Os Sapos, Manuel Bandeira - Análise Semiótica
Os Sapos, Manuel Bandeira - Análise Semiótica
Os Sapos, Manuel Bandeira - Análise Semiótica
Resumo
O trabalho analisa o conto popular A Bela e a Fera traando um painel das principais teorias do
conto e propondo uma viso tridimensional a partir dos elementos estticos, estruturais, psicolgicos e
ideolgicos que compem a narrativa. A anlise mostra a transformao e manuteno do elemento mtico
fundador do conto popular e apresenta as especificidades do conto de fadas: a forma fixa, o autor oral e o
autor artista.
Palavras-chave: conto de fadas, morfologia, psicologia.
Abstract
The paper analyzes the popular story Beauty and the Beast drawing a panel of the storys main
theories, proposing a three-dimensional vision from the aesthetic, structural, psychological and ideological
elements which compose the narrative. The analysis shows the transformation and maintenance of the
mythical founding element of the popular story and presents the specificities of the fairy-tale: the fixed form,
the oral author and the artist author.
Key words: fairy-tales, morphology, psychology
1 INTRODUO
O conto que hoje conhecemos e que tanto nos delicia pela forma que o encerra (brevidade, intensidade e unidade) deriva-se da tradio oral, cujas razes mticas podem ser verificadas e vivificadas numa leitura atenta e profunda de suas entrelinhas. Derivado do termo
latino computum, o gnero breve por excelncia se prope a enumerar fatos, ou melhor,
enumerar um fato central e acontecimentos ligados a ele. Como se centra sobre determinado
fato, a brevidade, conciso e intensidade dessa
modalidade narrativa aproximam-na da poesia.
Canoas
n. 13
jan./jun. 2006
p.57-67
2 A BELA E A FERA:
DA FORMA SIMPLES 3D
A Bela e a Fera um conto popular e por
isso contm as caractersticas elencadas por
Cascudo (2000: 13): antiguidade, anonimato,
divulgao e persistncia. Tais caracteres fazem
dessa forma narrativa uma forma primeira que,
nas palavras de Grimm, saem do corao do
Todo e se edifica como uma criao espontnea e natural. Assim, quando Jolles (1976) classifica o conto como forma simples, se refere
mobilidade e pluralidade que o encerra; diferindo-o da forma artstica que, por ser obra
de um, e muito mais slida, elaborada e submetida a uma construo unificadora, em vista das
vrias vozes que orquestram o conto popular.
Jolles (idem: 198) ainda salienta a necessidade e/ou disposio mental do leitor na recepo do conto de fadas, pois este acontece no
plano maravilhoso, ou seja, as coisas se passam nessas histrias como gostaramos que acontecessem no universo, como deveriam acontecer . E, s atravs da moral ingnua, o leitor
poder adotar esse espao maravilhoso como
natural e crer nos fados de Bela, Fera e demais personagens.
Ocorrendo na atemporalidade do era
uma vez, o conto satisfaz as exigncias da
moral ingnua e, portanto, [os acontecimentos]
sero bons, justos segundo nosso juzo sentimental absoluto (idem: 200): a bela Bela casase com a Fera (des)encantada que , na verdade,
um lindo e rico prncipe.
Entretanto, existe no ser humano o pendor para o trgico, ou seja, o momento onde
confluem o maravilhoso e o real, enquanto
resistncia de um universo sentido como contrrio s exigncias da nossa tica ingnua em
face desse acontecimento. Eis que, dentro do
conto ergue-se um anticonto: separaes (primeiro da famlia, em seguida de Fera), iminncia da morte (Fera), entre outras (des)venturas
que sero eliminadas no decorrer das linhas.
Esses acontecimentos trgicos so de extrema importncia para o conto, j que empurram a narrativa e foram o heri a agir. Propp
(EIKHENBAUM e outros, 1978: 246) chama situao inicial aquela na qual reina o equilbrio, portanto, a histria s comea realmente
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imagens mticas sero, mesmo que imperceptivelmente para o leitor ingnuo, rememoradas,
relembradas e revividas.
