destacando-se a defesa do voto dos
analfabetos, que no perodo correspondiam a um contingente considervel, e legalizao do Partido
Comunista, ilegal desde 1947. Sobre o positivismo jurdico utilizamos GOODRICH, Peter. Positivismo
jurdico in BOTTOMORE, Tom; OUTHWAITE, Willian. Dicionrio do pensamento social do sculo XX.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996, pp. 596-597.
135
FIGUEIREDO, A. C. Op. cit., p. 117.
42
Segundo Michel Lwy, em uma anlise do termo utilizado por Marx para diferenciar os cientistas
burgueses clssicos, que produziam conhecimento, dos vulgares (sicofantas), propagandistas da ordem, assim
esclareceu a origem do termo: na Grcia antiga os donos de pomares de frutas, sobretudo de figos, tinham
medo de que os pobres que andavam pelos campos roubassem os frutos; colocavam ento um lacaio para
guard-los, os quais quando um pobre, uma mulher, uma criana pegava algum fruto, punha-se a gritar
ladro! pega!. Esse era o sicofanta, o indivduo que tinha o papel de gritar em defesa da sociedade, um
lacaio a servio da classe dominante. Argelina Figueiredo no esconde o seu ponto de vista de propagandista
da ordem burguesa neste trecho. LWY, Michel. Ideologias e cincia social: elementos para uma anlise
marxista. 14 Edio. So Paulo: Cortez. 2000. p. 98.
43
44
Ora, como foi exposto na seo anterior, no h uma narrativa linear em Dreifuss, ao
contrrio, foi na luta com outras classes sociais, com um verdadeiro making of da burguesia
multinacional e associada, que esta classe conquista a hegemonia frente aos outros setores
da classe dominante, derrota o bloco nacional-reformista e o movimento popular e
conquista o Estado.141 Argelina argumenta, numa nota sem maiores explicaes, que a
hiptese de liderana exclusiva da burguesia no convincente.142 A burguesia, ao
contrrio, s teria no mximo influenciado um grupo j existente de conspiradores
militares. Entretanto, Dreifuss, em sua anlise sobre 1964, adentra a ocupao dos postos
do primeiro governo militar para provar sua hiptese. Argelina, ao contrrio, limita-se a
uma narrativa da curta durao at o golpe. Mas como ela entende a conspirao? Para
compreender a ao dos conspiradores, a autora recorre s elaboraes de Elster sobre o
problema da ao coletiva, segundo o qual numa ao coletiva todos se beneficiam se
todos cooperarem, mas cada um se beneficia mais se se abstiver de cooperar.143 Na
verdade esta polmica envolve o pressuposto terico do individualismo metodolgico
versus o coletivismo metodolgico, caro dmarche da escolha estratgica, segundo a
qual o marxismo no teria em sua teoria algum mecanismo explicativo para a ao dos
indivduos. Para isto, os adeptos do chamado marxismo analtico utilizam os
pressupostos da economia neoclssica, segundo a qual os indivduos agem sempre para
maximizar seus ganhos.144
Seguindo Elster, a autora localiza tanto entre o empresariado, quanto entre os
militares, dificuldades de natureza semelhante para participar da conspirao. Para isto
utiliza-se de depoimentos do lder ipesiano Paulo Ayres Filho para provar como o
empresariado tinha receio em participar da conspirao. Ora, como se mostrou acima,
Dreifuss descreve perfeitamente o processo de formao classista interno, a chamada
141
45
doutrinao especfica, destinada prpria burguesia, para torn-la classe para si. Para a
conspirao militar, Argelina reproduz o argumento de Alfred Stepan segundo o qual os
militares temiam pr em risco a integridade das FFAA numa ao de derrubada de um
governo constitucionalmente eleito. A autora utiliza-se principalmente do depoimento de
Cordeiro de Farias, um conspirador que curiosamente foi excludo da ocupao do centro
do poder aps o golpe de Estado.145 Seguindo Stepan, Argelina defende que os militares
eram tradicionalmente extremamente legalistas, hostis a movimentos extra-constitucionais.
Apenas aps o plebiscito intensifica-se a conspirao, quando aumenta a radicalizao
poltica da esquerda, como a vitria do CGT na eleio da diretoria da Confederao
Nacional dos Trabalhadores na Indstria, e com uma srie de medidas tomadas por Goulart,
como a demisso de Carvalho Pinto do Ministrio da Fazenda. A partir destes eventos, se
resolve o problema da ao coletiva.146 Os eventos do ms de maro, o comcio e as
rebelies dos subalternos das FFAA, s esquentam o cenrio, tornando o governo
insustentvel. isto que faz com que, por exemplo, setores legalistas das FFAA apiem o
golpe.147 O curioso que Argelina no incluiu entre suas fontes do trabalho os depoimentos
do General Golbery e do tecno-empresrio Roberto Campos, ambos ligados ao IPES/ESG,
dois atores extremamente relevantes na conjuntura do perodo, com um papel de destaque e
liderana na conspirao. Provavelmente isto se deve a dificuldades em envolver os
depoimentos destes na desqualificao da obra de Dreifuss.
A concluso da Argelina Figueiredo no poderia ser outra: pela atitude
inconseqente da esquerda, que ao lado da direita tinha uma viso instrumental da
democracia, forma-se o consenso negativo em torno da democracia. O resultado o golpe!
A despeito da semelhana entre esta viso e a concluso de Santos, alguns aspectos do
modelo terico proposto por Argelina Figueiredo so extremamente fecundos, pois visam
46
identificar tendncias polticas abortadas no processo, o que meritrio.148 Por outro lado,
como j foi tratado acima, Otvio Ianni tambm atenta para outras virtualidades do perodo,
como a possibilidade de um desfecho socialista. Pela posio terica da autora, a
virtualidade socialista impossvel de ser levada em conta; est fora de seu campo de viso.
O que caracteriza tambm a anlise de Argelina Figueiredo a viso marcadamente
institucional da democracia, o que a faz ver na radicalizao da esquerda um golpismo
similar ao empreendido concretamente pela direita. Alis, a radicalizao da direita
sempre uma conseqncia da radicalizao da esquerda, e no por acaso que a
conspirao direitista ocupa to poucas pginas em sua obra. Outro problema decorrente
do modelo terico, que faz a autora levar a srio as intenes reformistas da UDN,149 e
no levar em conta que as reformas pretendidas por esse partido so muito diferentes, do
ponto de vista social, das reformas preconizadas pela esquerda. Certamente, muitas das
reformas preconizadas pela UDN foram implementadas pelo regime militar. Ainda sobre
o modelo terico, a proposio da teoria dos jogos de Elster guarda em si uma enorme
dificuldade, j que pressupe um jogo finito, ou de soma zero, como substitutiva da luta
entre as classes sociais como explicao para os fenmenos sociais. Como assinala Daniel
Bensaid lutar no jogar!150 A anlise do processo histrico de Argelina encerrada com
o golpe de Estado, no fim do jogo. Como o processo histrico no um jogo, mas uma
luta entre classes sociais, a configurao do novo regime resultado desta luta e da vitria
de uma classe que , entretanto, momentnea do ponto de vista histrico. A opo por este
modelo terico explica, em parte, a recusa da autora em caracterizar a natureza social do
regime poltico instaurado com o golpe de Estado.
Ainda h um ltimo comentrio a fazer. Diz respeito prpria questo levantada
previamente pela autora e que acompanha toda sua obra: a tenso entre democracia e
reformas. Este ser um dos pressupostos utilizado por todo o revisionismo posterior. A
polarizao entre democracia e reformas revela qual o modelo democrtico tido como
148
47
ideal pelo revisionismo, um modelo que iguala democracia ao chamado estado de direito;
ao arcabouo legal da canonizada democracia liberal. A possibilidade de reformas
moderadas nesses marcos indica que tais no devem transcender o contedo de classe que
caracteriza este regime poltico. As reformas radicais propugnadas pelo movimento popular
necessariamente chocavam-se com o arcabouo institucional da Carta de 1946, e para o
esprito confinado nos limites desta democracia realmente existente, na demorex,151 o
radicalismo da esquerda eqivale ao golpismo da direita. Sobre este aspecto, Caio Navarro
de Toledo exps uma das chaves para o entendimento do revisionismo:
questionar as reformas radicais em nome da preservao das instituies
democrticas implica, objetivamente, justificar as democracias realmente
existentes; numa palavra, significa legitimar as democracias liberais excludentes em
que as liberdades e os direitos polticos tm reduzida eficcia no sentido de atenuar
as profundas desigualdades sociais e as distintas opresses extra-econmicas (de
gnero, raa, sexuais etc.) existentes na sociedade.152
A despeito de todos os problemas apontados no trabalho de Argelina Cheibub
Figueiredo, Democracia ou reformas? constituir-se- no marco revisionista. Tanto o
modelo terico, quanto as proposies e concluses da autora sero apropriadas pela
produo posterior que predomina nos quarenta anos do golpe civil-militar de 1964.
