Oitocentos - Arte Brasileira Do Império À República

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2010
Realizao da Publicao
UFRRJ
CEFET-Nova Friburgo
Organizao
Arthur Valle
Camila Dazzi
Projeto Grfico
Camila Dazzi
dzaine.net
Editorao
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Editoras
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DezenoveVinte
Correio eletrnico
dezenovevinte@yahoo.com.br
Meio eletrnico
A presente publicao rene os textos de comunicaes apresentadas de forma mais sucinta no II Colquio Nacional
de Estudos sobre Arte Brasileira do Sculo XIX. Os textos aqui contidos no refletem necessariamente a opinio ou a
concordncia dos organizadores, sendo o contedo e a veracidade dos mesmos de inteira e exclusiva responsabilidade
de seus autores, inclusive quanto aos direitos autorais de terceiros.

Oitocentos - Arte Brasileira do Imprio Repblica - Tomo 2. / Organizao Arthur Valle, Camila Dazzi. Rio de Janeiro: EDUR-UFRRJ/DezenoveVinte, 2010.
1 v.
ISBN 978-85-85720-95-7
1. Artes Visuais no Brasil. 2. Sculo XIX. 3. Histria da Arte. I. Valle, Arthur. II. Dazzi, Camila. III.
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. IV. Centro Federal de Educao Tecnolgica Celso Suckow da
Fonseca. Unidade Descentralizada de Nova Friburgo. V. Colquio Nacional de Estudos sobre Arte Brasileira do
Sculo XIX.
CDD 709

q
O Revivalismo Barroco e Rococ no Mobilirio Oitocentista
Brasileiro
Angela Brando

s
cio Costa escreveu suas Notas sobre a evoluo do mobilirio luso-brasileiro, em
1939, o que constituiu num dos primeiros estudos com intenes de organizar, de
modo geral, todo o percurso histrico do mobilirio no Brasil1. O artigo fora preparado como
introduo para um lbum de fotografias de mveis brasileiros, destinado Feira Internacional de
Nova York, nunca impresso. Foi, no entanto, publicado na Revista de nmero trs, do Servio do
Patrimnio Histrico e Artstico Nacional2.
Em suas Notas, cujo ttulo indicava mesmo um estudo apenas esboado, Lcio Costa
atinha-se muito brevemente, mas sempre com preciso, a cada perodo do mobilirio luso-brasileiro3.
Dividiu, assim, a histria do mvel no Brasil em trs grandes perodos. O terceiro perodo caberia a
uma reao acadmica desde finais do XVIII primeira metade do XIX. Para o arquiteto, depois
disso, o mvel brasileiro teria cado num universo de modas improvisadas e sem rumo, j
desorientadas pela produo industrial4.
Tais palavras indicavam claramente as idias do arquiteto moderno que, por um lado exclua,
curiosamente, o mvel moderno e industrializado de uma histria do mobilirio e, por outro, dentro
dos limites de seu olhar, desdenhava o carter ecltico e revivalista e uma produo pr-industrial da
moblia da segunda metade do sculo XIX, incompreendido tambm por ele nas obras
arquitetnicas.
desnecessrio considerar que, embora o modernismo no Brasil tenha valorizado o
mobilirio artstico do perodo colonial, como de resto a arte considerada barroca e rococ
entendidos como nossa verdadeira tradio artstica e tenha avaliado de modo negativo o

Doutora em Histria da Arte pela Universidade de Granada, ps-doutorado na FAU-USP sob superviso do Prof. Dr.
Luciano Migliaccio. Professora de Histria da Arte no Instituto de Artes e Design e colaboradora no mestrado em
Histria do Instituto de Cincias Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora.
1
COSTA, Lcio. Notas sobre a evoluo do mobilirio luso-brasileiro. In CAVALCANTI, Lauro (org.). Modernistas
na Repartio. Rio de Janeiro: UFRJ/ Minc. IPHAN, 2000. P. 195-206.
2
Idem, ibdem, p.194.
3
Idem, ibdem, p.195-196.
4
Idem, ibdem, p.197-198.