Se, de certa forma, o conto intenta passar
um conselho repetir uma ao, comunicar a
tradio , evidentemente tais intenes no
esto desnudadas aos olhos do leitor: a imagem
forada no possui o mesmo efeito daquela que
se descortina aos poucos. Essas imagens esto
cifradas o longo da histria, construindo uma
nova histria que se revela como um pacto entre o conto e o leitor. Porm, verifica-se nos contos maravilhosos um estranhamento ao contrrio, ou seja, enquanto que na poesia h um obscurecimento que leva ao desvendamento, no
conto a singularizao est na revelao abrupta dos fatos. Essa revelao de superfcie provoca o desejo de ir mais a fundo, at que um mergulho mais demorado leve o leitor epifania.
Talvez a explicao para isso seja a proposta de Piglia (1999: 37) que, em suas teses,
percebeu que todo conto conta duas histrias,
de maneira que o efeito de surpresa se produz
quando o final da histria secreta aparece na
superfcie. Sendo assim, podemos dizer que o
conto uma construo tensionada entre duas
histrias: uma de superfcie e outra de profundidade.
Em se tratando dos contos de fadas essa
segunda histria est ainda mais velada, visto
que, com o passar do tempo, ele adquiriu funo moralizante, pois a criana confia no que
o conto de fada diz porque a viso a apresentada est de acordo com a sua (BETTELHEIM,
1980:59). Mas Foucault (apud FERRARA, 1978:
44) quem reitera que a palavra empregada o
discurso de um homem que no concebe os
nomes, mas os julga, e, sendo assim, a escolha
lexical deve nortear a anlise do conto popular.
Portanto, as palavras empregadas enquanto
construo de um smbolo ideolgico e no
as aes j que as fundamentais no variam
so os elementos singularizantes no conto de
fadas.
A partir dessa conjectura, podemos inferir que, se Piglia (1999) atribui duas histrias ao
conto artstico (cuja construo elaborada por
um autor), o conto de fadas possui, no mnimo,
trs. Afinal, essa modalidade narrativa participa de trs instncias distintas: uma estrutura
formal invarivel comum aos contos maravilho-
sos; uma seleo lingstica/ideolgica varivel oral; uma elaborao artstica daquele que
registra e interfere ideologicamente no texto.
Assim teramos, aliceradas sobre a mesma estrutura, uma histria de superfcie que leva da
diverso moralizao; uma histria intermediria que, partindo da moralizao, vai da psicologia mitologia; e, uma histria de carter
metalingstico/potico que retorna a prpria
histria.
Pensando assim, analisamos o conto A
Bela e a Fera a partir dessa perspectiva em trs
dimenses, se no para comprovar nossa hiptese, ao menos para valid-la. Para isso, vamonos valer do conceito pigliano de pontos de
cruzamento, ou seja, elementos comuns s trs
histrias, porm com significados divergentes:
Cada uma das histrias contada de maneira diferente. Trabalhar com duas histrias significa trabalhar com dois sistemas diversos de causalidade. Os
mesmos acontecimentos entram simultaneamente
em duas lgicas narrativas antagnicas. Os elementos essncias de um conto tm dupla funo e so
utilizados de maneira diferente em cada uma das
duas histrias. Os pontos de cruzamento so a base
da construo. (1994: 38)
3 O CONTO DE F
AD
AS:
FAD
ADAS:
UMA PERSPECTIVA FORMAL
De acordo com Propp (1984), o conto apresenta uma Situao Inicial onde reina o equilbrio: apresenta o mercador, suas belas filhas e
seu empobrecimento. Note-se que o mercador
era rico e sentia vergonha de sua pobreza, o
que o far passar primeira funo proppiana:
o I. Afastamento na modalidade 1: gerao
mais velha deixando Bela, futura herona, mais
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Salvamento, visto que o marido da irm transforma-se em doador e restitui-lhe o objeto mgico.
Para Propp (1984: 54), em alguns contos
o dano que constituir o n da intriga se repete (...). Com isso, inicia-se um novo conto. (...)
Este fenmeno mostra que um grande nmero
de contos maravilhosos se compe de duas sries de funes, que podemos chamar de seqncia. Isso nos prepara para aceitar novas
combinaes de funes que se formam a partir
da funo VIII bis. Tiram do heri aquilo que
ele obteve (o anel mgico).