O termo foi cunhado por Joo Quartim de Moraes, numa aluso ao sorex, o socialismo realmente
existente. Contra a canonizao da democracia. Crtica Marxista, n 12. So Paulo: Boitempo, 2002, p. 10.
152
TOLEDO, Caio Navarro. 1964: Golpismo e democracia. As falcias do revisionismo. Crtica Marxista,
Campinas: Revan, no 19, 2004, p. 47.
153
DARAUJO, Maria Celina; SOARES, Glucio Ary Dillon; CASTRO, Celso. (Int. e Org). Vises do golpe:
A memria militar sobre 1964. Rio de Janeiro: Relume-Dumar, 1994. Esta obra faz parte de um projeto
maior que compreende outros dois volumes intitulados A memria militar da represso e A volta aos
quartis, todos organizados pelos trs autores.
154
SOARES, Glucio Ary Dillon. O golpe de 64. In ______________, DARAUJO, Maria Celina (orgs).
48
organizadas pelos cientistas polticos Glucio Ary Dillon Soares e Maria Celina DAraujo,
sendo a primeira tambm organizada pelo antroplogo Celso Castro. As obras foram
justificadas pela necessidade de se ouvir os militares, o que faz-se mister em se tratando de
um regime militar. Foram publicadas quando se comemoravam trinta anos do golpe militar
e refletem bem o clima ideolgico da poca. No por acaso que na introduo de Vises
do golpe afirma-se que este livro no comemora, no condena, no julga, e em nota os
autores afirmam que:
Evidentemente os autores tem opinies pessoais a respeito do regime
militar e seus mltiplos aspectos, mas o trabalho feito neste livro, seguindo
uma tradio consagrada nas cincias sociais, evita emitir juzos de valor.155
Evidentemente os autores no falam, mas a tal tradio consagrada nas cincias sociais
remete a Max Weber, que aqui utilizado como justificativa de uma postura
metodologicamente positivista, neutra, frente a um passado to recente de nossa histria.
Os depoimentos que compem a obra no so de militares que tiveram um papel
relevante de liderana nos acontecimentos do golpe, no eram oficiais-generais. Ao
contrrio, eram de majores a coronis, portanto oficiais de mdia patente quando do golpe,
que no tiveram uma liderana destacada nos preparativos do golpe,156(...) mas que em
muito pouco tempo se tornaram responsveis pela administrao de importantes esferas de
ao militar e do prprio governo.157 Esta escolha, no entanto, gera algumas dificuldades,
como veremos a seguir. De uma forma geral, a concluso dos autores com base nestes
depoimentos de que:
1. A conspirao golpista era extremamente descentralizada, o que indica que anlises
como a de Dreifuss foram desmentidas pela maioria dos depoimentos, embora alguns
poucos advoguem da existncia de um centro conspiratrio;
2. O fator determinante para o golpe foi uma questo essencialmente militar, a quebra da
21 anos de regime militar: balanos e perspectivas. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1994.
155
DARAUJO, Maria Celina; SOARES, Glucio Ary Dillon; CASTRO, Celso. (Int. e Org). Op. Cit, p. 8.
Grifo meu.
156
Idem. Ibidem., p. 8. Grifo no original.
157
Idem. Ibidem., p. 9.
49
158
50
Esse texto esboa um aspecto que ser mais enfatizado no texto que analisaremos a seguir,
que uma tendncia, j referida acima, a contrapor os depoimentos dos militares s
pesquisas acadmicas, descartando-se as segundas. Mas tambm uma tendncia contra a
interpretao marxista, pois algumas elaboraes de Stepan so incorporadas.
Glucio Soares, em O golpe 64, artigo do livro 21 anos de regime militar, tem como
objetivo analisar as explicaes para o golpe militar de 1964,161 confrontando este estado
da arte com os dados levantados sobre a opinio do militares. O artigo de Soares se
apresenta como um dos resultados do projeto O Estado de Segurana Nacional durante o
Regime Militar Brasileiro.162 O autor inicia seu artigo polemizando com a tradio
marxista que via a possibilidade de uma revoluo socialista no Brasil na dcada de 60, que
seria conduzida ou pelo proletariado ou pelo campesinato. Ao mesmo tempo, esta tradio
subestimava o papel dos militares na transformao poltica, o que deixa no ar a idia de
que o autor leva a srio a idia de revoluo de 1964 definio dos golpistas ou pelo
menos no difere golpe de revoluo. O autor desfere um ataque certeiro, chegando mesmo
a imputar os erros de interpretao acadmica do golpe e do regime militar,
tradio, de origem marxista, profundamente arraigada na sociologia
poltica latino-americana, que penetra inclusive na cincia social mais
conservadora, de privilegiar as explicaes econmicas e subestimar as
demais. 163
A antipatia terica uma constante em todo texto, j que, guiados pela tica
terica, muitos autores foram buscar as explicaes, mais uma vez, na infra-estrutura
econmica.164 Mas deve-se estar atento para o fato de que todas as vezes que a
interpretao acadmica questionada, ou os excessos de teoria, o marxismo o principal
alvo. Um dos pressupostos da anlise de Soares a de que a instituio militar goza de
grande isolamento social, tratando-se de uma instituio quase-total, o que faz com que o
comportamento dos militares no possa ser analisado com base em teorias concebidas em
161
51
52
golpe. Foi possvel verificar trs grandes correntes tericas orientando estes trabalhos. Uma
que pode ser chamada de tradicional, calcada no funcionalismo liberal da cincia poltica
norte-americana, exemplificada nos trabalhos de Skidmore, Stepan e Santos. A segunda
corrente, o marxismo, ligada produo de Sodr, Gorender, Fernandes, Ianni e Dreifuss.
Por ltimo, a corrente revisionista representada pelos trabalhos de Figueiredo e dos
pesquisadores do CPDOC. Se for possvel essa classificao, verificou-se a existncia de
grandes diferenas entre os membros de uma mesma corrente, sendo o marxismo o campo
onde a diversidade interpretativa mostrou-se mais evidente. Tambm possvel verificar
grandes convergncias entre a anlise funcionalista-liberal e o revisionismo, em especial as
anlises de Santos e Figueiredo. Por fim, os trabalhos de Dreifuss e Figueiredo se
mostraram os mais importantes, e, sendo evidente o carter antittico entre estes, possvel
localiz-los como os plos opostos da grande contenda historiogrfica.
dos autores.
53
CAPTULO 2
40 ANOS DEPOIS OU A MISRIA DA HISTORIOGRAFIA
Neste captulo examinaremos a produo historiogrfica hegemnica na
comemorao dos quarenta anos do golpe de 64, o revisionismo. Ser possvel verificar as
continuidades entre os revisionistas pioneiros, a repercusso dos debates acadmicos e seu
impacto na imprensa.
Em primeiro lugar, importante verificar que o ambiente em que foram realizados
os debates foi muito diferente, em alguns aspectos, do que predominou nos trinta anos. A
imprensa deu uma cobertura importante nos quarenta anos do golpe, com cadernos
especiais, notcias e anlises sobre o evento que provocaram um verdadeiro debate em todo
o ano de 2004.169 sintomtico que um tema diretamente relacionado com o regime
ditatorial a campanha pela liberao dos documentos secretos e ultra-secretos
impedidos do acesso ao pblico por uma portaria do governo Fernando Henrique Cardoso,
curiosamente endossada pelo governo de Lula170 tenha repercutido com grande espao na
imprensa escrita e televisiva.171 Ou seja, o ambiente foi muito mais favorvel s reflexes
sobre o tema do que nos decnios anteriores. Outro exemplo disto que, ao contrrio das
datas redondas anteriores, os seminrios organizados levaram um pblico (acadmico e
leigo) considervel aos auditrios em que se debatiam o golpe e as mais variadas temticas
ligadas ao regime ditatorial.172
No se pode esquecer do lanamento da obra do jornalista Elio Gaspari sobre a
ditadura militar, que comeou em 2002, alcanando um grande sucesso de pblico. Que a
verso sobre o golpe e o regime militar presente na obra de Gaspari extremamente
169
Os quatro principais veculos de comunicao escrita no pas, Folha de So Paulo, O Estado de So Paulo,
Jornal do Brasil e O Globo, publicaram cadernos especiais na semana em que se comemoravam o quarto
aniversrio do evento.
170
A proibio do acesso aos documentos est baseada no lamentvel Decreto n 4.553.
171
At o Fantstico, programa da rede globo das noites de domingo, fez uma reportagem com o caso da
queima de documentos do regime militar na Base da Marinha em Salvador, em 12/12/2004.