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mobilirio realizado no sculo XIX, no obstante, este foi um tempo de significativas realizaes de
mobilirio de honra, tradio que se afirmara sobremodo na centria anterior.
Embora ainda houvesse transposio de peas de mobilirio da metrpole colnia, o Brasil
desde o sculo XVIII j contava, certamente, com uma importante produo de moblia, no apenas
de aspecto tosco, destinada ao uso cotidiano, mas tambm aquela de carter simblico, associada ao
luxo e ostentao. Robert Smith bem salientou a importncia e a qualidade artstica do mobilirio
produzido no perodo colonial brasileiro, sobretudo no sculo XVIII 5. Entre os importantes centros
de produo de mveis, a Bahia tornara-se importante centro de feitio de cadeiras, que reproduziam
modelos ingleses de famosos ebanistas como Thomas Chippendale, George Happlewhite e Thomas
Sheraton. Estes trs nomes, alm de importantes referncias em termos de produo e exportao de
peas e de formas de moblia para o sculo XVIII luso-brasileiro, foram tambm responsveis por
publicaes ilustradas, catlogos com gravuras de completo repertrio de mveis, que serviam como
modelo para as oficinas locais.
A influncia de Sheraton se difundiu de tal forma entre marceneiros atuantes no Brasil,
sobretudo no contexto de Minas Gerais, que passaram a adotar a simplicidade, as linhas retas do
estilo, onde a madeira no se apresentava mais camuflada pelos entalhes, mas ela mesma em tons
claros e escuros, tomando como elemento decorativo simplesmente o contraste de cores de madeira,
em forma de incrustaes. Essa adaptao convencionou-se chamar estilo Sheraton Brasileiro6.
Nas ltimas dcadas do sculo XVIII, o mobilirio portugus, e por extenso o mvel
brasileiro, submeteu-se a variaes, que sugerem a transio do rococ ao neoclassicismo, cujo
nome adotado foi estilo D. Maria I (1777-1792). Na moblia chamada D. Maria I, ao lado do rococ,
formas mais sbrias se delinearam. As pernas dos mveis ganharam um corte circular, ou seja,
tornaram-se cilndricas com estrias, como colunetas, desaparecendo, assim, o cabriol. Os novos
elementos decorativos adotados foram os fios de prola, os festes de flores, como, alis, flores
midas e laos de fita, entalhados em madeira e vazados. De um modo geral, os mveis passaram a
apresentar corpos mais retangulares, no lugar da talha compunham-se incrustaes de madeira clara,
em filetes, sobre superfcies lisas. Diminuram ou desapareceram completamente os entalhes; e a
decorao com incrustaes de madeira ou madreprolas predominava7.

SMITH, Robert. Igrejas, casas e mveis. Aspectos da arte colonial brasileira. Recife: Universidade Federal de
Pernambuco, 1979. p. 330.
6
CANTI, Tilde. O Mvel no Brasil: Origens, Evoluo e Caractersticas. Rio de Janeiro: Agir, 1980. e CANTI,
Tilde. O Mvel do Sculo XIX no Brasil. Rio de Janeiro: Cndido Guinle de Paula Machado, 1989.
7
Idem, ibidem.