O feixe de aes de repete com IX bis. (6:
O heri condenado morte libertado: necessidade de partir): a herona condenada ao esquecimento (que no deixa de ser uma morte
daquela que era) e libertada pelo anel; h o X
bis. Incio da reao, o XI bis. Partida com o XII
bis. O heri submetido a uma prova: chegar
ao tempo de 3 dias; XIII bis. Reao do heri
(O heri no supera a prova): precisa de mais
meio dia. Depois de muito procurar, encontra
Fera: XIV bis. Fornecimento (6: o objeto aparece sbita e espontaneamente).
Finalizando as funes, tem-se a XXIII.
Chegada Incgnito (1: o heri volta ao lar): porm nossa herona no pode ser reconhecida
porque outra, transformada pelo amor. Tal
transformao realiza-se completamente quando proposta uma XXV. Tarefa difcil: beijar a
Fera. Como XXVI. A tarefa realizada com sucesso, XXVII. O heri reconhecido: Bela provou possuir todas as qualidades hericas que
satisfazem a moral ingnua: forca, astcia,
bondade, amor, etc.
Como prmio h o XXVIII. Desmascaramento e a XXIX. Transfigurao: o antagonista
no inimigo, ele bom e se transforma em
prncipe quebrando um feitio que jogaram
contra ele. Por fim, acontece o esperado XXXI.
Casamento.
Como se observa, alm de divertir o conto quer moralizar, pois deixa evidente que a felicidade s pode ser alcanada depois de muito
sofrimento e, mais, sofrimento fruto da desobedincia, do roubo e das faltas.
O conto A Bela e a Fera pode ser analisado sob o enfoque das funes proppianas, entretanto quanto mais o conto de fadas aproxima-se da forma artstica, mais se afasta da estru-
4 O CONTO DE F
ADOS:
FADOS:
UMA PERSPECTIVA
(PSICO)MITOLGICA
Ampliando as relaes paradigmticas no
texto, notamos que o fato do mercador j ter
sido rico lhe confere autoridade, importncia e
at certa virilidade, j que tinha trs filhas. Reparemos que no h meno sua esposa, o que
se enfatiza a beleza das filhas, em especial de
Bela, que, ao passo em que as irms reclamam o
luxo perdido, acomoda-se a sorte assumindo o
papel de esposa: ficar ao lado do marido/pai.
O afastamento do pai, ao passo que fragiliza as filhas, aparece como recompensa: ele ser
substitudo pelas coisas que trar. Como o conto remonta s tradies e aos rituais religiosos,
num passado no muito distante eram os pais
que buscavam os maridos para suas filhas, os
casamentos eram acordos geralmente baseados no lucro financeiro.
Enquanto a filha mais velha quer algo rico
que possa tocar (piano), a do meio quer algo
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Bela vai, est livre da Fera, porm contando o que era passado percebe que era feliz. Da, conclui-se a importncia do contar, Bela
ao delimitar seu prprio conto, apercebe-se dele
e, ao afastar-se, pode ver melhor aquilo que no
via de perto. Sentiu aquilo que o ser humano
sente com relao ao passado: que todas as coisas boas ficaram l.
Verifica-se bem a falta de carter das irms que escondem a aliana simplesmente por
inveja de sua riqueza e felicidade. No que no
fossem ricas, pois s custas de Bela j o eram,
mas por aquele sentimento de competio que
se agora as toma, j havia tomado Bela quando
desejava ser a mais linda rosa para o pai. Entretanto o que no podemos deixar de lado o
fato de que Bela, contrariando a ordem/pedido
de Fera, retira a aliana por livre e espontnea
vontade (afinal consta que as irms esconderam e no a roubaram). Bela esquece-se de Fera,
mas tambm no se lembra do pai, o qual no
aparece no texto, encerrando assim a ligao
edpica que mantinha com ele. Outrossim, sem
a aliana define-se o carter inconstante no s
de Bela, mas da figura feminina, ao passo que se
delineia o do homem: constncia e seriedade:
(re)conhecendo a importncia do compromisso, o cunhado obrigou a entrega do anel.
Bela demorou-se para decidir entre pr
ou no o anel retirado. Tal ato encerra uma
morte: se tir-lo, mata Bela-mulher; se coloclo, mata Bela-criana. Coloca-o e ao coloc-lo
se lembrou de tudo novamente. Novamente,
no s porque j havia se lembrado ao contar
para as irms, mas tambm porque agora a maneira de lembrar daquilo era nova. Partiu dessa
vez decidida, porm com a demora caracterstica de toda noiva (meio dia ou meia hora?).