172
Este aspecto foi apontado nas publicaes referentes aos quarenta anos do golpe, em especial na
apresentao da coletnea O golpe e a ditadura militar: quarenta anos depois (Bauru: Edusc. 2004),
organizada por Aaro Reis, Ridenti e S Motta, e na orelha dos anais do Seminrio do Rio de Janeiro, 1964-
54
55
fato de que o conceito de populismo na anlise acadmica est associado a uma relao
depreciativa, de manipulao das massas pelos lderes populistas, sendo as massas
trabalhadoras um ator passivo nesta relao. Ao contrrio, para a autora de A inveno do
trabalhismo, a classe trabalhadora aderiu poltica varguista como um sujeito que realiza
escolhas segundo o horizonte de um campo de possibilidades.176 A influncia do
paradigma da escolha estratgica de Przeworski nessa proposio patente.177 Esta filiao
terica em geral escondida. Os revisionistas frequentemente gostam de atribuir ao
historiador britnico Edward Thompson a matriz terica da reviso do conceito de
populismo. Trata-se, como observa Marcelo Badar, de uma apropriao indevida, de uma
domesticao e estigmatizao das proposies tericas do historiador marxista
britnico.178 Badar, tambm um crtico da elasticidade do conceito de populismo, e em
especial da imagem de passividade da classe trabalhadora que aparecem nas anlises
clssicas do populismo, dirige uma crtica fulminante a estes revisionistas, que acabam
por enredar-se na mesma polarizao poltica da poca, embora no plo
oposto, ao defender abertamente os argumentos usados pelos acusados de
populistas, ou seja, de que na verdade eram legtimas lideranas populares e
progressistas, acusados por uma elite conservadora que no se conformava
com a entrada dos trabalhadores na cena poltica.179
Essa reviso no deve ser subestimada, pois a partir dela modificou-se
decisivamente a forma como os historiadores, em sua maior parte, tm visto as relaes
entre o Estado e as classes sociais no perodo de 1930-1964. Um exemplo disto que esta
reviso se abstm de propor uma outra caracterizao social sobre o perodo. Sendo assim,
176
GOMES, ngela Maria de Castro. O populismo e as cincias sociais no brasil. In FERREIRA, Jorge. O
populismo e sua histria. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira. 2001. p. 46.
177
Adam Przeworski utiliza a mesma proposio para compreender por que os trabalhadores da Europa
Ocidental preferiram aderir as propostas social-democratas, reformistas, em detrimento das propostas
revolucionrias dos partidos comunistas. Para o cientista poltico polons a classe operria europia viu-se de
frente de uma escolha crucial, entre participar ou no do jogo democrtico. Ou seja, tal como no Brasil, a
classe operria fez uma escolha racional, aderindo s propostas reformistas. PRZEWORSKI, Op. cit., p. 19.
178
Ver MATTOS, Marcelo Badar. Domesticao e estigmatizao de dois marxistas: Thompson e Gramsci
no debate historiogrfico recente sobre o populismo. (mimeo). ngela de Castro Gomes no prefcio da 3
edio da Inveno do Trabalhismo, recentemente lanada, lista as influncias de Thompson, Marshal Sahlins
e Przeworski (uma verdadeira salada terica!) em suas reflexes. Ver GOMES, ngela de Castro. A
inveno do trabalhismo. 3 Edio. Rio de Janeiro: FGV. 2003. p. 10.
179
MATTOS, Marcelo Badar (coordenador). Greves e represso policial ao sindicalismo carioca (1945-
56
57
trata de uma falsa questo, descartada aps o esgotamento das teorias globalizantes.183
Seguindo esse raciocnio, de verniz claramente antimarxista,184 o autor passa a fazer uma
reviso da literatura, criticando aquilo que denomina de paradigmas tradicionais de
anlise. Sua primeira crtica endereada ao trabalho de Otvio Ianni e sua tese do
colapso do populismo, j tratada acima. O autor simplesmente seguindo o que pode ser
descrito como uma regra do revisionismo, que no ler aquilo que critica afirma que
Ianni caracteriza o colapso do populismo como resultado da contradio entre a crise
estrutural do padro agrrio-exportador e os modelos de desenvolvimentos nacionalista e
associativo com empresas estrangeiras.185 Ora, Ferreira apenas esqueceu o modelo de
substituio de importaes, que para Ianni era o modelo hegemnico no perodo
populista; o padro agrrio-exportador foi predominante no perodo pr-30 e no , para
Ianni, determinante no colapso do populismo. Assim, Ferreira realiza uma simplificao
grosseira com a obra do socilogo paulista. Depois disso, o autor segue a crtica de
Argelina Figueiredo s interpretaes de Guilhermo ODonnel e Fernando Henrique
Cardoso, em seus trabalhos das dcadas de 1960 e 1970, qualificadas de economicistas e
estruturalistas. A crtica a Cardoso absolutamente imprpria, j que este autor no artigo
O modelo poltico brasileiro combate justamente a viso economicista, presente em
autores como Celso Furtado. Cito:
No penso que 1964 estivesse inscrito inexoravelmente na lgica
econmica da histria. Antes penso que o processo poltico joga um papel
ativo na definio do curso dos acontecimentos. Ou seja: se certo que a
inflao, o acerbamento da luta de classes, a dificuldade de manter o ritmo
de expanso capitalista nas condies scio-econmicas prevalecentes
durante o governo Goulart radicalizaram as foras polticas e moveram as
bases institucionais do regime, o movimento insurrecional foi uma das sadas
possveis se no a nica, como se interpretaria a partir de uma viso
protagonistas: da biografia In RMOND, Ren. Por uma histria poltica. 2 edio. Rio de Janeiro: FGV.
2003, p. 168.
183
FERREIRA, Jorge. O governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964. In FERREIRA, Jorge;
DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Orgs.). O Brasil Republicano: o tempo da experincia democrtica
da democratizao de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Livro 3. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,
2003, p. 345.
184
Segundo Georg Lukcs, o que diferencia o marxismo de todas as outras teorias sociais o ponto de vista
da totalidade. Ver Histria e conscincia de classe, op. cit.
185
Idem. Ibidem.,p. 346. Grifo meu.
58
economicista da histria.186
Parece que Jorge Ferreira resolveu seguir o conselho do ex-presidente, bordo que ficou
famoso em seu primeiro mandato: esqueam o que escrevi!187 Para Ferreira essas
interpretaes no so mais levadas a srio; esto, hoje, desacreditada[s].188 As manias de
declarar a morte de determinadas linhas de interpretao muito prpria deste tipo de
reviso. Tambm os revisionistas da Revoluo Francesa assim se declararam sobre o livro
The French Revolution de George Rud:
...uma recapitulao das velhas idias, no mais confiveis luz de pesquisas
recentes. No se ajusta aos fatos tal como so percebidos hoje.189
Jogar no lixo toda a produo anterior sob o argumento de que est superada, sem que se
entre a fundo numa polmica qualificada, tal o mtodo comum aos revisionistas do golpe
de 1964 e da Revoluo Francesa!
O autor termina seu balano historiogrfico com uma crtica difusa ao trabalho de
Dreifuss.190 A crtica particularmente esquizofrnica, com contradies gritantes num
mesmo pargrafo. Vale a pena citar todo o trecho:
Uma outra interpretao, que no deve ser minimizada, fala, por sua vez, da
Grande Conspirao, da aliana entre grupos sociais conservadores brasileiros a
exemplo de empresrios, latifundirios, polticos reacionrios, militares golpistas e
Igreja tradicionalista com a CIA e o Departamento de Estado norte-americano. A
conspirao direitista interna-externa, desse modo, teria sido o fator fundamental
para a crise poltica de 1964. Nesse tipo de anlise, adotada muitas vezes pelos
prprios trabalhistas para explicar a queda de Goulart, igualmente minimiza-se a
participao dos grupos e classes sociais que atuaram de maneira conflituosa,
deslocando para o exterior os protagonistas da prpria histria vivida pela
sociedade brasileira. Neste sentido, o culpado pelo o golpe teria sido o Outro, o
186
CARDOSO, Fernando Henrique. O modelo poltico brasileiro. In ___. O modelo poltico brasileiro e
outros ensaios. 5 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993, p. 65.
187
Depois da prova emprica do governo entreguista de Cardoso verdadeira consolidao do modelo
associado e dependente, instaurado em 1964 desnecessrio dizer que o prncipe da sociologia mudou de
opinio sobre o golpe. No caderno especial sobre o golpe do Estado de So Paulo, do dia 31 de maro de
2004, Cardoso assume a hiptese desenvolvida por Wanderley Guilherme dos Santos, a paralisia decisria do
governo Goulart, j discutida neste estudo.
188
FERREIRA, Jorge. O governo Goulart.... In Op. cit., p. 346.
189
Sol, La revolution en questions, p. 15 Apud HOBSBAWM, Op. cit. p. 105.
190
Ferreira no o cita nominalmente.
59
estrangeiro.191
O Outro? O que so os grupos sociais conservadores brasileiros que o prprio autor
relata no incio do pargrafo? Os empresrios, latifundirios, polticos reacionrios,
militares golpistas e Igreja tradicionalista no seriam por acaso parte dos grupos e das
classes sociais que atuaram de maneira conflituosa dentro do pas no perodo? Por acaso
Ferreira quer negar o bvio envolvimento da CIA e do Departamento de Estado norteamericano no golpe?192 As respostas a estas questes aparecem ao longo de seu artigo.