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Com a chegada de D. Joo VI ao Brasil, em 1808, e a transferncia da Corte portuguesa,


marceneiros, ourives e outros artesos, sobretudo do Rio de Janeiro, dedicaram-se a produzir peas
requintadas, no mais apenas destinadas s igrejas, mas s novas acomodaes da Corte. Instalada a
famlia real, muitos mveis foram trazidos e outros importados da Frana em estilo Imprio, mas
tambm se importaram mveis ingleses no estilo Regncia, sem, no entanto, que se abandonasse o
estilo Maria I. Os artesos locais passaram a contar com muitos dos modelos importados, alm dos
catlogos de oficinas europias, a partir dos quais pudessem realizar suas produes.
Com a afirmao do mobilirio neoclssico e de elementos da moblia em estilo Imprio, os
mveis produzidos no Brasil abandonaram provisoriamente as caractersticas barrocas e rococs,
que os haviam marcado no sculo XVIII, e passaram a adotar um aspecto mais sbrio, retilneo e
com o uso da madeira lisa, isto , sem entalhes. Adotou-se, para essas peas, a designao estilo
Dom Joo VI.
As pernas de sabre foram aplicadas nos mveis de assento, e criou-se um novo repertrio
decorativo, bastante austero, que caracterizou aquele que se reconhece como o primeiro estilo de
moblia essencialmente brasileiro, ou de um Brasil tornado Portugal, ou seja, o estilo Dom Joo VI,
que no representava mais uma transposio de modelos portugueses. Passou-se a usar leques e
rosetas com gomos, como elementos decorativos, sulcos como caneluras seguindo o contorno do
mvel. Desapareceram as ferragens dos espelhos e fechaduras que eram agora feitos tambm de
madeira torneada, ou como sutis incrustaes em marfim ou osso, em forma de pequenos losangos.
Contudo, a partir da metade do sculo XIX, os revivalismos e aqui adotamos um
aportuguesamento do termo ingls revival ou as referncias historicistas se fundem ao estilo Dom
Joo VI e aos mveis mais essencialmente neoclssicos, gerando uma complexidade de estilos
entendida como ecletismo. Aparecem, elaborados nas oficinas de artesos, em diferentes cidades
brasileiras, mveis em estilo neo-gtico, neo-renascimental (faziam-se especialmente rplicas de
cadeira savonarola); neo-barroco e neo-rococ.
Havia, por certo, ao contrrio do que chamamos aqui de revivalismo, uma permanncia do
estilo barroco e rococ no que se refere moblia em espaos religiosos, sobretudo durante a
primeira metade do sculo XIX; fazendo com que, na moblia artstica religiosa, no desaparecessem
por completo e em tempo algum nem a estrutura nem o repertrio decorativo da talha barroca e
rococ. Um exemplo poderia ser citado: os mveis que compem a sacristia da Igreja de Nossa
Senhora do Carmo, em Ouro Preto. Diogo de Vasconcelos, em seu texto de 1911, dedicado Arte
de Ouro Preto, forneceu algumas observaes a respeito: No deparo, certo, na talha a maneira
do pincel de Aleijadinho; mas no se pode apartar de sua memria genial a escultura na pedra de