Bela procura pelo bicho. Registre-se aqui
que pela primeira vez aparece no texto o termo
bicho: no mais monstro ou animal, mas bicho que tambm significa pessoa de grande
importncia ou saber . Depois de muito cham-lo, sem que ele viesse ao seu encontro, Bela
quem foi dar com (para) ele que se encontrava estendido entre as gramas do jardim esperando para deflorar a mais Bela rosa.
Bela sups que estivesse morto o desejo
do marido por ela, ento, ao invs de acaricilo apenas, quis dar-lhe um beijo. Certamente, conversara com a irm casada sobre beijos.
Beijos selam o matrimnio. A aliana ela j tinha. S no tinha e nunca tinha tido o beijo. E
o beijou. Ele recebeu-a. E ele se transformou.
E ela tambm. Estava(m) encantado(s)... (e
acho que ainda esto...)
Portanto, verifica-se nessa histria intermediria que os pontos de cruzamentos mantm-se como alicerces para as mudanas psicolgicas da herona: nas imagens selecionadas
h transferncias de experincias passadas. Evidencia-se a natureza feminina, alm da culpa
que a faz ir ao encontro de Fera e o medo do ato
sexual na associao noivo-monstro.
Cascudo (2000: 120), em nota ao conto, diz
que em alguns pases a Fera aparece como um
urso branco ou como serpente; ademais registra que a histria repete o mito de Cupido e
Psiqu. Confrontando A Bela e A Fera com a
histria narrada por Apuleio (NEUMANN,
1971: 25-26), observa-se que as irms invejosas,
ao caracterizarem o marido de Psiqu, assim
procedem: ... e os abraos da vbora peonhenta
que te faz companhia a noite...; Quando ento a imunda serpente subir como de costume
ao leito...; ... aproveita para finalizar (...) de
um s golpe de punhal (...) o anel que fica entre
o pescoo e a cabea da serpente.
Embora a serpente, assim como a rosa, tenha uma conotao sexual, no nos influenciamos por esse detalhe que no aparece, de fato,
no texto. Mas, por ser tratada de um animal,
lembramos o ciclo do noivo-animal ligado ao
medo anterior a relao sexual, que culmina na
aproximao parceiro-monstro (BETTELHEIM,
1980). O homem-animal duas vezes animal e
representa o retorno s origens selvagens pelo
ato sexual.
Qui o sexual, que se delineia desde as
ptalas da rosa at o beijo da transformao, seja
apenas um acessrio para o tema central do
matrimnio, concebido numa tradio crist
que buscou, para pintar o paraso-jardim, tintas na mitologia greco-romana. De qualquer forma, A Bela e a Fera contm os dois motivos comentados por Propp: o da iniciao e o da representao da morte entrelaados: a iniciao
da vida sexual/adulta de Bela e a morte de sua
fase infantil; a morte da Fera para a iniciao da
vida feliz/realizada de prncipe. Tais consideraes evidenciam a permanncia do mito enquanto modelo exemplar de todas as ativida-
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5 O CONTO DE F
ALAS:
FALAS:
UMA PERSPECTIVA
(MITO)MET
ALINGSTICA
(MITO)METALINGSTICA
Ao procurarmos por uma camada ainda
mais profunda a instncia do artista da palavra, que, por meio da funo potica, produz
uma mensagem que se volta para si mesma, cujo
procedimento fundamental para a tessitura
do texto , inevitavelmente esbarraremos numa
ideologia propriamente narrativa. Para aquele
que elabora a linguagem, nada mais importante que a prpria linguagem e a reflexo metalingstica que ela sugere.
Se todo conto maravilhoso possui uma
estrutura invarivel capaz de comportar em si
uma teorizao sobre o gnero, todo conto contm sua teoria em si, em estado puro. Sendo
assim, uma terceira histria seria um retorno
que passa pela oralidade e busca na forma as
origens da narrativa popular. Esse processo exclui os argumentos moralizantes, bem como os
psicolgicos e mitolgicos, favorecendo, nica
e exclusivamente o ato criador, ou a gnese da
criao narrativa.
Talvez por isso o pai e as filhas vivendo a
paz admica impossvel de crescimento, pois
nessa paz reina o equilbrio que no passvel
de ser contado , so assaltados pela pobreza
impositiva de novas experincias narrativas.