Em linhas gerais pode-se afirmar que Ferreira apenas repete a hiptese de Argelina
Figueiredo,193 segundo a qual a crise que resultou no golpe decorreu da esquerda ter
adotado a estratgia do confronto.194 Mas impressionante como em seus artigos o foco
central da anlise so as inconseqncias das aes da esquerda. A conspirao direitista,
afinal vitoriosa, simplesmente secundarizada. Em seu artigo O governo Goulart e o
golpe civil-militar de 1964, poucas so as vezes em que a conspirao golpista tratada.
Entende-se o porqu de sua crtica a Dreifuss. Em sntese, sua hiptese a seguinte: a
estratgia maximalista das esquerdas impedia a negociao das reformas no Congresso.
Segundo ele, seguindo o mesmo raciocnio de Argelina Figueiredo, estas desconheciam o
poder de veto da maioria parlamentar conservadora,195 e buscavam conseguir a aprovao
das reformas pressionando o governo e mobilizando os trabalhadores nas ruas. Duas
crticas podem ser feitas a este ponto, remetendo tambm argumentao presente no
trabalho da mentora intelectual de Ferreira, Argelina Figueiredo. A primeira diz respeito
a uma tendncia, prpria da cincia poltica funcionalista, de procurar medir a correlao de
foras sociais a partir da aparncia institucional das foras poltico-partidrias, j que a
esquerda desconhecia o poder de veto da maioria parlamentar conservadora. Na prpria
narrativa de Ferreira est relatado o episdio em que o movimento sindical, atravs de seu
mais importante rgo, o CGT, inviabilizou a permanncia de Auro de Moura Andrade
191
60
como primeiro-ministro, ainda sob o regime parlamentarista. Seu nome havia sido
aprovado pela maioria do Congresso. O protagonismo do movimento sindical, que atravs
da mobilizao obrigou renncia de Andrade, uma prova de que apenas nos marcos
institucionais no possvel medir corretamente a correlao de foras sociais. O CGT ,
inclusive, uma entidade fora do escopo da legislao vigente. A segunda crtica diz respeito
a uma hiptese que fez muito sucesso ao longo dos seminrios dos quarenta anos do golpe,
conseguindo uma extraordinria repercusso na imprensa. Trata-se do golpismo da
esquerda.196 Para isto, Ferreira lana mo de algumas declaraes do ento governador e
depois deputado federal Leonel Brizola, em que este pedia para que Goulart fechasse o
congresso.197 Em entrevista a Moniz Bandeira em 1978, Brizola, falando sobre a Crise da
Legalidade em 1961, assim se declarou sobre sua proposta supostamente golpista:
Considerava e continuei considerando que o Congresso violou a
Constituio, ao votar a emenda parlamentarista. Por esse motivo entendia
que o III Exrcito, juntamente com a Brigada Militar e corpos de voluntrios
que pudssemos armar, deviam avanar na direo do centro do Pas e da
Capital da Repblica. Estava convencido de que no haveria maior
resistncia, podendo Goulart assumir a Presidncia da Repblica sem
considerar quaisquer restries ao seu mandato. A nica medida
excepcional, que eu advogava era a dissoluo do Congresso, por ter
violado a Constituio, e a convocao simultnea de uma Assemblia
Constituinte para dentro de 30 ou 60 dias no mximo.198
O que fica claro que a proposta de fechamento do Congresso estava baseado em algo
muito diferente de um suposto golpismo de Brizola. Para ele o Congresso que havia
rompido com a lei; sua dissoluo estaria baseada em uma defesa da Constituio.
Posteriormente, portanto, as propostas de fechamento do Congresso de Brizola e demais
setores da esquerda estava baseada neste argumento.199 Outra questo a seguinte: como
no concordar com a caracterizao feita Brizola de que o Congresso Nacional, daquele
196
A Folha de So Paulo, no dia seguinte ao primeiro dia do seminrio do Rio, 23/03/2004, onde se discutiu
as razes do golpe, publicou a matria com o seguinte ttulo: Evento discute se esquerda tambm era golpista
em 64. Trataremos desta reportagem mais frente.
197
FERREIRA, Jorge. O governo Goulart... Op. cit. pp. 350, 358.
198
BANDEIRA, Moniz. Brizola e o trabalhismo. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira. 1979, p. 85. Grifo
meu.
199
Aps as eleies de 1962, e o escandaloso envolvimento do IBAD, os argumentos para o fechamento do
61
perodo, no poderia garantir medidas populares, j que era constitudo, em sua maioria,
de latifundirios, financistas, ricos comerciantes e industriais representantes da indstria
automobilstica, empreiteros e integrantes das velhas oligarquias brasileiras?200
Jorge Ferreira argumenta que os discursos radicais de Brizola pregando estas idias,
emitidos pela Rdio Mayrink Veiga, teriam provocado uma reao de conhecidos
empresrios das comunicaes no Brasil Roberto Marinho, Nascimento Brito e Joo
Calmon , que teriam criado um pool de rdios chamada Rede da Democracia. Setores de
centro, como Tancredo Neves e Ulisses Guimares assustados como sempre
apoiaram a formao da Rede da Democracia.201 Contrape-se a esta interpretao os
dados levantados por Dreifuss, que apontam o envolvimento e o patrocnio do IPES na
criao da Rede da Democracia. Ainda segundo Dreifuss, a sede do pool veio a ser
instalada no Gabinete do Secretrio de Segurana de Adhemar de Barros, governador de
So Paulo, tambm envolvido na conspirao golpista.202 Da forma que Ferreira descreve,
todas as aes dos conservadores so sempre uma reao s iniciativas radicais da
esquerda. Muito ao contrrio, os conspiradores estavam calculando metodicamente seus
passos.
Tambm a caracterizao da poltica do PCB feita por Jorge Ferreira
absolutamente simplista e superficial. Os trabalhos clssicos sobre a esquerda do perodo,
como O combate nas trevas de Jacob Gorender, so unnimes em condenar o pacifismo do
PCB e apont-lo como responsvel por ter desarmado a classe operria frente ao iminente
golpe de Estado.203 Ferreira, ao contrrio, valoriza a linha pacifista do PCB oriunda da
Declarao de Maro de 1958, pois este, afinal, passou a reconhecer a questo
democrtica, abrindo-se para a sociedade e conhecendo um crescimento poltico
importante.204 Na verdade, tratou-se de um crescimento em bases frgeis, sob a gide de
Congresso tinham, agora, mais esta motivao.
200
VICTOR, Mrio. 5 anos que abalaram o Brasil. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira. 1965. p. 444. Apud
FERREIRA, Jorge. O governo Goulart.... Op. cit. p. 359.
201
FERREIRA, Jorge. O governo Goulart..., Op. cit. p. 374.
202
DREIFUSS, Ren. Op. cit., p. 376.
203
Jacob Gorender afirma que no dia do golpe os militantes comunistas de So Paulo foram orientados a ficar
calmos e aguardando o pronunciamento do general Amaury Kruel. Quando Kruel anunciou sua adeso ao
golpe os comunistas perderam o cho. GORENDER, Jacob. Op. cit., p. 93.
204
FERREIRA, Jorge. O governo Goulart..., Op. cit. p. 352. Em seu doutorado Jorge Ferreira estudou a
62
uma poltica que levou derrota da classe trabalhadora em 1964. Ferreira no procura
estabelecer qualquer relao entre as aes do PCB, sua linha pacifista e sua postura
imobilista frente ao golpe.
Sobre a atuao das esquerdas em geral, o autor chega a criticar a solidariedade
destas para com os sargentos aps o levante dos sargentos de setembro de 1963, uma das
mais importantes crises militares do perodo: Apesar do perigo para as instituies, as
esquerdas, logo aps o motim, passaram a defender os sargentos, agora detidos pelas foras
militares.205 Ou seja, o autor no entra no mrito do motivo que levou sublevao dos
subalternos a questo da elegibilidade dos sargentos e insinua que as esquerdas
deveriam defender as instituies como uma panacia. Tambm fica clara nesta anlise a
forma com o autor entende a democracia, semelhante de Argelina Figueiredo, igualando-a
rede de instituies que a compe. Trata-se de uma viso marcadamente liberal da
democracia.