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sabo assim nos relevos graciosos da fachada, tambm na fonte da sacristia. [...] Alm dessa fonte, a
sacristia da Ordem uma Segunda capela, guarnecida de mveis suntuosos. [sem grifo no
original]8. A aproximao espacial dos objetos, bancos e lavabo, indica, de qualquer modo, um
sentido de conjunto, de totalidade artstica capaz de harmonizar elementos comuns da escultura em
pedra e da talha aplicada ao mobilirio, mesmo que sua composio distasse, talvez, de dcadas. Tal
hiptese, de concepo em conjunto de um programa decorativo para a Sacristia do Carmo,
envolvendo simultaneamente o lavabo e os mveis, deve ser confrontada pela documentao
referente aos trabalhos de Manoel Antnio do Sacramento que recebe, somente entre 1812 e 1813,
pagamentos pelo feitio da cmoda, mesas e seis bancos de jacarand para a mesma sacristia 9. Os
bancos devem ter sido executados, portanto, posteriormente ao lavabo e por mos do marceneiro
Manoel Antnio do Sacramento sobre cujos trabalhos no se tem levantada qualquer outra
documentao. A datao do lavabo poderia ser, ela mesma, posterior ao que se tem apontado,
posterior a 1780 e aproximar-se de modo mais direto, cronologicamente, das obras de mobilirio.
A permanncia do rococ tardio na primeira metade do XIX, em exemplos como esse,
diferencia-se do reviver do estilo em meados do sculo. A respeito do neo-rococ, h um episdio
particular, que corresponde ao estilo Branger. Julien Branger e seu filho, continuador de sua obra,
Francisco Manuel Branger, radicaram-se em Pernambuco. Julien, mestre marceneiro francs,
instalou sua oficina em Recife, em 1826, e formou um grupo de artesos locais. Usando o jacarand
a nobre madeira que equivalia, simbolicamente, de certo modo, ao bano Branger procurou
criar mveis tipicamente brasileiros ao entalhar temas inspirados na flora e fauna tropicais em
estilo neo-rococ, no entanto, com estruturas tomadas do estilo Imprio. Seus entalhes, ainda que
com motivos naturalistas tomados da flora nativa, eram combinados ao repertrio tradicional, com
cornucpias, por exemplo. Aplicava um polimento uniforme e brilhante, tendo introduzido no Brasil
o verniz de boneca. Julien morreu em 1853, e seu filho Francisco o sucedeu. Pintor, desenhista e
entalhador, Francisco Branger aperfeioou-se em Paris e continuou o estilo do pai. Os mveis
branger, como ficaram conhecidos, foram copiados por outros artesos em diferentes lugares do
Nordeste10.

VASCONCELOS, Diogo. A Arte em Ouro Preto. As Obras de Arte, memria publicada no livro comemorativo
do bicentenrio de Ouro Preto. Belo Horizonte: Edies da Academia Mineira de Letras, 1934. P. 54-58.
9
MARTINS, Judith. Dicionrio de Artistas e Artfices dos Sculos XVIII e XIX em Minas Gerais. Rio de Janeiro:
Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, 1974. vol. II, p.190.
10
CANTI, Tilde. O Mvel no Brasil: Origens, Evoluo e Caractersticas. Rio de Janeiro: Agir, 1980. CANTI, Tilde.
O Mvel do Sculo XIX no Brasil. Rio de Janeiro: Cndido Guinle de Paula Machado, 1989.

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Seus entalhes generosos, encostos vazados com curvas, convergindo para o motivo central, a
recuperao das pernas de curvas e contra-curvas do rococ (cabriol), e os ps de caximbo,
indicavam a complexa combinao de formas no ecletismo aplicado moblia.
No so suficientemente conhecidos os mestres marceneiros instalados nas cidades brasileiras
durante o sculo XIX. Conhece-se apenas a excelncia de muitos mveis eclticos e revivalistas
produzidos nessas oficinas e, mais ao final do sculo, nos Liceus de Artes e Ofcios 11. As autorias
so pouco conhecidas. Sabe-se, por exemplo, pela presena de um carimbo de identificao, que os
mveis da sala de jantar de Dom Pedro II para o Palcio de So Cristvo no Rio de Janeiro (que
esto hoje no Museu Imperial de Petrpolis) foram realizados pela oficina F. Lger Jeanselme pre
& fis, de um marceneiro e tapeceiro francs estabelecido no Rio de Janeiro 12.
O fenmeno do ecletismo no mobilirio brasileiro do sculo XIX no foi diferente do
ocorrido nas cidades europias e norte-americanas. Parte do interesse pelos objetos e mveis do
sculo XVIII advinha do colecionismo e do comrcio de antiguidades ao lado de objetos em estilo
rococ, provenientes das casas aristocrticas cujos bens foram espoliados pela Revoluo Francesa.
As combinaes de estilos do passado se davam tanto num mesmo objeto, onde referncias
moblia de diferentes temporalidades se fundiam, ou ainda mveis de distintas inspiraes do passado
combinavam-se num mesmo cmodo da casa. Havia tambm, certamente, programas de decoraes
de residncias em que cada cmodo recebia o tratamento dentro de um estilo diverso do passado: o
quarto masculino poderia ter estilo grego, a biblioteca neo-gtica, a sala de bordar ou o quarto
feminino, neo-rococ, e assim por diante13.
Algumas residncias da segunda metade do sculo XIX no Brasil, hoje tornadas museus,
conservam este jogo de articulao do passado conforme o destino de cada cmodo. o caso da
Villa Ferreira Lage, em Juiz de Fora, hoje Museu Mariano Procpio. Esta residncia pode ser
compreendida como um corredor em que o visitante descola-se pelo tempo, onde cada cmodo
abre-se para um tempo diverso: o quarto de Mariano Procpio apresentava-se em estilo neo-gtico,