Bela, a mais nova filha: a menos transformada
pede-lhe a mais linda flor do mais lindo jardim, ou seja, a forma pura/natural, aquela que
criao do Todo, pertencente ao jardim mtico, espao de criao primeiro.
Tendo achado a flor, o pai a colhe e o que
era puro fora maculado; aponta-se a a impossibilidade desse narrar e a exigncia de uma
nova histria (GAGNEBIN, s/d: 56). O aparecimento de Fera, criatura transformada, opostamente a Bela e ao que era, indica a modificao ou elaborao artstica pela qual os contos
de fadas passam ao longo do tempo. Essa transformao que aparenta prejuzo da essncia,
impulsiona a narrativa para frente, porm mantm uma ligao com a forma primeira: a Fera
alimenta-se de rosas.
A rosa/narrao entregue Bela, pois
narrador forma narradores e Bela precisa conduzir uma nova histria, cheia de marcas cul-
REFERNCIAS
APULEIO. Amor e Psiqu In: NEUMANN,
Erich. Amor e Psiqu: Uma Contribuio
para o Desenvolvimento da Psique Feminina. SP: Cultrix, 1971.
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sobre a obra de Nikolai Leskov e Experincia e Pobreza. In: Obras Escolhidas:
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SP: Global, 2000.
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FERRARA, L. DAlessio. O Texto Estranho. SP:
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GAGNEBIN, Jeanne Marie. No contar mais?
In: Historia e Narrao em Walter Benjamin.
SP: Perspectiva, s/d.
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ANEXO
A Bela e a Fera
Era uma vez um rico mercador que tinha trs filhas, cada qual a mais bela. Depois
empobreceu e foi morar longe da cidade, onde
pudesse esconder a vergonha de sua pobreza.
As filhas mais velhas ficaram muito tristes com
isso, por no poderem mais sustentar o luxo de
que tanto gostavam. A mais nova, que se chamava Bela, acomodou-se sorte e tudo fazia por
consolar o velho pai. (SITUAO INICIAL)
Vai seno quando o mercador teve notcia
de um bom negcio numas terras muito distantes e, para tentar ainda o fado, partiu para l. Ao
despedir-se, perguntou s filhas o que queriam
que lhes trouxesse, caso fosse feliz nos negcios.
(I. AFASTAMENTO)
A mais velha disse que queria um rico
piano; a do meio pediu um vestido de seda, e a
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Como no tinha outro remdio, o mercador aceitou a condio imposta e partiu com a
flor. Em caminho ia pensando no caso, mas estava certo de que tudo se resolveria bem, porque a criatura que sempre vinha ao seu encontro era a cachorrinha da casa. Assim no aconteceu. Ao chegar, a primeira criatura que ele
avistou foi sua filha Bela, a quem entregou a
rosa, contando-lhe tudo o que havia acontecido e lamentando a sua infelicidade.
- L por isso no seja, meu pai, pois irei, e
a Fera h de se apiedar de ns.
No outro dia, foram ter ao castelo, onde
tudo se passou como anteriormente.
Quando, pela manh, a moa colheu a
rosa, a Fera apareceu, mas a rapariga se ps a
ach-la muito bonita e acarici-la. O monstro
apazigou-se, e o mercador, chegando a hora de
partir, despediu-se, chorando, da filha que ali
ficou vivendo. (VIII. DANO)
Algum tempo depois Bela mostrou desejo de tornar a ver o pai, mas a Fera no quis que
ela se afastasse dali. Mandou chamar o velho,
que veio logo num timo. L passou uns dias e
quando foi para voltar disse Fera que lhe entregasse a menina. A Fera respondeu-lhe que
nem por tudo deste mundo lhe tornava a dar,
que podia vir v-la quando entendesse. E la por
dinheiro no, que fosse ao seu tesouro e levasse
as riquezas que quisesse. O mercador voltou
rico para casa.
Passado algum tempo, a Fera chamou a
moa e lhe disse:
- Tua irm mais velha acaba de casar-se.
- Como sabes disto?
- Queres v-la?
- Sim, que queria.
A Fera levou-a a um quarto encantado e
mostrou-lhe um espelho onde ela viu a irm,
no brao com o noivo, ao lado dos pais e dos
convidados.
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