Curiosa a anlise feita por Ferreira do fatdico comcio da Central, a sexta-feira
13 do regime de Goulart. Utilizando-se de uma pesquisa de opinio encomendada por
Carlos Lacerda, notrio conspirador, Ferreira traa o perfil da multido que compareceu ao
comcio. Cito:
Utilizando as modernas tcnicas de pesquisa de opinio, infiltrou na
multido uma grande e experiente equipe de pesquisadores profissionais,
utilizando a metodologia do flagrante. O resultado estarreceu os prprios
patrocinadores da equipe. Ali no estava, como se supunha, uma maioria de
janguistas e comunistas atuando em claque. Esses, na verdade, compunham
apenas 5% do pblico. O restante, os 95%, demonstrava um pensamento
legalista, reformista e portador de um alto grau de politizao: queria
eleies presidenciais em 1965, bem como as reformas de base, mas no
admitia o fechamento do Congresso e nem a reeleio de Goulart.206
De forma absolutamente acrtica, o autor trata os dados colhidos por lacerdistas como um
dado da realidade e considera que o perfil poltico daqueles como de centro. Ferreira
trajetria do PCB (1930-56) a partir de proposies tericas culturalistas de Bronislaw Baczko e Raoul
Girardet. FERREIRA, J. Prisioneiros do mito: Cultura e imaginrio poltico dos comunistas no Brasil (19301956). So Paulo: USP. 1996.
205
Idem. Ibidem. p. 370-371.
206
Idem, Ibidem, p. 384.
63
Esta parte do texto foi reproduzida na revista Nossa Histria, O comcio revisto, ano 1, no 5, Rio de
Janeiro: Biblioteca Nacional, maro de 2004. Isto sugere que o autor considera sua descoberta relevante.
64
bandeira dos golpistas. De fato, aps a crise de 1961, houve uma percepo
impressionista por parte das esquerdas sobre a posse de Goulart, j que outros setores
sociais, como os militares e alguns burgueses, defenderam a legalidade.209 Entretanto, a
legalidade abordada de uma forma curiosa pelos revisionistas. Em vez de ser tratada
como um produto ideolgico dos conflitos sociais, a legalidade vista de forma
reificada, uma coisa fantasmagrica a qual toda a sociedade deveria se submeter.210 Na
verdade, a estrutura legal numa sociedade capitalista nada mais que uma forma de
assegurar juridicamente a propriedade privada dos meios de produo e a extrao da maisvalia. Embora os trabalhadores em luta possam conseguir algum tipo de legislao social, e
em casos como 1964 seja prefervel a defesa da ordem legal ao golpe direitista, os
trabalhadores no devem fazer um fetiche da legalidade se quiserem lutar por seus
interesses at o fim. Uma luta revolucionria sempre se enfrentar com os marcos legais da
sociedade burguesa. A questo que Ferreira no pode conceber que a luta de classes
ultrapasse os limites da legalidade; para um liberal como ele, tal ultrapassagem s pode
ser qualificada de golpe. Alis, tpico de um esprito liberal igualar revoluo a
golpe de Estado. Ferreira, tal como os outros revisionistas, no faz qualquer
problematizao do legalismo. No levando em conta a dinmica da luta de classes para
entender como o legalismo mudou de senhor, o autor acaba por trat-lo como uma idia
descarnada.211
208
65
Classes. Ano 1, n 1. Rio de Janeiro: ADIA. Abril de 2005. Este artigo tem por base sua monografia de
concluso do curso de Histria na UFRJ, 2004.
212
FERREIRA, J. O governo Goulart... Op. cit. p. 373.
213
DEMIER, Felipe. A Legalidade do Golpe... Op. cit. p. 40.
214
Pode-se mesmo afirmar que o mito da adeso de ltima hora de Kruel uma verso universalmente
aceita, no s por revisionistas.
215
FERREIRA, Jorge. O governo Goulart... Op. cit., p. 400.
66
67
e sua histria, j referida acima, o que mostra a importncia deste para aqueles
revisionistas. O artigo de Daniel Aaro uma polmica direta com o livro de Otvio Ianni,
O colapso do populismo, e com a obra do cientista poltico Francisco Weffort, os principais
formuladores do conceito de populismo (Cf. nota 64). Daniel expe no incio do artigo uma
narrativa sobre o processo que culminou no golpe militar. Perpassa em toda a narrativa uma
viso sobre a sociedade tpica do pensamento liberal e o tratamento fetichista da
legalidade, tal como em Jorge Ferreira. Do ponto de vista do revisionismo, pode-se afirmar
que os trabalhos destes dois autores se complementam, embora Daniel seja portador de uma
argumentao mais refinada frente forma vulgar de Ferreira. Sobre a sociedade, ora esta
tratada como um bloco monoltico e harmonioso, ora tratada como composta por foras
sociais conservadoras e centristas; neste segundo tratamento, a esquerda exterior a esta
sociedade. Este ltimo aspecto fica evidente quando da adeso de Goulart s propostas da
esquerda e de sua participao no comcio de 13 de maro. Segundo Daniel, a sociedade
seria chamada a decidir se queria, ou no, e de que forma, as to propaladas reformas. Ou
seja, a esquerda, o comcio e os movimentos populares so exteriores sociedade. Tal viso
confirmada no pargrafo seguinte, quando a sociedade paulistana decide e protagoniza
a primeira grande Marcha da Famlia com Deus pela Liberdade. O comcio do Rio no a
sociedade, mas a marcha reacionria, sim! Veremos como esta viso da sociedade o
fundamento para a interpretao do golpe deste autor, que mais patente no texto que ser
analisado a seguir. A questo da legalidade o grande nexo explicativo de Daniel: em 1961
as esquerdas lutavam pela legalidade, numa luta defensiva; em 1964 a legalidade se tornou
a bandeira dos golpistas, embora estes a usassem para promover um ato ilegal. Sobre este
ponto, pode-se dirigir as mesmas crticas feitas a Ferreira. Falando sobre a conspirao
direitista, que como nos demais revisionistas aparece pouco no texto, o autor aparenta ter
uma posio mais favorvel ao trabalho de Dreifuss. S aparenta, pois em uma nota de
rodap Daniel afirma:
Do ponto de vista do desenvolvimento das tramas conspiratrias, alm dos
depoimentos das lideranas que chefiaram ou obtiveram posies de
destaque no movimento civil-militar de maro/abril de 1964, releve-se o
trabalho pioneiro, j referido, de Ren Dreifuss, embora, em muitos
momentos, o autor parea superestimar o controle e o domnio que as
68
220
REIS, Daniel Aaro. O colapso do colapso do populismo ou a propsito de uma herana maldita. In
FERREIRA, Jorge. O populismo... Op. cit., p. 332. Grifo meu.
221
Conciliao, alis, um termo que os revisionistas valorizam muito.
222
Uma curiosidade que Daniel Aaro, como ativo participante do site Gramsci e o Brasil, conhece muito
bem o instrumental terico utilizado por Dreifuss.
223
Ver pp. 19-20.
224
REIS, Daniel Aaro. Op. cit, p. 362.
225
Idem. Ibidem, p. 375.
69
70
influncia norte-americana, o IBAD em 1959 com dinheiro da CIA, o IPES em 1961 aps o
golpe frustrado, as esquerdas so co-responsveis pelo golpe civil-militar de 1964! Por
detrs de tal co-responsabilidade h um acordo tcito entre os golpistas e esta historiografia
revisionista, afinal revoluo e golpe so tratados como sinnimos por Jorge Ferreira e
Daniel Aaro Reis Filho. Colocar um sinal de igual entre golpe e revoluo justamente o
que fizeram os vencedores de 1964 que chamaram seu movimento de revoluo.
J o enunciado do trabalho se mostra sintomtico, pois visa
...refletir um pouco mais sobre as razes e os fundamentos histricos da ditadura
militar, as complexas relaes que se estabeleceram entre ela e a sociedade, e, em
um contraponto, sobre o papel desempenhado pelas esquerdas no perodo.231
Pressupem-se, claramente, que a esquerda exterior a sociedade; um contraponto.
Porm, quando para imputar responsabilidade, a esquerda volta a se localizar no interior
da sociedade, como co-autora do desfecho golpista. Tambm um formalismo liberal marca
todo o texto e exemplar a escolha de fatos histricos que demarcam a ditadura militar,
como o seu fim em 1979, quando deixou de existir o estado de exceo, com a revogao
dos Atos Institucionais, e foi aprovada a anistia, ensejando a volta do exlio dos principais
lderes da esquerda brasileira.232 So os marcos jurdicos formais no sendo levado em
conta que a revogao dos Atos Institucionais foi acompanhada de prerrogativas que na
prtica mantinha abertas as possibilidades de recrudescimento do regime discricionrio
que balizam a periodizao proposta por Daniel Aaro Reis Filho.
Por fim, pode-se afirmar que a tese da construo do golpe e da ditadura por toda
a sociedade brasileira acaba por ser uma grande sntese de todo este revisionismo.
Examinaremos a seguir como estas proposies revisionistas fizeram sucesso.
71
Cabe destacar os seguintes eventos: o promovido pela UFRJ, 64 + 40: Golpe e Campo(u)s de
Resistncia. de 29/03/04 a 02/04/04, no campus da Praia Vermelha e o na UFMG intitulado Autoritarismo e
Democracia nas Margens da Repblica: 1964, 1984, nos dias 31 de maro e 1 de abril, na Faculdade de
Filosofia e Cincias Humanas (Fafich). Em 26 de abril de 2004, o Instituto de Filosofia e Cincias Humanas
(IFCH) da Unicamp realizou a mesa redonda intitulada O golpe de 1964 visto por dentro. Em Recife (PE) a
Fundao Joaquim Nabuco (Fundaj) promoveu um Seminrio sobre o Golpe de 1964, de 30 de maro a 2 de
abril de 2004. Na Folha de So Paulo e no O Globo foram publicados artigos referentes ao evento do Rio, no
dia 23/03/04. O Jornal do Brasil noticiou amplamente a realizao do evento. Levando em conta que so de
veculos de comunicao com influncia nacional, fica evidente a relevncia deste evento frente aos demais.