11

Os Liceus de Artes e Ofcios no Rio de Janeiro e em So Paulo, por exemplo, na virada do sculo XIX para o XX
mantinham cursos de artes grficas e mobilirio. O Liceu de Arte e Ofcios de So Paulo foi importante centro
produtor de mveis eclticos. Muitas idias eram absorvidas atravs da circulao de revistas estrangeiras. O ensino no
Liceu de So Paulo levava em conta a qualidade do modo de produo e deixava a cada estudante a liberdade na
escolha do motivo. MOTTA, Flvio L. In: ZANINI, Walter. Histria Geral da Arte no Brasil. So Paulo: Instituto
Walter Moreira Salles, 1983, p.466.
12
Disponvel em: http://www.museuimperial.gov.br/ Acesso em 12 de outubro de 2009.
13
LUCIE-SMITH, Edward. Furniture: A Concise History. London: Thames & Hudson,1997. p.128-129.

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a sala de msica tendia ao neo-barroco, enquanto a sala de jantar revivia o renascimento ingls, em
estilo elisabetano14.
Um exemplo emblemtico, no entanto, pode ser a adoo do estilo Imprio para o gabinete
de trabalho de Dom Pedro II, como ambiente masculino, no Palcio Imperial de vero, em
Petrpolis; ao passo que o quarto da Princesa Leopoldina e a sala de bordar da Imperatriz
obedeciam ao conforto e feminina elegncia do estilo rococ. Um colecionismo de mveis
autnticos do sculo XVIII se conciliava, nos ambientes da Corte brasileira, ao revivalismo neobarroco e neo-rococ.
No decorrer do sculo XIX, diversas leituras estabeleceram-se em torno da arte barroca e
rococ. Apresentaram-se percepes negativas, que desprezavam suas deformidades. Houve, no
entanto, desde meados do oitocentos uma valorizao do conjunto artstico colonial ora como runas
plenas de valor, comprovado por meio das crnicas de Olavo Bilac; ou como patrimnio digno de
conservao, pelos artigos do pintor mile Roude para o jornal Le Rpublicain. Porm, no dirio
de viagem do imperador D. Pedro II por Minas Gerais, de 1881, encontramos uma instigante
compreenso do valor histrico-artstico da arte colonial. Tratava-se, talvez, da expresso de um
gosto j ecltico que comportava o revivalismo neo-barroco e neo-rococ, sintomaticamente
presente no mobilirio das casas imperiais.
Em 1881, o Imperador D. Pedro II, durante a viagem a Minas Gerais, como em todas as
suas viagens s provncias, registrou esta expedio em duas cadernetas, com anotaes dirias,
muito rpidas, onde a arte das igrejas observada com algum cuidado. O imperador j se dirigia a
um lugar impregnado de memrias, de referncias histricas e literrias.
Dei uma volta pela cidade entrando nas igrejas do Carmo de cujo interior gostei, havendo na
sacristia um lavatrio de pedra um pouco azulada cuja escultura revela talento e sobre a porta
esculturas do mesmo gnero que no me agradaram tanto, - e da matriz cuja forma me parece antes
de teatro [...] Da fomos ao Rosrio, que s se distingue por sua arquitetura externa. Corpo da
igreja oval; Carmo onde disseram-me que o lavatrio era obra do Aleijadinho e j com chuva de
trovoada a S. Francisco de Assis cuja escultura do Santo em xtase no alto da porta, plpitos
14

A Villa foi construda em 1861 quando Juiz de Fora se preparava para o progresso industrial, motivado pelas idias
de Mariano Procpio Ferreira Lage. Um de seus notveis empreendimentos foi a construo da estrada e a instalao
da Companhia Unio e Indstria. Nessa poca, o cultivo de produtos primrios, como o caf, representava a base da
economia na regio. Posteriormente, ainda no Imprio, a residncia de vero dos Ferreira Lage hospedou, por trs
vezes, a Famlia Real Brasileira. Na edificao, pode-se observar a simetria geomtrica e a presena de adornos
esculturais caractersticos do estilo renascentista. Projetada pelo arquiteto alemo Carlos Augusto Gambs, a residncia
foi construda em dois pavimentos, com o trreo destinado parte social, apresentando ambientes como salas de
msica, de jantar, de visita e escritrio. A Villa, antes conhecida como Chateau (castelo) de Juiz de Fora, localiza-se
no alto de uma colina, apresentando em seu entorno jardins, lago e pequenas ilhas. Posteriormente, no ano de 1921,
foi construdo o Prdio Mariano Procpio. As duas casas histricas, Prdio e Villa, integram, hoje, o conjunto do
Museu e Parque Mariano Procpio. Ver O Museu Mariano Procpio. So Paulo: Banco Safra, 2006.

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principalmente o baixo-relevo da tempestade do lago de Tiberades e figuras do teto da capelamor tudo obra do Aleijadinho so notveis. O teto do corpo da igreja foi pintado pelo tenente
coronel Atade [...] No pensava que fosse capaz de tanto, pois a pintura revela bastante talento no
grupamento das figuras. [...] De um dos lados da igreja descobre-se no vale a casa de Marlia de
Dirceu. [...] Disseram-me que Gonzaga costumava passear at perto de uma igreja no alto de uma
ladeira onde se deitava a contemplar a casa de Marlia15.

As obras de arte foram examinadas e julgadas, sofreram atribuies, nas anotaes de D.


Pedro II.
Sem mesmo considerar o carter ecltico da arquitetura no Brasil de segunda metade do
sculo XIX; a julgar, ao menos, pelo conjunto da decorao do Palcio Imperial de Petrpolis,
residncia estiva de D. Pedro II e pela moblia pertencente Coroa Imperial proveniente do Palcio
de So Cristvo ou conservada em outros acervos16, pode-se compreender as condies para uma
apreciao j positiva da arte barroca e rococ, no decorrer da viagem a Minas Gerais. As formas da
talha barroca e rococ dos mveis em estilo D. Joo V e D. Jos I eram j recuperadas e faziam
parte de diversos ambientes das moradias imperiais. Da mesma maneira, um esprito ecltico mais
diretamente inspirado nos modelos da moblia do sculo XIX ingls e francs, sobretudo o neorococ vitoriano e o neo-rococ dos estilos Lus Felipe e Segundo Imprio, compunham muitas
dependncias femininas, como vimos.
Assim, uma sensibilidade ecltica da segunda metade do sculo XIX afastava,
definitivamente, as restries neoclssicas que pudessem, porventura, ter sobrepesado as crticas e o
esquecimento da arte do perodo colonial. O olhar ecltico do oitocentos abria-se para o convvio e a
admirao das formas do passado, agora tambm de um passado barroco e rococ.

15

Dirio da Viagem do Imperador a Minas - 1881. In Anurio do Museu Imperial, vol. XVIII. Petrpolis: Ministrio
da Educao e Cultura, 1957. p. 76, 77.
16
Ver, por exemplo, a coleo de mveis do Museu Mariano Procpio em Juiz de Fora. O Museu Mariano Procpio.
So Paulo: Banco Safra, 2006.

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