234
A programao completa do Seminrio est no Anexo 1, p. 99, deste trabalho.
235
Por outro lado, no se advoga aqui que apenas os marxistas tm se debruado sobre o movimento operrio,
lembrando mesmo dos estudos de Angela de Castro Gomes sobre o trabalhismo, j referidos acima, que de
modo algum pode ser enquadrado, no campo do marxismo. Entretanto, no exagerado afirmar que foram os
marxistas que introduziram o estudo do movimento operrio na historiografia brasileira. Ainda sobre a
ausncia do movimento operrio no Seminrio, devem ter infludo em tal deciso algumas idissiocracias de
um dos organizadores do evento, Carlos Fico. Como aluno deste em meu primeiro perodo, lembro-me da
forma debochada como este tratava um momento da historiografia, em fins do 70 e incio dos 80, em que
era moda estudar a histria do operariado no Brasil.
72
1964-2004: 40 Anos do Golpe: ditadura militar e resistncia no Brasil. Rio de Janeiro: Faperj/7Letras.
2004.
237
A idia de verso cannica foi apropriada de Hobsbawm. Tal formulao foi feita pelo historiador
britnico para caracterizar a historiografia clssica (marxista) da Revoluo Francesa, representada nos
trabalhos de Jean Jaurs, Georges Lefebvre, Albert Soboul, entre outros. Ver. HOBSBAWM, Op. cit.
238
ABREU, Alzira Alves de. A participao da imprensa na queda do governo Goulart. In 1964-2004: 40
Anos do Golpe... Op. cit. pp. 21-22.
239
LAVAREDA, Antnio. A Democracia nas urnas: o processo partidrio eleitoral brasileiro. Rio de
Janeiro: Rio Fundo/IUPERJ, 1991, p. 31.
73
74
Reis Filho, que assistia mesa do plenrio, e afirmou que, na exposio de Toledo, as
esquerdas so tratadas como vtimas.244
Com a ltima comunicao de Jorge Ferreira, intitulada O trabalhismo radical e o
colapso da democracia no Brasil, a correlao de foras na mesa definiu-se decisivamente
em favor dos revisionistas. Entretanto, em muitos momentos da comunicao de Ferreira,
com sua nfase nas organizaes ad hoc das esquerdas (FMP, CGT etc.) pareciam
desmentir a fbula defendida por Argelina Figueiredo de que havia um sistema poltico
slido em princpios dos anos 60. Seria s uma impresso equivocada, pois Jorge Ferreira,
como fiel epgono de Argelina Figueiredo, nada mais fez do que reforar o ponto de vista
desta. Encerrou sua comunicao com chave de ouro, repetindo a sua tese de que, frente
radicalizao poltica, uma parcela ampla da populao brasileira apenas assistia os
conflitos, silenciosa.245
No dia seguinte, a Folha de So Paulo encarregou-se de resumir o sentido do debate
com uma pequena matria de Murilo Fiuza de Melo, intitulada Evento discute se esquerda
tambm era golpista em 64. Vale a pena cit-la:
Esquerda e direita eram igualmente golpistas em 1964? A polmica dividiu
historiadores e cientistas polticos que participaram, ontem, do primeiro dia
do seminrio sobre os 40 anos do regime militar, promovido pela FGV
(Fundao Getlio Vargas), UFF (Universidade Federal Fluminense) e UFRJ
(Universidade
Federal
do
Rio
de
Janeiro).
O clima de golpismo generalizado foi defendido por trs pesquisadores do
perodo: Maria Celina D'Arajo (FGV), Carlos Fico (UFRJ) e Jorge Ferreira
(UFF). O historiador Jacob Gorender, Caio Navarro de Toledo (Unicamp) e
Maria Aparecida de Aquino (USP) disseram ser contra a tese.
O historiador Celso Castro (FGV) foi conciliador: Por um lado, temos que
evitar o papel de vitimizao das esquerdas, como se elas, coitadinhas, no
tivessem noo do que estavam fazendo. Elas eram atores naquele tenso jogo
poltico
que
foi
o
governo
Joo
Goulart.
At os anos 90, a historiografia defendia a tese de que o golpe foi ato
exclusivo da direita. Hoje, isso revisto. Segundo Navarro de Toledo, as
chamadas esquerdas que cercavam Jango foram responsveis pelo
244
75
76
as apontadas, por suas projees de longo prazo. Quero me referir ao fato de que, na
conjuntura daqueles primeiros anos da dcada de 60, os atores polticos, sindicais
ou militares, com raras excees, ignoraram a democracia como um valor a ser
preservado, apesar das difceis circunstncias. A equivocada percepo nos setores
do governo e da esquerda de que a democracia era s um instrumento a servio de
ideais maiores de reforma ou revoluo social favoreceu o clima de exceo e
engrossou os setores da direita conspirativa que, desde a renncia irresponsvel de
Jnio, viam na purificao da ordem pblica a sada inexorvel para a crise.249
Verificou-se que a Folha foi um importante veculo de divulgao das teses
revisionistas. Isto importante para o entendimento do sucesso dessas teses nos quarenta
anos do golpe, j que o jornal Folha de So Paulo sempre buscou figurar como uma
imprensa imparcial e independente, ao contrrio do Estado de So Paulo, notoriamente
envolvido na conspirao golpista de 64. Assim, pode-se afirmar que a Folha, nos quarenta
anos do golpe, procurou preparar a opinio pblica mais progressista para as teses
revisionistas, dando destaque s opinies destes intrpretes. Por outro lado, deve ser dito
que a idia da Folha de So Paulo representar um jornalismo independente constitui-se
na verdade um mito, como mostraram alguns pesquisadores que se debruaram seriamente
sobre o tema.250 Um trecho do editorial do jornal paulista, um dia aps o fatdico comcio,
em 14 de maro de 1964, deixa sem maiores esclarecimentos qual era sua posio no
perodo:
O Comcio de ontem, se no foi um comcio pr-ditadura, ter sido um
comcio de lanamento de um esprio movimento de reeleio do prprio sr.
Joo Goulart. Resta saber se as Foras Armadas, pea fundamental para
qualquer mudana deste tipo, preferiro ficar com o sr. Joo Goulart,
traindo a Constituio e a ptria, ou permanecer fiis quilo que devem
defender, isto , a Constituio, a ptria e as instituies. Por sua tradio,
elas no havero de permitir esta burla.251
249
77
Muito diferente foi a forma que o jornal paulista tratou a Marcha da Famlia com
Deus pela Liberdade, convocada pelo jornal como uma marcha em defesa da
Constituio.252 Nesse momento, o rumo revisionista tomado pela historiografia sobre o
golpe vai ao encontro dos interesses da Folha de So Paulo em justificar suas posies
polticas em 1964.
Voltando ao Seminrio, a imprensa carioca, em especial O Globo, deu maior
destaque repercusso da mesa sobre a luta armada. Apesar de no constituir-se em objeto
deste estudo, cabe destacar que o debate foi envolto por argumentos da mesma natureza,
aqui tambm sobre o carter antidemocrtico da esquerda que pegou em armas contra a
ditadura. No dia 29 de maro de 2004, o jornal O Globo publicou uma reportagem com o
ttulo de Resistncia democrtica, dogma que desaba.253 O artigo tem como mote a tese
de Daniel Aaro Reis Filho segundo a qual nenhum grupo que pegou em armas contra o
regime militar estaria lutando pela democracia, e no podem ser caracterizados como parte
de uma resistncia democrtica. Certamente muitos destes grupos no estavam
interessados na volta do regime derrubado em 64, pois como afirmou nesta reportagem
Renato Lemos, tambm um ex-guerrilheiro, achava-se que a democracia j tinha dado o
que tinha que dar, e o objetivo de muitos que pegaram em armas era a instaurao do
socialismo. A questo que o tom de toda a reportagem a desqualificao das aes da
esquerda armada do perodo, j que esta, tal como em 64, no tinha apego democracia.
Incorrendo no maior pecado para qualquer historiador, estes no levam em conta que,
como afirmou Lemos nesta mesma reportagem, a luta pelo socialismo foi to vlida
quanto qualquer outra. A preocupao de muitos que criticaram contemporaneamente as
esquerdas que pegaram em armas contra o regime, por no terem apego democracia,
um anacronismo; um critrio ideolgico contemporneo transportado quele perodo
histrico.
milhes.
252
No dia 19 de maro de 1964 o jornal Folha de So Paulo convocou com manchete de letras garrafais:
Esta tarde, a marcha em defesa da Constituio. No dia seguinte, 20 de maro de 64, o jornal paulista
apresentou a seguinte manchete: So Paulo parou ontem para defender o regime. O editorial desta edio
apresenta o singelo ttulo de Povo, apenas povo, afirmando que a marcha foi essencialmente popular, ao
contrrio do comcio. Folha de So Paulo, 20/03/1964, p. 4.
78
253
79
golpista, no por acaso, um dos empresrios mais beneficiados pelo regime militar258 as
teses que buscam desqualificar a atuao das esquerdas no perodo vo ao encontro dos
interesses das Organizaes Globo.259
O revisionismo fez-se sentir em outra mesa do Seminrio, cujo tema foi Ensino,
precisamente na exposio de Lus Reznik intitulada A construo da memria no ensino
de histria. O autor visa discutir, a partir a anlise de alguns livros didticos adotados no
sistema de ensino aps o golpe, de que forma estes trataram o golpe de 64. Para o interesse
deste estudo, vale a pena destacar o tom crtico com que o autor se refere a determinados
livros didticos influenciados pelas elaboraes de Ianni e Weffort sobre o perodo
populista, em especial o livro Histria da sociedade brasileira, de autoria de Francisco
Alencar, Lcia Carpi Ramalho e Marcus Vencio Toledo. Logo no incio o autor utiliza a
crtica do outro revisionismo, o que se centrou no conceito de populismo, para
desqualificar Histria da sociedade brasileira. Reznik, seguindo uma crtica de Argelina
Figueiredo, classifica a anlise utilizada por Alencar et alii de estruturalista. Segundo
Reznik, os autores do livro didtico, como de resto, a sua gerao, estudaram em uma
academia onde o marxismo ainda impregnava as balizas interpretativas.260 O autor elege
como paradigma o livro didtico Histria do Brasil: da colnia Repblica, de autoria de
Elza Nadai e Joana Neves, por afastar-se do cnone populista e procurar descrever a crise
que culminou no golpe de Estado a partir da descrio das aes e motivaes dos atores
polticos progressistas e conservadores (...) evidenci[ando] o jogo poltico da poca a
partir da memria de seus contendores.261 No possvel compreender porque uma
narrativa baseada no que os prprios atores pensavam em sua poca possa ser mais objetiva
que outra baseada em categorias cientficas. Por outro lado, o que a exposio de Reznik
evidencia a penetrao das teses revisionistas no ensino de 2 grau.
Outro rgo da imprensa carioca que apoiou o golpe civil-militar de 64, o Jornal do
258
O documentrio Muito alm do Cidado Kane, produzido pela BBC de Londres, ainda o melhor
documento sobre as ligaes das empresas de Roberto Marinho e o regime ditatorial.
259
Por outro lado, deve ser dito que a prpria forma como foi organizado o seminrio j indicava uma adeso
tese de Daniel Aaro, expressa pela existncia de uma mesa intitulada resistncia democrtica separada da
mesa sobre luta armada.
260
REZNIK, Lus. A construo da memria no ensino de histria. In 1964-2004: 40 Anos do Golpe... Op.
cit. p. 346.
80
Brasil, resolveu organizar uma conferncia sobre o tema na Academia Brasileira de Letras
em 29 de maro, com a presena de diversos intelectuais e polticos. Como resultado da
conferncia, o Jornal do Brasil publicou no dia 11 de abril o caderno Olhares sobre 1964:
o golpe que calou o Brasil, com o resumo das intervenes dos principais conferencistas e a
reproduo de uma srie de reportagens publicadas no jornal ao longo do ms de maro de
2004. Antes dos resumos das comunicaes, o caderno apresenta uma pequena reportagem
com um sintomtico ttulo: Discusso conclui que Congresso e sociedade deram apoio.262
Sobre o apoio do Congresso ao golpe, foi a interveno de Waldir Pires, ento consultorgeral da Repblica do governo Joo Goulart, que ressaltou a declarao do ento senador
Auro de Moura Andrade de que estava vaga a presidncia da Repblica, convocando o
presidente da Cmara dos Deputados Ranieri Mazzili a assumir a chefia do Poder
Executivo, em 2 de abril de 1964.263 A interveno de Waldir Pires deixou clara a
participao do poder legislativo no golpe de Estado. Por outro lado, o ttulo da referida
reportagem tambm afirma que, no s o Congresso, mas tambm a sociedade deu apoio
ao golpe. Nesse sentido, a reportagem faz eco tese defendida por Daniel Aaro Reis Filho
que, no por acaso, foi um dos historiadores presentes na conferncia do JB. A ditadura
como construo histrico-social da sociedade brasileira foi, assim, a tese mais popular da
conferncia. O JB resolveu encampar essa tese que, afinal, acaba por justificar sua prpria
postura no ocaso do governo Goulart. Se toda a sociedade apoiou o golpe, o jornal nada
mais fez do que expressar esta vontade geral! O apoio ao golpe algo que o jornal
carioca no esconde, inclusive denominando-o, atravs de seu presidente do Conselho
Editorial, Jos Antnio do Nascimento Brito, de Revoluo.264
Pelo envolvimento notrio do jornal O Estado de So Paulo na conspirao e no
golpe de Estado, de se esperar, pelo que j foi exposto at aqui, que o mesmo torna-se
divulgador das posies revisionistas. Mas so as declaraes de importantes acadmicos,
todos oriundos da esquerda, que deixou o jornal paulista em condies mais confortveis
para justificar suas antigas posies. No dia 31 de maro de 2004, em texto de autoria de
261
Idem, p. 348.
Olhares sobre 1964: o golpe que calou o Brasil. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil. 2004. p. 44. Grifo meu.
263
Idem, p. 50.
262
81
Carlos Marchi, na abertura do caderno especial 40 anos esta noite, o jornalista afirma
que: Os dois lados, alis, pensavam em dar um golpe e ambos ambicionavam travestir o
golpe que tramavam com a roupagem herica de uma revoluo. Em seguida o filsofo
Jos Arthur Gianotti, ex-marxista e tucano, afirma o seguinte: Em 64, no houve um
conflito entre uma idia democrtica e uma idia autoritria, como os dois lados tentaram
fazer crer, mas duas formas de autoritarismo. Mais significativa ainda a declarao do
cientista poltico Lencio Martins Rodrigues: Venceu a direita e o golpe representou um
terrvel retrocesso; se vencesse a esquerda, haveria outro retrocesso, talvez pior,
aprofundando o modelo populista. Eram opes dramticas.265 possvel levar a srio
tamanho exerccio contrafactual? Um desfecho de esquerda seria talvez pior?
Comentando este mesmo trecho de Rodrigues, Caio Navarro de Toledo empreende a
seguinte crtica: Estas formulaes sobre os perigos representados pelos setores de
esquerda, caso alcanassem o poder, nada mais fazem do que retomar, 40 anos depois, os
argumentos da direita golpista.
266
Idem, p. 45.
O Estado de So Paulo, 31/03/2004, p. 1. Grifo meu.
266
TOLEDO, Caio Navarro de. 1964: Golpismo e Democracia. As falcias do revisionismo. Op. cit. p. 36,
nota 19.
267
Entrevista com Ruy Mesquita. O Estado de So Paulo, 31/03/2004.
265
82
268
O artigo de Marini foi publicado originalmente no livro Subdesarrolo y revolucin (Mxico: Siglo XXI,
1969).
269
KONDER, Leandro. Vaca Fardada. Margem Esquerda N3. So Paulo: Boitempo. abril de 2004. pp. 4950.
270
Cabe lembrar que Konder, ao lado de Carlos Nelson Coutinho, seu principal interlocutor no Brasil, tm
suas trajetrias poltico-intelectuais ligadas difuso no Brasil das teses do Eurocomunismo. Entre outras
coisas, o Eurocomunismo defende a via pacfica para o socialismo atravs de um longo caminho pelas
instituies, valorizando o arcabouo instituicional da demorex. Ver. ROSS, Georg. Eurocomunismo. In
BOTTOMORE, Tom. Dicionrio do Pensamento Marxista. Op. cit. pp. 143-144.
271
Idem, Ibidem, p. 49.
83
2.3. CONTRATENDNCIAS...
Embora no seja objeto deste estudo, cabe destacar a existncia de interpretaes
extremamente interessantes nos quarenta anos do golpe, verdadeiras contratendncias em
meio a esta misria da historiografia. As impresses crticas ao rumo da historiografia
foram registradas nos artigos de Caio Navarro de Toledo, no artigo 1964: golpismo e
democracia272 e na primeira edio da revista Histria & Luta de Classes, que traz um
dossi sobre o golpe de 64 com artigos de vrios historiadores e um balano da
historiografia muito bem elaborado por Marcelo Badar Mattos.273 Os outros artigos dessa
mesma revista so exemplares de uma produo crtica que continua a ser feita, apesar da
onda revisionista.274 Tambm o articulista do jornal Folha de So Paulo Clvis Rossi,
comentando a morte de Leonel Brizola, assim se referiu ao assunto:
H uma certa tendncia moderna de caracterizar o golpe de 1964 como uma
espcie de contragolpe ao que viria a ser dado pelo ento presidente Joo Goulart.
Falso. E Brizola a prova. Lutou contra duas tentativas de golpe, a de 1961 (a
tentativa da direita de impedir a posse de seu cunhado Goulart) e a de 1964. Ora, a
de 1964 foi apenas o prolongamento, bem-sucedido, da anterior tentativa.
Se no havia governo Goulart em 1961, no podia haver preparao para um golpe
por parte dele. No obstante tentou-se derrub-lo preventivamente. Trs anos
depois, com as mesmssimas digitais, a direita conseguiu o que queria. (...) O fato
que, nos tempos de Brizola, como hoje em dia, quem tem de provar que
democrtica, na Amrica Latina, muito, muitssimo, mais a direita do que a
esquerda.275
Mas esta contratendncia tambm se expressou em algumas intervenes em
debates, algumas delas sobre temas conexos ao golpe de 1964. Quero destacar a
272
TOLEDO, Caio Navarro de. 1964: Golpismo e democracia. As falcias do revisionismo. Op. cit.
Histria & luta de classes. Rio de Janeiro: ADIA, n 1, 2005.
274
O dossi da revista contm os seguintes artigos: Os trabalhadores e o golpe de 1964 um balano da
historiografia, de Marcelo Badar Mattos; Acumulao Capitalista e Golpe de 1964, de Nildo Viana; A
Legalidade do Golpe: o controle dos trabalhadores como condio para o respeito s leis, de Felipe
Demier; Imprensa e ditadura militar, de Carla Silva; Os integralistas e o golpe de 1964, de Gilberto Calil.
273
84
85
Ren Dreifuss,280 marcando sua posio diante da onda revisionista. Pode-se mesmo
afirmar que a forma talentosa com que o autor trabalhou com a temporalidade braudeliana
uma importante contribuio do entendimento do golpe de 1964 e do carter de classe do
regime discricionrio. Deve-se tambm inserir nesta contra-tendncia a interveno de
Marcelo Ridenti, j referida, na seo anterior deste captulo.
x
Neste captulo foi possvel expor as principais interpretaes revisionistas e o seu
impacto aos quarenta anos do golpe civil-militar de 1964. Dentre uma vasta gama de
trabalhos produzidos com este carter, optou-se pela anlise dos textos de Jorge Ferreira e
de Daniel Aaro Reis Filho, considerando-os os mais representativos desta reviso.
Primeiramente, foi possvel relacion-los tambm a uma outra reviso, a do conceito de
populismo, iniciada ainda da dcada de 1980 por ngela de Castro Gomes, mas tambm
empreendida por uma srie de pesquisadores, alm desses dois autores. Em segundo lugar,
verificou-se a continuidade de grandes linhas de fora estabelecidas na obra de Argelina
Figueiredo, especialmente no trabalho de Ferreira, onde Democracia ou reformas?
amplamente citado. Tambm em Reis Filho, mesmo que implicitamente, as formulaes de
Argelina Figueiredo esto presentes, em especial na falta de apego da esquerda pela
democracia e na crtica ao trabalho de Dreifuss, demonstrando a importncia da obra desta
autora para o movimento revisionista.
Uma questo terica perpassa todo o revisionismo, a saber, a forma como a
democracia entendida. Ao invs de uma postura crtica destes pesquisadores em relao
aos limites do regime institudo com a Carta de 1946, estes optaram por uma valorizao
apologtica daquele regime, no procurando estabelecer a sua natureza social. Isto deita
razes tambm na forma como estes pesquisadores vm procurando revisar o problemtico
conceito de populismo, o que os faz definir o perodo de 1945 a 1964 simplesmente por
experincia democrtica. Caberia perguntar se tal definio tem algum valor explicativo.
Por outro lado, a idia de democracia reduzida institucionalidade, ou estado de
280
86
281
WOOD, Ellen Meiksins. A Democracia contra o capitalismo. So Paulo: Boitempo. 2003, p. 174.
87
de obras de historiadores que afirmam que todos eram golpistas, esquerda e direita eram
golpistas, ningum tinha apego democracia em 64 ou mesmo que o golpe e a ditadura
militar foram uma construo histrico-social da sociedade brasileira!
Por fim discutimos algumas interpretaes no-revisionistas, que apresentaram uma
contribuio importante ao conhecimento do processo histrico que culminou no golpe de
Estado. Esta pequena parte serviu para que se verificasse que, apesar da onda revisionista
que abarcou amplos setores da historiografia e da intelectualidade, ainda possvel a
produo e difuso de trabalhos alimentados por uma perspectiva historiogrfica crtica.
88
CONCLUSO
Neste trabalho foi possvel empreender um balano das principais interpretaes
feitas em quarenta anos do golpe. Observou-se que, animada pelo marxismo, formou-se
uma importante corrente interpretativa do golpe de Estado e que, dentre uma srie de
estudos, destaca-se 1964: a conquista do Estado de Ren Armand Dreifuss. A densidade do
trabalho e o rigor com que foi feito o tornou o marco, reconhecido e curiosamente
homenageado no Seminrio do Rio. Embora uma anlise mais conservadora possa ser
encontrada j na dcada de 1960, como a de Skidmore, na dcada de 1970 com o trabalho
de Wanderley Guilherme dos Santos, o ataque revisionista realmente desferido a partir de
Democracia ou reformas? de Argelina Figueiredo. A partir deste trabalho formam-se os
argumentos centrais com os quais todo o revisionismo posterior ir trabalhar.
A partir deste momento, foram se combinando uma srie de trabalhos acadmicos
de vis revisionista, como as entrevistas realizadas por pesquisadores do CPDOC e
publicadas em Vises do golpe e na coletnea 21 anos de regime militar, destacando-se
nesta o texto O Golpe de 64 de Glucio Soares. A reviso do conceito de populismo,
iniciada por ngela de Castro Gomes, forneceu uma base para que, a partir de ento, o
regime de 1945-64 fosse visto de forma apologtica. A partir de ento, qualquer
mobilizao radical da esquerda que se enfrenta com os limites institucionais daquele
regime tachado de golpismo. A frase a esquerda no valorizava a democracia passou a
ser mais repetida, tornando-se o grande slogan dos quarenta anos do golpe. Mostrou-se que
a democracia de que falam os revisionistas o estado de direito, suas instituies formais
e as leis. Qual o sentido disto tudo? Qual o sentido deste revisionismo? Foi o que este
trabalho buscou responder. As ligaes entre estas interpretaes revisionistas e o consenso
do fim da histria da democracia liberal como fim da histria foi a hiptese que
orientou este trabalho. Mas esse acordo (ou conciliao) entre revisionismo historiogrfico
e o fim da histria no algo explcito, como naturalmente era de se esperar. H uma
sutileza em tal perspectiva.
Quando, na dcada de 1980 do ltimo sculo, homens como Ernst Zundel e Paul
89
282
90
283
91
PALAVRAS FINAIS
Polemizando contra Furet, Hobsbawm termina seu referido ensaio afirmando
categoricamente que a Revoluo Francesa, ao contrrio do que afirmava aquele, ainda
est viva.286 Por uma grande ironia da histria, preciso reconhecer que, lamentavelmente,
64 ainda est bem vivo. As continuidades entre o regime ditatorial e a atual democracia no
expressa-se s na manuteno em grande parte dos mesmos indivduos na esfera do poder,
como consensualmente reconhecido. Continuamos ainda sob o modelo de
desenvolvimento econmico associado e dependente, e no por acaso que na dcada de
1990 um homem identificado com o golpe e o regime militar, Roberto Campos, viu a
vitria do neoliberalismo como uma vitria sua. Cabe aos historiadores entender o passado
e aquilo que veio dele287 e no falsific-lo, com a reproduo ideolgica do fim da
histria, como fazem os revisionistas, reproduzindo em sua interpretao de 64 o consenso
neoliberal do fim da histria.
284
Segundo Gramsci, toda classe social que nasce no terreno originrio de uma funo no terreno econmico
cria para si, de modo orgnico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe do homogeneidade e
conscincia de sua prpria funo. GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organizao da cultura. Rio de
Janeiro: Civilizao Brasileira. 1968. p. 3.
285
Esta discusso feita por Slavoj iek comentando a Crtica da razo cnica de Peter Sloterdijk. IEK,
Slavoj. Como Marx inventou o sintoma? In________. Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto.
1996. pp. 312-313.
286
HOBSBAWM, Eric. Op. cit., p. 127.
287
Idem., Ibidem., p. 14.
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Golpe de 64
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Figueiredo (Cebrap): "Estrutura e escolhas: era o
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democracia"; Jorge Ferreira (UFF): O trabalhismo
radical e o colapso da democracia no Brasil"
Luta armada
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Fonte: www.fgv.cpdoc.br
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